Você está na página 1de 20
(eo) id0) (co) a? pe Ps CS eel Oye Feudal Meo medina a religiosidade estava carregada de preocupagées com a proximidade ie fim do mundo. A crenca no Apocalipse vinha de uma interpretagio literal de um dos ‘mais | obscuros textos biblicos, o Apocalipse de Sto Joao. Ali se Ié que, “depois de se consumirem — 1s, Satands sera solto da prisio” para “seduzir as nagdes do mundo”. Um eclipse, um incén- inexplicdvel, pragas agricolas, o nascimento de um bebé monstruoso, a passagem de um cometa no céu, o relato da aparigéo de uma baleia do tamanho de uma ilha na costa francesa, a grande epi- demia de 997; tudo isso era interpretado como sinais claros da proximidade do fim do mundo. Esse pessimismo, no éntanto, estava mee de esperanga com 0 eincate triunfo do Reino cionava c ‘como uma critica social ao que estava estabelecido. Ele ae ter servido para expressar as apreensdes com 0 caos politico que se seguiu 2 desagregacio do Sacro Império de Carlos Magno. depois de “todos os reinos estarem separados do Império Romano, ao qual haviam estado anterior- mente submetidos”. Forte religiosidade, decadén- cia da autoridade central, inva- _ soes, declinio do comércio e da "vida urbana, O feudalism que surgia dessa crise néio era um ‘sistema elaborado por alguma “teoria, mas uma resposta impro- -visada falta de uma autoridade central eficiente. As praticas dai — surgidas nao eram uniformes, -diferiam de localidade para locali- dade e, em certas regides, niio - chegaram a criar rafzes firmes. ve IBUOTHEQUE NATIONALE DE FRANCE 117 Me es a © FEUDALISMO. (Os trabathos agricolas constituiam a principal ativi- dade desenvolvida pelos homens. Terras férteis, ferra- mentas e técnicas adequadas, mao-de-obra abundante ¢ lima favordvel eram garantias de prosperidade ou, pelo menos, de sobrevivéncia para as sociedades humanas, Durante 0 feudalismo, a paisagem européia era es- sencialmente rural. As extensas floresias abrigavam, em Seu interior, espagos quase sem drvores, clareiras mais ou ‘menos vastas, onde se desenvolvia o cultivo da terra. A sociedade feudal ‘A posse da terra passava a definir as diferencas entre 5 grupos sociais no periodo medieval. No topo da sociedade figuravam os clérigos e os nobres, senhores dos dominios que cobriam o territério europeu durante © periodo. A ambos cabia a direcao da sociedade. A sca aga cee vinima lhuminuras do Missal de Londo. sii Os clérigos eram os portadores da tradicao cristi e gens comespondem is alvdads desewosidas nos meses de eerie deviam zelar pela manutencdo de seus principios no mai junho e seembre, no Hemisrio Nor, durante o period seio da comunidade européia. Deviam combater o mal media € 0 pecados com as armas da douttina religiosa Os nobres possufam a diregao militar da sociedade medieval. Empunhavam suas armas contra os inimigos dda {6 cristé ¢ 0s agressores extemos, Muitas vezes, no eentanto, nobres cristos lutavam entre si em defesa da honra — ultrajada pela quebra de algum acordo ou pela ofensa moral a alguma dama— ou pelo desejo de mais terras e riquezas. A direcio religiosa exercida pelos clérigos © a fungdo guerreira dos nobres eram sustentadas pela posse de terras ¢ pela atividade agricola a cargo dos trabalhadores. A Igteja era a maior proprietéria de terras no periodo e seu patriménio no cessava de crescer. Seus dominis ‘no eram divididos em heranga. Ao contrario, 0s nobres comumente deixavam parte de seus bens (em geral pores de terra) para a Igreja em testamentos, procurando, com a caridade, a salvagao de suas almas. J a nobreza precisava de recursos para a aquisicao de suas armas (espadas, escudos, armaduras, etc.) ecave los, Terras e camponeses exam indispensaveis para a vida desses guerreiros. Quanto maior fosse a capacidade n- litar de um nobre, tanto maior sua possibilidade de conquistar mais dominios. A guerra constituia, portanto, una forma regular de atividade econémica no feudalismo. Em fungio disso, desenvolveram-se no interior da nobreza relacdes de subordinacao pessoal e compromisss litares reciprocos. Desde o século IX, através de um acordo denominado contrat feudo-vassilico, nobis poderosos cediam a outros, em troca de auxilio militar, alguns beneficios, em geral terras, para que estes pudesen garantir seu sustento e sua condigao social. © nobre que cedia 0 bem passava a ser designado por suserano. Aq due recebia o feudo e obrigava-se a prestar auxilio militar a seu suserano chamava-se vassalo. Dus Com a difusdo das relagbes feudo-vassalicas © poder do rei enfrequeceu. Cada um dos senhores feu- dais comportava-se como se fosse um rei em suas ter- tas, exercendo fung6es politicas, uridicas e administra~ tivas. Por outro lado, apesar de ser considerado 0 se- hor de todos os senhores, o monarca era apenas mais tum senhor feudal. Na prética, seus poderes restrin~ giam-se aos seus dominios. tnica instituicdo com ele- vado grau de centralizacéo era a Igreja, muito po- derosa na época, Uma noite de banquete medieval. Numinura da Histoire D’Olvier de E Casi, séulo XV, Abaixo dessas duas ordens sociais, a dos sacerdotes ¢ dos guerreiros, figuravam todos os trabalhadores (servos, artesdos, pequenos camponeses € comerciantes), social ¢ politicamente submetidos aos detentores de terras. Formavam a imensa maioria da populagio e eram encarregados de todas as atividades manuais necessdrias & sua sobrevivéncia € ao sustento da nobreza e do clero. © controle da fé € 0 controle das armas garantiam & nobreza e ao clero 0 poder sobre os demais grupos sociais do periodo. A divisao social (clero, nobreza e trabalhadores) ¢ suas respectivas fungdes (oracdo, guerra e trabalho) eram justificadas como um ordenamento sagrado esclarecido a toda a sociedade por aqueles que se definiam como 08 intermedidrios entre Deus os homens: 0 clero, Os trabalhadores deviam obediéncia a seus senhores guerreiros.. ‘Ambos deveriam estar subordinados a vontade de Deus transmitida pela Igreja. [0 senhorio 0 senhorio (ou dominio) era o tipo predominante de organizacao ‘econdmica durante a Idade Média. Dividia-se em trés partes: a reserva senhorial, 0 manso servil ¢ as terras comunais. Na reserva senhorial, loca- lizavam-se os principais terrenos cultivaveis, os moinhos e os celeiros para 0 grdos, e outros componentes complementares a economia senhorial: as oficinas artesanais, os fornos e os estabulos. O castelo, que servia de mora- da para o senhor e de protecao para os trabalhadores, completava © cenario da reserva senhorial, cuja produgao pertencia integralmente ao possuidor do dominio. A segunda parte da reserva era dividida em pequenos lotes de terra denominados mansos servis. Cada unidade era concedida a uma familia de camponeses, que devia, por essa concessao, uma série de obrigacGes ao senhor do dominio, como o trabalho na reser- va senhorial e a entrega de parte da producao realizada no manso. Tais obrigacdes variavam de acordo com a situacdo social dos camponeses. Alguns, juridicamente livres, deviam apenas parte de sua produgo a0 sé- nhor. Mais comum e caracteristica dessa sociedade era a situacSo dos ser- 5 vos, trabalhadores que nao podiam deixar seus pequenos lotes de terra E ‘sem autorizacao do senhor e sobre os quais recaiam mais pesadamente as imposigdes senhoriais. Por fim, nas terras de uso comum pelo senhor e pelos camponeses, localizava-se a area destinada pastagem e os pe- $ quenos bosques, de onde se retirava lenha e onde se praticava a caca. A. economia tendia a auto-suficiéncia, ou seja, cada senhorio procurava pro- G Ta referente ao més de outubro das. duit ‘todos os itens necessérios 4 sobrevivéncia humana: alimentacao, ves- Rus boras do duque de Berry, 0.1435. tuario, armamentos e utensilios. 9 Tempo e poder © dominio da Igreja também era garantido por meio do controfe do tempo. O homem era interns natureza assustadora ¢ incontrolada, cujas forgas desconhecidas o aterrorizavam, pondo-0 em situaig ye % ns interpretaes religiosas 0 fortaieciam, equlbrando sua posigao em relagdo a0 mundo natural ido ao tempo religioso. ™ a da humanidade dividia-e ery duas etapas: antes © depois 4, do Salvador. O ano era arientado segundo os principais atos do drama do filho de Deus (Natal, Quaresmy Pi © pelos dias de santos. O dia também tinha suas subdivisées baseadas na vida de Cristo. Eram as horas linge, durante as quais deveriam ser realizadas rezas ¢ entoados cantos sagrados. A marcacio das horas era da Fepique dos sinos, que convocava para os oficios tcligiosos e reforgava o principal objetive dos homens meg a salvacio da alma, Para eles, motivados por um profundo sentimento religioso, cada uma das horas e Fico simbolismo ¢ um ritual litérgico repetido diariamente nas igrejas e mosteiros. A lembranga do auxilio q num mundo hostil trazia seguranga as comunidades cristas. A meméria do Salvador realizava-se pela fepetie: Cotidiana do ritual ¢ pelos significados que conferia ao tempo. dos contrastes da natureza era assim subordit De acordo com o tempo religioso, a hist O casamento BUOTECABATANCA LOND O casamento cristao representa, desde os tempos medievais, uma das mais profundas formas de dominacio socal Desde enti, tratava-se de restringir 0 comportamento sexual e controlar a reprodugéo da comunidade, em todos os seus niveis. 0 matriménio péblico, dirigido pelo padre, salientava o carder sagrado das relacbes sexo-socias,levando-as pa muito além da esfera de deciséo das individuos envalvidos.A béncBo matrimonial eo estabelecimento de um contrato ‘opunham-se-ao concubinato. O casamento inscrevia-se no cotidiano medieval como uma pratica disciplinadora das dveses cordens, sobretudo da nobreza, O adultéro era seu contraponto.Sigificava o desregramento moral do tecido social ea po. sibilidade da pulverizacéo de bens, contida pelas proibicies de legados e doacBes a amantes. Para a nobreza era necessin controlar 0 comportamento feminino, porta de entrada para aventuras cavaleirescas, admitidas apenas de maneia simbi. ‘ nos jogos de amor cortesaos. Por outro lado, juntamente com a querra, as aliancas matrimoniais constituiam meio de ampliagéo das propriedades senhoriais e mesmo de incorporacao de reinos e principados. 120 A partir do controle do tempo, a Igeja definia acées e comportamentos. Nos periodos considerados mais saprodos, ‘como a Quaresma, era proibido 20s nobres qualquer tipo de luta contra crstaos, sob a ameaca de excomunhao, Fra a chamada “trégua de Deus” que procurava, assim, restingir as mortes e pilhag ns provocadas pela acio guerreira da nbreza e submeté-Ia ao cleo, Hava poucos mites para a ago da greja. Durante 2 Quaresma,considerada ur tempo de peniténcias ¢ ora¢Ses, até mesmo as priticas sexuais eram proibidas, inclusive para aqueles Iegitimamente Casados. ‘Além do clerical, uma outra forma de tempo, um outro ritmo de vide comecau a formar-se na Europa, partir do século XI, Com 0 ressurgimento das cidades. Era © tempo da producao artesanal, das tocas cometciats, do 12 balho assalariado. Tempo dos negécios e do trabalho urbana, que requeria maior exatiday, maior precisa. Nos séculos XIV e XV, 0s primeiros relégios mecanicos comegaram a espalhar-se pela Europa e popularizou-se a divisao do dia em 24 horas. O tempo leigo, dos rcldgios das torres © dos significado priticos, comecava a afirinar-se pe- rante o tempo religioso dos sinos das igrejas,repleto de significados misticos. A agricultura, 0 comércio e as cidades Apesar da tendéncia a auto-suficiéncia dos senhorios, as atividades mercantis nunca cessaram completamente. {As trocas efetuavam-se em feiras,estabelecidas em geral nas proximidades de castelos, também chamados de bur- gos. Com a permissfo da aristocracia senhorial, as feiras podiam instalar-se ¢ até recebiam protecio em troca de taxas e tributos pagos aos senhores. Restritas a determinados locais e de freqiéncia irregular, as transagGes comer- ciais garantiam 0 abastecimento de géneros fundamentais, que nao exam produzidos em todas as rex sal e 08 melais —, ou de artigos de luxo consumidos pela aristocracia. A paz vivida na Europa a partir do século XI, com o fim das invasdes dos vikings, muculmanos ¢ hiingaros, favoreceu as atividades comerciais. As rotas terrestres & mari Bes — como 1as tornaram-se menos perigasas. A diminuigao da mortandade forneceu um maior nimero de bracos para os trabalhos agricolas, 0 que, num primeiro momento, representou um crescimento geral da produgao. A Europa vivia uma expansio feudal. Novas técnicas permitiram melhor aproveitamento das terras agricolas, como o emprego da charrua, um arado de ferro que, pelo seu peso, cortava profundamente o solo, permitindo o cultivo inclusive dos pesados solos Gmi- dos do norte da Europa, que ofereciam grande resisténcia ao arado leve. Outro progresso foi a invengio da coatheira — arrcio em forma de coleira para os cavalos, ao qual se atavam as pecas do arado. © velho arreio de tipo canga era usado com vantagem nos bois, mas costumava sufocar 05 ¢a- valos. Como 0s cavalos se movimentam mais depressa e tém maior energia do que 0s bois, sie mais valiosos no trabalho agricola. Duas outras invengSes, © moinho d’agua ¢ © moinho de vento vieram facilitar a moagem do gra ¢ contri- butram para uma maior producao agricola. ‘Além disso, 0 aparecimento gradual do sistema de agricultura conhecido como dos trés campos, particular- mente no norte da Europa, fez crescer a producao. No sistema de dois campos, adotado anteriormente, metade da terra era cultivada no outono com 0 trigo de inverno, enquanto a outta metade ficava em repouso, para recuperar a fertlidade. Com 0 novo sistema, um tergo da terra era plantada no outono com 0 trigo do inverno, um segundo tergo era plantado na primavera seguinte com aveia e legu- mes, € 0 terceiro terco ficava em repouso, As vantagens do sistema de trés campos estavam na maior diversificagao dos produ- tos @ no fato de dois tergos da terra serem cultivados. Essas inovagées, que s6 foram utiliza~ das gradualmente, aumentaram acentuada mente a producao e, com ela, a populacao. Aexpectativa de vida saltou de 25 anos, na Roma Antiga, para 35 anos, no mundo feu- dal. Entre os séculos X @ XIV, a populagao da Europa saltou de 20 mithdes de habi- Qmoinho de vento, laminar de uns manner francis do Romano de lexan, lantes para 54 milhides. ‘séalo XI : ERODUCAC 121 A maior produgio agricola reduziu o niimero de mortes provocadas pela fome e pelas doencas eficiéncia alimentar. As terras agricolas de uma aldeia senhorial jé nao eram capazes de abastecur 6m Crescimento. Em conseqiiéncia, os camponeses tiveram de colonizar terras virgens. Os senhores prop transformacao de dreas selvagens em teras agricolas porque Ihes aumentava a renda. As Comunidades mee também se dedicaram com afinco a essa empresa, Seus esforcos, nos séculos XI XI, desbravaram pary 9." vastas dreas do continente europeu. O progresso na tecnologia agricola © a colonizagao de novas terras modificaram as condigbes de Europa. As trocas ocasionais comegaram a tornar-se mais constantes,transformando alguns pontos de enc, Ccomerciantes ¢ feiras em cidades, locais permanentes de transaces comerciais. USA ° Pops 0 Cu 7 Vida Ont | Aide medieval de Careassone (Fran) eu duplocinturo de murals. ‘Além de verdadeiras aglomeragdes de comerciantes, as cidades desenvolveram também os diversos ramos do ans. ssanato e tora uma série de servicos para receber e alojar os negociantes. Um provérbio medieval dizia: “O ar das cidade traz a liberdade". De fato, encravadas no mundo feudal e resultantes do desenvolvimento dessa economia, as cidades acabaram por acelerar as alteragées sociais do periodo. A vida urbana atraia parte dos trabalhadores rurais, estimulandy a fuga de servos e 0 estabelecimento de artesios. Pelo costume da época, todo servo que permanecesse um ano e um de em determinada cidade, sem que seu senhor 0 reclamasse de volta a0 seu dominio, passava a ser consideradbo live. trabalho livre assalariado comecava ent3o a se desenvolver, minando um dos pilares da sociedade feudal A vida nas cidades Os habitantes das cidades eram conhecidos como burgues fortificados que circundavam 0 espago urbano, denaminados forisburgos. Bangueitos, mascates, artesdos ¢ grandes comerciantes criaram associagBes, as comunas, que representavin formas de ago antagonicas daquelas que norteavam o clero ea nobreza. Muitas comunas, sob o comand de cs comerciantes, procuraram obter sua liberdade de organizacao. Por meio da compra de cartas de franquia ou mesmo de lutas ¢ rebelides, os burgueses conseguiam administrar suas cidades ¢ restringir (as vezes, até impedir) aint feréncia dos nobres. O poder politico das cidades era exercido pela participagao dos cidadios em assembléias,con poder de deliberar e de eleger os ocupantes dos principais cargos acministrativos, ‘Muitos reis europeus apoiaram os movimentos comunais. Apesar das perigosas idéias de igualdade e pat pacio politica que circulavam ¢ eram postas em pratica nas cidades, estas constituiam-se em potenciaisaliadaspa © fortalecimento do poder monérquico. Mas a oposi¢ao entre a nobreza e a rica burguesia mercantil comecoua , em Fazio de viverem sob a protecio de mus 122 ser enfraquecida pelo contato social. Em algumas reyides,sobretudo na Peninsula iilica, aobres participavam de cempreendimentos comerciais ¢ atividades bancérias e transferiam sua residéncia para as florescentes cidades. De outta parte, comerciantes enriquecidos desejavam ingressar nas fileiras da. nobreza e desfrutar do prestigio © dos prvilégis sociais da aristocracia senhorial. O casamento tomava-se a via de acesso possivel. Familias nobres em gificuldades financeiras permitiam o matsiménio de seus membros com plebeus ricos Ascensao da burguesia Mais significativa era a ascensio da burguesia pela compra de propriedadles senhoriais e titulos de nobreza. Sinal miximo de prestigio social, a terra continuava a ser o bem mais valioso dessa sociedade. Transcorridos alguns séculos, parte desses dominios e titulos de nobreza (barao, duque, conde, ete.) passaram a ser comprados por burgueses. Uma maior mabilidade social acom- panhava as transformagoes sociais, decorrentes da intensificacao das atividades mercantis ¢ da afirmagao da mentalidade burgue- sa, entdo em curso. Mas seriam necessérios ainda alguns séculos para que a burguesia assumisse 0 controle da sociedade européi ¢ impusesse a sua maxima: “tempo ¢ dinheiro”. ‘As cidades tornaram-se também centros de intensa produgio intelectual. As atividades urbanas requeriam novas habilidades ¢ conhecimentos dos homens medievais. Ler, escrever e calcular exam indispensaveis & pratica do comércio. As novas estruturas politicas, as disputas entre as cidades, os poderes senhoriais e os interesses dos monarcas levaram a uma intensificagao dos estudos juridicos. As cidades ofereciam desde o ensino mais elementar até ‘0s altos estudos universitérios. As linguas vulgares comecavam a ser utilizadas como meio de comunicagao escrita e, em pouco tempo, dariam origem aos idiomas nacionais (francés, inglés, castelhano, portugues, etc.) Uma alteragao da sensibilidade artistica comegou a pronunciar- se no século XIII, com a valorizagao da cultura classica (greco- romana), do racionalismo e do espirito critico, ameacando controle da Igreja. O desenvolvimento da nova cultura cor- respondia as necessidades da burguesia de se afirmar no interior de uma sociedade dominada pela cultura clerical. Desde cedo, ricos comerciantes, denominaclos mecenas, patrocinaram os artistas humanistas. Além do prestigio politi- co que adquiriram no interior das cidades, esses comerciantes contribu‘ram para a formacdo de um movimento cultu- ral alternativo ao clerical, conhecido por Renascimento, que atingiu seu apogeu nos séculos XV e XVI. REPROD Biblioteca Nacional, Pars. 1. Como a preponderdncia agricola condicionava o cotidiano e 0 imaginério do homem medieval? 2. “Aqui embaixo uns rezam, outros combatem e outros ainda trabalham.” Como vocé interpreta essa frase do século XI, proferida por Aldaberon, bispo de Laon? Pode ser aplicada ao feudalismo? Justitique. 3. Qual era o bem mais importante da sociedade feudal? 4. Leia o pequeno trecho extraido do livro Para um novo conceito de Idade Média, do historiador francés Jacques Le Goff, e depois responda as questées. “O conflito entre o tempo da Igreja e o tempo dos mercadores afirma-se pois, em plena Idade Média, como um dos acontecimentos maiores da histéria mental destes séculos, durante os quais se elabora a ideologia do mundo moderno, sob a pressdo da alteragiJo das estruturas e das priticas econdmicas.” a) Explique a afirmagio: “A economia feudal tendia & auto-suficiéncia® b) Quais eram as diferencas de concepgdes mentais entre os burgueses e os cl 123, sei Oi om Hi, quando estamos em algum lugar agradivel, desfrutando de boa comida, bem acompanhad, feria, usamos a expressio: isto & um paraiso! Pois hem, se para nds essa ¢ mais uma forma de demonstrat sa ara os homens medievais era uma verdadeira obsessio. Analise por alguns instants a reproduc abaixo, was de um manuscrito da época: “ © homem medieval vivia um grande sonho col, ingressar no Paraiso Terrestre c desfrutar de suas dei ‘A profunda religiosidadle fazia com que o sentido day humana fosse compreendido como a busca da salva da alma. Tratava-se de uma idéia de restauracao: rests, lecer a harmonia entre os homens e Deus, quebras, desde a expulsio de Adio e Eva do Jardim do Eden, ‘Apesar de toda a religiosidade que envolvi sociedade da época, recuperar 0 intimo contato cop Deus também tinha motivaces materiais. O crescines, to econémico verificado a pair do século XI nao ata, lara a ameaca de fome e desnutrigao que sempre ton dara a vida dos camponeses. Perturbacies naturais, 9 Ihagens promovidas por cavaleiros e ineficientes cos digGes de armazenamento e conservacao de aliments tornavam a sobrevivéncia incerta e insegura. As prec rias condicées de subsisténcia dos trabalhadores est mulavam-thes 0 desejo de fartura e de abundancia A combina ao dessa mentalidade religiosa com a misGria ¢ a inseguranca material fortalecia a imagem de qu a solucdo para a vida humana encontrava-se no Parafso. A principal descricZo dessa primeira morada do homer, segundo 0 cristianismo, esté no Génesis. Muito difundida durante o periodo medieval, ela continua a alimentar; imaginaao humana até os dias de hoje. ‘BELOTECAEAITANCA,LoNDRES Claustro do Mostiro det. Tophime es, Panga. Hastago do ma- nusrito Roman de la Rose, séelo XN. 1 i: mater cerra avert, de oor aradivel. usado em puma, | 124 —~ z= SS deu 20 homem este mandamento:‘Podes comer de todas as dry ‘do mal no comers, porque no dia em que dela lahweh Deus disse: "Nao é bom que o homem esteja s6. Vou fazer iliar que Ihe corresponda’. lahweh Deus mo- delou enti0, do solo, todas as feras sage tte Sa aatate reo cas tone para ver como ele a5 chamaria: cada qual devia levar 0 nome que o homem the desse. 0 homem deu nomes a todos os animals, as aves do céu a todas as feras selvagens, mas, para o homem, ndo encontrou a auxliar que Ihe correspondesse. Entao lahweh Deus fez cir um torpor sobre o homem, ¢ ele dormiu, Tamou uma de suas costelas e fez crescer carne em seu lugar. Depois, da costela ‘que tirara do homem, lahweh Deus modelou uma mulher e a trouxe 20 homem. Entdo o homem exclamou:'Esta, sim, & oss0 de meus 0:50 ecame de minha camel Ela seré chamada ‘mulher, ‘porque foi tirada do homer!" Por isso um homem deixa o seu pai e sua mie, se une & sua mulher, e eles se tornam uma s6 carne. (a, 0s dois estavam nus, o homem e sua mulher, e ndo se envergonhavam." ores do jardim. Mas da drvore do conhecimento do bem € ‘comeres teras que morrer’. 2,825.4 Bla de sali So Pal Pais 1985. Pelo fato de a imensa maioria da cristandade ser composta por iletrados, os detalhes do Paraiso Terrestre eram propagados pelo clero cotidianamente em Iinguas vulgares. Possuidores da cultura escrita e, portanto, do acesso a Biblia, os sacerdotes cristdos transmitiam seus ensinamentos principalmente através da palavra, nos sermes © pre- gacdes realizados nas missas e festas religiosas. Gravuras, pinturas, vitrais ¢ esculturas também ajudavam a veicu- lar as mensagens eclesidsticas numa sociedade em que a leitura era um privilégio de poucos e uma das principais fontes do poder da Igreja. O desejo ardente de ganhar 0 Reino dos Céus e interromper os softimentos mundanos encaminhou © homem medieval a duas diregdes. Na primeira, a conquista do Reino Eterno seria realizada apés 0 Juizo Final, ¢ 08 justos seriam erguidos para 0 mais alto ponto do universo celestial, morada de Deus. Nao se tratava exatamente do Paraiso perdido, mas de uma nova morada, uma cidade, a Jerusalém Celeste, que abrigaria a humanidade libertada do pecado pelos ensinamentos de Jesus Crist. = z= 7 No entanto, muitos praticaram um tipo de devogio fos mosteltpsieiolbaraisa mais concreta, que muitas vezes ultrapassava os limites cay estabelecidos ou pretendidos pela Igreja. Aguardavam 0 Reino Eterno, mas procuravam na Terra alguma forma de recompensa imediata para sua {6 Durante o periodo medieval, a busca de objetos sagrados, tiimulos € restos moras de apdstolos e santos tornou-se pratica regular. ‘As peregrinacGes a lugares sagrados significavam sacri- ficios (tarefas sagradas) que podiam, pelo desejo inten- So, antecipar a salvagio dos figis. Assim, 0 cansago das viagens, os perigos, as privacdes, os flagelos, em suma, todas as dores vividas pelo peregrino eram tidas como imitagdo do sofrimento de Cristo, que levaria ao 1 de Deus por estradas bem materiais ‘Claustro do Mosteiro de St. Trophime, Arles, Franga. As Cruzadas Transpor as florestas por caminhos mais ou menos ‘O lugar terreno do Paraiso seria, entdo, essencialmente arise alos acabou por lancar os andarilho e Sinbblcg O patentee dos morteros 0 daustro sig, SCs acabou por langar os andarilhos medievais Kira mayer do Eo0n. Os uation dos monaea denomina, es woneeias da critandade Para além dos dominios doe ple itaamse para interior dos mosters, para “T40s exitia uma diversidade de povos pagios e os 5s jardim intema, signiticando,simultaneamente a reau- | “iiGis” muculmanos. Nao haveria maior prova de fé 52 do mundo ao qual davam as costas e a missao de que enfrentar tais inimigos. (uardises do Paraiso. Tal representagéo simbélica, como Por trigica ironia, a Palestina, a regido mais sagrada facimente se pode deduzir reforcava ainda maiso papel da | para os cristios, estava sob dominio mugulmano desde Jgreja como intermediria entre os homens e Deus. © século VII. Grande parte dos acontecimentos descritos = Pelo Antigo Testamento transcorreram na Palestina, As lutas dos judeus contra seus inimigos; sua vol Origem apés o cativeito no Egito; as novas castigos impostos por Deus; a conquista da cidade de Jerug,ya" babilnios; a dispersio dos judeus pelo mundo e a promessa de um retomno definitivo Terra Prometida g.”, brancas guardadas pela Biblia ¢ transmitidas pelo clero aos cristius. Ali também havia transcorrido praticamesc 0 drama da vida de Cristo, desde seu nascimento em Belém at em Jerusalém. Muitos giam-se 3 Terra Santa para conhecer ¢ adorat a regio onde Cristo teria vivido, Outeos, participantes de veqq Peregrinacdes armadas, as Cruzadas, procuraram conquistar pela forga das armas os lugares dlesejados poly yz a-crucitica A dines ened ita pegs medieval, uma srie de outras motvages este trds das expedicées armadas com desting 5 f= Santa relizadas entre os séculos Xe Xl: ct das rotas do cométcio com o Oriente, 2 casas, tease quer, posbildadedoforlecmeng poder dos monarasfeudaise a amplaco dope da lreja Além disso, as Cruzadas export pa além das rontirasdacistandade duas fonts dena sao social: as camadas empobvecidas e das, que potiam envolverse em revolts populares : : heresias, e 0s representantes da pequena hamlet Vie r ‘que, desprovidos de teras ou detentores de pour, wets in recursos, viva da pihagem a senhorose do asa = weve 2 comunidades camponesas. Foie: ABLOQUEICUE, Manos Maio de 2 Atha ely. 8 Bo L ela 8p, ‘Ao mesmo tempo em que realizavam as peregrinagées & Palestina, os cristos mantinham-se atraidos pelas im gens de abundancia e beleza do Paraiso Terrestre propagadas pela Igreja. A terra de onde fluriam rios de lete ¢ me também possuiria a Arvore da Vida e a fonte da juventude, que impeditiam a morte e o envelhecimento, além & Ouro, prata e todas as pedras preciosas em quantidades extraordinarias, As descticdes biblicas faziam acreditar qu: © Eden se localizava sobre a mais alta montanha do Oriente, num ponto prdximo & Palestina. Para alguns, a mon tanha que sustentava o Eden era to elevada que chegava a atingir a esfera da Lua e teria assim ficado a salvo d; destruigao provocada pelo Dilivio biblico. Outros fixavam a localizagio do Paraiso em alguma ilha fantéstica, Parada dos homens por aguas perigosas e assustadoras. De uma ou outra forma, a obsessio pela materialidads desse lugar sonhado traduziu-se em expedicdes e em relatos dle viagens que despenavam grande interesse em todo, 08 niveis da sociedade medieval, dos mais humildes camponeses até os mais poderosos membros da aristocracy senhorial. Mais do que simples fantasias ou deliios de uma sociedade extremamente religiosa, as represertacie, do Paraiso continham os desejos ¢ as expectativas dos homens medievais. Muitas vezes, por tras dessas descr, havia criticas & sociedade da época | 0 Paraiso de Sa0 Brando Entre os séculos X e XY, circularam pela crstandade cerca | de 120 manuscits a respeito das viagens de So Brando. 0 | abade irlandés teria desafiado o temido Oceano Atlético em | busca da suprema gléria de encontrar o Paraiso em uma emibar- | cagéo feita com couro de bol, entre 565 e 573. Durante 2 | viagem, o abade e outros monges deparam-se com todo tipo de ‘animais marinhos e fantésticos:baleia,serpente, gif, dragSo | e.uma congregacgo de monstros marinhos. |___ Antes de chegar ao Paraiso, os viajantes percorrem ifhas fantasticasrepletas de riquezas, enfrentando tormentas e ten- ‘tages demoniacas, sempre apoiados pela fé em Deus. [...] Em ‘erras infernais, encontram o diabo e o apéstolo Judas, este ainda sofrendo por sua traicdo a Cristo. 2 ato: animal com cab de ga egaras de fa 126 flores So Bondo retmarcom peas press, ou | As viagens do santo estimularam a imaginacao de vi tgrafos. Muitas expedigbes foran eae do século XV com 0 obj de ecb haendia,Deeminas thse ss been dens pas re sua localiza¢ao, 20 norte do Atlantico ou préximo as ilhas Canarias, unto do Equador. Em alguns casos, o lugar foi represen ‘ado por um arquipélago denominado Bracir, ett 3 para desona has afrtunadas: escat Stimologicamente aparentado do idioma idandés, que teria uma ‘expresso L ‘A capacidade imaginativa do homem medieval levou-o a elaborar diversos outros lugares fantasticos, na maio- ria das vezes situados no Oriente, Reinos misteriosos e exéticos, ilhas repletas de riquezas e seres estranhos, povos que praticavam canibalismo e mantinham todo tipo de relagées sexuais eram temas de relatos de viajantes que haviam transposto os limites da cristandade. Por exemplo, no século XII, entre a segunda e a terceira cruzadas, comecaram a circular na Europa noticias sobre um rei-sacerdote cristo, possuidor de um rico e poderoso reino situado na india. O Preste Joao, como era chamado, estaria combatendo os muculmanos a partir do Oriente e teria quase chegado a conquistar a Terra Santa. ‘A proximidade com as terras do Paraiso fazia com que predominasse no reino um ambiente de paz & harmonia, onde se guardavam reliquias sagradas e onde havia uma fonte da juventude que impedia o envelhecimento € pro- porcionava satide aqueles que bebessem de suas Sguas. As especiarias e os mistérios do Oriente Mas nao eram apenas 0 fascinio do Paraiso e a mistica da peregrinag3o que motivavam os europeus a empreen- derem viagens para além da cristandade. Muitos viajantes desejavam obter mercadorias que eram raras na Europa, valiosas 0 suficiente para compensar 0s riscos enfrentados nas expedicdes. As especiarias, como eram conhecidas, comecaram a penetrar nos mercados europeus com maior freqiténcia a partir do século Xill, vindas dos mais dis- tantes pontos do Império Mongol. O comércio oriental manteve-se relativamente regular até o final do século XIV, sendo interrompido com a derrocada do Império Mongol e 0 avango dos turcos sobre a Asia Menor, que culminaria com a conquista de Constantinopla em 1453. Trazidas por comerciantes de diversas cidades italianas, as mercado- rias orientais vinham acompanhadas de informagées e relatos sobre o Oriente. As motivagGes materiais cami- nhavam lado a lado com as representagies imagindrias. ROTAS DAS ESPECIARIAS E O IMPERIO MONGOL ‘oceaNo ATLANTICO Ceuta iN S Ei \ Dearne } \ oceano a) ombud acco ESCALA > oss das expeivns seX0V) " i 1016 2032km edo pio Mongol te. XI ert: pada Se MUGEMAN rare KNDER Ferman. sitar Geotey. Ath ero “a 3 ic infnidade de tribos Em torno do século XI, 0s mongéis eram um povo némade, dividido por uma i le localizadas a, tc In sab sine conve gue cg moe Se eee Conferiram autoridade suprema a um de seus mais valorosos guerreis, proclamando-o Géngi {ote et ‘A estruturaéo da nagao mongol combinava uma rigida fidelidade ao Grande Khan com uma ampla tolerénci re | que permitraabrigar, sob a autordade do soberano, um vasto leque de expresses religiosas. Mas 0 ingredient

Você também pode gostar