Você está na página 1de 39

na

ção
iza os
04
n t
igie en
H lim
l o a
d eA
í tu trol ria d
e
ap on úst
C C d
In

1. Introdução

2. Fundamentos Básicos de Higienização


2.1. Superfícies Usadas no Processamento de Alimentos

2.2. Qualidade da Matéria-Prima e da Água

2.3. Características dos Principais Resíduos

2.4. Agentes Detergentes e Formulações

2.5. O Passo a Passo do Procedimento de Higienização

2.6. Sanitizantes

3. Avaliação da EÞciência do Procedimento de Higienização


3.1. Teste do Swab

3.2. Método de Rinsagem

3.3.Placa de Contato

3.4. Sedimentação de Microrganismos do Ar em Meio Sólido

3.5. Método da Seringa com Ágar

3.6. Método da Esponja

3.7. Impressão de Microrganismos do Ar em Meio Sólido

3.8. Técnica do ATP - Bioluminescência

4. Referências

Nélio José de Andrade


Cláudia Lúcia de Oliveira Pinto
Marcília Santos Rosado
Os conhecimentos sobre os fundamentos da limpeza e sanitização das superfícies
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

contribuem para obtenção de alimentos seguros ao consumo.

1. Introdução
O advento da globalização tem acarretado grandes e rápidas mudanças eco-
nômicas, sociais e políticas, ampliando oportunidades de negócios, mas provocan-
do uma competitividade acirrada. As indústrias de alimentos que se incluem nesse
contexto têm processado uma quantidade de alimentos cada vez maior, na tentativa
de suprir o mercado crescente, buscando sempre o incremento de produtividade.
Isso pode gerar diferentes problemas, a exemplo de perdas pós-processamento ou
diminuição da vida de prateleira se os métodos de higienização empregados não
forem eÞcazes ou, então, forem negligenciados.

A higienização na indústria de alimentos se insere dentro das Boas Práticas de


Fabricação (BPF) e dos programas de qualidade como o de Análise de Perigos e Pon-
tos Críticos de Controle (APPCC), visando à obtenção de alimentos seguros, parti-
cularmente sob os aspectos relacionados às contaminações com agentes químicos,
físicos e microbiológicos, além de contribuir para a manutenção das características
sensoriais e nutritivas desses alimentos. Dentro desse contexto, os proÞssionais
responsáveis pela higienização nos estabelecimentos produtores/industrializadores
de alimentos devem atuar de forma eminentemente preventiva na busca da melhor
qualidade dos alimentos processados, evitando problemas de ordem econômica ou
de saúde pública. Para isso, deve-se perseguir constantemente o desenvolvimento
educacional do pessoal envolvido através de programas de treinamento continuado,
182
motivando-os e conscientizando-os da importância da realização de forma correta dos
procedimentos de higienização.

A implantação de programas de higienização mais rigorosos tem sido uma


necessidade na indústria de alimentos. Isso se deve a fatores como o desenvolvi-
mento de novos produtos, as novas tecnologias no processamento de alimentos,
as exigências comerciais de novos mercados, consumidores mais exigentes e os
relatos de doenças veiculadas por alimentos, particularmente àquelas de origem
bacteriana. Todos os processadores de alimentos têm responsabilidade direta sobre
a segurança e qualidade de seus produtos. Assim, é fundamental que os responsá-
veis pela higienização tenham em mente dois aspectos relevantes para o sucesso
de um procedimento adequado: a) como fazer e b) como avaliar o procedimento de
higienização proposto.

A indústria deve enfatizar o “como fazer” os procedimentos de higienização,


enfocando as etapas de pré-lavagem, usos de detergentes, enxágüe e sanitização.
Devem ser fornecidas informações que incluem concentração, pH, tempo e tem-
peratura de contato das soluções detergentes e sanitizantes. O “como avaliar” se
fundamenta em análises microbiológicas, ou não, para deÞnir se as condições hi-

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


giênicas previamente estabelecidas, normalmente associadas com quantidade de
microrganismos após a realização do procedimento de higienização, foram atendi-
das. Por exemplo, a avaliação do procedimento de higienização de equipamentos e
utensílios, que entram em contato direto com os alimentos, dos manipuladores que
processam os alimentos, do ar dos ambientes de processamento, é uma preocupa-
ção constante das indústrias, que necessitam de resultados rápidos para garantir a
qualidade dos produtos processados e a segurança aos consumidores. Os resulta-
dos dessa avaliação são imediatamente repassados aos controladores de processos
para que possam aplicar uma ação corretiva, se necessário.

Nas indústrias de alimentos, a multiplicação e a sobrevivência de microrganis-


mos devem ser controladas nas matérias-primas, nas superfícies de equipamentos
e utensílios, nos ambientes de processamento, em manipuladores, em embalagens,
na distribuição e no produto Þnal. O monitoramento correto dos procedimentos de
higienização permite um controle microbiológico eÞciente, e, além disso, registros
comprovam se um processo ou manipulação em um ponto crítico de controle está
em conformidade com o limite crítico estabelecido no plano APPCC.

Este capítulo tem o objetivo de oferecer subsídios para que os procedimentos


de higiene auxiliem a produção de alimentos com a qualidade microbiológica reco-
mendada, especiÞcada ou, ainda, exigida pela legislação vigente.

2. Fundamentos Básicos da Higienização


Práticas higiênicas eÞcientes são necessárias em todas as etapas da cadeia 183

produtiva dos alimentos. Nas indústrias de alimentos, a higienização inclui as etapas


de limpeza e sanitização das superfícies de alimentos, ambientes de processamento,
equipamentos, utensílios, manipuladores e ar de ambientes de processamento.

A limpeza tem como objetivo principal a remoção de resíduos orgânicos e mi-


nerais aderidos às superfícies, constituídos principalmente por carboidratos, prote-
ínas, gorduras e sais minerais. A sanitização tem como objetivo eliminar microrga-
nismos patogênicos e reduzir o número de microrganismos alteradores para níveis
considerados seguros.

É necessário que o proÞssional responsável pela higienização nas indústrias de


alimentos tenha sólida base de conhecimentos em diversos aspectos. É importante
saber sobre as características, utilização e cuidados com superfícies mais comuns
em indústrias de alimentos, como o aço carbono, aço inoxidável, policarbonato,
polietileno, plástico, cerâmica, tinta, vidro, louça, alumínio, concreto e borracha.
Também são necessárias informações sobre a qualidade da água, a solubilidade,
a facilidade de remoção pela ação de água ou detergentes alcalinos ou ácidos e
cap.04
o efeito do tratamento térmico nos diversos resíduos presentes nas superfícies,
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

como carboidratos, gordura, proteínas e sais minerais. É importante conhecer: i) as


funções dos agentes de limpeza, como alcalinos, ácidos, fosfatos, complexantes e
tensoativos; ii) as reações físicas e, ou, químicas entre os resíduos e os detergen-
tes durante o procedimento de higienização, como saponiÞcação, emulsiÞcação,
molhagem, penetração, suspensão, enxaguagem, abrandamento, solubilização de
minerais, solubilidade, corrosividade, segurança e economia; iii) as formulações de
detergentes; iv) os métodos para avaliação química dos detergentes; e v) a biode-
gradabilidade dos detergentes e seus impactos ao ambiente.

Também, são importantes as informações disponíveis sobre sanitizantes físi-


cos, como calor e radiação ultravioleta e sobre sanitizantes químicos que incluem
compostos clorados, compostos quaternários de amônio, compostos iodados e
clorohexidina. Ainda, com relação aos sanitizantes é necessário conhecer suas fun-
ções, suas concentrações de uso, seus modos de ação, como e onde poderão ser
empregados e forma correta de prepará-los.

A descrição correta do passo-a-passo dos métodos de higienização manual ou


mecânica com enfoque na pré-lavagem, aplicação do detergente, enxágüe, sanitiza-
ção é fundamental na obtenção de alimentos seguros e de qualidade.

2.1. Superfícies Usadas no Processamento de Alimentos


As superfícies comumente usadas para processamento de alimentos, como
aço inoxidável, polietileno, polipropileno, policarbonato, aço-carbono, madeira, te-
ßon e vidro, permitem o crescimento microbiano, podendo originar processos de
184
adesão bacteriana e formação de bioÞlmes. Um processo de adesão ocorre quando
a contagem de microrganismos na superfície atinge valores entre 104 UFC.cm-2 e 105
UFC.cm-2. Contagens acima desses valores já caracterizam o desenvolvimento de
bioÞlmes, se ocorre a produção de exopolissacarídeos pelos microrganismos.

As características principais das superfícies usadas na indústria de alimentos


estão descritas na Tabela 1.

2.2. Qualidade da Matéria-Prima e da Água


A produção de alimentos com qualidade, sem dúvida, inicia-se com as con-
dições higiênico-sanitárias da matéria-prima. Tais condições se relacionam: i) aos
aspectos físicos, como a ausência de corpos estranhos, pedras, insetos; ii) aos as-
pectos químicos, como ausência de resíduos de inseticidas, de fertilizantes e dos
próprios agentes de limpeza e sanitização; e iii) aos aspectos microbiológicos, como
os níveis adequados de bactérias patogênicas ou alteradoras, fungos Þlamentosos
e leveduras. Matérias-primas que não atendem às especiÞcações para o processa-
mento não devem ser aceitas pela indústria de alimentos. Se as matérias-primas
contêm contaminantes que não podem ser reduzidos em níveis aceitáveis também

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


não podem ser processadas.

Tabela 1 - Características dos principais tipos de superfícies usadas na indústria de alimentos

185

Por exemplo, frutas e vegetais são cultivados em solos e carreiam aproxi-


madamente 109 UFC.g-1 de microrganismos após colheita. Dentre esses micror-
ganismos mais comuns na matéria-prima estão bactérias, fungos Þlamentosos e
leveduras. As bactérias mais freqüentes são Pseudomonas spp, Erwinia herbicola
e Enterobacter agglomerans, bactérias do ácido lático como Leuconostoc me-
senteroides, Lactobacillus spp., as patogênicas como as do gênero Salmonella e
Clostridium, além da estirpe E. coli O157: H7. O gênero Pseudomonas geralmente
é responsável por 50 a 90% da população microbiana de vegetais. Entretanto, ou-
tros microrganismos podem se desenvolver durante o transporte, processamento
e armazenamento.

A água para uso na indústria de alimentos deve ser considerada como matéria-pri-
ma e atender aos padrões físicos, químicos e microbiológicos estabelecidos na legislação
brasileira de acordo com a Portaria nº 518, do Ministério da Saúde, de 25 março de 2004. A
água é aceita como potável quando se encontra dentro de certos requerimentos de
qualidade. Já foram detectados cerca de 2.000 contaminantes diferentes na água.
cap.04
Aproximadamente, 700 deles foram encontrados em água potável. Isso demonstra
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

a diÞculdade em determinar quais as análises devem ser efetuadas para se deÞ-


nir a qualidade da água. Por isso, as entidades e organismos nacionais, como os
Ministérios da Saúde e Ministério da Agricultura, Agência Nacional da Água, ou
internacionais, entendem que, na impossibilidade de analisar todos esses possí-
veis contaminantes, a qualidade da água seja avaliada por determinado número
de análises de grupos representativos da qualidade, com a Þnalidade de ser mo-
nitorada. As metodologias analíticas para determinação dos parâmetros físicos,
químicos, microbiológicos e de radioatividade devem atender às especiÞcações de
entidades nacionais e, ou, internacionais. São amplamente aceitas as metodologias
publicadas na edição mais recente do Standard Methods for the Examination of
Water and Wastewater, de autoria das instituições American Public Health Asso-
ciation (APHA), American Water Works Association (AWWA) e Water Environment
Federation (WEF), ou as metodologias publicadas pela International Standartization
Organization (ISO). Algumas legislações vigentes no Brasil sobre uso da água são

Tabela 2 - Algumas legislações importantes para uso da água na indústria de alimentos

186
mostradas na Tabela 2.

A legislação atual prevê a análise cerca de 90 parâmetros, que sem dúvida

Tabela 3 - Grupos de análises propostos para avaliar a qualidade da água

é um número elevado. As análises propostas fundamentam-se em cinco grupos


principais (Tabela 3).
O grupo de análises que indicam possibilidades de formação de incrustações e

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


corrosão é representado pelos sais minerais e gases presentes. Esse grupo apresenta
grande importância em processos de adesão microbiana e formação de bioÞlmes. Os
locais onde ocorre corrosão e, ou, depósitos minerais são apropriados ao desenvol-
vimento de microrganismos. Esses eventos alteram a microtopograÞa das superfícies
que processam alimentos, facilitando a deposição de matéria orgânica, nutrientes e
microrganismos. As incrustações desses minerais muitas vezes são denominadas no
dia-a-dia da indústria de “pedras”. Assim, ocorrem, por exemplo, as formações mine-
rais conhecidas como pedras de leite e pedras de cerveja. No caso de laticínios, essas
incrustações são constituídas de minerais da água, principalmente aqueles respon-
sáveis pela dureza, como cálcio e magnésio, minerais dos detergentes e sanitizantes,
como sódio, fósforo e cloretos, resíduos de proteínas, gordura, açucares e sais mi-
nerais de leite. Além disso, nessas incrustações podem se agregar microrganismos
de origens diversas, como aqueles presentes no ar, na água, nos manipuladores e
no próprio alimento. Esses microrganismos, encontrando condições favoráveis para
seu desenvolvimento, atingem números elevados e, ao se liberarem, contaminam os
alimentos processados nessas superfícies incrustadas.

A reação entre compostos de detergentes e os íons cálcio e magnésio presen-


tes na água dura dá origem a precipitados insolúveis, que, para serem eliminados,
requerem o uso de detergentes ácidos em maior freqüência e concentração, ele-
vando os custos de produção. Além disso, há signiÞcativa redução na eÞciência de
limpeza de superfícies e equipamentos, em função do decréscimo no poder de ação
que os detergentes apresentam quando combinados com água dura. Dessa forma,
recomenda-se a inclusão de abrandadores na composição dos detergentes.
187
A dureza da água, expressa em mg.L-1 de CaCO3, pode variar de 10 a 200
mg.L-1 em água doce, podendo alcançar até 2.500 mg.L-1 em águas salgadas. Es-
ses sais podem ser removidos das águas brutas por abrandamento, desminerali-
zação ou evaporação.

A água é amplamente utilizada em indústrias de alimentos como veículo para


aquecimento e resfriamento, limpeza e sanitização de equipamentos, além do seu
uso como ingrediente ou como veículo para incorporar ingredientes. Assim, as ca-
racterísticas físicas, químicas e microbiológicas da água interferem diretamente na
qualidade sanitária dos alimentos produzidos, assim como na vida útil dos equipa-
mentos, utensílios e superfícies industriais.

O controle da qualidade da água industrial deve ser realizado sistematicamente,


visando atender aos padrões e recomendações existentes. Assim, auxilia a garantia
da qualidade sensorial e microbiológica dos alimentos produzidos, na segurança nos
processos industriais, na maior eÞciência das soluções de limpeza e sanitização e na
redução de problemas operacionais devido à formação de depósitos, incrustações e
corrosão em superfícies e metais. Além disso, contribui para a redução dos custos de
cap.04
produção em razão da maior vida útil de equipamentos e utensílios.
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

2.3. Características dos Principais Resíduos


As etapas de um procedimento de higienização que normalmente são pro-
postas para o controle higiênico de superfícies de equipamentos e utensílios, para
o asseio pessoal de manipuladores e para o ar de ambientes de processamento,
levam em consideração as características de solubilidade dos resíduos de alimentos
em água ou detergentes alcalinos e ácidos (Tabela 4). Constata-se, portanto, que a
água, associada à ação mecânica, é capaz de remover com alguma facilidade resí-
duos de carboidratos e sais minerais monovalentes desde que não tenham recebido
ação do calor. No entanto, veriÞca-se a necessidade do uso de agentes alcalinos
ou de tensoativos para a remoção de gordura e de ácidos para a remoção de sais
minerais divalentes, como o cálcio e magnésio. Os alcalinos também são os agentes
Tabela 4 - Solubilidade e ação do calor sobre os principais resíduos de alimentos

188

responsáveis pela remoção de resíduos de proteína. Deve-se salientar que a ação do


calor torna a remoção dos resíduos mais difícil.

2.4. Agentes Detergentes e Formulações


A limpeza das superfícies é obtida pelo uso de determinados agentes químicos
ou por formulações destes que apresentam ação especíÞca sobre os resíduos dos
alimentos. As soluções de limpeza podem ser aplicadas: i) manualmente; ii) pela imer-
são de partes desmontáveis de equipamentos e tubulações, como válvulas conexões
e, ainda, para o interior de tachos de tanques; iii) por meio de máquinas lava jato
tipo túnel; iv) por meio de equipamento “spray” com alta ou baixa pressão; v) por
nebulização ou atomização; vi) pelo uso de espuma; vii) pelo uso de gel; e viii) ou por
circulação (Cleaning In Place - CIP). Deve-se ressaltar que em indústrias de produtos
em pó normalmente se utiliza a limpeza a seco. Nesse caso, os resíduos são removi-
dos por meio de aspiradores, e a sanitização pode ser efetuada pelo uso de tecidos
ligeiramente umedecidos com a solução sanitizante.
Tabela 5 - Funções dos principais agentes de limpeza usados em formulações de detergentes

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


Tabela 6 - Valores relativos de ação de alcalinos e fosfatos

189

Tabela 7 - Valores relativos da ação de ácidos, complexantes e tensoativos

cap.04
Os principais grupos de agentes detergentes são representados pelos agentes
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

alcalinos, os ácidos, os fosfatos, os agentes complexantes e os tensoativos. As carac-


terísticas e funções principais dos detergentes encontram-se nas Tabelas 5, 6 e 7.

2.4.1 Alcalinos
Dentre os alcalinos, incluem-se o hidróxido de sódio, o carbonato de sódio, o
metassilicato de sódio, o ortossiliciato de sódio e o sesquissilicato de sódio. Todos
esses agentes apresentam como característica principal a liberação de íons hidroxila
(OH-) que promovem a saponiÞcação dos ácidos graxos constituintes da gordura e a
solubilização dos resíduos de proteína. No entanto, existe diferença na quantidade de
alcalinidade liberada em solução aquosa. O hidróxido de sódio é o agente alcalino que
libera 100 % de alcalinidade cáustica que é responsável pela sua ação de detergência
e por isso é usado amplamente na limpeza pelo método de limpeza no lugar, mais
conhecido como CIP (Cleaning In Place). Esse método de higienização permite o uso
de agentes ou formulações que liberam alta alcalinidade cáustica, temperaturas mais
elevadas e maior tempo de contato das soluções de limpeza. Assim, para limpeza de
um pasteurizador de leite, pode-se usar uma solução de hidróxido de sódio contendo
1 % de alcalinidade cáustica, que origina um pH 13, à temperatura de 80 °C, durante 30
min, circulada a uma velocidade de 1,5 m.s-1. Nesses trocadores de calor podem ocor-
rer grossas películas de gordura e proteínas que devem ser controladas por soluções
de alta alcalinidade. O hidróxido de sódio é comercializado nas formas de escama,
perolados ou líquido e origina soluções que devem ser manipuladas com cuidado,
por serem perigosas aos manipuladores.
190 O carbonato de sódio participa de formulações de média alcalinidade, pois libera
em solução aquosa apenas 50 % de alcalinidade cáustica (reações a seguir). Em con-
centração de 1 % esse agente alcalino origina um pH de cerca de 11. Isso signiÞca que

na mesma concentração de 1 % a solução de carbonato de sódio tem 100 vezes menos


alcalinidade cáustica do que o hidróxido de sódio. Assim, pode-se usar o carbonato de
sódio para formulações usadas na limpeza manual de equipamentos e utensílios.

Os outros alcalinos que participam de formulações são o metassilicato de só-


dio, cuja principal característica é atenuar a corrosividade das formulações das quais

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


Tabela 8 - Características de substâncias alcalinas comumente usadas no procedimento de
limpeza na indústria de alimentos

participa, o ortossilicato de sódio e o sesquissilicato de sódio, que não apresentam


a característica mencionada.

A Tabela 8 mostra as principais características desse grupo de agentes de limpeza.

Os íons hidroxilas responsáveis pela alcalinidade cáustica e liberados pelos


agentes alcalinos participam efetivamente para a reação de saponiÞcação, que trans-

191

Figura 1 - Reação de saponificação.

forma os ácidos graxos insolúveis na água em sabão que é, por sua vez, solúvel em
água. A saponiÞcação consiste em reagir o ácido graxo com uma solução alcalina
sob aquecimento (Figura 1).

Também, os íons hidroxilas pelo aumento do pH da solução auxiliam a remoção


de resíduos protéicos. Sabe-se que no ponto isoelétrico as proteínas apresentam car-
ga elétrica livre igual a zero, e nesse caso os resíduos protéicos estão insolúveis em
água. Para solubilizá-los, no procedimento de higienização dispõe-se de duas alterna-
tivas: diminuição do pH, em que os resíduos protéicos estão carregados positivamen-
te; ou aumento do pH, em que esses resíduos apresentam carga elétrica negativa.
Quando se observa a curva de solubilidade de proteína em função do pH (Figura
cap.04
2), constata-se a maior eÞciência das soluções alcalinas. Por exemplo, uma solução
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

alcalina preparada com 1 % de hidróxido de sódio, que corresponde também a 1 %


de alcalinidade cáustica, expressa em NaOH, promoverá repulsão eletrostática entre

Figura 2 - Efeito do pH na solubilidade de resíduos protéicos.

os resíduos protéicos que se apresentam carregados negativamente. Devido a essa


repulsão, esses resíduos se mantêm suspensos em solução aquosa e são removidos
da superfície pela etapa de enxaguagem no procedimento de higienização.
192
2.4.2. Ácidos

Os ácidos inorgânicos ou orgânicos têm efetiva participação no controle de


sais minerais na superfície de equipamentos e utensílios. Dentre os ácidos inor-
gânicos, encontram-se o nítrico e o fosfórico. Esses ácidos são corrosivos, por
isso, geralmente participam de formulações com inibidores de corrosão, como
bases nitrogenadas heterocíclicas e ariltiouréias. Os inibidores aderem à superfí-
cie, protegendo-a da ação corrosiva. Esses ácidos normalmente são usados numa
concentração de 0,5 % de acidez total, expressa em HCl, que originam pH em
torno de 2,0, e na limpeza CIP deve-se usar uma temperatura em torno de 70 °C,
para otimizar a detergência do ácido sobre os minerais. Já os ácidos orgânicos
são representados pelos ácidos lático, acético, hidroxiacético, tartárico, levulínico
e glucônico, dentre outros.

Os ácidos orgânicos são menos corrosivos do que os inorgânicos, porém


mais caros. Os ácidos muitas vezes são formulados com tensoativos para diminuir
a tensão superÞcial da solução e melhorar o contato entre o resíduo mineral e o
detergente, pois as soluções ácidas não “molham” bem as superfícies.

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


Esses agentes de limpeza, por exemplo o ácido nítrico, transformam o carbo-
nato de cálcio e o de magnésio, que são insolúveis em água, em nitrato de cálcio

e de magnésio, respectivamente, que são solúveis na água. Essas transformações


químicas permitem o controle desses minerais pelo procedimento de higieniza-
ção, conforme as reações químicas a seguir.

2.4.3. Fosfatos
De maneira geral, utilizam-se o ortofosfato de sódio, representado pelo fosfato
trissódico, e os polifosfatos de sódio, representados pelo hexametafosfato, tetrafosfa-
to, tripolifosfato e pelo pirofosfato em suas formas sódicas (Figura 3). Esses produtos
ou formulações deles podem ser adquiridos de empresas especializadas, sob diver-
sos nomes comerciais. Como informação, pode-se aÞrmar que o fosfato trissódico
atua por precipitação dos sais de cálcio e de magnésio, responsáveis pela dureza da
água, o que não é conveniente, pois haverá depósitos nas superfícies que processam
os alimentos. Os polifosfatos, em contrapartida, atuam sobre a dureza por formação
de quelatos com os sais, não ocorrendo, portanto, a deposição. A capacidade de 193
quelação é variável em função do polímero. Por exemplo, 1 g de hexametafosfato de

Figura 3 - Exemplos de polifosfatos: a) hexametafosfato de sódio, b) tripolifosfato de sódio e c) pirofosfato


tetrassódico.
cap.04
sódio é capaz de formar complexos solúveis com cerca de 74 mg de dureza. Outros
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

polifosfatos, como o tripolifosfato de sódio e o tetrafosfato de sódio, complexam,


respectivamente, 36 e 57 mg de dureza por grama do seqüestrante.

Mesmo quando a água é classiÞcada como mole, podem ocorrer processos


de incrustações em superfícies de troca de calor. Por isso, sugere-se que os deter-
gentes utilizados no procedimento de higienização sejam formulados com agentes
complexantes, como os polifostafos.

2.4.4. Seqüestrantes

Os agentes seqüestrantes são representados pelas formas sódicas do EDTA


(etilenodiamino tetracetato de sódio), do NTA (nitriloacetato de sódio) e pelo glu-
conato de sódio (Figura 4). Os agentes têm função semelhante àquela dos polifos-
fatos: o controle de depósitos minerais nas superfícies por complexação, atuando
sobre cálcio, magnésio, ferro e manganês, dentre outros. No entanto, são muito
mais eÞcientes nessa função (Tabela 9), além de serem mais estáveis em tempera-
turas elevadas. Porém, são de custo elevado e, geralmente, usados para solucionar
problemas especíÞcos. Cada grama do EDTA-Na seqüestra 201 mg de dureza. A

Figura 4 - Agentes seqüestrantes orgânicos: a) etileno diamino tetracetato de sódio e b) gluconato de sódio.
194

Tabela 9 - Características de substâncias quelantes e seqüestrantes comumente usadas no


procedimento de limpeza na indústria de alimentos
mesma quantidade do gluconato de sódio complexa 325 mg de dureza. Deve-se sa-

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


lientar que os ácidos orgânicos, como o glucônico e o cítrico, também apresentam
a capacidade de complexar minerais.

Por exemplo, na indústria de processamento de leite condensado e fabricação


de leite em pó, em que há possibilidade de formação de grossas películas de gordura
e proteína contendo minerais e microrganismos, recomenda-se uma formulação de
detergente alcalino com 95 % de hidróxido de sódio adicionado de 5 % de EDTA-Na.

2.4.5. Agentes Tensoativos


Os agentes tensoativos também são conhecidos como umidecedores, emul-
siÞcantes, detergentes sintéticos e agentes de molhagem, entre outros. A estrutura
química de um tensoativo se caracteriza por apresentar uma parte hidrofílica, ou seja,
polar e outra hidrofóbica, isto é, apolar (Figura 5). Essa característica permite que es-
ses agentes diminuam a tensão superÞcial em interfaces líquido-líquído, líquido-gás
e sólido-líquido. Tal fato é muito importante para o procedimento de higienização,
que para ser eÞciente exige a ocorrência de contato entre os agentes de limpeza e
os resíduos a serem removidos. Observe o seguinte: a água, ao contrário do que pa-
rece, não molha bem a superfície, pois apresenta alta tensão superÞcial, equivalente
a 72 mJ.m-2. Essa tensão deve ser diminuída a valores de 36 mJ.m-2 para otimizar
o contato entre o detergente e o resíduo a ser removido. Por isso, numa superfície
onde se encontram resíduos de gordura a água apresenta-se na forma de gotículas,

195

Figura 5 - Estrutura química de um tensoativo: dodecilbenzeno sulfonato de sódio.

pois a atração entre as moléculas da água é maior do que aquela entre as moléculas
de água e as de gordura. Essa diminuição da tensão superÞcial da água é conseguida
com o uso de tensoativos.

Assim, os agentes tensoativos, por serem emulsiÞcantes, permitem a dis-


persão de dois líquidos não miscíveis e, por serem agentes de molhagem, melhor
penetração de líquidos em resíduos sólidos. Os sabões e alguns compostos or-
gânicos melhoram o poder de penetração das soluções aquosas em Þssuras, ra-
nhuras e poros capilares das películas de gordura depositadas nos equipamentos
e interpõem-se entre a superfície sólida e os resíduos. Essas substâncias aderem
às superfícies das películas dos resíduos sólidos ou líquidos, favorecendo, dessa
cap.04
maneira, a formação de emulsão e dispersão das partículas. De maneira geral, os
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

tensoativos são: i) solúveis em água fria; ii) ativos em concentrações muito baixas,
podendo níveis de 0,1 % diminuir a tensão superÞcial da água em torno de 50 %;
iii) indiferentes à dureza da água, à exceção dos sabões; iv) não formam precipita-
dos; v) atuam em diferentes pH; vi) em alguns casos, são bactericidas; e vii) não
são corrosivos das superfícies.

A parte apolar do tensoativo na interface líquido-gás, por exemplo, quando em


solução aquosa Þca direcionada para o ar e a parte polar para a água. Isso provoca a
formação de espuma pelos detergentes (Figura 6a). A ocorrência de espuma pode ser
desejável no procedimento de higienização de superfícies externas de equipamentos,
silos, paredes e tetos, dentre outros. Nesse caso, a espuma permite melhor conta-
to do detergente com os resíduos a serem removidos e facilita a observação visual
da área higienizada. No entanto, o excesso de formação de espuma não é desejável
para a higienização pelo processo CIP, devido a diÞculdades operacionais. A remo-
ção da espuma em excesso prejudica a etapa de enxaguagem dos resíduos durante
higienização. Deve-se ressaltar que a quantidade de espuma formada não é indicativa
da eÞciência na redução da tensão superÞcial. Cabe às empresas que formulam os
detergentes a escolha adequada das substâncias mais indicadas, em razão do uso na

a)

196

b)

Figura 6 - Interação água e tensoativos.


indústria de alimentos. Além disso, deve-se mencionar que a ocorrência de espumas,

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


quando os resíduos de detergentes não são adequadamente tratados pela indústria,
torna-se um problema sério de poluição ambiental.

A molécula do tensoativo forma micela no interior da solução aquosa (Figura


6b). Nesse caso, as partes hidrofóbicas se direcionam para o interior da micela, e
as partes polares interagem com a água. É a formação de micela que permite a
remoção dos resíduos de gordura pelo processo de emulsiÞcação realizado pelos
tensoativos: a parte hidrofóbica dessas substâncias interage com a gordura e ácidos
graxos, insolúveis em água e a hidrofílica com as moléculas de água, formando as
micelas, que são solúveis em água. As micelas envolvem o resíduo e o suspende
em solução aquosa. A concentração de tensoativo em que se inicia a formação de
micelas denomina-se “Concentração Crítica de Micela” (CCM). Na CCM, a tensão

Figura 7 - Tensão superficial em função da concentração de tensoativo.


197

interfacial está em nível mínimo (Figura 7), e a eÞciência de limpeza está otimizada.
Aumento na concentração de tensoativo em solução além do CCM não causará di-
minuição da tensão superÞcial. No entanto, excesso de tensoativo é necessário para
manter a CCM, desde que o tensoativo reage com o resíduo a ser removido.

Assim, manter concentração suÞciente de moléculas de tensoativo para a for-


mação de micelas é importante para se obter uma boa limpeza. Essa concentração
varia de acordo com o tipo de tensoativo. Por exemplo, a concentração de alquil
sulfonatos, como o dodecilbenzeno sulfonato de sódio, deve situar-se entre 0,1 % e
0,2 %. Esse tensoativo tem um CCM de aproximadamente 0,03 %.

Há uma classiÞcação dos agentes tensoativos baseada na sua ionização em


solução aquosa. Os tensoativos aniônicos liberam uma carga elétrica negativa em
água e são representados pelos sabões obtidos pela saponiÞcação de ácidos graxos
com cadeia de 12 a 18 átomos de carbono ou por compostos sintéticos geralmente
de origem petroquímica, como é o caso do dodecilbenzeno sulfonato de sódio.

O sabão não é usado para a higienização de superfícies de equipamentos e


cap.04
utensílios por originar odores indesejáveis e, principalmente, por ser inativado pelos
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

sais presentes na água, particularmente os de cálcio e magnésio, responsáveis pela


dureza da água. Com o objetivo de solucionar esse problema, a indústria química
desenvolveu substâncias que não são afetadas pela água dura, como o dodecil-
benzeno sulfonato de sódio, já mencionado. No entanto, é necessário e obrigatório
pela legislação vigente que a indústria de alimentos utilize compostos sintéticos que
sejam biodegradáveis. Nesse caso, devem apresentar somente cadeia carbônica
linear, de modo a permitir a ação microbiana para sua degradação.

Os tensoativos aniônicos geralmente formam bastante espuma o que pode


ser indesejável em formulações de detergentes usados em limpeza CIP. No entanto
essa característica é desejável em procedimentos de higienização de superfícies ex-
ternas de equipamentos, tanques e silos de armazenamento.

Figura 8 - Síntese de um alquil sulfato de sódio.

Os primeiros tensoativos aniônicos comerciais surgiram por volta de 1930,


destacando-se o grupo denominado alquil sulfato de sódio, sintetizados pela sulfo-
natação de álcoois de cadeia longa (Figura 8 ).

Posteriormente, o grupo denominado alquil benzeno sulfonatos de sódio foi


desenvolvido, tendo como fórmula geral: R-SO3 Na . Deve-se observar que o grupo
alquil (R) dá as características de biodegradabilidade do tensoativo. Um tetrapropi-
leno que apresenta carbonos terciários e quaternários não será degradado comple-
tamente pelos microrganismos. Por isso, o uso de grupos alquil de cadeia linear na
198
síntese desses tensoativos, com carbonos primários e secundários, é a alternativa
viável, já que serão tensoativos biodegradáveis.

Figura 9 - Exemplos de tensoativos aniônicos: a) decil sulfonato de sódio, b) lauril sulfato de sódio e c) lauril
etoxilato sulfato de sódio.

Os tensoativos aniônicos incluem os alquil aril sulfonatos, como o dodecilben-


zeno sulfonato de sódio, os álcoois sulfatados de cadeia longa, as oleÞnas sulfona-
tados e éteres sulfatados (Figura 9).

Os agentes tensoativos catiônicos são aqueles que liberam carga elétrica posi-
tiva em solução aquosa. São representados pelos compostos quaternários de amô-
nia, também conhecidos como “quats”, cuja função bactericida é mais importante

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


do que a ação como detergente.

Os agentes não iônicos usualmente resultam da condensação do óxido de etile-


no ou do óxido de propileno com álcoois de cadeia longa ou alquil fenóis (Figura10).
Não liberam carga elétrica em solução aquosa. No entanto, apresentam uma porção
polar e outra apolar em sua molécula química, que lhes conferem as características

Figura 10 - Exemplos de tensoativos não iônicos: a) fórmula geral de um tensoativo não-iônico, b) lauril
álcool etoxilato e c) nonil fenol etoxilato.

de agentes tensoativos. Algumas substâncias tensoativas desse grupo não formam


muito espuma, embora sejam muito eÞcientes na diminuição da tensão superÞcial
da água e assim participam de formulações para serem usadas em procedimentos
de higienização pelo método CIP.

199
Figura 11 - Tensoativos anfóteros: a) fórmula geral e b) dodecil diaminoetilglicina.

Os tensoativos anfóteros liberam carga elétrica negativa ou positiva, depen-


dendo do pH da solução aquosa (Figura 11). Esses agentes apresentam aplicação
Tabela 10 - Grupos químicos e características de agentes tensoativos cap.04
limitada na formulação de detergentes usados na indústria de alimentos. No entan-
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

to, são bastante utilizados na preparação de “shampoos”.

Há mais de uma centena de agentes tensoativos que podem ser classiÞcados


nas cinco categorias mencionadas na Tabela 10.

2.4.6. Enzimas
Em algumas situações, com o objetivo de aumentar a eÞciência do procedimen-
to de higienização, sugere-se a adição de enzimas proteolíticas e lipases às soluções
de tensoativos. Na indústria de carnes, por exemplo, a utilização dessas enzimas seria
viável, pois películas de proteínas e gordura podem se depositar sobre superfícies de
processamento. Os detergentes contendo as enzimas hidrolisam as gorduras e proteí-
nas, facilitando sua remoção posterior. O uso das enzimas não requer água quente, que,
ao contrário, pode inativá-las. Além disso, normalmente as enzimas atuam melhor em
meio neutro ou ligeiramente alcalino. Assim, a eÞciência das enzimas em formulações
de detergentes de alcalinidade cáustica muito elevada deve ser bem avaliada.

2.4.7. Formulações de Detergentes


Um detergente apropriado ao uso no procedimento de higienização na indús-
tria de alimentos deve ser eÞciente nas condições de uso, não corroer ou daniÞcar
equipamentos, não afetar as características sensoriais dos alimentos, ser facilmente
rinsados das superfícies e seguro aos manipuladores.

Espera-se que um detergente ideal apresente as características de: i) saponiÞca-

200
ção; ii) emulsiÞcação; iii) molhagem; iv) penetração; v) diminuição da tensão super-
Þcial; v) solubilização de proteína; vi) manutenção dos resíduos em suspensão; vii)
controle de minerais; viii) não ser corrosivo e ix) ser de baixo custo.

Considerando que não há uma única substância que apresente todas essas ca-
racterísticas desejáveis, a indústria de alimentos utiliza-se de formulações que sejam
adequadas ao procedimento de higienização a ser seguido. Como exemplo, algumas
formulações serão mencionadas a seguir. No entanto, deve-se salientar que a melhor
orientação para a indústria de alimentos é a aquisição de detergentes formulados
por empresas especializadas, idôneas e de nome reconhecido no mercado. Essas
empresas geralmente oferecem produtos que apresentam bons resultados quando
A - Exemplo de formulações de detergente em função da dureza da água

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


B - Formulações típicas de detergentes para uso na indústria de alimentos, com relação
à formação de espumas

201
C - Exemplo de formulação de detergente para limpeza CIP (Cleaning In Place)

D - Exemplo de formulação de detergente para higienização manual


cap.04
E - Exemplo de formulação de detergente para higienização de tubulações de aço inoxidável
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

F - Exemplo de formulação de detergente para remoção de incrustações minerais

G - Exemplo de formulação de detergente para higienização de tanques de armazenamento de leite

202

H - Exemplo de formulação de detergentes para higienização de garrafas de vidro por método CIP

as recomendações técnicas de uso são seguidas corretamente. A formulação pre-


parada pelas próprias empresas somente é viável se nelas existir uma capacidade
tecnológica instalada, com proÞssionais capazes de desenvolver, preparar e controlar
a qualidade dessas formulações.
2.5. O Passo a Passo do Procedimento de Higienização

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


A descrição correta do passo a passo dos métodos de higienização, seja o
manual, seja o mecânico, deve enfocar a etapas fundamentais de um procedimento
correto que inclui: a i) pré-lavagem; ii) aplicação dos detergentes; iii) enxagüagens e
iv) a sanitização. Na pré-lavagem, cerca de 90 % dos resíduos solúveis em água são
removidos. A temperatura da água é importante, pois se estiver muito elevada pode
provocar a desnaturação de proteína; se estiver muito baixa, causa a solidiÞcação
de gordura. Assim, é recomendável que a temperatura seja cerca de 5 °C acima do
ponto de solidiÞcação da gordura do alimento. Geralmente, temperaturas entre 35 °C
e 40 °C atendem à maioria das indústrias.

A lavagem com alcalinos para remoção de resíduos orgânicos, como proteínas


e gorduras, deve ser efetuada, quando possível, a cerca de 80 °C. A lavagem com
ácido tem a função de remover os sais minerais das superfícies e, quando possível,
deve ser efetuada a 70 °C. A temperatura elevada favorece as reações químicas
para retirada desses resíduos das superfícies, mas somente pode ser utilizada na
higienização pela metodologia CIP. A higienização manual não permite o uso de
temperaturas elevadas, por serem danosas aos manipuladores. As enxaguagens
removem das superfícies os resíduos reagidos com os detergentes. São realizadas
após a limpeza com alcalinos, com ácidos e, às vezes, após o uso de sanitizantes

Tabela 11 - Proposição de um procedimento operacional padronizado para a higienização de um


pasteurizador de leite

203

químicos. A sanitização tem a função de controlar os microrganismos pelo uso de


agentes físicos, como o calor ou agentes químicos como o cloro.
cap.04
A título de ilustração, um Procedimento Operacional Padronizado (POP) para a
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

higienização de um pasteurizador pode ser descrito como se segue (Tabela 11).

Tabela 12 - Riscos de um procedimento de higienização de um pasteurizador de leite

204
Um exemplo de riscos associados ao procedimento de higienização é mostra-

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


do na Tabela12.

2.6. Sanitizantes
A sanitização complementa o procedimento de higienização, assegurando a
qualidade microbiológica das superfícies. Deve ser realizada, de preferência, imedia-
tamente antes do uso de equipamento, pois, após as etapas de limpeza, pode ocor-
rer a multiplicação de microrganismos indesejáveis que não foram eliminados ou,
mesmo, a recontaminação ambiental das superfícies. Essa etapa do procedimento
de higienização visa à eliminação dos microrganismos patogênicos e à redução dos
alteradores em níveis que atendam às especiÞcações previamente propostas. O uso
de detergentes diminui a contaminação microbiana das superfícies, mas geralmente
há necessidade da aplicação dos sanitizantes para efetivamente atingir as contagens
indicadas para que uma superfície seja considerada em condições higiênicas para o
processamento de alimentos.

Deve-se selecionar sanitizantes que: i) sejam aprovados pelos órgãos compe-


tentes, como os Ministérios da Saúde e da Agricultura; ii) apresentem amplo espec-
tro de ação antimicrobiana e capazes de destruir rapidamente os microrganismos; e
iii) sejam estáveis sob variadas condições de uso e que possuam baixa toxicidade e
corrosividade. Não existe um sanitizante que apresente todas essas características
desejáveis. Assim, é necessário conhecer as propriedades, vantagens e desvanta-
gens de cada sanitizante disponível para que seja selecionado o mais apropriado a
cada aplicação especíÞca. É importante saber que a ação dos sanitizantes é afetada
pelas características da superfície; pelo tempo e pela temperatura de contato, pela
concentração de uso e pelos tipos de resíduos presentes nas superfícies, pelo pH, 205
pelas propriedades físico-químicas da água e, ainda, por substâncias inativadoras.
Tabela 13 - Condições de uso e mecanismo de ação de sanitizantes físicos mais usados para
controle dos microrganismos em superfícies para processamento na indústria de alimentos

cap.04
O tipo e a concentração de microrganismos contaminantes da superfície também
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

inßuenciam a eÞciência do sanitizante. Os esporos são mais resistentes do que as


células vegetativas. Certos sanitizantes são mais efetivos sobre bactérias Gram-
positivas do que Gram-negativas. Outros apresentam boa eÞciência contra fungos
Þlamentosos e leveduras, mas não sobre vírus ou cistos de protozoários, como
Cryptosporidium e Giardia.

Assim, são importantes as informações disponíveis sobre sanitizantes físicos,


como calor e radiação ultravioleta e sobre sanitizantes químicos que incluem com-
postos clorados, compostos quaternários de amônio, compostos iodados, cloro-
hexidina, ácido peracético, peróxido de hidrogênio, derivados de fenol, álcoois,
extrato de semente de grape fruit e aldeídos. Ainda, com relação aos sanitizantes,
é necessário conhecer suas funções, suas concentrações de uso, seus modos de
ação, como e onde serão empregados e a forma correta de prepará-los.

Tabela 14 - Condições de uso de sanitizantes químicos mais usados para controle dos micror-
ganismos em superfícies para processamento na indústria de alimentos

206

Tabela 15 - Eficiência sobre microrganismos de alguns sanitizantes químicos nas condições de uso
para controle de microrganismos em superfícies para processamento na indústria de alimentos
Controle da Higienização na Indústria de Alimentos
Tabela16 - Mecanismos de ação dos sanitizantes químicos mais usados no controle de micror-
ganismos em superfícies para processamento na indústria de alimentos

207

cap.04
Agentes Físicos
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

Calor

O calor, quando possível, deve ser o agente sanitizante escolhido: atinge toda a
superfície, incluindo pequenos orifícios e ranhuras e não é seletivo contra os micror-
ganismos. A água quente deve ser usada numa temperatura de 80 °C durante 5 min.
O ar quente deve ser aplicado a 90 °C durante 30 min. Já o vapor direto, considerado
a verdadeira sanitização pelo calor, deve der aplicado o mais próximo possível da
superfície durante 1 min. Deve-se ter cuidado na sanitização de tubulações com o
vapor, pois a eÞciência deste pode ser diminuída em tubulações longas, se a tem-
peratura não for controlada.

Radiação Ultravioleta

A radiação ultravioleta é usada no controle microbiológico em situações es-


pecíÞcas de áreas de processamento, de laboratórios, câmaras de repicagens de
micorganismos, superfícies de processamento de alimentos, como polietileno usa-
do como embalagem de leite. Também, pode ser usada no controle microbiológi-
co de alimentos. Lâmpadas ultravioleta que imitem radiação 254 nm têm atividade
antimicrobiana. Como essa atividade diminui com o uso, as lâmpadas devem ser
substituídas periodicamente, em geral após seis meses.

Agentes Químicos
As Tabelas 14, 15 e 16 descrevem as características de uso, eÞciência antimi-
crobiana e mecanismo de ação dos principais sanitizantes químicos.

208 Compostos Clorados

Os compostos clorados podem ser classiÞcados em inorgânicos e orgânicos.


Dentre os primeiros, incluem-se o cloro gás (Cl2), o hipoclorito de sódio (NaClO),
o hipoclorito de cálcio (CaClO2) e o dióxido de cloro (ClO2). A forma gasosa é am-
plamente utilizada na desinfecção de água para abastecimento público e industrial,
sendo comercializada em cilindros de aço carbono, onde se encontra na forma lí-
quida, apresentando 100 % de cloro residual total, expresso em Cl2. Em condições
de pressão atmosférica, passa ao estado gasoso, forma em que é extremamente
tóxico aos manipuladores. Por isso, há necessidade de pessoal bem treinado para
sua utilização. Para o procedimento de higienização na indústria de alimentos, o
hipoclorito de sódio, ainda, é o mais utilizado, sendo comercializado na forma líqui-
da, em concentrações entre 2 % e 10 % de cloro residual total, expresso em Cl2. O
hipoclorito de sódio apresenta uma série de vantagens comparativas em relação aos
outros sanitizantes químicos: i) relativamente baratos; ii) ação rápida; iii) não afeta-
dos pela dureza da água; iv) efetivos contra grande variedade de microrganismos,
inclusive esporos bacterianos e bacteriófagos; v) efetivos em baixas concentrações;
vii) relativamente não-tóxicos nas condições de uso; viii) soluções de fácil prepara-
ção e aplicação; ix) concentração facilmente determinada; x) usado em tratamento

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


de água, e xi) os equipamentos não necessitam ser enxaguados após a sanitização,
se a concentração de uso for controlada adequadamente. Dentre as desvantagens
do uso do hipoclorito de sódio, encontram-se: i) instabilidade ao armazenamento;
ii) inativação pela matéria orgânica; iii) corrosão, se não usados corretamente; iv)

Figura 12 - Sanitizantes clorados orgânicos: a) dicloroisocianurato de sódio e


b) ácido tricloroisocianúrico

irritação da pele; v) precipitação em água contendo ferro; vi) menor eÞciência em


pH mais elevado; e vii) oxidação da borracha, que muitas vezes são componentes
de equipamentos, por exemplo gaxetas de pasteurizadores.

Nas indústrias de alimentos, tem aumentado o uso dióxido de cloro. Esse com-
posto clorado é disponibilizado pela sua geração no próprio local de uso, por meio
da reação entre o clorito de sódio e o cloro gás. Para isso, deve-se dispor de equi-
pamento que pode ser caro e de difícil manutenção, exigindo pessoas treinadas.
Pode ser encontrado comercialmente na forma estabilizada que consiste de uma
solução de clorito de sódio, que pode ser convertido para ClO2 no local de uso pela
209
adição de ácido fosfórico ou cítrico, por exemplo. Umas das principais vantagens do
ClO2 é a sua baixa reatividade com a matéria orgânica, não formando as substâncias
denominadas de trihalometanos, que são cancerígenos, como ocorre no caso do
cloro gasoso e dos hipocloritos.

Os compostos clorados orgânicos, conhecidos como cloraminas orgânicas, são


produzidas pela reação do ácido hipocloroso com aminas, iminas, amidas e imidas.
As mais utilizadas são a cloramina T, a dicloramina T, o diclorodimetil hidantoína, as
formas sódicas do ácido dicloroisocianúrico e o ácido tricloroisocianúrico (Figura 12).
Esses compostos se apresentam na forma de pó em teores entre 24 % e 90 % de
cloro residual total, expresso em Cl2. Em comparação com os clorados inorgânicos,
liberam mais lentamente o ácido hipocloroso, permanecendo efetivos por períodos
de tempo maiores e são menos reativos com a matéria orgânica, portanto formam
menos trihalometanos e são mais estáveis ao armazenamento.

Os compostos clorados são amplamente usados na indústria de alimentos por


serem geralmente de baixo custo e efetivo na eliminação de bactérias Gram-positivas
cap.04
e negativas, fungos Þlamentosos e leveduras. Dependendo do pH da solução, esses
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

compostos sanitizantes apresentam ação sobre esporos bacterianos, grupo microbiano


importante em processamento de alimentos. Em soluções com pH mais baixo, em
que há maior presença de ácido hipocloroso (HClO), que é a forma não dissociada,

a eÞciência esporicida do cloro pode ser esperada. Em pH 7,5, por exemplo, 50%
do cloro residual livre, como o determinado pelo teste da ortolidina, encontram-se
na forma de ácido hipocloroso. Em pH 10 e 5, as concentrações dessa forma não
dissociada são de 0,3 % e 99,7 %, respectivamente. Assim, a solução clorada de pH
igual a 5 será muito mais esporicida do que aquela de pH igual a 12.

Na indústria de alimentos, os compostos clorados podem ser utilizados para a


sanitização de superfícies de paredes, pisos, tetos e equipamentos e utensílios, para
a redução do número de microrganismos em carcaças bovinas, suínas e de aves,
para a redução do número de microrganismos em frutas e vegetais minimamente
210
processados, para o controle microbiológico de água de resfriamento de alimentos
enlatados esterilizados.

A ação antimicrobiana dos compostos clorados, à exceção do dióxido de cloro,

Figura 13 - Estrutura química do complexo iodo-nonilfenoletoxilado.

está relacionada à liberação do ácido hipocloroso em solução aquosa. Essa forma


não dissociada é cerca de 80 vezes mais bactericida do que a forma dissociada. Por
meio da equação de Henderson-Hasselblach, é possível determinar a concentração
do ácido hipocloroso na água. Para isso, é necessário que se conheça a concentra-
ção de cloro residual livre e o pH da água. Por exemplo, uma solução contendo 100
mg.L-1 de cloro residual livre, com um pH de 7,5, tem 50 mg.L-1 de ácido hipocloroso.
Da mesma forma, se o pH da água for 8,5 ou 6,5, as concentrações de ácido hipo-

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


cloroso serão, respectivamente, 9 mg.L-1 e 90 mg.L-1, conforme determinado pela
reações químicas e fórmula a seguir.

Iodóforos
Os iodóforos (Figura 13) são compostos derivados do iodo empregados como
sanitizantes na indústria de alimentos. São formulações que combinam o iodo e
um agente tensoativo, como a polivinilpirrolidona e um agente veiculador ácido.
Para manipuladores, normalmente usa-se uma solução-tampão formada pelo ácido
acético e pelo acetato de sódio, originando uma solução de uso com pH entre 5 e 6,
de modo a não afetar a mão de manipuladores. Já, em equipamentos e utensílios,
o ácido utilizado para a veiculação do iodo é geralmente o fosfórico. Nesse caso, as
soluções sanitizantes diluídas apresentam um pH em torno de 2, que otimiza a sua
ação antimicrobiana, já que há maior concentração de I2 livre, a forma bactericida. As
soluções diluídas de iodóforos são usadas numa concentração entre 10-25 mg.L-1, que
devem ser controladas.

Por conter tensoativo em sua composição, os iodóforos apresentam boa ação


de molhagem, de penetração em Þssuras e ranhuras e de espalhamento, além de fa-
cilidade de solubilização em água. Além disso, i) não são afetados pela água dura, ii)
previnem a formação de incrustações por ser de natureza ácida, iii) sua coloração mar-
rom/castanha é um indicativo de níveis de concentração, iv) sua concentração é facil-
mente determinada e v) as soluções de rotina são facilmente preparadas. No entanto,

211

Figura 14 - Formação do ácido peracético.

i) esses sanitizantes são menos eÞcientes do que compostos clorados sobre esporos
bacterianos e bacteriófagos, ii) podem causar odores indesejáveis em alguns produtos,
iii) causam descoloração em alguns materiais como o plástico, iv) tornam-se menos
eÞcientes com o aumento do pH e v) são mais caros do que o hipoclorito de sódio.

São eÞcientes sobre variados grupos de microrganismos, com exceção de es-


poros e bacteriófagos. Esses sanitizantes são utilizados para diminuição da microbiota
das mãos de manipuladores de alimentos, sanitização de equipamentos e utensílios e
diminuição da microbiota ambiental, quando aplicados na forma de nebulização.

A ação bactericida dos compostos iodados se deve, principalmente, ao I2 libe-


cap.04
rado a partir dos complexos com agentes tensoativos. As formulações comerciais
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

encontram-se na faixa de 0,5 % a 1,75 % de iodo residual livre, expresso em I2. As


soluções diluídas de iodóforos são usadas numa concentração entre 10-25 mg.L-1.
A concentração tanto do produto comercial quanto das soluções diluídas deve ser
controlada por meio de análises volumétricas de fácil execução.

Ácido Peracético
O ácido peracético comercial é um sanitizante constituído por uma mistura de
ácido peracético, peróxido de hidrogênio, ácido acético e um veículo estabilizante
(Figura 14). Algumas formulações contêm, ainda, um ácido orgânico como o oc-
tanóico. É produzido pela reação de ácido acético com peróxido de hidrogênio na

212

Figura 15 - Quaternários de amônia: a) fórmula geral, b) cloreto de estearalcônio, c) cloreto de


benzalcônio.

presença de um ácido mineral como catalisador, geralmente o ácido sulfúrico.

O ácido peracético é um agente antimicrobiano mais eÞciente do que o peróxido


de hidrogênio, sendo ativo contra grande espectro de microrganismos. É esporicida
em baixas temperaturas e permanece ativo na presença de matéria orgânica. Dentre as
vantagens do ácido peracético, veriÞca-se que são excelentes santizantes contra bacté-
rias Gram-positivas, Gram-negativas, fungos Þlamentosos e leveduras, vírus e esporos
bacterianos. É corrosivo ao aço inoxidável, mas não há necessidade de ser enxagua-

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


dos das superfícies, quando as concentrações das soluções de uso são corretamente
controladas. É amigável ao meio ambiente, pois os produtos de sua decomposição são
o ácido acético e a água. Não são afetados pela dureza da água, mas possuem baixa

Figura 16 - Estrutura química de clorohexidina.

estabilidade ao armazenamento, são irritantes à pele e às mucosas. São incompatí-


veis com ácidos e alcalinos concentrados e borrachas naturais ou sintéticas. Na forma
concentrada, em que é comercializado, deve ser manuseado com precaução pelos
manipuladores, que deverão usar equipamentos de proteção individual.

As soluções de ácido peracético têm sido crescentemente empregadas nas eta-


pas de sanitização nas indústrias de alimentos, principalmente laticínios e cervejarias.

Compostos de Amônia Quaternária


São substâncias tensoativos catiônicas que contêm em sua estrutura um áto-
mo de nitrogênio ligado covalentemente a quatro grupos alquil ou aril. A fórmula
geral das amônias quaternárias está apresentada na Figura 15.

Esses sanitizantes são eÞcientes sobre bactérias Gram-positivas e microrganis-


mos termodúricos. No entanto, apresentam baixa ação sobre bactérias Gram-nega- 213
tivas. São pouco eÞcientes contra coliformes e psicrotróÞcos e ineÞcientes contra
esporos. São incompatíveis com agentes tensoativos aniônicos. Não são corrosivos
nem tóxicos. Geralmente, são utilizados para a sanitização de pisos, paredes e equi-
pamentos e no controle microbiológico do ar de ambientes de processamento.

Clorohexidina
A clorohexidina é um composto químico sintético pertencente à série das
bisbiguanida, apresentando fórmula estrutural conforme Figura 16.

O digluconato de clorohexidina é a forma deste sanitizante disponibilizada co-


mercialmente em solução aquosa contendo cerca de 20 % p/v do princípio ativo. Na
indústria de alimentos, a solução é diluída na proporção de 1:2000 o que corresponde
a uma concentração de 100 mg.L-1 do princípio ativo e origina um pH entre 5 e 8.
Essas soluções são eÞcientes sobre células vegetativas de bactérias Gram-negativas
e Gram-positivas. Os compostos à base de clorohexidina originam soluções aquosas
que podem ser inativadas por sais minerais, como os responsáveis pela dureza da
cap.04
água. Como não possuem boa ação de molhagem, podem ser formulados com a par-
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

ticipação de tensoativos catiônicos ou não-iônicos. Normalmente, as soluções diluídas


desse sanitizante não possuem cor nem odor e parecem apresentar baixa toxicidade
em animais. Também, não provocam danos à pele e às mucosas de manipuladores.

Na indústria de alimentos, as soluções diluídas de clorohexidina são usadas para


redução da microbiota de manipuladores e para sanitização de equipamentos e uten-
sílios, sendo ainda recomendadas para o controle microbiológico de salmoura no pro-
cessamento de queijo. A eÞciência desse sanitizante foi constatada na diluição 1:3000,
que corresponde a cerca de 70 mg.L-1 do princípio ativo no tratamento de salmoura e
na superfície de queijo minas curado. VeriÞcou-se redução de 96 % na contagem de
aeróbios mesóÞlos e de 70 % na de coliformes totais.

Peróxido de Hidrogênio
As soluções de peróxido de hidrogênio apresentam forte ação oxidante de-
vido à liberação de oxigênio, que possui atividade sobre microrganismos Gram-
positivos e Gram-negativos. O peróxido de hidrogênio é uma composto inorgâ-
nico que se caracteriza por conter um par de átomos de oxigênio (-O-O-).

Na indústria de alimentos é usado como sanitizante quando se encontra nas


concentrações entre 0,3 % e 6 %, pH 4,0, e desde a temperatura ambiente até 80 °C,
durante 5 a 20 min de contato. As soluções desse agente sanitizante apresentam baixa
toxicidade e não requerem enxaguagem. No entanto, são corrosivas ao cobre, zinco
e bronze; ii) se usadas em baixas temperaturas, requerem longo tempo de contato;
214 iii) exigem precaução no manuseio; e iv) a concentração do princípio ativo deve ser
controlada.

O uso principal do peróxido de hidrogênio na indústria de alimentos é na este-


rilização de embalagens de produtos envasados assepticamente. Nessa última apli-
cação, as soluções contêm cerca de 30 % do principio ativo, apresentado atividade
sobre esporos bacterianos. O peróxido de hidrogênio participa de formulações de
sanitizantes à base de ácido peracético.

Comercialmente, encontram-se soluções aquosas de peróxido de hidrogênio


contendo cerca de 6 %, 12 % ou 30 % de peróxido de hidrogênio, denominadas
20V, 40V e 100V (volumes), respectivamente.

Ozônio
Descoberto em 1840 pelo químico alemão Christian Schöbein, o ozônio é um
alotrópico de oxigênio, naturalmente presente como um gás sem cor e com odor
próprio. Ele é produzido na superfície da atmosfera pela ação da radiação ultraviole-
ta nas moléculas de oxigênio.
Quadro 17 - Características físico-químicas do ozônio

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


O ozônio tem sido utilizado na desinfecção de água, ar de ambientes de pro-
cessamento e, também, no controle microbiológico de alguns alimentos. O uso des-
se sanitizante é aconselhável, por exemplo, quando a cloração origina subrodutos
indesejáveis. A eÞciência antimicrobiana do ozônio é dependente da concentração,
do tempo de contato, do efeito residual e da temperatura de aplicação. Pode ser
usado como agente antimicrobiano de duas formas, no estado gasoso ou dissolvido
em água puriÞcada para produzir água ozonizada. A forma gasosa é produzida por
diferentes métodos, dependendo da concentração requerida. Concentrações baixas
de ozônio (0,03 mg.L-1) podem ser obtidas pela exposição do ar à radiação ultravio-
leta com lâmpadas que emitem 185 nm. Altas concentrações podem ser geradas
no local de uso, pela passagem do ar seco ou do oxigênio entre dois eletrodos
separados por um meio cerâmico dielétrico. A energia do campo elétrico rompe o
O2, formando o oxigênio atômico que reage com outro O2, gerando o O3.
215
A ação antimicrobiana do ozônio está associada à inativação enzimática pela
oxidação de grupos sulÞdrilas de aminoácidos componentes de enzimas e pela li-
beração de constituintes do citoplasma devido à oxidação de lipídeos da membrana
celular. O ozônio é um efetivo agente antimicrobiano devido ao seu alto poder oxi-
dante (+2,07 volts), comparado com outros oxidantes como peróxido de hidrogênio
(+1,77, ácido hipocloroso (+1,49 volts) e iodo (+0,54) (Quadro 17). É altamente
reativo e se decompõe rapidamente, produzindo oxigênio. Portanto, não pode ser
estocado e deve ser produzido in situ.

Na França, o ozônio é utilizado no tratamento de água potável desde 1906.


Após a aprovação pela FDA, em 26 de junho de 2001, o uso de ozônio como agente
antimicrobiano para tratamento, estocagem e processamento de alimentos, a apli-
cação do ozônio expandiu-se para desinfecção de equipamentos, ambientes de pro-
dução e redução de células viáveis aderidas em superfícies de aço inoxidável.

O nível de exposição recomendado para aplicação do ozônio em ambientes


foi proposto pela Administração de Saúde e Segurança Ocupacional (OSHA), pelo
cap.04
Quadro 18 - Valores de Q10 do ozônio em diferentes temperaturas sobre vírus e protozoários
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

Quadro 19 - Ação do ozônio sobre microrganismos

Quadro 20 - Comparação da ação antimicrobiana entre sanitizantes em mg.L-1

216

Instituto Nacional Americano de Padrões (ANSI), pela Conferência Americana de Hi-


gienistas Governamentais para a Indústria (ACGIH) e pela Associação Americana de
Higiene Industrial (AIHA). Os manipuladores não podem ser submetidos ao excesso
de ozônio. Na concentração de 0,2 mg.m-3, o tempo de exposição do manipulador
não pode ultrapassar 8 h por dia de trabalho. Nenhum manipulador de alimentos
será exposto à concentração de ozônio que exceda a 0,6 mg.m-3, por mais de 10
min. Esses limites recomendados para concentração de ozônio são maiores do que
as concentrações que podem ser sentidas pelo olfato. Geralmente, pessoas podem
perceber concentração de 0,02 mg de ozônio por m3.

Várias são as aplicações desse sanitizante na indústria de alimentos. Pode ser


utilizado em lavagem de alimentos, tratamentos de água e esgoto, água de poços

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


artesianos e torres de resfriamento, sanitização de vasilhames, sanitização de su-
perfícies de equipamentos e utensílios, sanitização de ar de ambientes de processa-
mento de alimentos, no tratamento CIP (Clean in Place) e no tratamento de piscinas
comerciais e residenciais.

O ozônio apresenta maior capacidade de oxidação química e maior eÞciência


antimicrobiana às temperaturas mais baixas e sobre vírus e protozoários, quando
comparados a outros sanitizantes químicos de uso comum, embora apresente tam-
bém excelente ação antimicrobiana sobre bactérias, fungos Þlamentosos e levedu-
ras (Quadros 18, 19 e 20).

Associação entre Ácidos e Tensoativos Aniônicos


Formulações entre ácidos inorgânicos e orgânicos com tensoativos têm sido
usadas como sanitizantes. Os ácidos acético, lático, propiônico, fórmico e fosfórico
são os que mais freqüentemente participam dessas formulações.

Álcoois
Os álcoois etílico, propílico e isopropílico são usados como sanitizantes na in-
dústria de alimentos. Dentre esses, o álcool etílico apresenta maior aplicação, sendo
preferencialmente preparado numa concentração de 70 % do princípio ativo. A essa
solução, podem ser adicionados 2 % de iodo e 2 % de glicerina para controle da
microbiota de mãos de manipuladores de alimentos.

Na concentração de 70 %, o sanitizante tem ação antimicrobiana mais eÞciente,


pela desnaturação protéica e remoção de lipídeos da membrana celular dos micror- 217

ganismos. Em concentrações mais elevadas, por exemplo, 95 % de sua eÞciência


diminui, pois atua somente por desidratação das células microbianas.

As soluções de alcoólicas são alternativas viáveis para a sanitização de algu-


mas superfícies, em áreas de processamento de alimentos em pó, onde o uso de
água deve ser evitado.

Extrato de Semente de Grape Fruit


O extrato de semente de “grape fruit” é um sanitizante de origem orgânica,
sendo um complexo estabilizado Þsicamente e integrado por pequenas concentra-
ções de substâncias químicas naturais. Dentre essas substâncias, encontram-se áci-
do ascórbico, ácido cítrico, ácido palmítico, glicerídeos, tocoferóis e aminoácidos.
Produtos comerciais contendo cerca de 10 % do princípio ativo são disponibilizados
às indústrias de alimentos. Soluções diluídas contendo cerca de 400 mg.L-1 desse
extrato são aplicadas em ambientes de processamento, instalações, equipamentos
e utensílios.
cap.04
Derivados do Fenol
Nélio José de Andrade Higiene na indústria de alimentos

O uso do fenol como agente antimicrobiano data dos meados do século XIX,
na desinfecção em procedimentos cirúrgicos. O fenol é uma substância cristalina,
incolor, muito solúvel em água, mas de difícil manipulação. Soluções aquosas con-
tendo 2 a 5 % podem ser usadas na desinfecção de equipamentos contaminados.
Este sanitizante altera a permeabilidade da membrana celular, permitindo a saída de
alguns constituintes celulares essenciais, como os aminoácidos. Alguns compostos
fenólicos são excelentes fungicidas, mas apresentam baixa eÞciência sobre esporos
bacterianos e vírus. Deve-se mencionar o fato, no entanto, que atualmente existem
alternativas de sanitizantes mais adequadas à indústria de alimentos.

Vários outros derivados de fenol com uma atividade antimicrobiana mais eÞ-
ciente foram obtidos por síntese química. Dentre eles incluem-se os cresóis (orto,
meta e para), o hesilresorcinol, o hexaclorofeno e o irgasan.

Dentre esses, o hexaclorofeno destacou-se pelo uso na desinfecção de mãos


por um extenso período, como participante de formulações de sabões. Em con-
centrações entre 0,75 % e 3 %, o hexaclorofeno apresenta eÞcácia, é econômico e
não irrita a pele. Pesquisas revelaram, no entanto, que formulações testadas com
ou sem este bactericida mostravam pouca diferença na redução de bactérias na
superfície de mãos. Foi constatada, ainda, que a redução bacteriana era mais notada
após uso contínuo e que o efeito redutor desaparecia quando uma recontaminação
intensa ocorria. Posteriormente, a observação sobre a possibilidade de absorção
através da pele e de toxicidade do hexaclorofeno, inclusive com possibilidade de ser
cancerígeno, resultou na limitação do seu uso.

218 Irgasan e triclosan são os nomes comerciais de um derivado fenólico normal-


mente constituinte de formulações detergentes com atividade sanitizante indicado
para higienizar mãos de manipuladores de alimentos. Este sanitizante, o 2,4,4’triclo-
ro 2’-hidroxidifenil éter, apresenta um largo espectro de ação antimicrobiana e vas-
to campo de aplicação. A ação do irgasan/triclosan ocorre em nível de membrana
citoplasmática e para assegurar rápida destruição bacteriana o sanitizante tem sido
formulado com agentes tenso-ativos apropriados.

Um fato histórico em relação ao fenol merece registro. Este agente químico foi
utilizado como antimicrobiano padrão, quando se desenvolveu, no início do século
XX, a primeira técnica laboratorial para avaliar a eÞciência de sanitizantes. ModiÞ-
cações ocorreram, mas ainda hoje, o princípio desta metodologia, conhecida como
teste do coeÞciente fenólico, é basicamente a mesma: comparar a ação microbiana
de um determinado agente químico contra uma solução padrão de fenol. Não há
dúvidas, no entanto, que outras técnicas mais apropriadas para avaliar sanitizan-
tes foram desenvolvidas, mas a determinação do coeÞciente fenólico é um método
padronizado recomendado pela AOAC (American of OfÞcial Analytical Chemists) e
também usado no Brasil pelo INCQS (Instituto Nacional de Controle de Qualidade

Controle da Higienização na Indústria de Alimentos


em Saúde) da FIOCRUZ (Fundação Osvaldo Cruz).

3. Avaliação da Eficiência do Procedimento de Higienização


A higienização deve ser avaliada periodicamente de forma a garantir a pro-
dução de alimentos seguros, devendo-se adotar medidas corretivas em casos de
desvios desses procedimentos. Os resultados dos testes podem ser comparados
com as especiÞcações ou as recomendações de órgãos oÞciais ou por entidades
cientíÞcas conceituadas, como a American Public Health Association (APHA), a
Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana de Saúde
(OPAS). Em função dos resultados, mantêm-se as técnicas de higienização adotadas
ou são tomadas medidas corretivas.

Quando um procedimento qualquer de higienização, durante o processamento


de alimentos, não é eÞciente ou é falho, o primeiro indício do problema pode ser o
aumento nos números de contaminantes microbianos, o que reforça ainda mais a
importância da implantação de um programa de monitoramento pelas indústrias de
alimentos. Por isso, a escolha de um método adequado deve estar de acordo com a
situação especíÞca, considerando-se o tipo de alimento processado.

Um dos principais fatores que inßuenciam a escolha do método para a avalia-


Quadro 21 - Algumas especificações microbiológicas no proessamento de alimentos

219

ção de superfícies na indústria é o tipo de microrganismo contaminante, em razão


das condições de sobrevivência de sua concentração esperada. Além disso, inßuen-
ciam também a topograÞa e as condições das superfícies, que envolve a presença
de ranhuras e de resíduos de detergentes, de sanitizantes e de alimentos.

Não há uma metodologia universal para a avaliação microbiológica na indústria.


Entretanto, pela combinação de metodologias, é possível veriÞcar as condições higiê-
nicas durante o processamento dos alimentos. Como em qualquer análise, o sucesso
e a eÞciência do método dependem do conhecimento prévio sobre distribuição e
adesão bacteriana, sobrevivência e recuperação de microrganismos estressados.

A indústria de alimentos deve propor limites de segurança que deverão ter um


cap.04

Você também pode gostar