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ISSN 2175-6945

Mecenato via plataformas digitais: o financiamento recorrente como


modelo de negócio para podcasting1
Rafael MEDEIROS2
Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS
Nair PRATA3
Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, MG

Resumo
O rádio no ambiente digital se apresenta como expandido, com novas características de
formato, produção e distribuição de conteúdo e com a possibilidade de ser ouvido em
diferentes dispositivos. Os podcasts surgiram dessa nova configuração como um tipo de
rádio sob demanda que tem aumentado seu número de adeptos e diversificado seus
conteúdos. O olhar desta pesquisa exploratória se volta para os modelos de negócios
encontrados pelos produtores de podcasts para difundir seus programas. Entre esses
modelos está o financiamento recorrente, onde os ouvintes contribuem mensalmente para
manter o conteúdo no ar. O trabalho faz um mapeamento nas plataformas digitais
específicas para iniciativas de financiamento coletivo buscando e analisando podcasts que
usam esse tipo de modelo de negócio. Os resultados apontam para a consolidação dos novos
modelos de negócio no rádio na medida em que o meio também ganha outras vertentes.
Palavras-chave: rádio expandido; novos modelos de negócio; podcasting; financiamento
coletivo

1. Introdução
O rádio busca se adaptar às transformações tecnológicas que têm modificado
intensamente a ecologia de mídia e alterado os modos de produção, circulação e consumo
midiático. A ocupação de espaços nas redes sociais digitais, transmissão de programas com
imagens ao vivo do estúdio nas plataformas virtuais e disponibilização de conteúdo para
download ou consumo via streaming nos seus sites e aplicativos são alguns modelos
encontrados pelas rádios para se adaptarem às mudanças.
No ambiente digital o rádio se apresenta como expandido, apropriando-se de
elementos de outras mídias ao ampliar seu conteúdo para múltiplos formatos e plataformas,
1
Trabalho apresentado no GT História da Mídia Sonora integrante do 11º Encontro Nacional de História da Mídia.
2
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Mestre
em Comunicação pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Membro da Associação Brasileira de Pesquisadores
de História da Mídia (Alcar). E-mail: rfmedeiros13@gmail.com
3
Jornalista, doutora em Linguística Aplicada (UFMG), com estágio de pós-doutoramento na Universidad de Navarra
(Pamplona, Espanha). Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Ouro
Preto (UFOP). Diretora Científica da Intercom e vice-presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores de História
da Mídia (Alcar). Membro do ConJor. E-mail: nairprata@uol.com.br

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podendo “oferecer não apenas seus elementos sonoros tradicionais - voz, música, efeitos -,
mas também imagens, vídeos, gráficos, links para blogs e toda uma arquitetura de
interação” (KISCHINHEVSKY, 2016, p. 133). O consumo de rádio também se expandiu,
sendo possível o acesso a conteúdos radiofônicos através de TVs por assinatura, notebooks,
tablets, computadores e aplicativos para smartphones, smartspeakers e outros dispositivos e
plataformas. A produção de conteúdos não está mais restrita às emissoras tradicionais, já
que o acesso à internet, a popularização de gravadores e softwares de áudio e a
disseminação de plataformas de rádio digital possibilitou que os consumidores de conteúdo
midiático se tornassem também criadores. É nesse cenário que surge o podcasting, um
modelo radiofônico assincrônico e sob demanda que explora temas específicos para um
público bastante segmentado.
Com o rádio expandido e o surgimento de novos formatos e modalidades
radiofônicas, o antigo modelo de negócios baseado em anúncios precisou ser revisto.
Mesmo as emissoras tradicionais, que ainda exploram esse modelo, precisaram diversificar
as formas de arrecadação. O presente estudo se debruça sobre os novos modelos de negócio
– nomeadamente o financiamento coletivo recorrente – para novas modalidades de rádio –
especificamente o podcasting.
O financiamento coletivo recorrente é uma modalidade de crowdfunding4 onde a
contribuição para o projeto apoiado é feita mensalmente. A modalidade é muito usada por
entidades filantrópicas e por produtores de conteúdo informativo e de entretenimento
periódico independente, como pequenos jornais, blogs, vlogs e podcasts. Esse modelo de
negócio começou através da plataforma estadunidense Patreon, fundada em 2013 e
rapidamente adotada para diferentes projetos oriundos de vários países. No Brasil, as
primeiras plataformas exclusivas para financiamento coletivo recorrente surgiram em 2014
e 2015 e serviram de base para que sites especializados no crowdfunding “tradicional”
também incluíssem em seu próprio escopo essa modalidade de financiamento.
Baseado em pesquisa exploratória, uma vez que são parcos os estudos sobre esse
tipo de modelo de negócio, a pesquisa mapeou as principais plataformas de financiamento

4
“O nome faz jus à sua definição: a palavra inglesa crowd significa “multidão”; e funding, “financiamento””. A lógica do
crowdfunding é o financiamento de projetos pelo próprio público. “Os diversos projetos como, por exemplo, de cunho
cultural, como a produção de um CD de uma banda, ou a apresentação de um grupo musical, ou a publicação de um
livro, são hospedados em um site voltado para captação de doações coletivas em prol da efetivação do trabalho
apresentado” (COCATE; PERNISA JÚNIOR, 2012, p. 135-136)

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coletivo recorrente em busca das iniciativas mais relevantes. As plataformas escolhidas
foram as brasileiras Padrim e Catarse e a estadunidense Patreon. A partir delas, foram
selecionados três podcasts – Jogabilidade, Mamilos e Xadrez Verbal – como elementos
empíricos que tiveram evidenciados os seus conteúdos, as plataformas de difusão e,
efetivamente, o funcionamento das campanhas para arrecadação nas plataformas de
financiamento recorrente.

2. Modelos de negócio no rádio


Embora o rádio no Brasil tenha surgido com características de mídia educativa, seu
acesso restrito a uma população abonada e o tipo de programação o configurou, no início do
século XX, como uma mídia elitizada. As emissoras pioneiras se mantinham através do
pagamento de mensalidades por filiados que constituíam, assim, clubes formados por um
público bem específico. Conforme aponta Ferraretto (2009), os membros dos clubes
normalmente eram entusiastas das inovações tecnológicas, comerciantes, pessoas ligadas de
alguma forma à educação ou interessadas em demonstrar um status social privilegiado.
As agremiações sobreviviam através do pagamento de uma cota inicial (joia) e de
valores mensais fixos. A Rádio Club do Brasil, emissora fundada em 1924 a partir de uma
dissidência da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fazia chamados regulares em jornais e
revistas buscando interessados em se tornarem sócios da emissora. A figura a seguir (Figura
1) é um fragmento do jornal Fon-Fon de 22 de novembro de 1924 que trouxe informações
sobre a rádio e as formas de associação:

Figura 1 - Fragmento da coluna do Radio Club do Brasil no Jornal Fon-Fon em 1924

Fonte: Fon-Fon, 1924, s.p.

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Além disso, a publicação ainda apelou para o sentimento patriótico da população da
época ao afirmar que “inscrever-se como sócio do Radio Club do Brasil, é contribuir para a
educação artística e literaria de todos que vivem sob a nossa gloriosa bandeira” (FON-FON,
1924, s.p). O tipo de organização das emissoras como clubes de aficionados contribuiu para
a elitização inicial da programação, mas também foi uma forma de manter financeiramente
essas rádios no ar, já que a publicidade no Brasil foi regulamentada apenas em 1932.
Depois dessa época o rádio passou “a se afirmar como fonte de informação e
entretenimento popular” (KISCHINHEVSKY, 2016, p. 41). O modelo de negócio do rádio
tradicional desde então foi baseado em anúncios, o que ajudou a popularizar a programação
das emissoras. “Com o advento da publicidade, as emissoras mudaram a oferta
programática, passando a mesclar música popular, esportes e informação da atualidade”
(REIS, 2004, p. 4) em busca de audiência e, por conseguinte, de anunciantes.
Com a facilitação de compra dos aparelhos de rádio a partir de meados da década de
1930, com o surgimento de novas emissoras e com o desenvolvimento de novas tecnologias
para radiodifusão, o rádio teve grande expansão e se tornou o principal meio de
comunicação de massa no Brasil. Nessa combinação entre popularização da programação,
regulamentação da publicidade e o modelo de negócio baseado em anúncios, “o
entretenimento ganhou voz e aumentou o bolo publicitário. Entre 1930 e 1960, ocorreu a
expansão e a consolidação dos investimentos na publicidade” (AVELAR, 2017, p. 72).
O grande momento comercial do rádio brasileiro começou a declinar com a chegada
e desenvolvimento da televisão, que tomou para si a maior parte dos investimentos com
publicidade e impôs ao rádio uma baixa arrecadação que levou também a uma perda na
qualidade das transmissões das emissoras, ainda em AM. A crise do rádio não parte apenas
da diminuição de faturamento ou migração da audiência, mas os próprios conteúdos que
fizeram sucesso nos principais anos da radiodifusão sonora passam a moldar a programação
e linguagem da televisão que assim “impõe ao ambiente comunicacional uma nova forma
de relacionamento com os bens culturais massivos” (FERRARETTO, 2012, p. 13).
Assim, o rádio precisou se reinventar para refutar as previsões do seu fim em
substituição pela televisão. A estratégia foi buscar um público específico e segmentar a
programação como forma de adaptar-se à nova realidade de distribuição das verbas
publicitárias que beneficiavam a mídia audiovisual. Foram desenvolvidas então

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“programações populares, focadas no noticiário policial das grandes cidades e na prestação
de serviços [...]; programações musicais para os mais variados públicos; emissoras
jornalísticas voltadas para as classes A e B; programações religiosas” (KISCHINHEVSKY,
2016, p. 41).
Um respiro financeiro para a radiodifusão sonora veio de fato com a implementação
do FM na década de 1970. Evidentemente, o meio não voltou a ter os grandes momentos
comerciais tidos com os programas de auditório e com as rádio-novelas nas décadas de
1940 e 1950 nem mesmo com a centralidade na relação com a indústria fonográfica.
Conforme destaca Faus Belau, “os gravadores, os transistores, a miniaturização dos
receptores, o walkman, o FM, o estéreo, [...] e tantos outros sistemas, equipamentos e
procedimentos apareceram no momento exato em que o profissional, o mercado e o meio
precisavam de ajuda” (BELAU, 2001, p. 18-19, tradução nossa).
Ao que se seguiu esse momento, a expansão da internet obrigou o rádio a adaptar
seus conteúdos também para a rede mundial de computadores. A ida de emissoras
tradicionais para a internet e o surgimento de rádios com transmissão exclusivamente pela
web transformou mais uma vez o modelo de negócio da radiodifusão, já que o bolo da
publicidade foi fatiado novamente incluindo os anúncios online. O rádio passou a explorar
outras ferramentas de monetização e incorporou o conceito de branded content aos seus
produtos – não só os sonoros – assumindo “configurações adequadas aos objetivos
organizacionais, deixando em segundo plano o interesse público, elemento balizador do
jornalismo” (AVELAR, 2017, p. 76).
As rádios estão buscando outras possibilidades mercadológicas explorando
publicitariamente seus conteúdos multimidiáticos veiculados não só na matriz sonora
tradicional, mas também em plataformas de vídeos como o YouTube ou em TVs por
assinatura. Se antes o determinante para o valor do anúncio em uma rádio ou em algum
programa específico era basicamente a quantidade de ouvintes (FERRARETTO, 2014, p.
22), com o rádio expandido é preciso pensar no valor da marca, no valor da rádio ou do
programa enquanto balizador de uma relação identitária convencionada com o público que
não consome apenas o conteúdo sonoro, mas busca estar próximo das emissoras através
outras plataformas, como as redes sociais digitais.

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A exploração das diferentes possibilidades apresentadas pela internet e o surgimento
de várias plataformas digitais para consumo de áudio também fez surgir novas modalidades
radiofônicas – como os podcasting. Esses, enquanto objetos empíricos do presente estudo,
exemplificam a busca de variegadas estratégias de financiamento com base nas
características particulares dos novos tipos de mídia sonora. A seguir, o trabalho apresenta
um modelo de negócio que vem sendo difundido para o custeio desses programas: o
financiamento recorrente através de plataformas digitais.

3. Podcasting e o modelo de financiamento recorrente


Antes de concentrar na empiria da pesquisa é preciso assinalar o que se entente por
podcasting nos estudos comunicacionais acerca da radiodifusão sonora e também
contextualizar o fenômeno para entender como os produtos abordados no estudo
representam algo novo não só pelo modo de financiamento, mas também pelas estratégias
multimidiáticas e manifesta profissionalização se comparável com o advento desse tipo de
produção. A abordagem aqui pretendida abarca a conceituação de Alex Primo (2005, p. 1),
entendendo o podcasting como um “processo midiático que emerge a partir da publicação
de arquivos de áudio na Internet”, mas que não se limita a isso, já que “as interações que
ocorrem nos blogs dos podcasts também fazem parte do podcasting enquanto processo,
enquanto fenômeno midiático (...), o podcasting é maior que o podcast, o programa per se”
(PRIMO, 2005, p. 19).
De acordo com Kischinhevsky (2018, p. 77), “o cenário que viabiliza o surgimento
do podcasting, modalidade de radiofonia sob demanda, assincrônica, que vai além da oferta
de conteúdos em websites de emissoras” pode ser verificado a partir do começo dos anos
2000, quando foi popularizada a distribuição automática e sistematizada de arquivos de
áudio por feeds como Atom e RSS5. Com o aumento de produtores e consumidores de
podcasts, em um fenômeno que pode ser chamado de primeira era do podcasting, surgiram
os primeiros aplicativos agregadores para organizar os conteúdos assinados pelo usuário
através dos feeds6.

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“RSS é uma maneira de um programa chamado agregador de conteúdo saber que um blog foi atualizado sem que a
pessoa precise visitar o site. Ou seja, em vez de o internauta ir até o conteúdo, é o conteúdo que “vai” para o internauta”
(LUIZ, 2015). A atualização dos episódios de determinado podcast segue essa mesma lógica.
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Entre os agregadores mais populares estão o iTunes, Google Podcasts, Podcasts Addict e CastBox.

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Para o pesquisador italiano Tiziano Bonini, o podcasting nasceu efetivamente em
2004 e contribuiu para dar voz a produtores amadores que não tinham possibilidade de
concorrer com materiais das empresas de comunicação. Nesse sentido, o autor evidencia
que “desde a sua criação, o podcasting evoluiu em duas direções: amador, com uso sem fins
lucrativos e os de uso comercial, com fins lucrativos (um lucro que, como veremos, quase
sempre é inexistente, pelo menos até 2012)” (BONINI, 2015, p. 23, tradução nossa).
Esse modelo radiofônico se popularizou rapidamente, mesmo com as características
amadoras do começo. Os conteúdos de alta especialização atraíam um público muito
específico, normalmente ouvintes aficionados pelo assunto tratado no programa e que,
assim, se tornavam fãs também do podcast em questão. A partir de 2012, o cenário do
podcasting começa a viver um novo momento, chamado por Bonini de “a segunda era”. A
lógica inicial, baseada em uma produção amadora, foi substituída pela qualidade de
conteúdos, diversidade de assuntos, novas possibilidades de distribuição e acesso e pela
difusão de plataformas de rádio social como SoundCloud, Deezer e Spotify, contribuindo,
assim, para o desenvolvimento do podcasting a partir dessa fase.
Com o surgimento de novos dispositivos de distribuição e audição de conteúdos
sonoros “criou-se um mercado independente para o podcasting” (BONINI, 2015, p. 26,
tradução nossa), mas o que realmente gerou uma grande mudança e manteve o caráter
participativo do podcasting foi o modelo de negócio adotado a partir dessa época. Alguns
famosos podcasts do rádio público americano buscaram um novo modelo de financiamento
baseado na contribuição dos ouvintes, já fãs dos conteúdos veiculados por esses programas,
usando plataformas digitais de crowdfunding. Segundo Kischinhevsky (2018, p. 77), “o
primeiro grande projeto a se capitalizar com financiamento coletivo foi o podcast 99%
Invisible, especializado em arquitetura e design, viabilizado por doações de 5.661 ouvintes,
totalizando US$ 170 mil”.
Desde então, esse modelo de negócio foi adotado por cada vez mais podcastings, ao
passo em que novas plataformas de financiamento coletivo eram criadas e usadas pelos
produtores. No Brasil, as plataformas de financiamento coletivo se desenvolveram a partir
de 2009 com o Vakinha, site que hospeda qualquer tipo de projeto, inclusive os que buscam
financiamento para objetivos pessoais. Segundo Cocate e Pernisa Júnior (2011, p. 3), “o
primeiro site brasileiro que apresentou a plataforma de crowdfunding voltada somente para

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projetos culturais foi o Catarse, criado no início de 2011” e hoje é o principal site de
crowdfunding do Brasil. Com o sucesso dessas iniciativas, outras plataformas surgiram e se
diversificaram, sendo que hoje existem sites específicos para quem busca financiar
coletivamente desde projetos culturais a campanhas assistenciais.
Entendendo a multiplicidade dos projetos cadastrados nas plataformas, os sites se
diferenciaram não só por temáticas, mas buscaram ramificar as formas de colaboração em
categorias para atender necessidades específicas dos tipos de campanhas, assim surgiu a
categoria de financiamento coletivo recorrente, onde os financiadores contribuem
mensalmente com um projeto e, normalmente, têm acesso a conteúdos exclusivos ou
recebem o material fruto do financiamento antes da veiculação geral.
Ainda que alguns sites de financiamento coletivo “tradicional” – como o Catarse –
tenham incorporado a categoria de financiamento recorrente nas suas plataformas, existem
sites específicos para o financiamento coletivo recorrente, sendo o principal deles no Brasil
o Padrim, plataformas onde os financiadores são chamados de padrinhos e madrinhas dos
projetos dos quais são fãs. O mercado de podcasting encontrou nesse tipo de financiamento
um modo de manter a produção e a qualidade dos conteúdos veiculados periodicamente, já
que as colaborações também são periódicas.

4. Perspectivas metodológicas
Enquanto pesquisa exploratória, o estudo tem “como objetivo proporcionar maior
familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir
hipóteses” (SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009, p. 35). Dessa forma, o trabalho parte desse
objetivo para buscar as características do financiamento coletivo recorrente para podcasts.
Na primeira fase do estudo foi feita pesquisa bibliográfica e mapeamento inicial nas
principais plataformas de financiamento coletivo que tenham a modalidade de
financiamento recorrente. Com a expansão desse tipo de financiamento, muitos programas
usam uma ou mais plataformas para arrecadar fundos. Considerando o número de chaves
encontradas em cada plataforma mapeada, foram definidas três delas: Catarse, Padrim e
Patreon (Quadro 1).

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Quadro 1 - As plataformas de financiamento recorrente mapeadas na pesquisa
Plataforma Características
Catarse - Criada em 2011, é a principal plataforma de financiamento coletivo do Brasil, com mais
de 8 mil projetos financiados (URBIM, 2018);
- Específica para projetos criativos, não aceita projetos de caridade;
- Em 2017 deu início à modalidade de financiamento coletivo recorrente.
Padrim - A plataforma foi criada em 2015, sendo a segunda 7 especializada em financiamento
coletivo da modalidade recorrente;
- Inspirada na Patreon, se tornou a principal plataforma do tipo no Brasil;
- Permite pagamento com boleto bancário, ao contrário da Patreon.
Patreon - Fundada em 2013, é o principal site mundial de financiamento recorrente;
- Com mais de 1 milhão de financiadores mensais, a plataforma arrecadou mais de 150
milhões de dólares em 2017 (CONSTINE, 2017).
- Sediada nos Estados Unidos, ainda é utilizada por muitos criadores brasileiros.
Fonte: Elaborado pelos autores com dados da pesquisa e de Constine (2017) e Urbim (2018).

A segunda fase da pesquisa mapeou, nas três plataformas escolhidas, as principais


iniciativas envolvendo podcasting através de busca específica nos sites pelo termo
“podcast”. A partir desse mapeamento foi possível destacar que, entre os cinco projetos
mais “apadrinhados” no Padrim, dois são podcastings – Jogabilidade e Xadrez Verbal. O
outro podcasting que compõe o escopo dos materiais analisados é o Mamilos, que tem
projetos de financiamento recorrente nas plataformas Catarse e Patreon. O site
estadunidense ainda hospeda outra campanha do Jogabilidade. O número de podcasts
analisados foi definido com base na quantidade de colaboradores, sendo que os três
escolhidos têm ao menos mil financiadores mensais.
Na terceira fase foi realizada escuta sistematizada de cinco episódios de cada
podcast para verificação das temáticas, conteúdos e produtores. A audição sistematizada
consiste na ordenação de programas distintos para acompanhamento como forma de se
verificar o conteúdo dentro de um padrão, observando-se as continuidades e possíveis
rupturas. Além disso, buscou-se entender através de quais plataformas as produções são
difundidas (se usam algum tipo de rádio social, agregadores ou players próprios) e também
agrupar os dados das plataformas de financiamento recorrente selecionadas referentes aos
podcasts mapeados. O esquema a seguir procura desintrincar as fases descritas.

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A primeira plataforma especializada em financiamento coletivo recorrente criada no Brasil foi a APOIA.se. Fundada em
2014, também foi inspirada na Patreon.

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Figura 2 – Fases da metodologia

Fonte: Elaborada pelos autores.

A seguir serão apresentados os podcasts analisados com base nos seus conteúdos,
modos de difusão e exibidos os dados8 dos financiamentos coletivos recorrentes de cada um
deles.

5. Os podcasts analisados
5.1 Jogabilidade
O Jogabilidade foi criado em dezembro de 2011 como “um projeto um projeto que
tem como objetivo discutir, propagar, desconstruir, amar, criticar e rir da cultura dos
videogames no Brasil” (JOGABILIDADE, 2018). A pesquisa abarca essa definição dos
criadores porque o Jogabilidade agrupa diversos podcasts em seu site, ainda que todos
tratem de temáticas que circundam a cultura dos videogames.
O primeiro podcast produzido no projeto Jogabilidade se chama Dash e trata de um
jogo, desenvolvedor, franquia, ou processo criativo dos games a cada episódio. Com
periodicidade bimensal e duração média de 100 minutos, o Dash segue como o principal
produto em áudio do Jogabilidade. O projeto ainda tem outros três podcasts de
periodicidade quinzenal e um mensal: o Vértice de Jogos trata especificamente dos
principais lançamentos de games, já o Vértice de Notícias é feito ao vivo, com participação
de ouvintes e repercute os principais acontecimentos no universo dos videogames na
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Os dados apresentados foram coletados em 13 de fevereiro de 2019.

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quinzena. O outro podcast quinzenal do Jogabilidade é o Linha Quente, um humorístico de
menor duração onde os apresentadores respondem perguntas gerais dos ouvintes.
Descolando um pouco dos games, o podcast mensal Fora da Caixa discute elementos da
“cultura pop” incluindo quadrinhos, filmes, músicas e séries – é o conteúdo com menos
downloads na plataforma do Jogabilidade. Embora abertos e com a possibilidade de
download, todos os episódios são publicados no próprio site, não contando com a utilização
de agregadores ou plataformas de rádio social. Todo o conteúdo é viabilizado desde 2015
por meio de plataformas de financiamento coletivo.
Por meio da escuta foi possível perceber que os podcasts que não tratam de games
de maneira direta são uma forma encontrada para manter a interação com a audiência entre
os prazos de produção dos conteúdos que dependem de mais tempo (programas bimensais
ou mensais). Aparentemente, a estratégia tem surtido efeito, já que o Jogabilidade é apoiado
por 1.205 ouvintes e recebe mensalmente via financiamento coletivo recorrente a quantia
bruta de mais de treze mil reais, acima da meta de dez mil reais inicialmente estipulada.
.
5.2 Mamilos
O Mamilos foi criado em 2014 para discutir em profundidade temas polêmicos que
repercutiram na imprensa ou nas redes sociais digitais. Semanalmente as criadoras do canal
e apresentadoras do programa, Juliana Wallauer e Cris Bartes, recebem debatedores para
levantar questões a respeito das temáticas diversificadas que são pautadas. Os conteúdos
mapeados tratam de saúde pública, educação e ensino à distância, preconceito contra
gêneros musicais periféricos, psicologia e inteligência emocional e cenário eleitoral
brasileiro. A diversidade de temas não implica, entretanto, em discussões rasas, pelo
contrário, cada episódio tem duração média de 90 minutos e participação de vários
especialistas na tentativa de abranger os mais variados pontos de vista sobre determinado
assunto. Segundo Wallauer, “Mamilos é um podcast criado para discutir os temas
polêmicos com inteligência, bom humor, empatia e respeito [criando] um espaço de
encontro para unir pessoas com ponto de vistas muito diferentes, para aquelas se
escutassem e conseguissem entender o ponto de vista do outro” (WALLAUER, 2017).
Inicialmente o Mamilos utilizava apenas o SoundCloud como plataforma de rádio
social para difundir seus conteúdos, sendo agregado ao Spotify apenas em agosto de 2017.

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O material pode ser ouvido ainda pelo iTunes, através do plugin RSS Feedburner ou ainda
via dezenas de aplicativos agregadores de mídia sonora para smartphones. Em todas essas
plataformas o site soma mais de 350 mil ouvintes mensais (GARONCE, 2018).
Embora esteja incorporado ao site de conteúdo criativo Brainstorm9, o Mamilos tem
produção e financiamento independentes, usando as plataformas de financiamento coletivo
recorrente para viabilizar suas produções. Apoiado por 2.408 ouvintes no Catarse e Patreon,
o Mamilos é o principal podcast brasileiro em número de financiadores e valor arrecadado
mensalmente via plataformas de financiamento coletivo recorrente. O valor arrecadado
supera a meta de 25 mil reais e é suficiente para custear as despesas de criação e veiculação
do Mamilos e prover um salário para as produtoras.

5.3 Xadrez Verbal


Ao contrário dos podcasts analisados anteriormente, o Xadrez Verbal nasceu em
2013 não com foco em conteúdo sonoro, mas sim como um blog para hospedar textos sobre
política e atualidades escritos pelo historiador Filipe Figueiredo. O site permaneceu assim
até maio de 2015, quando foi ao ar o primeiro podcast do Xadrez Verbal com a intenção de
discutir semanalmente as principais notícias da política internacional.
Através dos conteúdos escolhidos ao acaso para audição, foi possível perceber que a
produção continua focada nas notícias internacionais e nacionais factuais, porém buscando
uma complexa contextualização histórica – em linguagem acessível, obviamente – e
recebendo convidados especialistas nas temáticas abordadas. O primeiro programa
selecionado para a pesquisa debateu a visita da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos no Brasil, tema comentado por um especialista em Direitos Humanos, além do
encontro do G20 ocorrido na Argentina e notícias da política externa brasileira. Os outros
programas seguiram o padrão, com temas relevantes da política internacional, a
contextualização com a política externa brasileira e dicas de filmes, livros e músicas que
podem ajudar no entendimento das questões debatidas no programa da semana.
Ainda em 2015 o Xadrez Verbal começou a produzir um novo podcast - Fronteiras
Invisíveis do Futebol - que trata de política internacional, geopolítica e história, sempre
utilizando o futebol como fio condutor, “contando sobre alguma região do planeta, sua
identidade cultural e histórica” (XADREZ VERBAL, 2018). Embora de produção

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independente e autoral, os conteúdos em áudio do Xadrez Verbal são gravados e veiculados
através do canal de podcasts Central 3 e podem ser acessados também via iTunes.
O financiamento coletivo não representa a única forma de viabilização do Xadrez
Verbal, já que o site tem parcerias com uma editora e uma livraria on-line, além de oferecer
cursos sobre as temáticas abordadas no blog. É o único entre os analisados que não
estipulou nenhuma meta de arrecadação, o que notabiliza o caráter participativo dos
ouvintes e o acertado apelo por conteúdo segmentado.
O quadro a seguir (Quadro 2) sintetiza os dados mapeados através das plataformas
de financiamento coletivo e da escuta sistematizada dos podcasts.

Quadro 2 - Síntese dos podcasts analisados


Número de Valor arrecadado
financiadores mensalmente (em reais)9
Podcast Temática

Jogabilidade Games 1.072 133 10.991,03 2.632,50


Assuntos
Mamilos 2.322 86 25.208,00 322,50
“polêmicos”
Xadrez Política, história
1.030 12.598,03
Verbal e atualidades
Fonte: Elaborado pelos autores com dados da pesquisa (2019).

Considerações Finais
A diversificação dos modelos de negócio é uma estratégia importante das emissoras
de rádio para se manter financeiramente em meio a uma oferta cada vez maior de outros
produtos midiáticos e a facilitação no acesso a diferentes tipos de conteúdos, fazendo com
que a audiência esteja mais dispersa e busque conteúdos mais segmentados. Foi possível
perceber através da escuta sistematizada que os podcasts conseguem suprir de maneira
efetiva a busca da audiência por conteúdos muito específicos, o que ajuda a explicar a
relação de proximidade que os ouvintes têm com essa modalidade radiofônica, ainda que o
rádio tradicional desde sempre tenha se mostrado com características interativas.
O podcasting surgiu como um processo midiático independente e, a partir da
exploração dos podcasts que compõem o escopo da pesquisa, foi verificado que eles

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No caso do Patreon, os valores divulgados em dólar foram convertidos em real de acordo com a cotação do dia 13 de
fevereiro de 2019 ($1 = R$ 3,75).

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permanecem assim mesmo tendo havido uma sofisticação na produção de maneira geral e
que alguns deles tenham se vinculado a plataformas que veiculam outros tipos de conteúdo
além do sonoro. Para viabilizar o aperfeiçoamento nas técnicas e distanciamento do
amadorismo inicial sem perder a independência criativa, os podcasts precisaram buscar
alternativas de arrecadação, chegando assim às plataformas de financiamento coletivo.
Embora nenhum dos podcastings analisados tenham alcançado as metas estipuladas,
o financiamento coletivo recorrente tem se mostrado um modelo de negócio oportuno e
eficiente. Uma evidência disso é que Jogabilidade, Mamilos e Xadrez Verbal se sustentam
com contribuições de mais de cinco mil pessoas que ultrapassa a marca de 50 mil reais
mensais. Uma vez que o financiamento é feito pelos próprios ouvintes, é interesse dos
pesquisadores analisar, em investigações futuras, a relação de podcasts mais novos com
esse modelo de negócio, considerando a hipótese de que o financiamento recorrente é eficaz
apenas para produtos já consolidados.

REFERÊNCIAS

AVELAR, Kamilla Morando. Rádio corporativo: o branded content como estratégia de


programação. 2017. 203 fl. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Comunicação,
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