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Sitraer 7 (2008) 858-869 – Tr.

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EFEITOS DA JORNADA DE TRABALHO NOS ESTADOS DE HUMOR DE PILOTOS


COMERCIAIS

PAULO ROGÉRIO LICATI


Universidade Anhembi Morumbi

PAULO HORTA ARAUJO PORTO


Universidade Anhembi Morumbi

MARCIA MARTINS FELIPE


Universidade Anhembi Morumbi

FRANCO NOCE
Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP
Centro de Estudos Multidisciplinar em Sonolência e Acidentes – CEMSA

MARCO TULIO DE MELLO


Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP
Centro de Estudos Multidisciplinar em Sonolência e Acidentes - CEMSA

RESUMO
O objetivo deste trabalho é investigar a correlação entre o estado de humor dos pilotos durante o exercício de sua
profissão e a ruptura do ciclo circadiano. Para tanto, lançou-se mão de bibliografia científica e, posteriormente,
da coleta de dados, utilizando o instrumento BRAMS para aferir o estado de humor dos pilotos em horários
distintos, traçando uma possível correlação entre estas variáveis. Todos os participantes foram voluntários e
totalizam o número de 91 pilotos de avião. O questionário foi respondido em três etapas, apresentando a variação
de humor do piloto e os dados foram separados para a melhor compreensão dos possíveis efeitos da alteração do
ciclo circadiano. A análise pormenorizada revelou que o humor dos pilotos que iniciaram sua jornada de trabalho
entre 00h00min e 05h59min encontra-se debilitado e, possivelmente, suas capacidades cognitivas encontram-se
abaixo do normal, aumentando a probabilidade de risco para incidentes e acidentes por Fator Humano. Portanto,
os resultados deste estudo demonstram a necessidade de se discutir à segurança no setor aéreo levando-se em
conta as informações científicas, visando, assim, elaborar novas formas organizacionais que primem pela
segurança dos vôos.

ABSTRACT
This work objective to investigate the correlation between the pilot’s state-of-mood during the exercise of their
job and the circadian cycle rupture. In this way, scientific bibliography was required, as well as data collection,
later on, using BRAMS tool to compare the pilots´ state-of-mood in different times, describing a possible
analogy between those variable. All participants were voluntary, totalizing a number of 91 airplane pilots. The
questionnaire was answered in three steps, having presented the pilot state-of-mood variation, and the data had
been separated for best understanding the circadian cycle alteration possible effect. The detailed analysis
revealed the psychological state of the pilots who had initiated their working hours between 00:00 and 05:59 is
weak, and possibly their cognitive capacities are below the normal one, increasing the risk of human factors in
aeronautical incidents. Then, the results of this study demonstrate the needing of arguing about the aerial sector,
taking in consideration the scientific information, aiming, thus, to elaborate new organizational forms focusing
flight safety.

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1. INTRODUÇÃO

O aumento da atividade aérea no Brasil também acarreta em maior preocupação e discussão


referentes à segurança. Junto aos investimentos em treinamento, políticas operacionais
foram implantadas nas empresas aéreas, visando o aumento do controle da segurança e
eficiência operacional. Algumas ferramentas surgiram auxiliando o piloto no controle para a
ocorrência do erro humano nas operações, tais como o CRM, FOQA, LOSA, acrescentando
modernidade e tecnologia para os procedimentos implantados pelas empresas, fabricantes e
legislação em vigor, procedimentos estes que seguem padrões mundiais de segurança.

No entanto, apesar de todos os recursos disponíveis, orientação e investimento em


segurança, os incidentes e acidentes aeronáuticos continuam acontecendo tendo como causa
principal o Fator Humano. Por Fator Humano compreende-se “área de abordagem da
Segurança de Vôo que se refere ao complexo biológico do ser humano, nos seus aspectos
fisiológico e psicológico” (MINISTÉRIO DA AERONÁUTICA, 1999, p.18).

Observa-se que as ações de segurança no ambiente de aviação, canalizam-se para a criação


de normas, regras e procedimentos de manutenção executados nas aeronaves, com ampla
fiscalização sobre tais práticas por meio de órgãos e empresas do setor. Porém, na rotina do
exercício da profissão, no que diz respeito ao piloto, pouca ou quase nunhuma ação
efetivamente é dispensada, a não ser quando dos exames periódicos exigidos pela
regulamentação, ou ainda, quando anual ou semestralmente, de acordo com sua idade, o
piloto de linha aérea renova seu certificado de capacidade física (CCF).

O estado de saúde geral do piloto que está envolvido no sistema de aviação, particularmente
o aspecto psicológico, sua disposição, vigor e energia, não recebe a devida atenção, mesmo
sendo este um elo essencial deste complexo sistema de transportes e grande responsável
pela segurança no setor.

As longas jornadas e variações constantes nos horários de trabalho por turnos, a inexistência
de um tempo hábil para a adaptação do ciclo circadiano e homeostáse, ou ainda a fadiga do
piloto, pouco são ressaltados como elementos a serem considerados como importantes, tanto
quanto são considerados os equipamentos e procedimentos, na segurança de vôo. A
necessidade de maior produtividade e competitividade das empresas aéreas, que buscam
acompanhar as exigências do mercado, poderá tambem representar um complicador para a
segurança operacional.

Na legislação em vigor que regulamenta o trabalho do aeronauta brasileiro, datada de 1984,


a fadiga não recebe a referência necessária para considerações de segurança. Na época a
realização de vôos domésticos durante a madrugada não era tão comum como nos dias de
hoje pois essa regulamentação permite vôos consecutivos de madrugada, desde que não
saiam da base pela qual o aeronauta está lotado, pois na época a maioria dos vôos efetuados
no horário da madrugada eram internacionais e efetuados por tripulações de revezamento.

Ao serem analisados todos esses fatores, surge o questionamento sobre a saúde psicológica
e fisiológica dos pilotos no seu cotidiano de trabalho, e quais medidas podem ser tomadas
como prevenção para a diminuição do erro humano.

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A fadiga, o sono, o cansaço e o estresse são fatores que influenciam diretamente a


ocorrência do fator erro humano e prejudicam o julgamento. (MELLO et al., 2008). Nesse
contexto, essa relação de fatos demonstra que existe um problema de relevante importância
relacionado ao fator humano na aviação, que aqui se torna objeto de nossa análise.

Desta forma, este trabalho teve como objetivo investigar e avaliar a relação do humor do
piloto, avaliado através de um instrumento de pesquisa denominado BRAMS (Escala de
humor do Brasil) com a fadiga e turnos de trabalho, correlacionando-os a eventuais riscos
para a segurança de vôo, assim como levantar hipóteses sobre a influência destas variáveis
no erro, durante diferentes horários de trabalho do piloto.

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.1. História e evolução da aviação versus fatores humanos

A aviação apresenta em sua história o homem como o grande responsável pela maioria dos
acidentes aéreos. A interação homem-máquina durante a revolução industrial e seus altos
índices de acidentes foram os primeiros alertas para o homem nesse campo. Viu-se a
necessidade de entender a máquina e até onde essa interação aliado a fatores externos
poderiam afetar o sucesso da operação. Nos anos 40, em função da Segunda Grande Guerra, o
foco era a performance obtidas através dos testes de seleção de pilotos; na década de 50
difundiu o uso dos princípios da ergonomia na construção dos cockpits, o que melhorou a
interface homem-máquina; os anos 60 marcaram o início do projeto de sistemas instrucionais;
nos anos 70 trouxeram mudanças significativas no treinamento dos aeronautas; a guerra do
Oriente Médio, em 1973, gerou a crise do petróleo, que obrigou as empresas a reduzirem o
número de horas voadas pelo piloto para a qualificação em vários tipos de equipamentos.
Com isso criou-se a necessidade de buscar o treinamento ideal, em termos de tempo e
necessidades, que fosse capaz de prover ao piloto um bom nível de performance e julgamento,
em caso de tomada de decisão em situações especiais.

Na concepção do FAA (Federal Aviation Administration) o julgamento era simplesmente um


produto oriundo da experiência em pilotar. Diante disso, estudos foram realizados para
compreender como se processava o julgamento do piloto. Richard Jensen (1995) foi
selecionado como o principal investigador para esse estudo e em suas primeiras análises,
revelou que os erros de julgamento eram responsáveis pela maioria dos acidentes na aviação
geral nos Estados Unidos, postulando a partir desta constatação que os treinamentos poderiam
auxiliar os pilotos a melhorarem seus julgamentos.

Portanto para se entender esta questão na aviação, é importante conhecermos melhor o erro
humano e o sistema de processamento de informação humana.

Uma das formas de solucionar os problemas relativos aos erros humanos veio com a
implantação do CRM. Para melhorar o processo decisório dentro de uma aeronave,
concentraram-se os treinamentos, nas atividades e no comportamento dos membros de uma
tripulação, visando torná-los conscientes da influência do Fator Humano presentes na cabine.
Desta forma, treinamentos foram criados com o objetivo de proporcionar aos pilotos
conhecimentos necessários para anteciparem-se e lidarem com o comportamento humano
durante a realização do vôo (MOREIRA, 2001, p. 25).

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2.2. O ritmo circadiano

Uma das formas de proporcionar conhecimento em Fator Humano é através do conhecimento


da “máquina homem”. A abertura do mercado brasileiro e o fortalecimento da economia
apresentam uma série de novos desafios organizacionais do trabalho. Entre estes desafios, um
deles tem sido objeto de estudos por parte de pesquisadores: a saúde do trabalhador que
desenvolve sua jornada de trabalho por turnos.

Em muitos estudos, pesquisam-se quais as conseqüências enfrentadas pelos trabalhadores que


têm seu ritmo circadiano alterado pelos turnos de trabalho, muitas vezes inconstantes.

Independente da jornada de trabalho a qual está submetido, o homem é

“uma espécie diurna, adaptada para exercer suas atividades na fase clara
do ciclo claro/escuro e repousar na fase escura. O desenvolvimento de
nosso sistema visual e nossa dependência da informação luminosa nos
caracterizam como espécie diurna. O período principal de sono na nossa
espécie situa-se, portanto, na fase escura, mas podem ocorrer outros
momentos de repouso ao longo do dia.” (MARTINEZ et al., 2008, p. 174-
5).

Esta característica estabelece o “ciclo sono-vigília” conceituada como ciclo circadiano. A


transformação constante da sociedade e, conseqüentemente da vida cotidiana, exige, em
alguns casos, a supressão deste ciclo para que o trabalhador consiga exercer suas funções
profissionais, educacionais e sociais. No entanto, como afirmam os autores, “os organismos
vivos não são máquinas que, uma vez ligadas, funcionam ininterruptamente, com oscilações
desprezíveis”.

Os estudos acerca do ritmo circadiano afirmam que este possui uma “natureza auto-
sustentada” (MELLO et al., 2008, p. 15) não sendo, portanto, governado pelo ambiente. No
entanto, “a luz é considerada o principal zeitgeber (doador do tempo, em alemão) – estímulo
temporal capaz de sincronizar ritmos circadianos – à parte das interações sociais, do horário
escolar e do trabalho, da atividade física e do exercício” (MELLO et al., 2008, p. 16, grifo dos
autores). O ritmo circadiano ocorre numa variedade de medidas psicofisiológicas, que
incluem o sono, a secreção hormonal, a temperatura corporal, a excreção urinária, o alerta
subjetivo, o humor e o desempenho, exibindo valores máximos e mínimos aproximadamente
no mesmo horário ao longo do dia de 24 horas.

Ou seja, apesar do esforço social de oferecer alternativas para o trabalhador por turnos e,
especialmente, ao funcionário do turno da noite, a ausência de luz apresenta-se como um dos
fatores fundamentais para que um dos ciclos – a secreção da melatonina – ocorra. E este ciclo
é “fortemente correlacionado com o aumento da sonolência e a diminuição da temperatura
corporal”, a secreção diária de melatonina “pode ser suprimida por uma luz intensa” visto que
“os níveis de melatonina começam a se elevar por cerca das 21h00min h, atingem o pico
horas depois e retornam a níveis baixos pelas 09h00min h da manhã” (Idem, Ibidem, p. 17).

Buscando relacionar ciclo circadiano e trabalho em turnos, Santos (2005) analisa eventos
FOQA, agrupados por períodos em que ocorreram, durante seis meses. Os resultados

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demonstraram que, proporcionalmente, os erros ocorreram em escala crescente nos turnos da


manhã, tarde, noite e madrugada:

Tabela 1: Relação entre a porcentagem de horas voadas e a porcentagem de erros cometidos


em cada turno (SANTOS, 2005, p. 26).
Turnos Horários Vôos (%) Erros (%) Proporção
Manhã 06:00 – 11:59 35 33,05 0,94
Tarde 12:00 – 17:59 32 31,46 0,98
Noite 18:00 – 23:59 26 25,82 0,99
Madrugada 00:00 – 05:59 7 9,67 1,38

Ainda, em outro estudo importante, encontraram-se a correlação entre o tempo de horas


acordado com o estado de embriagues nos efeitos psicológicos de um individuo. Na tabela a
seguir, pode-se constatar essa correlação entre o estado biológico de uma pessoa que ingeriu
determinada quantidade de bebida alcoólica com o de uma pessoa que está determinado
número de horas acordado:

Tabela 2: Correlação entre o uso de álcool e a privação do sono (Rajaratnam apud MELLO et
al., 2008, p. 44)

Concentração de Horas acordado


álcool no sangue. (h)
0,000 3
0,025 7
0,045 11
0,065 15
0,085 19
0,100 23

Convém ressaltar que o Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica nº 91 (emitida


em 30 de dezembro de 2004) proíbe que uma pessoa atue como tripulante em uma aeronave
civil se possuir quantidade igual ou superior a 0,04% de álcool na corrente sangüínea. A
própria regulamentação, no entanto, não reconhece o estado análogo ao do álcool que a
privação do sono gera, quando um indivíduo passa 11 horas acordado, durante o período em
que deveria estar dormindo.

3. METODOLOGIA

Com o objetivo de investigar a relação entre fadiga e estado de humor em pilotos, e


correlacionar estas variáveis aos erros buscou-se inicialmente conhecimento sobre o tema
através de levantamento bibliográfico. A partir dos escritos encontrados, buscou-se conhecer e
utilizar um indicador que pudesse demonstrar quantitativamente a existência de alteração de
humor e presença de fadiga quando do exercício de um dia de trabalho do aeronauta.
Montaram-se então a partir do conhecimento desta ferramenta, uma pesquisa de campo no
qual participaram 91 sujeitos voluntários, todos os pilotos de linha aérea comercial. Após
caracterização da amostra, a todos os participantes foi instruído que respondessem à Escala de
Humor do Brasil (BRAMS), instrumento para coleta de dados quantitativos da situação
psicológica que permite “uma rápida mensuração do estado de humor de populações

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compostas por adultos e adolescentes participantes de atividades físicas em competições”


(ROHLFS, 2006, p. 16). No entanto, a Escala BRAMS também pode ser estendida para
populações de não atletas. O instrumento BRAMS contém 24 indicadores simples de humor
que compõem as seis subscalas: raiva, confusão, depressão, fadiga, tensão e vigor.

4. ESTUDO DE CASO

Participaram desta pesquisa de campo, 91 pilotos da aviação comercial Brasileira, voluntários sendo
que a população estudada apresenta as seguintes características: 45 anos ou menos de idade, casado,
sem filhos ou 2 filhos, mais de 10 anos de experiência na atividade, jornada diurna e noturna na
mesma proporção de vôos, sem exercício de outra atividade paralela, qualidade de vida tida como
satisfatória, com freqüência entre 6 a 8 horas de sono por noite, relatando sono satisfatório e pouco
stress tanto no deslocamento quanto para a rotina de trabalho.

5. RESULTADOS

Após a aplicação do questionário juntamente com o instrumento BRAMS, coleta, tabulação,


organização e análise dos dados obtidos, os resultados foram divididos para a compreensão
das respostas em quatro turnos distintos apresentados nos gráficos a seguir, onde a linha de
referência é o T SCORE 50 e o único item desejado acima dessa linha é o vigor.

Gráfico 1: Estado de Humor dos pilotos antes de iniciar a jornada:

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Evidenciou-se no Gráfico 1 (Estado de Humor dos pilotos antes de iniciar a jonada) um


resultado condizente com a literatura já dissertada neste trabalho. A madrugada mostrou-se o
horário mais crítico e desfavorável ao piloto, pois quatro das subescalas negativas, a saber,
tensão, depressão, raiva e fadiga mostraram-se em níveis significativamente superiores aos
apresentados nos outros horários. O índice do outro fator negativo, a confusão, está próximo
dos índices encontrados nos outros horários.

Importante salientar que a única subescala positiva – o vigor – apresenta índice menor entre
os pilotos que responderam ao instrumento BRAMS durante a madrugada, em relação aos
outros horários. No entanto esta diferença, mesmo não sendo significativa, é fundamental para
compreender o estado do piloto. Em suma, o estado de humor dos pilotos durante a
madrugada é nitidamente pior. O alto índice de fadiga e o baixo de vigor demonstram um
maior cansaço por parte destes pilotos. No entanto, mesmo cansados, os pilotos não se
encontravam confusos, ou seja, estavam com o controle emocional e o nível de atenção alto.

Nos outros três horários os índices mantiveram-se próximos sem grande variação. Salienta-se,
apenas, que o maior índice de vigor foi registrado no horário entre 12h00min e 17h59min.

Gráfico 2: Estado de Humor dos pilotos no início da jornada:

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Em relação à medição anterior, nota-se, no Gráfico 2 (Estado de Humor dos pilotos no início da
jornada) que a raiva, entre os pilotos do período da madrugada, está em um nível muito elevado, o
que evidencia uma grande alteração nos seus estados de humor, causando uma alta irritabilidade e
uma baixa tolerância. As outras três subescalas negativas, que acompanhavam a raiva, na explicação
anterior, neste horário, apresentaram altas. Ressalta-se que o índice apresentado na subescala
confusão distancia-se consideravelmente em relação aos outros horários.

O vigor apresenta uma queda considerável, concomitante com o crescimento da fadiga,


significando um maior cansaço no início de sua jornada. Portanto, o estado de humor dos
pilotos durante a madrugada piora substancialmente no início de sua jornada.

Novamente, os outros horários mantiveram-se em níveis próximos entre si e distantes dos


níveis apresentados durante a madrugada.

Gráfico 3: Estado de Humor dos pilotos no término de jornada:

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No Gráfico 3 (Estado de Humor dos pilotos no término da jornada) os índices de humor


apresentados nos horários 00h00min – 05h59min e 18h00min – 23h59min são próximos e
com melhores índices de tensão, depressão, raiva e fadiga do que os encontrados nos outros
dois horários analisados.

A subescala vigor não apresenta diferença significativa na comparação entre todos os


horários.

Necessário destacar que, diferentemente das duas outras medições, os fatores de humor
analisados não apresentaram diferenças significativas. No entanto, as jornadas de trabalho que
terminaram durante o dia, pela primeira vez, apresentaram índices piores de tensão,
depressão, raiva e fadiga.

Pode-se afirmar, a partir dos resultados encontrados na pesquisa, que o horário que se inicia
às 00h00min e vai até 5h59min causa desgastes físicos e psíquicos maiores nos pilotos,
interferindo em seus humores e na suas capacidades de tomada de decisão. Estes resultados
coincidem os pressupostos apresentados anteriormente, pois o estado de humor do piloto pode
esta relacionada com a dessincronização do ciclo circadiano e a conseqüente dificuldade dos
indivíduos a adaptarem-se a trocas rápidas de turnos de trabalhos, sem que o necessário tempo
de adaptação aos horários seja oferecido.

Com os dados aqui apresentados, abre-se espaço para um novo questionamento: quais fatores
estariam relacionados com a melhora do estado de humor dos pilotos ao término de suas
jornadas de trabalho, em comparação com os estados de humor apresentado pelos pilotos nas
duas medições anteriores. Espera-se que futuras pesquisas visem problematizar este dado.

6. Discussão

Após analise das informações colhidas nesta pesquisas confrontadas com outros estudos –
Santos (2005) e Mello (2008) – acreditamos que as informações presentes neste trabalho nos
possibilitem pensar sobre a hipótese de relacionar fadiga, sono, ciclo circadiano e erro.
Observou-se que a variação negativa do estado de humor dos pilotos com início da jornada de
trabalho na madrugada, apresenta diferenças de resultados, em relação aos estados de humor
apresentados pelos pilotos em outros períodos significativos: hipotetizamos estarem tais
diferenças intimamente relacionadas com o alto índice de eventos FOQA (SANTOS, 2005).

Este trabalho buscou relacionar os horários de acidentes e incidentes aeronáuticos, que


tiveram o Fator Humano como variável predominante entre os fatores contribuintes, com a
influência do ciclo circadiano nos horários destas ocorrências. Pretendeu-se, nesta pesquisa,
comparar e enriquecer os estudos nesta área, embora mesmo que sem uma análise maior ou
ainda mais consistente, com os padrões estatísticos exigidos para a realização de uma
pesquisa científica. Em virtude de um incêndio no antigo DAC, localizado no aeroporto
Santos Dumont, no Rio de Janeiro, perdeu-se muitos dados necessários para o levantamento
de informações num período significativo de tempo que permitiria tal estudo.

Não se pretendeu, ainda, neste estudo, transformar o ambiente da aviação em um ambiente


onde o stress deixasse de existir: o stress de alerta também conhecido com stress bom é

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necessário para a sobrevivência e tomada de decisão. Inerente a ele, no entanto, acreditamos


ser importante preservar os pilotos das abordagens sensacionalistas realizadas pela mídia em
momentos turbulentos da aviação brasileira. O piloto e todo trabalhador do setor aéreo deve
ter consciência das características deste e conviver com as dificuldades momentâneas. O
Gerenciamento de Crise é atualmente mais uma das propostas importantes e em fase de
desenvolvimento implantação nas companhias aérea, baseados nos conhecimentos
anteriormente incorporados pela filosofia CRM.

No âmbito pessoal e individual, a divulgação ou mesmo abordagem mais objetiva, da


influência do fator humano, ciclo circadiano, estresse, além da busca pelo autoconhecimento e
a conscientização, serão ferramentas importantes para minimizar os efeitos negativos
causados no ambiente de trabalho, ou ainda, à própria consciência situacional, entendida na
aviação como o contexto imediato e dos eventos mais importantes ou relevantes em um
determinado momento.

Faz-se necessário que o setor tome consciência das influências do cansaço, da fadiga e do
ciclo circadiano no rendimento dos trabalhadores, para que se previnam possíveis problemas
durante as jornadas da madrugada. A influência do ciclo circadiano no desempenho dos
pilotos deve ser de conhecimento dos profissionais que elaboram e executam as escalas de
vôo nas empresas, evitando que o aeronauta voe em duas madrugadas seguidas ou em
jornadas interrompidas pela madrugada sem local adequado para descanso, pois na jornada ao
longo de turnos noturnos sucessivos o risco de acidentes tende a aumentar em 6% na segunda
noite, 17% na terceira e 36% na quarta noite em relação à primeira (MELLO et al., 2008, p.
23). Existe essa tendência também nos outros turnos, porém em escala menor. Os vôos desses
períodos críticos devem ser escalados entre os aeronautas com o maior espaçamento possível
para se evitar a dessincronização do ciclo circadiano em curtos períodos de tempo, para que
não se agravem seus efeitos. Pode-se estudar a possibilidade de manter o piloto em rodízios
de turnos com período de tempo maior entre eles para possibilitar a menor influência do ciclo
claro-escuro no aeronauta. Além disso, a utilização de aeronautas que se sentem menos
afetados pela dessincronização também pode ser considerada uma das alternativas para se
minimizar os efeitos do ciclo circadiano.

O planejamento de fornecimento de alimentação distinta à tripulação na madrugada,


elaborada por nutricionistas com conhecimento dos efeitos dos alimentos que minimizam os
efeitos do sono e estimulam o organismo também serve de opção para minimizar os erros e
riscos nesses períodos de vôo (Idem, Ibidem, p. 74-6), pois alimentos mais pesados e
gordurosos aumentam a sonolência.

7. CONCLUSÃO

Para se precisar ainda mais a discussão recém apresentada, é fato que alguns cuidados devem
ser tomados na direção de futuras investigações a cerca da temática deste trabalho. No entanto
estes cuidados só puderam ser percebidos a partir das reflexões oriundas dos dados então
obtidos, e, portanto, gerará um novo delineamento de pesquisa para esta finalidade.

Nesta pesquisa evidenciou-se um estado de humor negativo mais presente entre os pilotos que
iniciaram suas jornadas durante a madrugada, o que pode debilitar suas capacidades
cognitivas e motoras. Levando-se em conta os dados colhidos por Santos (2005) e por esta

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pesquisa, é possível afirmar que a alteração do ritmo circadiano, que prejudica o humor e,
conseqüentemente, as características psicológicas do piloto, também deve ser analisada como
possível fator psicofisiológico de causas de acidentes, o que abre espaço para ampla discussão
sobre a necessidade de se avaliar as constantes alterações do ciclo circadiano dos pilotos,
visto que julgamentos deficientes por parte destes podem ser decorrentes de variáveis
fisiológicas e não apenas de variáveis psicológicas.

Ao se utilizar pela primeira vez no Brasil um instrumento de pesquisa de humor (BRAMS)


em pilotos, evidenciou-se a hipótese de uma possível síndrome de excesso de trabalho
apresentada por pilotos de avião. No entanto, o possível mapeamento desta síndrome foge do
escopo deste trabalho.

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