Você está na página 1de 9

Branquinho et.al.

, Diagnóstico imagiológico de cardiomiopatia hipertrófica

DIAGNÓSTICO IMAGIOLÓGICO DE CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA


IMAGING DIAGNOSIS OF HYPERTROPHIC CARDIOMYOPATHY

Joana Branquinho1, Manuel Monzo2, João Cláudio1, Manuel Rosado1, João Carvalho1, Rui
Lacerda1, Kevin Rodrigues1
1
Mestrado Integrado da Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Lusófona de Humanidades
e Tecnologias de Lisboa.
2
Centro de Investigação em Ciências Veterinárias (CICV), Faculdade de Medicina Veterinária –
ULHT,Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Campo Grande, 376, 1749 - 024
Lisboa

Resumo: A hipertrofia cardíaca é uma alteração caracterizada pelo aumento do músculo cardíaco (miocárdio). Esta,
pode ser primária e congénita, denominando-se cardiomiopatia hipertrófica felina (CMH) ou secundária a outra
patologia, como no caso de estenoses valvulares, hipertiroidismo, entre outras. A CMH, é a cardiomiopatia mais
frequente dos felinos e acredita-se que certas raças têm alguma predisposição genética. A sintomatologia é variável,
podendo em alguns casos haver animais assintomáticos mesmo com casos avançados de doença. Outros sintomas como
parésia dos membros posteriores devido a tromboembolismo aórtico, edema pulmonar e falha cardíaca congestiva são
frequentemente encontrados. Quanto ao diagnóstico desta patologia, o método de eleição na prática clínica (in vivo) é
o ecocardiograma, que vai detectar sobretudo uma hipertrofia da parede ventricular esquerda que quando comparada
com valores pré-estabelecidos são suficientes para caracterizar uma hipertrofia, contudo não é específico para
caracterizar a sua etiologia. Para uma hipertrofia cardíaca, ser denominada congénita/primária e portanto CMH, deve
ser realizado um diagnóstico de exclusão para descartar as restantes patologias que podem causar esta alteração
cardíaca (hipertiroidismo, hipertensão sistémica, estenose valvular). O modo-M e Doppler são fundamentais para um
diagnóstico mais preciso.

Abstract: The cardiac hypertrophy is an alteration characterized by the increase of the cardiac muscle (myocardium).
It can be primary and congenital, designated by feline hypertrophic cardiomyopathy (HCM) or secondary to other
pathology, as in the case of valvular stenosis, hyperthyroidism, among others. The HCM, is the most frequent
cardiomyopathy that affects cats and it is believed that certain races have some genetic predisposition. The
symptomatology is variable, and in some cases animals may be asymptomatic even in advanced cases of illness. Other
symptoms may be found like paresis of the posterior members secondary to aortic thromboembolism, pulmonary edema
and frequent congestive heart failure. The best diagnosis method for this disease, in clinical practice (in vivo) is the
ecocardiogram, being able to detect a hypertrophy of the left ventricular wall that when compared with preset values is
enough to characterize a hypertrophy, although non-specific to characterize it’s etiology. For a cardiac hypertrophy, to
be called congenital/primary and therefore HCM, must be carried through an exclusion diagnosis to discard the
remaining diseases that can cause this cardiac alteration (hyperthyroidism, systemic hypertension, valvular stenosis).
The M-mode and Doppler are fundamental for a precise diagnosis.

INTRODUÇÃO de uma doença subjacente ou por outro lado


de uma condição primária/congénita
A hipertrofia cardíaca é o termo (Norsworthy et al., 2003).
utilizado para definir o aumento do número Assim, existem dois tipos de
das unidades contrácteis do miocárdio hipertrofia cardíaca, a concêntrica e a
(sarcómeros), que se traduz no aumento total excêntrica.
do músculo cardíaco (Boon, 1998; Uma hipertrofia cardíaca concêntrica
Radostits, 2002). é a consequência de uma sobrecarga
O desenvolvimento de um padrão de ventricular em pressão. Neste tipo de
hipertrofia cardíaca depende da existência hipertrofia ocorre um aumento regular da
Revista Lusófona de Ciência e Medicina Veterinária 3: (2010) 36-44

espessura da parede ventricular com para cada uma das espécies (Bonne et al.,
diminuição do tamanho das câmaras 1998; Norsworthy et al., 2003).
cardíacas. Esta está frequentemente A utilização de testes genéticos para
associada a patologias como a estenose a detecção de mutações no gene MYBPC3,
valvular/subvalvular ou outra obstrução ao antes da aquisição dos animais e sobretudo
fluxo ventricular, a hipertensão secundária e em criadores de raças predispostas, é algo
a doenças metabólicas como hipertiroidismo controversa no que diz respeito à
ou insuficiência renal e ainda a causas sensibilidade/especificidade destes testes,
primárias como cardiomiopatia hipertrófica pois 24% dos animais com resultado
(CMH). A hipertensão arterial sistémica negativo no teste genético apresentavam a
pode ser considerada uma causa ou uma doença (detectável por ecocardiografia) e
consequência desta patologia primária 53% dos gatos com resultado positivo ao
(Kittleson & Kienle, 1998; Radostits, 2002; teste genético estavam livres de CMH
Norsworhty et al., 2003). (Bonne et al., 1998; Kittleson & Kienle,
Por outro lado, a hipertrofia cardíaca 1998).
excêntrica é a consequência de uma Contudo, animais positivos ao teste
sobrecarga de volume sanguíneo. Neste genético não devem ser reprodutores pois
caso, há um alongamento das fibras podem vir a desenvolver CMH ao longo da
miocárdicas e dilatação das câmaras sua vida e esta alteração pode não ser
cardíacas, aumentando o volume diastólico. detectável no exame ecocardiográfico
Causas deste tipo de hipertrofia incluem (Kittleson & Kienle, 1998).
endocardiose mitral, persistência do ducto Os gatos machos de meia idade
arterioso e degenerescência das válvulas (incidência 75% no momento do
atrioventriculares (Kittleson & Kienle, 1998; diagnóstico) e raças como Domestic
Fox, 1998, 2003; Norsworthy et al., 2003). shorthair (89.1%), Persas (6.6%), Main
Coon (2.2%), American shorthair, Ragdoll e
Bosques da noruega, apresentam uma maior
Considerações clínicas: prevalência de CMH (Norsworthy et al.,
A CMH, a doença cardíaca mais 2003).
frequente dos gatos (67.6%), é uma doença A cardiomiopatia hipertrófica
primária do miocárdio ventricular obstructiva felina (CMHO) é uma
(inicialmente/principalmente ventrículo complicação de CMH quando existe uma
esquerdo) caracterizada por apresentar uma obstrução dinâmica ao tracto de saída do
hipertrofia concêntrica, ligeira a severa, de ventrículo esquerdo (Kittleson & Kienle,
padrão regular ou irregular do músculo 1998; Adin & McCloy, 2005).
cardíaco (Riesen et al., 2007; Nelson & A systolic anterior motion (MAS),
Couto, 2008). por sua vez, consiste num movimento da
A etiologia desta cardiomiopatia válvula mitral, que obstrui o tracto de saída
primária/idiopática não é actualmente do ventriculo esquerdo. Esta situação
conhecida, sendo portanto necessário um apresenta-se em 67% dos gatos com HCM
diagnóstico clínico de exclusão. Contudo, no momento do exame ecocardiográfico
existe a possibilidade de uma base genética [questão ainda em debate, pois não se
associada (autossómica dominante com provou até ao momento que os pacientes no
transmissão completa), que assenta numa seu ambiente (em casa) também exibam esta
mutação na proteína-C ligante da miosina alteração] (Fox, 2003; Riesen et al., 2007;
(proteína motora do músculo cardíaco), Nelson & Couto, 2008).
especificamente no gene denominado A hipertrofia secundária do
cMyBP-C, identificado como a causa de miocárdio pode também ser considerada
CMH em gatos Main Coon e Ragdoll, como uma resposta compensatória a uma
embora em diferentes locus do mesmo gene determinada patologia (ex: hipertiroidismo,
37
Branquinho et.al., Diagnóstico imagiológico de cardiomiopatia hipertrófica

hipertensão, acromegália e obstrução ao da espessura normal (mesmo em casos


fluxo ventricular) (Radostits, 2002; Fox, severos), (Norsworthy et al., 2003; Nelson
2003). & Couto, 2008).
O hipertiroidismo altera directamente Por vezes, encontra-se uma área de
a função cardiovascular quer pelo seu efeito hipertrofia localizada na porção proximal do
simpático a nível miocárdico, quer pelo septo interventricular que se projecta para o
excesso de hormona da tiróide em circulação tracto de saída do ventrículo esquerdo,
(aumento da frequência, contractilidade podendo causar alguma obstrução ao
cardíaca e volume sanguíneo), estimulando esvaziamento ventricular (Norsworthy et al.,
assim uma hipertrofia secundária adaptativa 2003; Nelson & Couto, 2008).
do miocárdio (Nelson & Couto, 2008). Uma lesão estenótica deste género,
Outras causas como a hipertensão induz uma hipertrofia ventricular
arterial sistémica provocam um aumento do compensatória, podendo favorecer uma
pós-carga, da pressão e resistência ao fluxo futura obstrução (Norsworthy et al., 2003;
sanguíneo, traduzindo-se também numa Nelson & Couto, 2008).
hipertrofia secundária adaptativa do Embora menos frequente, a presença
miocárdio (Norsworthy et al., 2003). de uma patologia descrita anteriormente
O mesmo ocorre em obstruções ao concomitante a uma CMH não deve ser
tracto de saída ventricular (estenoses excluída (Nelson & Couto, 2008).
congénitas/adquiridas ou obstruções
dinâmicas, excluíndo MAS, como no caso Diagnóstico:
de pólipos), que induzem um aumento do Pacientes com CMH moderada
número das células miocárdicas (hipertrofia) podem ser assintomáticos durante vários
(Nelson & Couto, 2008). anos (48% dos animais afectados). A
Os gatos com acromegália [secreção sintomatologia mais frequente passa por
crónica excessiva da hormona de sinais respiratórios de severidade variável
crescimento (GH), sobretudo causada por e sinais agudos de tromboembolismo da
tumores funcionais da pituitária] trifurcação da aorta (12% dos casos),
desenvolvem também uma hipertrofia responsável por parésia/paralisia dos
cardíaca secundária à acção da GH no membros posteriores (Laste & Harpster,
coração. Porém, esta hormona está 1995; Tilley, 2008).
aumentada em 60% dos gatos com CMH,
mesmo sem sofrerem de acromegália, não Auscultação:
estando portanto clarificado se a GH é uma À auscultação pode estar presente
causa ou consequência da CMH (Kittleson um sopro sistólico compatível com
et al., 1992; Pion et al., 1992; Hurty & regurgitação da mitral e obstrução ao tracto
Flatland, 2005). de saída do ventrículo esquerdo. Contudo,
Por último, o aumento do miocárdio alguns gatos com hipertrofia marcada não
pode ocasionalmente resultar de uma doença apresentam um murmúrio audível. Em
infiltrativa não funcional (ex: linfomas) alguns casos, pode ser detectado um ligeiro
(Nelson & Couto, 2008). desdobramento do 2º som cardíaco devido à
Caso alguma destas patologias esteja presença de hipertrofia.
presente, o diagnóstico de CMH deve ser Pode também ser ouvido um ritmo de
excluído, denominando-se uma hipertrofia galope associado ao aparecimento de S4,
concêntrica secundária à causa primária. (ex: causado por um aumento de pressão,
secundária a hipertiroidismo) (Nelson & principalmente em casos de insuficiência
Couto, 2008). cardíaca iminente (fig. 1) (Nelson & Couto,
Estas patologias provocam 2008).
tipicamente hipertrofia concêntrica simétrica As arritmias, como comentado
e um aumento máximo da parede de até 50% posteriormente, são um achado frequente à
Revista Lusófona de Ciência e Medicina Veterinária 3: (2010) 36-44

auscultação e o batimento cardíaco é bloqueios do ramo anterior esquerdo,


normalmente forte e seco (Nelson
Nelson & Couto, complexos
omplexos ventriculares prematuros
prematur (CVP)
2008). e 40% dos gatos apresentam desvio
esquerdo
squerdo do eixo cardíaco (Damon B. et al.,
2002; Norsworthy et al., 2003).

Ecocardiografia:
O ecocardiograma é em termos
práticos, o meio preferencialmente utilizado
para o diagnóstico de CMH “in vivo” e na
tentativa
tativa da sua diferenciação para as outras
hipertrofias cardíacas (cariomiopatia
restritiva, causas metabólicas, doenças
Figura 1. Diagrama do ciclo cardíaco, demonstrando infiltrativas) (Boon, 1998; Nelson & Couto,
os sonsns cardíacos e Eletrocardiograma (ECG) 2008).
correspondente. (Adaptado de Nelson & Couto, 2009)
Alterações da função sistólica podem
ser avaliadas usando ecocardiografia bi- bi
Radiografia:
dimensional, Modo-MM e Doppler,
O Raio x é considerado um meio de
procurando por MAS e obstruções ao fluxo
diagnóstico pouco sensível para detectar
ventricular e padrões específicos de d
CMH (Norsworthy et al., 2003).
hipertrofia cardíaca (Damon B. et al., 2002).
Ao realizar uma projecção
Na maioria dos casos a hipertrofia
radiográfica latero-lateral,
lateral, alterações como
ventricular esquerda é difusa (67%), e em
aumento do ventrículo e átrio esquerdo
37% dos casos é regional. Gatos afectados
podem estar presentes. A forma de “coração
têm tendência a apresentar uma hipertrofia
em são valentim” está descrita como
mais marcada da porção basilar do
característica deste tipo de patologia,
ventrículo esquerdo, em maior número do
contudo, numa vista dorso-ventral
dorso nem
que hipertrofia da porção apical (57%)
sempre é visível. Pode estar presente
pre alguma
embora outros apresentem hipertrofia
dilatação do lado direito do coração em
semelhante nas duas porções (43%) (Fig.( 2)
estados maiss avançados da doença (Damon
(Boon et al., 1998; Fox, 2003).
B. et al., 2002; Radostits, 2002).
Em casos de falha cardíaca
congestiva podem ser visíveis alterações
como edema pulmonar, efusão pleural e
veias pulmonares aumentadas tadas e tortuosas
(Norsworthy et al., 2003; Nelson & Couto,
2008).
Contudo, a silhueta cardíaca está
aparentemente normal na maior parte dos
gatos com ligeira CMH.

Electrocardiografia:
Até 70% dos gatos com CMH
apresentam alterações no Figura 2. Padrões de distribuição de hipertrofia
electrocardiograma. Tais alterações incluem cardíaca (Adaptado de Fox, 1995).
arritmias ventriculares e supraventriculares,
aumento da amplitude da onda R e/ou O diâmetro do ventrículo esquerdo
aumento da duração do intervalo QRS em diástole encontra-se
se normalmente dentro
(devido ao aumento do ventrículo esquerdo), dos limites
tes normais, ao passo que na sístole

39
Branquinho et.al., Diagnóstico imagiológico de cardiomiopatia hipertrófica

está muitas vezes diminuído, resultando, em Realizar o exame ecocardiográfico:


alguns gatos, num aumento da fracção de Antes de mais, deve ser escolhida a
encurtamento. A maioria dos gatos com sonda e frequência adequada.
HCM exibe uma fracção de encurtamento Quanto maior for a frequência dos
normal (30 a 60%). A dilatação atrial ultra-sons melhor a resolução das estruturas
esquerda moderada está frequentemente pequenas, contudo, menor vai ser a
presente (média 18 mm; normal 11mm), capacidade de penetração dos ultrassons.
embora em menor grau do que na Pelo contrário, frequências mais baixas
cardiomiopatia restritiva. providenciam uma melhor penetração,
Quando correctamente obtida, uma contudo uma imagem menos definida. As
medida da espessura da parede/septo frequências geralmente utilizadas em gatos
ventricular superior a 5.5 mm, no final da são de 7-12 MHz.
diástole é considerada hipertrofia cardíaca,
contudo, estes valores podem diferir de
acordo com o autor em questão (tabela 1;
fig. 3 e 4) (Boon, 1998; Kittleson & Kienle,
1998).

Tabela 1.

Medidas ecográficas normais no gato

LVW D LVW S IVSD IVSS Figura 4. Imagem do mesmo animal, numa imagem
bi-dimensional, num plano transversal (eixo curto),
≤5.5mm ≤9mm ≤5.5mm ≤9mm
na janela paraesternal direita, durante a Diástole (A)
– músculos papilares muito hipertrofiados (seta) e
durante a Sístole (B) – notar a obliteração sistólica
Legenda: praticamente completa da câmara cardíaca do
ventrículo esquerdo
LVWD – Parede ventricular esquerda no fim da Diástole
LVWS – Parede Ventricular esquerda no fim da Sístole
IVSD – Septo Interventricular no fim da Diástole
IVSS – Septo Interventricular no fim da Sístole A sonda utilizada é preferencialmente do
tipo “phased array”, (fig. 5) (Boon, 1998).
Caso seja necessário o animal deve
ser sedado para providenciar um exame mais
preciso. O fármaco deve ser escolhido
cuidadosamente consoante o estado geral do
paciente, interferindo o mínimo possível no
funcionamento do sistema cardiovascular
(Boon, 1998).
Para melhorar a qualidade da
imagem, deve ser realizada a tricotomia
bilateral entre o 3º e 6º espaço intercostal, da
junção costocondral até ao esterno e deve
ser utilizado gel de ultra-sons (Boon, 1998).
Em geral, para um melhor exame
Figura 3. Imagem ecocardiográfica transversal (eixo
ecocardiográfico deve ser utilizada uma
curto) em modo-M de um gato com CMH, ao nível do mesa específica para ecocardiografia e o
Ventrículo esquerdo, um Europeu Comum de 7 anos. animal deve ser colocado em decúbito
A espessura da parede ventricular esquerda no final da lateral direito com a região entre o 3º e 6º
diástole é de aproximadamente 8 mm (Adaptado de espaço intercostal posicionados na zona
Nelson & Couto, 2009; Boon, 1998).
recortada da mesa, realizando-se uma
Revista Lusófona de Ciência e Medicina Veterinária 3: (2010) 36-44

correcta contenção, com extensão dos que o grau de hipertrofia esteja directamente
membros posteriores e anteriores (Boon, relacionado com a severidade dos sinais
1998). clínicos (Nelson & Couto, 2008).

Figura 5. Correcta utilização da sonda


ecocardiográfica, o dedo polegar deve estar sempre no
marcador.

Durante o ecocardiograma podem ser


obtidas diversas imagens, consoante o
posicionamento da sonda. Assim, existem
dois planos ecocardiográficos utilizados na
avaliação das estruturas cardíacas, o plano
longitudinal (segue o coração da base ao Figura 6. Existem cinco imagens transversais
“standart” do coração, para diagnóstico de CMH
ápex) e o plano transversal (segue a largura geralmente é aconcelhada a imagem correspondente
do coração da direita para a esquerda). ao plano 1 (Adaptado de Boon, 1998).
Para o diagnóstico de CMH é
aconselhada a utilização de um plano O Doppler, é muito útil pois realiza
transversal (eixo curto), numa janela as imagens correspondentes à direcção e
paraesternal direita, num corte justo por velocidade do fluxo sanguíneo e detecta
cima dos músculos papilares, onde se pode clinicamente direcções anormais de fluxo
visualizar o início das cordas tendinosas sanguíneo (como em regurgitações) e
(fig. 6). Também com um corte longitudinal velocidade aumentada ou turbulenta do
(eixo comprido) na mesma altura podemos fluxo de sangue (como em estenoses).
ter informações úteis para obtermos o Existem diferentes tipos de ecocardiografia
diagnóstico de CMH. O modo-M, o com Doppler, destacando-se o Doppler
Doppler a cores e o uso de pulsado, a cores e contínuo (fig. 7)
electrocardiograma durante a realização do (Norsworthy et al., 2003).
exame ecocardiográfico são também Outros achados ecocardiográficos
bastante úteis, nomeadamente para ajudar a que podem estar presentes incluem o
especificar a sístole e a diástole (Adin & espessamento dos folhetos da vávula mitral
McCloy, 2005; Bonagura). e efusão pericárdica ligeira.
Falsas medições podem ocorrer Gatos com aumento do átrio
quando o feixe da sonda não atravessa a esquerdo estão mais predispostos à
parede ou septo cardíaco formação de trombos intracardíacos
perpendicularmente e quando a medida não (sobretudo átrio esquerdo), com possível
é tirada no final da diástole. As câmaras embolização sistémica, sendo esta imagem
cardíacas estão normalmente diminuídas de tipicamente identificada na ecocardiografia
tamanho (Adin & McCloy, 2005; Bonagura, como um “turbilhão” de material ecogénico
Boon, 1988). na câmara cardíaca do átrio esquerdo (Laste
Os pacientes com CMH severa & Harpster, 1995; Baty et al., 2001).
podem apresentar espessura da parede/septo Com o auxílio do Doppler a cores e
ventricular superior a 8 mm ou mais, sem do modo-M, podem ainda ser demonstradas

41
Branquinho et.al., Diagnóstico imagiológico de cardiomiopatia hipertrófica

anomalias sistólicas ou diastólicas


diast do ntes de diagnosticar uma CMH
Antes
ventrículo esquerdo (ex:
x: regurgitação mitral idiopática devem ainda ser excluídas outras
e MAS), (fig. 8) (Boon, 1998; Kittleson & causas de hipertrofia cardíaca como:
Kienle, 1998). cardiomiopatia restritiva (RCM), a segunda
segun
mais frequente nos gatos (20.7%),(20. que
apresenta
resenta geralmente ao exame
ecocardiográfico um aumento bilateral do
coração, caracterizado por um aumento au
marcado do átrio esquerdo e ainda
infiltrações cicatriciais no ventrículo
esquerdo que surgem como áreas
hiperecogénicas multifocais
ocais ou difusas, (sem
que se verifique SAM ou obstrução ao fluxo
de saída do ventrículo esquerdo)
esquerdo (Bonagura;
Kittleson & Kienle, 1998; Fuentes,
Fuentes 2002).
As doenças infiltrativas (e
(ex:
linfoma), apresentam geralmente alterações
Figura 7. Imagem de Doppler a cores tirada durante a na ecogenecidade e irregularidades na
sístole de um gato macho Europeu comum com
CMHO numa vista paraesternal direita, eixo parede cardíaca (Nelson
Nelson & Couto, 2008).
comprido.
rido. Ver o fluxo turbulento imediatamente Outros meios complementares de
acima da porção espessada do septo interventricular diagnóstico como provas hematológicas,
que protrude no tracto de saída do ventrículo esquerdo bioquímicas e medição da pressão arterial
e também, uma insuficiência mitral ligeira, que sai em podem ser úteis para descartar doenças
jato para o átrio esquerdo, comum com MAS. Ao,
Aorta; LA, átrio direito e LV,, ventrículo esquerdo concomitantes a uma hipertrofia cardíaca
(ex:
x: hipertiroidismo, hipertensão sistémica
sisté e
Com a utilização do Doppler pulsado acromegália) (Nelson & Couto,
C 2008).
e contínuo, podemos identificar e quantificar
disfunções diastólicas em gatos com CMH,
ponderar o fluxo transmitral (com padrões DISCUSSÃO
ISCUSSÃO
de fluxo específicos) e considerar
considera também o
tempo de relaxamento isovolumétrico, fluxo Os sinais clínicos associados a CMH
venoso pulmonar e o grau de preenchimento são normalmente variáveis e inespecíficos,
ventricular durante cada componente da dificultando assim o diagnóstico precoce
diástole, de modo a enriquecer
enriquece os meios de desta patologia.
diagnóstico disponíveis para ara detectar CMH O meio de eleição (in vivo) para o
felina (Bright, et. al., 1999; Oyama,
Oyama 2004). diagnóstico de hipertrofia cardíaca
secundária e de CMH é o ecocardiograma
(bi-dimensional
dimensional com doppler). Este, é
extremamente sensível no que diz respeito
ao estadiamento da doença cardíaca e sua
evolução, bem como para a diferenciar em
primária/congénita ou em secundária a outra
patologia
atologia (em conjunto com outros meios).
Um rastreio periódico de
Figura 8. A- Imagem ecocardiográfica bi-bi ecocardiografia em gatos de meia idade,
dimensional durante a sístole, numa janela sobretudo nas raças apresentadas como mais
paraesternal direita, eixo comprido, num Europeu predispostas e a realização de testes
comum de 7 anos. Está presente MAS da válvula
genéticos podem também ser úteis no
mitral. B- O modo-M M confirma a nível da válvula
mitral a presença de MAS (seta). Ao,
Ao Aorta; LA, átrio diagnóstico desta patologia. Em pacientes
esquerdo e LV, Ventrículo esquerdo.. assintomáticos, segundo a literatura, não
Revista Lusófona de Ciência e Medicina Veterinária 3: (2010) 36-44

deve ser instituída nenhuma terapia, mas sim mutations to functional defects. Circ Res,
seguir os casos com rastreios 83, 580-593.
ecocardiográficos anuais ou de 6 em 6
meses. Quando presente outro tipo de Boon, J. A., (1998). Manual of Veterinary
alteração como causas secundárias de Echocardiography, Willey-Blackwell.
hipertrofia (hipertensão, estenoses
valvulares/subvalvulares e hipertiroidismo) Bright, J. M., et al. (1999). Pulsed Doppler
estas devem ser cuidadosamente assessment of left ventricular diastolic
diagnosticadas, estadiadas e tratadas. function in normal and cardiomyopathic
A radiografia, por sua vez não cats. J Am Anim Hosp Assoc, 35, 285-291.
constitui um método tão sensível para o
diagnóstico desta patologia, uma vez que em Nelson, R.W. & Couto, N.C.G. (2008).
grande parte dos casos não se verificam Small Animal Internal Medicine. Vol.2,
alterações significativamente visíveis ao raio Elsevier Health Sciences.
X.
Por último, deve ser realizada uma Nelson, R.W. & Couto, N.C.G. (2009).
completa análise do estado geral do Small Animal Internal Medicine, 4ª edição,
paciente, ponderando os resultado dados Elsevier Health Sciences.
pelos meios de diagnóstico.
Damon, B. R., et al. (2002). Feline
AGRADECIMENTOS Hypertrophic Cardiomyopathy: Etiology,
Pathophysiology, & Clinical Features.
Agradecemos ao Dr. Luís Lobo Compendium medimedia, vol.24 (nº5).
(Hospital Veterinário do Porto) pela
disponibilidade e apoio prestados, bem Fox, P.R., Liu, S.K., Maron, B.J. (1995).
como ao Hospital da Faculdade de Echocardiographic assessment of
Medicina Veterinária da universidade spontaneously occurring feline hypertrophic
Lusófona de Humanidades e Tecnologias, cardiomyopathy: an animal model of human
pelas imagens disponibilizadas. disease. Circulation; 92:2645.

Fox, P. R. (1998). Canine and feline


BIBLIOGRAFIA cardiology.

Adin, D. B. & McCloy, K. (2005). Fox, P. R. (2003). Hypertrophic


Physiologic valve regurgitation in normal cardiomyopathy. Clinical and pathologic
cats. J Vet Cardiol, 7, 9-13. correlates. J Vet Cardiol, 5, 39-45.

Baty, C. J., et al. (2001). Natural history of Fuentes, V. L., et al. (2002). Feline
hypertrophic cardiomyopathy and aortic Cardiomyopathy-establishing a diagnosis.
thromboembolism in a family of domestic 26th Waltham/OSU Symposium.
shorthair cats. J Vet Intern Med, 15, 595-
599. Hurty, C. A. & Flatland, B. (2005). Feline
acromegaly: a review of the syndrome. J Am
Bonagura D, J. Advances in feline Anim Hosp Assoc, 41, 292-297.
cardiology. Proceedings of the 23rd
Waltham/OSU Symposium. Kittleson, M. D., et al. (1992). Increased
serum growth hormone concentration in
Bonne, G., L., et al. (1998). Familial feline hypertrophic cardiomyopathy. J Vet
hypertrophic cardiomyopathy: from Intern Med, 6, 320-324.

43
Branquinho et.al., Diagnóstico imagiológico de cardiomiopatia hipertrófica

Kittleson, M. D. & Kienle, R.D. (1998). Radostits, O. M., et al. (2002). Exame
Small animal cardiovascular medicine. Clínico e Diagnóstico em Veterinária.
Vol.2, 347 -362 Guanabara Koogan SA.

Laste, N. J. & Harpster, N. K. (1995). A Riesen, S. C., Kovacevic, A., et al. (2007).
retrospective study of 100 cases of feline Prevalence of heart disease in symptomatic
distal aortic thromboembolism: 1977-1993. cats: an overview from 1998 to 2005.
J Am Anim Hosp Assoc, 31, 492-500. Schweiz Arch Tierheilkd, 149, 65-71.

Norsworthy, G. D., et al. (2003). The Feline Tilley, L. P., et al. (2008). Manual of Canine
Patient, Lippincott Williams & Wilkins. and Feline Cardiology, Elsevier Health
Sciences.
Oyama, M. A. (2004). Advances in
echocardiography. Vet Clin North Am Small
Anim Pract, 34, 1083-1104.

Você também pode gostar