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HOSPITAL SUL AMÉRICA: A ARQUITETURA MODERNA E O

DESENHO DO EDIFÍCIO HOSPITALAR.

Costeira, Elza Maria Alves,


MSc- PROARQ-FAU-UFRJ
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Santos, Mauro César de Oliveira,


Professor. Dr. DPA- PROARQ-FAU-UFRJ;
Prédio da Reitoria, sala 433, Cidade Universitária, Rio de Janeiro, RJ CEP 21941-590
Email: mcosantos@ig.com.br

Bursztyn, Ivani,
Professora. Dra. NESC/FM/UFRJ
Prédio da Reitoria, sala 433, Cidade Universitária, Rio de Janeiro / RJ CEP 21941-590
Email: ivani@nesc.br
HOSPITAL SUL AMÉRICA: A ARQUITETURA MODERNA E O
DESENHO DO EDIFÍCIO HOSPITALAR.

RESUMO

Nas décadas de 1940 a 1960, a partir dos princípios preconizados por Le Corbusier e
empregados no projeto do Ministério da Educação e Saúde Pública, considerado um marco da
nova arquitetura, tem início um período de construções de grandes edifícios públicos e de
outros exemplares com programas bem mais complexos, caracterizando a chamada arquitetura
moderna brasileira.

Em 1952 tem início a construção do Hospital Sul América da fundação Larragoiti, atual Hospital
da Lagoa, no Rio de Janeiro. O projeto teve a concepção do arquiteto Oscar Niemeyer em
parceria com o arquiteto Hélio Uchôa, jardins desenhados por Roberto Burle Marx e painéis
com azulejos concebidos por Athos Bulcão e é tombado pelo INEPAC. A obra se desenvolveu
por sete anos, até 1959, e encontrou uma série de dificuldades e obstáculos para sua
finalização.

Acreditamos que suas qualidades de concepção aliadas à preocupação com a humanização,


conforto ambiental, orientação solar e implantação especial, desfrutando do entorno da Lagoa,
merecem um estudo de caso aprofundado para apontar conceitos da melhor arquitetura na
conformação de projetos hospitalares.

Palavras-chave: arquitetura hospitalar, tecnologia, arquitetura moderna.

ABSTRACT

In the decades from 1940 to 1960, starting from the principles extolled from Le Corbusier and
employed in the project of Ministry of Education and Public Health, considered a mark of the
new architecture, begins a period of constructions of great public buildings and other building
types with programs much more complex, characterizing what is called Brazilian Modern
Architecture.

In 1952 begins the construction of the Hospital Sul America of the foundation Larragoiti, current
Hospital da Lagoa, in Rio de Janeiro. The project had architect Oscar Niemeyer conception in
partnership with architect Hélio Uchôa, gardens drawn by Roberto Burle Marx and panels with
tiles concepted by Athos Bulcão and the building is registered by INEPAC. The construction
lasts for seven years, up to 1959, and found a series of difficulties and obstacles for its
finalization.

We believed that their allied conception qualities to the concern with the humanization,
environmental comfort, solar orientation and special implantation, enjoying the surrounds of
Lagoa, deserves a case study deepened to point concepts of the best architecture in the
drawing of hospital projects.

Keywords: health care architecture, technology, modern architecture.


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HOSPITAL SUL AMÉRICA: A ARQUITETURA MODERNA E O


DESENHO DO EDIFÍCIO HOSPITALAR.

1 INTRODUÇÃO
Com o avanço rápido e inexorável da ciência é necessário apontar diretrizes
projetuais para que a concepção arquitetônica de hospitais possa conter
conceitos que busquem a durabilidade e a permanência destes edifícios. Seja
por se inserirem num horizonte de tempo mais amplo do que estruturas menos
complexas demandam, seja por envolver custos financeiros e sociais muito
elevados caso as mesmas tenham que ser totalmente refeitas e readequadas
diante do acelerado desenvolvimento das práticas médicas, torna-se
fundamental o estabelecimento de parâmetros de flexibilidade e
expansibilidade para estes projetos.

A compatibilização de ambientes acolhedores e humanizados com a


permanente oferta de alta tecnologia é um dos maiores desafios da arquitetura
hospitalar e deve ser enfrentada como premissa fundamental no auxílio à cura,
devendo ser entendida como suporte ao envolvimento e co-responsabilização
do paciente com seu tratamento. Acreditamos que este desafio resume e
sintetiza todas as dificuldades no sentido de estabelecer uma nova
configuração na concepção de ambientes de atenção à saúde que atendam às
premissas médicas e humanísticas que o futuro nos aponta.

Neste contexto voltamos o nosso olhar para o Hospital da Lagoa, apontado


como um exemplo significativo da obra do arquiteto Oscar Niemeyer e como
síntese da tipologia da arquitetura moderna no Brasil.

2 ASPECTOS HISTÓRICOS
Quando empreendemos a pesquisa a respeito do surgimento do hospital, ou
dos espaços de atenção à saúde, nos deparamos com a questão de sua
arquitetura pontuando a preocupação com a administração de cuidados aos
que necessitam de assistência desde os mais remotos tempos da História.
Podemos observar a estreita ligação da formatação destas construções com o
perfil da prática médica que se desenvolvia em cada época, assim como o
desenho destes espaços expressando o estado da arte da ciência médica e do
pensamento científico vigente.

Neste contexto, encontramos o hospital da antiguidade como espaço pleno de


simbologia e significado, como nos templos, termas e oráculos da Grécia
antiga. A proposta destas estruturas era a de dispensar cuidados ao corpo e à
alma dos indivíduos, com a construção de espaços para a meditação e a prece
assim como instituições de abrigo a peregrinos e doentes. Eram os deuses e
as oferendas os principais responsáveis pela promoção da cura ou, ao menos,
para a prática do acolhimento e alívio dos sofrimentos do corpo e da alma de
peregrinos e desassistidos.

Apesar da tipologia do hospital, como estrutura arquitetônica, remontar à


antiguidade- Roma- o aspecto do hospital contemporâneo formatou-se entre os
2

séculos XVII e XVIII, na Europa. O evento citado como determinante para a


mudança da velha estrutura hospitalar, com instalações insalubres, abrigando
centenas de enfermos agrupados, foi o segundo incêndio do Hôtel-Dieu, em
Paris, em 1772. As reflexões sobre a implantação e crescimento desordenado
do lendário hospital de Paris dos tempos medievais, mostram a sua
implantação e crescimento incontrolável a partir do preceito cristão da caridade
e da acolhida humanitária a todos os que sofrem (THOMPSON & GOLDIN,
1975).

Mas, mesmo com seu desenvolvimento caótico, registram-se tentativas de


alojamento de pacientes segundo certa lógica no sentido de separação de
patologias e de doenças contagiosas e de certa organização de serviços
logísticos como a localização de adegas, local para a lavagem de roupas,
depósitos de comida e de remédios etc. para que se lograsse algum tipo de
ordenamento entre as diversas atividades necessárias ao atendimento aos
pacientes (Figura 1).

Figura 1- Triptico mostrando o Hôtel Dieu in Paris, cerca de 1500. Os pacientes em


melhores condições (à direita) eram separados dos pacientes em estado crítico (à
esquerda). Nota-se que havia sempre dois pacientes por leito.
(Fonte- The Medical Journal of Australia, 2002).

Nesta ocasião teve destaque o conjunto de trabalhos do médico Tenon, que


analisou diversos hospitais, não só com o intuito de descrever a obra
arquitetônica mas, também, com um olhar crítico, funcionalista. Observamos a
preocupação em separar as doenças contagiosas das de menor morbidade e
no cuidado de destinar espaços para a maternidade e para as crianças, assim
como para organizar o apoio dos serviços técnicos. Certamente, ao lado das
bases da medicina da época e do crescimento desordenado da sua estrutura, o
Hôtel-Dieu já delineia a conformação dos seus espaços como reflexo da
sociedade de então e do seu desenvolvimento tecnológico no sentido de
buscar práticas curativas ou ao menos paliativas da dor e do sofrimento alheio.
Configura também a estratégia medieval de implantar seus edifícios
hospitalares “sobre um rio ou curso d água, que causava insalubridade e
permanente umidade” (MIQUELIN, 1992, p. 41).
3

Podemos destacar ainda os estudos de Florence Nightingale, que, a partir da


sua experiência na Guerra da Criméia (1853-1856), assentou bases para a
construção de Enfermarias com conceitos de ventilação e de distribuição de
pacientes, de iluminação natural e de higiene que são adotadas até hoje por
algumas instituições. Estas, chamadas mais tarde de “Enfermarias Nightingale”
marcam a disseminação da morfologia pavilhonar, com “enfermarias abertas,
com ventilação cruzada, separadas umas das outras por jardins e organizadas
a partir do perfil das patologias aí atendidas” (THOMPSON & GOLDIN, 1975).
Os hospitais pavilhonares refletem o estado da arte da medicina da época
visando aprimorar o atendimento e diminuir a mortalidade com a adoção de
grupos menores de pacientes por enfermaria, redução do número total de leitos
da instituição e adoção de ventilação e iluminação naturais junto aos leitos.

Nesta época a cirurgia se incorporou definitivamente às instituições


hospitalares e, ao lado do surgimento da medicina científica, do modelo
pavilhonar e da divisão de funções específicas para os ambientes da
assistência à saúde podemos dizer que o perfil hospital contemporâneo se
estabeleceu. Os elementos de importância tecnológica no desenvolvimento
deste perfil, no século XIX, foram o desenvolvimento da anestesia, as práticas
de assepsia e a disseminação da profissão de enfermeira (laica).

Com o crescente desenvolvimento das estruturas metálicas, surgimento dos


primeiros “arranha-céus” e o avanço da tecnologia dos elevadores e do
condicionamento de ar, ao lado do aumento dos custos e diminuição da oferta
de espaços nos terrenos urbanos, surge o hospital em grandes blocos e
estruturas verticais- o hospital monobloco- conformando uma tipologia que
otimiza as circulações e fluxos no atendimento aos pacientes pelas equipes de
assistência. No entanto, além das razões mencionadas, sem nenhuma dúvida
a implantação dos hospitais verticais traz no seu âmago as descobertas e
avanços da ciência médica e a incorporação de equipamentos de diagnóstico e
de terapia que moldam o perfil de suas implantações a partir do século XIX.
Estas estruturas são desenvolvidas incorporando as técnicas de assepsia e
esterilização - Lister e Ernst von Bergman, no final do século XIX- o uso do
microscópio e das análises laboratoriais e os trabalhos de Pierre e Marie Curie
sobre o uso dos Raios X, em 1898. Vemos a importância crescente na
implantação e localização do Centro Cirúrgico e os avanços das terapias com o
desenvolvimento da anestesia.

A mudança no perfil do usuário destas instituições também sofre grandes


mudanças, pois, no lugar dos pobres e desafortunados, os mais abastados que
primeiramente eram atendidos em suas casas “pela famosa figura do médico
com sua valise preta” (MIQUELIN, 1992, p. 53), agora acorriam aos hospitais
que possuíam melhor estrutura em termos de tecnologia e equipamentos para
o diagnóstico de suas patologias. Estas razões implicam no surgimento de
novas preocupações com a melhoria dos alojamentos e enfermarias, sugerindo
maior privacidade e conforto e configurando uma crescente atenção com
humanização e acolhimento. Surge também uma tipologia recorrente de
hospital monobloco vertical, notadamente no início do século XX, que tenta
organizar sua implantação segundo uma ótica de otimização de fluxos, forte
4

incorporação de tecnologia e oferecimento de todas as facilidades e avanços


da medicina da época a pacientes e corpo clínico.

Podemos citar um exemplo brasileiro desta tipologia hospitalar presente no


projeto do Hospital do Andaraí, originalmente Hospital dos Marítimos, projetado
em 1955 pelo arquiteto Firmino Saldanha para o Instituto de Assistência Social
aos Marítimos. O hospital apresenta uma estrutura vertical distribuída em doze
pavimentos (Figura 4) e suas qualidades arquitetônicas, destacadas como
“simples e funcional” (XAVIER, 1991, p.95) reproduzem a tendência
internacional de organização dos serviços como citados no parágrafo anterior,
além de apresentar preocupações com o conforto ambiental e a circulação
otimizada entre os diversos setores. Seu Centro Cirúrgico ocupa o 11º
pavimento e os serviços de imagem e de pronto atendimento o pavimento
térreo.

Figura 2- Plantas do pavimento térreo e do pavimento tipo do Hospital dos


Marítimos, hoje Hospital do Andara projeto de Firmino Saldanha.
(Fonte- XAVIER, 1991, p.95).

Encontramos aí a preocupação em dotar o fluxo de pacientes circulantes,


ambulatoriais, a administração assim como serviços de apoio logístico de
facilidades de distribuição com o uso da área do pavimento térreo para a sua
implantação. Vemos também a intenção de empregar conceitos de conforto
ambiental quando as enfermarias de internação são implantadas procurando a
melhor orientação solar e são dotadas de varandas e de esquadrias com
venezianas para melhor aeração dos ambientes. A tentativa de organizar e
agilizar a circulação vertical aparece na localização do prisma das escadas,
excêntrico ao bloco hospitalar, setorizando a distribuição dos serviços de apoio
técnico e logístico.

Durante todo o século XX, as instituições hospitalares sofreram grande


incorporação de tecnologia, exigindo no seu planejamento uma cada vez maior
acuidade com instalações, infra-estrutura predial sofisticada e, a sempre
crescente preocupação em setorizar espaços, separar pacientes com diversas
patologias e estabelecer um rígido controle de fluxos e circulações para o
desenvolvimento das atividades médicas.
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3 ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA NO PERÍODO VARGAS


No Brasil da primeira metade do século XX, o governo Getúlio Vargas
introduziu importantes mudanças na assistência social e de saúde (Lei Eloy
Chaves em 1923). Durante a década de 1930, foram criados Institutos de
Aposentadoria e Pensões de várias categorias como industriários,
comerciários, bancários, funcionários públicos etc. Após 1945, os Institutos de
Aposentadoria e Pensões expandiram suas áreas de atuação, que passaram a
incluir serviços na área de alimentação e habitação.

Assistimos nesta época o surgimento de um Estado moderno e de orientação


progressista. O governo solicitava diversos projetos para edifícios institucionais
criando novas oportunidades para arquitetos e construtores. Estes trabalhos,
que obtiveram significativo reconhecimento internacional, projetaram a então
Capital Federal a uma posição relevante em relação às produções regionais da
arquitetura moderna brasileira, tornando-a um exemplo a ser seguido.

“O marco definitivo no processo de construção institucional, identificado como um marco


na saúde pública enquanto política estatal no período em questão, foi a gestão de
Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Saúde Pública (1934-45). Foi a
reforma do Mesp, proposta em 1935 e implementada por Capanema a partir de janeiro
de 1937, que definiu a política de saúde pública, reformulando e consolidando a
estrutura administrativa do ministério e adequando-a aos princípios básicos que
orientaram a política social do governo Vargas. Portanto, será com a reforma de
Capanema — a grande reforma sofrida pelo Mesp desde sua criação — que terá início o
processo de reformulação e consolidação da estrutura administrativa da saúde pública,
uma estrutura que permaneceu quase inalterada até a criação do Ministério da Saúde
em 1953” (HOCHMAN, 1999).

4 OS PRESSUPOSTOS DO MODERNISMO E A ARQUITETURA DE


HOSPITAIS
Neste momento o Brasil assiste ao surgimento de uma nova corrente na
concepção artística e arquitetônica estabelecendo uma corrente de idéias
renovadoras e originais em contraponto com o neoclassicismo e o ecletismo
até então experimentados. A arquitetura moderna no Brasil, a partir da década
de 1930, formatou-se a partir das idéias de Le Corbusier e da aspiração dos
intelectuais na construção de uma nova sociedade (L´esprit nouveau”) que
apontava uma ruptura com o passado e a oposição de uma sociedade
artesanal à implantação de uma era fortemente baseada na industrialização.

As sucessivas visitas ao Brasil do arquiteto franco-suíço Le Corbusier em 1929,


1936 e 1962 (Figura 3) difundiram os princípios que orientavam a sua
concepção arquitetônica e basearam os conceitos que foram usados na
concepção e construção de diversos edifícios modernos, notadamente o
Ministério de Educação e Saúde Pública (Figura 4).
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Figura 3- Le Corbusier com Lucio Figura 4- O prédio do MESP.


Costa e Burle Marx, no Brasil. (Fonte- www.sefa.es.gov.br)
(Fonte- www.sefa.es.gov.br)

Em 1936, depois de tumultuado processo que envolveu a anulação de um


concurso, Lucio Costa foi designado pelo ministro Gustavo Capanema para
projetar o edifício-sede do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP),
atual Palácio Gustavo de Capanema, no Rio de Janeiro. Formada uma equipe
de arquitetos cariocas (Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Ernani
Vasconcellos, Jorge Machado Moreira e Oscar Niemeyer), ele insistiu com o
ministro e com o presidente Getúlio Vargas até viabilizar a ida de Le Corbusier
ao Rio, onde este ficou por quatro semanas, como consultor.O projeto do
MESP foi o primeiro em grande escala a aplicar os cinco pontos da arquitetura
postulados por Le Corbusier: planta livre, fachada livre, pilotis, teto-jardim e
aberturas horizontais. Foi também o primeiro edifício desse porte a utilizar a
cortina de vidro e brises móveis.

A partir daí tem início um período de construções de grandes edifícios públicos


e de outros exemplares com programas bem mais complexos, caracterizando a
chamada arquitetura moderna brasileira. Mencionado por Peralta (2002) estas
estruturas arquitetônicas utilizam os conceitos de modernidade e os pontos
preconizados por Le Corbusier para a conformação de projetos hospitalares.
Podemos citar exemplos brasileiros destes hospitais como a Maternidade
Universitária de São Paulo (1944) de Rino Levi, o Hospital de Clínicas de Porto
Alegre (1955) de Jorge Machado Moreira (Figura 5) ou o Hospital Sul América
(1952) de Oscar Niemeyer.

Figura 5- Maquete do projeto do Hospital de Clínicas (1942), de Jorge Machado Moreira.


(Fonte: CZAJKOWSKI, Jorge, p. 121).
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Em todos os exemplos citados acima, os arquitetos empregaram os modelos


da moderna arquitetura brasileira para modelar seus projetos, imprimindo
conceitos de modernidade e avanço tecnológico na representação da mais
atual prática médica que se poderia desejar a estes edifícios. No entanto cabe
refletir sobre a adequação e funcionalidade no emprego desta nova arquitetura
para os programas e as atividades inerentes a espaços de atenção à saúde
que estas estruturas requerem na sua concepção.

5 O HOSPITAL SUL AMÉRICA


Em 1952 tem início a construção do Hospital Larragoiti, atual Hospital da
Lagoa, no Rio de Janeiro, posteriormente doado à comunidade. O projeto teve
a concepção original do arquiteto Oscar Niemeyer em parceria com o arquiteto
Hélio Uchoa. O Hospital da Lagoa está situado no bairro do Jardim Botânico,
zona sul da cidade, no quadrilátero formado pelas Ruas Jardim Botânico, Lineu
de Paula Machado, J. J. Seabra e Oliveira Rocha, na VI RA, AP 2.I.

“O hospital Sul América ocupa um quarteirão inteiro (Figura 6) em área priviliegiada da


zona sul carioca. Não apenas possui uma bela vista da Lagoa e das montanhas do
Sumaré, como o prédio dispõe de espaço suficiente para fluir e diversos pontos de vista
para ser adequadamente visto” (CAVALCANTI, 1999).

Aí encontramos o Centro Cirúrgico implantado no último pavimento e os


serviços de pronto atendimento e de diagnóstico por imagem nos pavimentos
térreo e segundo respectivamente, configurando a implantação mais abordada
para a época, na organização da complexidade e da distribuição dos serviços,
e o prédio em questão é considerado um exemplo da arquitetura modernista
com sua estrutura sobre pilotis e os brise-soleils presentes na fachada oeste
para a proteção da incidência solar.

Figura 6- Vista panorâmica da implantação do Hospital Sul América, recém construído.


Observe-se que, nesta época, o bairro do Jardim Botânico praticamente só tinha construções
baixas, quase não se vendo nenhum arranha-céu. (Fonte- http://fotolog.terra.com.br/luizd:380).
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O projeto original do hospital repete a parceria dos arquitetos do Pavilhão do


Ibirapuera, em São Paulo, e utiliza os mesmos cânones modernistas para a
sua modelagem e implantação. A obra se desenvolveu por sete anos, até 1959,
e encontrou uma série de dificuldades e obstáculos para sua finalização.

A primeira dificuldade foi promover a remoção de uma favela, com


aproximadamente mil moradores, que ocupava o local da construção. Outro
complicador da implantação do projeto foi a característica do solo local,
configurado como terreno pantanoso e que exigiu cuidados na elaboração do
projeto que contava, inclusive, com pavimento implantado no subsolo.
(CAVALCANTI, 1999).

A lâmina principal conta com “subsolo de serviços, pilotis envidraçado e aberto,


além de nove andares” (CAVALCANTI, 1999, p. 289). Atualmente o subsolo
abriga a cozinha do hospital que se liga, através de monta carga, ao Refeitório
atual, localizado no pavimento térreo.

Desde a sua concepção, a direção do hospital ocupa o nono andar, assim


como a biblioteca, o centro de estudos e os alojamentos para residentes e
plantonistas com “30 suítes completas, 20 individuais destinadas aos médicos
e 10 duplas, para descanso das enfermeiras” (CAVALCANTI, 1999, p. 289).

Na fachada oeste localizam-se os serviços administrativos, as salas de espera


e os laboratórios. Esta foi protegida por painéis em cobogós cerâmicos e brises
soleil verticais de alumínio, conferindo ao projeto os conceitos corbusianos de
fachada livre e horizontal e cuidados com a incidência solar.

A lâmina liga-se, através de passarelas, a um volume elíptico onde estão as


escadas e elevadores para a circulação vertical. O prédio conta ainda, na
cobertura, com volume curvo que abriga serviços de infra-estrutura predial e,
na época de sua inauguração, com terraço- jardim, solário e restaurante.

“A estrutura modulada e periférica proporciona clara organização dos espaços internos,


beneficiados ainda pelo deslocamento da coluna de circulação vertical resolvida num
corpo independente” (XAVIER, 1991, p. 85).

Tal partido proporcionou a distribuição dos interiores com os quartos e


enfermarias, consultórios e centro cirúrgico voltados para leste, usufruindo de
vista panorâmica para a Lagoa Rodrigo de Freitas (Figura 7).

Esta fachada é trabalhada com painéis pré moldados e vidro e se contrapõe às


laterais cegas, o que confere destaque às duas grandes fachadas, leste e
oeste. “O efeito geral da lâmina é de grande elegância e leveza”
(CAVALCANTI, 1999, p. 289).
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Figura 7- Plantas do Térreo e pavimentos tipo (do 2º ao 8º pavimento).


(Fonte- CAVALCANTI, 1999).

Uma das características mais marcantes do projeto de Oscar Niemeyer é o


emprego de pilares em “V”, característicos desta fase da obra do arquiteto e já
usados anteriormente por ele nos projetos para o Ibirapuera em São Paulo, o
complexo Kubitschek em Belo Horizonte e no Hotel em Diamantina. Este tipo
de estrutura oferece a redução do número de apoios “garantindo liberdade no
arranjo da composição” (XAVIER, 1991, p. 85), e dotando o conjunto de ritmo e
originalidade (Figura 8).

Figura 8- Pilares em “V” do Hospital da Lagoa. (Fonte- SMS, 2004).

O Hospital Sul América conta, também, com uma estrutura anexa, de forma
livre e escultural, para abrigar a capela do hospital, que estabelece um diálogo
com a forma rígida e retilínea da lâmina principal e confere movimento ao
desenho do conjunto: O projeto, cujo paisagismo de Roberto Burle Marx foi
concebido com seus jardins “inspirados na forma de um embrião" (PERALTA,
2002), conta com painéis de azulejos de Athos Bulcão que conferem à obra
características singulares e de grande valor artístico.
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Em 1962 o edifício foi adquirido pelo antigo Instituto de Aposentadoria e


Pensões dos Bancários (IAPB). Posteriormente foi integrado à rede do extinto
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) e
depois passou para a gestão do Ministério da Saúde. Mais recentemente sua
administração alternou-se entre os governos municipal e federal, enfrentando
todos os conhecidos problemas da área de saúde no Rio de Janeiro.

6 O LEGADO DO MODERNISMO E A ARQUITETURA


Mesmo com os inúmeros problemas que cercam a conservação e manutenção
do hospital, sua estrutura arquitetônica permanece como um marco da
arquitetura moderna e um exemplo da abordagem dos seus parâmetros na
conformação de edifícios complexos, como uma instituição hospitalar,
desafiando a passagem do tempo (Figuras 9 e 10) e o impacto das sucessivas
incorporações de tecnologia. O hospital foi tombado em 1992 pelo Instituto
Estadual de Patrimônio Artístico e Cultural – INEPAC - Rio de Janeiro.

Figura 9- O Hospital Sul América em Figura 10- O atual Hospital da Lagoa. (Fonte-
1959. (Fonte- CAVALCANTI, 1999). Secretaria Municipal de Saúde, 2002).

Acreditamos que suas qualidades de concepção aliadas à preocupação com a


humanização e conforto ambiental merecem um estudo aprofundado para
apontar conceitos da melhor arquitetura na conformação de projetos
hospitalares. Podemos concluir que os hospitais concebidos a partir dos
cânones do modernismo foram capazes de conservar as premissas de
flexibilidade e resiliência às sucessivas incorporações de tecnologia ao longo
do tempo.
A busca por novos parâmetros estilísticos e conceituais que venham embasar
os novos projetos de arquitetura de ambientes de saúde não devem deixar de
refletir a respeito das qualidades e potencialidades empregadas nos projetos
da arquitetura moderna brasileira e do seu legado para a concepção de
estruturas complexas como a de hospitais. A nova arquitetura deve procurar
estabelecer o uso de elementos projetuais que, a exemplo do modernismo,
possam resistir ao impacto da modernização da tecnologia médica,
conservando sua integridade projetual ao longo do tempo de uso.
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7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Declaramos a quem possa interessar e, em especial aos organizadores do III


Congresso Nacional da ABDEH – Ambientes de Saúde: Diversidades e
Desafios, 2008, a cessão dos direitos autorais do referido artigo, autorizando a
sua publicação com o devido critério de autoria.

Rio de Janeiro, 31 de maio de 2008.

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