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FRANCO NOCE
Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP
Centro de Estudos Multidisciplinar em Sonolência e Acidentes – CEMSA
RESUMO
O objetivo deste trabalho é investigar a correlação entre o estado de humor dos pilotos durante o exercício de sua
profissão e a ruptura do ciclo circadiano. Para tanto, lançou-se mão de bibliografia científica e, posteriormente,
da coleta de dados, utilizando o instrumento BRAMS para aferir o estado de humor dos pilotos em horários
distintos, traçando uma possível correlação entre estas variáveis. Todos os participantes foram voluntários e
totalizam o número de 91 pilotos de avião. O questionário foi respondido em três etapas, apresentando a variação
de humor do piloto e os dados foram separados para a melhor compreensão dos possíveis efeitos da alteração do
ciclo circadiano. A análise pormenorizada revelou que o humor dos pilotos que iniciaram sua jornada de trabalho
entre 00h00min e 05h59min encontra-se debilitado e, possivelmente, suas capacidades cognitivas encontram-se
abaixo do normal, aumentando a probabilidade de risco para incidentes e acidentes por Fator Humano. Portanto,
os resultados deste estudo demonstram a necessidade de se discutir à segurança no setor aéreo levando-se em
conta as informações científicas, visando, assim, elaborar novas formas organizacionais que primem pela
segurança dos vôos.
ABSTRACT
This work objective to investigate the correlation between the pilot’s state-of-mood during the exercise of their
job and the circadian cycle rupture. In this way, scientific bibliography was required, as well as data collection,
later on, using BRAMS tool to compare the pilots´ state-of-mood in different times, describing a possible
analogy between those variable. All participants were voluntary, totalizing a number of 91 airplane pilots. The
questionnaire was answered in three steps, having presented the pilot state-of-mood variation, and the data had
been separated for best understanding the circadian cycle alteration possible effect. The detailed analysis
revealed the psychological state of the pilots who had initiated their working hours between 00:00 and 05:59 is
weak, and possibly their cognitive capacities are below the normal one, increasing the risk of human factors in
aeronautical incidents. Then, the results of this study demonstrate the needing of arguing about the aerial sector,
taking in consideration the scientific information, aiming, thus, to elaborate new organizational forms focusing
flight safety.
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1. INTRODUÇÃO
O estado de saúde geral do piloto que está envolvido no sistema de aviação, particularmente
o aspecto psicológico, sua disposição, vigor e energia, não recebe a devida atenção, mesmo
sendo este um elo essencial deste complexo sistema de transportes e grande responsável
pela segurança no setor.
As longas jornadas e variações constantes nos horários de trabalho por turnos, a inexistência
de um tempo hábil para a adaptação do ciclo circadiano e homeostáse, ou ainda a fadiga do
piloto, pouco são ressaltados como elementos a serem considerados como importantes, tanto
quanto são considerados os equipamentos e procedimentos, na segurança de vôo. A
necessidade de maior produtividade e competitividade das empresas aéreas, que buscam
acompanhar as exigências do mercado, poderá tambem representar um complicador para a
segurança operacional.
Ao serem analisados todos esses fatores, surge o questionamento sobre a saúde psicológica
e fisiológica dos pilotos no seu cotidiano de trabalho, e quais medidas podem ser tomadas
como prevenção para a diminuição do erro humano.
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Desta forma, este trabalho teve como objetivo investigar e avaliar a relação do humor do
piloto, avaliado através de um instrumento de pesquisa denominado BRAMS (Escala de
humor do Brasil) com a fadiga e turnos de trabalho, correlacionando-os a eventuais riscos
para a segurança de vôo, assim como levantar hipóteses sobre a influência destas variáveis
no erro, durante diferentes horários de trabalho do piloto.
2. REVISÃO DA LITERATURA
A aviação apresenta em sua história o homem como o grande responsável pela maioria dos
acidentes aéreos. A interação homem-máquina durante a revolução industrial e seus altos
índices de acidentes foram os primeiros alertas para o homem nesse campo. Viu-se a
necessidade de entender a máquina e até onde essa interação aliado a fatores externos
poderiam afetar o sucesso da operação. Nos anos 40, em função da Segunda Grande Guerra, o
foco era a performance obtidas através dos testes de seleção de pilotos; na década de 50
difundiu o uso dos princípios da ergonomia na construção dos cockpits, o que melhorou a
interface homem-máquina; os anos 60 marcaram o início do projeto de sistemas instrucionais;
nos anos 70 trouxeram mudanças significativas no treinamento dos aeronautas; a guerra do
Oriente Médio, em 1973, gerou a crise do petróleo, que obrigou as empresas a reduzirem o
número de horas voadas pelo piloto para a qualificação em vários tipos de equipamentos.
Com isso criou-se a necessidade de buscar o treinamento ideal, em termos de tempo e
necessidades, que fosse capaz de prover ao piloto um bom nível de performance e julgamento,
em caso de tomada de decisão em situações especiais.
Portanto para se entender esta questão na aviação, é importante conhecermos melhor o erro
humano e o sistema de processamento de informação humana.
Uma das formas de solucionar os problemas relativos aos erros humanos veio com a
implantação do CRM. Para melhorar o processo decisório dentro de uma aeronave,
concentraram-se os treinamentos, nas atividades e no comportamento dos membros de uma
tripulação, visando torná-los conscientes da influência do Fator Humano presentes na cabine.
Desta forma, treinamentos foram criados com o objetivo de proporcionar aos pilotos
conhecimentos necessários para anteciparem-se e lidarem com o comportamento humano
durante a realização do vôo (MOREIRA, 2001, p. 25).
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“uma espécie diurna, adaptada para exercer suas atividades na fase clara
do ciclo claro/escuro e repousar na fase escura. O desenvolvimento de
nosso sistema visual e nossa dependência da informação luminosa nos
caracterizam como espécie diurna. O período principal de sono na nossa
espécie situa-se, portanto, na fase escura, mas podem ocorrer outros
momentos de repouso ao longo do dia.” (MARTINEZ et al., 2008, p. 174-
5).
Os estudos acerca do ritmo circadiano afirmam que este possui uma “natureza auto-
sustentada” (MELLO et al., 2008, p. 15) não sendo, portanto, governado pelo ambiente. No
entanto, “a luz é considerada o principal zeitgeber (doador do tempo, em alemão) – estímulo
temporal capaz de sincronizar ritmos circadianos – à parte das interações sociais, do horário
escolar e do trabalho, da atividade física e do exercício” (MELLO et al., 2008, p. 16, grifo dos
autores). O ritmo circadiano ocorre numa variedade de medidas psicofisiológicas, que
incluem o sono, a secreção hormonal, a temperatura corporal, a excreção urinária, o alerta
subjetivo, o humor e o desempenho, exibindo valores máximos e mínimos aproximadamente
no mesmo horário ao longo do dia de 24 horas.
Ou seja, apesar do esforço social de oferecer alternativas para o trabalhador por turnos e,
especialmente, ao funcionário do turno da noite, a ausência de luz apresenta-se como um dos
fatores fundamentais para que um dos ciclos – a secreção da melatonina – ocorra. E este ciclo
é “fortemente correlacionado com o aumento da sonolência e a diminuição da temperatura
corporal”, a secreção diária de melatonina “pode ser suprimida por uma luz intensa” visto que
“os níveis de melatonina começam a se elevar por cerca das 21h00min h, atingem o pico
horas depois e retornam a níveis baixos pelas 09h00min h da manhã” (Idem, Ibidem, p. 17).
Buscando relacionar ciclo circadiano e trabalho em turnos, Santos (2005) analisa eventos
FOQA, agrupados por períodos em que ocorreram, durante seis meses. Os resultados
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Tabela 2: Correlação entre o uso de álcool e a privação do sono (Rajaratnam apud MELLO et
al., 2008, p. 44)
3. METODOLOGIA
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4. ESTUDO DE CASO
Participaram desta pesquisa de campo, 91 pilotos da aviação comercial Brasileira, voluntários sendo
que a população estudada apresenta as seguintes características: 45 anos ou menos de idade, casado,
sem filhos ou 2 filhos, mais de 10 anos de experiência na atividade, jornada diurna e noturna na
mesma proporção de vôos, sem exercício de outra atividade paralela, qualidade de vida tida como
satisfatória, com freqüência entre 6 a 8 horas de sono por noite, relatando sono satisfatório e pouco
stress tanto no deslocamento quanto para a rotina de trabalho.
5. RESULTADOS
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Importante salientar que a única subescala positiva – o vigor – apresenta índice menor entre
os pilotos que responderam ao instrumento BRAMS durante a madrugada, em relação aos
outros horários. No entanto esta diferença, mesmo não sendo significativa, é fundamental para
compreender o estado do piloto. Em suma, o estado de humor dos pilotos durante a
madrugada é nitidamente pior. O alto índice de fadiga e o baixo de vigor demonstram um
maior cansaço por parte destes pilotos. No entanto, mesmo cansados, os pilotos não se
encontravam confusos, ou seja, estavam com o controle emocional e o nível de atenção alto.
Nos outros três horários os índices mantiveram-se próximos sem grande variação. Salienta-se,
apenas, que o maior índice de vigor foi registrado no horário entre 12h00min e 17h59min.
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Em relação à medição anterior, nota-se, no Gráfico 2 (Estado de Humor dos pilotos no início da
jornada) que a raiva, entre os pilotos do período da madrugada, está em um nível muito elevado, o
que evidencia uma grande alteração nos seus estados de humor, causando uma alta irritabilidade e
uma baixa tolerância. As outras três subescalas negativas, que acompanhavam a raiva, na explicação
anterior, neste horário, apresentaram altas. Ressalta-se que o índice apresentado na subescala
confusão distancia-se consideravelmente em relação aos outros horários.
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Necessário destacar que, diferentemente das duas outras medições, os fatores de humor
analisados não apresentaram diferenças significativas. No entanto, as jornadas de trabalho que
terminaram durante o dia, pela primeira vez, apresentaram índices piores de tensão,
depressão, raiva e fadiga.
Pode-se afirmar, a partir dos resultados encontrados na pesquisa, que o horário que se inicia
às 00h00min e vai até 5h59min causa desgastes físicos e psíquicos maiores nos pilotos,
interferindo em seus humores e na suas capacidades de tomada de decisão. Estes resultados
coincidem os pressupostos apresentados anteriormente, pois o estado de humor do piloto pode
esta relacionada com a dessincronização do ciclo circadiano e a conseqüente dificuldade dos
indivíduos a adaptarem-se a trocas rápidas de turnos de trabalhos, sem que o necessário tempo
de adaptação aos horários seja oferecido.
Com os dados aqui apresentados, abre-se espaço para um novo questionamento: quais fatores
estariam relacionados com a melhora do estado de humor dos pilotos ao término de suas
jornadas de trabalho, em comparação com os estados de humor apresentado pelos pilotos nas
duas medições anteriores. Espera-se que futuras pesquisas visem problematizar este dado.
6. Discussão
Após analise das informações colhidas nesta pesquisas confrontadas com outros estudos –
Santos (2005) e Mello (2008) – acreditamos que as informações presentes neste trabalho nos
possibilitem pensar sobre a hipótese de relacionar fadiga, sono, ciclo circadiano e erro.
Observou-se que a variação negativa do estado de humor dos pilotos com início da jornada de
trabalho na madrugada, apresenta diferenças de resultados, em relação aos estados de humor
apresentados pelos pilotos em outros períodos significativos: hipotetizamos estarem tais
diferenças intimamente relacionadas com o alto índice de eventos FOQA (SANTOS, 2005).
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Faz-se necessário que o setor tome consciência das influências do cansaço, da fadiga e do
ciclo circadiano no rendimento dos trabalhadores, para que se previnam possíveis problemas
durante as jornadas da madrugada. A influência do ciclo circadiano no desempenho dos
pilotos deve ser de conhecimento dos profissionais que elaboram e executam as escalas de
vôo nas empresas, evitando que o aeronauta voe em duas madrugadas seguidas ou em
jornadas interrompidas pela madrugada sem local adequado para descanso, pois na jornada ao
longo de turnos noturnos sucessivos o risco de acidentes tende a aumentar em 6% na segunda
noite, 17% na terceira e 36% na quarta noite em relação à primeira (MELLO et al., 2008, p.
23). Existe essa tendência também nos outros turnos, porém em escala menor. Os vôos desses
períodos críticos devem ser escalados entre os aeronautas com o maior espaçamento possível
para se evitar a dessincronização do ciclo circadiano em curtos períodos de tempo, para que
não se agravem seus efeitos. Pode-se estudar a possibilidade de manter o piloto em rodízios
de turnos com período de tempo maior entre eles para possibilitar a menor influência do ciclo
claro-escuro no aeronauta. Além disso, a utilização de aeronautas que se sentem menos
afetados pela dessincronização também pode ser considerada uma das alternativas para se
minimizar os efeitos do ciclo circadiano.
7. CONCLUSÃO
Para se precisar ainda mais a discussão recém apresentada, é fato que alguns cuidados devem
ser tomados na direção de futuras investigações a cerca da temática deste trabalho. No entanto
estes cuidados só puderam ser percebidos a partir das reflexões oriundas dos dados então
obtidos, e, portanto, gerará um novo delineamento de pesquisa para esta finalidade.
Nesta pesquisa evidenciou-se um estado de humor negativo mais presente entre os pilotos que
iniciaram suas jornadas durante a madrugada, o que pode debilitar suas capacidades
cognitivas e motoras. Levando-se em conta os dados colhidos por Santos (2005) e por esta
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pesquisa, é possível afirmar que a alteração do ritmo circadiano, que prejudica o humor e,
conseqüentemente, as características psicológicas do piloto, também deve ser analisada como
possível fator psicofisiológico de causas de acidentes, o que abre espaço para ampla discussão
sobre a necessidade de se avaliar as constantes alterações do ciclo circadiano dos pilotos,
visto que julgamentos deficientes por parte destes podem ser decorrentes de variáveis
fisiológicas e não apenas de variáveis psicológicas.
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