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PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 1

CAPÍTULO III
PROPRIEDADES DOS AQUÍFEROS

3.1 Aquíferos, aquitardos e aquicludos....... 1 3.5.1 Associação em série e paralelo ..........20


3.2 Porosidade.............................................. 5 3.6 Coeficiente de armazenamento............21
3.3 Condutividade hidráulica em meios 3.7 Transmissividade ..................................21
porosos - lei de Darcy ............................... 9 3.8 Representação gráfica-linhas de
3.4 Circulação em meios fissurados ......... 13 corrente, isopiezométricas......................22
3.5 Medição da condutividade hidráulica. 18

Resumo

Neste capítulo vão ser apresentadas sucintamente as propriedades físicas mais


relevantes para a análise e compreensão da circulação da água subterrânea.
Inicialmente apresentam-se os diferentes tipos de formações geológicas que são
responsáveis pela circulação subterrânea, bem como algumas definições da sua
tipologia. Em seguida descrevem-se os parâmetros caracterizadores dos meios
porosos, enquadrados pela lei de Darcy e, finalmente, os parâmetros característicos
dos aquíferos.

3.1 Aquíferos, aquitardos e aquicludos.

É costume distinguir em hidrogeologia as seguintes classes de formações


subterrâneas:

(1) Aquíferos
São formações saturadas de água, que não coincidem necessariamente com
o mesmo tipo de formação geológica, mas que, sob o ponto de vista prático,
apresentam propriedades hidrogeológicas semelhantes; não devem ter
descontinuidades importantes, por exemplo: se houver uma interface
impermeável, de argila, entre duas camadas hidraulicamente boas condutoras,
por exemplo de arenito, por exemplo, solo, argila, arenito, argila, arenito,
bedrock impermeável, está-se na presença de dois aquíferos.

(2) Aquitardos
São formações menos permeáveis que as anteriores, das quais não é
possível extrair água em quantidade que as torne interessantes sob o ponto de
vista económico, mas que, apesar disso, constituem uma componente não
desprezável na recarga de aquíferos com que contactam.
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 2

(3) Aquicludos
Ainda são menos permeáveis que os anteriores; localmente não contribuem
para a recarga dos aquíferos mas, a nível regional, podem ter uma acção de
recarga não negligenciável.

O que distingue as formações anteriores entre si é a maior ou menor facilidade


com que se deixam atravessar pela água circulante e também a sua capacidade de
armazenamento da água. Estas características dependem, por sua vez, de
propriedades mais simples que serão abordadas nos pontos seguintes. Consoante o
contexto, um mesmo tipo de litologia, pode funcionar como aquífero ou como
aquitardo, ou seja, as definições têm sentido num determinado quadro de contrastes de
propriedades. Além destas características, deve salientar-se o facto de que a direcção
de circulação da água no aquífero é, predominantemente horizontal, enquanto no
aquitardo a componente vertical é a mais importante sob o ponto de vista
hidrogeológico. Também se deve salientar que, no aquífero livre a pressão que reina
no topo do aquífero ("toalha de água") é a pressão atmosférica, enquanto no aquífero
confinado a pressão que aí reina é superior à atmosférica no mesmo local.
Além dos três tipos citados de unidades hidrogeológicas, é vulgar referir-se
uma classe intermédia de aquíferos, designados por semi-confinados, que se
caracterizam por ter relações com o aquitardo ou com o aquífero livre em que os
caudais de troca não são desprezáveis. As trocas de água entre um aquitardo e um
aquífero dão-se por drenância de um para o outro. Um aquífero livre pode ser
alimentado por um aquitardo ou ser alimentador do aquitardo, quer permanentemente
quer sazonalmente.

Exemplos de aquíferos

Há, basicamente, dois tipos de aquífero, consoante a água se encontra contida entre
um tecto e um muro relativamente impermeáveis, caso em que o aquífero se designa
por confinado, ou a água apenas está apenas retida na base, caso em que a superfície
do aquífero está livre, designando-se por aquífero livre. Além destes, considera-se
também o caso mais raro de aquíferos cativos, que são depósitos de água fósseis, no
sentido em que não há percolação e consequente renovação da água ao longo do
tempo e os aquíferos suspensos, que são assim designados por a sua superfície livre
ficar acima do nível freático vizinho. As figuras seguintes ilustram diferentes tipos de
aquíferos.
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 3

Aquífero livre
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 4

Aquíferos confinados criados por sucessivas intercalações de unidades aquíferas com


unidades confinadoras numa região inclinada

Aquíferos confinados criados por deposição de leitos alternados de areias e


gravilhas permeáveis e argilas e silts impermeáveis depositados em bacias no sopé
de montanhas

Aquífero confinado formado pelo dobramento ascendente de camadas, com origem


numa intrusão. A zona cortada pela erosão funciona como zona de recarga.
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Aquífero suspenso formado pela retenção de um depósito pouco permeável de argila acima da
toalha de água, na zona não saturada.
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 6

3.2 Porosidade

Na perspectiva da circulação da água nas formações subterrâneas é importante


definir cuidadosamente o conceito de porosidade. Numa rocha que há longo tempo
permanece num meio saturado de água, os seus poros estão muito frequentemente
preenchidos por água; sucede que alguns desses poros podem estar localmente
isolados, não constituindo caminhos através dos quais a água possa circular. Assim
pode afirmar-se que para que haja permeabilidade é necessário, mas não suficiente,
que haja porosidade. Distingue-se assim, em hidrogeologia, porosidade total de
porosidade efectiva ou cinemática, como sendo

volume dos vazios


porosidade total ω =
volume total de rocha
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volume da agua que pode circular


porosidade cinemática ω c =
volume total de rocha

Também se define a porosidade de drenagem, que dá conta da capacidade que


um solo tem de armazenar água, que por gravidade pode ser recuperada:

porosidade de drenagem
volume da agua que pode ser drenada por gravidade
ωd =
volume total de solo

Costuma usar-se o conceito de porosidade cinemática para os aquíferos


confinados e o conceito porosidade de drenagem, para os aquíferos livres. À água que
pode ser obtida destes últimos, dá-se por vezes o nome de água gravítica ou água
funicular. A porosidade cinemática e a de drenagem designam-se por vezes por
porosidade útil ou efectiva ou eficaz.

Tendo em mente estas distinções, passemos a referir os caso mais típicos de


formações, com interesse hidrogeológico.

(a) Rochas sedimentares detríticas Comment [AAC1]: granulated


rocks
Certas formações geológicas são constituídas por grãos mais ou menos
ligados por um cimento e constituem um meio poroso através do qual se escoa
um fluido; exemplo: areia e arenito, cuja porosidade pode atingir mais de
30%, dependendo da forma da curva de distribuição granulométrica; para
grãos de dimensão grosseira a porosidade cinemática aproxima-se
significativamente da porosidade total. Mas à medida que a granulometria
diminui, começam a ter mais importância as propriedades de adesão
superficial, havendo moléculas de água que, apesar de não estarem encerradas
em poros isolados, ficam, para efeitos práticos, prisioneiras, pelo menos
estatisticamente, dos grão a que estão aderentes. Onde este efeito se faz sentir
de forma muito pronunciada é no caso das argilas, que constituem um caso à
parte, em que uma estrutura tipo escamas intercaladas por moléculas de água,
pode conter mais de 50% de água (porosidade total) e menos de 20% de
porosidade efectiva.
Rochas aparentemente sólidas, como é o caso dos calcários e das margas,
podem apresentar uma porosidade intersticial, também designada por primária,
variando entre 1 e 5%.
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(b) Rochas fracturadas


Além da porosidade total referida anteriormente, as formações
geológicas apresentam, fracturação, fissuração, diaclasamentos, resultantes
dos movimentos orogénicos, da disjunção térmica, etc.…, que se constituem
numa rede mais ou menos interligada de fracturas, responsáveis por um novo
tipo de porosidade total que se designa por porosidade de fracturação. Se os
espaços vazios não forem preenchidos por materiais impermeabilizantes (por
exemplo argilas, cimentos siliciosos ou calcáreos), então pode suceder que
essa porosidade total dê origem a uma porosidade cinemática importante,
responsável pela circulação da água através do maciço rochoso tornando-o
permeável à escala regional, muito mais do que seria se apenas contasse com a
permeabilidade resultante da porosidade intersticial. A esta porosidade,
resultante das fracturas, dá-se por vezes o nome de porosidade secundária.

Tudo o que atrás ficou dito aponta para um certo comportamento fractal do
maciço rochoso, que a uma escala regional pode apresentar uma porosidade em
grande resultante de grandes fracturas, confiantes com sistemas cada vez mais
delicados de fracturação, chegando-se a uma escala sub-microscópica a uma rede de
diaclasamentos imperceptíveis, que os pedreiros designam por “correr da pedra”.

Assim, dependendo, da escala de observação, poderemos detectar diferentes


porosidades. Basta imaginarmo-nos a percorrer uma formação cársica, na qual
fôssemos recolhendo amostras, segundo uma janela cúbica de amostragem; se a
dimensão da janela fosse de alguns centímetros, obteríamos, consoante estivéssemos
centrados num vazio ou na rocha, valores da porosidade total para aquela amostra,
que poderia variar entre 100% e o valor da porosidade intersticial da rocha. À medida
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 9

que a janela de observação, centrada sempre no mesmo ponto, aumentasse de


dimensão, assim verificaríamos que as oscilações na propriedade “porosidade total”
tenderiam para um valor médio estabilizado. A dimensão a partir da qual se não
observa variação apreciável da propriedade em estudo designa-se, segundo
Marsily(1), por REV (Representative Elementar Volume), que podemos traduzir para
VER (Volume Elementar Representativo), conceito já referido no início do capítulo
anterior.

As figuras seguintes ilustram a forma como o tipo de empacotamento pode


influenciar os valores da porosidade total, bem como a distribuição granulométrica.
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 10

A tabela seguinte contém alguns valores de porosidade para diferentes rochas,


segundo três autores.

Formação Porosidade
total %
Marsily Fetter Llamas
Granito e Gneisse 0,02 - 1,8 1,42% 0,2 -4
Quartzitos 0,8 - -
Xistos, ardósias, micaxistos 0,5 - 7,5 - -
Calcáreos e dolomites 0,5 - 30 1 - 30 0,5- 15
Gessos 8 - 37 -
Arenitos 3,5 - 38 - 15 - 25
Tufos vulcânicos 30 - 40 14 - 40 30 - 50
Areias 15 - 48 25 - 50 10 -35
Argilas 44 - 53 33 - 60 40 - 60
Silt Até 90 35 - 50 -

A relação entre o calibre, a porosidade total e a porosidade efectiva é bem


posta em evidência pelo gráfico da figura seguinte, onde vazão específica deve ser
entendido como porosidade efectiva.

3.3 Condutividade hidráulica em meios porosos - lei de Darcy

Os exemplos anteriores mostram que a maior ou menor facilidade com que a água
pode circular nos interstícios de uma formação geológica não pode ser correctamente
caracterizada apenas pela porosidade total. A porosidade efectiva por sua vez também
não serve para definir essa característica, já que uma mesma porosidade efectiva pode
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corresponder a calibres grosseiros ou finos, sendo intuitivo e experimentalmente


verificável que a água circula com maior facilidade em formações detríticas de grão
grosseiro. Houve, por conseguinte, necessidade de introduzir um parâmetro
caracterizador que desse conta da maior ou menor facilidade de circulação da água.
Essa característica, analogamente ao que se passa com a circulação da corrente
eléctrica, designa-se por condutividade, neste caso condutividade hidráulica e foi
definida experimentalmente por Darcy através de uma lei que recebeu o seu nome e
que estabelece uma hipótese de linearidade entre o gradiente piezométrico e a
velocidade de percolação da água. A figura seguinte ilustra a experiência de Darcy:

Q = K A Δh / L (Eq.3.1)

A expressão (3.1) traduz a lei de Darcy, estabelecendo que o caudal


que atravessa o meio poroso varia linearmente com o gradiente piezométrico Δh / L ,
com a área da secção do meio poroso, sendo a constante de proporcionalidade K
designada por condutividade hidráulica daquele líquido naquele meio poroso [LT-1].
A figura seguinte ilustra uma experiência semelhante, mas a existência de
piezómetros ao longo do meio poroso, evidencia a variação linear dentro do
permeâmetro.
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 12

Na expressão (1) é vulgar substituir Q / A , que tem a dimensão de uma


velocidade, por U , velocidade de filtração. O conceito de velocidade de filtração
revela-se bastante útil, visto ser a velocidade com que a que a água atravessaria o
dispositivo se não existisse meio poroso. Também Δh / L aparece muitas vezes
substituído por i , gradiente hidráulico, adimensional. Assim (3.1) passa à seguinte
forma mais compacta:

U =Ki (Eq.3.2)

que é outra forma da lei de Darcy, que chegou às conclusões anteriores quando
estudava as fontes da cidade de Dijon em 1856.

A lei de Darcy deixa de ser válida para valores do gradiente hidráulico muito
elevados, bem como para valores muito baixos. No primeiro caso porque o regime
deixa de ser laminar, deixando as forças de atrito de serem proporcionais à velocidade
de filtração e passando a ser proporcionais ao quadrado daquela velocidade, pelo que
a recta degenera numa parábola; para valores de velocidade de percolação muito
baixos, que correspondam a circulações em meios de muito baixa condutividade
hidráulica, há também desvios da lei de Darcy junto à origem, visto as moléculas de
água só começarem a circular, libertando-se das forças de adesão superficial, para
valores do gradiente hidráulico não nulos. As duas figuras seguintes evidenciam as
duas situações.
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 13

A constante K , condutividade hidráulica, varia com a viscosidade do líquido


que atravessa o meio poroso. Mesmo que o líquido seja a água, há, para diferentes
temperaturas, variações relativamente importantes do valor da viscosidade, conforme
mostra o gráfico da figura seguinte.

É fácil verificar experimentalmente que a condutividade hidráulica K varia


inversamente com a viscosidade dinâmica do líquido. Sabe-se além disso, a partir da
equação de Navier-Stokes, que as forças que provocam o movimento de um fluido
num meio poroso são as resultantes do gradiente hidráulico e as forças externas da
acção gravítica. A lei de Darcy pode então escrever-se na seguinte forma
generalizada:

k
U=− ( grad p + ρ g grad z ) (Eq.3.3)
μ
sendo k a permeabilidade intrínseca, dimensão [ L2 ] , μ a viscosidade dinâmica ,
dimensão [ M L-1 T-1] , ρ massa por unidade de volume da água, dimensão [ M L-3 ],
g a aceleração da gravidade, dimensão [ L T-2] e z a cota topográfica do ponto.
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 14

A partir do momento em que passamos a considerar a tridimensionalidade da


equação (3.3), devemos também admitir que as próprias propriedades do aquífero
variam com a direcção do espaço considerada. A entidade matemática adequada a
exprimir a anisotropia da permeabilidade intrínseca é o tensor 1 k , passando a
expressão (3.3) a assumir a forma:

k
U=− ( grad p + ρ g grad z ) (Eq.3.4)
μ

⎡ k xx k xy k xz ⎤ k xy = k yx
⎢ ⎥
k = ⎢ k yx k yy k yz ⎥ k xz = k zx
com ⎢ ⎥ sendo
⎢⎣ k zx k zy k zz ⎥⎦ k yz = k zy

a expressão compacta (3.4) pode ser desenvolvida para obter, para o caso geral, as três
componentes da velocidade de filtração num meio anisotrópico:

K xx ∂p K xy ∂p K xz ⎛ ∂p ⎞
U x =− − − ⎜ +ρ g ⎟
μ ∂x μ ∂y μ ⎝ ∂z ⎠

K xy ∂p K yy ∂p K yz ⎛ ∂p ⎞
U y =− − − ⎜ +ρ g ⎟
μ ∂x μ ∂y μ ⎝ ∂z ⎠

K xz ∂p K yz ∂p K zz ⎛ ∂p ⎞
U z =− − − ⎜ +ρ g ⎟
μ ∂x μ ∂y μ ⎝ ∂z ⎠
(Eq.3.5)

esta última expressão evidencia a possibilidade de um gradiente numa dada direcção


poder originar escoamento de fluido segundo uma direcção perpendicular, o que está
de acordo com a experiência.

3.4 Circulação em meios fissurados

Consideram-se meios fissurados as formações constituídas por rochas relativamente


compactas e quase impermeáveis, cortadas por fissuras nas quais pode circular água
subterrânea. As fissuras, quando têm a sua origem nas forças tectónicas,
caracterizam-se por duas direcções principais, aproximadamente perpendiculares
entre si. É vulgar encontrar quatro direcções de fracturação, duas principais e duas
1
No Apêndice 2, Cálculo Tensorial, recorda-se a noção de tensor.
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 15

secundárias. A forma actual de tratar matematicamente este tipo de terrenos consiste


em aceitar que à escala regional eles se comportam como um meio contínuo, isto é,
considerar que o VER é da ordem de algumas centenas de metros, ou então modelar a
circulação nas fracturas uma a uma; há, além destes dois modelos básicos, modelos
híbridos. Nesta última situação e na hipótese de escoamento laminar, utiliza-se a
aproximação V = K f J f e, para o escoamento turbulento V = K f' J αf , sendo V a
velocidade média do escoamento na fractura, K f a condutividade hidráulica da
fractura [ LT-1], K 'f a condutividade hidráulica da fractura em regime turbulento [ LT-
1
], J f a projecção perpendicular do gradiente hidráulico segundo o plano da fractura
e α o grau de não linearidade do escoamento (0,5≤α≤1). A transição do regime
laminar para o regime turbulento é quantificada pela número Reynolds, que, para o
caso de um tubo cilíndrico, tem o valor
Vdρ
Re = (Eq.3.6)
μ
μ
sendo V a velocidade média do fluido, d o diâmetro do tubo e a viscosidade
ρ
cinemática. Embora com algumas variações de autor para autor, admite-se que se
Re ≤ 2000 se está em regime laminar e se Re ≥ 2000 se está em regime turbulento.
No caso que nos interessa, de uma fractura plana, substitui-se o diâmetro do tubo
pelo diâmetro hidráulico Dh que se define como o cociente entre o quádruplo da área
4S
da secção S e o seu perímetro p , Dh = , de modo que, para uma fractura em que
p
a maior dimensão tende para infinito, o diâmetro hidráulico tende para o dobro da sua
abertura. Assim, para averiguar o tipo de escoamento que se está a dar numa fractura,
basta substituir em (3.6) d por duas vezes a abertura da fractura e obter o respectivo
número de Reynolds. Numa análise mais precisa deve entrar-se com a rugosidade das
paredes da fractura, já que a passagem para regime turbulento dá-se mais tarde (em
termos de velocidade crescente), se as paredes forem lisas. O parâmetro da fractura
ε
que se usa para definir a rugosidade das paredes é dado por Rr = , sendo ε
Dh
a altura média da rugosidade e Dh o diâmetro hidráulico anteriormente definido.
Recorrendo ao número de Reynolds e ao coeficiente de rugosidade foi possível
determinar experimentalmente (Louis, 1974), cinco regimes de escoamento dentro das
fracturas, conforme figura seguinte,
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 16

para os quais o mesmo autor determinou a lei do escoamento, para cada um dos cinco
regimes, consoante a parede é macia ou rugosa e o escoamento é laminar ou
turbulento:

⎛ ρ g e2 ⎞
Tipo 1 : macia laminar V = −⎜ ⎟ J
⎝ 12 μ ⎠ f
(Eq.3.7a)
4/7
⎡ g ⎛ 2 ρ e5 ⎞
1/ 4

Tipo 2 : macia turbulento V = −⎢ ⎜ ⎟ Jf ⎥
⎢⎣ 0,079 ⎝ μ ⎠ ⎥⎦
(Eq.3.7b)

⎛ 3,7 ⎞
Tipo 3 : rugosa turbulento V = −⎜ 4 e g ln ⎟ J f
⎝ Rr ⎠
(Eq.3.7c)

⎡ ρ g e2 ⎤
V = −⎢ ⎥J
) ⎥⎦ f
Tipo 4 : rugosa laminar
⎢⎣12 μ (1 + 8,8 Rr
1,5

(Eq.3.7d)

⎛ 1,9 ⎞
Tipo 5: muito rugosa turbulento V = − ⎜ 4 e g ln ⎟ J f
⎝ Rr ⎠
(Eq.3.7e)

e - abertura da fractura, V a velocidade, g a aceleração da gravidade, ρ a massa por


unidade de volume da água, J f a projecção segundo a perpendicular ao plano da
fractura do gradiente hidráulico, Rr o coeficiente de rugosidade anteriormente
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 17

definido e μ a viscosidade dinâmica da água ou, se se preferir, μ / ρ a viscosidade


cinemática.

No caso de as fracturas serem parcialmente fechadas, dever-se-á nas


expressões (3.7) multiplicar o membro direito da igualdade por um factor F “grau
de abertura da fractura” ,

area da superficie aberta da fractura


F= (Eq.3.8)
area total da superficie da fractura

Para o caso de um meio poroso com fracturas segundo uma determinada


direcção, em regime laminar, pode-se calcular a condutividade hidráulica equivalente
pela expressão:

e
K= K + Km [LT-1]
b f
(Eq.3.9)

sendo e como anteriormente a abertura da fractura, K f a condutividade hidráulica


das fracturas, b a distância média entre fracturas e Km a condutividade hidráulica do
meio poroso. O valor de K assim obtido é um valor de permeabilidade direccional,
para um gradiente hidráulico paralelo à direcção das fracturas. No caso de se
pretender modelar a situação (real) em que as fracturas formam um sistema
descontínuo, tendo cada uma um determinado comprimento e não estando
interligadas, sendo nesse caso a percolação feita através da matriz da rocha, havendo
de onde em onde lugar a “curtos-circuitos” provocados pelas fracturas. Pode-se usar
a expressão

⎡ 1⎛ l l ⎞⎤
K = Km ⎢1 + ⎜ − ⎟⎥ (Eq.3.10)
⎣ 2 ⎝ L − l L⎠ ⎦
em que l é o comprimento médio das fracturas e L a distância média entre fracturas.
Se considerarmos novamente o caso das fracturas contínuas, a condutividade
hidráulica do meio contínuo equivalente depende do cubo da abertura das fracturas:

Fgρ
K = e3 (Eq.3.11)
12 μ b C

em que F é o grau de separação das fracturas, C = 1 para regime laminar


e C = 1 + 8,8Rr1,5 para regime rugoso laminar (tipo 4 anteriormente definido).
A presença de fracturas pode modificar notavelmente as propriedades de
percolação da água no maciço rochoso conforme se ilustra no ábaco da figura
seguinte
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 18

Por exemplo, do ábaco anterior devido a Maini e Hocking, uma massa de


rocha com uma condutividade de 10−6 m / s transporta tanta água quanto uma massa
de rocha impermeável com uma única fractura com aproximadamente 1mm de
espessura sujeita ao mesmo gradiente hidráulico. Para a mesma rocha a fractura
equivalente para um atravessamento de 1 metro passa a ter uma espessura de 0,1mm,
aproximadamente.
Em conclusão, os meios fracturados podem ser modelados de duas formas:
considerando-os como meios porosos a uma escala suficientemente grande em que o
correspondente VER esteja estabilizado na propriedade condutividade hidráulica, ou
como um sistema interligado de fracturas, que deverão ser estudadas individualmente
integradas nessa rede. Em ambos os casos deve ter-se em atenção que a percolação
através da matriz da rocha se dá muito mais vagarosamente que através das fracturas,
factor a ter em conta se se pretender tratar fenómenos de transporte e difusão.
No caso de se optar pelo modelo contínuo, haverá que recorrer-se aos modelos
anisotrópicos, visto a rede de fracturas apresentar direcções privilegiadas conforme se
evidencia na figura seguinte.

O ângulo que as duas direcções principais de anisotropia fazem com a


direcção das fracturas ψ 1 e ψ 2 bem como o valor da respectiva condutividade
hidráulica K1 e K2 podem obter-se pelas expressões de Maini e Hocking seguintes:
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 19

1 ⎛ sin 2θ ⎞
ψ1 = arctan⎜ ⎟
2 ⎝ cos 2θ K A / KB ⎠
(Eq.3.12)
K A KB sin θ
2

Ki =
K A sin ψ i + KB sin(θ − ψ i )
2

3.5 Medição da condutividade hidráulica.

Para meios porosos com grande condutividade hidráulica pode recorre-se a um


permeâmetro como o indicado na figura seguinte.

Este permeâmetro reproduz a experiência de Darcy, e tem carga piezométrica


constante:
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 20

QL
Q = − KA grad h ou K = (Eq.3.13)
( h1 + L − h2 ) A

medindo os valores do caudal, conhecidos os outros parâmetros da experiência,


nomeadamente L, h1 , h2 , A obtém-se K .

Para meios porosos com baixa condutividade hidráulica, na prática inferior a


-5
10 m/s, o permeâmetro anterior não serve e é substituído pelo permeâmetro de carga
piezométrica decrescente, que está representado na figura seguinte:

Permeâmetro de nível piezométrico


decrescente

Q= K Ah/L (Eq.3.14)

Considerando que a área do tubo de carga mais fino é a , então podemos


escrever o caudal Q como uma função da variação de altura no tubo fino ao longo do
tempo:

dh
Q=−a (Eq.3.15)
dt

igualando (3.14) e (3.15):

dh KA dt
=− (Eq.3.16)
h a L

integrando obtém-se:

h AK
ln =− ( t − t0 ) (Eq.3.17)
h0 aL

esta última expressão significa que se traçarmos num gráfico ln h versus tempo,
obtemos uma recta cuja pendente é proporcional a K.
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 21

No caso do meio ter uma permeabilidade muito baixa, será necessário aplicar
pressões maiores com a ajuda de uma bomba e medir o respectivo caudal para
diferentes valores da pressão. A inclinação da recta que assim se obtém dá a
condutividade, conforme a figura seguinte.

Caudal como função da pressão


aplicada

Os métodos anteriores baseiam-se na colheita de uma amostra de solo ou de


meio poroso e de, no laboratório, com ela realizarmos ensaios; em determinadas
circunstâncias as operações de corte e remoção da amostra podem perturbar bastante
as propriedades que pretendemos medir. Sempre que possível as propriedades do
aquífero devem ser medidas “in-situ” , através de ensaios de bombagem, que estudam
o comportamento do aquífero em regime transitório, acompanhadas de exame
geológico das paredes da captação.

Em situações em que “apenas” se conhece a geologia da região, é frequente, à


falta de melhor informação, recorrer a valores tabelados.

3.5.1 Associação em série e paralelo

Recorrendo à equação de continuidade é fácil verificar que a condutividde hidráulica


equivalente a uma associação em série assume a forma

∑l i
=∑
li
(Eq.3.18)
K medio Ki

e que, no caso da associação ser em paralelo,


PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 22

K medio = ∑ ei = ∑ ei Ki (Eq.3.19)

3.6 Coeficiente de armazenamento.

Quando se instala uma captação num aquífero, ou quando este é descarregado por
causas naturais, a água que é retirada do subsolo, onde até então estava armazenada;
a retirada de água reflecte-se no esvaziamento de poros anteriormente carregados de
água - caso dos aquíferos livres, ou no relaxamento elástico do aquífero, por
convergência elástica do leitos confinantes, incluindo variações de volume
decorrentes da própria elasticidade da água, no caso dos aquíferos confinados e
cativos. Define-se coeficiente de armazenamento e representa-se por S uma grandeza
adimensional igual ao cociente do volume de água que se consegue extrair de um
prisma de altura igual à altura do aquífero e de base quadrada com uma unidade de
área e o volume do prisma quando se provoca um rebaixamento piezométrico de
uma unidade de carga hidráulica no aquífero. Representa-se por Ss o coeficiente de
armazenamento específico que é uma grandeza de dimensão [L-1] igual ao cociente
entre o volume de água extraída de um volume elementar de aquífero e esse volume
elementar, quando se rebaixa o nível piezométrico de uma unidade de carga
hidráulica. No caso do aquífero confinado, considerando uma direcção perpendicular
aos leitos de confinamento, conforme a figura,

S = ∫ Ssdx3
0

No caso do aquífero livre S s é igual ao valor da porosidade eficaz, ou seja o


volume de água gravítica extraível de uma unidade de volume de aquífero saturado,
que passe do estado de saturado a não saturado.

3.7 Transmissividade

O mesmo caudal pode provir de um aquífero de pequena possança e grande


condutividade hidráulica ou de um aquífero de maior possança e menor condutividade
hidráulica. A “produtividade” de um aquífero é caracterizada pela sua
transmissividade, que pode ser formalmente construída considerando um aquífero
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 23

confinado a que se associa um referencial xx , zz , conforme a seguinte figura, sobre o


qual começamos por calcular

o caudal Q = ∫ U. ndz = ∫ U x dz , sendo n a normal ao corte considerado, U x a


e e

0 0
velocidade de filtração segundo a direcção xx normal ao corte. Supondo que a
condutividade hidráulica é uma determinada função, representada a tracejado na
figura anterior, U x = − K M grad h , isto é, a velocidade de filtração varia de ponto
para ponto M, com o gradiente hidráulico constante Q = grad h ∫ K M dz ; o integral
e

T = ∫ K dz ; se a
e
desta última expressão designa-se por transmissividade
0
condutividade hidráulica for isotrópica e idêntica em todo o ponto do espaço, T = Ke ,
sendo T expresso em [L2T-1].

3.8 Representação gráfica- linhas de corrente, isopiezométricas

A visualização da circulação subterrânea da água é feita recorrendo a linhas onde a


carga hidráulica é constante - isopiezométricas ou isopiezas, perpendicularmente às
quais se representam as linhas de corrente, conforme a figura seguinte ilustra.
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo III 24

A última figura evidencia o comportamento da carga piezométrica com a


profundidade: nas zonas de recarga, os piezómetros D e E mostram que o nível
piezométrico diminui com a profundidade, enquanto na zona de descarga, junto ao
curso de água, os piezómetros A e B mostram que o nível pizométrico aumenta com a
profundidade.

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