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Universidade de São Paulo

Danilo de Oliveira Sines Nº USP 10798479

A EUROPA DIVIDIDA
Raízes confessionais e desdobramentos políticos das Reformas Religiosas
no século XVI

São Paulo
2021
Introdução
Este ensaio tem como objetivo analisar de forma breve quais foram os fatores que
propiciaram o desenvolvimento de diferentes reformas religiosas na Europa ao longo do
século XVI e como se deram diferentes articulações e produções de ideias em relação aos
problemas do homem da época, analisando o papel de Martinho Lutero, as consequências
da popularização de sua obra e em que contexto se deu o Concílio de Trento por parte da
Igreja Católica.

Os fatores que possibilitaram as Reformas Religiosas na Europa

Ainda se observa em meio à autores de uma historiografia mais tradicional o


argumento simplificado de que a reforma da Igreja Católica romana se deu numa investida
de resposta às resoluções dos reformadores protestantes como Martin Lutero fomentados
pela má conduta dos dirigentes e líderes espirituais católicos, argumento este que vem
sendo já há algum tempo reinterpretado por diferentes estudiosos com o fim de explicar
que tanto as reformas da Igreja romana quanto a disseminação de diretrizes protestantes
foram resultado de um momento histórico e interações culturais que já vinham se
consolidando há certo tempo.

Nesse sentido, conforme Febvre (2012), a compreensão de novas doutrinas não é


suficiente para entender mudanças na sociedade pois estas doutrinas resultam da interação
do homem que se sobressai em relação a outro homem e de doutrinas que se sobrepõe a
outras doutrinas, mas a doutrina por si não provoca mudanças sociais. De modo geral,
pode-se dizer que os fatores que possibilitaram as reformas religiosas na Europa “se
integraram eles mesmos num enfraquecimento mais geral das consciências individuais e
das estruturas tradicionais”. (DELUMEAU, 1989, p.60). Todavia, o termo
‘contrarreforma católica’ ainda é passível de ser utilizado em determinadas ocasiões para
se referir às reinvenções romanas surgidas estritamente em resposta às ideias protestantes,
mas não há de se servir para nomear o processo da reforma Católica como um todo.

O sentimento de angústia e medo em relação à morte era uma ideia que permeava
o imaginário popular ao longo do século XV na Europa, se difundindo a crença de que
depois do Grande Cisma ocorrido no século XI nenhuma alma havia alcançado o paraíso
(DELUMEAU, 1989, p. 61). De fato, a quantidade de eventos catastróficos desenrolados
nos últimos anos como a peste negra e diversas crises e guerras serviram para alimentar
a crença de que a humanidade estava condenada por seus pecados abomináveis cometidos
e se encontrava num período de fim dos tempos e chegada de seres como o anticristo,
fomentando o anseio pela salvação pessoal desses medievais angustiados. O próprio
Lutero fez seu voto de dedicação à vida de monge numa violenta tempestade em que
suplicara à Santa Ana que o auxiliasse, tomado pelo temor de partir sem estar preparado.
Pouco tempo depois a morte viria a se transformar em tema de idealização popular em
torno da igualdade de todos os seres humanos perante o inevitável beijo da morte e
beiraria a exaltação de representações artísticas relativamente mórbidas, acabando por
influenciar inclusive a exaltação da figura do Cristo crucificado. (DELUMEAU, 1989).

Outras ideias que prepararam terreno para a publicação das 95 teses de Lutero
envolvem a ascensão da ideia do individualismo humano e como este de relacionou no
plano religioso com um misticismo no parâmetro teológico. Primeiramente, há de se
concordar que tal ideia propicia uma legitimação do Estado laico e influenciou para que
se delimitasse campos separados quando se trata do racional, terreno e científico e quando
se trata do campo do divino incognoscível à razão humana, rompendo com a tradição de
São Tomé de Aquino que via os dois campos como pertencente a algo só, deixando de se
pensar que o ser humano era de fato a imagem de semelhança de seu criador
(DELUMEAU, 1989, p. 68).

Conforme Monteiro (2007), se verifica ao longo do século XVI na Europa a


existência de um cristianismo popular mais intimamente ligado a seus fiéis que era vivido
de forma plena praticamente só pelas elites, onde os abusos da Igreja e tais ideais
individualistas ganham caráter solidário e permeiam uma fé diferenciada. Como diziam
os escritos de Johan Huizinga, fome, guerra e peste estavam relacionados ao pânico e a
superstição está relacionada à solução dos problemas, sendo o combate de tais crenças
um dos pilares centrais de foco do protestantismo de Calvino alguns anos mais tarde
(MONTEIRO, 2007, p. 135).

Tal teologia influenciada pelo misticismo de algumas figuras da época influenciou


Lutero e o imaginário coletivo da época à se orientar cada vez mais longe do campo da
teologia clássica e racional difundida pela Igreja Católica, onde a experiência pessoal do
indivíduo teria caráter cada vez mais importante em contrapartida aos tradicionais
ensinamentos da Igreja romana, onde a alma não alcançaria a completa beatitude “sem
mergulhar na divindade desértica em que não há nem obra nem imagem, sendo necessário
que ela aí se perca e se afunde no deserto”. A figura mais carismática e importante do
contexto é certamente Joana D’Arc que aos 19 nos de idade preferiu ter seu fim na
fogueira da Igreja Católica a ‘renunciar as vozes de sua cabeça’, sendo alguns anos mais
tarde canonizada pelo papado e reconhecendo publicamente que a santa e a correta
naquela ocasião era Joana. (DELUMEAU, 1989).

Além das influências de uma nova esfera no consciente religioso da época, a


constante mistura e confusão entre o que é sagrado e o que é profano - cujos
desdobramentos e especificidades católicas serão mencionadas noutra sessão – acabaram
por influenciar que cidadãos não pertencentes à Igreja ou que não tivessem qualquer
vivência eclesiástica passassem a ocupar cargos que antes pertenciam às autoridades da
Igreja de Roma. Junto à popularização do princípio em latim cujus ragio, bujus religio
(de quem é a religião, que se siga a religião), se disseminava cada vez mais a ideia que a
dignidade do Papa provinha antes do imperador, que passou a ser encarado por muitos
também como um poder divino numa época em que os papas se comportavam cada vez
mais como príncipes seculares (DELUMEAU, 1989, p.74 - 75).

Com base em Delumeau (1989), os diversos hospitais e hospícios fundados por


confrarias durante o século XV denotavam que a Igreja Católica já não tinha tanto zelo
pelos cuidados com os doentes como no passado e chega a ser emblemático que o hospício
de Beaune tenha sido construído por um homem sem ligações com a Igreja, reafirmando
a diminuição do prestígio e participação populares dos dirigentes da Igreja romana uma
vez que já se viam “leigos melhores que homens da Igreja”. A consequência de tal cenário
se dá principalmente no questionamento crescente da época: Será que era realmente
necessária para a salvação da alma que o diálogo entre Deus e o homem se dê por meio
desta instituição tão desgastada e problemática? A conclusão que se começa a ter, em
paralelo ao trajeto de figuras como Joana D’Arc, é que se uma alma tivesse a graça de ser
iluminada por Deus, esta teria razão contra uma multidão (DELUMEAU, 1989, p.76).

“[..]Por que razão daria Deus mais atenção às preces dos


padres que às dos outros homens? Será por causa de seus
grossos lábios e de seu rosto vermelho, ou quiçá por
causa de suas vestes suntuosas, luzentes, de sua avareza,
de sua luxúria?” (LE GOFF, 1962, p. 286).

A solução da angústia de Lutero, a bíblia e o sacerdócio universal

Martin Lutero, filho de pequeno dono de terra, conciliou sua vida acadêmica à
uma vivência de monge por escolha própria e se debruçou por alguns anos para refletir a
respeito das questões que o faziam divergir da Igreja romana e para formar a base do
pensamento protestante que seria continuado por outros nomes como Calvino e seu
discípulo mais moderado Melanchton. Lutero se convencera durante sua estadia no
convento que tinha sido um monge bondoso e que se atentou a observar a regra divina de
forma intensa, portanto, se algum monge tivera alcançado a salvação através da vida
monástica, Lutero também iria alcançar .Além disso, influenciado pelos escritores
místicos do século XV como Tauler e o do célebre occamista G. Biel, o espírito
protestante se apropriou dos conceitos de separação entre o domínio do terreno e humano
e o domínio divino do Deus incognoscível, tendo o segundo aspecto do Deus insondável
o influenciado mais fortemente (DELUMEAU, 1989, p. 85 - 86).

Deste pensamento anterior se origina a chamada doutrina de justificação pela fé.


A obra de Pedro Lombardo, escolástico, influenciou Lutero em encontrar na própria
natureza do ser humano uma limitação a estar alinhado com os princípios de Deus pois
este sempre penderia inerentemente para o mal, sendo um erro acreditar que ele possa ser
superado pelas boas ações do homem. Ao invés disso, a misericórdia de Deus é tão grande
que apesar da existência inerente dessa força do mal, quem implora a Deus com lágrimas
por sua libertação a alcança, sendo assim, apesar de sermos pecadores, somos justificados
perante Deus pela nossa fé (DELUMEAU, 1989, p. 88). Sendo assim, Lutero vai na
contramão da Igreja Católica que começa a fazer uma distinção cada vez mais
contrastante entre o pecado e a salvação e a negar a tradição que havia se instaurado na
instituição romana de se conceder a salvação através da venda de indulgências, uma das
mais famosas revoltas do reformador e um dos principais motivos para que tenha
elaborado suas 95 teses no ano de 1517. Portanto, ao reconhecer na justificação pela fé a
salvação dos pecados inevitáveis do ser humano, Lutero acenara à perda de tempo em se
policiar excessivamente para abandonar o pecado e retirara dos padres, bispos e papas o
direito de apagar as penas do purgatório pois o pecado somente por Deus poderia ser
perdoado (DELUMEAU, 1989, p. 90).

A ruptura protestante se deu efetivamente a partir de julho de 1519 na chamada


Disputa de Leipzig onde Lutero se posicionou num concílio com um discurso atacando a
instituição da Igreja Católica dizendo não ser necessário acreditar na superioridade desta
para a salvação da alma, e ao retornar para sua cidade procurou justificar o
posicionamento tomado com a que seria a teoria do sacerdócio universal que considerava
o povo cristão uma nação santa, uma raça eleita. É a ideia de que um cidadão comum
iluminado por Deus (os futuros protestantes) teria mais razão do que um concílio católico
inteiro (DELUMEAU, 1989, p. 92).

Outro movimento que teve forte influência no desenvolvimento do protestantismo


de Lutero foi o racionalismo humanista cuja principal influência no reformador foi
estimular uma nova tradução da bíblia para o alemão, tendo os humanistas agido para
“purificar a linguagem pela qual é transmitida a Palavra eterna” e colocar em dúvida a
legitimidade da versão latina da bíblia, levando a filologia - o estudo orientado à análise
da linguagem e simbologia na linguagem original – à um patamar de prestígio para a
população letrada que passou a rejeitar as versões traduzidas (BLUEMEAU, 1989, p.79).
Apesar de estarem alinhados com Lutero no sentido de trazer um novo entendimento
sobre as escrituras sagradas e de estarem marcados por um sentimento mais racionalista,
os humanistas estavam longe de concordar com tal. Ao analisar os estudos dos humanistas
sobre a bíblia podemos observar que as aspirações desta fatia intelectual estavam mais
estritamente ligados à religião do que se pensava, embalados num sentimento mais
positivo em relação à natureza humana pelo estudo de outros conhecimentos antigos
como a cabala, se distanciava do protestantismo que passara a entender o homem como
ser oriundo e perpetuador do pecado, além de muitas vezes desaprovarem a violência, o
que explica por que vários renascentistas não aderiram ao protestantismo (BLUEMEAU,
1989, p.80). Além disso, conforme Febvre (2012), assim como houve vários
renascimentos, houve várias vertentes humanistas.

Apesar de não terem seguido o barco das reformas religiosas e do movimento


humanista poder ser considerado anti-calvinista e anti-luterano, este teve significativas
influências para o desenvolvimento dos próximos líderes protestantes:

“O humanismo preparou a Reforma de dois modos:


contribuiu para aquele regresso à Bíblia que era uma das
aspirações de época; chamou atenção para a religião
interior, reduzindo a importância da hierarquia, do culto
dos santos e das cerimônias, ao mesmo tempo. Mas sua
concepção do homem melhor se coadunava com o
Catolicismo[...]” (BLUEMEAU, 1989, p.82).

Apesar de os resultados dos estudos humanistas terem servido mais para satisfazer
o desejo da construção de uma moral por parte das elites do que para adentrar no
imaginário da fé popular, o sentimento de apreço pelos idiomas grego e hebraico instigou
Lutero para que publicasse uma versão da bíblia traduzida para um alemão de acesso
popular e que foi capaz de levar até as grandes massas suas resoluções, muito embora as
primeiras edições tinham um volume de publicação bastante limitado. A bíblia se torna
neste momento uma peça-chave para influenciar tanto o desenvolvimento da Igreja
protestante quanto o cenário da educação na Alemanha.

No campo do protestantismo, conforme Delumeau (1989), a bíblia surgiu para


sanar a angústia dos fiéis que se sentiam confusos em relação a qual seria a autoridade
máxima e infalível para depositar sua fé, onde grande parte da população cristã letrada
passou a crer exclusivamente nestas escrituras, tornando de sua leitura uma obsessão e
uma fonte para que os mais diversos setores da sociedade, incluindo médicos e juristas,
utilizassem tais textos para embasar suas ações. À contribuição de Almeida (2017) e
Valentin (2010), a contribuição da reforma não se limita a quantidade de novos leitores
que as traduções da bíblia fizeram surgir, incluindo também o surgimento de um novo
modelo de educação na Alemanha num momento em que o Estado passou a demandar a
convergência de diferentes projetos de conformação. Lutero insistiu à príncipes que se
organizasse um sistema de ensino no país dividido nos pilares da educação primária,
secundária e superior, junto à outras ideias de outros reformadores que tinham alguma
vivência no campo pedagógico, criando inclusive a Academia de Genebra que foi
importante espaço para difundir as ideias reformistas.

Vale se mencionar, conforme Febvre (2012), que Lutero não ingressara em sua
jornada procurado formar uma nova doutrina e causar tamanho impacto no século XVI,
mas sim de cuidar de suas questões individuais em relação à salvação de sua alma sendo
que “o que importa a Lutero, de 1505 a 1515, não é a reforma da Igreja. É Lutero, a alma
de Lutero, a salvação de Lutero. Apenas isso”. (FEBVRE). E este faria isso também a
partir da sua área de especialidade, a educação.

O papel dos santos na angústia católica e o Concílio de Trento

Em resposta à já mencionada angústia que acometia o homem medieval, a Igreja


Católica procurou estabelecer a partir do século XV uma estrita relação com as figuras
dos santos e das relíquias para que se alcançassem finalmente sua salvação. A partir da
publicação dos Milagres de Nossa Senhora de Jean Miélot em 1456, o culto à Virgem da
Misericórdia passou a se popularizar trazendo diferentes manifestações da figura da
bondosa e doce mãe de Jesus para o consciente coletivo e trouxe mais tarde a devoção do
rosário, por exemplo (DELUMEAU, 1989, p. 64)
Naquela época os santos católicos tiveram importante papel em estabelecer uma
certa veia de politeísmo a partir do culto dos 14 santos auxiliadores, onde até mesmo
Lutero foi devoto de Santa Ana – avó de Jesus Cristo – em sua juvetude. Tendo uma
relação próxima e frequente com suas imagens e principalmente suas relíquias,
acreditava-se que seria possível não somente alcançar algum tipo de iluminação e
salvação da alma para além da morte como também proteger das mais diversas angústias
que poderiam afligir seu fiel, incluindo eventos terrenos banais que antes não se pediria
auxílio ao divino (DELUMEAU, 1989, p. 65).

Uma vez que até mesmo Cristóvão Colombo teria dito que quem possui o ouro
tem tudo o que precisa neste mundo, até mesmo o poder de resgatar almas do purgatório
e conduzi-las ao paraíso (RALEIGH, 1910), do mesmo modo se deu os dirigentes da
Igreja Romana que, apesar de estipularem a necessidade da confissão e da comungação
para que se obtivesse as indulgências, é nítido que isso não impediu que diferentes
populações, principalmente as menos instruídas e as mais ricas, acreditassem no
pagamento em dinheiro como instrumento de compra de seu lugar no paraíso tampouco
impediu a Igreja de aceitar tais bens materiais. Muito pelo contrário, o papel das relíquias
- que são os restos mortais e apetrechos de homens e mulheres considerados santos pela
Igreja – fomentou o envolvimento material na salvação da alma e culto a relíquias mais
raras como as de Jesus e a Virgem Maria já vinham a assegurar esta salvação após a
morte, bem como destacou o papel dos espaços das Igrejas e das viagens de peregrinação
(DELUMEAU, 1989).

Continuando em direção aos pilares mais tradicionais pelos quais se entende os


motivos das reformas religiosas, encontra-se de fato uma crise e depreciação em meio ao
sacerdócio da Igreja Católica. Em primeiro lugar, há de se mencionar que se desenvolveu,
influenciado também pelo individualismo, um sentimento generalizado de confusão por
parte da população entre a diferença de elementos sagrados e profanos, alimentado pela
relação com o divino nas últimas décadas que havia sendo pautada com certa naturalidade
e até mesmo ceticismo por parte dos fiéis. A realização de quermesses que cediam
indulgências como prêmio e o desenvolvimento de algumas literaturas que envolviam
elementos religiosos e mórbidos são alguns dos exemplos de como os dois campos não
tomavam tanta preocupação dos fiéis em vista de como separá-los, mas evidenciam uma
sociedade em que a preocupação religiosa é um fator latente, mesmo quando não se tem
uma estreita relação com o campo da religião (DELUMEAU, 1989, p. 71). Tal mistura
de diferentes naturezas se incluía também no comportamento e realidade de padres e
bispos na Europa que exerciam algumas atividades “mundanas” até mesmo com mais
frequência do que os não religiosos e que tinham filhos que não herdavam os princípios
morais e de disciplina esperados de um sacerdote da Igreja, mas que mesmo assim
seguiam a carreira de seus pais.

Em segundo lugar, um cenário de miséria se espalhou em meio ao baixo clero


católico principalmente na Alemanha e na França, onde muitos dirigentes titulares
passavam a ter que renunciar a suas posições para eclesiásticos mais jovens e
inexperientes. Tal situação gerava conforme Delumeau (1989) uma espécie de classe
proletária eclesiástica que se encontrava em apuros materiais e se via forçada a vender
serviços espirituais como o batismo e a confissão, misturando cada vez mais o
entendimento entre padres e leigos. Mais tarde no século XVI e XVII a Igreja conduziria
uma série de esforços e organizações institucionais para a revalorização da função do
sacerdote não só para os dirigentes católicos mas principalmente para a multidão que
continuou simpatizando com a Igreja romana (DELUMEAU, 1989, p.73).

Para Delumeau (1989), a reforma da Igreja Católica pode ser dividida em dois
momentos, sendo estes a pré-reforma e a partir do início do Concílio de Trento (1545-
1563). Em resumo, conforme Prodi (2005), o dilema enfrentado pela Igreja nos anos que
sucederam os encontros se dá em torno de como manter o magistério e a jurisdição
universal dentro de um período em que o poder vem se deslocando cada vez mais para
dentro dos Estados modernos. Em contraposição às Igrejas protestantes que
desenvolveram um estreito relacionamento e aliança institucional e ideológica com o
Estado, a Igreja procurou por outro se focar na construção de uma soberania paralela que
pudesse ser universal mas que ficasse distante do direito positivo estatal. Num nível mais
profundo, a questão central é o controle das consciências e das almas (PRODI, 2005, p.
293). Tal articulação dos simpatizantes protestantes com o Estado é ressaltada conforme
Trevor-Roper (1972) não só na comum identificação da classe burguesa com o espírito
calvinista em especial e com a mudança de vários destes cidadãos para países em que o
Estado tinha ligações mais próximas com a ala protestante com o fim de que fornecessem
melhores condições para esta classe, sendo tal valor integrante mais tarde da chamada
ética protestante (TREVOR-ROPER, 1972).

Conforme Prodi (2005), é possível observar em meio à historiografia tradicional


a defesa do argumento de que os reformadores católicos agiam em direção a preservar às
regalias e luxos de sua classe dirigente e que tal defesa não corresponde totalmente a
verdade. Com exceção da instituição matrimonial que durante muito tempo teve a Igreja
como sua gerenciadora, a partir desse momento se tem um foco dentro da Igreja romana
de transferir toda sua jurisdição para o foro da consciência do fiel para que, se somando
à um conjunto de dogmas que adentravam uma teologia moralista como a confissão, se
formasse um sistema completo de normas alternativo ao aparelho estatal. Dentre os
principais efeitos produzidos pelo desenvolvimento do concílio pode-se mencionar a
ruptura do direito canônico tradicional com o direito tridentino-pontifico, sua
desqualificação como ciência e seu rompimento com a teologia, evidenciando que mesmo
com uma comissão técnica composta por membros eclesiásticos que poderia facilmente
ser influenciados pelo poder canônico, ainda foi possível ao longo dos próximos anos se
estabelecer profundas transformações na Igreja Católica a partir do concílio (PRODI,
2005).

Referências Bibliográficas

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pp. 59-160. Disponível em:
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ALMEIDA, Vasni de. A Reforma Protestante: Considerações acerca de seu surgimento


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Disponível em: <https://periodicos.uepa.br/index.php/Religiao/article/view/2388/1127>.
Acesso em: 29 jul 2021

MONTEIRO, Rodrigo. As Reformas Religiosas na Europa Moderna: Notas para um


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PRODI, Paolo. Uma História da Justiça: A Solução Católico-Tridentina”. In: ______.


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