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REHABEND 2016

Burgos, España

INTERVENÇÃO EM RUÍNAS: CONSERVAÇÃO, RECONSTRUÇÃO OU


REUTILIZAÇÃO?

Ribeiro, Rosina Trevisan M.*

1: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-graduação


em Arquitetura, Mestrado Profissional em Projeto e Patrimônio.
rosinatrevisan@gmail.com

PALAVRAS CHAVE: Patrimônio cultural; Ruínas; Projeto de intervenção.

RESUMO

O projeto de intervenção em ruínas consideradas patrimônio cultural é uma questão polêmica que vem
sendo debatida a longo tempo. Desde o princípio da teoria do restauro, seja através de Jonh Ruskin
(1819-1900) que pregava a permanência da ruína, seja Viollet-Le-Duc (1814-1879) que a encarava
como o fim do monumento, pronta para ser reconstruída ou complementada segundo os princípios
estilísticos por ele preconizados, esta questão vem sendo discutida nos órgãos responsáveis pela
salvaguarda do patrimônio. Os documentos que se seguem a estes teóricos, as Cartas Patrimoniais, em
geral, são contrários à reconstrução das ruínas. Esta teoria vem evoluindo ao longo dos anos e hoje já
se valoriza mais a questão da autenticidade, que é mutável e diferenciada em cada país.

O objetivo deste artigo é discutir o caso das intervenções em ruínas de prédios históricos brasileiros
enfatizando as questões teóricas pertinentes ao assunto. O tema será discutido através da apresentação
do tratamento dado a intervenções realizadas em exemplares arquitetônicos brasileiros em função da
preservação da ruína, de seu reaproveitamento e uso do espaço, e da reconstrução total da edificação.
No caso das reconstruções, que valores são determinantes? Estes ainda permanecem após a
reconstrução?

As iniciativas para a preservação de um bem cultural necessitam muito mais do que o reconhecimento
do seu valor cultural. É necessário que a sociedade entenda o valor do patrimônio que lhe pertence e
que viabilize medidas de preservação visando a perpetuação da memória arquitetônica de sua história.
Daí a contribuição principal deste artigo ao apresentar e discutir conceitos e teorias com base em
exemplos práticos nacionais.

1. INTRODUÇÃO

As ruínas exercem um verdadeiro fascínio sobre as pessoas. Elas possuem um aspecto documental que
vislumbra um potencial referente ao documento histórico que elas representam, e também um valor
simbólico associado a valores estéticos e morais. É importante verificarmos como a questão da
preservação do patrimônio lida com estes remanescentes da edificação.

No início do século XIX foram realizadas intervenções em dois monumentos significativos da Itália
onde foram utilizadas posturas diversas. O Coliseu encontrava-se em péssimo estado de conservação
tendo sido consolidada toda a edificação, por Raffaele Stern, construindo-se um esporão oblíquo em
tijolos em uma das extremidades e mantendo-se as marcas da degradação do tempo constituindo uma
intervenção conservativa. Na mesma época o Arco do Tito sofreu uma intervenção, iniciada por Stern
e completada por Valadier, onde foram reconstituídas as partes originais da edificação de forma
simplificada e com material diferente do original. Os dois trabalhos tiveram abordagens e resultados
diferentes que revelam, desde aquela época, possibilidades de atuação diversas e que são exemplos de

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correntes de teóricos em preservação do patrimônio, constituindo uma problemática de atuações


posteriores.

Nos primórdios das teorias de restauro, meados do século XIX, a questão da reconstrução foi tratada
por Viollet-Le-Duc (1814-79) que pregava que o arquiteto deveria optar pela reconstrução do
monumento melhorando os defeitos e procurando um ideal do seu estilo. Ou seja, ele ia além da
simples reconstrução, ele visava com a restauração restabelecer o edifício “em um estado completo
que pode não ter existido nunca em dado momento" [1]. Exemplificando, temos o caso em que
Napoleão III, em 1857, decidiu restaurar o Castelo de Pierrefonds – França e Viollet-Le-Duc foi
encarregado de executar. Após realizar o levantamento das ruínas e através de informações obtidas,
conseguiu reconstruir a planta do edifício original, assim como as oito estátuas em cada uma das
torres. A reconstrução abrangeu desde a estrutura, totalmente nova, ao mobiliário. As obras duraram
12 anos. O autor introduziu inúmeras alterações em relação ao original, configurando a intenção de
Viollet em devolver o estado completo, ideal e absoluto ao edifício.

O estudo de como os teóricos da área de patrimônio e os documentos provenientes de Congressos e


encontros de especialistas tratam o assunto é de extrema importância para dar embasamento nos
projetos de intervenção em ruínas.

2. RUÍNAS: CONCEITUAÇÃO

A ruína pode ser considerada como um fragmento, uma parte de uma estrutura arquitetônica original,
que teve uma má conservação ou sofreu algum desastre ao longo de sua vida, mas não significa que
não possa ser considerada uma obra de arte. Este fragmento difere da feição original da edificação, não
possui o seu valor original, o valor da sua criação, no entanto pode ser portador de novos valores.

As ruínas possuem uma memória anterior de algo que existiu. É parte de uma história e são
documentos de uma materialidade passada. São fontes de estudo para técnicos e para a própria
sociedade. Elas exercem um fascínio sobre as pessoas, curiosas pelo que aquele fragmento foi no
passado, sua importância e sua magnitude. Entender a importância das ruínas enquanto referências
materiais e simbólicas do passado é determinante para as ações de intervenção e preservação neste
patrimônio cultural.

Robert Morris, ao se referir às ruínas, define:

Um tipo de estrutura que realinha a relação entre objetos e espaços, mas que sempre é
considerada por aquilo que foi e não por aquilo que é, é a ruína. Abordada no sentido
histórico-romântico, a ruína tem uma aura própria e foi cuidadosamente cultuada no século
XVIII como uma forma de arte [...] as ruínas costumam ser espaços excepcionais, de uma
complexidade incomum[...]. [2]

Brandi define ruína como “[...] tudo aquilo que é testemunho da história humana, mas com um aspecto
bastante diverso e quase irreconhecível em relação àquele de que se revestia antes. [...]. Disso resulta
que a obra de arte reduzida ao estado de ruína, depende maximamente para a sua conservação, como
ruína, do juízo histórico que a envolve; [...]”, Para o autor, “[...] a restauração, quando voltada para a
ruína, só pode ser a consolidação e conservação do ´status quo´, ou a ruína não era uma ruína, mas
uma obra que ainda cotinha uma vitalidade implícita para promover uma reintegração da unidade
potencial originária.” [3].

Logo, é necessário distinguir o que seja um fragmento antigo com valor cultural ou uma edificação
danificada, arruinada, que possa, ou não, ser recuperada. É preciso distinguir o grau de degeneração
que incide sobre aquele remanescente para que se consiga definir e determinar as formas de
intervenção.

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2. INTERVENÇÃO EM RUÍNAS

Resumidamente podemos dizer que, segundo Brandi [4], o restabelecimento da unidade potencial de
uma obra arruinada é inaceitável, pois se tornaria uma obra não autêntica, e argumenta que “devemo-
nos limitar a aceitar na ruína o resíduo de um monumento histórico ou artístico que só pode
permanecer aquilo que é, caso em que a restauração não poderá consistir de outra coisa a não ser na
sua conservação, com os procedimentos técnicos que exige.”. Para o autor “não basta saber como,
mesmo se com a mais vasta e minuciosa documentação, a obra era antes de se tornar uma ruína. A
reconstrução, a repristinação, a cópia não podem nem mesmo ser tratadas como tema de restauração,
[...]”.

Anteriormente a Brandi, no início do século XX, Alois Riegl e Max Dvořák já dissertavam sobre o
assunto. Riegl [5] aborda a importância dos valores atribuídos aos monumentos em seu livro El culto
moderno ao monumento. O autor estabelece o valor de ‘antiguidade’ como o principal valor a ser
atribuído a uma ruína, e para que o mesmo se perpetue a intervenção deve ser a mínima possível,
apenas no que concerne à sua conservação. Neste mesmo período Dvořák ao tratar das ruínas critica as
práticas de restauração recorrentes naquele período alertando para os perigos da reconstrução: “Ruínas
foram reconstruídas e deram lugar a falsos castelos. [...] Através de restaurações dessa natureza, os
monumentos do passado não estarão protegidos contra a ruína, mas, ao contrário, estão sendo
conduzidos à destruição em todos os aspectos.”. O autor ressalta que “uma ruína reconstruída não é
mais uma ruína, mas uma nova, geralmente medíocre, obra arquitetônica” [6].

Este pensamento que condena a reconstrução vem sendo discutido ao longo dos anos. Após a
Conferência de Nara no Japão, em 1994 [7], a discussão sobre as intervenções no patrimônio edificado
passa a ser sobre a identidade e autenticidade, conceitos diretamente ligados à questão dos valores
patrimoniais. Conceitos estes reforçados na Carta de Brasília de 1995 [8]. A questão da reconstrução
como método de preservação do patrimônio edificado sempre foi objeto de polêmica. A reconstrução
pode ser considerada um instrumento de recuperação da materialidade do bem cultural, de seu valor
histórico, artístico e simbólico, pois mantém a forma arquitetônica e estilística na sua integridade, e
mantém a sua imagem e simbolismo ao fazer reviver a memória do monumento.

Para Luiz Antônio Lopes Souza a reconstrução é “a superação da ideia da morte de um monumento,
com a sua rematerialização como valor cultural em um determinado contexto histórico”. O autor
explicita que: “A reconstrução é então, conceitualmente, o instrumento de recuperação da memória de
um monumento, perdida na imaterialidade. Eliminado o hiato do tempo, o monumento adquire uma
nova materialidade física e assim pode reassumir o seu papel como valor cultural. O patrimônio em
que este consiste é reintegrado à sociedade”. [9]

O IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, órgão responsável pela


preservação do patrimônio no Brasil, já adotou posturas diversas quando da intervenção em ruínas,
inclusive aceitando a reconstrução formal como é o caso do antigo Hotel Pilão em Ouro Preto – MG.

2.1. Teóricos e Cartas Patrimoniais

Na realidade, Viollet-Le-Duc extrapola o conceito de reconstrução pois acrescenta elementos em suas


obras que não existiam originalmente, mas que considerava o estado ideal da arquitetura. Em
contraposição, John Ruskin (1819-1900) [10], seu contemporâneo inglês e opositor, não aceitava
qualquer intervenção de restauro nos monumentos. Ele defendia tão somente a consolidação das partes
existentes, mas não a reconstrução. Camilo Boito (1836-1914) [11] tenta uma união entre a teoria de
Ruskin e a necessidade do restauro. Dizia que “quando as adições são indispensáveis, por razões
estéticas ou outros motivos de absoluta necessidade, devem ser realizadas sobre informações
absolutamente certas e com características e materiais diferentes”; ele estava se referindo a acréscimos
e não à reconstrução total do bem. Luca Beltrami (1854-1933), arquiteto italiano adepto da restauração
histórica, seguidor das teorias de Camilo Boito, pôs em prática as suas teorias acrescentando, no

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entanto, a questão da reconstrução que deveria ser baseada em desenhos, plantas e na historiografia, de
modo que a restauração fosse o mais verdadeiro possível, sem as inovações e analogias do restauro
estilístico de Le Duc.

Brandi (1906-88) admitia a reconstrução apenas se o edifício não tivesse valor de obra de arte, mas se
“os elementos desaparecidos forem obras de arte, há que excluir a possibilidade de que se reconstruam
como cópias” [12]. A Torre na Praça de São Marcos, em Veneza, cuja construção teve início no século
XII, desmoronou-se totalmente em 1902. A partir daí começou uma polêmica entre os arquitetos da
época referente a como deveria ser refeita, se ‘tal e qual’ à original ou com uma nova configuração. A
reconstrução da torre inicia-se em 1903, tendo sido utilizado o concreto armado revestido com
materiais tradicionais. A construção esteticamente igual à original terminou em Março de 1912. Neste
caso da Torre, Brandi admitiria reconstruí-la, mas não igual à original. [13]

No período pós-guerra houve vários casos de reconstrução perfeitamente justificáveis, não por
questões teóricas, mas sim em função da situação de perda e tragédia resultante deste período
dramático. Um exemplo clássico foi a reconstrução do centro de Varsóvia – Polônia. Os fragmentos
das casas da Praça do Castelo que restaram foram consolidados. Todas as casas foram reconstruídas
externamente tal como eram antes, com materiais modernos, aproveitando os restos de construção que
foi possível recuperar.

As reconstruções aconteciam tendo como base os destroços do próprio sítio destruído e também
através de documentação fotográfica. Tratava-se de réplicas, ou seja, da execução de um falso
histórico, mas que era perfeitamente justificável em função do período crítico que as cidades e sua
população tinham passado. Estas questões precisam ser analisadas separadamente das demais
intervenções de reconstrução realizadas no patrimônio edificado.

Após este período a questão da reconstrução vem sendo discutida de forma discreta nas Cartas
Patrimoniais, provenientes de congressos e encontros com técnicos especializados e estudiosos da
restauração do patrimônio edificado. A Carta de Veneza, de 1964 [14], documento altamente utilizado
em todos os países, ao tratar das ruínas deixa claro a impossibilidade da reconstrução tal qual sua
forma original. Admite apenas a anastilose e esclarece que “os elementos de integração deverão ser
sempre reconhecíveis e reduzir-se ao mínimo necessário”. No Brasil, muitas intervenções são
realizadas em monumentos históricos seguindo estas diretrizes que até hoje são adotadas nos órgãos de
preservação.

A Carta de Burra [15], de 1980, tentando definir os diversos termos utilizados no campo do
Patrimônio Histórico explicita o termo Reconstrução como: “[...] será o restabelecimento, com o
máximo de exatidão, de um estado anterior conhecido; ela se distingue pela introdução na substância
existente de materiais diferentes sejam novos ou antigos. A reconstrução não deve ser confundida,
nem com a recriação, nem com a reconstituição hipotética, ambas excluídas do domínio
regulamentado pelas presentes orientações”.

Esta Carta, no item 5, artigos 17 a 19, detalha a questão da reconstrução, quando diz que esta “deve ser
efetivada quando constituir condição sine qua non de sobrevivência de um bem cuja integridade tenha
sido comprometida por desgastes ou modificações, ou quando possibilite restabelecer ao conjunto de
um bem uma significação cultural perdida”. Esclarece que “deve se limitar à colocação de elementos
destinados a completar uma entidade desfalcada e não deve significar a construção da maior parte da
substância de um bem”, se limitando “à reprodução de substâncias cujas características são conhecidas
graças aos testemunhos materiais e/ou documentais. As partes reconstruídas devem poder ser
distinguidas quando examinadas de perto” [16]. Como visto, a Carta de Burra não admite a
reconstrução ‘tal e qual’ o original, com mesmas técnicas construtivas, materiais e até mesmo a
reconstituição da imagem.

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A Carta de Cracóvia (2000) define o restauro como “uma intervenção dirigida sobre um bem
patrimonial, cujo objetivo é a conservação da sua autenticidade e a sua apropriação pela comunidade”.
E complementa dizendo que:

Devem ser evitadas reconstruções de partes significativas de um edifício, baseadas no que os


responsáveis julgam ser o seu “verdadeiro estilo” A reconstrução de partes muito limitadas,
com um significado arquitetônico pode ser excepcionalmente aceita, na condição de se
fundamentar, em documentação precisa e irrefutável. Se for necessário para o uso adequado
do edifício, podem-se incorporar elementos espaciais e funcionais, mas estes devem exprimir a
linguagem da arquitetura atual. A reconstrução total de um edifício, que tenha sido destruído
por um conflito armado ou por uma catástrofe natural, só é aceitável se existirem motivos
sociais ou culturais excepcionais, que estejam relacionados com a própria identidade da
comunidade local. [17]

O IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional adota como premissa para suas
intervenções, além do Decreto Lei 25, de 30 de novembro de 1937, que respaldou a criação do órgão,
as recomendações constantes da Carta de Veneza. No entanto já aprovou projetos de reconstrução
total, e em contra partida já negou diversos outros projetos de reconstrução ou mesmo qualquer
intervenção que não seja a consolidação em diversos casos no país.

3. CASOS DE INTERVENÇÕES EM RUÍNAS

Existem diversas formas de reutilização das ruínas, fragmentos de uma edificação. A seguir o caso das
intervenções realizadas em quatro ruínas brasileiras que são tombadas por órgãos federais e estaduais
de proteção do patrimônio brasileiro.

Em 1771, foi iniciada a construção da Matriz da Santíssima Trindade, no estado de Mato Grosso. Em
1775, houve uma primeira reconstrução face a desmoronamento anterior, seguida de outra em 1793.
Construída em muros de taipa de pilão foram, pouco a pouco, sendo destruídos pelas intempéries. A
matriz nunca chegou a ser concluída, provavelmente, por ter sua construção iniciada no período da
decadência de Vila Bela. No início do século XX a Matriz ainda estava de pé e depois foi se
destruindo. Em 1988 foi tombada pelo IPHAN como ruína. Para proteção desta ruína foi construída
uma cobertura metálica em 2006 (Figuras 1 e 2).

Figura 1: Ruínas da Igreja Matriz de Vila Bela da Figura 2: Cobertura de proteção.


Santíssima Trindade.
Fonte:
Fonte:http://mtpaisagem.blogspot.com.br/2012/08/ruinas- http://brasildasaguas.com.br/projetos/sete-rios-
da-igreja-matriz-de-vila-bela-da.html 2006-2007/guapore/diario-de-campo/

A Capela de Santana do Pé do Morro, na cidade de Ouro Branco/MG, foi concebida privilegiando uma
ruína existente constituída por alvenarias em pedra (Figura 3). Foi construído um invólucro, de
arquitetura simples, em madeira, destacando as paredes remanescentes. Projeto de do arquiteto Éolo

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Maia e Jô Vasconcellos, de 1977. Bem tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e
Artístico de Minas Gerais (IEPHA)

Figura 3: Vista interna da Capela.


Fonte: http://wton71.album.uol.com.br/album-do-wilsonton/9375381
Também em Minas Gerais, um outro exemplo de reaproveitamento da ruína do Santuário do Caraça
(tombado pelo IPHAN em 1955). O local já foi hospedagem para romeiros e colégio missionário
reconhecido pelos imperadores portugueses, hoje se denomina Centro de Turismo e oferece aos
visitantes Museus, Biblioteca, Arquivo Histórico e Fotográfico e Centro de Convenções. Construção
em pedra e tijolo do final do século XIX, sofreu um incêndio em 1968 e em 1990 foi revitalizada a
Biblioteca (Figura 4).

Figura 4: Prédio da biblioteca após a restauração.


Fonte: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1497983&page=2
No estado do Rio Grande do Norte, cidade de Cangaretama, temos um caso de reconstrução da Capela
do Engenho de Cunhaú (tombada pelo IPHAN como ruína em 1964). Trata-se de construção do séc.
XVII, construída com tijolos cozidos, batentes e cornijas de pedra lavada, restaram as paredes laterais
e a parede de fundo. Na parede do retábulo restava o nicho em arco, quando foi tombada. Reconstruída
em 1986 (Figuras 5 e 6).

Figura 5: Ruínas da Capela de Cunhaú (s/d). Figura 6: Vista da Capela reconstruída.


Fonte: http://museudoagreste.blogspot.com.br/ Fonte:http://dacadeirinhadearruar.blogspot.com.br
2011/06/pela-capela-de-cunhau-na-tarde-de-15-de.html /2011/06/actas-diurnas-dende-arcoverde-i.html

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3.1 Análise crítica

Analisando os exemplos apresentados podemos destacar atitudes diferentes em intervenções realizadas


em edificações tombadas. No caso das ruínas da Igreja Matriz de Vila Bela da Santíssima Trindade,
em Mato Grosso, a estética e a escala utilizada em relação à intervenção foi totalmente desprezada. A
estrutura da cobertura foi inserida de forma destoante e impactante, onde as ruínas, que deveriam se
destacar ficaram sobrepujadas por uma imensa estrutura na cor vermelha.

Já no caso da Capela de Santana do Pé do Morro, em Ouro Branco/MG, a estratégia de inserir a ruína


numa estrutura tipo galpão, construtivamente simples, demonstra respeito em relação ao monumento
histórico e à natureza do sítio, procurando não apenas assegurar a integridade das ruínas, mas também
não se sobrepor hierarquicamente a elas. Na biblioteca do Colégio de Caraça/MG a ruína foi
estabilizada com a nova estrutura e reaproveitado o seu espaço interno, deixando claramente
identificada a intervenção utilizando materiais contemporâneos.

Com relação à Capela do Engenho de Cunhaú, em Cangaretama/RN, a intervenção foi mais drástica,
pois sua reconstrução foi realizada constituindo uma nova Capela. A reconstrução não ocorreu para a
recomposição paisagística ou arquitetônica de um conjunto, mas para a proteção de um fato
importante, o massacre de 1645, que ocorreu no local e permanece na memória popular. Fica evidente
a criação de um novo edifício, de uma nova ‘obra de arte’. Não havia dados suficientes para sua
reconstrução.

4. CONCLUSÕES

O Valor de Antiguidade apregoado por Riegl, que é inerente às ruínas, “está intrinsecamente refletido
nas ausências físicas, na insinuação de uma arquitetura não mais existente e na comprovação evidente
da trajetória histórica vivenciada pelo monumento” [18]. O Valor Estético também é característico
das ruínas tendo em vista a admiração das pessoas que se encontram frente a estes fragmentos. Além
destes, temos o Valor Histórico visto que as ruínas, de uma forma geral, estão impregnadas de
acontecimentos que fazem parte da vida da edificação e da própria cidade em que se encontram.

Numa intervenção em ruínas, além do respeito a estes valores que as ruínas possuem é necessário que
a intervenção agregue valor ao monumento. Seja através de sua qualidade arquitetônica, seja no
respeito ao patrimônio, visto que o monumento deve se sobressair a qualquer intervenção realizada.

A manutenção rígida da imagem sem a possibilidade de acréscimo de novos valores aos


monumentos, em alguns casos, os manterá como imagens estáticas destinadas ao
desaparecimento. A condição das ruínas, enquanto parte componente da memória das
sociedades, deve refletir sua antigüidade e sua história, seus valores estéticos e culturais,
adequar-se ao presente enquanto referência do passado e formadoras do futuro. Assim, podem
ser apropriadas e mantidas como testemunhos desejáveis da trajetória de um lugar e de um
povo. [19]

As iniciativas para a preservação de um bem cultural necessitam muito mais do que o reconhecimento
do seu valor cultural. Cabe à sociedade e ao Poder Público tomarem medidas que viabilizem a
perpetuação deste símbolo através do tempo. O estudo exaustivo do monumento a ser restaurado é
imprescindível e deve ser utilizado como fundamento e justificativa das intervenções a serem
realizadas na edificação, adequando-as às necessidades dos tempos atuais sem prejudicar sua relação
com o passado, e visando o resgate de sua unidade potencial e da simbologia intrínseca em sua
imagem física.

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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] Viollet-Le-Duc, E. E. Restauração. 3 ed. Trad. Beatriz M. Kühl. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2006.

[2] Morris, Robert. O tempo presente do espaço [1978], in: Ferreira, Gloria, Cotrim, Cecília (org.).
Escritos de Artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006, p.410-411

[3] BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. Trad.: Beatriz M. Kühl. São Paulo: Ateliê Editorial,
2004, p. 65

[4] BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. Trad.: Beatriz M. Kühl. São Paulo: Ateliê Editorial,
2004, p. 67-68

[5] Riegl, Alois. El culto moderno a los monumentos. 2 ed. Madri: Visor Dis., S.A, 1999.

[6] Dvořák, Max. Catecismo da preservação de monumentos. Trad. Valéria Alves Esteves Lima. São
Paulo: Ateliê Editorial, 2008, p.100

[7] Conferência de Nara, 1994. http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=264.


(25/07/2014)

[8] Carta de Brasília, 1995. http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=265. (25/07/2014).

[9] Souza, L. A. L. Wiederaufbau: a Alemanha e o sentindo da reconstrução. 2006. Dissertação


(Mestrado em Arquitetura) – Programa de Pós-Graduação em arquitetura – UFRJ, Rio de Janeiro:
2006.

[10] Ruskin, John. A lâmpada da memória. Trad. Maria Lucia Bressan Pinheiro. Ateliê Editorial, São
Paulo, 2008.

[11] BOITO, Camillo. Os restauradores. Trad. De Paulo M. Kühl e Beatriz M. Kühl. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2002.

[12] BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. Trad.: Beatriz M. Kühl. São Paulo: Ateliê Editorial,
2004.

[13] Luso, E.; Lourenço, P. B.; Almeida, M. Breve história da teoria da conservação e do restauro.
2004. http://www.civil.uminho.pt/cec/revista/Num20/Pag%2031-44.pdf. (25/07/2014).

[14] Carta de Veneza, 1964. http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=236, (25/07/2014)

[15] Carta de Burra, 1980. http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=251. (25/07/2014)

[16] Ibid, p.4

[17] Carta de Cracóvia,2000.http://www.patrimoniocultural.pt/media/uploads/cc/cartadecracovia2000.


pdf (25/07/2014).

[18] PIMENTEL, Letícia Von Kruger. Ruínas: imagem estática ou memória viva. 2005. Dissertação
(Mestrado em Arquitetura) – Programa de Pós-graduação em Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.

[19] PIMENTEL, Letícia Von Kruger. Ruínas: imagem estática ou memória viva. 2005. Dissertação
(Mestrado em Arquitetura) – PROARQ/FAU/UFRJ, Rio de Janeiro, 2005

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