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“Caos é, o tudo e o nada.

A ordem em sua essência é uma mistura, que respeita um padrão, mas não há para o
espírito do homem, ou no espírito do homem, nada que não seja relação. O que acontece
é que chamamos de desordem, caos, à ordem que não nós agrada, ao conjunto de relações
em que não entendemos ou não aceitamos, a relação conosco e o universo.

Caos é, o tudo e o nada...”

Oter, Clérigo de Nimb

Já é tempo que eu volte para casa, para Arton.


Sinto que devo antes relatar resumidamente como cheguei a este ponto, quais foram as
obras do acaso que me fizeram o que sou hoje. Se existe algum poder sobre o destino, ele
é sem duvida a mão do Caos, a mão de Nimb.

Meus pais foram talvez a combinação mais improvável de se imaginar. Um louco Clérigo
viajante, tocado pela gloria de Nimb, que tentava espalhar o pouco da sabedoria que tinha
salvado dessa experiencia divina. Usando palavras desconexas, que uma pessoa normal
não conseguiria dar o devido valor. Mas a influência do grande aleatório não estava
longe, um certo dia, após um longo tempo vagando, a mente de meu pai finalmente se
acalmou.

Ao ver pela primeira vez minha mãe, “- Um ser de beleza imensurável, feita de luz”,
como muitas vezes me descreveu, não demorou para se enamorar por ela. As razões dela
ainda são para mim um mistério, que deixo a cargo do destino.

Infelizmente existem facetas diferentes para o acaso, as quais o Caos serve sem piedade.
Minha mãe morreu ao me dar a luz, suspeito que por sermos de polaridades opostas. Veja
bem, não tenho apenas a benção de Nimb, mas sou a forma de existência mais aleatória
que povoa os diferentes planos, um Qareen. Sabendo disso, saiba que minha
descendência magica é Trevas, enquanto minha mãe era “feita de luz”.

Meu nome, dado por meu pai, é Ten´Umbra, o que traduz literalmente para, em alguma
linguá há muito tempo morta e esquecida, “a sombra”, a trevas que vem da luz. Oter, o
nome pelo qual chamava meu pai, sempre teve um humor estranho, com seu sermão
preferido que comecei este pergaminho. Ao ver o simbolo de Wynna com o qual fui
marcado, a face seis de um dado de seis fases em minhas costas, ele teve talvez uma
inspiração divina, ou apenas mais um surto de sua mente debilitada. Meu pai colocou em
sua cabeça de que eu estava destinado a servir as forças caóticas do destino, o grande
deus Nimb.

Talvez por suas próprias experiencias com meu avó, um grande Paladino de Khalmir que
o deserdou assim que soube de suas crenças, enxergou em mim uma forma de
homenagear e ao mesmo tempo provar a superioridade inquestionável de Nimb. Como
reflexo dessa relação de ódio com respeito que ele tinha com seu pai, decidiu que eu seria
“o Primeiro e Único Paladino de Nimb”.

De certa forma ali começou minha jornada para conquistar o título que tenho hoje,
“Paladino de Nimb”.

Para escapar das guerras e disputas que assolavam minha terra natal, assim como a
influência dos outros deuses, meu pai se aproveitou de minha descendência para
conseguir que eu fosse criado em outro plano. Por essa razão fomos para Magika, o
Reino de Wynna, sobrevivendo isolados, vagando pelos vastos desertos, tendo contato
com outros seres do reino apenas quando necessário.

Desde o primeiro dia que eu posso me lembrar de minha vida, tínhamos sempre a mesma
rotina diária. Durante o dia ele me treinava nos caminhos de um Paladino, assim como
seu pai lhe ensinou quando criança, mas adaptando os ensinamentos para a sua visão de
Nimb. Enquanto todas as noites meu pai, com minha ajuda, conjurava, se aproveitando
do aumento natural que o Reino de Wynna dava para seus poderes mágicos, louvando
para que Nimb me aceitasse como seu servo.

Não sei lhe dizer se incomodamos Wynna com esse comportamento, mas ao meu ver a
deusa sempre foi muito influênciada por Nimb, afinal, existe algo mais caótico que a
natureza da mágica?

Os dias passavam um igual ao outro, mas o tempo da primeira vida de meu pai chegava
cada vez mais próxima do fim. Um ser humano tem um ciclo de vida muito menor que
um Qareen, e eu deveria continuar buscando a honra de servir Nimb após a passagem de
meu pai para o próximo plano. O dia especifico de sua morte marcou o fim de minha
primeira jornada, naquele mesmo dia, em respeito ao meu pai, fiz as cerimonias
funerárias como ele me ensinara, oferecendo sua existência e essência ao grande deus
Nimb, ao mesmo tempo que conjurava por sua aceitação. Não entro nos detalhes de meus
sentimentos neste dia, porque eles não são importantes para este relato.

Veja bem, Nimb normalmente não aceita Paladinos sobre o seu serviço, apesar de não ter
sido o primeiro segundo o que ele mesmo me mostrou, e por essa razão não existem
ensinamentos escritos a serem seguidos, formas convencionais de conseguir o seu
favorecimento. Meu pai sabia que a insistência talvez fosse a arma mais forte para que
conseguíssemos nosso objetivo, não só isso, mas a minha própria existência, que de
tantas formas foi agraciada e guiada pela mão de Nimb.

Naquela noite, como era de costume, não ouve resultados visivéis ao meu ritual. A não
ser por uma curiosa visita durante meus sonhos, o primeiro contato que eu tive com o
grande Nimb.

Através da escuridão, que parecia preencher o lugar como fumaça, uma pessoa veio
caminhando em passos atravessados, com um olhar de alguém contrariado. Não tinha
coragem de me mexer, ou se quer gritar, apenas observava o homem com curiosidade, a
figura tinha uma certa idade, vestia um terno surrado, com uma cartola e grandes brincos,
enquanto em uma das mãos brincava com diversos dados de seis lados. Curiosamente eu
sentia uma atração por aqueles dados, transparentes de cores vermelhas, brancas e pretas.

- Um pequeno passarinho me contou sobre a sua obsessão... - o vulto foi quem primeiro
quebrou o silêncio – Posso perguntar, por que razão me deves tanta devoção?

Naquele momento a minha ficha caiu, e rapidamente me ajoelhei, inclinando a cabeça em


respeito, pois ali estava o grande deus a quem dedicava minha existência. Mas mesmo
assim não conseguia encontrar as palavras, afinal, como se convence um deus de seu
valor?

- Sem respostas? De alguma forma imaginava isso... - o Deus continuou depois do meu
silencio – Sei que você entende melhor do que o seu pai o sentindo do caos, apesar dele
ter sido um dos melhores clérigos que me serviram em muito tempo, não existe certeza
no futuro, muito menos no passado. Saiba que a minha própria presença aqui é um ato de
pura aleatoriedade, e por um acaso eu passava por este plano quando ouvi seu lamento,
por puro capricho decidi conferir o seu valor...

Ele caminhava de um lado para o outro, falando mas sem olhar diretamente para mim, até
que ele parou e me fitou profundamente.

- Você ter sobrevivido sobre os cuidados do seu pai por si só foi um acerto crítico. Talvez
você realmente seja favorecido por mim, sem nem eu mesmo saber. Façamos um
combinado, hoje estou com uma rolagem bondosa de dados. - ele jogou então um de seus
dados vermelhos para mim, que caiu com o 6 virado para cima – Espere o tempo que
quiser, guarde consigo este totem. Quando o rolar eu irei ao seu encontro, e você poderá
me desafiar em um jogo de azar da sua escolha. Se ganhar, terá seu desejo atendido,
aceitarei que eu estou do seu lado. Mas tome cuidado, pois ele funcionara apenas uma
vez, e você terá apenas uma chance...

Assim que ele acabou de falar, acordei suando, sentindo a brisa do deserto no meu rosto.
Procurei em volta pelo dado, em vão, já imaginava que tudo não tinha passado de um
sonho, até que senti um peso estranho no meu pescoço. Uma corrente que meu pai
sempre levava cosigo, e eu herdara dele, tinha agora um dado de seis faces pendurado
nela.

Minha fé estava mais forte do que nunca, agora que existia esperança no meu objetivo,
mas eu sentia que faltava um pouco de experiencia de contato com outras pessoas, por
isso decidi me mudar para uma das cidades mais proximas, aonde eu conheceria todos os
tipos de seres magicos diferentes. Os anos passaram, e eu me mantia fiel a ideia,
treinando meu corpo, meu espirito, seguindo as intruções que meu pai deixou para mim
religiosamente, e honrando sempre que possível o deus Nimb. Enquanto a minha
maturidade fisica se aproximava eu sentia o impetuo de arriscar, mas eu precisava de uma
idéia, afinal de contas, como se vence do deus da sorte em um jogo de azar? E ele não se
sentiria ofendido se isso acontecesse? Ou seria apenas mais um capricho, já que ele
poderia controlar facilmente o resultado?

Essas duvidas trouxeram para mim a resposta, de como eu poderia ganhar em um jogo,
isso é claro, só seria possivel se o proprio deus desconhecesse as regras que eu criaria, e
que eu mesmo tivesse sorte. Eu não poderia enganar ele, mas talvez se a regra fosse algo
inesperado, e ela só fosse revelada depois do jogo, sem nem mesmo eu ter conhecimento
da minha vitoria ou derrota...

Hoje marca o fim de meu treinamento, e fazem exatos 10 anos que eu consegui a honra
deste titulo. Nesse dia fatidico, normal como todos os outros a não ser por seu desfecho, a
razão pela qual tudo de desencadeou foi igualmente aleatoria. Saia normalmente de meu
banho, na moradia de uma Qareen que, após a salvar de um grupo mal intencionado de
mercadores (aonde já se viu cobrar 10 TP por algumas frutas), tinha me oferecido abrigo
pela noite. Seu nome não é importante para este relato, mas ainda posso me lembrar de
sua... Beleza e hospitalidade...

Ao esticar meu braço para pegar minhas roupas, sem querer derrubei a corrente que
carregava o dado que me foi confiado por Nimb. Fazendo com que ele rolasse pelo chão,
deixando para cima a face 1. Assustado com o ocorrido, rapidamente vesti o que
consegui, ficando com o torso de fora. Logo tudo em minha volta foi escurecendo,
enquanto uma fumaça negra ia preenchendo o espaço em minha volta até tudo ficar
escuro. Como da primeira vez, o avatar de Nimb saiu da fumaça em minha direção.

- Ora, ora... Criou coragem? Primeiro achei que você poderia ser o mais lucido dos meus
servos, mas talvez ainda exista alguma esperança para você... - em volta dele a fumaça
tomou a forma de um trono, aonde ele se sentou cruzando as pernas, com um olhar
interessado, diferente da ultima vez.

Prontamente me ajoelhei, mostrando todo meu respeito. Apesar de ter sido pego de
surpresa, ultimamente já tinha encontrado uma possível resposta e me preparado, só
faltava a coragem de arriscar. E eu não iria perder aquela unica chance.

- Oh grande aleatorio! Humildemente peço que você cumpra seu prometido, e aceite meu
desafio...

- Então você fala? Diga logo, qual jogo de azar vais desafiar a mim, o deus da sorte?

- Um simples jogo de dados... - os olhos do deus faíscaram – Mas as regras devem ser um
segredo, assim como os dados rolados, até tudo estar terminado. - peguei rapidamente
dois envelopes vermelhos em meu bolso, que trazia comigo a um bom tempo – As regras
estão neste envelope. Nós vamos jogar uma quantidade de dados de 6 lados, dentro de
copos, a primeira regra será então revelada. Depois disso vamos ver os valores das
rolagens, e só então a segunda regra será revelada. A sequencia da revelação das regras
será também aleatoria, ganha quem marcar mais pontos.

– Certo, se você acha que isso é o bastante para me derrotar em um jogo de azar, que
assim seja. - surgiram tanto na frente dele quanto na minha 6 dados e um copo –
Comecemos então.

Ambos rolamos nossos dados, os deixando encorbetos pelo copo. Eu revelei então a
primeira regra, escolhendo um dos dois envelopes vermelhos aleatoriamente.

- As rolagens de 2, 3, 4 e 5 valem 100 pontos. A cada 6 ou 1 tirado, deve se subtrair 1


ponto do total.

Revelei então minha rolagem, assim como ele. Meus valores foram 3, 1, 1, 4, 2 e 4,
enquanto os dele foram 3, 4, 1, 4, 2 e 6. Ele tentou então ler o que se passava na minha
cabeça, enquanto eu começa a ler nervoso a ultima regra, enquanto eu já sabia o
resultado, ele queria ler a minha reação.

- As rolagens de 1 e 6 valem 101 pontos. A cada 3 tirado, deve se subtrair 100 pontos do
total.

Esperei pela reação dele, eu tinha pensado em um jogo aonde fosse mais provavel um
empate, mas ainda assim existisse a chance de se ganhar. Uma forma de testar ao mesmo
tempo a vontade dele quanto a minha, afinal, eu nunca seria seu paladino se ele não
quizesse. E o resultado fina era um empate.

- Realmente garoto...- ele pareceu então satisfeito – Você me comprovou que até mesmo
o destino de um deus é mútavel, um empate... Mas isso não quer dizer que você ganhou,
logo...

Cai em desespero no chão, um misto de raiva e desilusão me percorria, seria tudo aquilo
sido em vão? Realmente um empate parecia a resposta certa, mas o Caos é incerto, não
existe certo ou errado, então tudo não passava de uma tentativa intelectual de agradar
Nimb. Mas enquanto me consumia em desespero, o Deus se calou por alguns intantes.
Até mesmo acreditei que ele já tinha se retirado, até que meu lamento foi interrompido
por sua voz.

- Você não tinha me falado que existia mais um valor a ser somado a sua rolagem de
dados... - ele tinha se levantado e agora tocava a tatuagem de Wynna em minhas costas,
no formato de um 6 de um dado de 6 lados – Que coisa, acabei perdendo para um mortal,
quem diria que o maior dados de todos, a vida, lhe daria o suficiente para ganhar. - sua
voz parecia intrigada e ao mesmo tempo satisfeita.

Eu me levantei ainda intrigado.

- Que eu me lembre bem, as regras não dizem nada sobre quantos dados se deve rolar, e
aparentemente você é mais abençoado por mim do que eu suspeitava... - ele se afastou,
indo em direção da fumaça – Quem diria, depois de tanto tempo eu teria outro Paladino, a
minha própria sabedoria me assombra, mas estes realmente são tempos necessitados de
um pouco de sorte e caos...

Quando me dei conta, estava deitado na cama da jovem Qareen, e a unica prova fisica
daquele acontecemento estava na minha corrente, o dado tinha se transformado, não mais
um dado comum, mas um d6 aonde todos lados eram 6. Podia sentir o poder divino de
Nimb sobre mim, as minhas preces tinham sido correspondidas e meu destino, contra
todas as probabilidades, tinha sido mudado.

Serei a lança que serve o Senhor do Caos, mesmo que isso custe minha vida ou minha
sanidade.

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