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Parte um
Bianca
Soa clichê, certo? A garota que vai começar o ensino médio e tudo dá
errado; zoam com ela, começam a fazer bullying e ela se encanta pelo popular
tão bonzinho, que a protege de todo mal. Eles se apaixonam perdidamente e a
trama acaba com os dois superando todos os obstáculos impostos e virando
modelos de como as pessoas deveriam ser!
Acontece que isso aqui não é um conto de fadas, e, meus caros, sinto
informá-los que até o mais santo dos santos tem um podre. E fede muito.
Realmente existe o clichê da garota apaixonada pelo rapaz popular nesta
história, mas começou bem antes disso.
Nós somos vizinhas desde sempre, nossas mães são amigas e, quando
pequenas, elas tentaram forçar uma amizade entre as duas.
Mas, hello, mãe, nem rola. Nunca rolou, nem vai rolar!
Tudo que podemos ter atualmente é um pacto, mas vão entender melhor
mais para frente.
Mas eu fui, firme e forte, perguntei se ela queria e a garota negou. Achei
estranho por um lado, fiquei feliz por outro, sobraria mais para mim.
Contudo, não foi nesse momento que a estranheza acabou. Ela ficava lá,
fazendo palavras cruzadas, pintando e, posteriormente, começou a ler livros.
Qualquer coisa menos olhar para minha cara.
Com o tempo, nossas mães já não conseguiam nos forçar a ficar juntas,
afinal, era óbvia nossa diferença, e graças a Deus fomos para escolas
diferentes. Eu cresci e comecei meu curso de piano três anos antes.
Fielmente, toda terça e quinta, estava lá.
Por ser uma das veteranas, eu ajudo na aula dos iniciantes, mas o garoto
aprendia muito rápido por já conhecer as notas musicais devido saber tocar
violão, então eu o acompanhava separadamente da turma. Nem preciso falar
que joguei todo meu charme para cima do boy. Porque, ao contrário do que
muitos dizem, eu sou bonita, sim, não importa o tamanho da minha calça.
Bem, até aqui nosso conto de fadas estaria lindo, certo? Mas é só até aqui
mesmo.
O dia já tinha começado ruim quando percebi que ela não visualizou
nenhuma mensagem no celular, mas vida que segue. Não é porque logo
estarei em uma escola nova, cheia de gente que nunca vi na vida, que irei me
acovardar.
Ela revirou os olhos. Assim que saímos da nossa vila, colocou os fones
de ouvido e andou apressadamente na minha frente.
Não é como se eu esperasse ser popular, nem nada disso. Gosto de ser a
garota que conhece todo mundo, mas fica na sua. Esse negócio de ser popular
dá muito trabalho e eu sou uma preguiçosa de marca maior.
Queria saber de onde ela tira essa vontade louca de estudar. Deveria ser
por isso que não saía do quarto. A janela dela fica em frente à minha, na
lateral das casas, então algumas vezes eu consigo vê-la sobre a escrivaninha,
entre milhares de livros; também ouço o barulho dela caindo ou derrubando
alguma coisa. Tão desastrada. Nós moramos em uma pequena vila, então os
muros das casas são baixos.
Chegava a ser um pecado rir disso. Parte de mim até quis ajudá-la, mas
como quase nunca nos falávamos e ela tinha aquele olhar de raiva, parecendo
que ia pulverizar qualquer um que chegasse perto, decidi escolher meu lugar
no fundo da sala.
Aos poucos os alunos iam aparecendo e cada vez que a porta se abria,
meu coração batia mais rápido. Não é como se Caleb e eu fôssemos
namorados, a gente só se pegava nos dias de curso e trocava umas mensagens
aleatórias algumas vezes. Mas ele estava muito perto de ser minha próxima
paixão.
Eu me apaixono fácil, tenho uma ideia fixa de que o amor é livre e o vejo
em todas as formas e gêneros, então não acho que gostar de me apaixonar
seja ruim. Havia os amores de ônibus, o carinha da loja de sorvete, a caixa do
mercadinho perto de casa. Sempre uma paixãozinha boba, mas estudando
todo ano com Caleb, sentia que com ele poderia ser diferente, entende?
Poderia ser que fosse “o” cara.
Será que ele não viu meu nome na lista? Talvez ainda estivesse com
sono... É, deveria ser isso. Todos têm sono no primeiro tempo. Falaria com
ele no intervalo. Decidida a fazer tudo dar certo naquele meu
pseudorrelacionamento, peguei meu caderno, pois o professor já estava
entrando na sala.
— Qual é, Bia. — Ele se virou para mim. — Pensei que você era menos
ingênua do que essa aqui, que provavelmente já deve até ter fantasiado nosso
casamento.
— Você é inteligente, Bianca, por isso vai entender quando eu digo que é
melhor não falar comigo na escola, sabe, aqui as coisas são diferentes.
Quer dizer, Caleb sempre foi... intenso? Sim, ele adorava falar
sacanagens para mim e nossas conversas nunca passavam dos flertes, mas
como eu poderia imaginar que ele seria tão horrível assim na escola? No
curso de piano, quando entrou, era todo sorrisos e piadas, não demorou para
perceber que nós dois poderíamos combinar.
— Acho que sim — respondi, porém não era da escola que estava
falando.
Quando estou com ódio, como duas vezes mais. Luana riu do meu
desespero em comprar o salgado, e assim que nos sentamos à mesa do
refeitório — depois de uma eternidade na fila da cantina —, ela franziu o
cenho, encarando-me seriamente.
— O que houve?
— Como assim?
— Já era para você ter falado, no mínimo, umas mil palavras. Você é
uma máquina de falar, Bianca, nunca cala a boca — Luana explicou. — Nem
reclamar sobre o atraso hoje você reclamou.
— Eu também.
— E-eu... É complicado.
Suspirei e olhei para a mesa onde Caleb estava sentado, junto com
Jonathan e Oliver. Todos riam e as pessoas já viravam o pescoço para olhá-
los. Estava claro que seriam os populares do nosso ano. Os "reis" da escola.
Luana acompanhou meu olhar sem entender. Continuei vasculhando a
cantina, porém não vi Karen em lugar nenhum. O que foi aquela cena de mais
cedo? Caleb tinha enganado a corujinha? Eles ficavam? Ao mesmo tempo em
que ele ficava comigo? Estava tudo tão confuso. Meu coração doía, pois, de
certa forma, eu sentia que poderia me apaixonar por Caleb, ao menos por
uma versão dele que eu pensava conhecer.
— Tudo bem.
— Agora melhora essa cara de bunda mal lavada, porque meus amigos
estão chegando.
***
No caminho para casa, eu contei tudo para minha melhor amiga. Claro,
ela já sabia sobre o carinha gostoso do meu curso que pegava de vez em
quando. E parando para pensar naquela tarde, Caleb havia sido um imbecil
comigo, mas pior do que isso, foi extremamente cruel com Karen.
— Eu acho que você deveria, no mínimo, nunca mais olhar na cara desse
idiota.
— E no máximo?
— Pelo jeito, tirando a ótima pegada, Caleb não tem nada de bom.
— Ele deve querer ocupar o lugar do Gus, e aí, sim, vai ser um inferno.
— Quem?
— Vamos torcer para um milagre. Agora eu vou por aqui, amanhã nos
encontramos e vamos juntas, ok?
Minha amiga riu, ela sabe que sou movida por doces.
— Pode deixar.
— Hey.
— Não estou com paciência para você, Bianca — disse sem me encarar,
colocando o fone de ouvido.
— É, sim.
— Desde quando?
— Eu?
— Ele!
— Isso não muda o fato de que estava ficando com nós duas ao mesmo
tempo.
— Sim.
— Sim!
— Como não?
— Eu quero passar despercebida naquela escola, Bianca, e pode ter
certeza de que, sendo quem eu sou, isso já é difícil o bastante. Não quero me
meter em brigas com ele.
— Mas...
***
“Então na escola ninguém pode nos ver juntos, mas aqui você quer ficar
comigo?”
“É basicamente isso.”
Juro, quase soquei aqueles mil dentes dele, mas me controlei e dei as
costas para Caleb, indo até a primeira loja de doces descontar minha raiva em
bolinhos de chocolate.
Bufei irritada olhando pela janela do meu quarto. Já era quase final da
tarde e o céu estava escurecendo quando vi Karen andando com seus livros
do curso na mão, só que ao invés de seguir até a entrada de sua casa, ele fez o
caminho até a janela do meu quarto, batendo duas vezes com força. Quase caí
da cama devido ao susto. O que essa garota queria agora?
Seria irônico começar esta narração dizendo algo como: “foi o pior dia
da minha vida”, porque quando você é uma azarada como eu, todo dia está
propenso a ser o pior que já viveu. Tudo que eu queria era começar o ensino
médio em paz, era pedir demais?
Queria entender o que fiz para ser tão azarada. Talvez tenha queimado
bruxas; será que já fui uma nazista? Tem que ser algo muito pesado para
justificar tudo que eu já passei. Nunca foi minha intenção chamar atenção
desnecessária. Mas o que eu posso fazer quando meu fecho emperra no
primeiro dia de aula e todo o material cai no chão? Ou, no colégio antes
desse, chego atrasada por causa de alguém derrubando suco em mim e ainda
tropeço no pé da mesa do professor, enquanto todos estão olhando para
minha cara de desespero e minha blusa manchada? Acho que foi por isso que
não tive nenhum amigo.
Até Bianca. Céus, não quis ofendê-la, mas sempre fui uma pessoa quieta
e péssima com palavras, então na única vez que tive coragem de falar com ela
durante todos esses anos, acabei criticando algo de que gostava muito. Quer
dizer, para mim não faz sentido aquele seriado, a mulher só tirou uma peruca
loira, é a mesma pessoa!
Isso foi há muito tempo, quando ainda existia inocência em mim, algo
bobo e juvenil. Quando eu ainda pensava que ninguém poderia ser tão cruel a
ponto de tirar todas as suas últimas esperanças. Como hoje sei que existe.
Sim, estou falando dele. O prêmio de babaca do ano vai para: Caleb.
Por motivos óbvios, eu nunca tinha beijado ninguém, e isso não era um
problema para mim, porque nunca senti nenhum tipo de atração e
necessidade por toques ou sexo, ao menos não por garotos, então tentava não
pensar muito no assunto por medo. Gosto de fóruns de discussões sobre
livros na internet, nos quais todos são inteligentes e ninguém me julga pelo
que aparento ser, até porque não sabem qual é minha aparência.
Eu mal tinha parado para pensar sobre minha sexualidade, sobre quem eu
sou.
Sou mesmo uma azarada, certo? É, essa é minha vida. Tão confusa que
acabei, sem saber como, na mesma escola que Caleb e Bianca, esta última
que sequer olhava na minha cara direito e não parava de comer um segundo.
Admito, o som dela mastigando toda hora era irritante, mas eu ficava
mais irritada com a sensação de impotência que Bianca me trazia. Não sei
explicar ao certo, parecia que a garota tinha o poder de me desconcertar.
Como quando chegou, depois do primeiro dia de aula, com aquele papo
doido de se vingar de Caleb.
Nunca imaginei que fosse me sentir tão humilhada. Caleb foi a primeira
pessoa que beijei, eu confiei nele, no que ele mostrava para mim, porém era
só uma máscara para conseguir o que queria. Quando percebi como ele era de
verdade, quis lavar minha boca com cloro e desinfetante.
— Não precisa mais me esperar, Karen, sabe, tudo não passou de uma
brincadeira.
Depois disso, virou as costas e foi embora. Eu estava com tanta raiva,
mas tanta raiva, que ia atrás dele apenas para falar umas verdades e arrastar a
cara dele no asfalto. Quer dizer, sonhar que teria força suficiente para isso.
***
— Só repete esse plano, porque é tão idiota que eu não sei como pode
dar certo — falei irritada com Bianca.
Como vim parar na casa dela, sentada em sua cama, ouvindo-a falar tanta
merda de uma vez só? Estou decepcionada! Alguém fura os meus tímpanos,
pelo amor de Jeová. Algumas semanas se passaram desde que decidimos nos
vingar de Caleb, pois a Bianca dizia que precisávamos do plano ideal, e foi
isso em que ela pensou?
— Fala, porque eu ainda não vejo como esse monte de baboseira pode
dar certo.
— E daí?
— Eles somem.
— Não é assim.
— Claro que é, está vendo Luana aqui? — Bianca quis saber, colocando
o pirulito novamente na boca, que já estava ficando avermelhada e levemente
inchada de tanto chupar aquele doce e fazer barulhos irritantes.
— Não.
— Mas Caleb é popular, ainda mais agora que entrou para o time da
escola.
— Hey.
— Caleb é um babaca, mas não sou cega, nem você. Gostoso ele é,
mesmo que seja um desperdício com aquela mentalidade.
— É genial. Então, quando ele estiver sem amigos, sem fama e sem
reputação, vem a cartada final.
— Nisso ainda vamos pensar, mas as pessoas precisam saber que aquele
garoto sorridente e simpático não é ele de verdade. Caleb age com todo
mundo como agia conosco, ele usa uma máscara que precisa cair — ditou
Bianca energeticamente, como se estivesse pronta para dominar o mundo.
— Como?
O engraçado foi que, vendo Bianca tão de perto, algo estranho se agitou
no meu estômago. Seriam gases? Ela continuou me encarando, sorrindo de
um jeito grande, como nunca tinha feito para mim; os lábios esticados em um
formato levemente retangular, mostrando as presinhas e a boca avermelhada
devido ao pirulito.
— Karen?
— Sim?
— Ok.
***
— Mas o quê?!
— Ela passou, sim, foi por ali — disse, apontando a direção indicada por
Bianca.
— Valeu.
— É sobre o plano!
— Bianca, por que está aqui? — quis saber, virando-me a fim de fechar a
janela do meu quarto.
— Não.
Só que eu acabei sentindo algo macio contra o meu rosto e ouvi um “ai”
bem baixinho. Quando abri os olhos, vi que estava com a cabeça enterrada
nos seios fartos de Bianca. Ela tinha ido para o lado para aparar minha
queda?
— Desculpe.
— Tudo bem, é só me pagar um sorvete no caminho que está ótimo.
— Caminho?
— Sim, vou aproveitar que preciso ficar no mínimo duas horas longe de
casa e ir ao mercado comprar o necessário para nosso plano dar certo.
— Agora?
Eu nunca fui boa em dizer “não”, mas com Bianca, estava se tornando
impossível negar alguma coisa. Desde quando essa garota é tão persuasiva?
— Eu te salvei!
Claro, como duas boas sedentárias, ficamos ofegantes por correr menos
de um quarteirão, mas logo o ônibus chegou — já que Bianca temia andar
pelo bairro e encontrar sua mãe — e seguimos até um mercado mais afastado.
Era daqueles hipermercados que você pode até procurar uma mãe de
aluguel lá dentro e vai achar, sabe? Enorme. Bianca praticamente voou até a
parte de doces quando entramos.
Tão infantil esse garota, fugindo da academia para correr atrás de doces.
Mas admito, era impossível não rir da forma como ela marchava para longe
da prateleira de biscoitos recheados, como se estivesse sendo afastada do
amor de sua vida.
Seria retribuída? Não, mas pelo menos ele não iria me humilhar como
Caleb fez. Só de pensar que meu primeiro beijo foi com ele, me dá vontade
de comprar um litro de água sanitária para lavar a boca. Não como se eu me
sentisse atraída por nenhum deles, mas só queria me sentir normal... Ao
menos uma vez.
Pior, tive que sentar na porta do mercado, como uma mendiga, esperando
Bianca aparecer, porque ela havia sumido. E nem celular eu trouxera.
Minha vida é mesmo uma droga! Era a única coisa que eu conseguia
pensar enquanto os minutos se arrastavam. As pessoas me olhavam torto e o
vento começava a ficar gelado. Isso porque eu fiquei quase uma hora sentada
esperando Bianca.
Sabe, nos dez primeiros minutos, não fiquei tão irritada. Quando se
transformaram em vinte, umas técnicas de tortura dos livros sobre
assassinatos que li começaram a rondar minha mente; se bem que, para ela,
tortura seria comer um pudim na sua frente sem lhe oferecer nem um pedaço.
Em meia hora, eu pensava em sequestro. Depois de quarenta minutos, já tinha
o plano perfeito, que envolvia atrair Bianca até um lugar isolado, com a
mentira de que estariam distribuindo sorvete grátis, e acabaria com tudo ali
mesmo.
— Bianca!
— Desculpe, desculpe.
— Embora?
— E o outro?
Claro, no caminho para casa, tive que arrancar a caixa da mão da Bianca,
que já tinha comido uns três doces.
Existe uma parada bem legal em criar um plano de vingança, sabe? Que
é poder dar aquele sorriso digno de vilão em filme mexicano enquanto
esfrega as mãos e observa sua presa, quase enrolando o bigode nos cantos.
Claro, se eu tivesse um.
Claro, ela e Mateus deveriam ter ido para minha casa, pelo menos no
domingo, já que, no sábado, eles saíram. Tínhamos combinado há meses de
fazer uma sessão Harry Potter, mas não, Luana não respondeu nenhuma das
minhas mensagens e depois me veio com a desculpinha de que “dormiram a
tarde toda”.
— Uhum.
Minha amiga bufou. Ela me conhecia, sabia que não iria perdoá-la tão
cedo.
Kah?
Kah?!
— E que bico é esse? — Caio quis saber, rindo de mim e fazendo meu
bico aumentar ainda mais. Tratei de devorar minha coxinha.
Karen balançou a cabeça, olhando para todos os lados, menos para mim.
Minha vontade era dizer: “claro, você sumiu da minha vida”, mas apenas
respondi:
Obviamente, todos riram de nós duas, mas não fiquei irritada, pois vi
Oliver entrando no refeitório. Ele tinha um bombom na mão e sorria ao ler
um bilhete. Chutei Karen debaixo da mesa, ela gritou um “ai” antes de me
olhar, raivosa. Apenas apontei na direção do alvo número 1. Karen seguiu
meu olhar, logo sorrindo de forma cúmplice. Só que, bem, quando ela esticou
aqueles lábios carnudos e perdeu a carranca irritada, até que ficou muito
bonitinha.
***
— Claro que não, são apenas dicas que eu vou dar, superdiscreta. —
Abri meu pirulito de maçã verde, colocando-o na boca.
— Quê?
— Tá, sua chata. — Apontei o pirulito para ela. — Eu sei ser discreta,
sim.
— Sabe mesmo?
— Kah?
— Não vou discutir com você, Bianca, só... Não faça nada de mais.
— Por quê?
— Bia?
— Hmm?
— O que é isso?
— A declaração da semana?
— Luana?
— Sim?
— Que estraga-prazeres.
— Claro, superprofunda.
— Pervertida.
***
— Vai aonde?
— Me trocar.
— Tá louca? Sua mãe vai desconfiar se sair do quarto para trocar de
roupa, e se ela me vir aqui, vai contar para a minha mãe.
— Karen, temos a mesma coisa entre as pernas. Vai logo, eu não vou
olhar.
Então me virei de costas para ela — havia prometido não olhar, foi sem
querer, eu juro. Encarei o computador, reconhecendo o site em que ela estava.
Franzi o cenho, mas depois de ler algumas linhas, acabei sorrindo de lado.
— Bianca, eu estou avisando, é melhor parar de ler isso ou sua mãe vai
ouvir de lá o tapa que eu vou te dar.
— Como assim?
— Isso vai dar merda, eles vão perceber que não mandaram os bilhetes
um para o outro.
— Vão nada, vai dar tudo certo! Deixe de ser uma velha rabugenta.
— Tudo bem.
— Bianca!
***
— Olha lá, olha lá, olha lá! Vai dar certo — eu disse superfeliz.
Diferente de Karen, que fora de calça jeans, blusão e casaco com capuz.
— Será que descobri seu ponto franco? — quis saber, com um sorriso
maldoso.
— E-eu não.
— Cala a boca, Bianca, eles estão conversando, temos que tentar ouvir.
Arregalei os olhos na direção de Karen, que fez uma cara bem “eu
disse”.
— Como assim?
— Não?
— Até os amigos sabem que ele é babaca — sussurrei para Karen, que
assentiu uma vez.
— Eu não sei.
— Não sei, você disse algo sobre mim para ele? — Oliver perguntou.
— Eu não sei, talvez? — Jonathan coçou a nuca, constrangido.
— Embora?
— Claro que não, precisamos ter certeza de que esse encontro vai dar
certo. Se não der, vamos ter que continuar o plano até os dois ficarem juntos.
— Olha lá, se é pra ficar de olho nos dois, temos que correr, eles já
compraram as entradas.
Bufei irritada e ela também, porém, ainda com bicos enormes na cara,
nós duas seguimos Jonathan e Oliver por todo o parque.
Ok, passando vergonha por causa dela, era só o que me faltava. Refiz o
caminho até onde estava sentada, mas nada da garota também. Onde havia
ido parar? Comecei a andar entre os minions à procura da corujinha. Deve ter
sido tudo culpa deles; essas crianças são do mal.
Olhei em todos os lugares e até tentei ligar para ela, mas meu bolso
começou a vibrar, então me lembrei de que Karen tinha me pedido para
segurar o seu celular. Onde já se viu? A pessoa tem celular, mas não fica com
ele.
Vi todos aqueles doces ao meu redor e o que mais queria era parar para
comprar um hot dog, um algodão doce, mas não, tinha que correr atrás de
Karen.
Juro, dei duas voltas em todo parque e desisti, voltando mais uma vez até
o banco em que estava sentada antes e, olha o milagre, ela estava lá!
— Karen, onde a senhorita estava?
— Não dramatiza, tem vinte minutos no máximo e foi você quem saiu
correndo.
— Certo.
— Você caiu.
— Fui ao banheiro, já que você tinha corrido e nem olhou para trás —
respondeu em um tom chateado. — Você sempre me esquece nos lugares.
— Agora vamos.
— Não adianta muito, não sei para onde eles foram, estava procurando
você.
— Foi mal.
— Sem problema, vamos comer alguma coisa.
Sentei-me ao seu lado para devorar o doce e até achei justo dividir,
porque, bem, ela estava sendo legal. Depois que nos levantamos, joguei o
pote fora e entrelacei meus dedos aos de Karen.
— Mas o que...
Ela bufou, como sempre faz, mas quando virou o rosto, eu podia jurar
que vi um sorrisinho ali.
— Estou engraçada?
Karen usou a mão livre para limpar minha bochecha e o cantinho da boca
que estavam sujos e de novo eu me senti estranha em lugares estranhos —
porém, menos pervertidos — por causa dela.
— Olha lá, não é que essa maluquice deu certo? — Karen disse,
apontando para a roda gigante, de onde Oliver e Jonathan estavam saindo e
trocando selinhos.
— Já disse que não vou te chamar assim, que merda. — falou irritada
enquanto andávamos até nossa casa.
Eu não vou dizer que gostei de ver aquela cena. Também não vou
afirmar que estava muito irritada, mordendo minha boca de nervosismo,
louca para a Bianca se afastar dela.
— Que bico é esse? Pra morder? — Bianca quis saber, parando ao meu
lado. Senti meu rosto quente.
Ela tinha começado com essas piadinhas infames desde que fomos ao
parque de diversões, duas semanas antes.
Tinha vontade de matá-la toda vez.
— Está irritada por qual motivo, Kah? Nosso plano está acontecendo da
melhor forma possível, Caleb está muito puto com o namoro de Jonathan e
Oliver.
— Eu só tenho mais o que fazer do que ficar vendo você abraçada com
líderes de torcida.
— Não é no plural, foi apenas a Irene, porque ela está triste. Você é
insensível.
— O que aconteceu?
— Não.
— Você não repara em nada, por isso vive tropeçando nos próprios pés.
— Bianca revirou os olhos com um risinho, depois se aproximou de mim.
Meu coração acelerou quando ela praticamente colou nossos rostos. —
Lembra a festa de Gustavo, no final de semana passado?
— Poderia ter ido sem mim, não mandei ficar em casa também.
— E?
— Que babaca...
Admito, meu coração doeu pela menina, mas logo Bianca sorriu grande e
daquele jeito um pouco assustador, como quando está planejando algo.
— Sério?
— Sim, não existe nada mais perigoso do que uma mulher com o
coração partido.
***
Aquele era o meu dia de ficar até mais tarde vendo o treino,
absurdamente chato, de futebol. Não gosto de esportes, sou desastrada
demais. Perdi as contas das vezes em que fui chutar uma bola e caí no chão.
No vôlei, elas me perseguem; até no tênis as bolas fazem um estrago, às
vezes minha própria raquete me machuca. Sim, eu já bati em mim mesma
com a raquete quando fui rebater uma bola.
Irene veio na minha direção, pegando a bola e piscando para mim uma
vez.
— Vamos acabar com ele. Não se preocupe, Bia me contou tudo — ela
sussurrou, e eu assenti uma vez, discretamente, arrumando minhas coisas.
— Desculpe, capitão.
Caleb estava visivelmente irritado, tanto por levar esporro, quanto por
causa de seus amigos. Ele olhava para a arquibancada toda hora, à procura de
Jonathan e Oliver, mas nenhum dos dois estava lá. O que é um cara popular
sem seus dois fiéis seguidores?
Vi o Park abrir com raiva a garrafa que Irene lhe dera e tomar todo o
conteúdo antes do treino começar. Acabei sorrindo de forma maldosa — acho
que Bianca estava me contagiando com aquele jeito dela, meio louco.
Arrumei meu material novamente, ajeitando-me na arquibancada
enquanto o treino avançava de forma arrastada. No intervalo, vi Caleb
comendo uma barrinha de cereal também, meio escondido.
Bianca disse que Irene teve a ideia de dizer que eram especiais, fazendo-
o ter mais energia, só que ninguém poderia saber, mas na verdade, elas eram
cheias de açúcar apenas. E como Caleb se mostrou um mau caráter, óbvio
que ficou quietinho.
Está dando certo, aquela fic que você leu deve ser milagrosa.
Sim.
Tem academia?
***
De perto, Bianca era ainda mais bonita, sabem? Ela estava tentando ouvir
a conversa sem encostar na porta do armário, tinha o cenho franzido em
concentração e mordiscava os lábios, que estavam vermelhos devido ao
pirulito que chupara momentos antes. Deveria ser errado isso, não? Quanto
mais de perto olhamos, melhor vemos os defeitos. Mas Bianca ficava linda
até com eles. Com o cabelo completamente bagunçado e aquela espinha
crescendo na testa, que ela tentou disfarçar com a franja. Até sua barriguinha
e coxas grossas, o que as pessoas insistiam dizer que não era o padrão, lhe
deixavam ainda mais bonita. Ela não tinha que mudar nada disso. E talvez o
que eu mais gostasse nela era o fato da garota não querer mudar.
— E eu?
— Sim, eu disse que era o plano perfeito. — Bianca riu de forma forçada
e escandalosa, então levantei uma sobrancelha em sua direção. — Mas de
certa forma eu até o entendo.
— Como assim? Está com pena agora? — quis saber, ficando um pouco
irritada.
Afinal, Caleb não merecia e, mais do que isso, Bianca não deveria pensar
nele de forma carinhosa ou algo assim. Quer dizer, será que ela sentia algo
por Caleb? Por isso estava nervosa?
— Não, nada disso, mas Luana e Mateus furaram nossa sessão Harry
Potte, de novo — disse Bianca, com um bico emburrado. — Eu vou ter que
ver tudo sozinha.
Ok, talvez, mas só talvez, eu tenha ficado com o coração derretido ao ver
Bianca com aquela carinha triste.
— Sério?
— Bem, se você quiser, posso deixar a janela do meu quarto aberta mais
tarde.
Foi estranho, muito estranho, sentir aquela agitação toda dentro de mim.
Da mesma forma como foi realmente difícil acreditar que Bianca novamente
estava com o rosto corado enquanto acenava na minha direção ao seguir pelo
corredor atrás de Luana.
***
Dizer que eu estava calma é uma completa mentira, mas acho que gosto
de mentir para mim mesma. Quer dizer, não tinha motivos para estar nervosa,
certo? Eu estava bem, estava tudo bem, Bianca só iria aparecer para ver uns
filmes. Nada de mais, tudo tranquilo.
— O quê?
— Mentira!?
Ok, deveria ter ficado chateada? Não. Eu fiquei? Sim. Dei um tapa de
leve no braço da Bianca e virei o rosto.
— Cala a boca e vamos ver o filme, não veio aqui para isso?
— Estou ótima.
— Então para de fazer esse biquinho! Se não parar, eu vou morder — ela
sussurrou.
— Quê? — quis saber, assustada, ao me virar para Bianca. Ela apenas riu
e se ajeitou na cama ao meu lado. O jeito dela de provocar me deixava muito
confusa.
— Eu só falei por falar, ok? Era brincadeira, agora vamos ver o filme —
disse, oferecendo-me um pouco da pipoca, que já estava no final.
Ela sorriu daquele jeito grande para mim e vocês devem estar se
perguntando: a essa altura do campeonato, a Karen já está acostumada, certo?
Erradíssimo. Parece que, cada vez que Bianca decidia sorrir toda feliz na
minha direção, um novo princípio de parada cardíaca se iniciava.
— Hey, Kah?
— Fala.
Mais uma vez eu bufei, virando-me para a televisão, só que, antes, abri a
gaveta da minha mesinha de cabeceira e peguei um saco de bala de goma —
que ela tanto gosta — e uma barra de chocolate. Comprara mais cedo, pois
sabia que Bianca iria perguntar por doces e eu não estava a fim de me
estressar.
— Você dormiu.
Percebi que, quando ela está com sono, fica mais irritadinha e manhosa,
isso é possível? Não sei, mas é muito fofo. Bianca se inclinou, puxando-me
pelo braço.
Mas até isso a deixava adorável, quer dizer, ela é uma gracinha por
inteiro. Acabei me levantando rapidamente, assustando-a sem querer, mas eu
estava assustada com meus próprios pensamentos.
Eu hesitei.
— Eu como em casa.
— Mas...
Não consegui ouvi-la, apenas pulei a janela, voltei para o meu quarto e
me joguei debaixo das minhas próprias cobertas, cobrindo o rosto com o
travesseiro sem pensar que, ao ver seu rosto tão perto do meu, havia pensado
em como deveria ser beijar Karen.
***
Quer dizer, desde que nos juntamos, semanas antes, para nos vingarmos
de Caleb, acabei conhecendo-a melhor. Vendo que até seu lado desastrado
acaba sendo um charme. Karen é muito inteligente, tem ótimos gostos —
exceto por casas de Hogwarts — e é muito bonita.
Depois de acordar ao seu lado e perceber que nesses últimos dias tinha
me importado mais em estar com ela do que, de fato, em aprontar algo contra
Caleb, fiquei desestabilizada.
Acabei não voltando a falar com a garota o dia todo, mesmo que
estivesse sempre pensando nela. Já no domingo, acordei desesperada ao
lembrar que a semana de testes começaria no dia seguinte e passei mais
tempo divagando sobre minha vizinha, que eu costumava odiar, do que
estudando.
Estava fodida.
Matemática.
Claro, são só alguns números e letras, e sinais estranhos, e figuras
geométricas, uma página inteira para fazer uma conta.
Moleza!
Fui almoçar, porque comida sempre me anima, mas minha mãe começou
com um papo muito doido quando eu disse que estava estudando para prova e
já deixei de sobreaviso minha provável nota vermelha.
— Você e Karen não são amigas agora? Até dormiu lá! Ela não pode te
ajudar?
Virar para ela e dizer: “Não acho uma boa ideia, mãe, sabe como é,
depois que a gente passa o dia pensando sobre a boca de uma garota, é meio
complicado falar com ela sem se sentir, no mínimo, morta de vergonha” não
era uma opção, então apenas disse:
— Não! — interrompi, seria ainda pior ter minha mãe chamando-a para
vir aqui. — Vou mandar uma mensagem mais tarde.
Sorri amarelo.
Amiguinhas, claro.
***
Depois de mais uma hora de desespero, acabei me rendendo e mandei
uma mensagem para ela:
Querendo dormir.
Kah, me ajuda!
Kah.
Kah.
Kah.
Floodei mesmo, mas só porque ela me ignorou!
— Não quero ter que ouvir você resmungando no meu ouvido que tirou
nota baixa. Só me mostra o que não entendeu logo — falou entediada,
sentando-se na minha cama.
Pela primeira vez me senti constrangida ao lado dela. Tentei deixar isso
de lado, afinal, era apenas Karen, minha vizinha estranha, mas que podia ser
extremamente fofa às vezes.
Por que meu coração doeu quando pensei em não a ter mais por perto a
todo momento?
Fofa demais.
— Eu te aturo, é diferente.
— É tão chata!
— Bianca?
— O quê?
— Sério?
— Sim.
— Muito bom.
— E colocar a última parte do plano em ação? Não aguento mais ter que
pensar em Caleb.
Fiquei calada por um momento. Será que Karen também queria se livrar
de mim com o fim do plano?
— Se quer assim...
— Parece que não quer isso — Karen questionou, levantando uma
sobrancelha.
— Sei lá, não foi tão divertido quanto eu pensei — falei, vendo-a ficar
séria.
— Nada disso — falei, com medo dela pensar que eu, de alguma forma,
ainda gostava daquele babaca, já que, na verdade, eu não gostava nem um
pouco.
— O que é, então?
— Você.
— Não estou.
— Está, sim.
— Ai — choraminguei
— Que cabeça dura! — ela reclamou, massageando o lugar em que
batemos.
— Mosquito?
— Sim, oh, olha ele ali! — apontou, e logo depois bateu as mãos, mesmo
que eu não tivesse visto nada. — Pronto, aqui está, mortinho.
— Que nojo.
Mosquito? Não parecia ter sido isso que realmente aconteceu, mas, ao
mesmo tempo, eu nem sei o que aconteceu! Jurava que ela iria me beijar. Na
verdade, jurava que eu iria beijá-la. O que me deixa ainda mais assustada,
porque apesar de tudo, a vontade de saber qual é o gosto de seus lábios
carnudos não passou quando Karen retornou ao quarto, nem quando colocou
outro filme, muito menos quando voltei a comer meu brigadeiro.
***
Eu acordei ao lado de Karen novamente, dessa vez sem ficar tão evidente
minha confusão sobre o que tenho sentido. Eu nunca me rotulei como isso ou
aquilo, gosto de ser livre para fazer o que quiser, amar quem me ama
também. Não estava confusa pelo fato de sentir vontade de beijar outra
garota, já tinha passado por isso antes. O que me fazia ficar pensando nisso
era não querer apenas beijar Karen, mas estar com ela, compartilhar
conversas e momentos com a garota de quem, até umas semanas antes, eu
nem gostava tanto.
Nem parece que destrói carrocinha de sorvete com seu jeito desajeitado.
— O quê?
Estava difícil dizer não para aquele rostinho sonolento e jeito fofo. Karen
parecia ainda mais bonitinha pela manhã. Pensar nisso e em todas as outras
coisas estranhas que tinham acontecido comigo quando estava ao seu lado me
deu uma certeza. Certeza esta que não sei se estava pronta para admitir.
Dei um bom dia e não me fiz de rogada, afinal, estamos falando do café
delicioso da mãe de Karen. Eu comi! Comi à beça, arrancando sorrisos da
garota ao meu lado, que volta e meia implicava comigo.
— Eu sei.
***
Já eram onze e meia da manhã. Eu estava ao lado Karen na arquibancada
do campo da nossa escola. Luana também estava lá, porém, perto dos
jogadores, anotando tudo para o jornal semanal. Mateus foi junto da
namorada — esses dois não se desgrudam mais — e se sentou ao meu lado
para ver o time da sua antiga escola.
— O quê?
— Ainda não sei, acho que Irene pode nos ajudar a divulgar algumas
fotos de Caleb? Contar uns podres dele depois do jogo?
— Não sei, quem iria acreditar? E isso pode trazer consequências para
ela depois.
Eu assenti uma vez e Karen sorriu, voltando sua atenção para o jogo e
fazendo uma careta logo depois. Virei-me na mesma direção, vendo Caleb
entrar no campo, e bufei irritada. Nosso plano pode não ter dado
completamente certo, mas ao menos ele ficou muito irritado. E ainda
tínhamos a cartada final. Sem falar que foi tirado de uma fanfic, então
qualquer vantagem já era surpreendente.
Sabem o que é pior de tudo? O garoto era realmente muito bom, por isso,
junto com Gustavo no campo, conseguiram salvar o jogo. Tiveram passes
bem dados e até alguns gols, arrancando gritos da plateia.
Eu troquei um olhar cúmplice com a garota ao meu lado, que sorriu cheia
de entendimento. Aquele, sim, parecia o momento perfeito para desmascarar
Caleb.
Parte seis
Karen
Comecei a me arrumar quando eram oito e meia da noite. Bianca disse
que iria me chamar às nove, então tinha tempo de sobra. Coloquei um short
jeans, tênis e estava procurando uma blusa no meu armário quando ouvi o
som característico, mas ao qual já me acostumara, de Bianca entrando pela
janela.
— Está atrasada.
— Eu sou ansiosa.
— Em quê?
Ela estava linda, usava uma saia larguinha até a metade das coxas, uma
blusa cheia de brilho e até um pouco de maquiagem, querendo esconder a
espinha que havia nascido na testa, e o cabelo estava bagunçado de uma
forma bonita demais para ser desproposital.
— Sim.
— É sério isso?
— É hétero.
— Não sabia que lia esse tipo de absurdo — brinquei, levantando uma
sobrancelha.
— Quem?
— Você vai ver, ReMar é vida! — Bianca disse com um sorriso largo, e
um tanto assustador, em seu rosto.
— Como assim? Falaram que ReMar não era real? — quis saber,
indignada.
— Sim.
— Como eles não veem que se amam? — Karen quis saber, exasperada.
— Eu não sei!
— Verdade.
— Trancá-lo em um quarto?
Eu iria beijar Bianca naquela noite, e ela parecia aceitar isso muito bem.
O que me deixava ainda mais confusa. Bianca queria me beijar também? Na
verdade, a pergunta que rondava meus pensamentos era: eu ainda queria
beijá-la? Subi o olhar até encontrar seus olhos, que estavam presos no meu
rosto, mas sem aquele ar brincalhão.
Pensei, de verdade, que quando Bianca se inclinou na minha direção,
finalmente acabaria aquele mistério, aquela tensão. As respirações já se
mesclavam e eu estava quase fechando os olhos, até que seu maldito celular
começou a tocar. Ela se levantou assustada, quase me derrubando da cama no
processo. Bufei, chateada, enquanto ela gesticulava ao falar no telefone.
Segui até o espelho, arrumando meu cabelo, e ouvi Bianca falando:
Assenti uma vez, então Bianca pegou minha mão, sem olhar diretamente
para mim, e seguiu pelo corredor até a entrada da minha casa,
cumprimentando meus pais na sala e prometendo me trazer cedo.
***
Por motivos mais do que óbvios, eu nunca fui a uma festa dos populares.
Na verdade, as festas do ensino médio pareciam muito diferentes de qualquer
outra coisa que já vi. Bianca não soltou minha mão ao chegar, nem durante os
quatro quarteirões que andamos até a casa de Gustavo.
— Não, obrigada.
— Quer dançar?
— Kah, você está preocupada demais com esse imbecil, por que não
relaxa um pouco e curte o momento comigo? Estamos em uma festa e nem o
vimos ainda; temos a noite toda para isso.
Suspirei, tentando conter a irritação, mas não consegui ficar assim por
muito tempo, já que Bianca começou a mover os quadris de um lado para o
outro, dançando sensualmente a música americanizada e de letra um tanto...
pornográfica. Que ficava ainda mais tentadora quando se tinha uma Bianca
para observar. Ela veio na minha direção, rodeando-me o corpo até parar
atrás de mim e colocar as mãos livres na minha cintura, balançando seu corpo
colado ao meu.
— Se mexe.
— E-eu... — gaguejei.
— É só se mover, Kah.
— O quê?
— Já?
Ser arrancada dessa aura mágica por uma risada feminina muito, muito,
animada mesmo.
— Tem algumas que eu tirei também dele quase chorando quando brigou
com Jonathan e Oliver outro dia.
— Ótimo.
— Se descobrir que fui eu, ele deve ficar, mas não vai fazer nada! —
Irene sorriu de lado. — Gustavo é um dos meus melhores amigos e ele odeia
Caleb tanto quanto eu.
— Sempre soube que ele era um cara legal. — Bianca sorriu de lado,
pegando o celular e passando as fotos para a garota.
Eu estou apaixonada?
E esses pensamentos fazem menos sentido ainda, pois tudo que eu queria
era entender como acabei assim, sentindo vontade de beijar Bianca e uma
completa boba apaixonada. Será que por isso sempre me senti diferente?
Sempre fiquei nervosa perto dela?
— Kah?
Dei mais um passo para trás, porém, como estamos falando de mim, tudo
tinha que dar errado, não é mesmo?
Ele estava com um copo de bebida que caiu na própria blusa devido ao
encontro dos nossos ombros.
— Olha por onde anda, garota! — Seu tom era raivoso, mas ninguém
ouviu, devido à música alta.
— Você não faz nada direito, não é? — quis saber o garoto, com um
sorriso debochado e a voz venenosa.
— Quem você pensa que é para falar dela, seu imbecil? — Bianca me
defendeu, correndo para o meu lado e me ajudando a tirar o pé daquele ninho
de rato cheio de fios.
Caleb estava lívido de raiva, o rosto não tinha uma expressão nada boa,
mas logo foi tomado pela surpresa, assim como eu, quando Bianca finalizou
seu discurso:
— De verdade, obrigada por ser esse idiota, porque, se não fosse por
isso, eu jamais teria me aproximado de Karen para poder me vingar de você.
A propósito, se quer acabar com a caganeira, é só parar de tomar seu
energético — falou, arrancando algumas risadas ao redor. — Sabe o que é
incrível? Nem seus melhores amigos te suportam! Quando armamos o
encontro entre Jonathan e Oliver, os dois ficaram tão bem sem você para
influenciá-los! Então você está certo, Karen e eu combinamos e realmente
espero que ela ache isso também.
Eu andei mancando ao lado dela até a saída da casa, mas logo a dor foi
demais, por isso parei, gemendo baixinho e me apoiando no muro.
— Sobre?
— Só vamos logo.
Bianca riu, falando algo sobre comprar sorvete para nós duas, e pela
primeira vez eu pensei que finalmente teria alguma sorte na minha vida ao ter
Bianca por perto...
— Sabe, Kah, você é magrinha, eu pensei que seria mais leve, mas,
porra! Pesa pra caramba.
Ou não.
— Bianca!
— É verdade, ué.
— Obrigado, Bia.
— QUÊ?
— Oi?
— Eu ouvi, você disse Bia! Você me ama! — falou com seu tom
brincalhão, apertando minha cintura de forma carinhosa enquanto caminhava
para casa.
— Eu? Jamais.
— Não, parece que ele pediu desculpa para Irene e... — parou de falar,
ficando um pouco envergonhada.
— E?
— Você não vai! Onde já se viu? Quem ele pensa que é? E você? Como
assim?
— Não, é que...
Estava na cama dela, como sempre, e Karen deu uma volta no quarto.
Estava ansiosa — me enrolando —, por isso batucou os dedos na perna antes
de parar ao meu lado.
Será que ela acha que pode ser mais feliz com Caleb? Apesar de dizer a
mim mesma, constantemente, que meu corpo é maravilhoso do jeito que está,
existem momentos de hesitação, momentos de “e se”, e esse foi um deles.
Eu não sou boa, bonita, o bastante para Karen se apaixonar por mim?
— Quê?
— Quer dizer, se não queria mais ficar comigo, poderia ter contado de
outra forma.
— Bia, está maluca? Tá cheirando o açúcar dos seus doces? Claro que
não.
— Como?
— Desculpa?
— Ah, sim.
— Gustavo?
— Não é doido?
— Eu pensei que, sei lá, tinha enjoado de mim e da minha bunda gorda.
O silêncio reinou.
— O que disse?
— Eu não.
— Sim?
Os dedos dela subiram por meus braços, deslizando na minha pele com
carinho e arranhando a minha nuca de forma gostosa — deixando-me
completamente arrepiada — antes de se infiltrarem no meu cabelo e dela se
entregar ao beijo, assim como eu.
Virei-me na velocidade da luz, mais rápido que o flash, meu pescoço até
estalou. Poderia ter morrido!
— O QUÊ?
— Nada.
— Eu?
Ela fez aquela carinha de inocente e sorriu de lado, da forma pela qual eu
me apaixonei perdidamente, então apenas bufei e segui até o computador,
ouvindo sua risada alta e gostosa. Não consegui tirar o sorriso idiota do meu
rosto também, pois eu sei o que ela falou e também sei que Karen gosta de
me provocar.
***
Entre todas as coisas que não temos em comum, o filme O senhor dos
anéis geralmente é motivo da nossa discussão. Sim, o filme de quatro mil
horas sobre coisas não tão interessantes quanto Harry Potter — e se Karen
pudesse ler minha mente, eu estaria morta.
Claro, a minha corujinha sabia que tudo era uma desculpa para poder
comer algo gostoso no almoço, já que eu sou péssima cozinhando.
— Porque são filmes que você gosta também. Eu acho esse chato, Kah...
— Mas não pode fazer isso por mim? — Ela fez uma carinha fofa.
— Você que quer me obrigar a ver algo que eu não gosto e ainda faz essa
carinha linda? É injusto!
Karen corou e depois inflou as bochechas de modo irritado. Ela sabe que
eu faço de propósito, pois sei seu ponto fraco. Por incrível que pareça, é ser
elogiada. Karen é tão fofa que tenho vontade de mordê-la inteirinha, ela
merece todas as palavras lindas do mundo, mas não sabe aceitá-las.
Acho que ela não consegue se ver como eu vejo. Tão bonita.
— Injusto é ter feito essa lasanha gostosa para você e não poder nem ver
meu filme.
Golpe baixo.
— Tudo bem, podemos até ver, mas eu vou dormir no meio, te aviso
logo.
— Por quê?
— Você gosta!
— O q-quê?
— Bianca!
— Se aceitar, vai ter que me chamar de Bia mais vezes, ou melhor, pode
me chamar de amor! — chantagiei, vendo-a revirar os olhos, irritada. Mas
logo depois sorriu como alguém que acabou de ter uma ótima ideia.
— Kah!
— É pegar ou largar.
Karen seguiu radiante até meu quarto, e mesmo querendo ficar irritada,
eu só conseguia sorrir e pensar que, a partir desse momento, poderia chamar
minha corujinha de “minha namorada corujinha”.
Claro, nem tudo dá certo, e depois de duas horas de filme — já que ela
colocou a fucking versão estendida —, eu acabei dormindo e tive que ouvir
horrores quando acordei com seus tapas estalados.
Mas eu estou aprendendo com o tempo, por isso a puxei para um beijo
longo, lembrando-a que não poderia agredir sua namorada daquela forma —
sim, eu adorei dizer e ouvi-la falando isso em voz alta. Também adorei o
rosto um tanto corado, mas parecendo muito feliz, de Karen.
***