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Pró-Reitoria de Graduação – Letras – DLE

Literatura Latina I (HC612)


Professor: Francisco Edi de Oliveira Sousa

Unidade II

Lívio Andronico e o “princípio”


I – Divisor de águas: a conquista de centros culturais gregos no século III a. C. (notadamente de Tarento,
entre 280-272 a. C.), como testemunha Horácio (Epistulae 2.1.156-157): Graecia capta ferum uictorem
cepit et artes / intulit agresti Latio.

II – Lívio Andronico e o “começo” da literatura latina


II.1 – Um marco inicial: em 240 a. C., um ano após o fim da primeira Guerra Púnica, Lívio Andronico
elaborou uma fabula (provavelmente representada durante os Ludi Romani, jogos em honra de Júpiter, em
setembro) (Cícero, Brutus 72: atqui hic Liuius [qui] primus fabulam C. Claudio Caeci filio et M. Tuditano
consulibus docuit anno ipso ante quam natus est Ennius, post Romam conditam autem quarto decumo et
quingentesimo). Depois disso, compôs tragédias e comédias (servindo-se em especial de modelos
helenísticos) – e atuava em suas peças.

II.2 – Produção conhecida


 Tragédias (fabulae cothurnatae). Oito títulos conhecidos: Achilles, Aegisthus, Aiax Mastigophorus,
Andromeda, Danae, Equos Troianus, Hermiona, Tereus.
 Comédias (fabulae palliatae). Três títulos conhecidos: Gladiolus, Ludius e Verpus.
 Um carmen (“lírica” hínica): em 207 a. C., em momento difícil da Segunda Guerra Púnica (218-202 a.
C.), Andronico foi encarregado pelos pontífices de compor um carmen propiciatório em honra de Iuno
Regina, que foi cantado por três coros de nove moças (Tito Lívio, Ab Vrbe Condita 27.37.7). Pouco
depois, Roma venceu a batalha de Metauro (207 a. C.) e reverteu a situação; acreditando que o carmen
tenha cumprido sua missão, o Senado concedeu a escritores e atores, em honra de Lívio Andronico, o
direito de se reunirem no templo de Minerva no monte Aventino.
 Uma “tradução” da Odisseia em satúrnio (Odusia), provavelmente feita entre a primeira e a segunda
Guerra Púnica.
Ἄνδρα μοι ἔννεπε, Μοῦσα, πολύτροπον…
Virum mihi, Camena, insece uersutum.

Professor ou conferencista (Suetônio, De Grammaticis et Rhetoribus 1.2)? E por que a Odisseia?


Odisseu na Itália: Hesíodo (Teogonia 1011-1016) situa a união de Odisseu e Circe na Itália, da qual nasceram
Ágrio, Latino e Telémaco; Dionísio de Halicarnasso (Antiguidades Romanas 1.72.2) atribui a Helânico de Lesbos
(séc. V a. C.) um relato segundo o qual Eneias chegou à Itália juntamente com Odisseu e aí fundou Roma.

 Considerações
Cícero (106-43 a. C.) nos transmite uma crítica à obra de Lívio Andronico: Nam et Odyssia latina est sic
[in] tamquam opus aliquod Daedali et Liuianae fabulae non satis dignae quae iterum legantur (Brutus
71).
Horácio (65-8 a. C.) nos informa que, em sua época, os carmina de Lívio Andronico (supõe-se uma
referência à tradução da Odisseia) ainda eram usados em escolas de Roma: Non equidem insector
delendaue carmina Liui / esse reor, memini quae plagosum mihi paruo / Orbilium dictare (Epistulae
2.1.69-71).
III – O verso satúrnio (uersus saturnius)
Embora haja discussão, o satúrnio é considerado pela maioria dos estudiosos um verso de tipo quantitativo,
destinado inicialmente ao canto. Caesius Bassus (época de Nero) informa que constava de dois membros
(uma tetrapodia iâmbica catalética e uma tripodia trocaica) separados por uma diérese, ou seja, uma pausa
métrica (coincidindo com final de palavra). Uma longa pode normalmente ser substituída por duas breves;
além disso, admite variantes. Uma hipótese aventa a ideia de o satúrnio provir de metros da lírica grega,
atestada na região desde a metade do século VI a. C.

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IV – Tradução e recriação de obras gregas


 Scribere x Vertere
Philemo scripsit, Plautus uortit barbare (Plauto, Trinummus 19).

Scribere: compor ex nouo. Vertere: traduzir adaptando (enquanto exprimere designaria uma tradução literal).

V – Desenvolvimento dos ludi e do teatro durante e após a segunda guerra púnica

Ludi Divindade Início Período


Apollinares Apolo Criados em 212 a. C., anuais desde 208. 6 a 12/13 de julho
Megalenses Cibele Anuais desde 191 a. C. 4 a 10 de abril
Florales Flora Anuais desde 173 a. C. 28 de abril a 3 de maio

 Os ludi scaenici abriam tradicionalmente os jogos e, ao longo dos Ludi Romani (que teriam sido
fundados por Tarquínio o Antigo por volta de 500 a. C.), ocorrem quase todos os dias.
 Surgiam “companhias” teatrais (grex ou caterua), cujos chefes (dominus gregis) compravam peças dos
poetas, montavam o espetáculo e o negociavam com os magistrados responsáveis pela organização dos
ludi. Em 207 a. C., à imitação do que havia na Grécia, via-se em Roma um “sindicato” de pessoas
ligadas ao teatro, que se reuniam no templo de Minerva, no Aventino, sob a patronagem de Lívio
Andronico1.

Fontes bibliográficas principais


PARATORE, 1983, “Lívio Andronico”, p. 27-30.
GENTILI et alii. Storia della Letteratura Latina. Roma-Bari: Laterza, 1992, p. 36-51.
HARRISON, Stephen (Ed.). A Companion to Latin Literature. Malden-Oxford (UK)-Carlton: Blackwell,
2005.
SOLMSEN, Friedrich, “Aeneas Founded Rome with Odysseus”, Harvard Studies in Classical Philology,
90, 1986, p. 93-110.

1 Festus (De Verborum Significatione, in TLL, p. 333, 22-29): Itaque cum Liuius Andronicus bello Punico secundo scribsisset
carmen, quod a uirginibus est cantatum, quia prosperius respublica populi Romani geri coepta est, publice adtributa est ei in
Auentino aedis Mineruae, in qua liceret scribis histrionibusque consistere ac dona ponere; in honorem Liui, quia is et scribebat
fabulas et agebat.
O teatro de Titus Maccius Plautus (254-250 a 184 a. C.)

I – A Comédia Nova grega (Néa), fim do séc. IV e começo do III a. C.


Voltada para a vida privada (a família e o amor), realiza uma sátira dos
costumes e das condições sociais. Em geral, as intrigas giram em torno do
esquema seguinte: um amor contrariado; um escravo astucioso auxilia os
amantes; ao fim, há um reconhecimento, e tudo normalmente acaba bem,
quase sempre em casamento. O coro perde importância, suas breves
intervenções de canto e dança são usadas para dividir as peças em cinco partes. Os principais representantes
desse teatro são Aléxis, Demófilo, Dífilo, Filêmon e Menandro. As obras perderam-se quase todas; contudo,
no século XX, seis peças de Menandro (342-293 a. C.) completas ou bem conservadas vieram à tona –
graças sobretudo à descoberta dos Oxyrhynchus Papyri (Egito).

II – Dados biográficos de Plauto


 Era natural de Sársina, na Úmbria; e seu nome (Maccius) poderia vir da personagem maccus da atellana.
 Segundo Aulo Gélio (Noites Áticas 3.3.14), teria integrado uma companhia de cômicos na juventude e
mais tarde, arruinado, teria trabalhado em um moinho para sobreviver: [...] pecunia omni, quam in operis
artificum scaenicorum pepererat, in mercatibus perdita inops Romam redisset et ob quaerendum
uictum ad circumagendas molas, quae ‘trusatiles’ appellantur, operam pistori locasset.
 Aulo Gélio (Noites Áticas 3.3.14) relata ainda que Plauto, enquanto trabalhava no moinho, teria escrito
três peças que o teriam revelado como poeta: Saturio, Addictus e uma de título desconhecido.
 Deve ter sido ator cômico e atuado em suas próprias peças.
 Viveu em ambiente “baixo” (aspecto refletido em suas peças: situações, caracterização das personagens,
linguagem...).

III – O corpus plautino


Após sua morte, circulavam 130 peças atribuídas a Plauto. Filólogos latinos então procuraram estabelecer
quais seriam realmente do poeta; nessa tarefa, destacou-se Varrão Reatino (116-27 a.C.), que classificou
essas peças em três grupos: 90 seguramente espúrias, 19 de autenticidade duvidosa (incluindo as três
primeiras, da época do moinho) e 21 seguramente de Plauto. As 21 certificadas por Varrão chegaram aos
nossos dias:

Títulos (ordem alfabética) Datação possível (a.C.)


Amphitruo 187 A autenticidade da Asinaria é discutida; a Vidularia
Asinaria 212 chegou apenas em fragmentos (cerca de 120 versos);
Aulularia Amphitruo, Aulularia, Bacchides e Cistellaria, com
Bacchides 188 mutilações. Vinte delas são propriamente palliatae; o
Captiui Amphitruo, por sua vez, constitui um tipo de paródia
Casina 185 mitológica também praticada pela Comédia Nova,
Cistellaria 201 notadamente por Dífilo.
Curculio 193
Epidicus
Menaechmi
Mercator
Miles gloriosus 203
Mostellaria
Persa
Poenulus
Pseudolus 191
Rudens
Stichus 200
Trinummus
Truculentus 192
Vidularia

IV – Modelos gregos: dos autores da Comédia Nova grega, Plauto cultivou principalmente Dífilo e
Filêmon; apesar da ausência de testemunho e dos poucos fragmentos das peças gregas, é possível perceber
que Plauto praticou a contaminatio.

V – Estrutura e características das peças


O discurso cômico compõe-se de diálogos (diuerbia2), recitativos3 (ou cantica, com acompanhamento de
flauta) e passagens de canto e dança (cantica uaris modis4). Os cantica não são atributos do coro, mas dos
atores, que alternam recitações e cânticos, às vezes em uma mesma fala. Plauto praticamente dispensa a ação
do coro; com isso, suas peças adquiriam um aspecto de continuidade com alternância de diuerbia, recitativos
e cantica uaris modis – uma divisão mais clara das peças em cinco atos ocorreu no Renascimento (séc. XV).
Esse desuso do coro fez Plauto ampliar o uso da música na atuação das personagens (provavelmente por
influência da musicalidade do teatro popular etrusco).

Nas peças de Plauto, ocorre:


 frequente passagem do diuerbium ao canticum e uma riqueza de metros;
 linguagem plástica, jogos de palavras e exploração do falar cotidiano, mas não sem estilização literária;
 variedade de ação e de desdobramentos do enredo-tipo da Comédia Nova;
 valorização da personagem do escravo, o verdadeiro protagonista das peças.

VI – Diversidade anunciada

Catiui, Prologus, v. 54-58: Amphitruo, Prologus, v. 50-63:


Profecto expediet fabulae huic operam dare. Nunc quam rem oratum huc ueni primum proloquar,
Non pertractate facta est neque item ut ceterae: post argumentum huius eloquar tragoediae.
neque spurcidici insunt uersus, immemorabiles; Quid? Contraxistis frontem, quia tragoediam
hic neque periurus leno est nec meretrix mala dixi futuram hanc? Deus sum, commutauero.
neque miles gloriosus; Eandem hanc, si uoltis, faciam ex tragoedia
comoedia ut sit omnibus isdem uorsibus.
Utrum sit an non uoltis? Sed ego stultior,
quasi nesciam uos uelle, qui diuos siem.
Teneo quid animi uostri super hac re siet:
faciam ut commixta sit: <sit> tragicomoedia.
Nam me perpetuo facere ut sit comoedia,
reges quo ueniant et di, non par arbitror.
Quid igitur? Quoniam hic seruos quoque partes habet,
faciam sit, proinde ut dixi, tragicomoedia.

2 Em senários iâmbicos: seis iambos.


3 Predominantemente em setenários trocaicos (seis troqueus + uma sílaba), com a possibilidade de uso de outros metros de acordo
com o ritmo da cena.
4 Com ritmos diversos, combinações métricas complexas.
VII – Considerações sobre a obra e a fortuna de Plauto
As peças de Plauto foram provavelmente alteradas por quem as montou entre a morte do poeta e a fixação
do texto por filólogos romanos no final da República. No período clássico, suas peças perderam prestígio:

 Juízo de Horácio (Ars Poetica 270-274): At uestri proaui Plautinos et numeros et


laudauere sales, nimium patienter utrumque,
ne dicam stulte, mirati, si modo ego et uos
scimus inurbanum lepido seponere dicto
legitimumque sonum digitis callemus et aure.

 Juízo de Quintiliano (Institutio Oratoria 10.1.99): In comoedia maxime claudicamus.

O interesse pela obra de Plauto renasceu no século II d.C. Sua influência marcou amplamente o
teatro ocidental.

VIII – Leitura e estudo de peças

As diferentes partes de um teatro romano

1) Scaenae frons
2) Porticus post scaenam
3) Pulpitum
4) Proscaenium
5) Orchestra
6) Cauea
7) Aditus maximus
8) Vomitoria

(Teatro romano de Bosra, Síria)

Fontes bibliográficas principais


BRANDÃO, Junito de Sousa. Teatro grego: tragédia e comédia. Petrópolis: Vozes, 1985.
COSTA, Lilian Nunes da. Mesclas genéricas na tragicomédia Anfitrião de Plauto. Campinas, SP: Unicamp, 2010
(dissertação).
DAMARES, B. Correia. O Mercador de Plauto: estudo e tradução. São Paulo: USP, 2007 (dissertação).
CARDOSO, Isabella Tardin. Estico, de Plauto. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2006.
DUMONT, Jean-Claude & FRANCOIS-GARELLI, Marie-Hélène. Le Théâtre à Rome. Paris: Le Livre de Poche,
1998.
SHARROCK, Alison. Reading Roman Comedy: Poetics and Playfulness in Plautus and Terence. Cambridge:
Cambridge University Press, 2009.
SILVA, Agostinho da. Plauto e Terêncio: a comédia latina. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.
MCDONALD, Marianne; WALTON, J. Michael. The Cambridge Companion to Greek and Roman Theatre.
Cambridge: Cambridge University Press, 2007.
MOORE, Timothy. The Theater of Plautus: Playing to the Audience. Austin: University of Texas Press, 1998.

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