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O papel do tamanho da família na

escolaridade dos jovens*

Letícia J. Marteleto**

Os jovens brasileiros estão dividindo recursos familiares com menos irmãos


e passando mais tempo em famílias intergeracionais. Por exemplo, os jovens de
14 anos nascidos em 1963 tinham, em média, 5.4 irmãos, enquanto que os
nascidos vinte anos depois tinham, em média, 2.3 irmãos. O objetivo deste trabalho
é examinar como o tamanho da família afetou a escolaridade de coortes de
jovens nascidos pré e pós-transição demográfica. A transição demográfica
beneficiou o jovem, contribuindo para aumentar seu nível de educação formal?
Tal impacto ocorreu de forma diferente de acordo com o sexo? Os dados das
PNADs 1977 e 1997 são utilizados com o objetivo de responder a estas questões.
Resultados das análises multivariadas são utilizados para simulações e
decomposições. O trabalho demonstra que o grande número de irmãos dos
jovens da coorte mais velha colaborou para seus baixos níveis de escolaridade.
Em contrapartida, as famílias menores da coorte mais jovem contribuíram para o
aumento dos anos de escolaridade da década de 90. A redistribuição de jovens
em famílias menores explica grande parte da melhora na escolaridade, mesmo
quando determinantes tradicionais da escolaridade são considerados. As jovens
apresentam índices mais altos de escolarização que os jovens, além de serem
menos penalizadas por estarem em famílias grandes. Na seção final do trabalho
são discutidas implicações para políticas que visam ao bem-estar do jovem
brasileiro, além de temas para futuras investigações.

1. Introdução

O objetivo deste trabalho é examinar aumento da escolaridade das coortes mais


como o tamanho da família 1 afetou a jovens se deve a mudanças na influência
escolaridade de coortes de jovens nascidos do número de irmãos (associação), ou a
em duas épocas muito diferentes, pré e mudanças na proporção de jovens vivendo
pós-transição demográfica. A transição em famílias menores (composição)?
demográfica beneficiou os jovens brasi- Evidências empíricas de estudos em
leiros, contribuindo para aumentar seus vários países estabeleceram uma forte
níveis de educação formal? Se tal impacto associação negativa entre escolaridade
existiu, deu-se de forma diferente de acordo e medidas de bem-estar da criança e do
com o sexo do jovem? Além disso, o jovem, tais como saúde, sobrevivência e

*
Versão preliminar deste trabalho foi apresentada no Encontro Anual da PAA, Population Association of America, 2001 e no
Encontro da IUSSP, International Union for the Scientific Study of Population, 2001. Pesquisa financiada, em suas várias etapas,
pelo CNPQ, Capes, Spencer Foundation e Population Council. Agradeço a David Lam, Heather Branton, John Knodel, Pam Smock
Rachel Lucas, Yu Xie e ao parecerista da RBEP por comentários. Agradeço também a Felipe Almeida Cabral, Raquel Matos e Vítor
Felipe Miranda pelo excelente trabalho de assistência à pesquisa. Erros e omissões são responsabilidade da autora.
**
Professora colaboradora do Departamento de Demografia e pesquisadora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento
Regional (CEDEPLAR) da Universidade Federal de Minas Gerais, através do Programa PROFIX/CNPq.
1
Os termos “tamanho da família” e “número de irmãos” são usados como sinônimos, seguindo outros trabalhos na área.

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educação formal. Um menor número de à educação formal. Na seção seguinte, são


filhos pode implicar um aumento da apresentados os dados e metodologia. Por
oportunidade das famílias de oferecerem fim, são discutidos resultados e posterior-
melhores níveis educacionais para cada um mente conclusões.
de seus filhos. As hipóteses de diluição de
recursos (dilution of resources hypothesis) 2. Revisão Bibliográfica
e rivalidade entre irmãos (siblings’ rivalry)
têm sido explicações importantes para a Segundo a hipótese de diluição de
existência da relação inversa entre tamanho recursos — dillution of resources hypothesis
da família e escolaridade dos filhos em — crianças e jovens com muitos irmãos
países desenvolvidos (Becker 1981; Blake estão, geralmente, em piores condições em
1989). De acordo com estas teorias, relação a vários aspectos como sobrevivên-
recursos familiares para cada filho cia, nutrição e desempenho educacional,
diminuem com o aumento do número de dentre outros (Blake, 1989). Um maior
crianças, afetando o desempenho edu- número de irmãos diminuiria o tempo e os
cacional individual (Blake 1989; Becker e recursos dos pais investidos em cada filho.
Lewis 1973; Becker 1981). Apesar destas A diminuição destes recursos financeiros e
abordagens, alguns estudos têm gerado de apoio pessoal para cada filho influencia-
dúvidas na generalização da relação ria negativamente o seu desenvolvimento,
negativa entre tamanho da família e incluindo seu desempenho educacional
escolaridade dos filhos. Alguns trabalhos (Blake, 1985; 1989). Filhos cujos pais
apresentam relação inversa ou resultados valorizam a educação formal e despendem
mistos, mostrando que crianças e jovens tempo para supervisioná-los estão mais
podem até se beneficiar com grandes aptos a obter maior capital social do que
famílias. Entretanto, esta inconsistência na aqueles que não têm esse suporte. A
direção da relação entre tamanho da família literatura sociológica considera que
e escolaridade pode também ser uma socialização, níveis de intimidade e
conseqüência da inexistência de um único comunicação variam de acordo com o
padrão, dadas as diferenças sociais, tamanho do grupo. Desta forma, recursos
econômicas e demográficas nos contextos que emergem de algumas relações sociais
em que as famílias estão inseridas. Ao como as do núcleo familiar, isto é, de algum
mesmo tempo, a variação na relação entre capital social, geram diferentes sistemáticas
o tamanho da família e a educação formal no desempenho escolar, levando as
dos jovens pode ser um reflexo da oportunidades educacionais a variar de
modificação desta relação em diferentes acordo com o tamanho da família (Coleman,
estágios da transição demográfica. De 1988). Vale ressaltar que, de acordo com a
acordo com Caldwell (1980), o convívio e hipótese de diluição de recursos, não
os hábitos das famílias mudam com a somente recursos financeiros mas também
transição demográfica, o que poderia pessoais são relevantes para a educação
provocar mudanças na associação entre formal dos filhos e são distribuídos de
tamanho familiar e escolaridade dos filhos. maneira uniforme entre eles.
Se isto for verdade, a transição demográfica De acordo com o arcabouço da
pode ter alterado a relação entre tamanho rivalidade entre irmãos — siblings’ rivalry
da família e escolaridade das crianças e —, estes “disputam” recursos entre si, para
jovens, fazendo com que esta relação tenha que os membros da família maximizem sua
variado ao longo do tempo e potencial- utilidade: os pais investem em seus filhos
mente trazendo benefícios para esses de uma maneira eficiente, maximizando o
grupos. retorno esperado para toda a família,
Este trabalho é dividido em 5 seções, incluindo retornos futuros (Becker e Lewis,
contando com esta introdução. Primei- 1973; Becker, 1981). Isto significa que os
ramente, são discutidos importantes pontos pais investem mais nos filhos que geram
teóricos relacionando o tamanho da família expectativas de produzir maiores retornos

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ao longo do ciclo de vida. A interação entre os efeitos do tamanho da família na esco-


quantidade e qualidade de filhos explica laridade dos filhos. Além de colocar em
por que o nível de educação formal por dúvida o arcabouço em que se encaixaria
criança tende a ser menor em famílias com a relação entre tamanho familiar e
maior número de filhos. Dada a quantidade educação formal, estes estudos não
fixa de recursos familiares, maior número investigam como a influência do tamanho
de filhos implica menos recursos des- da família na escolaridade ocorre em
tinados a cada criança e, conseqüen- regimes pré- e pós-transição demográfica.
temente, menos oportunidades (Becker, As tendências sócio-econômicas e
1981)2. Vale ressaltar que os pais podem demográficas definem condições macro nas
ou não investir igualmente em seus filhos, quais o processo educacional acontece.
dependendo de um comportamento Taxas decrescentes de crescimento
altruísta, e que a ênfase é nos recursos populacional e no tamanho relativo das
materiais (Becker, 1981; 1993). coortes, como conseqüência da transição
A maioria dos trabalhos empíricos demográfica, são fatores que podem ter
examinando os efeitos do tamanho da potencialmente beneficiado os jovens
família na educação formal, realizados tanto brasileiros, aumentando seus níveis de
em países desenvolvidos quanto em paí- educação formal. A redução do número de
ses em desenvolvimento, confirmam as irmãos pode criar condições demográficas
hipóteses de diluição de recursos e favoráveis dentro da família, representan-
rivalidade entre irmãos, ou seja, que do “uma janela de oportunidade” para
crianças e jovens em famílias pequenas melhorar os níveis educacionais dos jovens
apresentam vantagens educacionais se (Carvalho e Wong, 1995). As mudanças
comparados àqueles nascidos em famílias recentes nos padrões demográficos
maiores. Vários trabalhos demonstram essa brasileiros afetaram as condições micro
relação negativa entre o número de irmãos inerentes ao processo de educação formal
e o desempenho educacional (Blake, 1985; devido à mudança no tamanho e compo-
1989; Knodel e Wongsith, 1991; Hauser e sição da família. Proporções crescentes de
Sewell, 1985; Mare e Chen, 1986; Parish e jovens estão vivendo em famílias menores.
Willis, 1993 e 1989; Shavit e Pierce, 1991; Por exemplo, 2% dos jovens de 14 anos
Patrinos e Psacharopoulos, 1997). Entre- nascidos em 1963 viviam em famílias com
tanto, contrariamente a essa evidência de um ou dois filhos, enquanto que 33% viviam
uma relação negativa, alguns estudos em famílias com sete ou mais filhos. Em
encontraram uma associação positiva entre contraste, 5% dos nascidos em 1983 viviam
o tamanho da família e a educação em famílias com um ou dois filhos, e
(Chernichovsky, 1985; Mueller, 1984). Além somente 12% em famílias com sete ou mais.
disso, outros trabalhos não encontraram A relação negativa entre o número de
efeito significativo do tamanho da família irmãos e a escolaridade ainda existe,
na escolaridade e matrícula dos filhos mesmo com a diminuição do tamanho da
depois que fatores sócio-econômicos foram família, e ocorre de forma similar para ambos
considerados (Buchmann 2000; Ahn et al., os sexos? Não está claro qual padrão se
1998), e ainda há estudos que apresentam ajustaria ao caso brasileiro. Além disso,
resultados mistos (Psacharopoulos e como acontece o impacto do tamanho da
Arriagada, 1989). Estes últimos trabalhos família na educação formal antes e depois
demonstram que as hipóteses de diluição da transição demográfica? A transição
de recursos e rivalidade entre irmãos nem demográfica beneficiou a escolaridade dos
sempre se encaixam como explicação para jovens brasileiros?

2
A função é definida pela quantidade de crianças, n; o gasto com cada criança, chamada a qualidade das crianças, q; e as
quantidades de produto, a saber U = U (n, q, Z1,…, Zn) (ver Becker e Lewis, 1973; Becker, 1981; 1993).

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3. Metodologia e Dados Tal equação pode ser decomposta de


várias formas3. Duas decomposições são
3.1 Metodologia elaboradas neste trabalho. A primeira segue
a linha de Preston (1976) e permite a
A primeira análise deste trabalho busca separação do ganho educacional atribuído
estabelecer se existe uma relação signi- a cada variável explicativa. Tal proce-
ficativa entre o número de irmãos e os anos dimento não separa a parte do diferencial
de escolaridade completos dos jovens, para de escolaridade devido a mudanças no
responder se aqueles com menor número intercepto, porque em regressões com
de irmãos têm melhor nível de educação variáveis dummy, como a apresentada na
formal que os com um maior número de equação (1), o intercepto é arbitrário e se
irmãos, e se existem diferenças desta modifica de acordo com a codificação de
influência por sexo. Desta forma, os anos tais variáveis. O objetivo é responder em
de escolaridade foram estimados através que medida as mudanças demográficas das
de regressões por mínimos quadrados últimas décadas produziram melhores
usando a equação (1): condições de escolaridade para as coortes
Yi= a + bFi + cDi + ei (1) mais jovens. Ou seja, quanto do ganho em
onde yi equivale aos anos de escolaridade escolaridade da coorte mais jovem se deve
para cada jovem de 14 anos i; Fi é um vetor a mudanças no tamanho da família?
de uma série de variáveis “dummy” A equação (3) calcula a escolaridade
indicando o número de irmãos; Di é um da coorte de 1963 se os jovens tivessem a
vetor das características demográficas, distribuição do tamanho familiar dos jovens
domiciliares e sócio-econômicas, e ei é um da coorte de 1983, enquanto que a equação
termo de erro normalmente distribuído. (4) demonstra o inverso.
^ – –
As regressões são elaboradas sepa- Y63,f83= a1963+jΣ ≠f
bj,63 Xj,63 + bf,1963 Xf,1983 (3)
radamente para as coortes de 1963 e 1983 ^ – –
Y83,f63= a1983+j≠Σf bj,83 Xj,83 + bf,1983 Xf,1963 (4)
e também por sexo. Os controles usuais
adotados nos modelos de determinantes As equações (5) e (6) refletem o ganho
educacionais, tais como situação do em escolaridade devido à mudança no
domicílio, renda familiar, educação da mãe tamanho familiar, tendo como base as
e região, são incluídos nos modelos, coortes de 1963 e 1983, respectivamente.
^ – – –
juntamente com número de irmãos, que é a Y63,f83 - Y63 / Y83 - Y63 (5)
parte central da análise. Os coeficientes e ^ – – –
Y -Y /Y -Y (6)
83,f63 83 83 63
desvios padrão são mostrados em tabelas,
mas os resultados são interpretados através A segunda decomposição é elaborada
de anos de escolaridade estimados, por como a anterior, mas a partir dos modelos
terem maior interesse substantivo. Para tendo tamanho familiar como único fator
estimar esses valores, cada variável explicativo da escolaridade. Tal decom-
explicativa foi fixada em seu valor médio, posição segue os moldes de uma padro-
exceto o número de irmãos, que varia de 0 nização e procura responder se o papel do
a 7 ou mais irmãos, sendo esta última a número de irmãos na escolaridade mudou
categoria omitida. por uma simples mudança de composição
O segundo passo da análise é ou na associação entre tais variáveis.
decompor a diferença de escolaridade Um ponto metodológico importante é a
entre as coortes, expressa na equação (2): possibilidade de que os pais decidam
– – – conjuntamente o número de filhos e a
(Y 1983 - Y 1963 )= (a 1963 + Σ b j,1963 X j, 1963 ) -
– “qualidade” de seus filhos com respeito à
- (a1983 + Σbj,1983 Xj, 1983) (2) educação formal (Becker, 1981). Uma

3
Para maiores detalhes sobre decomposições e tratamento de resíduos, ver Oaxaca e Ransom, 1994, e Jones, 1984.

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ferramenta metodológica utilizada para se 3.2 Descrição dos Dados e Amostra


tentar corrigir um potencial problema de Analítica
simultaneidade é o uso de variáveis
instrumentais. Entretanto, a maior parte das Neste trabalho foram usados os dados
bases de dados não possui variáveis de 1977 e 1997 da Pesquisa Nacional por
instrumentais apropriadas, ou seja, Amostra de Domicílios/PNAD, levantamento
variáveis correlacionadas com o tamanho anual de domicílios nacionalmente repre-
da família mas não com a demanda por sentativo conduzido pelo IBGE (Instituto
escolaridade, fazendo com que este Brasileiro de Geografia e Estatística). Os
método tenha sido raramente empregado dados da PNAD são apropriados para este
para estudos nesta área. A abordagem estudo porque contêm variáveis demo-
predominante encontrada na literatura é gráficas e sócio-econômicas como sexo,
identificar como os efeitos do tamanho idade, renda e escolaridade para todos os
familiar na educação podem ser superes- membros da família. Outra vantagem da
timados se for verdade que os pais decidem PNAD é a possibilidade de comparação de
juntamente o número de filhos e sua duas coortes da mesma idade4. Em 1977 a
educação (Parish e Willis, 1992; Anh PNAD tem informações de 498.679 indiví-
et al., 1998). Entretanto, vale ressaltar que duos em 100.039 domicílios, comparados
o problema da simultaneidade surge a 365.870 indivíduos em 89.939 domicílios
somente se for verdade que os pais são em 1997.
racionais em suas decisões sobre fecun- A ampla amostra da PNAD permite sub-
didade e expectativas educacionais para amostras de tamanho suficiente para
seus filhos, e se tais decisões não mudam análises de grupos específicos, como
com o passar do tempo. Argumentando o 14 anos de idade. Em 1977, existiam 12.834
contrário, Knodel e colegas sustentam que jovens de 14 anos na amostra, comparados
em alguns contextos, como Tailândia, a a 7.861 em 1997. As experiências educa-
decisão de fecundidade e desempenho cionais de jovens de idades diversas são
educacional dos filhos não pode ser diferentes, sendo necessário analisá-las
calculada dentro de um arcabouço racio- separadamente. A escolha de 14 anos é
nal de qualidade-quantidade (Knodel e justificada uma vez que esta é a idade
Wongshit, 1991). máxima em que a matrícula escolar é
Os dados utilizados não apresentam requerida pela constituição brasileira. Além
variáveis instrumentais convincentes. Dado disso, é nesta idade que os jovens que
este fato, e considerando a importância de começam a estudar na idade apropriada de
se examinar como o tamanho da família e a 7 anos e não tenham evadido ou repetido
escolaridade das crianças estão asso- série deveriam estar fazendo a transição do
ciados em coortes pré e pós-transição ensino fundamental para o ensino médio.
demográfica, a análise é desenvolvida com Apesar de todas estas vantagens, um
a possibilidade de um viés endógeno no problema metodológico pode surgir em
efeito estimado do número de irmãos no análises da educação formal em idades
resultado escolar das crianças. É impor- mais jovens, pois as séries completas ao
tante então ressaltar que o problema de longo de todo o curso de vida não são
simultaneidade poderia exagerar uma conhecidas. Pode ocorrer que um jovem
correlação negativa entre o tamanho da que apresente baixos níveis de escola-
família e a escolaridade mas, devido à ridade aos 14 anos alcance altos níveis
comparação entre coortes, tal superes- educacionais mais tarde. A censura à direita
timação destes efeitos seria provavelmente é um problema para análises de jovens e
cancelada. eventos correntes que deve ser lembrada.

4
Os dados de 1977 e 1997 são comparáveis, com a exceção de pequenas discrepâncias. A PNAD 1977 não contém informações
sobre raça ou cor. Além disso, a PNAD não abrange a área rural da região norte em 1977 ou em 1997. Isto provavelmente supe-
restima os resultados das estatísticas educacionais e sócio-econômicas desta região.

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Entretanto, no caso da educação formal trabalham e moram nas residências como


brasileira, já aos 14 anos existe uma enorme empregadas ou babás. Em termos da
variação nos níveis de escolaridade. Esta diferença por situação de domicílio, vale
enorme variação fornece evidência da lembrar que os jovens podem mudar para
existência de fatores específicos exercen- as áreas urbanas com o objetivo de
do papel importante na determinação da freqüentar a escola. É importante ressaltar
escolaridade já em idades tão jovens, que a diferença de distribuição de jovens
sendo importante a distinção dos compo- entre áreas rurais e urbanas desaparece
nentes que definem as grandes desigual- na coorte mais jovem, o que pode ser uma
dades neste momento de sua carreira conseqüência do aumento da cobertura de
educacional. escolas de ensino fundamental, tanto na
Os dados da PNAD permitem a cons- área urbana como na rural, que ocorreu no
trução de variáveis relativas a todos os Brasil na década de 90.
indivíduos que vivem no domicílio — A Tabela 1 mostra também que, compa-
membros da família ou não —, mas não rados à amostra total, jovens filhos do chefe
oferecem informação sobre familiares que de família da coorte de 1963 possuíam meio
estão fora do domicilio. É possível que ano de escolaridade a mais, diferença que
existam membros da família que não morem sobe para dois terços na coorte mais jovem.
no domicílio, particularmente irmãos, mas Como a maioria dos jovens de 14 anos vive
que influenciem a educação formal dos com pelo menos um dos pais, e não há
jovens e que não são incluídos na amostra. diferenças significativas nas principais
As PNADs de 1977 e 1997 fornecem o características destes dois grupos, não há
número e sexo de filhos vivos para cada indício de um forte viés de seleção.
mulher acima de 15 anos, além de sua As colunas 2 e 4 da Tabela 1 mostram
escolaridade, disponibilizando assim as que as condições de vida das coortes de
informações sobre número total de irmãos 1963 e 1983 com relação a características
e educação da mãe. Por esta razão, a familiares e sócio-econômicas são bastante
amostra analítica é limitada aos jovens filhos diferentes. Quase dois terços dos jovens na
do chefe da família, ou seja, aqueles cujas coorte mais velha moravam em áreas
mães e seus maridos são identificados. urbanas (67%) enquanto que este valor
A Tabela 1 mostra as características passa para quatro quintos (78%) na coorte
sócio-econômicas usadas para a amostra mais jovem. Com relação à distribuição
completa da PNAD e a amostra analítica — regional, 3 em 4 jovens em ambas as
jovens filhos do chefe de família nas duas coortes viviam no Sudeste e Nordeste do
coortes. A tabela mostra que 9 em cada 10 país. A distribuição das crianças de acordo
crianças em ambas as coortes vivem com com a escolaridade da mãe mudou
pelo menos um dos pais. Jovens filhos dos drasticamente. O número de jovens cujas
chefes de família não são significativamente mães freqüentaram pelo menos um ano de
diferentes da amostra completa com universidade aumentou aproximadamente
respeito à maioria das características, sete vezes na coorte mais jovem.
embora haja diferença por situação A Tabela 2 fornece médias e desvios
domiciliar e sexo. Parentes e outras padrão para a amostra de cada coorte. A
pessoas da família tendem a ser do sexo escolaridade média dos jovens aumentou
feminino e morar em áreas urbanas, significativamente nos últimos vinte
particularmente na coorte mais jovem. Isto anos, crescendo de 3,43 para 4,75 5. A
acontece porque as jovens freqüentemente repetência escolar contribui de maneira

5
A repetência escolar contribuiu de maneira significativa para os baixos níveis de escolaridade das décadas passadas (Gomes-
Neto e Hanushek 1996; Mello e Souza e Silva, 1996; Lam e Marteleto, 2000). Na segunda metade dos anos 90, foram implementados
programas que acabam com a repetência, como Escola Plural e ciclos. Tais programas certamente contribuíram positivamente
para o fim da repetência e o aumento da escolaridade. Entretanto, por não serem uniformes em todo o país e por terem sido
utilizados dados de 1997, é pouco provável que os efeitos de tais programas tenham impacto significativo para os jovens investi-
gados neste trabalho.

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TABELA 1
Características sócio-econômicas e familiares de jovens de 14 anos [%]
Coortes de 1963 e 1983, Brasil

Fonte: PNADs 1977, 1997.

TABELA 2
Descrição das variáveis dependentes e fatores explicativos
Coortes de 1963 e 1983, Brasil

Fonte: PNADs 1977, 1997.

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Tabela 3
Taxa de matrícula e anos de escolaridade por características sócio-econômicas de jovens de 14 anos filhos do
chefe da família, coortes de 1963 e 1983, Brasil

Fonte: PNADs 1977, 1997.

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significativa para os baixos níveis de mais anos de escolaridade que os jovens


escolaridade das décadas passadas (3,6 contra 3,2). Isto demonstra que as
(Gomes-Neto e Hanushek 1996; Mello e jovens apresentam menor repetência e
Souza e Silva, 1996; Lam e Marteleto, 2000). evasão que os jovens, convertendo matrí-
Na segunda metade da década de 90, cula em anos de escolaridade completos
foram implementados programas que mais rapidamente. Esta tendência de maior
acabam com a repetência, como Escola escolarização das jovens continua na coorte
Plural e ciclos. Embora não sejam uni- mais jovem, mas agora com ambos os
formes em todo o país, tais programas indicadores apresentando valores mais
certamente contribuíram positivamente altos para as jovens.
para o fim da repetência e aumento da A tabela 1 revelou que a proporção de
escolaridade. jovens vivendo em famílias chefiadas por
A Tabela 3 mostra a distribuição das mulheres dobrou da primeira para a
taxas de matrícula e anos de escolaridade segunda coorte (9,1% contra 18,4%
completos por características sócio- respectivamente), uma tendência importan-
econômicas e familiares para cada coorte. te. Não há diferença significativa no nível
A tabela evidencia as diferenças com de matrícula entre jovens da coorte mais
respeito ao sexo em relação ao desem- velha vivendo em famílias chefiadas por
penho educacional e matrículas escolares mulheres ou não, mas aqueles em famílias
em cada coorte. Esta tabela mostra que, chefiadas por homens possuem, em média,
entre os jovens da coorte mais velha, 78% escolaridade mais alta. Na coorte mais
dos meninos estão matriculados na escola jovem a tendência se inverte, pois aqueles
contra 72% das meninas. Esta tendência é em domicílios chefiados por mulheres
revertida na coorte mais jovem, pois possuem escolaridade mais alta, um
90% das meninas e 87% dos meninos resultado não esperado dadas às evidên-
estão matriculados. É interessante notar cias sobre pobreza nesses domicílios e suas
que, na primeira coorte, apesar de terem conseqüências para o bem-estar da criança
menor taxa de matrícula, as jovens possuem e do jovem (Barros, Fox e Mendonça, 1997).

FIGURA 1
Proporção de Jovens de 14 anos com "x" Irmãos ou Mais - Cumulativo: Brasil, Coortes de 1963 e 1983

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FIGURA 2
Proporção de Jovens de 14 anos com pelo menos "x" irmãos: Brasil, Coortes de 1963 e 1983

As conseqüências da profunda mudança tinha quatro ou mais irmãos na segunda


demográfica pela qual o país passou no coorte. Da mesma forma, na primeira coorte,
período entre as duas coortes ficam evidentes um terço dos jovens tinha 7 ou mais irmãos
ao se investigar o número médio de irmãos e enquanto que, na segunda coorte, este
sua distribuição. O número médio de irmãos número passou para 12%.
dos jovens de 14 anos caiu de 5.4 para 3.1.
As Figuras 1 e 2 fornecem maior evidência 4. Resultados
de que a distribuição dos jovens com respeito
ao tamanho da família mudou considera- 4.1 O Impacto do Tamanho da Família
velmente entre as duas coortes. Na primeira
coorte, mais de dois terços tinham quatro ou A Figura 3 mostra a escolaridade média
mais irmãos enquanto que somente um terço de acordo com o tamanho da família para

FIGURA 3
Escolaridade observada pelo tamanho da família: Brasil, coortes de 1963 e 1983

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TABELA 4
Coeficientes e desvios padrão de regressões por mínimos quadrados de anos de escolaridade. Jovens de 14 anos filhos do chefe da família, coortes de 1963 e 1983, Brasil

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Fonte: PNADs 1977, 1997.
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cada coorte. Vale a pena lembrar que, se o escolaridade persiste. A diferença nos anos
jovem de 14 anos entrou na escola na de escolaridade ajustados entre jovens que
idade obrigatória de 7 anos, não saiu da possuem 7 irmãos ou mais e filhos únicos é
escola ou repetiu uma série, deveria ter de aproximadamente um ano para ambas
entre 6 e 7 anos de escolaridade6. A Figura as coortes. Apesar da curva de escolaridade
mostra que a situação do jovem é bastante pelo tamanho de família deslocar para cima
diferente deste patamar ideal, pois a entre as coortes, a desvantagem atribuída a
escolaridade média em ambas as coortes viver em uma família grande ainda ocorre
e em todos os tamanhos da família é entre os jovens da coorte mais jovem, mesmo
defasada. Fica claro também que a quando outros fatores sócio-econômicos e
escolaridade média do jovem diminui à demográficos são controlados. Tal desvan-
medida que o tamanho da família aumenta, tagem é sensivelmente maior na coorte mais
apontando uma relação inversa entre estes jovem que na mais velha. Isto demonstra que,
fatores. A diferença educacional chega a sob regimes de alta e baixa fecundidade, o
aproximadamente dois anos de escola- efeito do tamanho da família no desempenho
ridade. Estes números são comparados educacional tem se mantido negativo. Em
com os valores ajustados da Figura 4. Os um cenário pós transição demográfica, os
valores ajustados são calculados utilizando poucos jovens em famílias grandes apre-
os coeficientes das regressões para todos sentam maior desvantagem educacional.
os jovens, mostrados na Tabela 4. Os A Tabela 5 mostra resultados de
valores das outras variáveis explicativas são decomposições das variáveis incluídas no
mantidos na média, apenas variando o modelo completo. A mudança a ser expli-
número de irmãos, como discutido na parte cada é o aumento de 1.32 anos de esco-
metodológica do trabalho. laridade entre as coortes. Os resultados da
A Figura 4 demonstra que a desvan- Tabela 6 mostram que tal ganho de escola-
tagem escolar de jovens de famílias grandes ridade da coorte mais jovem deve-se
é menor quando outros fatores são contro- principalmente e quase que na mesma
lados. Entretanto, esta desvantagem na proporção ao aumento da escolaridade da

FIGURA 4
Escolaridade ajustada pelo tamanho da família: Brasil, coortes de 1963 e 1983

6
Por não ser objetivo deste trabalho e por uma questão de simplificação, não está sendo considerada a data de nascimento do
aluno para um cálculo mais refinado da escolaridade correta para cada jovem.

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TABELA 5
Anos de escolaridade estimados.
Jovens de 14 anos filhos do chefe da família, coortes de 1963 e 1983, Brasil

Fonte: PNADs 1977, 1997.

mãe e à diminuição do tamanho da família. aproximadamente 14% do ganho de


A educação formal materna é responsável escolaridade. Essa diferença reflete o
por 33% do aumento da escolaridade processo de urbanização pelo qual o país
enquanto que o tamanho da família explica passou nas últimas décadas.
quase 30% da diferença em escolaridade, Tendo estabelecido que o tamanho da
confirmando que a transição demográfica família exerceu papel importante nos
beneficiou a escolaridade dos jovens ganhos de escolaridade do jovem brasileiro
brasileiros. É importante notar que o papel nascido pós-transição demográfica, os
da escolaridade materna na determinação próximos resultados abordam a parte do
da educação formal dos filhos é exten- ganho de escolaridade relacionada com
samente documentado, o que não acontece uma mudança da relação tamanho da
com o tamanho familiar. Esse resultado família (associação) e escolaridade e a parte
chama a atenção para a importância de relacionada à diminuição no tamanho da
outras características familiares para a família (composição). A Tabela 7 mostra as
escolaridade de crianças e jovens. estimativas da decomposição da diferença
Como esperado, o sexo do jovem não na educação, tendo o tamanho da família
explica ganhos em escolaridade da coorte como único fator explicativo. As estimativas
mais jovem, assim como a região de apresentadas na primeira linha da tabela
residência. Por outro lado, o fato de o jovem são as médias de escolaridade calculadas
da coorte mais jovem residir em áreas através do coeficiente da coorte de 1963. A
urbanas em maiores proporções explica primeira estimativa usa o coeficiente e a

TABELA 6
Decomposições da diferença na escolaridade de jovens de 14 anos
Coortes de 1963 e 1983, Brasil (modelo completo)

Fonte: PNADs 1977 e 1997.


Nota: Escolaridade estimada baseada nos resultados para ambos os sexos apresentados na Tabela 4.

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TABELA 7
Decomposições da diferença na escolaridade de jovens de 14 anos
Coortes de 1963 e 1983, Brasil (tamanho da família como único fator explicativo)

média de escolaridade das crianças da A média 0,73 representa quanto as crianças


primeira coorte, resultando em 3,43 anos da coorte mais velha ganhariam em anos
de escolaridade. Repetindo o procedi- de escolaridade se tivessem o tamanho
mento, mas agora utilizando o tamanho médio da família da coorte mais jovem. Este
médio da família da coorte de 1983, a valor mostra que mudanças no tamanho da
segunda estimativa indica o grau de família explicam 55% dos ganhos de
escolaridade que as crianças da coorte de escolaridade entre uma coorte e a outra.
1963 teriam se o tamanho da família fosse Para estimar as variações nos coefi-
o da coorte de 1983. A queda verificada no cientes, o procedimento descrito acima é
tamanho da família teria gerado um repetido, agora subtraindo as médias na
resultado de 4,10 anos de escolaridade. A mesma coluna. Este exercício mostra que
diferença de 0,67 nas duas estimativas da mudanças na curva e em fatores externos
primeira linha indica a redução das ao tamanho da família são responsáveis por
diferenças entre as duas coortes, como 45% do aumento da escolaridade entre as
resultado do fato de atribuir à primeira coortes. Os ganhos de escolaridade são
coorte a mesma distribuição do tamanho explicados principalmente pelo aumento da
da família existente na coorte mais jovem. proporção de crianças provenientes de
As médias de escolaridade apresentadas famílias menores. Estes resultados confir-
na segunda linha da Tabela 7 são calcu- mam que a transição demográfica teve um
ladas da mesma forma que as apresentadas impacto direto no aumento da escolaridade
na primeira linha, com a exceção de se usar das crianças em um nível micro, ou seja,
o coeficiente de regressão da coorte de através da redistribuição de jovens em
1983. A primeira média da segunda linha é famílias menores.
o produto do coeficiente da coorte de 1983
pelo tamanho da família médio da coorte 4.2 Diferenças por Sexo
de 1963. A segunda média da segunda linha
é o verdadeiro tamanho médio da família As Figuras 5 e 6 apresentam os anos
para a coorte de 1983, 4,75 anos de de escolaridade observados para jovens
escolaridade. Subtraindo estas duas médias das coortes de 1963 e 1983, para cada
chega-se a uma diferença de 0,79 por ano. sexo. As Figuras indicam que as jovens

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FIGURA 5
Escolaridade observada pelo tamanho de família por sexo: Brasil, coorte de 1963

FIGURA 6
Escolaridade observada pelo tamanho de família por sexo: Brasil, coorte de 1983

ganham escolaridade mais rapidamente grandes e pequenas, as jovens apresentam


que os jovens. Os resultados demonstram significativa vantagem na educação formal
que a escolaridade das jovens é mais alta em relação aos jovens. Entre aqueles da
que a dos jovens em ambas as coortes e coorte mais jovem, essa vantagem chega a
em todos os tamanhos da família. Os jovens um ano a mais de escolaridade em favor
são mais penalizados que as jovens por das filhas únicas.
viverem em famílias maiores. A vantagem As diferenças na escolaridade pelo
educacional das jovens aumenta na coorte tamanho familiar permanecem mesmo
pós-transição demográfica. Em famílias quando características sócio-econômicas e

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demográficas dos jovens são levadas em Na coorte mais jovem, a vantagem edu-
conta. A escolaridade estimada é apresen- cacional feminina é observada em todos os
tada nas Figuras 7 e 8. A Figura 7 mostra tamanhos familiares, indicando que os
que a vantagem educacional das meninas meninos, principalmente aqueles em
da coorte pré-transição demográfica é nula famílias maiores, devem ser alvo de políti-
entre os jovens com dois ou menos irmãos, cas que visem à promoção educacional
mas aumenta com o tamanho da família. do jovem.

FIGURA 7
Escolaridade estimada pelo tamanho de família por sexo: Brasil, coorte de 1963

FIGURA 8
Escolaridade estimada pelo tamanho da família por sexo: Brasil, coorte de 1983

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5. Conclusões e Discussão cula e escolaridade, mas também são mais


penalizados por pertencerem a famílias
Este trabalho demonstra a importância maiores. Na coorte pós-transição demo-
do numero de irmãos na escolaridade dos gráfica, as jovens estão à frente dos jovens
jovens brasileiros. Jovens em famílias em todos os tamanhos familiares. Estas
grandes das coortes pré e pós-transição evidências indicam que pode estar
demográfica estão em desvantagem se ocorrendo algum nível de especialização
comparados àqueles em famílias peque- nas famílias, em que as jovens, que antes
nas, confirmando as hipóteses de diluição cuidavam do grande número de irmãos das
de recursos e rivalidade entre irmãos. Este coortes mais velhas, são agora “escolhidas”
impacto negativo do tamanho da família para estudar. Na coorte mais jovem, as
na escolaridade não apenas persiste, mas meninas apresentam maior escolaridade e
aumenta sensivelmente na coorte pós- matrícula, além de não serem tão pena-
transição demográfica, sugerindo a impor- lizadas por famílias maiores como os
tância de políticas privilegiarem a educação meninos. A desvantagem educacional
formal dos jovens em famílias maiores. brasileira é em favor das meninas,
Decomposições demonstram que a chamando a atenção para a situação do
transição demográfica beneficiou a esco- jovem. Esse resultado, entretanto, não
laridade dos jovens ao diminuir o tamanho significa que não exista defasagem na
das famílias na mesma magnitude que escolarização das jovens, e sim que ela é
fatores tradicionalmente estudados, como maior para os jovens. Estudos futuros sobre
a educação materna. Este resultado de- trabalho e escolaridade do jovem devem
monstra um efeito “janela de oportunidade” observar as características dos irmãos e
em relação à escolarização dos jovens no suas atividades, incluindo o trabalho
nível da família: o menor número de irmãos doméstico, com o objetivo de expandir as
após a transição demográfica beneficiou a descobertas deste trabalho com relação a
escolaridade dos jovens brasileiros, como as decisões educacionais são
explicando uma significativa proporção do tomadas dentro da família.
ganho educacional entre as coortes. A persistência do efeito negativo do
Os resultados demonstram ainda que tamanho da família indica que jovens em
os jovens se beneficiaram em relação ao famílias grandes na coorte pós-transição
tamanho da família mais por uma questão demográfica, embora em menor preva-
de composição, isto é, uma proporção maior lência, estão em maior desvantagem em
vive em famílias menores. Mudanças na relação à educação formal. Os jovens de
curva relacionando o tamanho da família e hoje que estão em famílias grandes são os
a escolaridade também contribuíram para mais penalizados, devendo ser visados por
o ganho de escolaridade, porém em menor políticas de promoção da escolaridade.
magnitude. Este trabalho demonstra a importância de
A investigação das diferenças por sexo políticas que visem ao bem-estar do jovem
mostra que garotos na coorte mais jovem levarem em conta fatores familiares menos
não só possuem menores níveis de matrí- estudados como o tamanho da família.

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Abstract

Brazilian youth now share family resources with fewer siblings and spend more time in
intergenerational families. For example, the 1963 cohort of 14 year-olds had an average of 5.4
siblings, while the 1983 cohort had 2.3 siblings. The purpose of this paper is to examine how
family size affected schooling for cohorts of children born pre- and post-demographic transition.
Did the demographic transition benefit young people and contribute to an increase of the
formal educational level? Did any such impact occur differently for male and female youth? The
data from the 1977 and 1997 PNADs were used in order to answer these questions. Results
from multivariate analyses were used for simulations and decompositions. The study shows
that the number of siblings of young people in the older cohort contributed to their lower levels
of schooling. In contrast, the smaller families of the younger cohort contributed to increase of
the number of years in school in the 1990s. The redistribution of young people in small families
explains in large part the improved schooling, even when traditional determinants of schooling
are considered. The young women show higher rates of schooling than their male counterparts
and are less prejudiced by belonging to large families. The final section of the article discusses
implications for policies aimed at the well-being of Brazilian youth, as well as themes for future
research.

Enviado para publicação em 14/11/2002.

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