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Título: Vingança, Sorvetes e nós duas

Copyright © 2019 por EDITORA SINNA


AUTORA: Rebecca Jorge
1a edição
Rio de Janeiro – RJ
Literatura nacional, Ficção, Jovem adulto
Obra registrada.
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução ou transmissão
de qualquer parte deste livro sem prévia autorização escrita pela
Editora.
ÍNDICE

Parte um
Parte dois
Parte três
Parte quatro
Parte cinco
Parte seis
Parte sete
Parte um
Bianca

A vida, meus amigos, é uma caixinha de surpresas. Quem, em sã


consciência, acreditaria se eu dissesse que iria levantar com meu corpinho
gostoso da cama para o pior dia da minha vida?

Soa clichê, certo? A garota que vai começar o ensino médio e tudo dá
errado; zoam com ela, começam a fazer bullying e ela se encanta pelo popular
tão bonzinho, que a protege de todo mal. Eles se apaixonam perdidamente e a
trama acaba com os dois superando todos os obstáculos impostos e virando
modelos de como as pessoas deveriam ser!

Lindo, quase desceu uma lágrima aqui.

Acontece que isso aqui não é um conto de fadas, e, meus caros, sinto
informá-los que até o mais santo dos santos tem um podre. E fede muito.
Realmente existe o clichê da garota apaixonada pelo rapaz popular nesta
história, mas começou bem antes disso.

Preciso contar, em primeiro lugar, sobre Karen. Não! Ela,


definitivamente, não é a gostosona da escola. Pobre alma azarada, se eu não
me irritasse tanto com aquelas manias estranhas, até poderia ter pena dela,
mas não é esse o caso.

Nós somos vizinhas desde sempre, nossas mães são amigas e, quando
pequenas, elas tentaram forçar uma amizade entre as duas.

Mas, hello, mãe, nem rola. Nunca rolou, nem vai rolar!

Tudo que podemos ter atualmente é um pacto, mas vão entender melhor
mais para frente.

Voltando a falar da corujinha — apelido dado carinhosamente por mim


para Karen —, quando éramos novinhas, eu tentei, sabe? Eu fui até ela
dividir meu precioso biscoito de chocolate. Era recheado! Sabem o quão
difícil é viver na indecisão de se dividir o biscoito recheado com o
amiguinho? É uma dúvida cruel.

Mas eu fui, firme e forte, perguntei se ela queria e a garota negou. Achei
estranho por um lado, fiquei feliz por outro, sobraria mais para mim.
Contudo, não foi nesse momento que a estranheza acabou. Ela ficava lá,
fazendo palavras cruzadas, pintando e, posteriormente, começou a ler livros.
Qualquer coisa menos olhar para minha cara.

Ainda teve a audácia, imaginem só, de criticar meus desenhos animados


e seriados. Meu amor, eu até hoje vejo reprises de Hannah Montana. Quem
essa garota pensava que era para criticar minha diva Miley Cyrus? Fiquei
indignadíssima.

Com o tempo, nossas mães já não conseguiam nos forçar a ficar juntas,
afinal, era óbvia nossa diferença, e graças a Deus fomos para escolas
diferentes. Eu cresci e comecei meu curso de piano três anos antes.
Fielmente, toda terça e quinta, estava lá.

Alguns meses antes de ingressar no colegial, um garoto entrou nas aulas


básicas de piano. Ele já tocava violão e eu juro que quase caí da cadeira
quando entrou na sala — talvez, se fosse Karen, realmente tivesse ido de cara
no chão. Ele tinha um sorriso grande, olhos grandes, orelhas grandes, pernas
grandes. Tudo nele parecia de mais! E eu amei isso.

Por ser uma das veteranas, eu ajudo na aula dos iniciantes, mas o garoto
aprendia muito rápido por já conhecer as notas musicais devido saber tocar
violão, então eu o acompanhava separadamente da turma. Nem preciso falar
que joguei todo meu charme para cima do boy. Porque, ao contrário do que
muitos dizem, eu sou bonita, sim, não importa o tamanho da minha calça.

“Bia, seu rosto é tão lindo, se emagrecesse um pouco...”, “Você ficaria


linda se não fosse gordinha”. Vão à merda todos eles. Sou muito gostosa, por
isso preciso de uns números a mais na minha roupa. Tenho coxas grossas,
bunda grande e uma barriguinha irresistível. Ninguém pode comigo.

Tanto que em poucos dias eu e Caleb — aka o gostoso — estávamos nos


agarrando atrás do prédio do curso. Sim, ele tinha realmente tudo grande.
Não seus pervertidos, nós não transamos, mas isso não me impediu de sentir
o volume da sua calça.

Bem, até aqui nosso conto de fadas estaria lindo, certo? Mas é só até aqui
mesmo.

Quando acordei preparada para ingressar no ensino médio, não


imaginava que tudo pudesse dar tão errado. Começando por Luana, a traíra
da minha melhor amiga. Ela é uma veterana no colégio ao qual estou indo —
já que precisei mudar de escola para o ensino médio — e havia prometido ir
comigo no primeiro dia de aula. Só que esse também seria o primeiro dia de
Mateus, meu outro melhor amigo, na faculdade. Você deve estar se
perguntando: o que tem a ver a bunda com as calças?

Eu te explico, meu jovem. Acontece que fui traída da pior forma


possível, pois nessas férias, Luana e Mateus começaram a namorar. E o que
acontece quando seus dois melhores — e únicos — amigos começam a
namorar? Acertou quem respondeu: você se fode, e se fode muito.

A traidorazinha número um foi para a casa do traidorzinho número dois e


dormiram muito, provavelmente transaram a noite toda que nem gatos no cio
— eu toda gostosa e ainda virgem, onde esse mundo vai parar? —, e Luana
perdeu a hora, ou seja, chegará só no segundo tempo.

O dia já tinha começado ruim quando percebi que ela não visualizou
nenhuma mensagem no celular, mas vida que segue. Não é porque logo
estarei em uma escola nova, cheia de gente que nunca vi na vida, que irei me
acovardar.

Tomei um banho demorado e tomei o café da manhã junto com a minha


família. Mamãe fez ovos mexidos para o meu primeiro dia de aula. Amo a
minha mãe. Depois de me arrumar toda, ajeitar o cabelo e pegar minha
mochila, saí porta afora com um saquinho de Sucrilhos na mão. Sim, eu já
tomara café, mas estava em fase de crescimento e precisava manter toda a
gostosura do meu corpo, por isso continuei comendo.

Acontece que Karen estava saindo da casa ao lado e, infelizmente, depois


de tantos anos, íamos estudar juntas.

Voltando a pensar sobre a corujinha, vejo que não tem muito a


acrescentar. Ela continuou desastrada e estranha. Só veste roupas de cores
neutras e usa fones de ouvido aonde quer que vá, até na mesa do jantar. A
garota é uma antissocial nata e eu não me importo com isso, sempre fui muito
seleta com meus — todos os dois — amigos, mas Karen vivia sozinha.
Sempre!

Minha mãe e a dela — que é muito legal e faz um pudim delicioso —


acenaram para nós duas e tivemos que seguir lado a lado pela vila.

— Você não para de mastigar, não? — a garota de fios curtos e negros


quis saber com o rosto todo amassado de sono. Ela usava um moletom velho
por cima do uniforme e tênis surrados, como se tivesse acabado de acordar e
vestido a primeira coisa jogada no chão do quarto. O que, provavelmente,
aconteceu de verdade. Karen andava sem o mínimo medo daquele odioso
“suicídio social”.

— É Sucrilhos, preciso de força para um dia inteiro de aula.

Ela revirou os olhos. Assim que saímos da nossa vila, colocou os fones
de ouvido e andou apressadamente na minha frente.

Como se eu quisesse a companhia dela. Puff, me poupe.

Não é como se eu esperasse ser popular, nem nada disso. Gosto de ser a
garota que conhece todo mundo, mas fica na sua. Esse negócio de ser popular
dá muito trabalho e eu sou uma preguiçosa de marca maior.

A geniazinha — outro motivo para chamar Karen de coruja, além dos


olhos grandes — é estudiosa. Chega a ser assustador. Ela é muito inteligente
e sempre tem as melhores notas da escola. Sei disso devido às fofocas que as
nossas mães ficam fazendo na sala uma da outra. Acreditam que ela vai para
a escola toda quarta, sexta e, às vezes, até aos sábados para um curso de
línguas? Aprende inglês e japonês.

Queria saber de onde ela tira essa vontade louca de estudar. Deveria ser
por isso que não saía do quarto. A janela dela fica em frente à minha, na
lateral das casas, então algumas vezes eu consigo vê-la sobre a escrivaninha,
entre milhares de livros; também ouço o barulho dela caindo ou derrubando
alguma coisa. Tão desastrada. Nós moramos em uma pequena vila, então os
muros das casas são baixos.

Bem, só o fato de ter esbarrado em Karen de manhã já deveria ser um


aviso que meu dia seria uma merda. Não me entenda mal, mas a garota é
realmente muito azarada.

Eu ainda não sabia da minha má sorte, então cheguei à escola sorrindo


abertamente, olhando tudo ao redor e andando até o enorme mural para ver
onde seria a minha sala. Assim que encontrei o lindo nome “Bianca”, desci os
olhos para ver se conhecia mais alguém que iria estudar comigo.

Infelizmente, o próximo nome conhecido foi: Karen. Quase desisti do dia


ali mesmo, mas continuei descendo, esperando um milagre que, olha que
louco, realmente veio. O outro nome que reconheci na lista foi Jonathan e em
seguida, Oliver. Ambos são da academia de artes em que eu faço aulas de
piano, porém eles fazem aulas de dança.

Meu coração acelerou, porque aqueles dois eram melhores amigos de


alguém em especial. Sentindo-me muito sortuda, voltei a esquadrinhar a lista
um pouco melhor, adorando ler o nome: Caleb. O gostoso do meu curso de
piano estava na minha sala! Mal pude acreditar.

Cheguei quase saltitando à minha sala nova. Os corredores são bem


sinalizados, então não tive problemas em me achar. Karen já estava sentada
na primeira fileira, junto com outros poucos alunos espalhados pelo local. O
fecho da mochila dela emperrou e quando foi puxá-lo com mais força, todo o
material da garota caiu no chão.

Chegava a ser um pecado rir disso. Parte de mim até quis ajudá-la, mas
como quase nunca nos falávamos e ela tinha aquele olhar de raiva, parecendo
que ia pulverizar qualquer um que chegasse perto, decidi escolher meu lugar
no fundo da sala.

Aos poucos os alunos iam aparecendo e cada vez que a porta se abria,
meu coração batia mais rápido. Não é como se Caleb e eu fôssemos
namorados, a gente só se pegava nos dias de curso e trocava umas mensagens
aleatórias algumas vezes. Mas ele estava muito perto de ser minha próxima
paixão.
Eu me apaixono fácil, tenho uma ideia fixa de que o amor é livre e o vejo
em todas as formas e gêneros, então não acho que gostar de me apaixonar
seja ruim. Havia os amores de ônibus, o carinha da loja de sorvete, a caixa do
mercadinho perto de casa. Sempre uma paixãozinha boba, mas estudando
todo ano com Caleb, sentia que com ele poderia ser diferente, entende?
Poderia ser que fosse “o” cara.

E quando ele finalmente passou pela porta com Jonathan e Oliver,


parecia cena de filme. Como se tudo estivesse em câmera lenta, ele ria de
forma escandalosa sobre algo, batendo no braço dos amigos. Caleb parecia o
astro daquelas histórias ridículas de comédias românticas, mas às quais, ainda
assim, eu amava assistir.

Um sorriso enorme brotou no meu rosto e quase levantei a mão para


acenar, porém ele sentou no meio da sala com seus amigos sem olhar uma
vez sequer na minha direção. Um bico chateado se formou nos meus lábios e
abri minha mochila, pegando uma barrinha de chocolate para descontar
minha frustração.

Será que ele não viu meu nome na lista? Talvez ainda estivesse com
sono... É, deveria ser isso. Todos têm sono no primeiro tempo. Falaria com
ele no intervalo. Decidida a fazer tudo dar certo naquele meu
pseudorrelacionamento, peguei meu caderno, pois o professor já estava
entrando na sala.

Sabem, eu não tinha sonhos grandes para o ensino médio. Só queria o


básico: alguns amigos, festas ocasionais, ter meu primeiro porre, perder a
virgindade, de preferência com meu namorado, e ganhar muitos doces de
presentes dele. Basicamente isso, sou uma garota humilde. E algo me dizia
que iria conseguir tudo que desejava
***

Na hora do intervalo, eu tentei ir até Caleb, só que a vida gosta de me


sacanear e eu não achei minha carteira de jeito nenhum. Porque eu podia até
ficar sem o crush, mas não ficava sem minha coxinha.

Quando finalmente encontrei o sagrado dinheiro que iria me alimentar,


saí para o corredor quase vazio. Não era como se eu fosse correr atrás do
garoto. Se fosse uma promoção da Starbucks? Com toda certeza, mas eu
conseguiria encontrar Caleb na saída.

Mas acabei o encontrando no corredor, pouco antes do refeitório. Abri


meu enorme sorriso. Ele estava apoiado de lado na parede, de costas para
mim, e quando estava prestes a chamá-lo, ele virou de frente para a pessoa
com quem estava conversando.

Não consegui evitar a surpresa e me aproximei devagar para entender em


que universo paralelo estava vivendo. Afinal, quando iria imaginar que Caleb
estaria conversando com Karen? Comecei a me aproximar de fininho e
consegui chegar sem perceberem minha presença, assim, pude ouvir uma
risada um tanto debochada de Caleb.

— É s-só que eu pensei...

— O quê, Karen? Pensou que eu iria te chamar para sentar comigo?

— Não é isso, quer dizer...

Ela parecia nervosa e suas bochechas estavam extremamente vermelhas.


Nada fazia sentido para mim naquela conversa.

— Ou melhor ainda! — Caleb riu de verdade, olhando de forma superior


para Karen. Algo que me deixou incomodada, pois eu nunca o tinha visto
tão... frio. — Você pensou que eu te pediria em namoro depois de alguns
beijos?

— Namoro? Beijos? — gritei, ganhando a atenção dos dois, que se


viraram para mim.

Não consegui evitar minha surpresa — sou muito impulsiva. O garoto


revirou os olhos, como se estivesse cansado demais para lidar com outra
coisa; comigo. Isso me deixou extremamente irritada.

— Qual é, Bia. — Ele se virou para mim. — Pensei que você era menos
ingênua do que essa aqui, que provavelmente já deve até ter fantasiado nosso
casamento.

Caleb riu novamente e eu encarei Karen. Seus lábios estavam tremendo e


os olhos, lotados de lágrimas. Ela não disse nada, apenas se virou e saiu
correndo, fazendo o garoto bufar.

Quem é esse cara na minha frente?

— Você é inteligente, Bianca, por isso vai entender quando eu digo que é
melhor não falar comigo na escola, sabe, aqui as coisas são diferentes.

O idiota ainda teve a audácia de piscar uma vez antes de arrumar o


cabelo e seguir pelo corredor até o refeitório.

Meu estado era de completo choque.

Quer dizer, Caleb sempre foi... intenso? Sim, ele adorava falar
sacanagens para mim e nossas conversas nunca passavam dos flertes, mas
como eu poderia imaginar que ele seria tão horrível assim na escola? No
curso de piano, quando entrou, era todo sorrisos e piadas, não demorou para
perceber que nós dois poderíamos combinar.

Nunca fui do tipo de pessoa grudenta, contudo, realmente pensei que


estava ficando com um cara completamente diferente daquele babaca,
arrogante, filho da pu...

— Bia? — acordei do meu ódio quando Luana, minha digníssima melhor


amiga, apareceu. — Está perdida?

— Acho que sim — respondi, porém não era da escola que estava
falando.

— Vamos, as coxinhas estão acabando.

— Quê? Preciso das minhas coxinhas.

Quando estou com ódio, como duas vezes mais. Luana riu do meu
desespero em comprar o salgado, e assim que nos sentamos à mesa do
refeitório — depois de uma eternidade na fila da cantina —, ela franziu o
cenho, encarando-me seriamente.

— O que houve?

— Como assim?

— Já era para você ter falado, no mínimo, umas mil palavras. Você é
uma máquina de falar, Bianca, nunca cala a boca — Luana explicou. — Nem
reclamar sobre o atraso hoje você reclamou.

— Não preciso te lembrar que é uma péssima melhor amiga — respondi


de boca cheia.

— Estou falando sério.

— Eu também.

— Bianca, fala logo o que aconteceu.

— E-eu... É complicado.

Suspirei e olhei para a mesa onde Caleb estava sentado, junto com
Jonathan e Oliver. Todos riam e as pessoas já viravam o pescoço para olhá-
los. Estava claro que seriam os populares do nosso ano. Os "reis" da escola.
Luana acompanhou meu olhar sem entender. Continuei vasculhando a
cantina, porém não vi Karen em lugar nenhum. O que foi aquela cena de mais
cedo? Caleb tinha enganado a corujinha? Eles ficavam? Ao mesmo tempo em
que ele ficava comigo? Estava tudo tão confuso. Meu coração doía, pois, de
certa forma, eu sentia que poderia me apaixonar por Caleb, ao menos por
uma versão dele que eu pensava conhecer.

— Vai me contar tudo indo para casa.

— Tudo bem.

— Agora melhora essa cara de bunda mal lavada, porque meus amigos
estão chegando.

Eu sorri quando Sabrina e Caio chegaram à nossa mesa. Luana é uma


nerd descolada, sempre tira notas boas, é bonita e parece conhecer muitas
pessoas. Assim como os outros dois, tanto que Sabrina é líder do grupo de
estudos da escola e monitora os alunos, enquanto Luana e Caio são do jornal.

Eles foram bem legais comigo, por isso acabei me envolvendo em


conversas banais, rindo com todos e tentando não pensar sobre Caleb.

Conversaria com Luana depois.

***

No caminho para casa, eu contei tudo para minha melhor amiga. Claro,
ela já sabia sobre o carinha gostoso do meu curso que pegava de vez em
quando. E parando para pensar naquela tarde, Caleb havia sido um imbecil
comigo, mas pior do que isso, foi extremamente cruel com Karen.

Eu não vi mais a garota no intervalo, e nas aulas posteriores ela ficou


com o capuz cobrindo o rosto. Então, quando o sinal tocou, saiu tão rápido
que tropeçou nos próprios pés e ainda bateu o ombro na porta, arrancando
risadas da turma.

— Eu acho que você deveria, no mínimo, nunca mais olhar na cara desse
idiota.

— E no máximo?

— Se vingar, algo como colocar ovo podre na mochila dele — Luana


deu a ideia, me fazendo rir.

— É só que eu realmente não esperava isso, entende?

— Nós nunca conhecemos ao todo alguém, Bianca, sempre tem algo a


mais para descobrir e às vezes essa pessoa não tem muita coisa boa para
mostrar.

— Pelo jeito, tirando a ótima pegada, Caleb não tem nada de bom.

— Ele deve querer ocupar o lugar do Gus, e aí, sim, vai ser um inferno.

— Quem?

— Gustavo não foi hoje, é o capitão do time de futebol, o garoto mais


popular da escola, mas também é uma das melhores pessoas que eu conheço.
Ele se forma este ano, como eu.

— Vai ser um desastre.

— Vamos torcer para um milagre. Agora eu vou por aqui, amanhã nos
encontramos e vamos juntas, ok?

— Amanhã de manhã espero um pedaço de torta daquela padaria divina


perto da sua casa como pedido de desculpas por hoje.

Minha amiga riu, ela sabe que sou movida por doces.
— Pode deixar.

Nós chegamos à rua em que precisávamos nos separar e eu segui até


minha casa, pegando uma barrinha de chocolate na mochila — comer me
ajuda a pensar melhor e eu não conseguia parar de pensar.

O que aconteceu entre Caleb e Karen?

Eu não gosto de ser impulsiva, é um defeito em que estou trabalhando


para melhorar. Mas esse mesmo defeito já me faz comprar cinco fatias de
tortas na padaria perto da casa de Luhan, e foi ele que me incentivou a andar
até o banco da pracinha do bairro, onde Karen estava sentada.

— Hey.

— Não estou com paciência para você, Bianca — disse sem me encarar,
colocando o fone de ouvido.

— Nem eu estou para suas esquisitices — afirmei, tirando um lado do


fone. — O que aconteceu hoje?

— Não é da sua conta.

— É, sim.

— Desde quando?

— A partir do momento em que o Caleb foi um babaca, ficando comigo


toda semana depois das aulas de piano.

— Ele faz aulas no mesmo lugar que você?

— Sim, agora desembucha.

— Ele... — Karen suspirou, corando um pouco. — Ele faz aulas de


inglês comigo toda quarta-feira.
— Que filho da puta.

— Eu?

— Ele!

— Também acho — respondeu a garota ao meu lado, mas diferente de


mim, que estava nitidamente irritada, Karen apenas ficou calada. Parecia
triste.

— E ele te enganou também — afirmei.

— Ele não me prometeu muita coisa.

— Isso não muda o fato de que estava ficando com nós duas ao mesmo
tempo.

— Acho que sim.

— Como acha? Você ficou com ele ou não?

— Sim.

— Então é isso, fomos feitas de idiotas! E sabe o qual nosso dever


agora?

— O quê? — Karen quis saber, parecendo confusa. Tão inocente essa


menina!

— Temos que retribuir o favor — respondi de forma irônica.

— Como uma vingança?

— Sim!

— Claro que não — disse, fazendo meu sorriso maquiavélico murchar.

— Como não?
— Eu quero passar despercebida naquela escola, Bianca, e pode ter
certeza de que, sendo quem eu sou, isso já é difícil o bastante. Não quero me
meter em brigas com ele.

— Mas...

— Nada disso, estou indo.

Karen se levantou, colocou o fone de ouvido e andou apressadamente até


sua casa. Revirei os olhos; eu nunca precisei de ninguém para colocar meus
planos em ação. Com ou sem ela, iria fazer o que Luana disse, preparar
minha vingança.

***

A minha semana se passou de forma lenta enquanto tentava pensar em


algo bom o bastante para Caleb, pois apenas colocar ovos podres em sua
mochila não iria me acalmar. Não quando minha raiva por ele se transformou
em ódio mortal.

Vejam só o cúmulo da filha da putice. No dia anterior, terça-feira, eu tive


aula no curso de piano. Fui certa de que iria ignorar a existência daquele ser
ridículo e todo grande. Porém, o indivíduo não só teve a audácia de me tratar
como se nada tivesse acontecido, como também ficou me esperando do lado
de fora do curso quando a aula acabou e tentou me beijar. Fiquei
completamente irritada. E essa não é a pior parte, pois quando eu perguntei:

“Então na escola ninguém pode nos ver juntos, mas aqui você quer ficar
comigo?”

O babaca respondeu, dando de ombros:

“É basicamente isso.”

Juro, quase soquei aqueles mil dentes dele, mas me controlei e dei as
costas para Caleb, indo até a primeira loja de doces descontar minha raiva em
bolinhos de chocolate.

Na quarta-feira, eu o vi se inscrevendo para o time da escola e


conversando com o tal Gustavo, de quem Luana havia falado. Acontece que,
na escola, Caleb é igualzinho a como ele já foi comigo antes. Falso, sonso,
duas caras, sorrindo para todo mundo sem mostrar quem é de verdade.

Bufei irritada olhando pela janela do meu quarto. Já era quase final da
tarde e o céu estava escurecendo quando vi Karen andando com seus livros
do curso na mão, só que ao invés de seguir até a entrada de sua casa, ele fez o
caminho até a janela do meu quarto, batendo duas vezes com força. Quase caí
da cama devido ao susto. O que essa garota queria agora?

— Bianca, abre aqui.

Eu me levantei, estranhando o fato dela querer falar comigo. Abri o vidro


e percebi que a garota tinha o rosto vermelho, um corte na bochecha e os
olhos faiscando, parecia com raiva.

— O que aconteceu? — quis saber, apontando para o machucado, mas


Karen não respondeu, apenas respirou fundo duas vezes e disse as palavras
que me fizeram sorrir mais do que se tivesse me chamando para tomar
sorvete. Ou, talvez, tão feliz quanto.

— Nós vamos destruir Caleb.


Parte dois
Karen

Seria irônico começar esta narração dizendo algo como: “foi o pior dia
da minha vida”, porque quando você é uma azarada como eu, todo dia está
propenso a ser o pior que já viveu. Tudo que eu queria era começar o ensino
médio em paz, era pedir demais?

Sabem, as pessoas gostam muito de rir, principalmente se for às custas


de outro alguém. E adivinhem quem geralmente é esse indivíduo? Isso
mesmo, eu.

Queria entender o que fiz para ser tão azarada. Talvez tenha queimado
bruxas; será que já fui uma nazista? Tem que ser algo muito pesado para
justificar tudo que eu já passei. Nunca foi minha intenção chamar atenção
desnecessária. Mas o que eu posso fazer quando meu fecho emperra no
primeiro dia de aula e todo o material cai no chão? Ou, no colégio antes
desse, chego atrasada por causa de alguém derrubando suco em mim e ainda
tropeço no pé da mesa do professor, enquanto todos estão olhando para
minha cara de desespero e minha blusa manchada? Acho que foi por isso que
não tive nenhum amigo.

Até Bianca. Céus, não quis ofendê-la, mas sempre fui uma pessoa quieta
e péssima com palavras, então na única vez que tive coragem de falar com ela
durante todos esses anos, acabei criticando algo de que gostava muito. Quer
dizer, para mim não faz sentido aquele seriado, a mulher só tirou uma peruca
loira, é a mesma pessoa!

“Não é só isso! Toda a personalidade dela muda quando coloca a


peruca. Assim como o Superman e seus óculos.”
Acontece que acho completamente ridículo o disfarce do Superman
também. Resumindo, a única vez em que pensei em me aproximar dela, fiz
merda. Foi anos atrás, mas ainda assim, jamais me perdoei porque, poxa,
Bianca sempre foi minha inspiração.

Sim, parece estranho, né?

Aquela loirinha, que adora comer e está sorrindo em qualquer situação, é


como um modelo para mim. Bianca sabe ser sociável, fazer amigos, começar
conversas e não tropeça nos próprios pés. Tudo que eu queria, mesmo que só
por um tempo.

Em cada jantar forçado entre nossas famílias, eu afundava ainda mais na


minha timidez. Sempre presa no meu próprio mundo, com medo de fazer
alguma coisa muito errada e Bianca me odiar. O que, é claro, eu fiz. Falei mal
da sua cantora amada e ela se afastou ainda mais de mim. Não é como se eu
morresse de amores por ela, mas Bianca é alguém brilhante, difícil seria uma
pessoa não olhá-la ao passar.

Isso foi há muito tempo, quando ainda existia inocência em mim, algo
bobo e juvenil. Quando eu ainda pensava que ninguém poderia ser tão cruel a
ponto de tirar todas as suas últimas esperanças. Como hoje sei que existe.

Sim, estou falando dele. O prêmio de babaca do ano vai para: Caleb.

Eu o conheci na aula de inglês, que faço toda quarta-feira. Como é de


praxe, passei vergonha; estava bebendo água quando o garoto apareceu, então
o copo de plástico quebrou na minha mão. Fiquei toda molhada e cheia de
vergonha, tinha apertado demais o copo ao ver aquele cara superbonito
entrando no meu cursinho.

Caleb riu, claro, mas depois me deu um pedaço de papel do banheiro.


Desde então ele começou aquele papo furado — em que eu caí direitinho —
de como ficava fofa corando ou que meu jeito desastrado era um charme.

Por motivos óbvios, eu nunca tinha beijado ninguém, e isso não era um
problema para mim, porque nunca senti nenhum tipo de atração e
necessidade por toques ou sexo, ao menos não por garotos, então tentava não
pensar muito no assunto por medo. Gosto de fóruns de discussões sobre
livros na internet, nos quais todos são inteligentes e ninguém me julga pelo
que aparento ser, até porque não sabem qual é minha aparência.

Resumo: fui otária.

Caleb, com aquela lábia e sorriso fácil, me ganhou depois de alguns


meses e, durante as férias, aceitei sair com ele até uma sorveteria perto do
nosso curso, quer dizer, ele era lindo, como eu poderia dizer não? Eu tinha a
opção de dizer não, quando todo mundo me achava estranha por nunca ter
sentido esse tipo de atração? De fato, Caleb nunca me prometeu muito, nunca
me levou em casa ou disse que queria um relacionamento comigo, mas estava
implícito em seus sorrisos, nas palavras carinhosas e na forma como segurava
minha mão sobre a mesa que ele se importava. Foi o que eu pensei. Céus,
como fui tão idiota a ponto de pensar que poderia gostar de alguém tão
mesquinho?

Eu mal tinha parado para pensar sobre minha sexualidade, sobre quem eu
sou.

Sou mesmo uma azarada, certo? É, essa é minha vida. Tão confusa que
acabei, sem saber como, na mesma escola que Caleb e Bianca, esta última
que sequer olhava na minha cara direito e não parava de comer um segundo.

Admito, o som dela mastigando toda hora era irritante, mas eu ficava
mais irritada com a sensação de impotência que Bianca me trazia. Não sei
explicar ao certo, parecia que a garota tinha o poder de me desconcertar.
Como quando chegou, depois do primeiro dia de aula, com aquele papo
doido de se vingar de Caleb.

Quer dizer, eu realmente fiquei triste com a forma debochada como


descobri sobre o seu verdadeiro caráter. Naquele dia nós nos encontramos no
corredor, porque eu tinha esquecido o dinheiro do meu almoço — olha a
sorte — e iria voltar para a sala com o intuito de dormir um pouco. Então
acabei esbarrando nele quando estava saindo do banheiro. Caleb sequer olhou
na minha direção, por isso o chamei e a forma como ele me encarou... Não
gosto nem de lembrar. Eu me senti tão inferior!

Só perguntei a ele se estava indo para o refeitório! Eu sei, coisa sem


sentido para se falar, mas estava nervosa. Ele disse que sim, então quis saber
se talvez ele poderia dividir o almoço e depois eu o pagava, mas ele
interpretou de forma completamente errada.

— O quê, Karen? Pensou que eu iria te chamar para sentar comigo?

Nunca imaginei que fosse me sentir tão humilhada. Caleb foi a primeira
pessoa que beijei, eu confiei nele, no que ele mostrava para mim, porém era
só uma máscara para conseguir o que queria. Quando percebi como ele era de
verdade, quis lavar minha boca com cloro e desinfetante.

Eu era um passatempo, uma diversão. Ele mesmo disse isso na primeira


aula do curso que tivemos juntos depois do encontro na escola. Estava parada
do lado de fora, olhando minha mochila, pois tinha certeza de ter guardado a
chave de casa e não a encontrava. Então ele saiu rindo e falando ao celular.
Sequer olhei em sua direção, porém, como Caleb aparentemente acha que o
mundo gira ao seu redor, ele encerrou a chamada e parou ao meu lado, dando
um sorrisinho irônico de canto.

— Não precisa mais me esperar, Karen, sabe, tudo não passou de uma
brincadeira.

Depois disso, virou as costas e foi embora. Eu estava com tanta raiva,
mas tanta raiva, que ia atrás dele apenas para falar umas verdades e arrastar a
cara dele no asfalto. Quer dizer, sonhar que teria força suficiente para isso.

Acontece que a mochila estava na minha frente — pois estava


procurando a minha chave — e eu me virei com tanto ódio que não vi nada.
Conclusão: fui de cara no chão, arranhei minha bochecha e ele ainda olhou
sobre o ombro, rindo da minha desgraça.

Acontece, também, que depois de toda essa loucura, eu não consegui


pensar no meu plano de passar despercebida no ensino médio. Estava com
raiva, que merda!, tinha sido usada por aquele babaca. Por isso acabei
fazendo a pior maluquice da minha vida, bati na janela de Bianca e sentenciei
meus dias de, quase, paz com algumas poucas palavras:

— Nós vamos destruir Caleb.

***

Alguém me salva! Eu estou em algum clichê adolescente ou o quê?

— Karen, preste atenção em mim!

— Eu ainda não entendi.

— Como pode ser tão inteligente e tão lerda? — exclamou, colocando


um pirulito na boca.

— Só repete esse plano, porque é tão idiota que eu não sei como pode
dar certo — falei irritada com Bianca.

Como vim parar na casa dela, sentada em sua cama, ouvindo-a falar tanta
merda de uma vez só? Estou decepcionada! Alguém fura os meus tímpanos,
pelo amor de Jeová. Algumas semanas se passaram desde que decidimos nos
vingar de Caleb, pois a Bianca dizia que precisávamos do plano ideal, e foi
isso em que ela pensou?

— Meu plano é perfeito. Agora ouça com atenção.

— Fala, porque eu ainda não vejo como esse monte de baboseira pode
dar certo.

— Só ouça — falou embolado, pois estava com o pirulito na boca. Ela


tirou o doce com um estalo e apontou para o cartaz que estava na parede
mostrando o “fantástico” plano dividido em três partes. — Primeiro, vamos
atacar os amigos dele.

— O que Oliver e Jonathan têm a ver com isso?

— Nada. Na verdade, vamos ajudar. Como eu disse, não tive a mesma


sorte que você, ainda faço aula de piano no mesmo lugar que eles e, cara,
estou te falando... Os dois estão apaixonados um pelo outro.

Graças a minha nerdice, comecei a frequentar o grupo de atividades


extracurriculares de estudos, mas como é toda segunda e quarta, eu mudei
meu curso para terça e quinta, então não precisaria mais encarar Caleb fora da
escola. Ainda bem, pois cada vez que via aquele babaca, rinha vontade de
fazer uma besteira.

— E daí?

— Você já teve amigos? — ela quis saber, abismada. Bufei, cruzando o


braço enquanto Bianca corava e mordia os lábios. Ela não é alguém ruim,
mas é impulsiva demais, por isso faz tanta merda. Já perdi as contas de
quantas vezes ouvi os gritos de sua mãe lá de casa, devido a algum desastre
provocado pela filha mais nova. — Só quero dizer que eu sei o que acontece
quando seus dois melhores amigos começam a namorar.

— O que eles fazem?

— Eles somem.

— Não é assim.

— Claro que é, está vendo Luana aqui? — Bianca quis saber, colocando
o pirulito novamente na boca, que já estava ficando avermelhada e levemente
inchada de tanto chupar aquele doce e fazer barulhos irritantes.

— Não.

— Sabe o motivo? Ela está em um encontro com Mateus. Desde que os


dois começaram a namorar, eu fui deixada de lado. Eles tentam, mas ficam
tão absortos um no outro que se esquecem de mim — disse com um biquinho
chateado. — Por isso estou passando meu sábado com você e não em uma
maratona de Harry Potter recheada de salgadinhos.

— Acha que queria perder meu tempo contigo também? Poderia


terminar meu livro da Gayle Forman se não fosse esse plano idiota. Acha
mesmo que devemos...

— Nada de dar para trás agora! — Bianca exclamou, apontando o


pirulito na minha cara. Eu juro que vou enfiar aquele doce na sua goela
abaixo, se continuar me irritando. — Como estava falando, Jonathan e Oliver
obviamente gostam um do outro, então vamos tirar a primeira coisa que
Caleb mais preza, os melhores amigos. Porque ele não faz nada sem aqueles
dois, e quando for deixado de lado por eles, vai ficar muito irritado.

— Mas Caleb é popular, ainda mais agora que entrou para o time da
escola.

— Aqui entra a segunda parte do plano, vamos arrumar um modo de


fazer o desempenho dele no time cair, então os outros alunos e os jogadores
vão ficar irritados, talvez ele até seja expulso.

— E como pretende fazer isso, gênia? — fui irônica.

— Ainda bem que perguntou, minha cara — Bianca respondeu com um


sorrisinho de lado. — A resposta é fácil: comida.

— Não. Essa é a resposta para você, não para Caleb.

— Karen, o mundo gira ao redor de comida, presta atenção — Bianca


falou indignada. — Comida é a resposta para tudo.

— De que forma? — quis saber, tentando entender o raciocínio de


Bianca. Ela deu um sorriso brilhante e maquiavélico.

— Nós vamos, como posso dizer? Vamos batizar a comida dele. — O


sorriso de Bianca foi tão grande que fiquei um pouco preocupada.

— O que quer fazer?

— Nada demais, apenas colocar um pouco de laxante no almoço de


Caleb nos dias de treino, assim ele vai ficar mais fraco e correr para o
banheiro, já que eu fiquei sabendo que está fazendo dieta para manter aquele
corpo gostoso.

— Hey.

— Caleb é um babaca, mas não sou cega, nem você. Gostoso ele é,
mesmo que seja um desperdício com aquela mentalidade.

Balancei a cabeça, porque, bem, realmente Caleb era muito gostoso.

— Interessante — falei coçando o queixo. Talvez toda aquela loucura


pudesse dar certo.

— É genial. Então, quando ele estiver sem amigos, sem fama e sem
reputação, vem a cartada final.

— Como você planeja desmascará-lo na frente de todo mundo? — quis


saber, lendo o último tópico do plano.

— Nisso ainda vamos pensar, mas as pessoas precisam saber que aquele
garoto sorridente e simpático não é ele de verdade. Caleb age com todo
mundo como agia conosco, ele usa uma máscara que precisa cair — ditou
Bianca energeticamente, como se estivesse pronta para dominar o mundo.

— Você gostava dele? — quis saber baixinho.

— Como?

— Era apaixonada por Caleb?

— E-eu... Por que isso agora?

— Não sei, parece com tanta raiva.

A outra suspirou, chateada.

— Estava perto de me apaixonar. Caleb era o estereótipo dos meus


sonhos e das fanfics que eu leio, tudo que sempre quis.

— Eu... — comecei a falar, mas logo uma palavra chamou minha


atenção. — Fanfic?

— Sim, sabe? Histórias escritas por fãs na internet.

— E esse plano, não me diga que tirou de alguma dessas histórias? —


Estreitei os olhos para Bianca, mas ela desviou o olhar.

— E se for? Pode dar certo.

— Bianca, quem seria doido de inventar uma coisa dessa? A pessoa é


louca, você deveria fugir de alguém assim, não fazer o que ela falou.
— Na fanfic deu tudo certo.

— Claro, é fictício! Nós estamos muito ferradas.

Já conseguia ver o desastre chegando. Eeu seria humilhada na frente de


toda escola, sentia isso. Iria acontecer. Quando alguém é tão azarada quanto
eu e coloca sua fé em um plano de vingança tirado de uma história louca da
internet, é claro que vai dar merda.

— Karen! — Bianca ralhou, vindo na minha direção. Ela segurou o meu


rosto entre as mãos, forçando-me a olhá-la. — Por isso tudo sempre dá
errado, você é muito pessimista, confie em mim! Não vou deixar nada
acontecer contigo. Vai dar certo, nós vamos acabar com Caleb, como você
mesmo disse.

O engraçado foi que, vendo Bianca tão de perto, algo estranho se agitou
no meu estômago. Seriam gases? Ela continuou me encarando, sorrindo de
um jeito grande, como nunca tinha feito para mim; os lábios esticados em um
formato levemente retangular, mostrando as presinhas e a boca avermelhada
devido ao pirulito.

Naquele momento, dava para entender perfeitamente porque Caleb quis


ficar com Bianca, pois, diferente de mim, com ela não foi só uma brincadeira
com “a esquisita da sala”. Ele queria ficar com Bianca e, talvez, se ela
insistisse um pouco mais, eles até poderiam ter algo de verdade, como um
namoro e tudo mais. Pois independente daqueles quilinhos a mais, Bianca
continua sendo linda. Acho que é até um charme a barriguinha dela, junto
com as pernas grossas e a mania de estar sempre mastigando algo.

Quer dizer, não é como se eu ficasse reparando em Bianca, mas assim,


bem de pertinho, ela parecia muito bonita.

— Karen?
— Sim?

— Confie em mim, vamos colocar Caleb no lugar dele.

— Ok.

Bianca me soltou e tive que conter o suspiro. Querendo ou não, era


gostosa a sensação de tê-la por perto. Balancei a cabeça, afastando todos
aqueles pensamentos loucos. De certa forma, parecia que Bianca estava
fazendo isso por mim tanto quanto fazia por si mesma. Era estranho pensar
que, talvez, ela estivesse com pena. Não gosto quando me tratam bem só por
dó. Ainda mais Bianca, que nunca foi de fingir.

Mas o que estava acontecendo comigo?

***

Eu não aguentava mais.

Bianca pediu meu número e ficava me mandando mensagens o dia todo.


Havia colocado o celular no silencioso e fugido dela depois da escola. Estava
deitada na paz do meu quarto, já era finalzinho de dia e tinha feito um pouco
de café para beber enquanto terminava meu novo livro.

A tarde perfeita, em resumo.

Até Bianca invadir meu quarto pela janela.

— Mas o quê?!

— Shiu, se minha mãe perguntar, diz que eu fui para a direita.

Agora acompanhem comigo os acontecimentos, porque foi coisa demais


para assimilar. Primeiro, a garota abriu a minha janela e pulou para dentro do
meu quarto, depois ela se jogou no chão, ficando de quatro como se estivesse
se escondendo. Mas essa não foi a pior parte. Bianca estava com roupa de
academia. Calça colada, estilo legging, blusa larga, tênis de corrida e toda
aquela... abundância estava virada na minha direção!

Aonde esse mundo vai parar?

Eu me levantei para expulsá-la, obviamente. Aproximei-me da janela,


porém vi a mãe de Bianca no quintal da casa ao lado e ela acenou para mim.
O ruim de morar em vilas é que os muros entre as casas são superpequenos,
então todos sabem da vida de todos.

— Hey, Karen, você viu a Bia passando por aqui?

Olhei para baixo e a loirinha me implorava com os olhos para ajudá-la.


Acabei bufando e me virei para a vizinha.

— Ela passou, sim, foi por ali — disse, apontando a direção indicada por
Bianca.

— Obrigada, meu bem. — Acenou e entrou em sua casa.

Já no chão do meu quarto, a garota se esparramou de barriga para cima e


sorriu para mim.

— Valeu.

— Vai me explicar o que aconteceu? E o porquê dessa invasão?

— Você não me responde!

— Você me manda mil mensagens por minuto!

— É sobre o plano!

— Bianca, por que está aqui? — quis saber, virando-me a fim de fechar a
janela do meu quarto.

— Minha mãe — bufou. — Teve a ideia maluca de me matricular na


academia, tô fugindo dela.

— Então ela acha que você foi malhar? — Eu ri da cara de desespero de


Bianca.

— Ela disse que eu preciso emagrecer e blábláblá.

— E você finge que vai?

— Exatamente — ela assentiu e depois olhou ao redor. — Tem nenhum


doce por aqui não?

— Não.

Revirei os olhos e estava prestes a me afastar. Mas estamos falando de


mim, é claro que algo daria errado. Acabei tropeçando nas pernas jogadas de
Bianca e fui em direção ao chão. Consegui ver, quase em câmera lenta, o
trajeto da minha cara no piso do quarto. Ficaria com um galo enorme na testa.
Era só o que me faltava.

Só que eu acabei sentindo algo macio contra o meu rosto e ouvi um “ai”
bem baixinho. Quando abri os olhos, vi que estava com a cabeça enterrada
nos seios fartos de Bianca. Ela tinha ido para o lado para aparar minha
queda?

— Você é tão desastrada, Karen. — Riu, olhando para mim.

A situação era realmente constrangedora, porque, pensem comigo: eu


estava praticamente em cima da Bianca, com o rosto enfiado em seus peitos,
e ela estava rindo de mim, quer dizer, parecia rir da situação em si, aquela
risada baixinha e gostosa. Acabei corando e levantei-me rápido, tentando
camuflar meu constrangimento com uma risada nervosa.

— Desculpe.
— Tudo bem, é só me pagar um sorvete no caminho que está ótimo.

— Caminho?

— Sim, vou aproveitar que preciso ficar no mínimo duas horas longe de
casa e ir ao mercado comprar o necessário para nosso plano dar certo.

— Agora?

— Neste exato momento — Bianca falou sorridente, levantando-se. —


Precisamos sair pelos fundos da sua casa.

Suspirei, olhando para meu café quentinho e o livro em cima da minha


cama, depois para Bianca, alternando meu olhar entre os dois lados algumas
vezes de forma desesperada. Poxa, como eu queria ficar no meu quarto lendo,
descansando e passando uma tarde tranquila. Mas não, lá estava Bianca, com
aquele biquinho fofo nos lábios, as pernas espremidas em uma calça apertada
de academia e o olhar sempre brilhante.

Eu nunca fui boa em dizer “não”, mas com Bianca, estava se tornando
impossível negar alguma coisa. Desde quando essa garota é tão persuasiva?

— Ok, vamos lá. — Suspirei rendida.

— Não esquece o dinheiro do sorvete — ditou, saltitando até a saída do


meu quarto.

— Não abusa, Bianca.

— Eu te salvei!

— Você amorteceu minha queda.

— Com meu corpinho gostoso — exclamou, indignada.

Revirei os olhos, pegando a carteira e saindo do quarto ao lado dela. Nós


nos esgueiramos pelos fundos, para não passar em frente à casa dela, e
corremos até o ponto de ônibus.

Claro, como duas boas sedentárias, ficamos ofegantes por correr menos
de um quarteirão, mas logo o ônibus chegou — já que Bianca temia andar
pelo bairro e encontrar sua mãe — e seguimos até um mercado mais afastado.

Era daqueles hipermercados que você pode até procurar uma mãe de
aluguel lá dentro e vai achar, sabe? Enorme. Bianca praticamente voou até a
parte de doces quando entramos.

— Nada disso! — falei, segurando-a pela blusa larga.

— Mas, mas, mas... Olha todos esses doces!

— Bianca, temos que manter o foco e já vamos gastar dinheiro demais


com outras coisas.

— Você é tão chata!

— Vamos logo, eu pego os energéticos para a gente batizar e você vai


até a farmácia tentar achar o laxante, nos encontramos aqui em vinte minutos,
ok?

— Tudo bem, sua estraga-prazeres! — respondeu, com um bico chateado


nos lábios.

Tão infantil esse garota, fugindo da academia para correr atrás de doces.
Mas admito, era impossível não rir da forma como ela marchava para longe
da prateleira de biscoitos recheados, como se estivesse sendo afastada do
amor de sua vida.

Segui até as bebidas, procurando os energéticos. Era uma loucura todo


esse plano, e ainda não sei como me deixei ser levada por Bianca. Luana,
melhor amiga dela, era muito conhecida por ser do jornal da escola e como
sempre cobria os jogos, conhece Gustavo, o cara mais legal que você pode
imaginar.

Por que não fui gostar dele?

Seria retribuída? Não, mas pelo menos ele não iria me humilhar como
Caleb fez. Só de pensar que meu primeiro beijo foi com ele, me dá vontade
de comprar um litro de água sanitária para lavar a boca. Não como se eu me
sentisse atraída por nenhum deles, mas só queria me sentir normal... Ao
menos uma vez.

Bufei. Talvez esse plano louco não dê certo — o mais provável de


acontecer, na verdade —, mas Bianca tem um ponto. Precisamos colocar
Caleb no seu devido lugar.

Fui até o local de encontro depois de pegar o necessário, porém Bianca


não estava lá.

Oh, essa minha sorte.

Revirei os olhos ao esperar a garota.

Quando dez minutos se passaram, segui até onde encontraria a área da


farmácia, rodei todo o lugar e não achei Bianca. Fui com uma certeza quase
esmagadora para a sessão de doces, pensando que iria encontrá-la, porém,
nada da garota também.

Mais do que irritada, andei até o caixa com um engradado de energético


na mão, só que, adivinhem! A vida, mais uma vez, mostrou como eu sou
azarada, porque eu saí de casa sem olhar a carteira e quando fui pagar,
percebi que não tinha nenhum dinheiro comigo.

Nós passamos o bilhete no ônibus, então imaginem minha cara de idiota


quando olhei para a atendente — que mascava um chiclete e parecia muito
irritada — e precisei falar:
— Esqueci o dinheiro.

Ela revirou os olhos, chamando o gerente para cancelar a compra, e eu


saí com o rabinho entre as pernas e o rosto corado de vergonha.

Pior, tive que sentar na porta do mercado, como uma mendiga, esperando
Bianca aparecer, porque ela havia sumido. E nem celular eu trouxera.

Minha vida é mesmo uma droga! Era a única coisa que eu conseguia
pensar enquanto os minutos se arrastavam. As pessoas me olhavam torto e o
vento começava a ficar gelado. Isso porque eu fiquei quase uma hora sentada
esperando Bianca.

Sabe, nos dez primeiros minutos, não fiquei tão irritada. Quando se
transformaram em vinte, umas técnicas de tortura dos livros sobre
assassinatos que li começaram a rondar minha mente; se bem que, para ela,
tortura seria comer um pudim na sua frente sem lhe oferecer nem um pedaço.
Em meia hora, eu pensava em sequestro. Depois de quarenta minutos, já tinha
o plano perfeito, que envolvia atrair Bianca até um lugar isolado, com a
mentira de que estariam distribuindo sorvete grátis, e acabaria com tudo ali
mesmo.

Até que aquele ser — que eu estava pensando seriamente em matar —


apareceu na minha frente. Sabem, homicídio não seria tão ruim, quer dizer,
eu só ficaria presa por muitos anos, não é como se minha vida pudesse ser
pior do que algum tempo em uma cela apertada, comendo de graça e lendo
uns livros.

— Karen! — ela disse ofegante, pois correu na minha direção e tinha


dois potinhos nas mãos.

— Não me diga que me esqueceu aqui para comprar sorvete! — quis


saber, completamente irritada.
— Não é qualquer sorvete, é artesanal.

— Bianca!

— Desculpe, desculpe.

— Você demorou uma hora comprando sorvete?

— Não, é que eu fui embora.

— Embora?

— É, quando eu estava indo para a farmácia vi o carrinho do sorvete


passando, aí corri atrás dele, mas tinha milhares de crianças, Karen, elas
ficaram pisando no meu pé e não me deixaram comprar o sorvete, pareciam
minions, surgiam do nada aqueles ajudantes de vilões.

— Crianças não são como minions.

— São, sim, Karen, crianças são do mal.

— E o que isso tem a ver?

— É que eu fiquei tanto tempo esperando para comprar o sorvete que,


quando consegui, acabei esquecendo o que estava fazendo aqui e fui para
casa — disse. Eu abri a boca para reclamar, mas ela logo voltou a falar: —
Mas lembrei que você estava aqui no meio do caminho.

— Só no meio? — quis saber, um pouco ofendida por ser tão fácil me


esquecer.

— Eu estava concentrada no meu sorvetinho — reclamou com um bico.


— O importante é que eu me lembrei de você e voltei, o carrinho ainda estava
aqui, então comprei um sorvete para você como pedido de desculpa.

Finalizou me entregando um potinho. Eu a encarei seriamente, mas parte


de mim ficou feliz com o ato, Bianca parecia arrependida. Sem falar que para
ela comprar um doce e dar para outra pessoa, já era quase uma honra.

— E o outro?

— Comprei mais um para mim.

— Você não tem jeito. — Acabei sorrindo. Levantei-me e peguei o


sorvete, recebendo um enorme sorriso de Bianca. — Você vai ter que pagar
as compras, eu esqueci meu dinheiro.

— Quando você não esquece alguma coisa, né, Karen?

— Falou a pessoa que me esqueceu no mercado — reclamei, entrando


novamente no lugar com Bianca.

— Foi por causa maior.

— Sorvete é maior do que eu?

— Sorvete é maior do que tudo.

Revirei os olhos e segui, dessa vez ao lado da Bianca, pelos corredores


do mercado, pegando o necessário para o plano. Decidimos levar alguns
bombons para ajudar na fase 1: Joliver (junção de Jonathan + Oliver), como
Bianca batizou.

Claro, no caminho para casa, tive que arrancar a caixa da mão da Bianca,
que já tinha comido uns três doces.

— Assim vai acabar com tudo.

— Ai, sua chata.

— Então, quando vamos começar essa maluquice? — perguntei, já


sentindo o desastre se aproximando.

Bianca sorriu grande para mim antes de responder:


— Amanhã começamos a operação: Destruir Caleb, fase 1.

Revirei os olhos, Bianca era dramática demais. Falando assim, parecia


até frase de efeito para final de capítulo dessas histórias loucas que ela lê na
internet.

E talvez fosse mesmo.


Parte três
Bianca

Existe uma parada bem legal em criar um plano de vingança, sabe? Que
é poder dar aquele sorriso digno de vilão em filme mexicano enquanto
esfrega as mãos e observa sua presa, quase enrolando o bigode nos cantos.
Claro, se eu tivesse um.

— Está me dando medo, pode parar com isso? — Luana pediu.

— Você não tem o direito de falar nada.

— Qual é, eu já pedi desculpa.

Claro, ela e Mateus deveriam ter ido para minha casa, pelo menos no
domingo, já que, no sábado, eles saíram. Tínhamos combinado há meses de
fazer uma sessão Harry Potter, mas não, Luana não respondeu nenhuma das
minhas mensagens e depois me veio com a desculpinha de que “dormiram a
tarde toda”.

— Vai ficar para o jornal hoje?

— Uhum.

Minha amiga bufou. Ela me conhecia, sabia que não iria perdoá-la tão
cedo.

Porém, antes de ser abandonada, eu me inscrevi para o clube de jornal do


qual Luana e Caio faziam parte. Da mesma forma que Karen
também ficava na escola, uma vez que a corujinha está no grupo de estudos
de Sabrina. E foi, olha que doidera, exatamente por isso que quando Sabrina
encontrou Karen na fila da cantina, acabou arrastando-a até nossa mesa.
— Vocês acreditam que ela disse que gosta de comer sozinha na sala? Se
importam se a Karen sentar aqui?

— Claro que não, tudo bem, Kah?

Kah?

Kah?!

Desde quando Luana tinha intimidade para chamar minha corujinha de


Kah?

— Tudo, sim, Lu.

— Já se conhecem? — Sabrina quis saber, sorrindo. Ela é do tipo de


garota que gosta de enturmar todo mundo.

— Ela é vizinha da Bia.

— E que bico é esse? — Caio quis saber, rindo de mim e fazendo meu
bico aumentar ainda mais. Tratei de devorar minha coxinha.

— Você nunca me chamou por apelido — disse para Karen, fazendo-a


apertar seu suco e arregalar os olhos na minha direção.

Todos da mesa começaram a rir e eu cruzei os braços, vendo-a ficar com


o rosto vermelho e encarar a própria comida.

— Nós nunca conversamos muito, Bianca.

— Pode começar agora. — Sorri pequeno, sabendo que ela ficaria


constrangida.

Karen balançou a cabeça, olhando para todos os lados, menos para mim.

— Para com isso — respondeu em tom raivoso.

— Não sabia que eram amigas. — Sabrina sorriu.


— Nem eu — Luana foi irônica.

Minha vontade era dizer: “claro, você sumiu da minha vida”, mas apenas
respondi:

— Não somos — ao mesmo tempo em que ela dizia a mesma coisa.

Obviamente, todos riram de nós duas, mas não fiquei irritada, pois vi
Oliver entrando no refeitório. Ele tinha um bombom na mão e sorria ao ler
um bilhete. Chutei Karen debaixo da mesa, ela gritou um “ai” antes de me
olhar, raivosa. Apenas apontei na direção do alvo número 1. Karen seguiu
meu olhar, logo sorrindo de forma cúmplice. Só que, bem, quando ela esticou
aqueles lábios carnudos e perdeu a carranca irritada, até que ficou muito
bonitinha.

O que eu estava pensando? Enfim, por causa do plano, nós duas


colocamos bilhetes a semana toda na mochila de Jonathan e Oliver. Claro,
fomos espertas, pedimos para nenhum dos dois tocar no assunto até um
momento específico, que seria nossa cartada final na fase Joliver.

Estava tudo dando certo.

Virei-me na direção da risada escandalosa de Caleb e sorri mais ainda.


Esse babaca podia rir o quanto quisesse, porque os dias de felicidade dele
estavam contados.

***

— Não acha que isso é demais? — Karen sussurrou, andando ao meu


lado ao final da aula.

— Claro que não, são apenas dicas que eu vou dar, superdiscreta. —
Abri meu pirulito de maçã verde, colocando-o na boca.

— Você e discreto não combinam na mesma frase, Bianca.


— Você bem que poderia me chamar de Bia.

— Quê?

— Gosto mais quando me chamam assim.

— Bianca, esse não é o assunto — falou raivosa, mas sorri quando


percebi suas bochechas coradas.

— Tá, sua chata. — Apontei o pirulito para ela. — Eu sei ser discreta,
sim.

— Sabe mesmo?

— Quem quase quebrou a mesa do professor essa semana?

— Foi sem querer, não tive a intenção de tropeçar no fio do projetor e


me apoiar na mesa! É diferente.

— Então, Kah, eu sei ser mais discreta do que você.

— Kah?

— Luana pode, então eu também posso.

— Não vou discutir com você, Bianca, só... Não faça nada de mais.

— Eu sei bem o que vou fazer, e deixe a janela do seu quarto


destrancada mais tarde.

— Por quê?

— Vou fugir da academia para sua casa.

Karen revirou os olhos, seguindo apressada até a biblioteca para o grupo


de estudos e eu sorri, indo até a sala do jornal da escola.

Já tinha dado a ideia de uma coluna com declarações anônimas, na qual


um aluno enviaria uma frase com algo que descrevesse seu crush e nós
iríamos publicar. Acontece que minha intenção era mandar recadinhos para
Jonathan e Oliver sem um saber que era o outro.
O primeiro começou de forma discreta, apenas um: “observá-lo dançar
nas tardes de terça e quinta melhora minha semana”. O que era genial, ponto
para mim, já que os dois dançam! Então um teria a certeza de que era o outro.

O lado ruim era que apareciam milhares de meninas e meninos


mandando mensagens para Caleb, inflando ainda mais aquele ego. Nossa,
pobres coitados deles, mal sabiam onde estavam se metendo.

— Bia?

— Hmm?

— O que é isso?

— A declaração da semana?

— “Sua cara inexpressiva me fascina” não faz sentido — Luana quis


saber.

— A pessoa vai entender.

— Quem mandou isso? Para quem?

— Não posso revelar identidades, são declarações anônimas.

— Ok, tanto faz.

— Luana?

— Sim?

— É permitido colocar no jornal algo como “adoro ver sua bunda


rebolando gostoso nos ensaios”?
— Hã? Não, claro que não pode.

— Que estraga-prazeres.

— Isso é uma declaração?

— Claro, superprofunda.

— Sei de algo que quer ir fundo com uma declaração dessa.

— Pervertida.

Luana riu baixinho e eu comecei a pensar em formas de Oliver e


Jonathan acreditarem que a declaração era de um para o outro.

***

— Bianca, pare com isso! — gritou Karen, fazendo-me rir.

Voltando um pouco a cena, eu saí de casa, saltitante e feliz, indo para a


“academia”, mas na verdade pulei a janela da minha adorável vizinha. Ela
estava sentada na mesa de estudo, lendo algo no computador e bebendo um
copão de café, pelo menos acho que era isso, devido ao cheiro. Só que
quando eu entrei no quarto, ela estava distraída demais, então se assustou,
derrubando um pouco do líquido no short.

— Hey, eu avisei que viria.

— Mas poderia ter falado algo antes de se jogar aqui.

— Tenho que ser discreta, como uma ninja.

— Ok, Naruto — falou, irônica, levantando-se para seguir até o armário,


de onde pegou outro short, e caminhando até a porta.

— Vai aonde?

— Me trocar.
— Tá louca? Sua mãe vai desconfiar se sair do quarto para trocar de
roupa, e se ela me vir aqui, vai contar para a minha mãe.

— Não vou ficar de calcinha na sua frente.

— Karen, temos a mesma coisa entre as pernas. Vai logo, eu não vou
olhar.

Ela bufou, mas suas bochechas coradas mostraram o quanto estava


constrangida. A garota virou de costas, inclinando-se para frente ao tirar a
peça de roupa. E, bem, ela tem uma bundinha redondinha e bonita, assim
como coxas grossas, claro, não como as minhas. Ver Karen só de calcinha me
deu uns negócios estranhos em lugares íntimos.

Culpa dos hormônios, obviamente.

Então me virei de costas para ela — havia prometido não olhar, foi sem
querer, eu juro. Encarei o computador, reconhecendo o site em que ela estava.
Franzi o cenho, mas depois de ler algumas linhas, acabei sorrindo de lado.

— Ele ofegou baixinho, me olhando e pedindo para ir mais fundo, mais


forte.

— O QUÊ? — Karen se virou na velocidade da luz, correndo para o meu


lado. Pequena observação: ainda estava de calcinha.

— Está lendo fanfic? Yaoi?

— Bianca, pare de ler isso!

— E esse lemon, aqui? Não sabia que era uma pervertida.

— Bianca, eu estou avisando, é melhor parar de ler isso ou sua mãe vai
ouvir de lá o tapa que eu vou te dar.

— Nossa, que irritadinha — provoquei, afastando-me do computador,


mas novamente meus olhos seguiram até as coxas dela.

Karen acompanhou meu olhar, corando novamente e colocando o short


de forma rápida e desajeitada, quase caindo no processo.

— Fala logo o que quer.

— Montar nossa cartada final.

— Como assim?

— Ontem no curso, eu vi Oliver e Jonathan saindo de mãos dadas, acho


que está dando certo.

— E o que pretende fazer?

— Tem um parque de diversões bem legal no estacionamento do


shopping, é um encontro clichê, mas romântico.

— Isso vai dar merda, eles vão perceber que não mandaram os bilhetes
um para o outro.

— Vão nada, vai dar tudo certo! Deixe de ser uma velha rabugenta.

— Vamos ver, então. Quando quer fazer isso?

— Amanhã colocamos o bilhete, ok? Da mesma forma de sempre, eu


mando para o Oliver e você, para o Jonathan.

— Tudo bem.

— Pode voltar a ler sua fanfic, eu não me importo.

— Bianca!

— Bia, me chame de Bia.

— Eu vou te dar um chute na bunda, isso sim.


— Nossa, você está muito mal-humorada. — Revirei os olhos com a
falta de senso de humor da garota e me joguei em sua cama. — Vou cochilar
um pouco para o tempo passar. — Suspirei, acomodando-me entre os lençóis,
e até que tinha um cheirinho gostoso. — Não tem nenhum doce aí, não?

— Não, cala a boca e vai dormir.

Eu tive que conter o sorriso quando ela voltou a se sentar em frente ao


computador para terminar a fanfic. Mas quem sou eu para julgar? Sou o
maior shipper de SasuNaru que você respeita. Fechei os olhos para cochilar
um pouco, enquanto minha mãe pensava que eu estava na academia.

***

— Olha lá, olha lá, olha lá! Vai dar certo — eu disse superfeliz.

— Você está ridícula.

— Era para vir disfarçada, você que está reconhecível demais.

— Bianca, eu sou invisível, duvido que esses dois saibam da minha


existência, tudo que eu quero é terminar o ensino médio em paz.

Revirei os olhos, arrumando meu boné.

Ok, talvez eu tenha exagerado um pouco colocando calças largas, um


casaco três vezes maior que eu, boné, cachecol e tênis de corrida, mas sou
muito gostosa, não é? Se usasse uma das minhas calças coladas, todos iriam
reparar em mim. Precisei camuflar meu charme natural para passar
despercebida.

Diferente de Karen, que fora de calça jeans, blusão e casaco com capuz.

Nós estávamos no parque de diversões. Vimos Jonathan um pouco longe,


mas visivelmente nervoso e todo arrumado. Claro, ele gostava de Oliver e sua
cara inexpressiva, tenho certeza disso.

Talvez eu seja filha de Afrodite, já que sou linda e quase um cupido.

— Oliver está chegando — murmurou Karen, escondendo-se


parcialmente atrás de mim.

Certo, admito que depois de duas semanas mandando bilhetes e indiretas


no jornal, eu comecei a shippar hard esses dois. Até que ficavam bem fofos
juntos.

— Ai, eles estão fofos, cheios de vergonha... — disse, já esperando uma


resposta grossa de Karen ou até um tapa, mas, olha que loucura, ela suspirou
e me olhou sorrindo.

— Eles formam um belo casal.

— Será que descobri seu ponto franco? — quis saber, com um sorriso
maldoso.

— Como assim, Bianca? Você viaja demais.

— Parece que é uma garota romântica.

— E-eu não.

— Tem certeza? Na estante do seu quarto eu só vi livros de romances.

— Cala a boca, Bianca, eles estão conversando, temos que tentar ouvir.

Ela estava certa, então nos aproximamos sorrateiramente, como gatas.


Paramos atrás de uma lata enorme de lixo.

— Eu estou muito feliz por ter me chamado. — Jonathan sorriu, falando


para Oliver.

Arregalei os olhos na direção de Karen, que fez uma cara bem “eu
disse”.

— Eu também estou feliz — Oliver respondeu, franzindo o cenho. —


Mas você quem me chamou.

— Fodeu — sussurrei, e ela fez sinal de silêncio.

— Como assim?

— O bilhete no armário? As indiretas no jornal? Os bombons? — Oliver


falou, como se fosse óbvio.

— Eu não fiz nada disso.

— Não?

— Acha que eu iria te chamar de “cara inexpressiva”? — disse Jonathan,


parecendo irritado.

Ownt, ele está com ciúme!

— Não, é algo que Caleb faria. — Oliver revirou os olhos.

— Até os amigos sabem que ele é babaca — sussurrei para Karen, que
assentiu uma vez.

— Mas se não foi você, como estamos aqui?

— Eu não sei.

— Será que alguém está zoando com a nossa cara? — Jonathan


perguntou, irritado.

— Será que foi o Caleb? — Oliver falou.

— Ele teria motivos para isso?

— Não sei, você disse algo sobre mim para ele? — Oliver perguntou.
— Eu não sei, talvez? — Jonathan coçou a nuca, constrangido.

— Cara, se comam! — murmurei.

— Cala a boca, Bianca, eles vão ouvir — rebateu Karen, baixinho.

Os dois se viraram na nossa direção, mas eu me escondi atrás da enorme


lata de lixo ao lado de Karen.

— Bem, já que estamos aqui, podemos aproveitar, não é? — Oliver


sugeriu.

— Esse é o meu garoto — comemorei.

— Eu vou te dar um soco, se não fechar essa maldita boca.

— Tudo bem. — Jonathan sorriu, e os dois começaram a andar lado a


lado pelo parque.

Nós demos um tempo antes de sair do esconderijo supersecreto. Karen se


virou, seguindo na direção da saída, mas eu a segurei pelo casaco.

— Aonde pensa que vai?

— Embora?

— Claro que não, precisamos ter certeza de que esse encontro vai dar
certo. Se não der, vamos ter que continuar o plano até os dois ficarem juntos.

— Bianca... — falou arrastado e de forma cansada, um tanto fofa.

Quando eu comecei a achar Karen fofa?

Acho que é fome.

— Bia, me chame de Bia.

— Você cismou com isso, não vou te chamar assim.


— Kah!

— Olha lá, se é pra ficar de olho nos dois, temos que correr, eles já
compraram as entradas.

— Será que não dá tempo de comer uma maçã do amor?

— Não dá, não, vamos logo, ou me deixe ir embora.

— Nossa, como você é chata.

— Estaria rica, se ganhasse dinheiro cada vez que diz isso.

Bufei irritada e ela também, porém, ainda com bicos enormes na cara,
nós duas seguimos Jonathan e Oliver por todo o parque.

Os dois pareciam se divertir e eu puxava Karen de um brinquedo para o


outro, acompanhando o quase casal, que se mostrava cada vez mais animado.
Claro, quando chegamos à montanha-russa, eu fiquei um pouco cansada e
resolvi sentar, enquanto Karen ria, chamando-me de covarde.

É questão de saúde mental. Quem, em sã consciência, vai a um


brinquedo que é rápido para caralho, fica de cabeça para baixo e ainda é em
um carrinho aberto, só com um cintinho de segurança? Pessoas malucas, só
poderia ser.

Como estava em perfeita faculdade mental, não me atrevi a entrar


naquele troço, mesmo tendo que aturar Karen rindo de mim. O que não era
tão ruim, preciso admitir, mas não perdi o bico irritado. Ela tem uma
risadinha gostosa que faz seus olhos sumirem e as bochechas ficarem
salientes e vermelhinhas. Mais uma vez eu pensei em como estava fofa e isso
foi muito, muito estranho.

Devo estar realmente com fome.


— Hey, lá vão eles — disse, levantando-se rapidamente para seguir o
casal que já andava apressado até outra máquina de tortura.

Porque, a partir do momento que o troço se chama kabum e consiste em


uma estrutura de metal com cadeiras que sobe até a puta que pariu e te larga
lá de cima em uma velocidade alarmante, só pode ser algum tipo de tortura.

Esses dois devem curtir um BDSM.

— Hey, Karen, vai nesse? Eu estou de boa aqui.

Olhei para o lado, já esperando uma piadinha dela, mas vi milhares de


pessoas, menos minha corujinha.

— Kah? — gritei, e várias pessoas me olharam estranho.

Ok, passando vergonha por causa dela, era só o que me faltava. Refiz o
caminho até onde estava sentada, mas nada da garota também. Onde havia
ido parar? Comecei a andar entre os minions à procura da corujinha. Deve ter
sido tudo culpa deles; essas crianças são do mal.

Olhei em todos os lugares e até tentei ligar para ela, mas meu bolso
começou a vibrar, então me lembrei de que Karen tinha me pedido para
segurar o seu celular. Onde já se viu? A pessoa tem celular, mas não fica com
ele.

A essa altura do campeonato, já tinha perdido o casal de vista também,


mas encontrar Karen era prioridade porque... Bem, porque era, e ponto final.

Vi todos aqueles doces ao meu redor e o que mais queria era parar para
comprar um hot dog, um algodão doce, mas não, tinha que correr atrás de
Karen.

Juro, dei duas voltas em todo parque e desisti, voltando mais uma vez até
o banco em que estava sentada antes e, olha o milagre, ela estava lá!
— Karen, onde a senhorita estava?

— Parece minha mãe falando assim — ela bufou.

— Responde, anda, eu tô cheia de fome e te procurando há horas.

— Não dramatiza, tem vinte minutos no máximo e foi você quem saiu
correndo.

— Estava cumprindo nosso objetivo, nossa missão.

— Certo.

— O que aconteceu? Sua mão está ralada?

— Eu pisei em um maldito chiclete. Quando você começou a correr, eu


fui atrás, mas o tênis ficou grudado no chão e eu fui com tudo.

— Você caiu.

— Como uma banana podre.

— É tão desastrada, Kah.

Ela bufou, virando o rosto.

— Mas não estava aqui antes.

— Fui ao banheiro, já que você tinha corrido e nem olhou para trás —
respondeu em um tom chateado. — Você sempre me esquece nos lugares.

— Desculpe, eu pensei que estava do meu lado.

— Agora vamos.

— Não adianta muito, não sei para onde eles foram, estava procurando
você.

— Foi mal.
— Sem problema, vamos comer alguma coisa.

Karen se levantou. Ao seu lado, no banco, um potinho de sorvete, que


ela estendeu na minha direção.

— Por fazer você se preocupar.

— Comprou um sorvete para mim? — Quase senti meus olhos


brilharem. Estava louca para comer desde que chegara.

— Sim, tanto faz — falou, com o rosto vermelhinho.

Fofa, muito fofa.

Sentei-me ao seu lado para devorar o doce e até achei justo dividir,
porque, bem, ela estava sendo legal. Depois que nos levantamos, joguei o
pote fora e entrelacei meus dedos aos de Karen.

— Mas o que...

— Nada de se perder de novo — falei, gostando da sensação de


conseguir envolver nossa mão.

— As pessoas estão olhando.

— Não me importo — rebati. — Vai ficar de mãos dadas comigo, não


quero correr atrás de você outra vez.

Ela bufou, como sempre faz, mas quando virou o rosto, eu podia jurar
que vi um sorrisinho ali.

— Quer andar em algum brinquedo antes de ir embora? — perguntei.

— Tanto faz, você é medrosa e não quer ir nos melhores — rebateu.

— Hey, eu tenho amor à vida e ao meu corpinho gostoso, só isso —


respondi, olhando para a garota, que cobriu a boca com a mão livre. — O que
foi, está rindo do quê?

— Você está com a boca suja de chocolate.

— Estou engraçada?

— Não, está fofa — respondeu, deixando-me desconcertada.

Karen usou a mão livre para limpar minha bochecha e o cantinho da boca
que estavam sujos e de novo eu me senti estranha em lugares estranhos —
porém, menos pervertidos — por causa dela.

Também senti meu rosto esquentar pela primeira vez.

Dificilmente alguém me chama de fofa; eu sou escandalosa, o que tem de


fofo nisso?

Foi estranho, mas um estranho gostosinho que me fez sorrir e apertar


nossas mãos entrelaçadas.

— Olha lá, não é que essa maluquice deu certo? — Karen disse,
apontando para a roda gigante, de onde Oliver e Jonathan estavam saindo e
trocando selinhos.

— Eu falei, meu plano é genial.

— Por enquanto, ainda vai dar merda.

— Deixa de ser pessimista, Kah, vai dar tudo certo.

— Só vamos embora, Bianca.

— Bia, me chame de Bia.

— Já disse que não vou te chamar assim, que merda. — falou irritada
enquanto andávamos até nossa casa.

Pequeno detalhe: ainda de mãos dadas.


— Você é tão chata, Karen!
Parte quatro
Karen

Eu não vou dizer que gostei de ver aquela cena. Também não vou
afirmar que estava muito irritada, mordendo minha boca de nervosismo,
louca para a Bianca se afastar dela.

A garota estava conversando com Irene — na verdade, elas estavam


jogadas uma em cima da outra. Quer dizer, Bianca pode fazer o que quiser da
vida, mas por que me chamou para presenciar isso? Irene tinha o rosto
apoiado no ombro de Bianca, abraçando-a apertado, e ela acariciava
delicadamente os braços da líder de torcida. Tudo bem, Irene estava
chorando, mas ainda assim, tinha mais o que fazer da minha vida do que ver
aquilo.

Bianca se afastou um pouco e começou a falar com a menina, que


fungou, se endireitou e secou o rosto. Ouviu atentamente o que Bianca disse,
então sua expressão, até o momento tristonha, se fechou em uma cara séria,
mas a garota continuou gesticulando e falando. Pensei que a líder de torcida
colocaria tudo a perder, mas não, ela sorriu de lado e assentiu uma vez,
concordando com Bianca.

As duas dividiram um sorriso cheio de maldade antes dela apertar a mão


de Irene de forma reconfortante e vir ao meu encontro.

— Que bico é esse? Pra morder? — Bianca quis saber, parando ao meu
lado. Senti meu rosto quente.

Ela tinha começado com essas piadinhas infames desde que fomos ao
parque de diversões, duas semanas antes.
Tinha vontade de matá-la toda vez.

— O quê? Tá fumando erva estragada, Bianca? Fala logo, o que


aconteceu? — Ela franziu o cenho.

— Está irritada por qual motivo, Kah? Nosso plano está acontecendo da
melhor forma possível, Caleb está muito puto com o namoro de Jonathan e
Oliver.

— Eu só tenho mais o que fazer do que ficar vendo você abraçada com
líderes de torcida.

— Não é no plural, foi apenas a Irene, porque ela está triste. Você é
insensível.

— Não é problema meu.

— Isso é ciúme? — perguntou Bianca, recebendo um tapa no braço,


claro. — Ai, Kah. choramingou, acariciando o local.

— Fala logo, Bianca.

— Bem, eu estava certa, como sempre.

— O que aconteceu?

— O Caleb foi um filho da puta com ela também.

— Como sabe disso?

— Eu sou observadora — disse com um enorme sorriso convencido. —


Semana retrasada, eu recebi uma mensagem da Irene para publicar uma
declaraçãozinha para Caleb no jornal, daquela coluna anônima que estou
fazendo. Então, durante essas duas semanas, os dois pareciam um grude, ela
até sentou no colo dele no refeitório, não se lembra de todo mundo gritando?

— Não.
— Você não repara em nada, por isso vive tropeçando nos próprios pés.
— Bianca revirou os olhos com um risinho, depois se aproximou de mim.
Meu coração acelerou quando ela praticamente colou nossos rostos. —
Lembra a festa de Gustavo, no final de semana passado?

— Para a qual você ficou me chamando para ir?

— Sim, mas você não foi porque é chata.

— Poderia ter ido sem mim, não mandei ficar em casa também.

— Sem você não teria graça — falou tranquilamente, dando de ombros,


mas isso fez meu coração saltar de forma descomunal. Qual o problema dessa
garota para ficar falando essas coisas sem sentido?

— O que aconteceu na festa? — mudei de assunto.

— Caleb conseguiu levar Irene para um dos quartos, se é que me


entende.

— E?

— E nesta semana, ele a está ignorando.

— Que babaca...

— Filho da puta — Bianca completou. Ela sabe que o mais perto de um


palavrão que eu falo é “merda”. — Irene me contou que ele falou, depois de
dormiram juntos, que não namora garotas fáceis, por isso estava chorando.

Admito, meu coração doeu pela menina, mas logo Bianca sorriu grande e
daquele jeito um pouco assustador, como quando está planejando algo.

— Ela vai nos ajudar — contou.

— Sério?
— Sim, não existe nada mais perigoso do que uma mulher com o
coração partido.

— Então ela vai dar o energético batizado para Caleb?

— Sim. Você vai ver, será épico.

Ok, talvez as coisas não dessem tão errado assim.

***

Quando a bola de futebol veio na minha direção, acertando meu braço


com tudo e me derrubando no chão, percebi que tudo poderia dar muito
errado, sim. Bianca tinha falado para, às vezes, aparecermos no treino de
Caleb e ver se o plano estava indo bem. Porém, andar sempre ao lado dela
pode levantar suspeita, então não nos falamos muito na escola. Apesar de nos
sentarmos juntas no refeitório.

Aquele era o meu dia de ficar até mais tarde vendo o treino,
absurdamente chato, de futebol. Não gosto de esportes, sou desastrada
demais. Perdi as contas das vezes em que fui chutar uma bola e caí no chão.
No vôlei, elas me perseguem; até no tênis as bolas fazem um estrago, às
vezes minha própria raquete me machuca. Sim, eu já bati em mim mesma
com a raquete quando fui rebater uma bola.

Resumo: não sou boa em esportes.

Bianca é melhor do que eu, apesar de ter preguiça de se exercitar.


Contudo, isso não a impede de colocar as músicas de suas divas pop e dançar
de forma louca no quarto. Sério, ter a janela de frente para a dela é um terror
em certos momentos.

Mas voltando ao assunto, que é todo meu material jogado e um enorme


hematoma no meu braço. Isso me fez ficar muito irritada, porque tenho quase
certeza de que foi de propósito.

— Desculpe, Karen. — Caleb riu, não parecendo nem um pouco


arrependido.

Irene veio na minha direção, pegando a bola e piscando para mim uma
vez.

— Vamos acabar com ele. Não se preocupe, Bia me contou tudo — ela
sussurrou, e eu assenti uma vez, discretamente, arrumando minhas coisas.

Ok, talvez eu tenha gostado dessa menina.

— Nossa, Caleb, você está cego? O gol é do outro lado — Gustavo


ralhou, fazendo o garoto parar de rir e encarar o capitão.

Ele é um cara legal.

— Desculpe, capitão.

— Preste mais atenção.

Os jogadores se alinharam, começando o aquecimento para o treino. Eu


tinha batizado, junto com Bianca, algumas garrafas de energético com poucas
gotas de laxante, nada para fazer mal, mas para dar aquela vontade louca de
correr em direção ao banheiro.

Caleb estava visivelmente irritado, tanto por levar esporro, quanto por
causa de seus amigos. Ele olhava para a arquibancada toda hora, à procura de
Jonathan e Oliver, mas nenhum dos dois estava lá. O que é um cara popular
sem seus dois fiéis seguidores?

Vi o Park abrir com raiva a garrafa que Irene lhe dera e tomar todo o
conteúdo antes do treino começar. Acabei sorrindo de forma maldosa — acho
que Bianca estava me contagiando com aquele jeito dela, meio louco.
Arrumei meu material novamente, ajeitando-me na arquibancada
enquanto o treino avançava de forma arrastada. No intervalo, vi Caleb
comendo uma barrinha de cereal também, meio escondido.

Bianca disse que Irene teve a ideia de dizer que eram especiais, fazendo-
o ter mais energia, só que ninguém poderia saber, mas na verdade, elas eram
cheias de açúcar apenas. E como Caleb se mostrou um mau caráter, óbvio
que ficou quietinho.

Bufei irritada, concentrando-me em terminar os trabalhos da semana.


Porém, algum tempo depois, vi uma movimentação diferente e prestei
atenção no treino. Caleb estava curvado com a mão na barriga e logo depois
saiu correndo. Irene se virou na minha direção e sorriu discretamente. Eu
guardei meu material, louca para ir embora e já atrasada para meu curso.

Mandei uma mensagem para Bianca:

Está dando certo, aquela fic que você leu deve ser milagrosa.

Eu disse! Você vai para o curso?

Sim.

Quando chegar, deixa a janela aberta.

Tem academia?

Não, mas quero saber os detalhes.

Está muito abusada, Bianca.

Nós continuamos trocando mensagens e ofensas durante todo o percurso,


até que precisei guardar o celular para entrar na minha aula de inglês, mas de
alguma forma me sentia muito bem, sem pensamentos pessimistas.
Estava feliz.

***

Era óbvia a raiva de Caleb.

— E vocês não vão? — quis saber, incrivelmente irritado ao entrar


naquela sala vazia.

Eu estava com Bianca, conversando sobre nosso plano. Uma semana se


passou desde que Caleb começou a tomar os energéticos batizados. Claro,
não era todo dia, porque senão o garoto ficaria desidratado de tanto correr
para o banheiro, mas ao menos em dois treinos da semana. Eles estavam se
reunindo diariamente, devido ao primeiro jogo, que seria logo depois dos
testes. Que, por sinal, estavam cada vez mais perto.

Acontece que eu estava conversando com a Bianca na hora do intervalo,


rindo de uma foto que havia tirado na tarde anterior quando ficou observando
o treino e o garoto quase caiu ao correr para o banheiro, quando, do nada,
entraram na sala Oliver, Jonathan e um Caleb muito irritado. Bianca me
puxou para o armário apertado e fez sinal de silêncio. Aconteceu que,
acompanhem comigo, esses armários são nojentos e minúsculos, ou seja, para
não ficar me apoiando nas paredes sujas de só Deus sabe o quê, tive que ficar
com o corpo praticamente colado ao de Bianca. Uma situação muito
constrangedora, porque ela tinha um cheiro muito gostosinho e doce que me
fez pensar em chicletes e coisas malucas que não deveria estar pensando com
ela. Como, por exemplo, se os seus lábios seriam tão açucarados quanto
aquele pirulito maldito que ela sempre está chupando.

Eu nunca me entendi muito bem, nem gostei de me rotular. Só queria ser


invisível, porém, quanto mais próxima ficava de Bianca no decorrer dessas
semanas, mais me sentia confusa com meus próprios pensamentos, com meus
sentimentos e com quem eu sou.

De perto, Bianca era ainda mais bonita, sabem? Ela estava tentando ouvir
a conversa sem encostar na porta do armário, tinha o cenho franzido em
concentração e mordiscava os lábios, que estavam vermelhos devido ao
pirulito que chupara momentos antes. Deveria ser errado isso, não? Quanto
mais de perto olhamos, melhor vemos os defeitos. Mas Bianca ficava linda
até com eles. Com o cabelo completamente bagunçado e aquela espinha
crescendo na testa, que ela tentou disfarçar com a franja. Até sua barriguinha
e coxas grossas, o que as pessoas insistiam dizer que não era o padrão, lhe
deixavam ainda mais bonita. Ela não tinha que mudar nada disso. E talvez o
que eu mais gostasse nela era o fato da garota não querer mudar.

— Desculpe, mas minha mãe tá me enchendo o saco para levar o Oliver


lá em casa.

— E eu?

— Você não é meu namorado — Jonathan rebateu o óbvio. — Ela quer


fazer um jantar em família.

— Nos conhecemos a vida toda, Oliver e eu já jantamos na sua casa


milhares de vezes.

— Agora é diferente — Oliver respondeu dessa vez.

— Mas estamos combinando isso a semana toda, vocês prometeram ir lá


para casa jogar comigo, como sempre fazemos às sextas.

— Fica para a próxima.

A porta da sala bateu e, provavelmente, eles saíram. Bianca espiou e


depois voltou a fechar a porta.

“Caleb ainda está aqui”, moveu os lábios, finalmente se virando para


mim.

Pela primeira vez tomamos consciência da nossa situação. Os corpos


praticamente colados, as respirações se mesclando... Eu conseguia sentir meu
rosto quente, e o de Bianca também estava vermelhinho. Seus olhos me
avaliaram e ela engoliu em seco, fazendo-me reprimir um suspiro. O que
estava acontecendo ali?

Que tensão era aquela no ar? Cadê a máscara de radioatividade? Minhas


mãos estavam suando e o coração, acelerado. Acho que era o princípio de
uma parada cardíaca, precisava ligar para os médicos.

— Que merda! — Caleb xingou, dando um soco na mesa, ao menos foi o


que pareceu com o barulho que ecoou pelo lugar. Isso me acordou, fazendo
com que eu prestasse atenção no que ele estava falando. — Parece uma onda
de azar.

Logo depois, a porta bateu novamente, dessa vez com força.

Bianca abriu uma fresta da porta, olhando a sala antes de suspirar


aliviada e sair do armário apertado. Ela parecia constrangida, olhando para
todos os cantos, o que me fez indagar o que aquela cabecinha maliciosa
estava pensando. E pior do que isso, eu senti algo se agitando dentro de mim,
um nervosismo estranho.

Não fazia sentido, estava pensando em ir a um psicólogo para desabafar,


como minha mãe insistia tanto.

— Ele está irritado de verdade.

— Sim, eu disse que era o plano perfeito. — Bianca riu de forma forçada
e escandalosa, então levantei uma sobrancelha em sua direção. — Mas de
certa forma eu até o entendo.
— Como assim? Está com pena agora? — quis saber, ficando um pouco
irritada.

Afinal, Caleb não merecia e, mais do que isso, Bianca não deveria pensar
nele de forma carinhosa ou algo assim. Quer dizer, será que ela sentia algo
por Caleb? Por isso estava nervosa?

— Não, nada disso, mas Luana e Mateus furaram nossa sessão Harry
Potte, de novo — disse Bianca, com um bico emburrado. — Eu vou ter que
ver tudo sozinha.

Ok, talvez, mas só talvez, eu tenha ficado com o coração derretido ao ver
Bianca com aquela carinha triste.

— Eu gosto de Harry Potter — disse, como quem não quer nada.

— Sério?

— Eu sou uma aluna exemplar da Corvinal.

— Tinha que ser, com seu jeito certinho.

— Me deixe adivinhar... Grifinória?

— Não existe casa melhor. — Ela sorriu convencida, fazendo-me revirar


os olhos.

— Bem, se você quiser, posso deixar a janela do meu quarto aberta mais
tarde.

— Se você quiser, eu posso levar meu box dos filmes.

— Tudo bem — falei com um sorriso bobo.

— Tudo bem — respondeu, sorrindo também.

Foi estranho, muito estranho, sentir aquela agitação toda dentro de mim.
Da mesma forma como foi realmente difícil acreditar que Bianca novamente
estava com o rosto corado enquanto acenava na minha direção ao seguir pelo
corredor atrás de Luana.

***

Dizer que eu estava calma é uma completa mentira, mas acho que gosto
de mentir para mim mesma. Quer dizer, não tinha motivos para estar nervosa,
certo? Eu estava bem, estava tudo bem, Bianca só iria aparecer para ver uns
filmes. Nada de mais, tudo tranquilo.

Eu coloquei o cabo ligando a TV no computador e depois me joguei na


cama, esperando Bianca, que não demorou muito para se jogar no meu
quarto. Primeiro caiu um saco, depois eu a vi segurando uma caixa preta de
metal com as cores das casas na tampa e o escudo de Hogwarts no meio. Era
muito bonita, mas coisa de doido, quer dizer, de fã colecionador.

— Preparada para as melhores horas da sua vida?

— O que é isso? — apontei para a bolsa no chão.

— Pipoca e salgadinho que peguei no armário da minha cozinha.

Bianca usava roupas largas, como se estivesse em casa, e me entregou os


filmes com um olhar de advertência.

— Trate bem dos meus bebês.

Apenas revirei os olhos enquanto ela se jogava na minha cama e


coloquei o primeiro filme. Ela abriu um saco de pipoca de micro-ondas
quentinha, como se tivesse feito antes de ir para minha casa. O que
provavelmente aconteceu.

Deitei-me um pouco insegura. Era estranho, sabe? Nós duas na minha


cama de solteiro e tudo mais. Só que eu sequer tive tempo para me sentir
desse jeito.

— Você soube? — Bianca perguntou, sem desgrudar os olhos da TV e, é


claro, sem parar de mastigar sua pipoca.

— O quê?

— Caleb recebeu a maior bronca do técnico do time e hoje, no final da


aula, os outros jogadores ficaram chamando-o de cagão.

— Mentira!?

— Verdade, foi hilário.

— Como eu não vi isso? — quis saber, sem conter a gargalhada.

— Você é muito distraída, Kah, por isso tropeça em tudo.

— Hey, não é culpa minha, Bianca.

— Você poderia me chamar de Bia — sussurrou, emburrada.

— Só nos seus sonhos.

Bianca olhou para mim na hora, parecendo assustada. Lambeu os lábios


sujos de gordura da pipoca e depois desviou. Não era o apelido em si que eu
estava evitando, era a intimidade. Eu não sabia o que fazer com toda aquela
nossa aproximação, nem com as reações do meu coração devido a isso.

— Até parece que eu iria sonhar com você.

Ok, deveria ter ficado chateada? Não. Eu fiquei? Sim. Dei um tapa de
leve no braço da Bianca e virei o rosto.

— Como se eu quisesse ficar presa em um sonho seu.

O filme ainda estava nos primeiros minutos e eu me virei, prestando


atenção no começo épico de Harry Potter, porque, realmente, eu amo toda a
saga de livros e filmes.

— Hey, Kah... — Bianca me chamou de forma arrastada.

— Cala a boca e vamos ver o filme, não veio aqui para isso?

— Não fala assim — a loirinha respondeu baixo, e eu sabia que ela


estava com um bico, mesmo sem olhar. Quase dois meses de convivência
diária dá nisso.

Nesse meio-tempo eu reparei em muitas coisas sobre Bianca, aprendi


bastante sobre seu jeito e seus trejeitos. Mais do que seria saudável para a
minha sanidade.

— Não era você que queria ver todos os filmes?

— Mas você está chateada.

— Estou ótima.

— Então para de fazer esse biquinho! Se não parar, eu vou morder — ela
sussurrou.

— Quê? — quis saber, assustada, ao me virar para Bianca. Ela apenas riu
e se ajeitou na cama ao meu lado. O jeito dela de provocar me deixava muito
confusa.

— Eu só falei por falar, ok? Era brincadeira, agora vamos ver o filme —
disse, oferecendo-me um pouco da pipoca, que já estava no final.

Bufei, sentando-me com as costas apoiadas na cabeceira da cama. Não é


como se eu já não estivesse acostumada com nossas briguinhas que duram
meio segundo.

— Tanto faz — falei, comendo um pouco de pipoca.

Ela sorriu daquele jeito grande para mim e vocês devem estar se
perguntando: a essa altura do campeonato, a Karen já está acostumada, certo?
Erradíssimo. Parece que, cada vez que Bianca decidia sorrir toda feliz na
minha direção, um novo princípio de parada cardíaca se iniciava.

— Hey, Kah?

— Bianca, você não queria ver os filmes?

— Sim, mas eu tenho uma pergunta.

— Fala.

— Tem algum doce aí? Lá em casa acabou.

Mais uma vez eu bufei, virando-me para a televisão, só que, antes, abri a
gaveta da minha mesinha de cabeceira e peguei um saco de bala de goma —
que ela tanto gosta — e uma barra de chocolate. Comprara mais cedo, pois
sabia que Bianca iria perguntar por doces e eu não estava a fim de me
estressar.

Ok, nem eu acredito nisso, mas vida que segue.

— Comprou para mim? — perguntou, toda feliz, sorrindo mais ainda.

— Tanto faz, vamos ver os filmes.

Bianca não respondeu, mas de canto, vi sua expressão de contentamento.


Sabia, obviamente, que era para ela, já que eu não ligo para doces.

Nós finalmente conseguimos prestar atenção no longa-metragem. A


pedra filosofal, A câmara secreta, O prisioneiro de Azkaban. Bianca dormiu
no começo de O cálice de fogo.

Fiquei indignadíssima. Como pôde? O melhor dos filmes!

Bianca simplesmente apagou, jogada na minha cama. Mais uma vez


comecei a reparar demais nela. Na respiração baixinha, em como se encolhia
como se estivesse com frio, no formato dos olhos fechados, no cabelo
bagunçado e caindo no rosto.

Puxei um edredom, tentando cobrir nós duas sem acordá-la, já que o


sono tinha me nocauteado também. Acontece que estamos falando de mim,
não é mesmo? Então, quando peguei o pano ao pé da cama para nos cobrir,
acabei me enrolando e fui com tudo de cara no chão.

— O quê? — Bianca perguntou, desnorteada, coçando os olhos de forma


fofa e me olhando caída no chão.

— Você dormiu.

— E pretendo continuar. Vamos logo, estou com frio — reclamou,


encolhendo-se mais um pouco e enterrando o rosto no meu travesseiro.

Percebi que, quando ela está com sono, fica mais irritadinha e manhosa,
isso é possível? Não sei, mas é muito fofo. Bianca se inclinou, puxando-me
pelo braço.

Acabei me deitando novamente, sem saber ao certo o que fazer. Coloquei


o edredom sobre nós duas e me ajeitei de forma desajustada. Porém, ela
inventou de jogar um braço sobre meu tronco e entrelaçar suas pernas nas
minhas, depois respirou fundo, bem perto do meu pescoço e, admito, fiquei
completamente arrepiada.

— Boa noite, Kah — sussurrou

— Boa noite, Bianca — rebati baixinho.

Em poucos minutos, ela já habitava o mundo dos sonhos, mas eu ainda


não sabia ao certo o que fazer. Acabei me atendo ao som gostoso e relaxante
de sua respiração tranquila; isso foi me acalmando aos poucos e adormeci
antes mesmo de entender o que estava acontecendo entre nós duas.
Parte cinco
Bianca
Todo mundo acorda um pouco desnorteado, ainda mais quando dorme
em um lugar diferente e desperta sem saber onde está. E o primeiro
pensamento que passa por sua cabeça é que foi sequestrado por ladrões de
órgãos. Ok, nem todo mundo tem esse pensamento específico, mas foi o que
aconteceu comigo quando estava dormindo ao lado de Karen.

Abri os olhos sentindo o coração acelerado, e assim que me virei para o


lado, eu a vi encolhida, o rosto relaxado e o cabelo negro bagunçado. Karen
parecia extremamente fofa. Acabei sorrindo um pouco e me arrumei na cama
para voltar a dormir, já que era um sábado. Hello, quem acorda cedo aos
finais de semana? Porém ela se virou para mim resmungando algo
incompreensível.

E, meus caros amigos, é aí que mora o problema.

Quando a garota ficou de frente para mim, as coisas passaram de “como


ela é fofa dormindo” para “Ave Maria, o que eu faço com esse coração que
parece que está em uma rave?”

Complicado, muito complicado.

Ainda mais pela manhã, pois, como já disse, quando estamos


desnorteados e sem saber direito o que pensar. Tentei me afastar o máximo
possível, mas era uma cama de solteiro e Karen não ajudava em nada, sempre
remexendo o corpo para ficar mais perto de mim.

Ou seja, eu estava completamente fodida.

Comecei a suar frio, com medo da corujinha acordar e pensar que eu a


estava encarando, o que não era o caso! Claro, eu não conseguia desviar os
olhos do rosto dela, porque, porra!, Karen é muito bonita por debaixo
daquele maldito capuz que ela cisma em usar para passar despercebida. Como
se isso fosse possível, já que tropeça nos próprios pés.

Mas até isso a deixava adorável, quer dizer, ela é uma gracinha por
inteiro. Acabei me levantando rapidamente, assustando-a sem querer, mas eu
estava assustada com meus próprios pensamentos.

— O quê? — quis saber, arregalando os olhos ainda sonolentos.

— Nada, preciso ir — disse rapidamente. Ela demorou um pouco para


assimilar minhas palavras.

— Não vai tomar café?

Eu hesitei.

A comida de sua mãe é muito gostosa, contudo, as ideias loucas sobre


sentimentos e vontades estranhas a respeito de Karen me fizeram negar uma
vez.

Mesmo com uma enorme dor no coração e um estômago roncando.

— Eu como em casa.

— Tem certeza de que está tudo bem? — perguntou novamente,


parecendo abismada com a minha resposta.

Afinal, quando eu nego comida?

— Sim, agora tenho que ir!

— Mas...

Não consegui ouvi-la, apenas pulei a janela, voltei para o meu quarto e
me joguei debaixo das minhas próprias cobertas, cobrindo o rosto com o
travesseiro sem pensar que, ao ver seu rosto tão perto do meu, havia pensado
em como deveria ser beijar Karen.

***

O dia se passou de forma torturante. O que estava acontecendo comigo?


Por que pensava em Karen daquela forma? Pior! Até meus sonhos ela tinha
invadido!

Quando essa loucura começara?

Quer dizer, desde que nos juntamos, semanas antes, para nos vingarmos
de Caleb, acabei conhecendo-a melhor. Vendo que até seu lado desastrado
acaba sendo um charme. Karen é muito inteligente, tem ótimos gostos —
exceto por casas de Hogwarts — e é muito bonita.

Como não reparei nisso antes?

Depois de acordar ao seu lado e perceber que nesses últimos dias tinha
me importado mais em estar com ela do que, de fato, em aprontar algo contra
Caleb, fiquei desestabilizada.

Acabei não voltando a falar com a garota o dia todo, mesmo que
estivesse sempre pensando nela. Já no domingo, acordei desesperada ao
lembrar que a semana de testes começaria no dia seguinte e passei mais
tempo divagando sobre minha vizinha, que eu costumava odiar, do que
estudando.

Estava fodida.

Comecei pegando os livros de uma matéria em que sou “ótima” e da qual


teria teste logo no primeiro tempo de segunda-feira.

Matemática.
Claro, são só alguns números e letras, e sinais estranhos, e figuras
geométricas, uma página inteira para fazer uma conta.

Moleza!

Obviamente, depois de três horas eu já estava chorando e pedindo para


sair, pensando na possibilidade de vender minha arte na internet. Até lembrar
que nem para fazer pulseira de miçanga eu sirvo.

É, meus amigos, estava complicada a minha vida.

Fui almoçar, porque comida sempre me anima, mas minha mãe começou
com um papo muito doido quando eu disse que estava estudando para prova e
já deixei de sobreaviso minha provável nota vermelha.

— Você e Karen não são amigas agora? Até dormiu lá! Ela não pode te
ajudar?

Virar para ela e dizer: “Não acho uma boa ideia, mãe, sabe como é,
depois que a gente passa o dia pensando sobre a boca de uma garota, é meio
complicado falar com ela sem se sentir, no mínimo, morta de vergonha” não
era uma opção, então apenas disse:

— Ela deve estar ocupada, mãe.

— Provavelmente está estudando também, quer que eu ligue...

— Não! — interrompi, seria ainda pior ter minha mãe chamando-a para
vir aqui. — Vou mandar uma mensagem mais tarde.

— Ótimo, estou tão feliz que finalmente se tornaram amiguinhas.

Sorri amarelo.

Amiguinhas, claro.

***
Depois de mais uma hora de desespero, acabei me rendendo e mandei
uma mensagem para ela:

Hey, Kah, está fazendo o quê?

Querendo dormir.

Não vai estudar para o teste amanhã?

Parece ser fácil, não vejo motivo para me preocupar.

Fácil? FÁCIL? Isso tá pior de entender do que a fórmula para salvar


o mundo em Interestelar.

O que não está entendendo?

Tudo… Nada! Estou desesperada!!!!!!

Um minuto se passou e nada.

Kah, me ajuda!

Kah.

Kah.

Kah.
Floodei mesmo, mas só porque ela me ignorou!

Ouvi um barulho estranho e me virei, dando de cara com a garota


rolando, literalmente, pela janela do meu quarto.

— Ai — disse ao cair, e tive que segurar a risada por um momento. —


Como você faz isso parecer tão fácil?

Então arregalei os olhos ao entender o que estava acontecendo. Karen


estava no meu quarto! Ela quase nunca aparece aqui. Será que vai reparar na
pilha de roupa suja no canto? Ou os pacotes de bala sobre a mesa? Quer
dizer, eu nem me importava mesmo, puff.

— Bianca? — chamou, levantando-se e pegando o caderno que tinha


consigo. — Está tudo bem? Você parece estranha desde ontem.

— Você veio aqui.

— Não quero ter que ouvir você resmungando no meu ouvido que tirou
nota baixa. Só me mostra o que não entendeu logo — falou entediada,
sentando-se na minha cama.

Pela primeira vez me senti constrangida ao lado dela. Tentei deixar isso
de lado, afinal, era apenas Karen, minha vizinha estranha, mas que podia ser
extremamente fofa às vezes.

Nós estudamos a tarde toda daquele domingo, assim como todas as


outras tardes daquela semana do capiroto. Para quê fazer teste? Hein?

“É uma forma de estudar para a prova.”

Eu não queria estudar para a prova!

Só Karen mesmo para aturar meus escândalos, junto com a vontade de


desistir de tudo e fugir para alguma aldeia nas montanhas.

Quem precisa estudar? Vamos viver de amor.

Foram cinco dias seguidos de tortura, com testes de todas as matérias.

Eu me esqueci de qualquer assunto sem ser minhas notas. Da minha


vergonha por ter pensado em beijar Karen, nossa vingança contra Caleb ou
essas coisas estranhas que tinham acontecido comigo quando chegava perto
da corujinha.

Quando a sexta-feira seguinte finalmente chegou, eu saí da escola


saltitando. Karen estava ao meu lado parecendo envergonhada com meu jeito
espalhafatoso.

— Vamos tomar um sorvete?

— Está frio hoje.

— Não existe isso, todo dia é dia de sorvete — falei, empolgada.

— Do jeito que eu sou, capaz de ficar resfriada, nada disso!

— Que chata! Vamos logo para a sua casa.

— Não tem nada para estudar.

— Temos uma saga de Harry Potter para terminar — disse o óbvio,


enquanto ela revirava os olhos. No caminho eu parei, comprando o necessário
para fazer um brigadeiro, além de um potinho de sorvete para mim, que comi
enquanto andávamos para casa. Vi a garota olhando na minha direção e lhe
dei algumas colheradas do meu sorvete, mas só porque ela ficava muito fofa
quando tentava ser durona.

Passei em casa só para deixar minhas coisas, tomar um banho e trocar de


roupa.
Enquanto sentia a água morninha no meu corpo, comecei a pensar em
coisas estranhas. Do tipo: será que quando o plano acabar, Karen vai se
afastar de mim? Quer dizer, e se ela não quisesse ser minha amiga? Nem
nada?

Na verdade, o que eu queria com a corujinha?

Por que meu coração doeu quando pensei em não a ter mais por perto a
todo momento?

Estranho, muito estranho tudo isso.

Algum tempo depois, eu pulei a janela do quarto da casa ao lado, vendo


Karen com um pote de pipoca, enquanto eu levava o brigadeiro já quentinho
e pronto para comer.

— Não acredito que dormiu no melhor filme! — resmungou. — E ainda


se diz uma fã.

— Kah, não faça assim comigo — pedi, forçando um bico chateado.

— Bianca, pare de drama — exclamou, irritada, ficando toda


vermelhinha.

Fofa demais.

— Quando você vai admitir que gosta de mim?

— Eu te aturo, é diferente.

— É tão chata!

— Quer ver o filme ou não?

— Quero, coloque — disse, emburrada, enfiando no brigadeiro a colher


que eu levara. — Está sabendo?
— Do quê?

— Amanhã de manhã é o primeiro jogo do time da escola.

— E eu com isso? — ela falou de forma indiferente, colocando o filme e


voltando a se deitar na cama.

Senti meu coração acelerar, novamente lembrando-me do dia em que


acordei ao seu lado e tudo ficou confuso.

— Bianca?

— O quê?

— Você está bem? Fez uma cara estranha e parou de falar.

— Quê? Sim, o jogo, lembrei. — Ri de nervoso, coçando a nuca. —


Estão dizendo que Caleb não irá jogar.

— Sério?

— Sim.

— Muito bom.

— Quer ir? Assistir à derrota dele?

— E colocar a última parte do plano em ação? Não aguento mais ter que
pensar em Caleb.

Fiquei calada por um momento. Será que Karen também queria se livrar
de mim com o fim do plano?

— Acha que é um bom momento?

— Sim, ele já estará irritado por não estar no jogo.

— Se quer assim...
— Parece que não quer isso — Karen questionou, levantando uma
sobrancelha.

— Sei lá, não foi tão divertido quanto eu pensei — falei, vendo-a ficar
séria.

— Está realmente ficando com pena dele?

— Nada disso — falei, com medo dela pensar que eu, de alguma forma,
ainda gostava daquele babaca, já que, na verdade, eu não gostava nem um
pouco.

— O que é, então?

— Você.

— O que tem eu? — Kah perguntou, parecendo confusa.

— Vai se afastar de todo mundo de novo quando o plano acabar? Vai se


afastar de mim? — quis saber, vendo-a arregalar os olhos e morder os lábios.

— Bianca, já disse para você parar com essas provocações.

— Não é isso, só quero saber se enjoou da minha companhia.

— O filme começou. — Karen avisou, virando-se para a televisão. Abri


a boca para reclamar, contudo, eu a ouvi sussurrar: — Não vou me afastar de
você, Bianca.

Sorri, finalmente me sentindo aliviada, depois foquei no Cedrico sendo


lindo em O cálice de fogo enquanto eu comia meu brigadeiro.

Quando o filme acabou, quase duas horas e meia depois, eu me virei


para o lado, vendo Karen fungar e passar a mão no rosto rapidamente. Ela
estava chorando? Com a morte do Cedrico? Céus, existe algo mais fofo?

— Tudo bem? — quis saber, mas sem conseguir conter a risada.


— Esse é meu filme preferido — disse, ainda fungando baixinho.

Apenas ri, olhando-a longamente enquanto tentava se recompor e


esconder as lágrimas.

— Você está chorando.

— Não estou.

— Está, sim.

— Melhor isso do que ter a cara toda cagada de chocolate — implicou.

— Quê? — perguntei, já passando a mão no rosto, enquanto a garota ria


abertamente de mim.

— Aqui — disse, aproximando-se.

Todo meu corpo paralisou quando Karen se inclinou na minha direção e


passou os dedos na minha bochecha, limpando o chocolate dali. Acontece
que seu olhar ficou preso no meu e ela acabou perdendo o ar risonho, fitando-
me seriamente com seus adoráveis olhos de coruja.

Uma coisa estranha, muito estranha, acontecia comigo quando olhava


por muito tempo para Karen. Umas vontades loucas que me fizeram inclinar
ainda mais na direção da mão que tocava meu rosto, quase pedindo um pouco
de carinho.

Ela arregalou os olhos, observando-me de forma curiosa, e tudo


aconteceu muito rápido. Primeiro veio a minha vontade de chegar mais perto
— a qual eu controlava com muito esforço —, então Karen também se
aproximou. Só que foi tudo desajeitado e impensado, fazendo com que nossas
testas se chocassem com força.

— Ai — choraminguei
— Que cabeça dura! — ela reclamou, massageando o lugar em que
batemos.

— O que você estava fazendo?

— E-eu estava, bem, você sabe... Eu estava querendo matar um


mosquito! Isso! Estava atrás de você.

— Mosquito?

— Sim, oh, olha ele ali! — apontou, e logo depois bateu as mãos, mesmo
que eu não tivesse visto nada. — Pronto, aqui está, mortinho.

— Que nojo.

— Foi isso, tô indo lavar a mão e colocar o outro filme.

Karen saiu em disparada do quarto, como o diabo corre da cruz.

Mosquito? Não parecia ter sido isso que realmente aconteceu, mas, ao
mesmo tempo, eu nem sei o que aconteceu! Jurava que ela iria me beijar. Na
verdade, jurava que eu iria beijá-la. O que me deixa ainda mais assustada,
porque apesar de tudo, a vontade de saber qual é o gosto de seus lábios
carnudos não passou quando Karen retornou ao quarto, nem quando colocou
outro filme, muito menos quando voltei a comer meu brigadeiro.

O que é muito difícil, porque desde quando eu quero experimentar algo


mais gostoso do que chocolate? Nunca!

O que está acontecendo aqui?

***

Eu acordei ao lado de Karen novamente, dessa vez sem ficar tão evidente
minha confusão sobre o que tenho sentido. Eu nunca me rotulei como isso ou
aquilo, gosto de ser livre para fazer o que quiser, amar quem me ama
também. Não estava confusa pelo fato de sentir vontade de beijar outra
garota, já tinha passado por isso antes. O que me fazia ficar pensando nisso
era não querer apenas beijar Karen, mas estar com ela, compartilhar
conversas e momentos com a garota de quem, até umas semanas antes, eu
nem gostava tanto.

Apesar de toda essa confusão na minha cabeça, ao ver o rostinho dela


bem de perto, os lábios cheinhos esmagados em um bico fofo por estar de
lado na cama, o cabelo bagunçado e o jeitinho inocente, me fazia ter vontade
de sorrir. Estava tão tranquila...

Nem parece que destrói carrocinha de sorvete com seu jeito desajeitado.

Não queira saber, longa história.

Suspirei, tentando entender por que meu coração estava acelerado,


porque olhá-la me deixava com uma sensação gostosinha no peito.
Aproximei-me um pouco, afastando o cabelo de seus olhos e selando sua
testa de leve.

Sabia o motivo de fazer isso? Não, apenas tive vontade.

Quando me afastei, vi que a garota estava acordada. Seus olhos me


fitavam parecendo assustados e eu quase engasguei, levantando-me
rapidamente.

— Bom dia, vamos levantar? O jogo é daqui a pouco — comecei a falar


rápido para desconversar.

— O quê?

— Nossa, já são nove horas! O futebol, lembra? Começa às onze.

— Ok — disse, parecendo sonolenta.


Virei-me, pronta para pular a janela, só que senti Karen segurando a
barra da minha blusa. Percebi que ela estava sentada na cama, com o rosto
amassado e um jeitinho pidão que foi impossível resistir quando disse:

— Não quer tomar café comigo?

Ok! Eu já entendi, tá legal?

Estava difícil dizer não para aquele rostinho sonolento e jeito fofo. Karen
parecia ainda mais bonitinha pela manhã. Pensar nisso e em todas as outras
coisas estranhas que tinham acontecido comigo quando estava ao seu lado me
deu uma certeza. Certeza esta que não sei se estava pronta para admitir.

— Tudo bem — sussurrei.

Ela sorriu de um jeito muito bonito e se levantou, puxando minha mão


pelos corredores de sua casa. Os olhos de sua mãe só faltavam lançar fogos
de artifício de tanto que brilhavam ao me ver sentada ao lado de Karen na
mesa da cozinha. Nossas mães e essa mania de querer a nossa amizade.

Dei um bom dia e não me fiz de rogada, afinal, estamos falando do café
delicioso da mãe de Karen. Eu comi! Comi à beça, arrancando sorrisos da
garota ao meu lado, que volta e meia implicava comigo.

— A comida não vai fugir.

— Eu sei.

— Então coma devagar ou vai morrer engasgada.

— Eu sempre como rápido, sua chata.

E, apesar da briguinha de sempre, me senti muito feliz durante toda a


manhã.

***
Já eram onze e meia da manhã. Eu estava ao lado Karen na arquibancada
do campo da nossa escola. Luana também estava lá, porém, perto dos
jogadores, anotando tudo para o jornal semanal. Mateus foi junto da
namorada — esses dois não se desgrudam mais — e se sentou ao meu lado
para ver o time da sua antiga escola.

Dizer que sou uma fã superanimada de futebol e que estava vibrando de


emoção por estar ali é mentira. Até porque minha animação para esportes é
zero. Karen parecia um pouco animada e até conversava com Mateus sobre as
péssimas jogadas do time.

Ao que tudo indicava, Gustavo levava o jogo nas costas e, realmente,


Caleb estava no banco.

— Como acha que vamos fazer isso? — quis saber.

— O quê?

— Acabar com o plano.

— Ainda não sei, acho que Irene pode nos ajudar a divulgar algumas
fotos de Caleb? Contar uns podres dele depois do jogo?

— Não sei, quem iria acreditar? E isso pode trazer consequências para
ela depois.

— O que vamos fazer, então?

— Esperar a hora certa.

Eu assenti uma vez e Karen sorriu, voltando sua atenção para o jogo e
fazendo uma careta logo depois. Virei-me na mesma direção, vendo Caleb
entrar no campo, e bufei irritada. Nosso plano pode não ter dado
completamente certo, mas ao menos ele ficou muito irritado. E ainda
tínhamos a cartada final. Sem falar que foi tirado de uma fanfic, então
qualquer vantagem já era surpreendente.

Sabem o que é pior de tudo? O garoto era realmente muito bom, por isso,
junto com Gustavo no campo, conseguiram salvar o jogo. Tiveram passes
bem dados e até alguns gols, arrancando gritos da plateia.

Eles têm uma sincronia incrível, Gustavo e Caleb, apesar de ser


perceptível a tensão entre os dois. O capitão é um cara legal e dá para ver de
longe que não gosta de Caleb. Talvez conhecesse a verdadeira personalidade
dele, afinal, quem iria gostar de uma pessoa arrogante, presunçosa e
completamente cheia de si, mas que se finge de boazinha por popularidade?

Como resultado, completamente inesperado, nós ganhamos, causando


uma explosão de palmas e gritaria. Mateus correu até a namorada, que
anotava freneticamente tudo que aconteceu. Karen e eu seguimos até lá
também, mas de forma arrastada, vendo todos comemorando e sorrindo.

Luana veio apressada na nossa direção. Ela sorria com animação.

— O jogo foi incrível.

— É, foi — disse, desinteressada.

Claro, isso só faria a popularidade do Caleb crescer ainda mais e tudo


que ele passou até então seria completamente esquecido.

Adeus, plano de vingança.

— Vocês vão, não é? — Luana perguntou.

— Aonde? — quis saber Karen.

— Mais tarde, à festa de comemoração que o Gustavo vai dar, é claro.

Eu troquei um olhar cúmplice com a garota ao meu lado, que sorriu cheia
de entendimento. Aquele, sim, parecia o momento perfeito para desmascarar
Caleb.
Parte seis
Karen
Comecei a me arrumar quando eram oito e meia da noite. Bianca disse
que iria me chamar às nove, então tinha tempo de sobra. Coloquei um short
jeans, tênis e estava procurando uma blusa no meu armário quando ouvi o
som característico, mas ao qual já me acostumara, de Bianca entrando pela
janela.

— Ainda está assim?

— Sai daqui! — falei, sentindo todo meu rosto esquentar de vergonha


por ela me ver de sutiã.

— Está atrasada.

— Como? — Olhei no meu relógio, vendo que ainda eram oito e


quarenta. — Você disse nove horas.

— Eu sou ansiosa.

Encarei-a sobre o ombro e ela estava comendo um pacote de salgadinho,


então revirei os olhos, coloquei uma blusa e fiquei de frente para a vizinha
esfomeada.

— Ainda está cedo.

— Não está, não.

— Bianca, a festa vai começar às nove horas, o pessoal só deve chegar às


dez.

— Você é a senhorita festeira agora?

— Não, mas todo mundo sabe disso.


— E o que vamos fazer?

— Na verdade, precisamos pensar.

— Em quê?

— No que pretendemos fazer lá na festa — disse, ajeitando meu cabelo


com os dedos antes de me virar de frente para ela e suspirar.

Ela estava linda, usava uma saia larguinha até a metade das coxas, uma
blusa cheia de brilho e até um pouco de maquiagem, querendo esconder a
espinha que havia nascido na testa, e o cabelo estava bagunçado de uma
forma bonita demais para ser desproposital.

— Com Caleb? — quis saber, parecendo alheia ao meu pequeno


momento constrangedor de contemplação.

— Sim.

— Eu também não sei.

— Temos tempo, porque não coloca a fanfic que te inspirou?

— É sério isso?

— Sim, fiquei curiosa.

— É hétero.

— Não sabia que lia esse tipo de absurdo — brinquei, levantando uma
sobrancelha.

— Mas é do melhor shipp do mundo! — falou, empolgada, sentando-se


na minha cama e me puxando para ficar ao seu lado enquanto abria o
aplicativo no celular. — ReMar.

— Quem?
— Você vai ver, ReMar é vida! — Bianca disse com um sorriso largo, e
um tanto assustador, em seu rosto.

Passei a hora seguinte ao lado do Bianca, surtando por uma fanfic na


internet.

E ainda era hétero.

— Como assim? Falaram que ReMar não era real? — quis saber,
indignada.

— Maluquice, não é? Por isso que eles se vingaram de todo mundo.

— Mas eles não são casados.

— Não — Bianca respondeu.

— Só que se chamam de marido e esposa?

— Sim.

— Como eles não veem que se amam? — Karen quis saber, exasperada.

— Eu não sei!

— Espera, eles realmente não são um casal, mas se vingaram de quem


disse que não eram um casal?!

— Porque eles querem ser um casal, mas não admitem!

— Isso não faz sentido.

— Nenhum — Bianca concordou —, mas é uma fanfic, não deveria


fazer sentido.

— Faz sentido — respondi, rindo, ao lado da garota, que estava sem ar


de tanto gargalhar.
— Viu? Temos algo em comum, shippamos ReMar.

— Verdade.

Bianca caiu deitada na minha cama, com a mão na barriga e os olhos


lacrimejando de tanto rir.

— Podemos colocar um balde de tinta verde para cair na cabeça do


Caleb quando ele chegar — falou, citando uma das brincadeiras feita pelo
nosso casal fictício (mas que é real em nossos corações).

— Isso parece novela do Vale a pena ver de novo, e seria impossível


arrumar esse tipo de coisa essa hora — respondi, caindo ao seu lado e a
encarando. — Sabe, já deve ter muita gente lá.

— Trancá-lo em um quarto?

— Não faria muito sentido, se queremos expor ele.

— Nossa, você é chata, pensa em tudo.

— Você que é uma cabeça de vento — rebati com um sorriso, vendo um


bico chateado se formar nos lábios rosadinhos.

Sem que eu pudesse me conter, desci o olhar até o local, engolindo em


seco. Céus, eu era mesmo uma idiota que não conseguia parar de pensar em
como devia ser beijá-la. Não queria nem me lembrar do incidente das nossas
testas se chocando, porque foi humilhante.

Eu iria beijar Bianca naquela noite, e ela parecia aceitar isso muito bem.
O que me deixava ainda mais confusa. Bianca queria me beijar também? Na
verdade, a pergunta que rondava meus pensamentos era: eu ainda queria
beijá-la? Subi o olhar até encontrar seus olhos, que estavam presos no meu
rosto, mas sem aquele ar brincalhão.
Pensei, de verdade, que quando Bianca se inclinou na minha direção,
finalmente acabaria aquele mistério, aquela tensão. As respirações já se
mesclavam e eu estava quase fechando os olhos, até que seu maldito celular
começou a tocar. Ela se levantou assustada, quase me derrubando da cama no
processo. Bufei, chateada, enquanto ela gesticulava ao falar no telefone.
Segui até o espelho, arrumando meu cabelo, e ouvi Bianca falando:

— Chegamos em vinte minutos, Luana.

Ele veio na minha direção, apoiando o rosto no meu ombro e encarando-


me através do espelho enquanto rodeava a minha cintura em um abraço.

— Está muito bonita, Kah.

Arregalei os olhos, sentindo meu rosto esquentar e o coração bater mais


rápido. Procurei nela algum tipo de evidência de que estava implicando
comigo, me provocando como sempre fazia, mas só vi aquele enorme sorriso,
um tanto retangular, e os olhos quase fechados, esmagados pela bochecha tão
corada quanto a minha.

Ela parecia sincera e linda.

— Você também está.

— Vamos, Luana já foi para lá.

Assenti uma vez, então Bianca pegou minha mão, sem olhar diretamente
para mim, e seguiu pelo corredor até a entrada da minha casa,
cumprimentando meus pais na sala e prometendo me trazer cedo.

Como se fosse, sei lá, minha namorada.

***

Por motivos mais do que óbvios, eu nunca fui a uma festa dos populares.
Na verdade, as festas do ensino médio pareciam muito diferentes de qualquer
outra coisa que já vi. Bianca não soltou minha mão ao chegar, nem durante os
quatro quarteirões que andamos até a casa de Gustavo.

O local estava cheio de pessoas que estava acostumada a ver na escola,


mas ali todos tinham copos de bebida na mão. O que me fez pensar em como
conseguiram comprar essas coisas. Não façam isso em casa, crianças.

— Vamos beber algo.

— Não, obrigada.

— Você é chata, Kah — Bianca reclamou, seguindo até a cozinha para


pegar um refrigerante.

Sabe, já sou desastrada e faço muita besteira enquanto estou sóbria. O


que pode acontecer com álcool correndo nas minhas veias? Talvez ir parar no
Guinness Book com o recorde da maior humilhação que um ser humano pode
passar? Não queria descobrir, estava muito bem daquela forma.

— Quer dançar?

— Eu não danço — respondi assustada, pois a Bianca me puxou sem


ouvir a resposta, misturando-se com os outros corpos que se moviam ao som
da música agitada. — A gente não está aqui pra acabar com Caleb?

— Kah, você está preocupada demais com esse imbecil, por que não
relaxa um pouco e curte o momento comigo? Estamos em uma festa e nem o
vimos ainda; temos a noite toda para isso.

Suspirei, tentando conter a irritação, mas não consegui ficar assim por
muito tempo, já que Bianca começou a mover os quadris de um lado para o
outro, dançando sensualmente a música americanizada e de letra um tanto...
pornográfica. Que ficava ainda mais tentadora quando se tinha uma Bianca
para observar. Ela veio na minha direção, rodeando-me o corpo até parar
atrás de mim e colocar as mãos livres na minha cintura, balançando seu corpo
colado ao meu.

— Se mexe.

— E-eu... — gaguejei.

Sim, senhoras e senhores, eu gaguejei por causa daquela maldita voz


baixa sussurrando rente ao meu ouvido, da mão me apertando sobre a roupa e
da respiração dela batendo na minha nuca, deixando-me vergonhosamente
arrepiada.

Eu não conseguia mais negar.

Desejava Bianca de forma desesperada.

Ainda não queria pensar sobre todos os significados de entender isso


sobre mim mesma, mas também não queria mais mentir para mim mesma ou
me conter.

— É só se mover, Kah.

Respirei fundo e comecei a balançar o corpo também, sem me importar


com as pessoas ao nosso redor — na verdade, elas também estavam cagando
baldes para nós duas. Eu sempre fui neurótica, me martirizando sobre o que
estavam pensando de mim, se muitos tinham visto mais uma das minhas
trapalhadas. Contudo, dançando com o corpo colado ao de Bianca daquela
forma, essas preocupações pareciam distantes. Até irreais.

Ela me virou, sorrindo de lado ao dançar de frente para mim, e acabei


ficando envergonhada do meu jeito desengonçado. Queria ter confiança igual
a ela, que mesmo com suas gordurinhas — e sendo zoada muitas vezes por
isso — continuava firme e forte, com sua atitude I don’t care.
— Não sei fazer isso.

— O quê?

— Dançar, ser legal.

— Você é legal e está dançando — respondeu com um sorriso. Eu olhei


ao redor para saber se alguém estava nos observando, mas Bianca segurou
meu queixo, forçando-me a olhar apenas para si, então sorriu. — Não se
preocupe com o que vão pensar.

— E o que você está pensando?

— Ah, isso eu já disse.

— Já?

— Só consigo pensar em como você está linda.

Senti meu rosto esquentar na hora. Bianca só podia estar querendo me


irritar, tinha que ser isso. Quer dizer, o que estava acontecendo? Aquele
momento em que parece que tudo ao redor está em câmara lenta, a música
não é mais tão alta, as pessoas estão a quilômetros de distância e tem apenas
eu, presa no olhar dela, na vontade de juntar nossos lábios finalmente e...

Ser arrancada dessa aura mágica por uma risada feminina muito, muito,
animada mesmo.

— Eu tenho uma ideia! — comemorou Irene, parando ao nosso lado sem


se importar, ou perceber, que tinha quebrado todo um momento entre nós
duas.

Quase cena de livro.

— Como? — Bianca quis saber, parecendo tão atordoada quanto eu.

— Para humilhar o Caleb! — falou toda feliz, pegando o celular. —


Aqui tem várias fotos dele correndo para o banheiro, caindo no meio do
treino, o fora que ele levou do Gustavo no treino.

— Esse eu não vi.

— Foi hilário! — Irene sorriu de forma maquiavélica.

— Tem algumas que eu tirei também dele quase chorando quando brigou
com Jonathan e Oliver outro dia.

— Ótimo.

— Mas qual sua ideia?

— Já viu o tamanho dessa TV? — a líder de torcida perguntou,


apontando para o enorme aparelho que estava pendurado na parede, já que a
sala estava sendo feita de pista de dança. — É quase uma tela de cinema, e
melhor ainda, uma SmartTv, quer dizer que dá pra conectar no celular...

— E passar fotos! — completei, com um enorme sorriso.

— Exatamente — Irene comemorou. — Eu vou pegar a senha com o


Gustavo e passar as fotos do Caleb aqui, para todo mundo ver.

— Ele não vai ficar com raiva de você?

— Se descobrir que fui eu, ele deve ficar, mas não vai fazer nada! —
Irene sorriu de lado. — Gustavo é um dos meus melhores amigos e ele odeia
Caleb tanto quanto eu.

— Sempre soube que ele era um cara legal. — Bianca sorriu de lado,
pegando o celular e passando as fotos para a garota.

Senti-me aliviada por finalmente colocar um ponto final naquele plano.


Queria só voltar a ser como antes, quer dizer, voltar à paz de sempre, só que
com Bianca ao meu lado. Se bem que, com a garota por perto, eu não teria
paz.

Na verdade, só queria esquecer Caleb, me concentrar na minha vizinha


comilona e por quem eu estava, provavelmente, apaixonada.

Quase senti o coração sair pela boca com o pensamento. Fiquei um


pouco desnorteada observando aquele sorriso maléfico da garota ao conversar
com Irene.

Eu estou apaixonada?

Pior! Apaixonada por Bianca, a pessoa que sempre achei insuportável!


Uma garota? Quer dizer... Como isso foi acontecer?

Irene se afastou sorrindo, indo na direção de Gustavo e conversando


baixinho com ele. Engoli em seco quando Bianca se virou para mim. Porém
ela perdeu o sorriso e levantou uma sobrancelha, fazendo uma expressão sexy
demais para o meus nervos naquele momento.

— Kah, está tudo bem?

Dei um passo para trás, sem responder. Precisava respirar. Precisava de


um momento meu, sabe? Um momento para tentar falar um palavrão
relacionado a uma profissão nada convencional da mãe de Bianca. O que, em
si, já não faria sentido, pois ela é uma mulher adorável, muito bem casada,
que em nada se compara com uma pessoa que precisava vender o corpo.
Então faz menos sentido ainda falar essas coisas da mãe dela, já que eu quero
xingar Bianca por me fazer sentir tudo isso justamente agora. Na verdade, eu
nem sabia porque estava pensando nesse tipo de coisa agora!

Como só fui perceber naquele momento?

E esses pensamentos fazem menos sentido ainda, pois tudo que eu queria
era entender como acabei assim, sentindo vontade de beijar Bianca e uma
completa boba apaixonada. Será que por isso sempre me senti diferente?
Sempre fiquei nervosa perto dela?

— Kah?

Dei mais um passo para trás, porém, como estamos falando de mim, tudo
tinha que dar errado, não é mesmo?

Acabei esbarrando em alguém, mas não foi uma pessoa qualquer.

Era o maldito Caleb.

Ele estava com um copo de bebida que caiu na própria blusa devido ao
encontro dos nossos ombros.

E, pior, ele ficou muito, muito irritado mesmo.

— Olha por onde anda, garota! — Seu tom era raivoso, mas ninguém
ouviu, devido à música alta.

— Foi sem querer.

— Só saia da frente — disse, empurrando-me.

Acontece que, novamente, estamos falando de mim, não é?

Eu perdi o equilíbrio, dando alguns passos para trás, e meu pé se enrolou


no fio que estava no canto. Conclusão: acabei torcendo o tornozelo e caindo
de bunda no chão, fazendo as pessoas olharem na nossa direção.

A risada alta e característica foi a única coisa que ouvi, já que,


aparentemente, eu desliguei o som da festa quando os fios se embolaram no
meu pé.

— Você não faz nada direito, não é? — quis saber o garoto, com um
sorriso debochado e a voz venenosa.
— Quem você pensa que é para falar dela, seu imbecil? — Bianca me
defendeu, correndo para o meu lado e me ajudando a tirar o pé daquele ninho
de rato cheio de fios.

— Você é a defensora dos fracos e oprimidos agora, Bianca? Na


verdade, está ofendida por ser um deles?

— Ninguém aqui é fraco, Caleb — falei, ficando de pé com dificuldade


porque meu tornozelo estava doendo à beça.

— Olha só vocês duas, até que combinam, não é? As perdedoras —


disse, irritado. Algumas pessoas arregalaram os olhos, afinal, quem iria
imaginar que existia uma pessoa horrível debaixo daquele sorriso sempre
grande?

— Combinamos mesmo — Bianca respondeu, empinando o nariz. —


Mas não é porque somos perdedoras, ao contrário, Karen é uma pessoa
maravilhosa e você não chega aos pés dela. — Bianca parecia irritada e
sequer deixou Caleb responder. — Nós combinamos porque somos sinceras e
verdadeiras uma com a outra, porque, independentemente do que as pessoas
pensam, não deixamos de ser nós mesmas. Ela até pode ser desajeitada e eu
até posso não estar no padrão imposto pela sociedade, mas quer saber? Foda-
se! Fodam-se as pessoas que falam de nós pelos corredores da escola e,
principalmente, foda-se você com sua aparência de bom moço, mas que na
realidade é um babaca egoísta e se acha melhor do que qualquer um! Quer
saber de uma novidade, Caleb? Você não é melhor do que ninguém aqui, na
verdade, você me dá pena, porque com esse seu jeito, acaba sendo o mais
solitário entre todos nós.

Caleb estava lívido de raiva, o rosto não tinha uma expressão nada boa,
mas logo foi tomado pela surpresa, assim como eu, quando Bianca finalizou
seu discurso:

— De verdade, obrigada por ser esse idiota, porque, se não fosse por
isso, eu jamais teria me aproximado de Karen para poder me vingar de você.
A propósito, se quer acabar com a caganeira, é só parar de tomar seu
energético — falou, arrancando algumas risadas ao redor. — Sabe o que é
incrível? Nem seus melhores amigos te suportam! Quando armamos o
encontro entre Jonathan e Oliver, os dois ficaram tão bem sem você para
influenciá-los! Então você está certo, Karen e eu combinamos e realmente
espero que ela ache isso também.

Antes que eu pudesse falar, Bianca sorriu e se inclinou na minha direção,


finalmente selando nossos lábios. Não passou disso, as bocas se encontrando
de forma carinhosa e lenta. Todo meu corpo entrou em alerta quando os
lábios macios pousaram sobre os meus.

As pessoas começaram a gritar animadas e nós nos afastamos, vendo a


expressão incrédula de Caleb, porém, logo vimos que não era devido ao beijo
que os alunos estavam rindo, e sim, por causa das fotos constrangedoras que
começaram a passar na TV.

— Agora você se fodeu de verdade — disse para ele, que grunhiu


irritado, gritando para parar aquilo e ficando em frente à televisão como um
idiota, tentando bloquear a visão das pessoas.

— Você disse um palavrão? — Bianca quis saber, abismada, afinal, eu


odeio falar palavrão.

— O momento pedia um.

— Vamos embora? — pediu baixinho. — Acho que não temos mais


nada para fazer aqui.
— Vamos.

Eu andei mancando ao lado dela até a saída da casa, mas logo a dor foi
demais, por isso parei, gemendo baixinho e me apoiando no muro.

— Acho que vai ser difícil andar até em casa.

— É tão desastrada, Kah. — Ela riu, abaixando-se para levantar minha


calça e ver o tornozelo que estava inchado.

— Você falou a verdade, Bianca?

— Sobre?

— Achar que nós duas combinamos?

Bianca levantou-se e sorriu. Ela se aproximou lentamente e envolveu


minha cintura. Estava preparada naquele momento, então, quando nossos
lábios se encontraram, não me senti prestes a morrer. Quer dizer, meu
coração estava uma loucura, mas gostei de sentir a boca dela pressionada na
minha e acabei suspirando quando a língua atrevida deslizou sobre meus
lábios, pedindo por mais.

Nós nos perdemos naquele beijo, as línguas se enroscando e se


conhecendo. Foi meio tímido no começo, mas era tão bom aquele momento
que quando um beijo se findava, nós começávamos outro e depois mais um, a

té as duas ficarem ofegantes e meu tornozelo começar a latejar. Uma


risada gostosa começou sem motivo aparente, na verdade, devido à nossa
felicidade por, finalmente, aquele beijo acontecer.

— Vem, vou te levar para casa — disse Bianca, colocando um de meus


braços ao redor de seus ombros e envolvendo minha cintura, sustentando,
assim, quase todo o meu peso.
— Tem certeza?

— Só vamos logo.

Sorri pequeno, ajeitei-me ao seu lado e apoiei o rosto em seu ombro. Os


pelinhos do seu pescoço se arrepiaram com a minha respiração e ri baixinho,
gostando de saber os efeitos que causava em Bianca.

— Podemos começar outra maratona, já que Harry Potter acabou —


sugeri, só porque queria um motivo para ficar pertinho dela o resto da noite.

— Gosto disso, que tal Jogos vorazes?

— Eu te bato se dormir antes de acabar Em chamas.

Bianca riu, falando algo sobre comprar sorvete para nós duas, e pela
primeira vez eu pensei que finalmente teria alguma sorte na minha vida ao ter
Bianca por perto...

— Sabe, Kah, você é magrinha, eu pensei que seria mais leve, mas,
porra! Pesa pra caramba.

Ou não.

— Bianca!

— É verdade, ué.

— Me deixa ir sozinha, então, eu dou meu jeito.

— Nada disso, eu disse que vou te ajudar, fica quieta aí.

— Deveria me aguentar, sua mãe não te colocou na academia? —


impliquei, sabendo que ela ficaria irritada. Quase conseguia ver o bico
chateado e o rosto vermelho.

— CALA A BOCA, KAREN.


Acabei rindo baixinho e virei meu rosto em seu ombro antes de sussurrar
bem perto do seu ouvido:

— Obrigado, Bia.

— QUÊ?

— Oi?

— Você me chamou do quê?

— Eu não te chamei de nada — fiz-me de inocente.

— Eu ouvi, você disse Bia! Você me ama! — falou com seu tom
brincalhão, apertando minha cintura de forma carinhosa enquanto caminhava
para casa.

— Eu? Jamais.

— Como você é chata, Karen.


Parte sete
Epílogo: Bianca

Eu jamais, nunquinha mesmo, tipo, em todos os meus dezessete anos de


pura gostosura, pensei que iria dizer isso. Cara, não teve como evitar. Estou
completamente fodida, mas isso é normal, a novidade é: estou caidinha por
Karen.

Deve estar se perguntando: cadê a novidade? Sabia desde o primeiro


parágrafo.

VOCÊ SABIA, EU NÃO!

Ninguém teve a decência de me contar, fiquei sabendo da forma


tradicional mesmo, sabe como é, uns beijos molhados, umas noites acordada
suspirando como menininha de anime shoujo, uns sonhos... diferentes.

Qual é, sou uma adolescente, isso é normal!

Karen se tornou um dos meus vícios preferidos, quase na mesma


intensidade que adoro chocolate, mas esse vício já tem anos e anos de amor.
Gosto de provocá-la só para ver suas bochechas coradas, de irritá-la para ver
o bico fofo, de beijá-la até ar faltar em nossos pulmões.

Chamam de paixão isso, mas não vamos entrar em detalhes.

Um dos pontos marcantes do nosso relacionamento, que ainda não é um


namoro, foi em uma das nossas sessões de filme — que às vezes se tornavam
uma sessão de pegação. Quando o longa-metragem acabou, ela veio com um
papo sobre Caleb que, admito, me deixou meio estranha, vulgo enciumada.
— Por que tá falando dele, Kah?

— Você não ouviu os boatos?

— Que ele chorou no banheiro depois da festa? Que ele ia se mudar?


Que ele ia trocar de escola? São tantos boatos naquela escola, quase todos são
mentira.

— Não, parece que ele pediu desculpa para Irene e... — parou de falar,
ficando um pouco envergonhada.

— E?

— Ele deixou um bilhete na minha mochila, me chamando para


conversar.

— Você não vai! Onde já se viu? Quem ele pensa que é? E você? Como
assim?

Eu sei, eu sei, sou dramática e exagerada, mas estava morrendo de ciúme


da minha corujinha! Sem falar que nós não tínhamos falado nada sobre nosso
relacionamento ainda.

— Bianca, você acha que pode mandar em mim?

— Não, é que...

— Então me ouça antes de surtar — falou com a mão na cintura e um


bico irritado nos lábios.

Quis beijá-la todinha naquele momento. Merda de coração mole que me


deixa idiota, quer dizer, mais idiota ainda.

— Ok, pode falar — disse, ainda me sentindo nervosa, e voltando a


comer meu chocolate.

Estava na cama dela, como sempre, e Karen deu uma volta no quarto.
Estava ansiosa — me enrolando —, por isso batucou os dedos na perna antes
de parar ao meu lado.

— Eu já me encontrei com ele, nós conversamos.

Ela fechou os olhos e tampou os ouvidos, como se estivesse esperando


um grito meu, mas não consegui reagir. Quer dizer, eu deveria estar
arrancando o cabelo, berrando e jogando o travesseiro nela, certo? Mas eu só
consegui ficar parada, sem respirar, com uma dorzinha chata no peito.

Era a primeira vez que eu sentia que podia perder Karen.

E se ela voltasse com Caleb? E se o garoto a chamou para sair? E se ela


não gostasse de mim de verdade? Eram tantas coisas que minha cabeça
formigava. Pela primeira vez me senti errada. Não por sermos meninas, mas
por ser eu. Quer dizer, olha só para Karen, ela é muito bonita, magra e, a
despeito do seu jeito desastrado, poderia chamar a atenção de quem quisesse.
Olhei para baixo. O pacote de chocolate estava no fim e meus dedos, um
pouco sujos.

Será que ela acha que pode ser mais feliz com Caleb? Apesar de dizer a
mim mesma, constantemente, que meu corpo é maravilhoso do jeito que está,
existem momentos de hesitação, momentos de “e se”, e esse foi um deles.

Eu não sou boa, bonita, o bastante para Karen se apaixonar por mim?

Ela abriu só um olhinho, com aquele ar inocente e adorável que adoro


tanto e fez uma expressão confusa.

— Está tudo bem?

— Vocês... — engoli em seco. — Vocês vão sair ou algo do tipo?

— Quê?
— Quer dizer, se não queria mais ficar comigo, poderia ter contado de
outra forma.

— Bia, está maluca? Tá cheirando o açúcar dos seus doces? Claro que
não.

— Como?

— Ele veio pedir desculpa, sua idiota.

— Desculpa?

— Sim, pelas coisas que ele me disse.

— Ah, sim.

— Ele conversou um pouco comigo, disse que Gustavo tem o ajudado a


ver as merdas que fez.

— Gustavo?

— Não é doido?

— Muito — falei, pensativa. — Quer dizer que estamos bem?

— Acho que sim, por quê?

— Eu pensei que, sei lá, tinha enjoado de mim e da minha bunda gorda.

Karen estreitou os olhos, percebendo que era só drama, veio na minha


direção e beijou meu rosto.

— Eu não enjoaria de nada em você, Bianca — sussurrou bem pertinho,


e meu coração parou por um momento.

— Então, me explica... POR QUE VOCÊ FOI VER O CALEB E NÃO


ME FALOU? EU TERIA IDO CONTIGO! COMO VOCÊ PÔDE FAZER
ISSO COMIGO?
— Essa é a reação que estava esperando. — Ela riu baixinho e se deitou
na cama ao meu lado.

— Sou escandalosa, ok? Lide com isso.

— Eu sei que você é, Bia. — Karen revirou os olhos. — Acho que


aprendi a adorar isso em você.

O silêncio reinou.

Era a primeira vez que falávamos de sentimentos de forma explícita uma


com a outra.

— O que disse?

— E-eu? Nada! — desconversou, tentando sair da cama, mas eu não


deixei. Virando-me para ficar sobre o seu corpo, sentei-me na barriga dela e
ri dos seus olhos arregalados e bochechas coradas. — O que está fazendo?

— Admita, você disse que me adora. — Sorriu com o canto da boca.

— Eu não.

— Por que você fala as coisas e depois nega?

— Você que tem algo nessas orelhas e ouve coisas de mais.

— Kah? — chamei baixinho, chegando meu rosto bem próximo do seu


até que nossos lábios roçaram. Deslizei o nariz sobre o dela em um beijinho
de esquimó que fez com que sorrisse grande para mim.

— Sim?

— Eu estou apaixonada por você.

Não conseguiria descrever como meu coração estava acelerado naquele


momento ou como os olhos dela brilharam, ofuscando até a noite mais
estrelada, muito menos o gosto bom do beijo que eu lhe dei. Existe uma
magia nas palavras que as pessoas esquecem. É engraçado como se tornou
difícil expressar sentimentos em palavras, já que tudo se resume a emojis de
coração. Não queria que fosse assim com nós duas.

Os dedos dela subiram por meus braços, deslizando na minha pele com
carinho e arranhando a minha nuca de forma gostosa — deixando-me
completamente arrepiada — antes de se infiltrarem no meu cabelo e dela se
entregar ao beijo, assim como eu.

Nós ficamos daquele jeitinho por um bom tempo, nos beijando e


trocando carícias apaixonadas, até que eu saí de cima dela, depois de muitos
selinhos e dela me bater, reclamando que eu estava pesando. Só que, ao me
levantar para escolher outro filme, eu a ouvi sussurrar:

— Também estou apaixonada por você, Bia.

Virei-me na velocidade da luz, mais rápido que o flash, meu pescoço até
estalou. Poderia ter morrido!

— O QUÊ?

— Nada.

— Como nada?... Mas eu ouvi! — acusei. — Você disse, eu sei que


disse.

— Eu?

Ela fez aquela carinha de inocente e sorriu de lado, da forma pela qual eu
me apaixonei perdidamente, então apenas bufei e segui até o computador,
ouvindo sua risada alta e gostosa. Não consegui tirar o sorriso idiota do meu
rosto também, pois eu sei o que ela falou e também sei que Karen gosta de
me provocar.
***

Entre todas as coisas que não temos em comum, o filme O senhor dos
anéis geralmente é motivo da nossa discussão. Sim, o filme de quatro mil
horas sobre coisas não tão interessantes quanto Harry Potter — e se Karen
pudesse ler minha mente, eu estaria morta.

O segundo momento fundamental da nossa relação aconteceu no meio de


uma discussão sobre O senhor dos anéis na cozinha da minha casa. Meus
pais não estavam naquele final de semana, então ela veio ficar comigo e
fizemos uma aposta. Eu disse que ela nunca conseguiria fazer uma lasanha
mais gostosa do que a da minha mãe. Karen tinha falado que era ótima na
cozinha e poderia fazer qualquer coisa.

Nós bagunçamos tudo.

Saímos para comprar os ingredientes e ela me obrigou a ajudá-la.

Claro, a minha corujinha sabia que tudo era uma desculpa para poder
comer algo gostoso no almoço, já que eu sou péssima cozinhando.

Foi engraçado, divertido e trocamos alguns beijos que demoraram tempo


demais, quase fazendo o molho queimar, mas valeu a pena. Sujamos várias
panelas e, admito, fiquei chorosa quando encostei no fogão e queimei a
pontinha do dedo. Porém, ver Karen sorrir carinhosamente e selar de leve
meu “machucado”, prometendo que iria passar logo, deixou meu coração
ainda mais mole e apaixonado por ela.

Acontece que as coisas não são só um mar de flores, e depois do almoço,


Kah sugeriu que víssemos um filme. Até aí tudo bem, tudo ótimo. O
problema começou quando ela veio com a ideia de ver O senhor dos anéis,
sua saga preferida.
A minha mais odiada.

— Eu sempre vejo todos os filmes que você pede — reclamou.

— Porque são filmes que você gosta também. Eu acho esse chato, Kah...

— Mas não pode fazer isso por mim? — Ela fez uma carinha fofa.

Estava aprendendo comigo a fazer charme, a malandrinha. Ela esqueceu


que eu sou a rainha do drama, por isso fiz uma expressão emburrada.

— Você que quer me obrigar a ver algo que eu não gosto e ainda faz essa
carinha linda? É injusto!

Karen corou e depois inflou as bochechas de modo irritado. Ela sabe que
eu faço de propósito, pois sei seu ponto fraco. Por incrível que pareça, é ser
elogiada. Karen é tão fofa que tenho vontade de mordê-la inteirinha, ela
merece todas as palavras lindas do mundo, mas não sabe aceitá-las.

Acho que ela não consegue se ver como eu vejo. Tão bonita.

— Injusto é ter feito essa lasanha gostosa para você e não poder nem ver
meu filme.

Golpe baixo.

Ela me conhece bem também e sabe que eu não destrato quem me dá


comida.

— Tudo bem, podemos até ver, mas eu vou dormir no meio, te aviso
logo.

— Assim não tem graça.

— Por quê?

— Porque eu quero ver com você.


Obviamente, depois dessa declaração, ela fez um bico irritado para tentar
negar o quanto estava constrangida e começou a pegar os pratos, marchando
pela cozinha de forma raivosa. Tudo que eu conseguia pensar era como ela
estava lindinha, apesar de saber que Karen estava pensando em uma forma de
me matar engasgada com a lasanha.

Não conseguia mais me ver sem aquela garota nem em um segundo


sequer do futuro.

Talvez seja drama de adolescente ou os sintomas de uma primeira paixão


verdadeira, talvez eu pense diferente daqui a dez anos, e nós duas seremos só
uma lembrança bonita do passado, mas agora, aqui, tudo que eu mais quero é
estar com ela para sempre, independentemente de quanto tempo nosso “para
sempre” vá durar.

— Kah. — Abracei-a por trás.

— Eu nunca mais vou ver desenhos da Disney com você.

— Você gosta!

— Você gosta mais e eu vejo mesmo assim.

— Mas estamos falando de uma animação bem produzida.

— O senhor dos anéis já ganhou o Oscar.

— Não é o ponto, Karen.

— Esse é exatamente o ponto! — exclamou, parecendo chateada não só


pelo filme. — Eu sempre faço o que você quer porque eu gosto de te ver
feliz! Sabe quantas formigas apareceram no meu quarto por causa dos seus
doces? Muitas mesmo, e ainda assim eu fico comprando balinha para deixar
lá e...
— Kah, quer namorar comigo?

— ...fico arrumando sua bagunça, fazendo comida e vendo todas as


séries que você indica só pra ter com quem conversar!

— Você ouviu o que eu falei? — quis saber, risonha, vendo sua


expressão irritada ser tomada por uma de confusão, como se finalmente ela
houvesse processado minhas palavras.

— O q-quê?

— Eu quero saber se você quer namorar comigo.

— Por que assim do nada?

— Não é do nada, eu só não consegui evitar, você fica fofa demais


quando está tentando defender seu ponto de vista.

— Bianca!

— Se aceitar, vai ter que me chamar de Bia mais vezes, ou melhor, pode
me chamar de amor! — chantagiei, vendo-a revirar os olhos, irritada. Mas
logo depois sorriu como alguém que acabou de ter uma ótima ideia.

— Só vou aceitar se vir O senhor dos anéis comigo.

— Kah!

— É pegar ou largar.

— Você não quer namorar comigo? É isso?

— Eu quero namorar alguém que ao menos tente entender os meus


gostos.

— Tá bom! — disse a contragosto. — Vamos assistir ao filme, estou


morrendo de fome.
— Sério?

— Vamos ver isso logo.

— Então é um “sim, amor” — ela sussurrou de forma travessa e um


tanto tímida, beijando-me lentamente antes de se afastar para colocar o
almoço.

Karen seguiu radiante até meu quarto, e mesmo querendo ficar irritada,
eu só conseguia sorrir e pensar que, a partir desse momento, poderia chamar
minha corujinha de “minha namorada corujinha”.

Claro, nem tudo dá certo, e depois de duas horas de filme — já que ela
colocou a fucking versão estendida —, eu acabei dormindo e tive que ouvir
horrores quando acordei com seus tapas estalados.

Mas eu estou aprendendo com o tempo, por isso a puxei para um beijo
longo, lembrando-a que não poderia agredir sua namorada daquela forma —
sim, eu adorei dizer e ouvi-la falando isso em voz alta. Também adorei o
rosto um tanto corado, mas parecendo muito feliz, de Karen.

Quem poderia imaginar que as coisas terminariam assim?

Quer dizer, sequer estava terminado, quando a convenci a deixar O


senhor dos anéis para outro dia e nós duas deitamos na minha cama, com os
dedos entrelaçados olhando uma para outra, eu soube... Toda essa história de
vingança, com gostinho de sorvete, era só o começo para nós duas.

***

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