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Este texto doutoral encontrou-se dividido em três capítulos.

Os dois primeiros demonstrando


a localização social e intelectual destes autores, o que se fez necessário para compreender
seus posicionamentos; o terceiro, sua visão política da unificação através de certas
categorias. Para todos os capítulos, utilizou-se, como obras centrais os textos: Povos e
Estados de Leopold von Ranke e o trecho Política de Richard Wagner. Na obra de Ranke, a
síntese de seu pensamento político expresso durante toda a sua produção, podemos
localizar a visão de Ranke acerca da unidade cultural dos povos germânicos,
fundamentadora de uma Alemanha restrita e unificada (kleindeutsch) a partir do poder do
Reino da Prússia. De Wagner foi selecionado o trecho chamado Política da coleção de
obras completas do músico, localizou-se as percepções políticas de unificação nacional do
autor em prol de uma Alemanha ampliada (großdeutsch) – contando com a presença da
Áustria. Vale ressaltar que o autor tem a preocupação de uma tradução o mais fiel possivel
para nosso idioma, já que os textos em língua alemã possuem uma estrutura gramatical
diferenciada do português.

Outras obras, entretanto, foram, como se pôde observar, somando-se à análise


comparativa. No primeiro capítulo buscou-se compreender a dinâmica das movimentações
intelectuais que corriam a Germânia no contexto, bem como suas ambiguidades. Nestes
termos, apresentaram o historicismo, enquanto possibilidade historiográfica a qual Leopold
von Ranke se vinculou e o romantismo, enquanto manifestação artístico-musical de Richard
Wagner. Mais que isso, a tese buscou demonstrar como estas manifestações, mesmo
inseridas nas discussões nacionalistas, apresentam uma pluralidade interna que "difuculta"
sua compreensão. Assim, pensamos na possibilidade do historicismo de caráter realista, tal
qual o proposto por Ranke, em comparação ao relativista, proposto por seus continuadores
a partir de inovações hermenêuticas; e no romantismo, em seu embate entre as
possibilidades do tradicionalismo e das inovações composicionais, ambas lidas como
possíveis descendências da obra de Ludwig van Beethoven.

Após a análise destas formas intelectuais de percepção, no segundo capítulo procurou-se


demonstrar como a criação de revistas específicas na área de história e de música
contribuiu para a divulgação das ideias dos personagens, bem como possibilitou uma maior
liberdade interpretativa da política. Ainda pensando nesta liberdade, pensaram na
sistematização de processos metodológicos de trabalho criados de forma individual o que
influenciou, diretamente, tanto no ofício do historiador profissional(Ranke) quanto do
compositor de óperas(Wagner). Essa metodologia individual se transformaria em uma das
marcas dos estilos destes personagens. Estilos estes configurados pelo pleno
estabelecimento de conceitos novos responsáveis, em certa medida, pela própria
reafirmação intelectual destes atores.

No último capítulo, foi feita a análise da interpretação política da revolução proposta por
Ranke e Wagner. Para Ranke a revolução ofereceria mais riscos às necessidades e
possibilidades de unificação do que vantagens, apesar de não negar os questionamentos
sociais que estabeleceriam o fenômeno. Para Wagner, o movimento se faz inversamente:
enquanto originalmente apoiou as manifestações revoltosas de 1848, acabou se
transformando em um reformista na medida em que se aproximou das monarquias
governantes da Confederação Germânica, notadamente a da Baviera. Outro ponto
importante neste capítulo é a interpretação que ambos trazem aos personagens heroicos:
tanto Ranke quanto Wagner percebem a necessidade de uma população guiada por um
líder lúcido que lute em prol de todos e, principalmente, em prol da unidade nacional. No
final deste mesmo capítulo é feito uma análise da própria dinâmica de unificação do Estado
alemão, percebendo as duas possibilidades concorrentes: a Grande Alemanha defendida
por Richard Wagner e a Pequena Alemanha defendida por Leopold von Ranke. O projeto
prussiano de Bismarck, apoiado por Ranke, certamente se apresentou como o vencedor
das disputas, que muitas vezes levaram a beligerâncias, todavia, o projeto wagneriano
compreendi ser mais como uma possibilidade de ampliação cultural do que exclusivamente
uma política de Estado.

Ranke e Wagner identificaram tanto nas suas práticas intelectuais quanto na sociedade do
momento uma possibilidade de complementação de política nacionalista, utilizando, para
tal, o simbolismo da história, real ou criada, da narrativa, historiográfica ou musical,
adaptadas às necessidades culturais. Nestes autores, as produções acabaram afirmando
seu poder político na medida em que colaboraram para a emancipação e consolidação de
um Estado novo e nacionalmente estruturado. A modernidade ocidental acabou por separar
a racionalidade historiográfica e a racionalidade artística das possibilidades de
compreensão política. Na mesma medida em que ocorreu essa separação, o
relacionamento entre todas estas áreas passou a ser local sombrio, de difícil acesso
analítico. Segundo o autor o que separa prática histórica da política, em Ranke; e prática
musical da política, em Wagner é também aquilo que as une: todas, historiografia, arte e
política se apresentam, nestes autores, como modos de se fazer emergir o possível das
sociedades.
Assim em Ranke e Wagner, a questão mais importante deixou de ser apenas a qualidade
interna da obra – sem negar, no entanto esta característica – e passou a ser qual aparato
intelectual poderia fundamentar com maior propriedade o nacionalismo enquanto um
sentimento de pertencimento a um grupo cultural estabelecido e em vias de unificação
territorial, como era o caso da Confederação Germânica da metade do anos 1900.

O autor justifica essa analise comparativa devido aos pesquisadores do século XIX e
grande parte do século XX ainda acreditarem na independência das atividades intelectuais
frente à existência social. Ou seja, as pesquisas sobre os intelectuais separava o indivíduo
do intelectual, aquele que obrigatoriamente possuía uma postura social pelo simples fato de
existir em dada realidade pública, tentando-se encaixar o último no primeiro, anulando,
assim, todas as contradições que marcam a vida humana. Ele enfatiza a afirmação de
Nobert Elias que para compreender melhor esse processo não se pode separar o indivíduo
da sociedade, eles constituem de fato dois níveis de observação distintos são.
Partindo disso o autor explica que Ranke e Wagner são dois indivíduos que viveram,
pensaram e criaram durante o processo de Unificação do Estado Alemão, ocorrido na
segunda metade do século XIX, e acabaram se apresentando como fundamentais dentro de
seus períodos devido a suas interpretações específicas deste fenômeno político-cultural.
Estes sujeitos produziram intelectualmente em variados estilos, analisaram a dinâmica
política, social e cultural de seus momentos e tomaram partido em significativas
movimentações sociais e intelectuais. A comparação entre Ranke e Wagner a se faz a partir
da eleição de uma interpretação política do nacionalismo propostos de várias formas por
Wagner e Ranke para a Unificação do Estado Alemão.
Em um dos capitulos é apresentado do que se tratava o Historicismo e o Romantismo.
Ranke tinha seu nome vinculado ao positivismo e historicismo.Contudo, é certo que
ocorrem alguns equívocos: vincular o positivismo e o historicismo como correntes
interpretativas iguais. Essas confusões segundo o autor sobre é devido a leituras
reducionistas e seria mais certo tratar o historicismo como uma manifestação interna plural,
ou seja, seria mais preciso pensar em historicismos. Enquanto o positivismo buscou a
universalidade, o historicismo buscou a particularidade histórica. É analizado que o
historiador Ranke buscou abertamente estudar o passado germânico inserindo-o em um
contexto de política continental a partir da singularidade cultural da própria germanidade
para fundamentar uma ideia de unidade política interna, que é notável em seu resgate da
Idade Média, e na análise quase simbiótica da relação entre os povos romanos e
germânicos.
Assim como no historicismo os românticos percebiam-se de forma plural. Assim, não é
possível localizar um romantismo específico, sendo mais correto falarmos em romantismos.
O conceito de romantismo não pode ser compreendido sem a ideia das revoltas, combates
e revoluções tão presentes no século XIX. Essa ambivalência, criada e motivada pelos
próprios autores, levou o século XX a ler as atitudes românticas apenas como
filosoficamente relevantes, esquecendo as origens político-sociais desse momento. Com
esta visão embaçada do fenômeno, os românticos passaram a ser vistos sem seu
motivador político-social, sendo pensados como a primeira classe artística que romperia
com a política. Essa característica equivocada, entretanto, ainda impera em significativa
parte dos livros de análise e alguns poucos pensadores demonstram que o que realmente
ocorre com o romantismo é uma nova forma de leitura da realidade, leitura essa que ainda
privilegiava, mais do que as anteriores inclusive, as atitudes políticas e sociais .
Ocorreram, certamente, vários historicismos e vários romantismos, uma vez que suas
formações se estabeleceram a partir de elementos dispersos e amplos. O romantismo
musical, por sua vez, esteve vinculado a possibilidades mais amplas: em nível popular,
conforme atestou Norbert Elias, contando com plena interação com o público ouvinte,
desejoso de um processo de unificação, integrou os debates pelo nacionalismo através de
suas manifestações artísticas de busca por uma cultura germânica, muitas vezes baseada
em um próprio sentido de passado mítico em comum.
O romantismo inicia-se com as possibilidades de continuidade a partir da produção de
Ludwig van Beethoven: para alguns, o compositor de Bonn teria elevado a música ao seu
limite, para outros, teria iniciado uma forma totalmente nova de moldes composicionais; uns
mais conservadores como Berlioz e Brahms,e outros mais progressistas como Wagner e
Liszt. Se, durante os períodos anteriores os historiadores eram, em sua grande maioria,
também contistas e filósofos, no século XIX ocorre um nítido processo de profissionalização
deste intelectual. Profissionalização esta que coincidiu com as necessidades sociais do
próprio momento, como é nítido em Leopold von Ranke.
Leopold von Ranke e Richard Wagner, cada um a seu modo, certamente leram as
revoluções de seu tempo. O primeiro manifestou sua interpretação política do fenômeno
através de sua obra historiográfica; o segundo, através de seus artigos políticos e,
indiretamente, através de suas obras operísticas. Ranke, apoiando e apoiado pelo Estado
prussiano, do qual era funcionário, atacou o liberalismo revolucionário enquanto que
Wagner, como compositor independente, firmemente defendeu as apostas liberais. No final
das contas, ambos, de formas diferenciadas, buscavam o estabelecimento de um Estado
alemão nacionalmente unido, o que devolveria a seu território o protagonismo político
buscado por séculos e metaforizado em suas interpretações.
Ao passo que o historiador prussiano nitidamente temeu os processos revolucionários por
acreditar que estes seriam responsáveis por relativizar o protagonismo político de
determinados Estados, preferindo a tendência, herdada do período do despotismo
esclarecido, de fazer reformas limitadas visando a prevenção contra as grandes revoltas
sociais e encaminhando a modernização sem maiores riscos revolucionários, desta forma
sustentando a estrutura monárquica, justificando no passado as permanências feudais
ainda persistentes em seu tempo presente; Richard Wagner não apenas apoiou as
movimentações revolucionárias como se apresentou de forma ativa no interior dos grupos
revoltosos. Mais do que isso, o operista conduziu durante toda a sua vida intelectualmente
ativa, as análises revolucionárias, tanto em textos de teor político, quanto através de
metáforas artístico-musicais.
Ambos autores, partindo de sua percepção de individualidade e reconhecimento
social e político de seus trabalhos, buscaram pensar, portanto, em uma manifestação
política. Esta era interpretada de forma variada por cada um. Porém, buscou-se uma
política que estivesse ligada diretamente à reafirmação das demandas nacionalistas em
voga para, então, proceder à unificação do Estado.
Ranke e Wagner demonstram, assim, uma interação entre um passado-presente-
futuro. Explicamos: suas obras, historiográficas ou musicais, buscam no passado a
fundamentação de seus anseios presentes, algo como um espaço de experiência, um
passado no presente. Na mesma medida, tentam estabelecer possibilidades para o futuro
germânico unificado.

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