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Chiquinha Gonzaga

Mulher à frente do seu tempo,


foi precursora da música
popular brasileira

Pioneira seria a melhor palavra para definir a trajetória da compositora, instrumentista e maestrina
Chiquinha Gonzaga (1847-1935). Autora da primeira marcha carnavalesca do país (Ó Abre Alas,
de 1899) e a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil, Chiquinha foi ainda a primeira
pianista a compor peças de choro.

Por isso, Chiquinha também pode ser considerada como precursora da música popular brasileira –
algo que não existia quando seu trabalho começou a aparecer, no final do século 19, introduzindo o
samba de roda, o maxixe e o choro no cenário musical do país, até então restrito às valsas, polcas
e tangos, além da música erudita, únicos gêneros tolerados pela elite.

Não bastasse seu talento musical, Chiquinha foi uma mulher à frente de seu tempo. Sofreu as
consequências por não abrir mão de sua liberdade individual e da carreira musical – teve quatro
filhos de dois casamentos, mas sua família não permitiu que os criasse. E ainda levantou bandeiras
políticas impopulares para uma mulher, como o fim da escravidão e o regime republicano.

Chiquinha lutou muito em toda a sua vida e parte das cobranças, humilhações e isolamento a que
foi submetida se deve aos valores rígidos da sociedade patriarcal da época. Filha de um alto militar
da Corte que chegaria a marechal, José Basileu Neves Gonzaga, e de Rosa Maria, mulher parda
de família de alforriados, Francisca Edviges Neves Gonzaga nasceu bem antes do casamento dos
pais – que, por sinal, tiveram como padrinho Duque de Caxias, primo de Basileu.

Chiquinha teve uma infância refinada. Aprendeu português, cálculo, francês e religião, mas gostava
mesmo era das aulas particulares de piano com o maestro Elias Álvares Lobo. Aos 11 anos
compôs a sua primeira obra, uma cantiga de Natal – “Canção dos Pastores” –, e alternava as aulas
de piano acompanhando a mãe nas rodas de lundu, umbigada e de outros ritmos oriundos da
África nos terreiros dos morros.

Casamento forçado
Aos 16 anos foi obrigada pelo pai a casar-se com um oficial da Marinha Mercante, Jacinto Ribeiro
do Amaral. O pai deu de dote ao casal um piano, que Chiquinha desfrutava, para irritação do
sisudo e conservador Jacinto. O casal teve 2 filhos em dois anos de casamento. Foi quando sua
vida virou de cabeça para baixo. Ele passou a obrigar a esposa a acompanhá-lo em suas viagens
embarcadas. Cansada do que chamaria depois de um relacionamento abusivo, Chiquinha decidiu
abandonar Jacinto e voltar para a casa dos pais com os filhos.

A separação foi um escândalo na época. Os pais de Chiquinha ficaram ao lado de Jacinto, que
entrou com uma ação no Tribunal Eclesiástico, acusando-a de abandono do lar. Justamente nesse
período, descobriu que estava grávida do terceiro filho. Tentou uma reconciliação, mas desistiu
após o nascimento da criança e abandonou de vez o marido.

Seus pais a expulsaram de casa e jamais permitiram uma reaproximação. Com 23 anos, sem os
filhos, conheceu o engenheiro João Batista de Carvalho, amigo da família Gonzaga. O casal teve
uma menina, mas quando ela completou 1 ano, Chiquinha saiu de casa, deixando a filha aos
cuidados do pai.

Sozinha e sem apoio, passou a dar aulas de piano e a se aproximar da cena musical para pagar as
contas. Entre 1877 e 1885, justamente quando a má fama de mulher separada ganhava corpo, a
carreira de Chiquinha deslanchou. Primeiro, obteve ajuda do amigo Joaquim Callado, precursor do
choro carioca, gênero do qual  compôs várias peças ao piano, entre elas Atraente, que fez grande
sucesso.

Outro empurrão ocorreu quando passou a trabalhar para o teatro. Em pouco tempo, tornou-se uma
compositora de operetas muito requisitada. Especializou-se em compor maxixes ao piano, um ritmo
saltitante que encerrava as operetas.

Depois de ser recusada por Artur de Azevedo, que procurava um compositor para musicar seu
libreto Viagem ao Parnaso – ele alegou não confiar numa mulher –, Chiquinha conseguiu enfim
estrear como maestrina em 1885, uma novidade que deixou desconcertado o meio artístico e
intelectual da época, pois não havia sequer uma palavra em português no feminino para maestro. 

Fama com Carnaval


Em 1897, fez grande sucesso com sua estilização da dança rural “corta-jaca”, sob a forma de um
ritmo conhecido como tango gaúcho. A composição abalou a alta sociedade por ter sido
considerada chula e grosseira. Mas era muito popular e foi interpretada no violão, em pleno Palácio
do Catete, pela primeira-dama Nair de Teffé, mulher do marechal Hermes da Fonseca. O
engajamento na causa abolicionista tornou Chiquinha  ainda mais famosa e polêmica. Vendeu
partituras para conseguir pagar a alforria de um músico escravizado, Zé da Flauta, e homenageou
a princesa Isabel, compondo um hino para coro e piano após a assinatura da Lei Áurea, em 1888.
Depois, se engajou na causa republicana ao lado de Lopes Trovão, um dos oradores mais
populares da cidade.
No começo de 1899, Chiquinha frequentava o cordão carnavalesco Rosa de Ouro, mais conhecido
por juntar gente do que para dançar as músicas, que em nada lembravam os carnavais de hoje.
“Na rua dançava-se ao som de baterias cadenciadas e entoava-se canções monótonas, bruscas
pela pobreza melódica e sem harmonia”, escreveu Edinha Diniz, na biografia Chiquinha Gonzaga:
uma história de vida. “Valia tudo: cantigas de roda, hinos patrióticos, canções folclóricas, trechos de
óperas, árias de operetas, fados lirós, quadrinhas musicadas na hora e até marcha fúnebre.”

Em uma tarde, enquanto o cordão ensaiava, Chiquinha se sentou ao piano e compôs uma música
inspirada no Rosa de Ouro. Surgiu assim Ó Abre Alas, a primeira canção carnavalesca brasileira,
que nascia como marcha-rancho — só 20 anos mais tarde se firmaria a prática da música de
Carnaval.

Sua carreira se consolidou de vez com Ó Abre Alas. Respeitada, Chiquinha tinha 52 anos quando
conheceu um jovem músico português, João Batista Fernandes Lage, de apenas 16 anos. Discreta
na vida privada, Chiquinha e João Batista passaram a namorar escondidos. Dois anos depois, o
casal partiu para a Europa , onde ela o apresentava como seu filho adotivo. De volta ao Brasil,
passaram a viver juntos (só veio a público seu relacionamento amoroso com o filho adotivo depois
de sua morte, aos 87 anos).

Chiquinha voltaria a fazer história ao musicar a peça de Forrobodó, que estreou em 1912 e bateu
recorde de permanência em cartaz, atingindo 1.500 apresentações. Foi o maior sucesso teatral de
Chiquinha e um dos maiores do Teatro de Revista do Brasil.
Depois se engajou em outra luta, para receber os direitos autorais de suas obras, quando se
deparou com várias partituras suas reproduzidas sem autorização durante uma viagem para
Berlim. Graças à sua mobilização, foi a fundadora, sócia e patrona da Sociedade Brasileira de
Autores Teatrais (SBAT), ocupando a cadeira nº 1.

Chiquinha e João Batista jamais se separaram. Em 1934, Chiquinha Gonzaga escreveu seu último
trabalho, a partitura da opereta Maria. Como maestrina, atuou em 77 peças teatrais, tornando-se
responsável por cerca de 300 composições.

Após a morte da companheira, em 1935, João Batista conseguiu adquirir legalmente um registro
em cartório como filho legítimo de Francisca Edwiges Neves Gonzaga e de Jacinto Ribeiro do
Amaral. João Batista se dedicou a preservar o acervo musical da maestrina até 1961, quando
morreu. Chiquinha Gonzaga, no entanto, seria imortalizada em maio de 2012, quando foi
sancionada a Lei 12.624, que instituiu o Dia da Música Popular Brasileira, comemorado em 17 de
outubro, dia do seu aniversário.

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