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Porto Seguro-BA
2020
Os seres humanos aprendem desde o dia em que nascem até o momento da morte.
Interessante que independente da experiência que se têm de vida, o movimento de aprendizado é
constante, especialmente nos dias de hoje, onde a velocidade das transformações é enorme. É
possível perceber a nível global, diferentes formas de aprender e ensinar, relacionadas à cultura,
valores, cosmovisões de distintos povos. Porém podemos notar que independente do ambiente onde
ocorre o aprendizado, quando acontece no seio de uma sociedade, de um povo, ele acontece por
meio de mediações, estas mediações ocorrem devido à um certo acúmulo de saberes, de
conhecimentos mais ou menos cristalizados, alguns ancestrais, que ocorrem no sentido da
preservação da vida ou da sobrevivência, ou pura e simplesmente como resultado da ação do
homem sobre a natureza. Podemos até dizer que, muitas ações do homem hoje sobre a natureza
ocorrem com sentido contrário à preservação da vida, por conta de interesses políticos, econômicos
e individuais. Mas voltando ao cerne da questão, obviamente poderíamos criar algumas situações
hipotéticas onde há aprendizagem sem a mediação, por exemplo, como a história retratada pelo
filme “Náufrago" onde o indivíduo, por conta de um acidente, se vê numa ilha deserta, e consegue
sozinho aprender uma série de técnicas para sobreviver. Ainda assim podemos imaginar que o
personagem da história mesmo estando sozinho está, digamos, aprendendo com a natureza, por
meio da observação, da tentativa e do erro, e algumas vezes, do insight em diversos momentos,
mostrando o quão pode ser árduo o caminho de aprender só.
Trago como exemplo, uma situação observada em vídeo, em que a mãe está colocando o
filho de 6 meses para comer um pedaço de manga. A mãe está comendo também um pedaço de
manga, o bebê na cadeirinha de comer consegue segurar a manga apesar da coordenação estar em
desenvolvimento, e de alguns espasmos involuntários, ainda assim ele consegue já nesta fase
segurar o pedacinho da manga e levar à boca. Como o bebê do vídeo, aparentemente, ainda não tem
dentinho, o que ele faz basicamente é amassar o pedacinho de manga com as mãos, arrancar um
pedaço que se solta da casca, e levá-lo à boca pra sentir gosto, mas não é muito efetivo no ato de
comer, pela falta de dentes e de coordenação. Nesta fase a criança costuma ser alimentada pela mãe
com papinhas dadas na boca do bebê. Então é uma fase que corresponde à uma passagem gradativa
da condição de ser alimentada pela mãe, onde a criança é mais passiva e ainda está aprendendo a
comer comidinhas mais sólidas, para uma fase em que ela começa a desenvolver autonomia de
comer sozinha. De segurar os alimentos, amassar, levar à boca, sentir o tato o gosto, mesmo que
ainda não corresponda a capacidade efetiva de se alimentar de maneira satisfatória. A mediação da
mãe nesta fase, é mais no sentido de armar situações e observar, dando o pedaço da fruta pra criança
na mão, ou espalhando brinquedos na sala, não existe uma comunicação verbal propriamente.
Durante o desenvolvimento neuronal e a maturação fisiológica, o ato de brincar com a comida, de
experimentar, de agarrar, de levar à boca é altamente recomendada. E na verdade é um momento
onde quase todos objetos são levados à boca, pois é através da boca que o bebê conhece o mundo
nos primeiros meses de vida, por ser este órgão um dos mais desenvolvidos. E justamente neste
movimento entre o que o bebê esta conseguindo fazer no momento atual, e o que, a cada dia, é
experienciado através da mediação do adulto possibilitando situações e observando, que a zona de
desenvolvimento proximal se realiza. Especialmente na fase de 0 a 2 anos, onde basicamente se
aprende pelo movimento e pelos sentidos, esta atualização acontece num ciclo muito curto, a
criança é movida e aprende, experimentando o mundo a cada segundo.
Num segundo vídeo enviado por outra mãe, a criança está com 2 anos e 8 meses. A criança
está sentada em uma mesinha pequena, e almoçando, e a mãe está ao lado. A criança já consegue
manipular objetos com um pouco mais de precisão. Já existe também uma comunicação verbal
entre a mãe e o filho. No início a criança pega a comidinha com a colher e estica na direção da mãe
como se estivesse a oferecer sua comida a ela. E a mamãe diz que não é pra ela, e segurando a
mãozinha da criança, direciona ao prato dizendo que é para a criança comer. Assim ajuda a criança
a pegar um pouco mais de comida na colher e a cada acerto a mãe incentiva dizendo “isso”, de
forma prolongada. A criança então segura a colher e leva à boca enquanto imita as palavras da mãe,
dizendo “isso”, como se estivesse fazendo graça. Como a sua coordenação ainda está em
desenvolvimento, a criança já consegue segurar a colher e levar à boca, porém com algumas
intervenções da mãe ajudando a segurar com mais firmeza. Ou seja, é uma autonomia que aos
poucos vai sendo construída, a cada momento a criança vai aperfeiçoando mais sua habilidade.
Portanto a zona de desenvolvimento proximal ela não ocorre de um momento pra outro, num piscar
de olhos, mas, corresponde à uma etapa de aprendizado gradativa em que a criança passa pela
maturação orgânica e neurofisiológica, experimentando, tentando, apreendendo e aperfeiçoando,
através da mediação de um outro indivíduo. Neste caso, a mãe.
Este exemplo apesar de ser no contexto doméstico e não escolar, nos ajuda a perceber que o
conhecimento da zona de desenvolvimento proximal, nos permite pensar na educação, como um
processo gradativo. Assim como no cotidiano, existem situação que se dão naturalmente gerando
aprendizado e desenvolvimento nas crianças, estas acontecem como proposição seja dos pais e/ou
cuidadores das crianças. Um ambiente de incentivo, é sempre mais promissor para o
desenvolvimento, através do qual a criança vai se descobrindo por curiosidade, observação
imitação, criação, etc. Da mesma forma e deslocando para o ambiente escolar, o professor não deixa
de ser um propositor, no qual faz sugestões, propõe caminhos, intervém, não no sentido de limitar o
aluno, mas sim no sentido de desenvolver potências, técnicas já conhecidas, ou talvez até buscando
experiências e caminhos onde o resultados sejam desconhecidos também. Mas independente de que
o resultado seja imprevisível, num primeiro momento, há um certo background que moveu a
experiência do educador a pensar em desenvolver uma idéia de ensino-aprendizagem nova com os
alunos. Mesmo porque enquanto se mantém aberto, as próprias experiências dos alunos podem
emergir, fazendo acontecer algo diferente e mais rico ainda. É nesse sentido do construtivismo de
Vigotsky, que reside a maior importância do aprendizado em sociedade, aberta à múltiplas
possibilidades, à sensibilização do que podemos alcançar de resultado, da potência que se
estabelece, dentro do ‘encontro’, entre educando e educador.