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Todo o poder me foi dado no Céu e na terra

( M a t . XVIII, 1 8 )
M O N S . T1H A M ER T Ô T H

JESUS CRISTO REI


T R A D U Ç Ã O

DE

P. JO Ã O C O R R E IA P IN T O . S . J .

Rua do B o a W a , 591 *Tel. 27875 * PORTO

1 9 5 6
Imprimi potest .

O lyjipone. 2 0 Januarii 1936.


J o s e p iiis C raveiro , S . J .
Praep. Prov. Lu»il.

P ode imprimir -se .


Porto. 2 6 de Janeiro de 1936.
M on j. P ereira L o pes , Vig. G er.

T O D O S O S D IR E IT O S R E S E R V A D O S
IN T R O D U Ç Ã O

tuiu uma nova festa, «Realeza de nosso


domingo de Outubro. « celebrasse a * Ke° ‘' ‘ “
Senkor tesos Cristo, Rei»-
Ê um tema importantíssimo aquele de que aos

“ ” Põuplo é o ma,tua que me levo esie assunto


. R e a t a d« Cristo» como ob/ecto desia » n . de eon/e-

' " " ' o primeiro d, a culto M l.l • "> ■ **> “ ? “ ,o J“ “


católicos sóo obrigados « P - t a r a ioda. « palam » • «•
do Sumo Pontífice. Cnnaresso Euca-
Coço leito»- ' ^ T h i Z õ T l r c o m ^ o m b r o aos
ristlco lalemamonal * Cbmag . (, j , ila„|cs , só
Estado. Uuidos. onde b« 130 mtlhd» d*
20 milbões de eatólieos. como (o.
indescritível de amor « adesío /dia». o legado <1

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6
IESUS CRISTO REI

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sentante d o P ap a. ^ hom enaQem ao nepre.
P od eria m ultiplicar os cxe moine P t t ,
respeito e hom enagem sentida a ' ^ ° P™fundo
ao suprem o P astor d a Igreja. ’ ° * a ,U b e o t lrib“*am
E ste faoto transcendental d e am or »
Santo P adre bem m erece qu e lh e ^ a°
particular. * consagrem os um estudo

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q u e poderem os esperar d e la ? On/i/ fní ,/ / *

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aos meus am aveis leitores qu e me siaam ™ ,
qu e m erecem as palavras do Pan ° **
assunto ■ P° * ° imP°rtáncia d o
C A P ÍT U L O I

C o n ceito d a R ea lez a d e C risto (I)

\) I ão há muio tempo, que um douto conferencista na


Ç /y Inglaterra falando sobre este tema: — Q uem ganhou
a guerra? (’) deu a resposta seguinte: «Militarmente a
França: politicamente a Inglaterra; economicamente os
Estados Unidos, e moralmente o Papa e só o Papa.»
Sim, foi Bento X V quem fez ouvir a sua voz em todo
o mundo durante a guerra e depois dela terminar: agora,
ao instituir Pio X I esta nova festa, fê-lo pensando na
reconstrução do mundo.
Ao publicar o decreto da instituição desta nova
festa, o Papa fez constar explicitamente. que espera uma
«renovação do mundo». Tinha a tristíssima experiência
do passado. A guerra mundial terminou com um tratado
de paz. para o qual não se pediu a colaboração do Papa.
Funestos «pactos de paz», aqueles em que nem sequer
se menciona o nome de Deus! E continuam as reuniões
e assembleias em busca da paz. mas ninguém pronuncia
o nome de D eu s!...

(') A guerra de 1914-1918.


8 JESUS CRISTO REI

E os resultados estão patentes! Há anos que terminou


a Grande Guerra e onde está a paz? Onde está a tran-
quildade dos povos? «O cruel tratado de paz é a ban­
carrota do Cristianismo!» dizem os homens desesperados.
O h ! não! Ê a bancarrota do paganismo m oderno. O nosso
ma! está em que não somos verdadeiramente cristãos. S e a
Europa fosse cristã, não teria imposto tal «paz» às nações
vencidas...
E eis que do alto do Vaticano o Papa levanta a sua
voz para mostrar o verdadeiro caminho. «No h á paz?
N ã o ; nem a há, porqu e a buscais p or cam inhos errados.
N ad a quereis saber d e Cristo, qu an do E le é o centro de
toda a história».
— Existe em Roma um instituto sanitário, o Vaticano,
cujo ofício é descobrir os bacilos que causam as doenças
do mundo. No dia 11 de Dezembro de 1925, o Director
deste Instituto, que tem a responsabilidade da saúde espi­
ritual de todo o mundo, levantou a sua voz e fez ouvir um
grito de alarme por meio de uma encíclica: «Povos da
terra, cuidado, uma peste epidémica grassa por toda a parte.
Um contágio universal ameaça todo o mundo: e esta epi­
demia, este contágio é quererem os hom ens desterrar a
Cristo d a v id a ! Infelizes, se continuais assim, perecereis!»
E o que mais revela quanta razão tem o Santo Padre
para lançar esse grito de alarme é que nós não nos assus­
tamos ao ouvir o seu grito de alarme e permanecemos
indiferentes. Parece que desde que apareceu a encíclica,
não se devia falar de outra coisa nos jornais, nas conversas
e em todas as reuniões.
E sucede realmente assim? Onde se fala dela? Em
parte alguma.
CONCEITO DA REALEZA DE CRISTO (1) 9

Isto demonstra claramente a grave doença de que sofre


a sociedade. Do posto mais alto chama-se-lhe a atenção
para a sua doença mortal: e ela nem sequer se assusta e não
move sequer um dedo da mão.
Recordo-me dum caso curioso:
Um dia. um velho professor de medicina levou os seus
alunos a uma grande sala de um hospital; estando todos
no meio da sala. dirigiu-lhes esta pergunta: «Digam-me
os senhores, daqui, de longe, qual é o doente mais grave?
... Como? ... Não o sabem ?... Pois bem. olhem aquele,
ali naquele canto, aquele homem coberto de moscas. É ele.
Porque se um doente sofre tranquilamente e numa completa
apatia, deixando que as moscas lhe poisem sobre a cara,
é sinal de que o seu fim se aproxima...»
A doença da sociedade não se pode ocultar por mais
tempo, aparecem já as úlceras gangrenosas, mas ninguém
reage, ninguém se assusta...
— M as, on de está o m al? Talvez me pergunte alguém.
Perseguem porventura a religião? Levam o crente ao
cadafalso ou metem-no na cadeia? N ão; isso não se usa
hoje; esse era o sistema dos antigos Neros e Dioclecianos.
O s bacilos modernos agem de maneira diferente: rarefazem
o ar à volta de Cristo e não permitem que na vida pública
sejamos católicos.
O mundo é um livro imenso: cada criatura uma frase
do mesmo e o autor a Santíssima Trindade. Todo o bom
livro gira em torno de um tema fundamental; se quisés­
semos resumir numa só palavra a ideia principal do mundo,
bastaria escrever este nome — C ristol Não o vemos ainda
com toda a claridade, só o compreenderemos quando apa­
recer no céu o sinal do Filho do Homem... então veremos
10 JESUS CRISTO REI
i

face a face que ele é o alfa e o ómega, o princípio e o fim.


o centro e a meta. Mas. ainda que agora não o vejamos
com toda a claridade, cremo-lo; crem os que, onde falta o
sinal d o F ilh o d o H om em , ali reina a escuridão, ali se
eclip sa o mundo espiritual.
O h ! que eclipse solar atormenta hoje as almas, mesmo
as almas cristãs!
«Mas nós confessamos a Cristo», dir-me-ás talvez,
amigo leitor. Sim, uns mais outros menos. Mas são tão
poucos, os que vivem persuadidos de que Cristo é o prin­
cipal em todas as coisas! Cristo é Rei em meu coração,
é verdade; Cristo é Rei em meu lar, está bem; mas não
basta!
Cristo é R ei... tam bém na escola, na imprensa, no
Parlam ento, na fábrica.
Nosso Senhor Jesus Cristo! Olhemos para o mundo.
O n d e está a tua San ta Cruz? Vemo-la nas torres das
igrejas, em algumas escolas, sobre o leito de alguns cristãos
fervorosos. Mas, onde está a tua Cruz na vida pública .
onde campeava há séculos? Não a vemos. <
Uma noite fria, uma noite sem Cristo envolve as almas.
Até para muitos que foram regenerados com as águas do
santo baptismo, Cristo não é mais do que uma lembrança
antiga, fria, nebulosa... «Era e não era. houve no mundo
um Cristo...»
Compreendes, pois. caro leitor, qual o objectivo desta
nova festividade? Tom ar patente esta verdade: sofreis,
lutais, correis ao médico: e não conheceis o mal terrível
que vos invade, isto é, qu e o S ol não brilha sobre as vossas
ca b eça s.
CONCE/TO DA REALEZA DE CRISTO II) tt

— Ninguém persegue a religião de Cristo. S e ja ;


mas «não há lugar para Ele» em parte alguma. Como soa
aos nossos ouvidos esta (rase: «não há lugar para E le » !...
Onde a ouvimos já ? Ah sim... na noite de Belém: então
também não havia ninguém que perseguisse a Jesus... mas
as circunstâncias políticas, sociais e económicas eram tais.
que não havia lugar para Ele. Hoje, talvez não se persiga
a Cristo, mas... «não há lugar para Ele». Onde se pode
falar hoje a Cristo? Só na Igreja. Mas isto não basta.
Ele exige quanto temos. Saídos da Igreja, já não temos a
impressão de viver entre cristãos. Cristo é Rei, mas des-
pojamo-Io da sua coroa e assim não pode reinar.

II

Como chegám os a este extrem o? Como a aranha insen­


sata da parábola de Jõrgensen.
l.° Numa formosa manhã de Setembro, conta o
exímio escritor numa das suas profundas parábolas, estava
o ar cheio de fios de teias de aranha, que ondeavam ligei­
ramente. Um dos fios ficou preso no cimo de uma árvore
alta, e o pequeno aeronauta, uma aranhazinha, desce do
seu barquinho ao solo, já mais firme, de uma folha. Depois,
soltou novo fio, atou-o na copa da árvore e baixou por ele
até ao tronco. Ali encontrou um arbusto a jeito e começou
o seu trabalho: começou a tecer uma rede. Atou o cabo
superior ao fio comprido por que descera, e os outros
fixou-os nos ramos do arbusto. O resultado do trabalho
foi um teia de aranha magnífica, com que podia admiravel­
mente apanhar moscas.
12 JESUS CRISTO REI

Mas. passados alguns dias, a rede pareceu-lhe pequena


e começou a acrescentá-la em todas as direcções. G raças
ao fio resistente por qu e descera, a obra correu às mil
maravilhas. Nas manhãs de Outono, o rocio matutino
enchia a espaçosa rede de pérolas brilhantes, transfor­
mando-a num véu aéreo recamado de pedras preciosas que
cintilavam sob os pálidos raios do sol.
A aranha sentia-se muito orgulhosa da sua obra.
Engordava a olhos vistos, tinha já um abdómen respeitável.
Já se não lembrava da fraqueza e da fome com que tinha
chegado à copa da árvore nos princípios do O utono...
Um dia despertou mal humorada. O céu estava
nublado; não se via mosca alguma; que havia pois de
fazer em dia tão aborrecido?
tBem, disse, vou dar uma volta pela rede, e vejo se
há alguma coisa para remendar».
Examinou todos os fios, para ver se estavam seguros,
e não encontrou defeito algum; mas o seu mau humor
acentuava-se cada vez mais.
Ao ir e vir resmungando de uma parte para outra,
notou na parte superior da rede um fio comprido de cujo
destino se não recordava. D e todos os fios sabia muito
bem o fim para que os larççara; um vem aqui a esta folha,
aquele vai ali àquele ramo; mas. que faz aqui este? E por
cima de tudo é absolutamente incompreensível por que vai
para cima, simplesmente para o ar. Que é isto?
A aranha ergueu-se sobre as patas traseiras e arrega­
lando os olhos, começou a olhar para o alto. Não há dúvida.
Este fio não acaba nunca! D e qualquer lado que se veja.
vai direitinho às nuvens!
CONCEITO DA REALEZA DE CRISTO (l) 13

Quanlo mais matutava para encontrar a chave do


enigma, tanto mais se irritava. Mas, para que serve aquele
fio que sobe para as alturas? Naturalmente, com a abun­
dância das moscas com que se banqueteava, esquecera-se
por completo de que em certa manhã de Setembro baixara
por esse fio. Também já se não recordava de quanto lhe
serviu o mesmo para tecer a teia em toda a sua extensão.
Tudo esquecera. Não via ali mais que um fio inútil, sem
fim determinado, subindo por ali acima; um fio que para
nada servia, um fio pendurado no ar...
«Abaixo com ele!» gritou exasperada e completamente
fora de si, e com uma mordedela quebrou o fio.
A teia desmanchou-se no mesmo instante... e quando a
aranha recobrou os sentidos, estava estendida no chão,
paralizada, junto ao arbusto, e a ruína de uma teia artística,
cravejada de pérolas e rubis envolviaj a como um trapo
húmido.
Naquela manhã nebulosa ficou na miséria; destruiu
ruim segundo toda a sua obra, porque não com preendeu a
utildade d o fio qu e guiava para as alturas.
2.° Até aqui a parábola de Jõrgensen. parábola de
profunda significação, parábola que denuncia sem rodeios
aquele erro, aquela doença radical que faz passar por tão
aguda crise toda a vida moderna.
Não há muito tempo levantou grande celeuma um livro
de sinistro augúrio ('). em que o autor pinta com traços
apocalípticos a crise da nossa época. Não há autoridade,
escreve, não se acatam as leis. Não se respeita o saber,
o nascimento, a virtude, a experiência, a idade. Que (*)

(*) S pengler, D er U nlergan g d e s A b e n d la n d e s, O ocaso do O ridcnlc.


14 IESUS CRíSTO REI

incrível contradição: um enorme progresso técnico e. no


entanto, o homem é terrivelmente infeliz. Porquê? Porque
se desenvolveu só uma parte do nosso ser. Se a alguém
, crescessem somente as mãos, seria um homem defeituoso:
também a sociedade é defeituosa porqu e cresceu a nossa
ciência, aum entou a nossa técnica, m ultiplicaram -se as
nossas fá b ricas... mas não cresceu a m oral p u ra!...
Que é a história do último século senão uma apostasia
contínua, cada vez mais declarada?
Em todas as manifestações do ambiente medieval vivia
Cristo. Mas as ciências naturais e a técnica da época
moderna estontearam-nos e os nossos olhos fixaram-se à
terra.
A Idade Média acreditava que a Terra era o centro
do universo e não obstante... sabia olhar para o céu. Hoje
sabemos que a Terra não é mais que um ponto do universo
e agarramo-nos a este pontinho e esquecemos o céu!
O s antigos julgavam que o mundo girava à volta da
Terra e apesar disso viviam como se esta Terra não tivesse
uma importância decisiva nas suas vidas. Hoje todos sabe­
mos que a Terra não é o centro do universo e contudo vive­
mos como se todas as nossas esperanças dependessem dela.
E assim vamos vivendo! E vivemos ufanos! Mas
chegará um dia e ... desmoronam-se umas minas, uma
explosão destrói fábricas, um ciclone leva a desolação e a
morte a centenas de famílias na Flórida e milhares de
homens ficam sepultados sob escombros produzidos por
um horroroso vendaval... Então estremece por um instante
a mesquinhez do homem e teme a mão de Deus. Mas é
só por um instante. Sentimos o que sentia a Invencível
A rm ada: nAfflavit D eus et dissipali sunt», o sopro de Deus
CONCETTO DA r e a l e z a d e CRISTO (I) 15

é capaz de dispersar os mais poderosos; mas no momento


seguinte, o homem orgulhoso e sem Deus, no meio do
estertor dos moribundos, continua incrédulo, arrogante.
3.° Parece-me que, se Cristo voltasse outra vez à
terra, se repetiria à letra o que passou na noite d e B elém .
Onde poderia, hoje, nascer Cristo?
S. José passa por muitas cidades, bate à porta das
casas m odernas e o porteiro, deitando a cabeça de fora:
— «Impossível, todos os andares estão ocupados.»
Bate à porta dos estúdios dos artistas: «Não, não é
possível, a arte não pode preocupar-se com a moral.»
Bate à porta das redacções dos jornais, dos teatros,
e a entrada é-lhe proibida, «não há lugar para Ele».
Bate à porta da lúbrica: «Está inscrito no sindicato?»
é a pergunta com que o recebem. «Não? — Então que vem
cá fazer?»
Isto é pior que o Gólgota. Querem privar a Cristo
do próprio ar. «Cristo nosso Rei!» Pobre Rei sem reino!
O sistema sanguíneo da humanidade desde há muito
ficou contaminado. Terrível bacilo o corrói solapadamente.
Foi -se aguando cada vez mais; fomos diluindo a doutrina
de Cristo e agora declarou-se a peste!

O desterro de Cristo começou no m undo das ideias.


Cada vez se pensava menos em Deus. A nossa fé
enfraquecia a olhos vistos. Não morreu de todo. é verdade,
somos ainda cristãos, mas dorme.
Não acreditas, amigo leitor? O h ! se tivéssemos a
lâmpada de Aladino para descobrir o pensamento dos
homens do nosso tempo! Observai somente os pensamentos
de muitos cristãos durante o dia; serão diferentes dos que
16 IESUS CRISTO REI

poderia ter um pagão honrado antes da vinda de Cristo?


Um pouco de bondade natural, uma honradez exterior,
boas maneiras, mas, no fundo da alma, um mundo gelado,
um mundo sem Cristo I
E a grande apostasia continuou no falar.
Falamos das coisas em que pensamos, das coisas que
enchem o nosso coração. A boca fala da abundância do
coração. Não pensamos em Cristo, nas suas leis. na sua
Igreja: por isso também não falamos destes assuntos.
D e quantas coisas se fala. até entre católicos. Futebol,
cinemas, desporto, corridas de cavalos, praias, modas, polí­
tica. agricultura, dólares, penteados, cultura do vinho...
E d e C risto? Não falamos n'Ele. simplesmente porque não
pensamos n 'Ele.
Estamos prontos a falar de qualquer ninharia, mas
envergonhamo-nos de falar de Deus que nos criou. Alar­
deamos os nossos méritos e quando chega o momento de
falar d'Aquele diante de quem se deve prostrar toda a
criatura, quando calha falarmos de coisas religiosas, sen­
timo-nos constrangidos. Um homem que conhecia a fundo
o seu tempo fez esta pergunta: «Na Europa chamada cristã,
quantas vezes ao ano se pronuncia o nome de Cristo?»
Cristo Rei! O h. pobre Rei desterrado!

*
* *

Esta é a triste situação da sociedade moderna: exilámos


o nosso Rei. «Não queremos que Ele reine sobre nós».
A política disse: Podemos passar sem Cristo. A vida
económica proclamou: os negócios prescindem da moral.
A fábrica perguntou: que quereis fazer de Cristo? Os
co n cetto d a r ea lez a d e c r is t o (i> 17

Bancos disseram: retira-te, nada tens que fazer aqui. Nos


laboratórios cientificos: A ciência e a fé excluem-se...
L finalmente desembocámos na situação actual, que parece
escrever um grande J N R J : Cristo não existe. O rei
morreu!
£ então que a voz de Pio X I se faz ouvir de um ao
outro confim do mundo:
A lelu ia! Jesus Cristo não morreu. E le aqu i está.
Cristo vive, Cristo reina! Não queremos um cristianismo
diluído! Nós proclamamos que Cristo tem direito absoluto
sobre todas as coisas: sobre o indivíduo, sobre a sociedade,
sobre o estado, sobre o governo. Tudo está sujeito a Cristo:
a própria política, a própria vida económ ica, o próprio
com ércio, a própria arte; a própria fam ília, a criança, o
jovem, a mulher, tudo, tudo!
Sim, Cristo é Rei de todos os homens. É o Rei dos
Reis! O Presidente dos Presidentes! O Governo dos
governos! O Juiz dos Juízes! O Legislador dos Legis­
ladores! O estandarte de Cristo bá-de drapejar por toda
a parte: na escola, na oficina, na redacção, na câmara.
Viva Cristo Rei!
rlá-de-se renovar o milagre de C aná: Senhor, não
temos vinho; bebemos das águas estagnadas do pântano
lodoso da vida mundana. Dai-nos outros olhos que tudo
vejam de maneira diferente, outro coração e outros desejos...
conformes com a vossa lei; e então teremos cristianismo
autêntico.
Senhor, estai connosco quando rezam os, para que sai­
bamos rezar como Vós rezastes.
Senhor, estai connosco quando trabalham os, para que
saibamos trabalhar como Vós trabalhastes.
2
18 JESUS CRISTO REI

Senhor, estai connosco quando com em os e nos rego­


zijam os, como quando Vos regozijastes com os homens,
nas bodas de Caná.
Senhor, estai connosco quando cam inham os pelas ruas,
como quando caminháveis com vossos discípulos pelos cami­
nhos da Galileia.
Senhor, estai connosco quando estamos cansados e
doentes, como quando curáveis os doentes do povo.
Senhor, sede de novo nosso Rei!
O s antigos senhores da Hungria gritaram com entu­
siasmo na dieta de Pozsony: cVitam et sanguinem pro R ege
nostro. M aria T eresia — o nosso sangue e a nossa vida pelo
nosso Rei. Maria Teresa.> (’) Pois bem, dos lábios de todos
os cristãos devem brotar com sentido entusiasmo: Vitam
et sanguinem pro R ege nostro — C ristol: «O nosso sangue
e a nossa vida por nosso Rei — Cristo!»

(') O povo Húngaro linha desde há muito o direito de eleger o seu rei.
Nas cortes do ano de 1687 renunciou a este direito em favor da casa dos
Habsburgos. aceitando a forma de rei hereditário, mas só para o ramo
masculino dos descendentes de Leopoldo I. Carlos III. filho de Leopoldo,
nSo leve filho varão; e no ano de 1740 a Hungria aceitou a pragmática
sanção, isto é, a lei que estende ao ramo feminino o direito ao trono.
Maria Teresa, filha de Carlos III, foi coroada com a coroa de Santo
Estevão, em 25 de Junho de 1741. O titulo que lhe davam os húngaros,
não era Regina — Rainha, mas R e* — Rei.
Quando M aria Teresa se viu atacada simultâneamentc por sete
inimigos que queriam arrancar-lhe algumas províncias e desmembrar o reino,
recorreu, como a último baluarte de defesa, ao povo húngaro, e este na dieta
de Pozsony soube responder com lealdade, nobreza, heroismo e desprendi­
mento aos desejos do seu «Rei». As armas húngaras venceram os inimigos.
(N . d o Irad. esp.j.
C A P ÍT U L O II

C o n ceito cia realez a d e C risto (11)

\J I uma tarde de inverno, quando os flocos de neve flu-


G/\ tuavam silenciosamente no ar, caminhavam dois
homens pela rua: um professor católico e um jornalista
socialista.
— Vós, os católicos, dizia o jornalista, queixais-vos,
de que nós os socialistas atacamos sem cessar a religião
católica. Atacar! Não é necessário. Repara naquela cruz...
Vês como se vai cohrindo de neve?... Está quase comple­
tamente coberta... e a gente passa à direita e à esquerda,
corre apressada ao seu trabalho... quem se preocupa com
a cruz coberta de neve? Não é necessário atacá-la, a neve
se encarrega de a cobrir pouco a pouco e os homens nem
sequer a notam. É a sorte do catolicismo... ia a dizer,
como consequência final. Mas antes de acabar a frase,
soprou de uma rua lateral uma forte rajada de vento, revol­
vendo a neve da rua. arrojando contra o rosto dos tran­
seuntes a neve enregelada e levando ao mesmo tempo o
chapéu do socialista... e quando o vendaval amainou, na
20 ]ESUS CRISTO REI

cruz coberta d e neve, hav ia reaparecido o rosto de Cristo


crucificado, qu e o lh av a com su avidade os dois qu e dis­
cutiam .
— Sim, disse o professor, o pó chega a cobrir, na alma,
o rosto de Cristo, mas só até que o furacão se desencadeie
contra a humanidade. Uma guerra devastadora, um cata­
clismo que assola toda uma região... e então a alma.
recobrando a sua personalidade, lança-se aos pés de Cristo,
buscando entre soluços seu rosto meigo e divino, que o
esquecimento ia velando.
Falámos no capítulo anterior destes acordes lúgubres
e soluços da alma. O Papa Pio XI chamou a atenção do
mundo para a pavorosa doença que tudo invade. I lomens,
dizia, vós correis para a morte. A imagem de Cristo está
coberta de pó no fundo de vossas almas. O rosto de Cristo
empalideceu e chegou quase a desaparecer na sociedade,
na rua, na escola, na imprensa, em todas as manifestações
da vida individual, familiar e pública.
Veio o turbilhão da guerra mundial e foi impotente
para limpar o pó do rosto de Cristo.
Então o Papa institui uma nova festa, a festa de
Cristo Rei para limpar com ela a sua imagem, coberta de pó
cm nossas almas.
No capitulo anterior vimos quão árida é a vida humana
quando sacode o suave jugo de Cristo; neste capitulo
examinaremos a tríplice origem de tão lastimoso estado;
quero mostrar as razões por qu e o hom em moderno não
qu er aceitar o reinado d e Cristo.
CONCEITO DA RE/U.EZA DE CRISTO III) 21

Porque é que os homens modernos repelem a Cristo?


Recordemos a encantadora cena de Belém: os três reis
magos adorando a Cristo, oferecendo seus presentes...
E chegam os «três reis» modemos: o estadista, o ban­
queiro e o industrial. E aproximam-se do berço humi Ide
de Jesus.
Que cena tão poética! dizem. Não está mal este con­
junto: o Menino, os pastores e as ovelhas, a estrela, a
palha, o estábulo, a noite de Natal cheia de mistério...
Que magnífico quadro se poderia pintar e adaptar ao estilo
dum salão da nossa época!
Sim ! é verdade.
M as este M enino, é o F ilh o d e D eus vivo, o V erbo
encarnado, o senhor e soberan o do género hum ano. Ah!
isso é outra coisa: não só há tema para um quadro, mas
há uma augusta realidade: Cristo, R ei! É Menino, mas
também é Legislador! Ama-nos. mas é também nosso Juiz!
É amável mas sabe também ser severo! Se é meu Rei. não
posso viver tão frivolamente como o fiz até aqui. Então
deve ter voz e voto nos meus pensamentos, nos meus pro-
jectos, nos meus negócios, nos meus prazeres. A h! isto é
já demasiado. E assim o estábulo, o presépio, a palha
encerram um mistério muito duro para nós. Isto não o
compreendemos.
Não o comprendemos, porque não o queremos com­
preender. Tememos compreender a simplicidade, a pobreza,
a humildade de Cristo em Belém, porque é um protesto
contra o nosso modo de viver. P orque se Cristo tem razão,
é m anifesto qu e nós não a temos. Não tem razão o nosso
22 JESUS CR/STO REI

orgulho, a nossa ambição desmesurada, a nossa sede de


prazeres, a nossa idolatria da terra, o nosso culto ao bezerro
de oiro.
Chegámos ao ponto vital da questão. Porque é que o
homem moderno tem medo de reconhecer a Cristo e repele
o seu jugo? Porque é que não o queremos?
Não queremos a Cristo, porque o humilde Infante de
Belém condena com severidade o nosso orgulho.
Não queremos a Cristo porque Ele. sempre pobre,
condena a nossa sede de prazeres e gozos materiais da vida.
Não queremos a Cristo porque a sua mão levantada,
mostrando-nos o céu, é uma condenação à nossa concepção
do mundo moderno, a este desprezo insensato dos valores
espirituais da alma, ao rendermos culto idolátrico aos bens
da terra. Por outras palavras: S e Cristo é nosso Rei, então
não podem ser nossos ídolos, í.° nem a razão, 2.° nem o
prazer, 3.° nem o dinheiro.
l.° S e Cristo é nosso R ei e nosso D eus, a razão não
pod e ser o nosso D eus. Não podemos idolatrar a ciência.
Respeitemo-la, sim, mas não a elevemos à categoria de uma
divindade. A ciência só, não basta para uma vida digna
do homem. O afã exagerado de saber estonteou-nos. E é
assim só agora? A h! Não. Já derrubou o primeiro homem:
e desde então para cá a maior parte dos homens prostra-se
diante das ideias e opiniões mais estranhas e incompreen­
síveis, uma vez que levem o rótulo de «científicas».
Entendamo-nos. Não vão dizer que um professor de
Universidade ataca a ciência. De maneira nenhuma. N ão;
não falo contra a ciência, mas contra a fé cega, contra o
culto idolátrico qu e se lh e presta. Digo somente, e assumo
COXCEITO DA REALEZA DE CRISTO (II) 23

a responsabilidade do que afirmo, que para uma vida


humana bem equilibrada, a ciên cia só não basta.
Será necessário prová-lo?
Quando houve tantas escolas, como actuaimente?
Tantas bibliotecas? Tantos instrumentos de cultura?
Nunca; e contudo, quando houve maior decadência moral
que nos nossos dias? A ciência, o livro, a cultura não
podem suprir tudo. Não podem ocupar o primeiro lugar.
Não foi precisamente o anjo mais sábio, Lúcifer, que se
precipitou no mais profundo abismo? E não é verdade,
que entre os grandes criminosos se encontram às vezes
homens instruídos, cultos e astuciosos?
Sim ... mas, sabemos construir arranha-céus, sabemos
explorar as entranhas da terra e extrair o metal precioso;
sabemos ser avaros, depravados, cair em todos os abismos
da imoralidade, mas ser honestos, honrados, perseverantes,
viver uma vida feliz e digna de um homem, isso não
sabemos.

Cristo é nosso Rei! Sabeis o que isto quer dizer?


Quer dizer qu e a alm a vale mais do qu e o corpo, e qu e
a moral é mais preciosa do qu e a ciência.
Que a Igreja vale mais qu e a fábrica.
Q ue a San ta M issa é muito mais sublim e qu e uma
peça teatral.
Q u e o hom em qu e ora está mais alto que o qu e vai a
festas mundanas. .
Tudo isto significa a realeza de Cristo.
2.° Outro motivo leva o homem moderno a rejeitar
a Cristo. Combate-o porque não quer ouvir a condenação
fulminante... contra a moda. S e Cristo é nosso R ei, a m oda
24 JESUS CRISTO REI

não p o d e ser o nosso ídolo. Onde reina Cristo não pode


reinar a frivolidade, onde reina Cristo não é lícito vestir-se,
dansar e divertir-se com o o faz o hom em m od em o superficial
e frívolo.

Que tem que ver a Igreja com a moda? murmuram


alguns. Por que razão, com que direito se imiscui nestas
questões? Que mal tem em que o cabelo das mulheres
seja curto ou comprido, que as saias tenham mais ou menos
cinco centímetros?

Não tratemos esta questão dum modo tão superficial.


O tomar a Igreja posição nestas contendas, tem uma causa
muito mais profunda.
Sabeis de que se trata?
Trata-se daquela grave doença que se chama laicism o,
d a q u ela ep id em ia qu e desterra a Cristo, trata-se d o p ag a­
nismo m odem o, a que aludiu Pio XI, males cujos bacilos
estão latentes em nós e se exteriorizam também com a
loucura da moda.
O que esta pretende às ocultas é expulsar o Cristia­
nismo do maior número possível de lugares, é tirar a Cristo
cada vez mais vassalos.
Não se trata pois de uma só alma, de uma só familia,
mas de uma questão transcendental e decisiva, a saber:
de que em toda a vida social, em todas as nossas mani­
festações exteriores tenham os ou não o olh ar posto em
C ris to. Sim, esta é qu e é a grande qu estão.
Ciência, filosofia, política, diplomacia, maçonaria, lite­
ratura. arte. legislação... tudo, tudo isto intentou já com­
bater o Cristianismo. Mas em vão. Todos os inimigos
CONCEITO DA REALEZA DE CRISTO (II) 25

coligados não foram capazes de desterrar a Cristo. Então,


lançou-se mão de nova arma: a vaidade da mulher. Vedes
já as profundas raízes da questão? Trata-se de desencadear
a guerra contra Cristo. Admito que a maioria das mulheres,
quando se inclinam diante da moda, não sabem que são
instrumentos de uma traidora campanha. Ignoram que o
paganismo quer instalar-se outra vez na sociedade. Paga­
nismo é o vestido transparente, paganismo é o baile inde­
coroso. A frivolidade espantosa das praias, o veneno dos
cinemas, o luxo exorbitante... tudo isto é paganismo.
Esta é a razão por que se combate a realeza de Cristo.
Não aceitamos a Cristo Rei, porque Ele é a condenação
do nosso moderno paganismo.
3." Há ainda outro motivo por que o homem moderno
repele a realeza de Cristo. É qu e a realeza d e Cristo con­
d en a toda a vida m aterialista e terrena. S e Cristo é nosso
Rei, o dinheiro npo p o d e ser nosso ídolo.
No paganismo antigo, o oiro e o prazer recebiam honras
de divindade. Mas. ao ecoar nas campinas de Belém o
cântico do «Glória», o trono destes ídolos desmoronou-se.
Mas agora, de novo, o dinheiro, o oiro recuperou o seu
antigo culto.
Estudemos a lição dos últimos anos. À medida que nos
iamos esquecendo de Cristo, esquecíamos também os valores
espirituais e culturais. Não pressentimos todos o perigo?
^ Não sentimos todos que aqui há alguma coisa abalada?
Ousaríamos afirmar que tudo corre perfeitamente bem?
Ao mesmo tempo que sábios exímios, artistas insignes
lutam com a fome e não têm trabalho, morre um artista
de cinema, Rodolfo Valentino, e os jornais de todo o mundo
26 JESUS CRISTO REI

anunciam que tinha oito automóveis, doze cães. cinquenta


pares de sapatos e duas mil camisas. Isto está bem?
Donzelas honradas de uma vida irrepreensível, estu­
dam, trabalham e não conseguem casar-se: e uma rapariga
moderna atravessa nadando o canal da Mancha, e logo
recebe setecentas propostas de casamento. Isto está bem?
É da praxe que um campeão de box receba por cada
sessão de luta a soma equivalente aos honorários de um
juiz ou de um professor durante seis meses. Está bem?
O cristianismo ensina o privilégio do espirito, a aristo­
cracia da inteligência e hoje esta aristocracia é substituída
pela aristocracia da musculatura.
O n de reina Cristo, a alm a é superior à m atéria e é por
isso que hoje se renega a realeza de C risto... porque são
muitos os homens... que não têm alma; que não têm
tempo para a ter.
II

Esta é a situação actual.


Qual foi o resultado desta nossa confiança’ excessiva
na cultura moderna? Que abdicámos do nosso porvir
e nos voltámos para a Ásia. Sobretudo desde a Grande
Guerra ('), é grande o número daqueles que esperam da
misteriosa filosofia asiática o redentor da nossa inferio­
ridade. Vivemos há centenas de anos em pleno cristianismo,
e agora chegamos a este extremo de ver nas ruas das nossas
cidades cartazes como este: — Homens, de joelhos! Recebei
de joelhos a Krishnamurti! Aí vem Rabindranath Tagore!

O A guerra 1914.
CONCEITO DA REALEZA DE CRISTO (II) 27

Como? Poderão estes homens dizer-nos alguma coisa


de novo? O pouco bem que nos anunciam não o tomaram
eles do cristianismo, e o que em suas doutrinas não é
cristão, é mau.
E havemos de nos voltar para a Ásia, para o Oriente?
Há-de procurar-se a vida nos braços da morte? A energia
há-de-se tornar inacção? O raio de sol, em noite escura?
Poderá brotar desse pais de sonhos nebulosos e mis­
teriosos uma energia capaz de estruturar uma nação?
Conhecemos a estátua de Buda: seus olhos sempre
fechados sonham: qufe sabem da vida real? Não se escapa
Buda da vida para o Nirvana?
Os olhos d e Cristo estão sem pre abertos mesmo sobre
a Cruz; irradiam força, energia, optim ism o.
O perigo é iminente: a humanidade caminha para uma
terrivel catástrofe, mas mesmo assim o cristianismo não é
pessimista, porque o pessimismo só serve para sufocar em
suas fontes toda a energia.
Que é que nós apregoamos? Apregoamos a realeza
de Cristo. Por consequência devemos semear ideias cristãs,
católicas e cuidar que dèem fruto, senão pereceremos. Há-de
levantar-se de novo o Sol. e então haverá luz. Como se
já vislubrássemos na cristã das altas montanhas os pri­
meiros raios.
Não. nós não precisamos da teologia nebulosa de um
Krishnamurti ou de um Tagore. Não queremos a moral
fácil das «bailadeiras» da índia e das «geishas» do Japão.
Narra uma lenda que. quando o Menino Jesus fugia
da fúria de Herodes para o Egipto, caíram todas as estátuas
dos ídolos... Esta lenda deve tornar-se hoje uma realidade.
Diante de Nosso Senhor Jesus Cristo, devem cair todos
28 JESUS CRISTO REI

os ídolos: diante de Cristo humilde, há-de cair o nosso


orgulho: diante de Cristo pobre, há-de cair a nossa avareza
e vaidade presunçosa: diante de Cristo simples, modesto,
a nossa sede de prazeres.
E qu an do reconhecerm os a Cristo com o nosso Rei,
e n t ã o — só e n t ã o — se curará a socied ad e hum ana d e seus
m ales inunieráveis.
Vinde, Cristo Rei, porqu e já não podem os m ais!
C A P ÍT U L O III

D ireitos d e C risto à R ea lez a

/ Q s jovens da Hungria têm um modelo: o filho do


primeiro Rei húngaro, o primeiro jovem da Hungria
elevado às honras dos altares, Santo Lmerico. O s jovens
de agora estão plenamente convencidos que os exemplos
deste jovem santo se podem imitar, passados novecentos
anos. Não só se p odem como se devem imitar. E sabem
que só uma juventude que cresce, seguindo as pisadas de
Santo Emerico, pode assentar as bases de um novo mile­
nário da Hungria.
Não é sair do tema de Cristo Rei recordar este pensa­
mento do santo jovem da Hungria. Quero estudar os
direitos d e Cristo à realeza. Santo Emerico desejava robus­
tecer a realeza de Cristo em sua própria alma e na de todos
os seus compatriotas.
É verdade que ainda não se conbecia a expressão
«Realeza de Cristo» mas sentia-se e vivia-se a sua essência.
A festa de Cristo Rei foi instituída há pouco tempo, mas
a verdade que encerra é muito antiga. Veremos neste
capítulo: I. Q u e Cristo seria nosso R ei, ain da que E le
não no-lo houvesse dito. II. Que C risto tem verdadeira­
m ente direito à realeza.
30 JESUS CRISTO REI

( risto seria nosso R ei, ain da qu e n ão no-lo houvesse


dilo. C risto é nosso R ei, porqu e é nosso R eden tor e nosso
D eus. Como Redentor comprou por alto preço este direito.
*F ostes resg atad os... não com oiro ou prata, mas com o
precioso sangue d e Cristo, cordeiro im aculado e sem
m ancha» ( ). diz-nos S . Pedro. «Nosso Senhor Jesus Cristo
comprou-nos por um alto preço» (2). proclama S . Paulo,
de maneira que os nossos corpos tomaram-se m em bros d e
C risto» (*).
Cristo é nosso Deus. E Deus é «o único P oderoso,
o R ei dos reis e o senhor dos sen hores» (*). Deus tem
direitos sobre nós. Promulgar os direitos de Deus Foi o
primeiro acto de Nosso Senhor Jesus Cristo, ao vir a este
mundo. Na noite de Belém os coros angélicos proclamaram
a glória de Deus.
^ revolução francesa, como todas as revoluções,
começou por proclamar os direitos do hom em . Á. primeira
revolução não foi outra coisa senão a proclamação dos
direitos do homem contra Deus feita por Satanás. Por isso
a Redenção devia começar de um modo contrário; começou
pela promulgação dos direitos de D eus.
Sim. Deus é meu Senhor, meu Soberano absoluto.
Mas tem só sobre mim, direito de soberania? N ão;

(') 1 P etr., i, 18-19.


O l C or.,vi, 20.
(3) / C or., vi, 15.
0 I T i m ., vi, 15.
DIREITOS DE CRISTO A REALEZA 31

é também Senhor de minha família. Senhor da escola.


Senhor dos governos. Senhor dos parlamentos. Senhor das
Redacções, Senhor dos teatros. S en hor d e toda a socied ad e
hum ana. Aceitar esta tese, gravá-la profundamente nas
almas, tal é o significado sublime da nova festa de
Cristo Rei. Foi instituída, com o fim de que hoje em dia,
quando os homens não querem saber de Deus, nós pro­
clamemos por toda a parte, a todos, que Deus tem direitos
inalienáveis sobre o homem e o homem tem obrigações
para com Deus.
Cristo é nosso D eu s; portanto, é nosso R eil

II

Examinemos mais detidamente a questão.


Não será estranho ao espírito de Cristo o pensamento
da sua realeza?
— Ensinam -na as Sagradas Escrituras? Se folhearmos
os livros sagrados, encontramos a cada passo argumentos
que a demonstram.
1 Será preciso citar o salmo II. em que se nos diz
que Cristo foi constituído «pelo S en hor rei sobre Sião, seu
m onte san to» e recebeu «as nações em herança, e o seu
dom ínio se esten de d e um a outro extrem o d a terra»?
Mencionaremos a Isaias que, ao falar do Messias
(Cristo) futuro diz que: «R einará como R ei e será sábio
e governará a terra com rectidão e justiça» (')?
Será preciso lembrar a introdução sublime do Evan-

(') Jeremias, xxm, 5.


52 IESUS CRISTO REI

gelho de S . João: «No principio era o V e r b o ...e sem E le


n ada d o qu e foi feito se fez» (')?
Citarei as palavras que o Anjo disse à Santíssima
Virgem: «Este será grande, e será cfiamado F ilh o d o A ltís­
simo, e o S en hor D eus lhe dará o trono d e seu pai D avid;
e reinará etem am en te n a casa d e Ja co b , e o seu reino não
terá fim» (')?
Enfim recordemos principalmente o diálogo entre
Pilatos e N osso S en hor Jesus C risto: «Logo, tu és Rei?»
— pergunta o procurador romano. E com majestade real
responde-lhe Cristo: «Rex sum ego — Sim, eu sou Rei» ('’).
É verdade que antes dissera: «O m eu reino não é deste
m undo; se o meu reino fosse deste mundo, certam ente que
os meus ministros haviam d e pelejar, para qu e eu não
fosse entregue aos judeus; mas o m eu reino não é deste
mundo» {*). Que significa isto?
Cristo é Rei. mas não adquire os seus direitos pelas
armas nem pela dinamite: «embainha a tua espada» (5),
disse a S . Pedro. Só quer ser Rei das nossas almas, rei­
nando sobre a nossa vontade — Ele é o ecam in h o» — : sobre
a nossa inteligência — Ele é a tv erd a d e » — : sobre os nossos
sentimentos — Ele é a *v id a » . — Sim, Cristo Rei é o
€Soberano» d os reis d a terra (°) que traz escrito no seu
manto: «Rei d os reis e S en h o r d o s sen hores» (').

O S . joCto. I. 1,5.
O S. Luras. 1. 52. 55.
(“) S . jo ã o , XVII. 57.
O S . Jo ã o , xvm. 56.
O S. M ateu s, xxvi. 52.
(*) A p o c a lip se, I, 5.
0 A p o calip se, XIX, 16.
DIREITOS DE CRISTO A REALEZA 53

O Eterno Pai constituiu-o «herdeiro universal d e todas


<is coisas» (*) e por isso «E le d ev e reinar, a lé qu e pon ha
todos os seus inimigos d eba ix o d e seus p é s » (2).
E assim vemos que a Sagrada Escritura proclama
explicitamente a realeza de Cristo. Poderíamos acrescentar
ainda outras passagens, mas duas em particular chamam a
nossa atenção. Quero insistir nelas, porque hão-de produzir
em todas as almas profunda impressão.
2.° Sabeis o que mais me impressiona quando medito
a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo?
São aquelas palavras conhecidas e tantas vezes repe­
tidas por Nosso Senhor: tP assarão o céu e a terra, mas as
m inhas palavras não passarão» (3).
Não encontro palavras mais comovedoras do que estas,
das que sairam dos lábios de Jesus.
Certa noite está sentado o divino Mestre, rodeado de
seus discípulos, na encosta do monte das Oliveiras...
Defronte deles, o monte Moriah, coroado pelo templo,
o templo de Jerusalém. Momentos de descanso depois de
longa jornada.
Um dos discípulos aponta com orgulho para o templo:
Mestre, repara, que pedras tão bem talhadas e que esplên­
dido edifício!
E o divino Mestre explica: Vedes esse magnífico
edifício? Pois será de tal maneira destruído, que não ficará
dele pedra sobre pedra.

O E p isl. a os h ebreu s, l, 2.
(*) / Cor.. XV. 25.
O S . M ateu s, XXIV, 5 5 ; S. M arcos, n u . 31.
34 JESUS CRISTO REI

Tomados de assombro pelo que ouviam, Pedro. Tiago,


João e André, perguntam: Mestre, quando é que isso
sucederá? E que sinais haverá de que todas essas coisas
se hão-de realizar?
Era a pergunta que esperava o Salvador. A noite
entrava silenciosa...; em volta do pastor estava a grei
atenta. E o Senhor começou a falar-lhes. Que haviam de
sofrer perseguições pela fé, e de antemão adverte-os que
não se perturbem nem temam. Depois fala-lhes da des­
truição do templo de Jerusalém, e insensivelmente passa
a narrar a catástrofe final e conclui com estas palavras
que queria gravar-lhes na alma: Tudo, tudo o que vedes
no céu e na terra perecerá. IVão há senão uma coisa, que
resiste triunfalmente à destruição dos séculos e dará à
humanidade uma lei imutável: a minha Lei. Passarão o
céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão.
Onde encontraríamos frase mais sublime para expressar
a realeza de Cristo?
Já lá vão vinte séculos e a profecia de Cristo continua
a realizar-se. Alguns dos apóstolos chegaram a ver a
destruição de Jerusalém. Desapareceu o império grego, o
tempo varreu-o da face da terra. Pereceu o ingente império
romano que abarcava todo o mundo conhecido de então.
Desagregou-se o Sacro Império Romano. Napoleão calcou
aos pés o solo ensanguentado da Europa... e acabou exilado
em Santa Helena.
O s reinos que precederam a vinda de Cristo tiveram
igual sorte. Escavações pacientes, têm trazido à superfície
as ruínas antigas: as ruínas de Babilónia, de Alexandria...
Povos, nações, indivíduos, nasceram, cresceram e passaram
DIREÍTOS DE CRISTO A REALEZA 35

pelo cenário da história... Que nos dizem os antigos


impérios em ruínas?
Que o céu e a terra passam, mas as palavras de
Cristo-Rei jamais passarão.
Singular pensamentp me vem ao espírito. Que suce­
deria. se o Senhor aparecese hoje entre nós. e nos levasse
a um alto monte, e de lá nos mostrasse uma das nossas
capitais modernas? Uma noite calma, silenciosa, envolve
a linda cidade e a nossa alma emocionada diz ao Senhor:
«Senhor, olhai que edifícios magníficos... o Parlamento,
aqueles tempos... aqueles palácios... que profusão de luzes
cintilantes!... Reparai, Senhor, naqueles teatros, como a
multidão aplaude...»
E o divino Mestre elevando a voz: «Todos esses hotéis,
palácios e museus, esses edifícios altaneiros, esses eléctricos
e metropolitanos, esses automóveis velozes, essas fábricas,
orgulho dos homens, tudo, tudo isso perecerá, ...de tudo
isso não ficará mais que umas ruínas, e talvez nem sequer
a lembrança delas.»
E, ao ouvirmos tais palavras, exclamamos surpreen­
didos: «Senhor, não pode ser. Tanto trabalho, tanto...»
Mas. depois vem-nos à memória a vida exuberante que
há quinze ou dezasseis séculos reinava na África do Norte,
ali mesmo onde hoje é um deserto de areia... Eemhramo-
-nos que associações científicas trabalham com férrea cons­
tância escavando as ruínas daquelas cidades, outrora flo­
rescentes... Talvez um dia os povos da Ásia, da África
invadam a Europa e submetam os seus habitantes... Mas
já também eles trazem em si mesmos o gérmen da ruína.
Porque tudo o que o homem pode ver, ouvir e apalpar,
tudo perecerá... O céu e a terra p assarão. ..
F

36 JESUS CRISTO REI

Mas. Senhor. Senhor, também eu hei-de perecer sem


deixar vestígio algum? O instinto da vida. este desejo
irresistível que sinto de viver, que penetra todo o meu ser.
desaparecerá, será aniquilado sem ser satisfeito? Não.
É o Senhor quem o diz: «passará o céu e a terra, mas as
minhas palavras não passarão». E quem guardar as p a la ­
vras d o Senhor, viverá etem am en te.
Cristo, V ós sois o R ei do tem po. Ê o pensam ento que
m e en che d e confiança. É o qu e me alenta. Cristo é o R ei
d a vida etem a, e eu procurarei ser filh o fiel deste R ei...
Este é um dos pensamentos que mais me impressionam,
quando medito a Realeza de Cristo.
3.° Existem outras palavras de Cristo que também
me impressionam completamente e que mostram com toda
a luz os seus direitos a realeza. A frase e esta: «Eoi-m e
d ad o todo o poder no céu e na terra» ('). «E quando for
levantado d a terra, atrairei a mim todas as coisas» (2).
a) A h! Senhor! como ousais dizer semelhante coisa?
Certamente que não foi segundo o raciocínio humano.
Porque, humanamente falando, que podíeis esperar? Diante
de vós, estava a cruz, a populaça cheia de ódio. e doze
pescadores vulgares... E são estes que hão-de dilatar o
vosso reino?
Vejamos o que se passou com a doutrina de Cristo
e como se realizou à letra tudo quanto Ele anunciou!
O grãozinho, lançado à terra, germina e cresce: os
círculos formados com uma pedra que cai na água.
ampliam-se: os montes e os vales, os bosques e os campos.

(') Moí., xxviii, 18.


(’ ) S . Jo ã o , xn. 32.
DIREITOS DE CRISTO A REALEZA 57

Samaria, Cilicia, Capadócia, Frigia, Atenas, Roma. todos,


todos se põem ao lado de Cristo, seguem-n O . Depois são
os povos bárbaros imigrados que curvam sua fronte ao
jugo de Cristo... Vêm depois os grandes descobrimentos.
Marinheiros valorosos levam a cruz de Cristo até às margens
do Mississipi, às regiões do Ganges, aos descendentes dos
Incas, às tribos do Rio da Prata, aos domínios da China
e do Japão, às ilhas cobertas de gelo do Mar do Norte,
às regiões do Pólo S u l... Por toda a parte ressoa o bino:
«Nós Vos adoramos. Senhor Jesus, nós Vos bendizemos.»
Realmente V exilla Regis prodeunt... O s estandartes do
Rei avançam.
Na verdade Ele foi levantado ao alto e atraiu-nos a si.
E se. depois do passado, lançarmos um olhar à situação
actual? Onde se encontra nos anais da História Universal
um homem, um soberano que tivesse tantos vassalos como
Cristo? Um domínio tão extenso que abarca tantos países
e continentes? Para quê lembrar César, Alexandre Magno,
Carlos V , Napoleão? Seus impérios, comparados com o de
Cristo, são montes de toupeira. Para quê recordar a entrada
e marcha triunfal de Constantino? É um passeio infantil
comparado com a procissão eucarística de Chicago, onde
se encontravam povos de todas as nações: chineses, ame­
ricanos, esquimós, negros, alemães, húngaros, italianos,
portugueses, espanhóis, franceses, ingleses, e todos se
prostravam de joelhos com a mesma fé ante Cristo-Rei.
b) E não podemos esquecer as grandes dificuldades
e os grandes obstáculos que se opunham à marcha triunfal
de Cristo. A moral austera do cristianismo! O s homens
maus: judeus, pagãos, turcos, incrédulos, socialistas. mações!
Diplomacia e violência, astúcia e intriga, a falsa ciência
38 JESUS CRISTO REI

e a imprensa, há dois mil anos que procuram vencer a


Cristo. Amigo leitor, mostra-me um só fundador de religião,
cuja doutrina tenha suscitado lutas tão encarniçadas como
as que se travam contra a doutrina de Nosso Senhor Jesus
Cristo!
Não tinha mais que doze apóstolos, homens simples.
Na sexta-feira santa, até estes se assustam e cheios de
pavor... fogem. Mas chega o dia de Pentecostes em que
recebem o divino Espírito Santo e os seus discípulos já se
contam por milhares.
Jerusalém executa a S . Tiago, persegue e desterra a
S . Pedro e S . João e contudo é impotente para triunfar
do Cristianismo nascente. Lança contra ele o seu perse­
guidor mais encarniçado... Mas Saulo transforma-se em
Paulo, que, juntamente com a Palestina conquista também
para Cristo a Ásia Menor.
Roma começa as perseguições: fogo. ferro, sangue...
e por fim o Cristianismo conquista Roma e Roma cristianiza
a Europa inteira.
Em França, os inimigos de Cristo dão a palavra de
ordem: «Ecrase; l in fâm e! » — «Esmagai o Infame!» Mas
não o podem esmagar e o Cristianismo levanta a cabeça
no Novo Mundo e propaga-se cada vez mais... E como!
Não há poder, astúcia, força capaz de lhe impedir o passo.
Bastam estes factos: no princípio do século xix. nos Estados
Unidos, havia apenas três Bispos, hoje há 95. No Canadá
havia um, hoje há 32. Na Ásia 45. hoje 165. N a África 9,
hoje 55. Na Austrália, nenhum, hoje 38. Não falam com
eloquência estes dados da marcha triunfal de Cristo Rei?
«.Quando Eu for levantado da terra, atrairei tudo a mim».
Atrai tudo!
DIREITOS DE CRISTO A REALEZA 39

c) E com que força! Com que amor prende! Não


há rei que se possa comparar com Ele na influência que
exerce sobre os seus súbditos... «Ide, ordenou Cristo, e
ensinai a todas as nações»; e cumpriu-se o seu mandato.
Ainda boje ressoa a palavra vivificante de Cristo. Ressoa
nos palácios, nos tugúrios e em mil línguas. Escutam-na
os analfabetos e os sábios, o pescador dos fiords noruegueses
e o negociante bolandês, os aldeões das campinas búngaras
e o mineiro inglês, o operário fabril alemão e o fazendeiro
brasileiro. Todos, todos ouvem e lêem as palavras de
C risto... Lêem. escutam... e tornam-se melbores. Sofrem
mais alegremente os trabalhos da vida.
Realmente, vemos realizadas as palavras do salmista:
«Florescerá em seus dias a justiça e a abundância de paz...
e dominará de um mar ao outro, desde o rio até ao extremo
da terra» (').
*
* *

N a noite do dia 31 do quinto mês do ano 737 depois


da fundação de Roma, o imperador Augusto saiu do palácio
com brilhante cortejo. À luz de archotes atravessou as
escuras ruas de Rom a... em direcção ao campo de Marte.
No meio de contínuas guerras e revoltas, suspirava o
povo pelo alvorecer de uma nova era... e eis que apareceu
no céu um novo cometa: chegava uma época melhor e
precisamente naquela noite devia celebrar-se a sua vinda.
O imperador saiu para oferecer um sacrifício por tal motivo.

C) Salm. LXXI, 7-8.


40 JESUS CRISTO REI

Ingentes tochas... a noite cintilante... uma multidão


festiva apinha-se em volta dos três altares erigidos em honra
das deusas da Sorte. Uma turba de sacerdotes... crepitam
as chamas, ressoam os clarins... De repente, tudo emudece;
aproxima-se o momento solene; o imperador levanta-se,
dirige-se ao altar e oferece o seu império e o seu povo à
divindade.
Terminado o sacrifício, o povo contente volta para suas
casas: «Começou uma época nova, uma época melhor.»
Não foi o cometa que trouxe uma época melhor, mas
um Menino que nasceu uns anos depois em Belém. Um
pobre Menino, cujo nascimento foi o ponto de partida para
contar os anos, e ao sopro deste Menino ruiram os deuses
do paganismo.
E desde então, por toda a parte se ouve aquela oração
solene e cheia de confiança da Igreja: Per Dominum nos-
trum lesum Cristum, Filium tuum, que vivit et regnat per
omnia scecula sceculorum... Por Nosso Senhor Jesus Cristo
que vive e reina por todos os séculos dos séculos...
Sim. Cristo tem direito sobre nós, tem direito à realeza.
E por isso o dia de Cristo-Rei não há-de ser só um dia de
festa da Igreja, mas de toda a Nação. «Fora dele não há
salvação. Pois não foi dado ao homem outro nome debaixo
do céu, pelo qual nós possamos ser salvos» ('). O Santo
Padre Pio XI com razão acrescenta: «É ele quem dá a
prosperidade e a felicidade verdadeiras aos indivíduos e às
nações; porque a felicidade da nação não provém senão da
felicidade dos cidadãos, pois a nação não é outra coisa
senão o conjunto harmónico dos cidadãos.»

0) A ctos d o s A p óstolos, iv, 12.


DIREITOS DE CRISTO A REALEZA 4t

Por isso os devotos de Santo Emerico, vergônteas vigo­


rosas do grande roble húngaro, agora truncado, aproxi­
mam-se do altar para receber a Cristo-Rei, para se fazerem
cavaleiros de Cristo-Rei e preparam-se para o passo defi­
nitivo. A nova geração coloca-se com armas e bagagens ao
lado de Cristo; disso temos a prova...; sem Ele nada pode­
mos. Vamos a Cristo e com Ele venceremos.
C A P IT U L O IV

C risto, Rei d a P átria terrena

/ i ^ ^as verc^a^es mais austeras e dramáticas do Cris-


l y v / tianismo é sem dúvida a que refere a destruição
do mundo: o mundo e a terra perecem... e a vida e a pátria
terrena passam...
Se esta terra há-de passar, perecer... então, o que vale
é a pátria eterna. E a pátria terrena? Examinemos este
pensamento: C risto é o Rei da pátria eterna; não deve­
mos então amar a pátria terrena?
Este pensamento é de tanta maior actualidade, quanto
hoje mais se diz que a religião católica fala sempre do
reino dos céus, e nunca da terra, e por isso, não ensina,
não inculca aos fiéis, como o devia fazer, o amor à pátria:
mais ainda. lança-se-lhe à cara ter uma tendência franca­
mente internacional, visto que o seu Chefe Supremo vive
em país estrangeiro, em Roma.
Poderíamos responder rapidamente a esta questão.
Podíamos fazer uma síntese rápida dalguns factos históricos
incontestáveis. Poderíamos dizer que país algum teve que
sofrer, por ter o Chefe supremo da Igreja Católica a sua
Sede em Roma. Pelo contrário. A nossa história está
cheia cfe factos gloriosos e honrosos, que demonstram com
•14 JESUS CRISrO REI

clareza meridiana como os Papas auxiliaram sempre a nossa


Pátria, começando por S . Silvestre II. que nos deu a Santa
Coroa, até aos que reinaram na época das Cruzadas, quando
ninguém se preocupava com os húngaros, até Pio XI. cujo
legado, o Núncio, desenvolve entre nós uma obra magnífica,
precisamente hoje, quando uma vez mais, ninguém pensa
neste país desmembrado.
Poderíamos acrescentar o argumento de que a nossa
religião sacrossanta não é uma religião italiana, não é uma
religião nacional, mas católica, isto é. universal, que respeita
e cultiva as qualidades peculiares de cada raça e de cada
povo. Poderíamos alegar todas estas coisas. Mas queremos
entrar mais profundamente no exame do nosso tema.
Partindo do pensamento da realeza de Cristo, enfrentemos
a questão: Corresponde à verdade a acusação de que a
religião católica não ensina, como é justo, o amor d a pátria?
O u pelo contrário, será certa a tese oposta, segundo a qual,
não há outra religião que tenha feito tanto pelo verdadeiro
patriotismo como a religião católica?

O amor pátrio dos católicos provém: A) Do exemplo


de Nosso Senhor Jesus Cristo: B) e da doutrina da Sagrada
Escritura.

A) O exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quadro


emocionante: poucos dias antes da Sagrada Paixão, Jesus
despede-se de Jerusalém. Do alto do monte das Oliveiras
fixa o olhar uma vez mais na cidade santa inundada de
luz doirada do sol poente. De repente enchem-se-lhe os
CRISTO. REI DA PÁTRIA TERRENA 43

olhos de lágrimas. Nosso Senhor Jesus Cristo chora pela


sua pátria e por seu amado povo, que não corresponderam
ao convite de Deus, afastando-se dele obstinadamente.
Ante os olhos do Senhor desdobra-se o futuro: vê a cidade
no meio das chamas; os inimigos triunfantes matando o
povo, e Jesus, nunca'superado por ninguém em seu amor
pátrio, chora pela sua cidade.
b) Doutrina da Sagrada Escritura. Uma das passagens
principais, em que se nos inculca o amor pátrio, é aquela
cm que Nosso Senhor Jesus Cristo mandou: «Dai a César
o que é de César e a Deus o que é de D eus » (*). Outra é o
aviso de S . Paulo escrevendo aos romanos: «Não há poder
que não venha de D eus » (2). Finalmente, o testemunho dos
Apóstolos confessando alegremente a sua fé: «É necessário
obedecer primeiro a Deus que aos homens» (3).
Destas frases podemos deduzir com toda a clareza o
critério católico com respeito ao patriotismo.
«Dai a C ésar o que é de César». O César significa
o poder terreno, a autoridade do Estado. O Senhor obriga­
-nos a dar-lhe o que lhe pertence.
Que é que devemos dar-lhe?
O serviço material, a contribuição, o respeito e obe­
diência em tudo o que ele tem direito a exigir de nós.
«Não há poder que não venha a Deus», isto é, temos
que obedecer enquanto o poder terreno nada mande contra
a lei de Deus. Compreende-se pois com quanta razão
escrevia o Papa na encíclica em que instituía a festa de

D S. M ateu s, XXII, 21; S. M arcos. XII, 17; S. Lu cas, xx, 25.


O C arta a o s R om an os, xui, 1.
(*) A ctos d o s A p óstolos, v, 29.
t

46 1ESUS CRISTO REI

Cristo-Rei: «Portanto, se os homens reconhecerem na vida


pública e particular a autoridade real de Jesus Cristo,
grandes benefícios e vantagens advirão à sociedade civil,
como. por exemplo, uma justa liberdade, tranquilidade
e disciplina, paz e concórdia. A régia dignidade de Nosso
Senhor Jesus Cristo, assim como santifica a autoridade
humana dos chefes e governantes do Estado, também eno­
brece os deveres e a obediência dos súbditos.»
O Papa continua: «Se os príncipes e governantes
legitimamente eleitos se persuadirem que governam não
pelo seu próprio poder e direito, mas por mandato e repre­
sentação de Jesus Cristo, usarão sábia e santamente da
sua autoridade, e terão em conta, ao dar e executar as leis,
o bem comum e a dignidade dos seus súbditos.»
2.° Q ual é a base do verdadeiro patriotismo, ou em
que consiste o verdadeiro am or d a Pátria?
Em ter apego à casa «em que nascemos, e em que a
mãe cantava enquanto nos embalava no berço» ?
Sim. também isso é amor pátrio, mas não basta.
Consistirá, talvez, em amarmos a nossa aldeia, o nosso
país natal, o nosso povo, a nossa nação? Sim, sem duvida,
mas o católico acrescenta mais alguma coisa.
Consistirá, então, em lutar pelos interesses da nossa
pátria? Também: mas tal conceito é demasiado restrito,
o patriotismo do católico é ainda mais alguma coisa.
É o esforço santo e o trabalho d en od ad o para fazer
respeitar em toda a parte a m inha pátria, o m eu povo,
a m inha raça.
O s produtos nacionais hão-de ser os primeiros em todo
o mundo: excelentes, preciosos, merecedores de confiança:
e, se sou operário, mostrarei ter amor à minha pátria esfor-
CRISTO. REI DA PÁTRIA TERRENA 47

çando-me por que ela tenha o primeiro lugar na indústria


ou no ramo em que trabalho. A ciência nacional há-de
levantar-se a grandes alturas e alcançar a consideração
do mundo inteiro; e se sou sábio e trabalho nisso, terei
amor à pátria. A juventude da minha pátria há-de ser a
mais brilhante e a de carácter mais enérgico de entre as
outras do mundo. Se sou professor, sacerdote ou pai de
família e trabalho no nobre ideal da minha profissão com
abnegada persistência, será de bom quilate o meu amor
à pátria. A fé do meu povo há-de ser firme, como as mon­
tanhas gigantescas que elevam os seus cumes acima das
nuvens; e, se concorro para isso, amo a minha pátria.
A moralidade do meu povo há-de ser brilhante e pura
como os olhos cândidos da criança; e se eu contribuo para
que o nível de sua vida moral seja elevado, eu amo deveras
a minha pátria.
Sim. este é o verdadeiro patriotismo: o amor da pátria
que é capaz de levantar às alturas um povo. sem desprezar
nem humilhar os outros.
O patriotismo não deve degenerar numa cega idolatria
da própria pátria, nem intentar aniquilar outras nações ou
dominar o mundo: o patriota deve amar a sua raça, o seu
povo. sem desejar mal ou odiar os outros povos, pois todos
somos filhos do mesmo Pai que está no céu. O xalá fosse
maior o número dos que amam assim a pátria. Então não
haveria pactos iníquos de paz... Sim, a religião católica
ensina o verdadeiro patriotismo.
3.° É verdade que existe hoje um outro patriotismo
— um patriotismo grandíloquo, manifestando-se em palavras
ocas e vazias, em vivas e hurras. Este patriotismo é com­
pletamente estranho ao espírito do Catolicismo; não é este
48 JESUS CRISTO REI

amor pátrio o que nos ensina a Igreja... O amor pátrio


não é só o rufar dos tambores, o ondear de bandeiras ao
vento e gritos ensurdecedores de «vivas» até enrouquecer,
sem ser capaz do menor sacrifício no cumprimento monótono
dos deveres quotidianos e muito menos quando se exige
algum sacrificio heroico nos momentos críticos. Grandes
banquetes, discursos intermináveis, fogo de artifício e artigos
inflamados não farão progredir a causa da pátria. N ão:
o catolicismo não ensina tal patriotismo. Ensina porém
a trabalhar com perseverança, noite e dia, até cair exausto
de forças: sim, isto é o que ensina o Catolicismo. E não
é este o verdadeiro amor patriótico?
O catolicismo coloca-se ao lado dos homens e hoje em
dia, quando a honestidade e a honra decrescem de uma
maneira assombrosa, e quando titubeiam aqueles que
deviam permanecer firmes e enérgicos, ele diz-lhes: Homem,
meu irmão, sê honrado, não manches as tuas mãos nem a
tua alma. Diz-me, leitor amigo, não é isto verdadeiro
patriotismo?
O catolicismo aproxima-se dos cônjuges e hoje em dia,
quando um trabalho de sapa. tão inconsciente como cruel,
quer destruir os fundamentos da sociedade, a família, e nem
o Estado, nem as instituições mais sérias, nem as entidades
mais poderosas se sentem com forças para impedir os
divórcios, o catolicismo é o único que se atreve a gritar,
consciente da sua força: Homens, irmãos, não o permito,
não é lícito o divórcio: Cristo proibe-o, não desfaçais
os vossos lares! Dizei-me: — não é isto o mais belo
patriotismo?
O catolicismo clama aos pais de familia: hoje em dia.
quando o mundo moderno e frívolo esquece a estima d a
CRISTO. REI DA PÁTRIA TERRENA 49

sublime missão da paternidade e nem a legislação, nem as


medidas sociais, nem os gritos de alarme ante um porvir
angustioso da nação são capazes de pôr um dique aos
liorrores da limitação da natalidade, a religião católica é a
única que protege o santuário da familia contra a degra­
dação e o infanticídio. N ão é isto o verdadeiro patriotismo?
O catolicismo põe-se em contacto com a juventude,
unica esperança da pátria; e quando suas almas puras se
salpicam das imundícies satânicas nas ruas. nos cinemas,
nos teatros... e nem o Estado, nem a escola, nem a autori­
dade paterna podem preservá-la, a religião católica é a
única que eficazmente lhes abre os braços e lhes diz: Meus
filhos, guardai a pureza das vossas almas; que será da
pátria, se os pecados ocultos fazem empalidecer os vossos
rostos e dobrar os vossos corpos? Dizei-me: não é isto um
são patriotismo?
E nos dias de luta? E em tempo de guerra? Quando
é necessário defender a pátria atacada, quem é que então
dá firmeza aos espíritos?
Não serei eu a responder a esta pergunta.
Passou-se isto em 1914. As tropas húngaras acha­
vam-se estacionadas, havia várias semanas, em trincheiras
lamacentas, inundadas, na frente da Sérvia. C aía a chuva,
pertinaz, incessante... É uma das maiores provações na
Irente da batalha. Permanecer durante semanas nas trin­
cheiras sob uma chuva fria de Outono. Um soldado tirou
o seu terço e pouco depois todos os seus companheiros
de trincheira rezavam com ele. D a reza do terço tiravam
forças para resistirem e suportarem as intempéries do tempo.
Nunca esquecerei aquela fé comovedora que presenciei num
4
50 JESUS CRISTO REI

soldado gravemente ferido, quando, depois de uma dolorosa


amputação, agonizando no Hospital militar, me dizia:
«Padre, quem me dera morrer depressa para ir uer a Virgem
M aria!...»
Estes homens amavam a sua pátria, deram realmente
a César o que era de César.
Mas. nas palavras do soldado ferido, não brilha só o
amor heroico da pátria, mas revela-se-nos também a fonte
que alimentava o seu patriotismo.

II

Com isto chegamos ao segundo ponto desta questão


e que tem por objecto responder à pergunta: Em que se
funda o amor dos católicos à sua pátria? A resposta é
surpreendente. Funda-se precisamente na doutrina que.
à primeira vista, parece desfavorável ao patriotismo, a saber:
o católico, além d a pátria terrena, conhece outra pátria,
a pátria celestial e eterna.
|° palavras memoráveis de Cristo não dizem
somente: Dai a César o que é de César, mas também:
c a Deus o que é de Deus. Talvez muitos não tenham
reparado em que o amor à pátria celestial e eterna é o
melhor estímulo do patriotismo.
Ouvimos com frequência: o catolicismo fala sempre
do outro mundo: repete sem cessar: «salva a tua alma
e despreocupa-te do mundo terreno.»
Um exemplo. Tenho de retroceder muitos anos nas
minhas recordações. Quem foram os que em 1919 atrai-
CRISTO, REI DA PÁTRIA TERRENA 51

çoaram a nossa pátria ('), e a puseram a saque, a fogo e


sangue, e arvoraram o estandarte vermelho?
Precisamente aqueles que negavam e não faziam caso
da vida eterna, da pátria celestial. E quando naqueles dias
de luto. em que não era permitido ser húngaro, quando
estava proibido, sob pena de morte, a oração nacional,
onde havia coragem para cantar o hino da raça. o hino
húngaro? Só nas igrejas Católicas!
Quanto deve o patriotismo à religião católica, nunca
o vi com tanta clareza, como durante a minha viagem à
América. Em toda a parte pude certificar-me que a única
cidadela, o único baluarte dos húngaros naquelas terras,
era a igreja com a sua escola católica. Onde houver uma

0 Parece-nos oportuno copiar aqui uma nota exarada já noutros


livros de Mons. Tóth. Fazemo-lo, para comodidade daqueles leitores que
começam a ler as obras do ilustre professor da Hungria.
A República comunista da Hungria começou no dia 21 de Março
de 1919 e durou até ao primeiro de Agosto do mesmo ano em que o
almirante Horty se apoderou do Governo.
A revolução comunista transtornou toda a vida da nação. O poder foi
açambarcado a pouco e pouco pelos socialistas, de maneira que a rep ú b lica
d o p ov o não era senão uma rep ú b lica socialista.
Os socialistas uniram-se aos comunistas c bolebevistas vindos em tropel
da Rússia e todos juntos, de surpresa, estabeleceram a R ep ú b lic a soviética,
segundo o molde russo.
A história desta república podia-se escrever com letras de sangue, pois
é uma série de atrocidades e crimes sem interrupção. O povo húngaro
reagindo contra a força opressora, conseguiu libertar-se do jugo bolchevista.
O «reino de Santo Estcvão>, que durante séculos serviu de baluarte à
Europa cristã contra a invasão turca, adquiriu novos títulos à gratidão do
nosso continente, pondo dique, à custa de grandes sacrifidos. à avalanche
comunista vermelha que, ameaçadora, começava a sua marcha desde a Rússia.
— (N. d o trad. esp .).
52 ]ESUS CRISTO REI

freguesia organizada com a sua escola paroquial, ali a força


húngara poderá resistir às correntes estrangeiras.
...........................................................................................................0 )
Ali me foi dado conhecer em que grau e por que título
a religião católica é fonte viva do verdadeiro patriotismo.
Porque, quando um católico considera os deveres que tem
para com a pátria, ao mesmo tempo tem que resolver outra
questão: que há de fazer por sua alma; isto é, pensa como
há-de dar a César o que é de César, e a D eus o qu e é
d e D eus.
Assim o catolicismo é um grande valor patriótico, nao
só porque nos ensina a pagar a contribuição, mas porque
exige de nós também, o cumprirmos com Deus. Lembra-nos
as palavras do Senhor: Porque no denário está a imagem
de César, «dai a C ésar o qu e é d e C ésar»; inas também
porque em vossas almas está a imagem de Deus. respeitai-a
e «dai a D eus o que é d e D eus».
2 ° No Antigo Testamento. Salomão, termina o livro
do Eclesiastes com as seguintes palavras: <Escutai o fim
e o resumo deste discurso: T em ei a D eus e observai os
seus m andam entos, porqu e isto é todo o hom em . E lem ­
brem o-nos qu e D eus nos pedirá contas de tudo o que
houverm os feito, seja bom ou seja m au » (2). Nem outra
coisa ensina o S ao dizer: «Dai a D eus o qu e e de
e n h o r

D eus.» A s vaidades passam. Nada há que possa dar-nos


uma felicidade perfeita, a não ser a consciência recta. a

(’ ) Aqui Mons. Tiiiamcr Tóth expõe impressões <la sua estadia entre
os húngaros que viviam na Amírica do Norte. (Nota do trad. português).
(*) Eclesiastes. xii, 13-14.
CRISTO, REI DA PÁTRIA TERRENA 53

convicção de que a nossa alma está em ordem e podemos


suportar tranquilos o olhar de Deus.
Toda a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo está
cheia deste pensamento: « Salva a tua alm al»
Nenhuma das suas palavras ou actos tinha outra fina­
lidade que não fosse inculcar e gravar em nossos corações
este grande pensamento: Tens uma só alma, uma alma
etem a. Se a salvas para a eternidade, tudo está salvo;
mas, se a perdes, de que te servirá ganhar o mundo inteiro?
Dai a Deus o que é de Dens. Tudo o que temos é seu:
tudo. portanto, lhe devemos dar.
Todos conhecem a alegoria do «Livro da vida» onde
se escrevem todas as nossas acções para serem julgadas
no juizo final. £ uma alegoria, mas com um sentido pro­
fundo. que nos diz que no céu há uma misteriosa con­
tabilidade. Deus empresta-nos um capital (propriedades
corporais e espirituais) e um dia exigirá a devolução do
capital mas com os juros.
Em que dia? Não sei, não depende de mim. Nem
importa onde tenha vivido, nem quanto tempo tenha vivido,
nem se ocupei uma situação importante ou modesta. Tudo
isso importa pouco.
A única coisa importante é se dei a Deus o que é
de Deus. O indispensável não é ter feito durante a vida
alguma coisa grande, que chame a atenção, mas ter tra­
balhado conscienciosamente.
Facilmente se compreenderá, o caudal de forças que
brota desta ideia, para cumprir as mil pequenas obrigações
de cada dia.
E esta obediência quotidiana ao dever muitas vezes é
mais dificil que o martírio, que dura um instante; a vida
I

54 JESUS CRISTO REI

heroica e perseverante no meio da miséria e das provas,


é mais difícil que a morte nas trincheiras.
3.® Sim, a nossa religião fala constantemente da vida
eterna, da outra pátria; mas devemos reconhecer que. para
inculcar o amor à pátria terrena, não há pensamento melhor
que este: chegará a hora em que Deus exigirá a devolução
de quanto tenho, de tudo o que me deu; da minha própria
pessoa e de todas aquelas com quem me relacionei durante
a vida.
A minha própria pessoa. Antes de nascer, vivia, como
pensamento puro e luminoso, na mente de Deus. Ele
criou-me. Incumbe-me a obrigação de polir e aperfeiçoar,
dia após dia. em mim, o pensamento de Deus.
Também me pedirá contas das pessoas com quem me
relacionei. Não posso passar junto do meu próximo sem
que ele receba de mim. ou eu receba dele. uma impressão.
Deus toma todos os homens ao seu serviço. Confiou aos
Apóstolos a fundação da sua Igreja: aos mártires, o darem
o exemplo do heroísmo: aos sábios e doutores, a luta contra
as falsas doutrinas. Com Santo Estêvão quis converter
os húngaros: com S . Francisco de Assis dar o exemplo
de pobreza...
E comigo?
Comigo, tem o plano de formar uma alm a... cheia de
sol! Que trevas. que desespero à minha volta! Se pratico
o bem no pequeno círculo dos que me rodeiam, darei a
Deus o que é de Deus. E cbegará o dia em que Deus
me há-de perguntar: Quanta luz dispendeste para iluminar
as trevas? Quanto sal espalhaste para preservar da cor­
rupção? Quanto bálsamo derramaste para suavizar as dores
das chagas?
CRISTO. REI DA PÁTRIA TERRESA 55

Façamos um pequeno exame de consciência: Meu


Deus, dei-Vos. até ao presente o que é Vosso? Talvez os
meus cabelos comecem a encanecer, anunciando o outono
da vida, e no outono o vento arranca e leva as folhas das
árvores. Quando chegar a hora em que o vento me arranque
da árvore da existência, como me apresentarei diante de
Deus? Dei a Deus tudo o que era Seu? Reflicto sobre
o passado: quanto corro, quanto sofro, quanto suo!...
E porquê? Quanto trabalho para ganhar o pão de cada
dia, para gozar, para amontoar riquezas! E preocupei-m e
sèriam ente com a m inha pobre alm a?
Dei ao estômago o que ele reclamava, ao corpo o que
ele necessitava, e talvez mais... mas, dei a Deus o que era
de Deus? Tenho tempo para tudo: diversões, sociedade,
conversas... e para minha alma... não terei pelo menos
meia hora?
Talvez tenha vivido assim até hoje!...
E como será daqui para o futuro?

*
* $

Tal é o modo de pensar da nossa santa religião a


respeito do amor à Pátria terrena. Aparentemente não se
fala muitas vezes dele, mas penetrando o fundo da questão,
vemos que religiosidade e patriotismo, verdadeiro amor à
religião e verdadeiro amor à pátria, coração católico e
coração patriota... não são incompatíveis. Não só não se
opõem, mas somos obrigados a confessar que as maiores
bên çãos para o E stado brotam d a religião católica, a qu al
considera importantes as obrigações para com a pátria, ao
pregar as obrigações para com D eus.
56 JESUS CRISTO REI

Não há poder, nem instituição, nem sociedade, nem


qualquer outra religião que possa ostentar uma tão grande
lista de serviços prestados à pátria terrena como o cato­
licismo.
Numa das peregrinações do Ano Santo de 1925. numa
manhã de Outubro, junto do túmulo de S. Pedro, senti a
força desta verdade... Algumas centenas de companheiros
húngaros, saímos juntos do Vaticano da audiência papal;
e comentando, depois, algumas particularidades daquela
magnífica recepção, dispersámo-nos pela cidade eterna...
Quis ainda contemplar por alguns momentos a basílica
de S. Pedro.
Ao pisar os umbrais, ouvi ao longe, vindo do interior
da basílica do túmulo do principe dos Apóstolos, um
cântico, que me comoveu profundamente. Como que fora
de mim, de comoção, paro, e... será verdade? ou será ilusão
minha? Os meus compatriotas tinham dispersado por toda
a cidade, e ninguém entrara para dentro da Basílica. Quem
seriam, pois. aqueles, que cantavam junto do túmulo de
S. Pedro o hino nacional húngaro: — «...qu e me bendiga
ou me açoite a mão do destino, aqui eu hei-de viver e
morrer...» (’)
Apressando o passo, corro para o grupo. Sabeis quem
eram ?
Eram peregrinos da Hungria do Sul. que nos fora
arrebatada depois da grande guerra, e que na pátria, não
podiam expressar a sua dor, mas aqui, em Roma, no extração
da Igreja Católica, nossa Mãe, davam rédea solta à sua dor:

O Frase do hino húngaro. (N ota do trad. esp.).


CRISTO. REI DA PÁTRIA TERRENA 57

«que me bendiga ou me açoite a mão do destino, aqui


bei-de viver e morrer.»
Responde-me, agora, leitor:
Não pode o católico ser bom patriota?
Quem se prepara para a pátria eterna, não pode amar
a pátria terrena?
Se dou a Deus o que é de Deus, não posso também
dar à pátria o que é da pátria?
Sabeis quem era D O C
a n ie l ?
o n n e lO maior patriota
irlandês, e ao mesmo tempo um dos mais fervorosos filhos
da Igreja Católica. Ele escreveu no seu testamento: «Deixo
o meu corpo à Irlanda, o meu coração a Roma. e a minha
alma a Deus.»
Todos os patriotas católicos deviam escrever também:
Deixo o meu corpo à pátria, o meu coração à santa Igreja
católica romana, e a minha alma a*Deus.
C A PÍTU LO V

C risto, R ei cia P átria E terna

\ f ° capítulo anterior vimos que Cristo é Rei d a pátria


Lx \ terrena. Vamos estudar agora outro aspecto da
questão: Cristo é Rei da Pátria Eterna. Se antes consi­
derámos a obrigação que nos incumbe para com a pátria
terrena, estudemos agora as coisas eternas, a pátria
imperecível.
Falar da vida eterna é nossa obrigação, tanto maior
quanto mais claro aparece que na árvore da nossa santa
religião, ao lado de flores magníficas que anunciam frutos
ubérrimos, bá também rebentos franzinos e doentios e até
ramos quase a secarem.
Alguém dividiu os católicos em três categorias:
C.alólicos baptizados que, embora se chamem católicos,
porque foram baptizados, levam uma vida, em que nada
se vê de cristianismo. São ramos secos na árvore da Igreja.
Católicos domingueiros que se vestem melhor ao
domingo, vão com o seu devocionário à missa; mas, ao
chegar a casa, despem o fato domingueiro e guardam o
devocionário, e durante a semana a sua conduta é tal.
que ninguém suspeitará que aos domingos também são
católicos. São os rebentos franzinos e doentios. Mas, graças
a Deus, bá um terceiro grupo:
60 JESUS CRISTO REI

C atólicos d e todos os dias, que não só frequentam a


Igreja, mas também fora da Igreja e durante a semana são
católicos, isto é, ordenam tod a a sua vida conforme a
vontade de Deus.
Se olharmos à nossa volta e perguntarmos — porque
não somos mais fortes?... a resposta só pode ser: porque,
entre nós, são pou cos os católicos d e todos os dias, os
católicos cujos dias de trabalho estejam impregnados do
ambiente do catolicismo dominical; cujas almas, também
nos dias de trabalho, se alimentem do espírito religioso que
confessam aos domingos na igreja: que pela manhã se
preparam com a oração para os trabalhos e para vencer
os perigos e tentações do novo dia, e que à noite se entregam
ao descanso com este pensamento: — Meu Deus, procurei
hoje passar o dia santamente, cumprindo a vossa vontade:
Senhor, estais por certo contente comigo, não é verdade?
N osso S en hor Jesus Cristo, R.ei d a pátria elem a,
ensina-nos e exige-nos esta vida verdadeiram ente católica.

Porque será que entre nós há tão poucos católicos,


que impregnem de religião todos os dias e todos os actos
da sua vida quotidiana? É que não consideramos a vida
eterna como a consideraram os santos. Não sabemos ver a
Deus. a vida eterna com os olhos dos Santos: não temos
a religiosidade destes grandes mestres d a vida. Quando
nos sentimos esmagados pela dor, não sabemos levantar
os olhos ao céu. como o fez o protomártir Santo listcvão
CRISTO. REI DA PÁTRIA ETERNA 61

de que lemos: «Levantando os olhos ao céu viu a glória


de Deus, e Jesus, d e pé, à direita de seu pai.» (')
Os Santos eram homens como nós; tinham um corpo
como o nosso, e encontravam em seu caminho os mesmos
obstáculos; sentiam as dificuldades e oposições que nós
sentimos, as mesmas tentações e tinham os mesmos recursos.
Mas num ponto diferiam de nós extraordinariamente:
eram homens de oração e meditavam continuamente estas
três verdades: Quem é Deus? Q ual o fim desta vida
terrena? O que é a vida eterna? Quando sentiam o peso
da vida, «levantavam os olhos ao céu e viam a glória de
Deus e Jesus, de pé. à direita de seu Pai». Se caimos tão
facilmente, é que os nossos pensamentos acerca de Deus,
da vida terrena e da vida eterna são muito diferentes dos
pensamentos dos santos.
l.° Q ue ideia fazemos nós de Deus? Muitos, ainda
que o não confessem, pensam desta maneira: Deus é um
ser grande, majestoso, que está sentado em seu trono. lá
muito longe, a quem rendemos culto nos domingos e dias
santos. Mas depois, na oficina, no escritório, na vida íntima,
quem pensa em Deus? Na sociedade, no lar, na famlia.
quem fala hoje em Deus?
Ah! os santos não pensavam assim. Deus está longe?
Não; ele está no meio de nós e em toda a parte. A qualquer
ponto que me dirija «nele vivo. nele me movo e nele existo».
Não posso fugir nunca da sua presença.
Nós. se nos sentimos embaraçados pelos obstáculos
e dificuldades, esmorecemos e talvez murmuremos: «Meu(*)

(*) Acfos d os A p óstolos, \n . 55.


62 ]ESUS CRISTO REI

Deus, mereci ser tratado assim? Porque me castigais?»


E talvez chegue a esfriar-se o nosso amor a Deus. E os
Santos? Os Santos viam em tudo a vontade de Deus.
Nós revoltamo-nos quando nos fere a doença ou a
desgraça. E os Santos? Beijavam a mão que os castigava.
«Senhor, batei, castigai, queimai agora, mas poupai-me na
eternidade» (S. A ).
g o s t in h o

Nós queixamo-nos: «Que aborrecido é este doente!


Que insuportável é este homem!» E os Santos diziam:
«Este homem é irmão de Cristo, e o que fizer por ele.
faço-o ao mesmo Cristo.» E beijavam as chagas abertas
do enfermo.
Quão diferentes são os nossos pensamentos dos dos
Santos acerca de Deus!
2.° Que ideia fazemos nós da vida terrena? Q ue
significa a vida para nós?
Para muitos homens, esta vida não é outra coisa senão
o correr atrás dos prazeres pecaminosos. Que nos diz a
consciência?
Para outros, é simplesmente a soma de muitos dias,
e passam a metade, sonhando: «que bem estava eu antes...»,
e a outra metade, tremendo: «que será de mim no futuro?»
E há quem diga «que a vida é um penar contínuo, em
busca de um pouco de comodidade; é isto e nada mais».
Razão tinha aquele doente, de idade avançada, a quem
o médico aconselhava um tratamento custoso. «Doutor, que
esquisito é o homem, na juventude dá a saúde pelo dinheiro
e na velhice dá o dinheiro pela saúde».
Nunca estamos satisfeitos, julgamos sempre que a sorte
dos outros é melhor que a nossa. Faz lembrar aquela lenda
do pedreiro chinês.
CRISTO. REI DA PÁTRIA ETERNA 65

Passava todo o dia aborrecido a picar pedra e a cismar


sobre a monotonia da existência, quando adergou de passar
por ali com grande acompanhamento o imperador. Ia sen­
tado no dorso dum elefante gigantesco, sob um docel de
oiro; cintilavam inúmeras pedras preciosas, engastadas na
coroa imperial: faziam parte do séquito um exército de
ministros, soldados e cortesãos.
O pedreiro, ao ver tanta magnificência, deixou escapar
um suspiro exclamando: «Oh! se eu pudesse ser imperador!»
De repente, transformou-se em imperador. Agora era
ele que estava sentado debaixo de um docel de oiro; era
senhor de milhões de homens e, a um gesto seu, incli­
navam-se até à terra os seus ministros e os chefes de seus
exércitos.
Mas o sol dardejava raios ardentes sobre a terra e o
imperador não cessava de limpar o suor da testa. Pôs-se
mal humorado, ao ver que o sol era mais poderoso que ele.
E num acesso de raiva exclamou:
— Quero ser sol!
No mesmo instante ficou transformado em sol. E ei-lo
campante na abóbada celeste, despedindo tal calor, que
os homens e os animais mal podiam respirar... e a terra
ficava ressequida e a erva queimava-se. E o sol ria-se!
Mas. subitamente, uma densa nuvem coloca-se na sua
frente. Em vão se desfazia em calor para atravessar com
seus raios a espessa nuvem, e enfurecido vociferava:
— Quero ser nuvem!
E converteu-se em nuvem. Zangado e furibundo des­
pejou. a cântaros, a chuva sobre a terra: os arroios e os
rios cresceram, transbordaram, arrastando casas, afogando
64 JESUS CRISTO REI

os homens, mas... um grande penedo permaneceu imóvel


a desaíiá-lo. Em coniorsões de ira a nuvem exclamou:
— O quê? Este rochedo ousa obstruir o meu caminho?
Quero ser rochedo!
E ei-lo feito rochedo. Estava contente. Ufano com a
sua sorte, erguia-se orgulhoso sem temor do ardor do sol
nem da chuva das nuvens. Um dia porém, chegou um
homem e cravou um agudo pico no corpo do penedo.
— Ai! que é isto? — gritou o rochedo. Este pedreiro
é mais podoroso do que eu? Quero ser pedreiro!
E ei-lo de novo feito pedreiro. E viveu daí por diante
contente com a sua sorte.
Também nós passamos assim a vida a queixar-nos.
E não era assim que os Santos pensavam.
Para eles a vida era um d ever im enso que cumpriam,
dia após dia. Eles encaravam a vida como um vestido
imaculado com que os cobrira o Pai celeste, dizendo-lhes:
«Meu filho, conserva sem mancha, esse vestido, que me
hás-de devolver depois da morte.»
Para eles a vida era uma grande arca d e tesoiros que
recebem todos os homens ao nascerem e que todos devem
ir enchendo até à morte.
Há quem a enche de coisas inúteis que se enferrujam
e que são comidas pela traça. Os santos encheram-na de
tesoiros imperecíveis. Eles não sonhavam com o «passado»
nem temiam o «futuro». Para eles não havia mais que uma
coisa importante: hoje, nesta hora, neste momento, com o
posso cumprir a vontade d e D eus? C om o me tom arei cada
vez mais m erecedor d a vida eterna?
A vida etema! E com isto chegamos à terceira questão
importante e decisiva, de que depende tudo.
CRISTO. REI DA PÁTRIA ETERNA 65

3.° Que ideia faço d a vida eterna? E do reino do céu?


A) Sabemos que ideia do Céu faziam os Apóstolos.
Quando S . Pedro foi crucificado com a cabeça para baixo,
donde Ibe vinha a força para o martírio? E Santo André
quando abraçava alegremente a cruz, quem o animava?
E S . Paulo quando inclinava a cabeça diante do verdugo,
de quem recebeu a força para dar a sua vida? D a vida
eterna. Eles viam a Cristo. Rei imortal da Pátria eterna,
de pé, à direita de seu Pai.
B) Sabemos também o que pensavam os Mártires
do reino dos céus. Feras famintas rugiam à sua volta e eles,
desprezando a sua ferocidade, concentravam o seu espírito
nas doces harmonias dos cânticos celestiais. Tigres e leões
açulados pelo público, ébrio de sangue, dos circos romanos,
dilaceravam seus corpos no anfiteatro, e eles. estáticos,
contemplavam os céus abertos e Cristo, o Rei da pátria
eterna, à direita de seu Pai.
C ) O que pensavam todos os Santos acerca do céu.
nós o sabemos. Contemplavam-no com frequência, e sus­
peito que deviam compreendê-lo como alguma coisa admi­
ravelmente formosa, porque diziam: «Que feia é a terra
quando contemplo o céu!» Que viam eles nesta con­
templação?— Viam-se a si mesmos, que aqui na terra
tinham de passar por muitos sofrimentos, e que ali tudo
acabaria; viam as inúmeras tribulações passadas, que lhes
alcançaram tão merecido galardão. Aqui, lágrimas, suores,
lutas... ali, pedras preciosas engastadas na coroa eterna.
Sim, com tal perspectiva vale bem a pena sofrer
D ) E que penso eu acerca do céu?
Todos os dias rezamos: «Creio na vida etema.» É um
artigo da nossa fé. do nosso Credo. Mas como o profes-
5
66 IESUS CRISTO REI

samos? Só com a boca ou também com a vicia... con­


sequente? Não seremos daqueles que dizem: «Sim. pode
ser... mas quem sabe se baverá alguma coisa depois da
morte?...» O soldado da anedota perdeu a fé e pôs-se
a rezar sob uma chuva de balas, dizendo: — «Meu Deus
(se é que Deus existe) salvai a minba alma (se é que existe
a alma), para que não caia no inferno (se é que bá inferno),
mas que me salve e vá para o céu (se acaso existe o céu).»
Será a nossa fé mais sólida que a deste pobre soldado?
Cremos firmemente, que bá uma vida ele m a e qu e vivemos
etem am en te?
Talvez alguém objecte: «No túmulo tudo apodrece
e fica reduzido a pó e como pode sair dali a vida?»
__Poderia dizer o mesmo o grão de trigo lançado à terra
no outono: «À minba volta só vejo podridão, lama. gelo...
como poderá aparecer aqui a vida?» E contudo aparecerá
a vida. D aqu ele grão qu e apodrece germ inará vigorosa, na
primavera, uma haste pujante d e vida qu e produzira outros

9 Talvez me digam: No túmulo está tudo tão imóvel


e inerte! Como pode dali brotar a vida? A mesma reflexão
poderia fazer o bicho da seda quando se encerra no seu
casulo onde fica como morto no seu ataúde durante algumas
semanas. Mas. depois, qu e lin da bo rb oleta de mil cores
sai d a crisálida, qu an do parece morta!
A minba volta tudo cai. tudo perece... não obstante,
eu direi: h á uma vida eterna!
Enterraram meu pai, a loisa sepulcral caiu sobre o
túmulo onde jaz minba esposa e não obstante sei eu dizer:
h á uma vida eterna!?
CRISTO. REI DA PÁTRIA ETERKA 67

Assalta-me a tentação e, prestes a cair no pecado,


animo-me confessando que h á uma vida eterna?
As desgraças quase me oprimem com o seu peso
enorme... Sei consolar-me com a fé na vida eterna?
Se não houvesse «mais além»... então o mundo estaria
louco, não haveria honradez, estaria o caminho aberto à
falsidade, à mentira, ao roubo, à libertinagem, à corrupção.
Mais ainda. Se não há vida eterna, então Deus é
cruel, então não há Deus, porque não é possível que nos
tenha criado para viver uma vida miserável, unicamente
para esta vida terrena.
Não vos escandalizeis, se falo assim. Não falou doutra
maneira S. Paulo, quando disse: «De qu e me serve ter
com batido em Ê feso contra anim ais ferozes, se não ressus­
citam os mortos? E ntão com am os e bebam os visto que
am an hã morreremos.» f 1)
Recordemos outra vez a lição que nos dão os santos:
para eles, a verdadeira vida era a vida eterna e a vida
presente não era mais que uma sombra. Para eles. a vida
eterna era um livro imenso, de que a presente vida era o
prefácio, a introdução.
Para eles a vida eterna, era a pátria verdadeira, e a
vida na terra, um «vale de lágrimas».
Alegravam-se também eles com os raios do sol; escuta­
vam e deliciavam-se com o trinado das avezinhas; lutavam
para cumprir o seu dever. Para o cumprirem tão heroica­
mente como o faziam, tiravam forças do pensam ento d a
vida eterna, tinham nostalgia do céu. A nostalgia do céu

(') Carla / aos C orin tios, XV, 52.


68 JESUS CRISTO REI

compele a praticarmos verdadeiros heroísmos. Esta nostalgia


Faz-nos esquecer as lágrimas e juntar as mãos na oração,
para vencermos os ímpetos da cólera, perdoando aos ini­
migos. Só assim podemos nós sorrir no meio dos sofri­
mentos; sabemos que todas as nossas lágrimas caem nas
mãos de Deus.
Estejamos certos que. por maiores que sejam as tri­
bulações. por mais sombrio que se nos mostre o céu, a luz
da vida eterna penetra através da mais escura cerração.
4 .° Há um pensamento que pode ajudar-nos muito:
O n de estaremos d aqu i a cinquenta anos? Em casa? Não
aqui. com certeza, em tal cidade ou aldeia, mas na pátria
eterna. O xalá que, eu. e vós que me ledes, vejamos cum­
pridos os nossos anelos; então recordarei, com o um sonho.
a vida terrena. For mais difícil ou alegre que tenha sido.
não será mais que um sonho. O h ! como me lembrarei de
tal e tal coisa: parecia-me que nunca me poderia separar
dela... e agora vejo que era uma ninharia, uma loucura.
Sofri tanto, padeci tanto e agora vejo quão vantajoso era.
ter sofrido e padecido ainda mais por amor de Deus.
Quão diferentemente apreciaremos na eternidade, a
vida presente!
Que foste na terra? M inistro? Então o que mais
estimarás não será o teres elaborado projectos legislativos
brilhantes, mas o teres dado esmola ao pobrezinho que ta
pedia em nome de Cristo, quando ias a caminho do
Parlamento.
E tu. que foste? Professor? Então o que te alegrará,
não será a fama mundial dos teus livros, nem as tuas sabias
lições, mas o teres enobrecido e formado para a virtude,
a alma dos alunos, que te confiaram.
CRISTO. REI DA PÁTRIA ETERNA 69

E tu. que foste? Operário? Não te orgulharás da


perfeição das máquinas que fabricaste, mas de teres sido
fiel a Deus no meio de um mundo corrompido.
E tu. que foste? Mãe de família? O que então dará
verdadeira alegria, consolação e alegria, não serão tanto as
reuniões sociais, quanto o teres ensinado aos filhinhos a
erguerem as mãos e a rezarem as orações da manhã e da
noite...
Então dirás com assombro: Meu Deus, como me deixei
prender com tanta ninharia! Porque não interrompi aquela
conversa licenciosa? Quantas almas teria podido salvar
e santificar! Porque fui tão cobarde? Porque dei livre
curso aos maus desejos? Porque não me venci e mortifiquei
para levar uma vida mais virtuosa e me deixei prender com
tantas palavras vãs e ocas?
Então já nada se poderá fazer; será tarde para qualquer
arrependimento do passado.
5.° O que não se poderá fazer então pode-se fazer
agora; é tempo ainda para aprendermos esta grande
verdade: Consagremos ao serviço de Deus toda a nossa
vida. todas as nossas obras.
Todos temos em abundância trabalhos e sofrimentos.
Uns rangem os dentes de raiva e revoltam-se; outros trans­
formam suas penas e suas lágrimas em valores eternos.
A vida é para todos um martírio. O homem que sofre
revoltado, é um mártir sem fé, de nada lhe valem os sofri­
mentos. Aquele porém que. no meio dos seus tormentos,
levanta os olhos aos céus, como os mártires do primitivo
cristianismo, vêem o céu aberto, e a Jesus à direita de
seu Pai.
70 IESUS CRISTO REI

Todo o homem que sofre sem alivio, é mártir; mas não


terá mérito algum por sofrer revoltado, rangendo os dentes
e cerrando os punhos. Se porém sofrer como os primeiros
cristãos, com seus sofrimentos pode conquistar uma coroa
eterna.
O s mártires foram assassinados, apedrejados, supli­
ciados. 1'oram vencidos? Nunca; foram sempre vencedores,
sofrendo indizíveis tormentos, é certo, mas isso pouco
importa.
Venceram ..., isso é o principal!
C hegaram à pátria..., isso é o que imporia. Vivem
agora com o Pai celeste, com Cristo Rei!
Também nós devemos permanecer firmes como colunas,
no meio deste mundo perverso. Uma coluna não deve
vacilar. Devemos erguer-nos como rocha granítica para
resistir à corrente furiosa do pecado. A rocha é sempre
imóvel. Sofreremos? Sim, é possível. Lutaremos? Sim.
é possível. Cairemos? Não, não havemos de cair.
Cristo Rei é o Rei da vida eterna e nós somos seus
herdeiros. Temos de ser católicos de todos os dias, que
nunca esquecemos, sejam quais forem as circunstâncias,
que Deus nos criou para a vida eterna e ali nos espera...
contanto que perseveremos. Ânimo, coragem, trabalhemos
enquanto é dia, antes que se ponha o sol atrás das mon­
tanhas.
Uma vez posto, tudo acabou.
Tudo acabou? Vem o chefe dos bastires e enterra-nos.
O chefe dos bastires. Aludo a um conto comovedor
de um escritor russo, que vou contar.
CRISTO. REI DA PÁTRIA ETERNA 71

11
Um camponês vivia feliz no seu país longínquo: não
era rico, mas tinha o necessário para viver contente. Em
mau dia chegou-lhe às mãos um jornal maldito. Soube
pela gazeta que na terra dos baskires havia imensos terri­
tórios incultos e que era costume, se alguém, de manhã
cedo. depusesse aos pés do chefe da tribo uma gorra cheia
de rublos em oiro. podia apoderar-se da porção de terra
a que pudesse dar a volta, até ao pôr do sol.
O nosso homem não descansou mais, parecia que tinha
fogo nos pés. Vendeu quanto tinha e conseguiu reunir
precisamente o oiro de que carecia para encher a gorra.
Depois de longa viagem, chegou à terra dos baskires.
O chefe ratificou a promessa e até deu bons conselhos
ao camponês: «Antes do sol posto hás-de estar de novo
aqui. nesta colina, donde vais começar agora a caminhada.
Tem cuidado, porque se chegas, ainda que seja um minuto
mais tarde, perderás tudo, oiro e terra.»
Na madrugada do dia seguinte, parte o camponês
cheio de bom humor, todo contente. «Que belo pedaço de
terra! Amanbã será minha!» E este pensamento dava-lhe
novo alento para estugar o passo. «Que lindo trigo colherei
aqui!... E aquele bosque magnifico! O h! não me faltará
lenha e madeira, também vou dar a volta por lá ... Que
excelente prado! Vou também delimitá-lo, há-de ser meu!»
E o homem caminhava... caminhava. Bateu meio-dia.
Talvez fosse bom voltar. «O h! por enquanto não. um pouco
mais longe, há uma linda porção de terra que não posso
deixar, e depois voltarei mais depressa».
72 JESUS CRISTO R B

Mas aquela porção de terra era maior do que ele


cuidava: «Não importa! Correrei mais na volta.»
Por fim. conseguiu contomá-la e, todo satisfeito,
empreendeu o cam infio do regresso, e apercebeu-se que
o sol se aproximara do horizonte.
«Tenho que andar um pouco depressa», diz, e pare­
cia- lhe que os baskires e seu chefe lhe faziam sinal de
longe: mas a colina estava ainda tão longe, tão longe, e
além disso tinha que subir uma encosta. Até ali era a
descer, e era tão fácil! e agora tem que ir a subir! e é tão
penoso subir! Estende os braços e começa a subir, encosta
acima. O sol desce com uma rapidez inquietante. «O h!
se eu chegasse a tempo!» Do alto da colina fazem-lhe sinal,
já ouve vozes. O coração bate fortemente, os pulmões parece
que rebentam, não pode respirar, corre, corre a toda a brida.
«Ai! talvez tudo esteja perdido /» O sol começa a desa­
parecer no horizonte. O s olhos do camponês nublam-se e
acode-lhe à mente este pensamento angustioso: «Terra,
dinheiro, trabalho, irida, tudo, tudo está perdido. Tudo foi
inútil!» Concentra todas as suas forças, agarra-se à erva,
cambaleia, cai, levanta-se; vê apenas um ponto impercep-
tível do sol que desaparece e o seu último raio cai pre­
cisamente na gorra... cintila o oiro... oh! não, não há-de
perder-se... faltam só vinte metros... dez... cinco apenas...
e o sol desaparece. Então o camponês cambaleia, cai ful­
minado. os olhos injectados de sangue, algumas convul­
sões... e morre.
O Chefe ordena a um dos seus criados: — «Faz uma
cova com dois metros de comprimento e um de profundi­
dade. basta esta terra para um homem.»
Sim, pouca terra basta para um homem!
CRISTO. REI DA PATR1A ETERNA 75

*
* *

E nós corremos, atropelamo-nos, sofremos e cansamo­


-nos, e o sol vai descen do, d escen d o...
Não o esqueçamos: antes .d e pôr-se o sol, devem os
chegar ao lugar don d e partim os no princípio d a nossa vida,
devem os chegar à p átria... à casa d o nosso P ai.
CAPÍTULO VI
C risto, Rei d a Igreja
/ /t é aqui tratámos da doutrina sobre Cristo-Rei em
C / U geral, e vimos que Ele é Rei, não só da Pátria
terrena, mas também da Pátria eterna. Agora vamos entrar
em pormenores, e veremos que Cristo é Rei da Igreja, do
sacerdócio, da juventude, da família, da mulher, da minha
própria pessoa, dos Confessores da fé, e de todos os que
sofrem. Estes pontos servirão de tema a outros tantos
capítulos, e quando os houvermos estudado, reconhece­
remos o valor que tem para nós a ideia sublime da realeza
de Cristo.
O tema deste capítulo será portanto: Cristo é R ei da
Igreja.
A Igreja Católica! O mundo viu já muitas coisas
sublimes, mas nenhuma tão sublime como esta.
Viu os faraós edificarem as pirâmides do Egipto, Ciro
fundar um imenso império, Alexandre Magno passar triun­
fante pela Asia, Carlos Magno criar o império dos francos,
viu partir milhares de cruzados com o coração inflamado
para conquistarem na terra santa o sepulcro do Senhor,
viu as magníficas e assombrosas descobertas e invenções
da época presente... mas instituição tão sublime como a
Igreja Católica, jamais a viu o mundo.
76 JESUS CRISTO REI

A Igreja Católica! Quanto falam de ti... os outros!


Se eles falam, também nós bavemos de falar de ti.
uma vez ao menos. Igreja Católica! Numerosos são os
teus filbos pelo baptismo, mas não são tantos os que sentem
plen a consciência e orgulho na distinção que supõe o cha­
marem-se católicos. Igreja Católica! Quantas censuras e
injúrias suportas pacientemente dos incrédulos e até dos
teus próprios filhos!
Estudemos atentamente esta questão: Será justo cen­
surar acrimoniosamente a Igreja? O u antes devemos afir­
mar e defender que a Igreja Católica tão caluniada e
perseguida é o mais precioso património que nos deixou o
nosso divino Salvador?

QUE É A IG R E JA C A T Ó L IC A ?

Eis como responde o catecismo: «É a sociedade dos


fiéis, cuja cabeça é Jesus Cristo, e o Papa seu Vigário na
terra.»
Que fim pretendia Nosso Senhor, ao confiar a prega­
ção da sua doutrina a uma instituição especial?
Nosso Senhor Jesus Cristo não havia de ficar sempre
na terra: ensinou-nos como havíamos de adorar a Deus;
mas conhecia muito bem a nossa natureza; sabia que
depressa e com facilidade esquecemos e adulteramos a ver­
dade. Quis. portanto, que houvesse alguém que não se
enganasse e que salvaguardasse a sua doutrina, que ao
mesmo tempo tivesse a coragem de erguer a sua voz. pro­
testasse, castigasse e permanecesse inflexível. Foi para isso
que Ele fundou a sua Igreja.
CRISTO. REI DA IGREIA 77

Há dois mil anos que a Igreja Católica prega a dou­


trina de Cristo. Quantas coisas, desde então não suce­
deram no cenário do mundo! Quantos povos, quantas
dinastias desapareceram!
A cruz porém fica sempre erguida, *slat crux» e
erguida continuará, porque necessitamos da obra de Cristo
até ao fim do mundo.
Eu sou membro desta Igreja. Há quem se glorie da
sua árvore genealógica de alguns séculos... e eu? A minha
árvore genealógica remonta a dois mil anos... Amo a
Igreja. Sinto orgulho em amá-la e em ser seu filho.
Mas. donde me vem este meu justo orgulho?

II

POR QUE AMO A I G R E JA ?

l.° Mesmo do ponto de vista meramente humano,


lemos motivos suficientes de nos orgulharmos d a Igreja
Católica.
Onde encontraremos uma instituição que tenha legado
à humanidade tão valiosos tesoiros culturais, como a Igreja
Católica?
Ela conseguiu, no espaço de mil anos, fazer florescer
entre povos privados de civilização, uma esplêndida cultura
artistica, científica e económica. Ela salvou para a poste­
ridade. os valores da cultura antiga, prestes a perecerem
na invasão dos bárbaros. A rica e admirável cultura do
Renascimento não era senão floração da educação espiri­
tual exercida durante longos séculos pela Igreja...
78 IESUS CRISTO REI

Só quem conheça o carácter instintivo, sem freio e


rebelde dos povos selvagens, que a Igreja civilizou, poderá
compreender devidamente a importância da sua obra civili-
zadora. O trabalho sobre-humano dos monges desbastando
as matas virgens, ensinando a cultivar a terra, transfor­
mando em paises habitáveis, regiões abandonadas, fundando
escolas, educando os indigenas! A Igreja Católica con­
quistou tantos méritos no campo da civilização, que, com
razão, hoje se lhe chama simplesmente «civilização cristã».
2.° E não é este o único titulo do nosso orgulho, do
nosso amor. Não a amamos únicamente por ter propagado
a civilização e continuar a propagá-la, nem por fomentar
um progresso material perecível, mas por ser a pioneira
d a ed u cação espiritual, criadora d e valores eternos.
Todos sabem que no homem há duas vidas: uma
corporal e outra espiritual. A vida corporal recebemo-la
de nossos pais mas a vida espiritual recebemo-la de outra
mãe. Como se chama esta segunda mãe? — A Igreja
Católica!
Esta Mãe tem por Esposo a Jesus Cristo, e d Ele
recebeu o encargo de cuidar da vida sobrenatural da graça
na alma de seus filhos e conduzi-los à pátria verdadeira,
onde reina o nosso amável Salvador!
Poucos dias tínhamos de vida, quando nossa boa mãe,
pressurosa e solícita pela salvação da nossa alma, nos
tomou em seus braços e no sacramento do Baptismo, gravou
nela indelèvelmente o título de posse, que de nós tomava
Cristo: infundiu em nosso espírito a vida sobrenatural, a
graça, que brota do peito de Nosso Senhor Jesus Cristo.
E esta Mãe solícita não nos abandonou depois do
baptismo, pois bem sabe que a vida da graça, cujo gérmen
CRISTO. REI DA IGRE/A 79

depositou em nós no sacramento da regeneração, há-de


crescer, dia após dia, há-de encher a nossa alma, para que
brotem nobres frutos.
Talvez alguém pergunte: Para que serve a Igreja C ató­
lica com os seus templos, com os seus sacerdotes, com as
suas festas, com os seus sacramentos, com as suas institui­
ções magníficas?... Aí vai a resposta. A nossa boa Mãe.
tão solícita, a nossa religião sacrossanta vela ao nosso lado
desde o berço até ao túmulo; ela robustece-nos, alimenta­
-nos, defende-nos, e. se em má hora desfalecemos, cuida
com solicitude de levantar-nos, de reavivar-nos. Quem
poderá narrar os cuidados inumeráveis que a Igreja con­
sagra à salvação da nossa alma, para a salvar para Cristo,
para a vida eterna?
3.° Eis o motivo principal do nosso amor à Igreja.
Devemos amá-la, sim, porque é um factor importante de
cultura e civilização; devemos amá-la, porque cuida da
nossa alma; mas o motivo principal por que a devemos
amar, é:
a) P orque Cristo vive n ’E la. Cristo é o Esposo, a
Igreja, a Esposa. Não são estas expressões meramente poé­
ticas: elas encerram uma verdade fundamental do cris­
tianismo. Não posso falar de Cristo sem pensar na Igreja.
Cristo é o Rei. a Igreja é a Rainhal
Cristo é a vida da Igreja. O que faz a Igreja, é Cristo
que o faz. Baptiza a Igreja, é Cristo quem baptiza. Con­
firma a Igreja, é Cristo quem confirma. Celebra o santo
sacrifício a Igreja, é Cristo quem celebra. Absolve.... ora...,
abençoa a Igreja, é Cristo quem absolve, quem ora, quem
abençoa. Sim a Igreja é a continuação d a vida d e Cristo.
80 JESUS CRISTO REI

O sacerdote, o bispo, o Papa. são ministros de Cristo,


vigários de Cristo vivo. de Cristo que opera.
b) Devemos amar a Igreja, não só porque nela vive
Cristo, mas porque a Igreja venera, honra a Cristo, como
seu Rei. Os templos católicos constroem-se para o altar, o
altar para Cristo. Tirai a Cristo do templo, e que fica?
O templo? N ão: uma sala ampla de sessões, uma obra
arquitectónica sem sentido.
A Igreja Católica é o mesmo Cristo que continua vivendo
entre nós. Estamos compenetrados deste pensamento?
Talvez haja quem faça esta reflexão: a Igreja é uma ins­
tituição magnifica, com uma doutrina superior, sublime,
a cujo lado os sistemas filosóficos mais esplêndidos são
como uns miseros tugúrios. Isto não basta. Há outros, que
enaltecem a sua moral, que torna perfeitos os homens.
Isto só também não basta. Uns e outros contemplam só
de fora. o Catolicismo. Para o conhecermos devemos entrar
no templo, ir até ao altar, até ao sacrário, onde está Cristo.
A Igreja católica é Cristo vivo que permanece entre nós.
que vive connosco.
Cristo vive entre nós no tabernáculo. Pensamento
digno de reflexão. O tabernáculo não é um túmulo, não
é uma cama para descansar. Que faz. ali, o Senhor? Rea­
liza no pleno sentido, as palavras que proferiu depois de
curar o enfermo que. havia trinta e oito anos que estava
doente: «Meu Pai até agora não cessa de operar e eu
opero também incessantemente» (*). Ali vive Ele, Amor
infinito. Sabedoria Eterna. Deus omnipotente. Providência
divina... ali habita o Rei.

(*) S. Joâo, iv , 17.


CRISTO, REI DA IGREJA 81

O h ! mas nós não temos olhos para o ver, somos cegos.


S e Deus nos abrisse um dia os olhos, e víssemos as reali­
dades ultra-terrenas do tabernáculo, quantas maravilhas
descobriríamos! Que oceano de luz, de força, de beleza,
de amor! 1 emos de fortalecer os nossos olhos. Cristo está
aqui, no meio de nós. Sentes a atracção que Ele exerce
sobre ti? Se Ele está no sacrário, pensas n’EIe, por exem­
plo. quando passas diante duma Igreja?
Mais ainda: o teu coração incita-te a entrar para rece­
beres a Cristo? Sabes impor-te sacrifícios para assistir
à santa Missa? Diz-me se sentes a força atractiva do taber­
náculo e eu te direi se és ou não católico. Todo o bom
católico sente a atracção do sacrário. Sim, este contacto
vivo, ardente, imediato, da alm a com Cristo, é a religião
católica, é a Igreja Católica. Como posso dizer que amo
a Cristo, se nunca penso n’E le? Penso nos negócios, nas
diversões, no desporto...; e em Cristo, quando penso?
Tom a a tua temperatura; e se achares que é mais
baixa na Igreja, que no teatro, na oficina ou no casino...
pergunta a ti mesmo: estará são todo o meu organismo?
Não estará afectado o meu coração? Sim. a maioria dos
cristãos sofre hoje desta doença. Tudo nos interessa, tudo
nos atrai, amamos tudo, m as... quem ama a Cristo?
Eu quero amá-lo,... eu quero amar a Igreja, e por
meio dela, amar a Cristo.

III

QUE C O N C E IT O DEVO FO RM A R DA IG R E JA ?

À luz dos princípios expostos, encontrarão solução as


dificuldades que se apresentem à minha alma. O s que estão
6
82 JESUS CRISTO REI

fora da Igreja, costumam agarrar-se a duas objecções; não


nos assustemos; olbemo-Ias de frente.
|,a Páginas escuras d a história d a Igreja.
Tudo tem princípio na terra: tudo nasce, cresce e
morre. O homem entra na vida. pobre criancinha; cresce,
torna-se jovem, homem maduro, ancião; e depois... a morte,
o túmulo. Tal é o destino do homem. O s impérios mais
poderosos tiveram a sua infância, desenvolveram-se, che­
garam ao seu apogeu, à sua idade de oiro... e depois disso
segue-se a decadência, e depois chega o fim.
A Igreja Católica tem, entre os seus elementos consti­
tutivos. um elemento humano, e por isso notamos na sua
história o influxo desse elemento; tanto nas épocas de pros­
peridade e florescimento, como nas épocas de decadência.
Mais ainda: tempo houve em que a Igreja Católica, huma­
namente falando, parecia condenada à morte. «Agora!
agora!» gritavam entusiasmados os seus inimigos, «agora
vencê-la-emos e fá-la-emos desaparecer!»
A gora... e um milàgre se opera: os inimigos morderam
o pó e a Igreja readquiriu novos brios e consolidou-se de
uma maneira incompreensível.
Hoje. como então, os seus inimigos gritam ao mundo
inteiro que a Igreja no século x e xi estava corrompida na
sua cabeça e nos seus membros. É verdade que a evocação
dessas épocas faz passar diante de nós bem tristes espec-
táculos. Mas, para formar um juizo cabal e exacto, res­
pondam. se podem, a esta questão: Se a Igreja Católica
estava então corrompida até à medula, como pode expli­
car-se que não lhe sobreviesse a morte, a destruição?
Que força misteriosa alimenta a Igreja para resistir a
todas as leis humanas e conservar a vida? e uma vida activa
CRISTO. REI DA IGRE/A 83

e de prosperidade? Não sucumbiu; não permaneceu em


estado doentio, mas do seu tronco ferido e do mesmo lugar
das chagas mais perigosas, brotou uma nova floração que
deu uma vida jovem e pletórica como a não tivera antes.
Precisamente esta força secreta e misteriosa, e estas cir­
cunstâncias históricas consolidam a nossa convicção de
que a Igreja C atólica não é uma obra meramente humana,
mas uma instituição divina que tem a promessa do N osso
S : «Estarei convosco, estai certos, até à consu­
a l v a d o r

mação dos séculos .» (’) Para chegar a esta conclusão e


tirar esta consequência da história da Igreja, não é neces­
sário ter fé. basta, pura e simplesmente, um pouco de
sentido histórico.
2,a Outra acusação muitas vezes ouvida, é que a
Igreja Católica é intolerante. Por exemplo, não consente
que nos matrimónios mistos alguns dos filhos sejam edu­
cados noutra religião. Não permite que depois de abençoar
Ela uma bandeira, esta possa ser abençoada por outra reli­
gião. Não é a Igreja Católica que é intolerante, mas a
verdade é que é intolerante.
Duas vezes dois. por mais voltas que lhe dermos,
nunca serão cinco.
Desinteressar-se a Igreja da educação dos filhos, era
cair na indiferença, na tibieza e demonstrar que não estava
de posse da verdade. Perdoai-me o que vou dizer e não
vos escandalizeis: Se a Igreja Católica um dia viesse a
dizer: «pouco importa que as outras religiões sejam ou não
boas e verdadeiras» — eu seria o primeiro a abandoná-la.

O S. Mateus, xxviii , 20.


84 JESUS CRISTO REI

porque então também a religião católica não seria a única


verdadeira.
Devemos nós desprezar as outras religiões? N ão;
Devemos sòmenle estimar a nossa. Devemos odiar as
outras? Não: Devemos amar somente a Igreja Católica,
a nossa religião sacrossanta. Amamo-la. porque cremos e
sabemos que nela vive a doutrina de Cristo, o mesmo
Cristo: amamo-la. porque Cristo é o Rei da nossa Igreja
Católica.
*

* *

Nós, que nascemos no seio da Igreja C atólica, não


compreendemos o que significa ser católico. Só quem
fora da Igreja e. depois de muitas lutas interiores, chegou
ao seio da Igreja é que o pode compreender. Não há muito
se publicou um livro de uma célebre escritora alemã. Maria
Brentano «Como me chamou Deus» (')■ A autora passou
de bailarina a freira beneditina... Mas. quanto teve que
procurar, lutar, sofrer, até que realizasse a sua máxima:
«se pudesse crer, só poderia ser católica.» Sim, esta sabe
o que significa ser católica..
Sabe-lo tu? Não. não o sabes. Sabe-o talvez aquele
estudante protestante, aluno de medicina, que um dia.
vindo visitar-me. disse cheio de emoção: «Monsenhor, se
eu fosse católico, confessar-me-ia com frequência.»
Estava eu na América, precisamente quando estalou
a mais ignóbil perseguição dos tempos modernos contra os
católicos no México.

(*) W ie Gott mich rtcf.


CR/STO. REI DA ICRE/A 85

Às violências incríveis da maçonaria, a Igreja res­


pondeu com a suspensão de todos os actos religiosos em
1 de Agosto de 1926, de maneira que toda a população
católica do México se decidisse a tomar posição contra o
governo comunista. Quando se difundiu pelo país a noticia
de que no dia 1 de Agosto se fechariam todas as igrejas,
não haveria missa, nem se poderiam confessar os fiéis, nem
comungar, nem se administrariam os sacramentos da Con­
firmação e do Matrimónio... um frémito de dor e pesar
se apoderou de todo o povo católico mexicano. D as regiões
longínquas do interior puseram-se em marcha caravanas
intermináveis de índios, vindos de todas as tribos, que
em peregrinação se dirigiam caminhando dia e noite, para
as cidades, e ali, misturados com os católicos citadinos,
instruidos e bem vestidos, inundaram pela última vez o
recinto sagrado, para se confessarem e receberem a sagrada
comunhão. Afluíam aos milhares os que desejavam receber
o sacramento da confirmação, e muitos pais conduziam seus
filhos recém-nascidos para receberem o baptismo, e angus­
tiados, esperavam o primeiro de Agosto, em que tudo havia
de cessar. Este espectáculo fazia sangrar o coração! Aque­
les homens sabiam o que significava ser católico.
Também nós chegaríamos a sabê-lo. saberíamos o que
é para nós a bênção divina da Igreja, se um dia a per­
dêssemos. O s húngaros recordam bem os dias funestos do
comunismo; com que angústia contemplavam as suas
igrejas ameaçadas de serem encerradas!
Durante o cativeiro de Babilónia, chorando os judeus
a sua desgraça, diziam: «Que a m inha língua fiq u e agar­
rada ao paladar, se eu me não lem brar d e li, ó Jerusa-
86 JESUS CRISTO REI

salém.» (l) Sim, permaneçamos fiéis a nossa Mãe. a Santa


Igreja. Confessemos com orgulho, com amor, com fortaleza,
que somos católicos. Operário, ainda que se riam de ti na
fábrica por seres católico, sê forte, sê fiel a Cristo, à Sua
Igreja. Empregado, sê fiel a tua Mãe, a Igreja Católica,
ainda que a tua fé seja obstáculo para alcançares melhor
posição. Jovens universitários, a quem olha com esperança
a nossa Mãe. a Santa Igreja, sede fiéis à vossa religião
sacrossanta. Todos nós, irmãos em Cristo, sejamos fiéis
à Igreja Católica, porque cremos firmemente que ela nos
levará a Cristo, a Deus.
A Igreja olha por nós e nos guia; a Igreja é a Esposa
de Cristo. Cristo é o Rei da Igreja e nós devemos ser seus
filhos fiéis, conscientes, santamente orgulhosos e dignos do
nome de católicos.

0 S°Imo CXXXVI, 6.
C A P ÍT U L O VII

C risto, R ei d o S a cerd ó cio

/CA tema do presente capítulo é: Cristo, Rei do Sacer­


dócio. Desejo explicar o pensamento de Cristo e
da Igreja a respeito da dignidade e missão sacerdotais.
Talvez estranheis que os sacerdotes falem de si mesmos.
Não costumam fazê-lo. Contudo há tantos homens que
falam mal dos sacerdotes, sem conhecimento de causa e com
absoluta falta de imparcialidade, que me parece necessário
estudar a questão detidamente e responder à pergunta:
Q ue pensa a Igreja católica a respeito do sacerdócio?

Mal sabem os leigos quanto sofrem os sacerdotes, ao


ouvirem proferir hoje. por toda a parte, palavras repassadas
de ódio. remoques apaixonados, reflexões inspiradas pela
ignorância e má fé, na rua. nos eléctricos, nos comboios,
vindas da classe operária. Não falo já daquelas tolices
supersticiosas, que até muitos católicos aprenderam dos
nossos inimigos como, por exemplo, ao avistarem um sacer­
dote. dizerem: «Hoje é um dia aziago. V ai acontecer
alguma desgraça...» Não. Falarei apenas daquelas expres-
88 JESUS CRISTO REI

sões proferidas com indignação e ódio, que ocultam uma


alma inimiga do catolicismo e de Deus. Penso naqueles
olhares congestionados, quando encontram um sacerdote,
ou, como eles dizem, «um corvo negro e de mau agoiro»...
Há momentos, em que parece sermos obrigados a tirar
humildemente o chapéu e a pedir desculpa de ainda ousar­
mos viver nesta miserável terra e respirar o ar das ruas
cheias de pó.
Sim, pedirmos humildemente desculpa...
Ao ver tais sentimentos de ódio. surge esta questão:
Realmente, que pretendem os sacerdotes neste século xx?
A vocação e o ministério sacerdotal têm hoje razão de ser?
Temos necessidade de sacerdotes, como de professores,
médicos ou engenheiros?
É evidente que, nesta questão, o único Juiz competente
é Nosso Senhor Jesus Cristo.
Ora, Ele disse um dia a seus Apóstolos: «Como meu
Pai me enviou, assim eu vos envio a vós.» (’)
l.° «Sou Eu que vos envio: vós sois meus enviados,
meus ministros». O sacerdócio não foi pois inventado, como
pretendem muitos, por homens ávidos de poder e de honras,
não foi inventado por homens que pretendiam a homenagem
do povo, como afirmam outros, mas foi instituído por Cristo.
É sua vontade formal que haja homens livres dos cuidados
quotidianos, mais ainda, livres das preocupações da vida
de família, e consagrem toda a sua vida, todos os seus
instantes, unicamente a este fim sublime: conduzir os
homens a Deus e levar as almas ao céu. O mesmo Deus
que, de entre todos os dias, escolheu um. o domingo, para

(') S. João, xx, 21.


CRIPTO. REI DO SACERDÓCIO 89

que fosse o *dia do Senhor», o mesmo Deus que, de entre


os cânticos dos homens, escolheu os «Salmos», para que
fossem «os cânticos do Senhor », o mesmo Deus que. de
entre as casas dos homens, escolheu os templos como
«casas do Senhor»..., este mesmo Deus escolheu também
a alguns homens, para que fossem os «ungidos do Senhor»,
os « ministros de Deus».
O s sacerdotes não intentam pois dominar os fiéis, não
querem ditar leis; o sacerdócio foi-lhes conferido para dis­
tribuírem a mãos-cheias, aos fiéis, os tesoiros espirituais
recebidos no momento santo da ordenação. Em suas mãos
estão as cchaves d a Igreja», para que a abram e conduzam
os fiéis até Deus: em suas mãos está «a chave do taber­
náculo», para que o abram e dêem às almas o Deus escon­
dido na hóstia imaculada. O sacerdote, que actua conforme
a vontade de Deus, o bom sacerdote sabe perfeitamente,
que não pode distribuir mais graças que as que Deus quer
conceder, e assim sabe que não deve procurar ser servido
pelos fiéis, mas servi-los. sacrificar-se por eles e ser o servo
do Senhor. Este é o verdadeiro sacerdote católico. «Como
meu Pai me enviou, assim eu vos envio a vós».
E o Rei do sacerdócio católico é Cristo.
1.° «Como meu Pai me enviou, assim eu vos envio
a vós». Eu vos envio.
Antes de deixar a terra. Jesus confiou aos seus Após­
tolos uma missão sumamente importante. Confiou-lhes a
propagação da sua doutrina, da sua religião: «/cie, ensinai
a todas as nações; baptizando-as em nome do Pai, do
Filho e do Espírito Santo.» (’)

0 S. Mal cus. xxxvni, 19.


90 IESUS CRISTO REI

Como se lhes dissesse: Até aqui. fui eu que vos


ensinei; doravante ensinareis vós em meu nome todas as
gentes. Até agora, fui eu que vos animei e defendi;
doravante exercereis vós o mesmo ofício com o vosso
próximo. Até agora, fui eu que moldei vossas almas segundo
a vontade de Deus; doravante haveis vós de moldar as
almas dos fiéis segundo os meus mandamentos; isto é, até
agora, fostes meus ouvintes, meus imitadores, meus discí­
pulos; mas, para o futuro, sereis meus arautos, meus após­
tolos... meus sacerdotes!
A dignidade sacerdotal teve origem num ambiente
impregnado do amor da Última Ceia e das palavras de
despedida que o Redentor dirigiu ao Apóstolos, antes da
sua gloriosa Ascensão ao Céu. «Fazei isto»... <nlde e
ensinai»...; isto é, oferecei o Santo Sacrifício, e ensinai a
todas as nações o meu evangelho...
Seguindo estes princípios, os sacerdotes, pioneiros de
Cristo, preparam o caminho do reino do céu, com o carácter
divino da consagração sacerdotal em sua alma. com a
palavra de Deus na boca, com o poder divino, outorgado
por Deus. em suas mãos.
O sacerdote também é homem. E é uma mentira
caluniosa dizer que os sacerdotes se consideram seres sobre­
naturais. São bomens como os demais, que na consagração
sacerdotal Cristo abraçou temamente, apertando-os ao seu
coração abrasado de amor; o sacerdote é um homem em
cuja alma sacerdotal Cristo infundiu o amor a todos, quando
disse: *lde e pregai a todas as gentes, ensinando-as a
guardar todas as coisas que vos mandei.» Quer dizer:
Ide e oponde-vos a quem quer que intente corromper as
almas. Ide, não hesiteis, não temais, eu estarei convosco
CRISTO. REI DO SACERDÓCIO 91

até à consumação dos séculos. Eu vos garanto que nem


os reis. nem os imperadores, nem as repúblicas poderão
privar-vos dos direitos que eu vos confiro, de existir, viver
e ensinar. Instruí a todas as nações. Não há poder humano
que vos possa impedir. Tereis de sofrer? Bem o sei. Haveis
de ser perseguidos, odiados e expoliados de tudo?...
Também o sei; mas mesmo então haveis de ensinar.
A palavra de Deus não pode ter peias, como as não tem
o raio de sol. Baplizai todas as gentesl isto é. santificai as
almas, perdoai os pecados, derramai a graça, consolidai a
haste tenra, reanimai a lâmpada que se extingue à míngua
de azeite, levantai ao céu os olhos que se fecham, conduzi
as almas a Deus! Não tereis família, para que nada vos
prenda, não tereis filhos para poderdes estar livres e con­
sagrar todos os momentos, todos os instantes à grande
família... aos fiéis, aos milhares de filhos, vossos filhos
espirituais que consquistareis para mim...
Este é o sublime ideal do sacerdote, segundo o conceito
da Igreja.
«Como meu Pai me enviou, assim eu vos envio a vós».
Envio-vos para levantardes as almas caídas, para curardes
as chagas das almas.
Envio-vos para consolardes os corações atribulados.
Envio-vos para conduzirdes a Deus os que se debatem
na dúvida, os que lutam com o desespero.
Envio-vos para salvardes as almas.
Se encontrardes homens aflitos, tentados, olhai-os com
amor; se topardes homens infelizes, desesperados sob o peso
dos seus pecados, oferecei-lhes o meu perdão. Sede olhos
ao cego, pés ao paralítico.
92 JESUS CR/STO REI

Deixai vir, trazei-me as criancinhas, na aurora da vida;


conquistai-me o homem, no rude trabalho da luta pela vida.
reconduzi-me o agonizante no ocaso da existência... trazei-os
todos a mim.
Eis o conceito sublime que a Igreja faz do sacerdócio
católico.
3.° «Vós sois o sal da terra», disse noutra ocasião
o divino Salvador. «Vós sois a íuz do mundo».
«Vós sois o sal d a terra». O mundo está cheio de
maldade; há muita falta de carácter; abundam os atoleiros
morais; por toda a parte reina o pecado; mas vós, sede
os conquistadores do mundo, opondo-vos continuamente
ao pecado, à maldade. Se virdes que alguém induz as
almas ao pecado, as almas por quem tanto sofri, não temais;
levantai a voz , ainda que seja à custa da própria vida,
porque «vós sois o sal da terra» e tendes a obrigação de
preservar as almas da corrupção.
«Vós sois a luz do mundo». Mostrai o caminho que
conduz a Deus, ensinai os meus mandamentos, de forma
que os homens não só os conheçam, mas os cumpram e
vivam. Nada vos atemorize: pregai a minha doutrina, ainda
que vos custe a vida. Sede pastores dos fiéis, e castigai,
sem cobardia, quem os quiser desviar do bom caminho.
Abençoai, perdoai e atraí com vossa mansidão aqueles que,
refervendo em ódio. levantam os punhos fechados contra vos.
Tal é o conceito sublime que a Igreja faz do sacerdócio
católico.

(’) S. M u leu s, v . 15, 14.


CRISTO. REI DO SACERDÓCIO 93

. II

Duas coisas se desprendem deste conceito. O respeito


que os cristãos fervorosos têm pelos sacerdotes, e o ódio
profundo que lhes votam os inimigos da Igreja e da religião.
l.° É um facto inegável que os bons católicos, em
todos os tempos, manifestaram pelos sacerdotes um afecto
c estima particulares. E os sacerdotes sabem muito bem
que esta estima e respeito não se dirige ao homem como
tal, mas à missão divina, à graça misteriosa de Cristo,
àquela vocação sublime com que Jesus Cristo vinculou a
S i as almas sacerdotais para todo o decurso de uma vida
cheia de sacrifícios.
O s bons católicos respeitam os sacerdotes, por verem
neles os que receberam o encargo de continuarem a Cristo
e a sua obra; respeitam-nos, porque crêem firmemente que,
sempre que celebram, repoisa em suas mãos consagradas
o Corpo de Jesus Cristo; respeitam-nos, porque em seus
corações bate, dia após dia. o Coração sagrado do Salvador;
respeitam-nos. porque em suas almas se difunde, dia após
dia, o amor do Espírito Santo.
Santa Catarina de Sena beijava as pegadas dos sacer­
dotes. porque via brotar delas a vida eterna; porque sabia
que o sacerdote, desde o momento da sua consagração, em
que o bispo colocou em suas mãos o cálice, até ao derradeiro
suspiro, não tem uma única pulsação do coração que não
pertença a Cristo e à missão de salvar as almas resgatadas
com o sangue do Redentor. Na verdade, assim é. No grande
exame do dia da Ordenação, para o qual se preparam
os seminaristas durante muitos anos. em que Jesus Cristo
os examina, não lhes pergunta: Sabeis história, apren-
94 JESUS CRISTO REI

destes bem o Direito Canónico, conheceis a fundo o


Dogma? N ão; naquela ocasião solene, o Senhor pergunta
simplesmente: «Diligis me plus his?» (■*) Meu filho,
amas-me verdadeiramente? Amas-me sobre todas as coisas?
E sabes trabalhar por mim mais do que por tudo o mais?
■ Repito: nós não vemos um anjo no sacerdote: ele é
um homem como todos os outros, mas um homem abrasado
no amor de Cristo. Nosso Senhor curou o cego com um
pouco de' lodo tomado da terra, e uma mulher doente com
a virtude emanada do contacto da fímbria do seu vestido.
Pois hem, o sacerdote é um pouco de Iod o, mas lodo nas
mãos d e Cristo, lodo que abre os olhos aos cegos, e os
habilita espiritualmente à visão de Deus. O sacerdote é
também a fímbria do vestido de C.risto que dá saúde aos
doentes da alma. E é por isso que os fiéis respeitam os
sacerdotes católicos e honram e veneram a vocação a que
foram chamados por Cristo.
O s sacerdotes abrem as portas da Igreja aos fiéis, pelo
baptismo. dão Deus às almas na Sagrada Comunhão, forti­
ficam-nas na infelicidade, enxugam-lhes a fronte do suor
frio quando moribundos e não abandonam os homens nem
sequer depois de se haverem confiado à terra no cemitério
os seus corpos, rezam por suas almas, encomendam-nas a
Deus. É esta a razão por que os católicos amam os sacer­
dotes e depositam neles tão grande confiança.
Basta mencionar o sacramento d a penitência. Já se
está a ver a confiança que os fiéis hão-de depositar nos
sacerdotes! Mas em paga. que graças inefáveis recebem de
Nosso Senhor Jesus Cristo!

O S. Jo ã o . xxi. 15.
CRISTO, REI DO SACERDÓCIO 95

Só Deus pode perdoar os pecados. O pecado só pode


ser remido pelo perdão divino. Posso emendar-me. chorar,
fazer penitência... mas não basta; a lembrança do pecado
abrasa a minha alma; a justiça divina ainda não está
reparada. Então prostro-me de joelhos no confessionário.
Ah levo a minha alma triste, fria. atormentada, esfarrapada,
caída no lodaçal da imoralidde, desgarrada. Não é um
homem o que está sentado no santo tribunal da penitência:
vejo o sacerdote e nele a Deus: «Confesso-me a Deus
omnipotente, e, em lugar d e D eus, a vós, meu pai espiritual;
vede as minhas inumeráveis chagas, vede. Senhor, o meu
abatimento, a minha desolação...»
E depois...
Depois, quando houver confiado em voz baixa, ao
Senhor, a minha vergonha, a minha desonra, quando houver
confessado os meus pecados e me tiver debulhado em lágri­
mas. entre soluços, então Jesus, todo misericordioso, abre
suas chagas, seu sangue irrompe e lava a minha alma,
cauteriza, fortifica, reconforta, alegra, anima, e ao deixar
o confessionário, parece-me ouvir um doce e harmonioso
gorgeio de avezinhas saudando o raio sorridente do sol de
Maio. Tudo é alegria em minha alma, tudo me sorri, tudo
me encanta. Em mim, há uma vida nova, tenho uma alma
nova, Cristo está em mim, habita na minha alma. Tal é a
missão sublime do sacerdote.
O s católicos sabem bem o que é a confissão. É devolver
a paz à alma atormentada; é salvar os jovens extraviados,
caídos no abismo do pecado e pô-los de novo no caminho
da virtude: é pregar aos pais que amem seus filhos, é exigir
aos esposos a fidelidade conjugal e a paz na família, é fazer
uma guerra sem quartel contra o roubo, contra a fraude.
96 ]ESUS CRISTO REI

é a defesa da honra alheia... é um dos dons mais excelsos


que nos deixou o Redentor.
E este poder de perdoar os pecados depositou-o Nosso
Senhor Jesus Cristo nas mãos do sacerdote. É óbvio, pois.
que os fiéis respeitem os delegados do Senhor.
2.° E talvez também isto explique o ódio encarniçado
com que os inimigos da religião perseguem o sacerdote.
Eles dizem que só clamam contra os defeitos e pecados
dos sacerdotes.
E poderá ter entrada o mal no coração dos sacerdotes?
Infelizmente. temos que o confessar. Eles são também
homens, podem ter seus deslizes, suas faltas, seus pecados.
De toda a árvore caem alguns frutos, e todo o exército
tem desertores.
Mas não devemos julgar a árvore pelos frutos caídos,
nem o exército pelos que desertam; e precisamente porque
os sacerdotes gozam de respeito ante os fiéis, ressaltam mais
os menores defeitos, quando nos outros homens nem se
notariam. Num vestido branco, nota-se a mais pequena
mancha, e entre os Apóstolos houve um Judas traidor.
Também, em nossos dias. infelizmente, há sacerdotes que
não são o sal da terra, nem a luz do mundo, que compro­
metem a doutrina de Cristo, desonram a nossa religião.
E que devemos concluir daqui? O católico consciente
da sua fé. por muito que deplore estes casos tristes, nem
por isso se fará descrente. Não titubeará na sua fé, porque
sabe distinguir nesses infelizes entre o homem e o poder con­
ferido por Cristo; e do mesmo modo que no sacerdote exem­
plar. não honra o homem, mas o representante de Cristo,
assim também não desprezará a religião de Cristo, por causa
CRISTO. REI DO SACERDÓCIO 97

dos pecados dum sacerdote escandaloso. Se um médico


adoece, não podemos afirmar que a medicina faliu.
Se o pecado penetra no santuário, não podemos dizer
que o Cristianismo não é verdadeiro, nem que faliu.
O sacerdote é o canai por onde desce a graça divina
sobre as almas, o recipiente donde podemos haurir o amor
de Deus: o recipiente como o canal podem ser de oiro. de
prata, de bronze e até de barro; pouco importa, o principal
é o que contêm, o que oferecem.
O católico consciente, apesar dos possíveis deslizes,
das faltas em que possa cair o sacerdote, sentirá em seu
espírito o perfume do óleo sagrado da ordenação com que
Nosso Senhor Jesus Cristo se desposou com estas almas.
E se todos desprezam, odeiam todos os sacerdotes, sem
excepção, só porque são sacerdotes, porque andam de
batina, o católico fiel honra o sacerdote, precisamente,
porque é sacerdote, porque é ministro de Deus.
E ninguém chora mais amargamente o comportamento
dos sacerdotes desencaminhados, do que os sacerdotes exem ­
plares, os que são segundo o Coração de Cristo, porque
sabem melhor que os outros que nem sequer dez sacerdotes
de vida santa podem remediar o estrago espiritual causado
pela vida escandalosa de um mau sacerdote.
Os inimigos da religião não atacam unicamente tais
sacerdotes. Pelo contrário, se alguns infelizes sacerdotes,
levados por seus pecados, se separam da Igreja Católica,
esses são aplaudidos como heróis, como sábios, como auto­
ridades científicas e como tais são festejados; e os sacerdotes
mais fervorosos, mais semelhantes a Cristo, mais santos,
são chamados reaccionários, são caluniados, deprezados.
perseguidos.
7
08 JESUS CRISTO REI

111

Uma das armas mais poderosas da nossa religião


sacrossanta, é a oração. Lemos nos Actos dos Apóstolos,
que, quando S . Pedro sofria no cárcere do rei Herodes
Agripa. toda a Igreja orava por ele.
O s sacerdotes, hoje, mais do cjue nunca, carecem da
oração dos fiéis. Talvez pareça estranha a minha afirmação,
mas corresponde a uma realidade: não só os sacerdotes
hão-de orar pelos fiéis, mas também os fiéis devem rezar
pelos sacerdotes. É um mandato urgente de Cristo. Em
certa ocasião, lançou Jesus um olhar pelo mundo das almas:
quantos homens em busca de Deus, quantas almas imortais,
quantos combates, quantas dores, e quão poucos se preo­
cupam na terra com o bem eterno destas almas. Então
deixou sair de seu peito este suspiro: «A messe é verda­
deiramente grande e os operários poucos. Rogai, pois, ao
Senhor da messe que mande operários.» (')
Sim. orai. orai pelos sacerdotes; orai também pelos
seminaristas, para que perseverem em sua vocação com o
amor ardente de uma alma jovem, a fim de que o bem-estar,
a vida cómoda, os prazeres rasteiros não seduzam o seu
coração e continuem corajosos preparando-se sem desfalecer
para a alta mrssão de salvar as almas, apesar das muitas
renúncias e sacrifícios que os esperam.
Embora a vida se tomasse cem vezes mais difícil,
embora recrudescessem as perseguições, se eriçasse de espi­
nhos o caminho do calvário, se multiplicassem os sarcas­
mos. as calúnias, existiriam sempre os ungidos do Senhor.

O s. Maleus. IX. 57 58: S. Lucas, X. 2.


CRISTO. RFJ DO SACERDÓCIO 99

Durante dois mil anos combateram o clero os inimigos da


Igreja. Aprisionaram o Papa. desterraram os bispos, exe­
cutaram muitos sacerdotes, e nada conseguiram. Erraram
na sua empresa.
Para o conseguir, deviam aprisionar a alm a d a Igreja,
baviam de apoderar-se dela e estrangulá-la; baviam de
deter o Espírito Divino, que sopra onde quer, e segreda
e fala ao coração do jovem aquela fala misteriosa, que ele
ouve no íntimo do seu coração:
Meu filho, poderias amar-me mais que os outros
homens? Fazer alguma coisa mais por mim? Sofrer mais?
Poderias ser sacerdote?
Teriam de deter esse espírito, a quem o jovem comovido
responde no interior do seu coração: Senhor, sou vosso, a
minha vida pertence-vos, ainda que me esperem persegui­
ções, cruzes, sofrimentos e um pedaço de pão como alimento.
Quem poderá contestar estas realidade? Nos dias
sangrentos do comunismo, quando o sacerdócio católico era
ameaçado com o espectro da morte ou da fome. encontrei
um jovem estudante de um olhar puro e vivo. Travámos
conversa e no decurso desta confiou-me o segredo de que
queria ser sacerdote. Fiquei surpreendido.
— Agora, meu filho. queres ser sacerdote? Precisamente
agora? Não vês que tempos tão aziagos são estes para os
sacerdotes? Sê antes ardina, varredor municipal, maqui­
nista... mas, sacerdote? Sabes o que te espera?
— Sim sei, desde a minha infância, preparo-me para
o sacerdócio, quero ser sacerdote — respondeu-me.
Fixei seus olhos ardentes.
— Sabes, meu filho, que, se te fazes sacerdote, estás
exposto a morrer de fome?
100 IESUS CRISTO REI

E o jovem fixou seus olhos em mim e, com as faces


tingidas de carmim, replicou:
— Não importa. Padre, também então Jesus estará
cximigo.
Sim. estará contigo! E estará com todos vós, semina­
ristas. que vos preparais para servir ao Senhor; e estara
com todos os fiéis, que de algum modo ajudem a qualquer
jovem chamado ao sacerdócio.
O trabalho sacerdotal nunca foi fácil nem cómodo:
mas alguns pais deixam-se deslumbrar com as honras e
com o brilho exterior. Então temos que dizer-lhes:
Se o vosso filho não quer ser sacerdote, não o obrigueis.
Pelo amor de Deus. não o forceis a abraçar um estado a
que não é chamado, ainda que se desabe o castelo de
esperanças de um coração de mãe.
Mas. pais cristãos, se vosso filho se apresentar diante
de vós com olhar inocente e o rosto inflamado e vos disser:
«Meu pai, minha mãe, Jesus veio ao meu coração, beijou-me
na fronte e chamou-me. quer que eu seja seu ministro,
sacerdote, e que eu suba ao altar, e ofereça a santa missa
por meus queridos pais», oh! então, fixai seu olhar brilhante
e por detrás vereis o suavíssimo rosto de Cristo, apertai
contra o peito o rosto inocente de vosso filho e dai-lhe a
vossa bênção para que comece a pisar a senda espinhosa
dos ministros de Cristo.
Pais e mães de família, dai bons sacerdotes a nosso
Senhor Jesus Cristo.
*
* *
Queira o Senhor enviar fervorosos e santos sacerdotes
à sua Igreja, vassalos fiéis d o R ei do sacerdócio Cristo.
C A P IT U L O V III

Im portância d o N ascim en to d e C risto


p ara o m undo

// semana de preparação para o Natal é das mais


C y C encantadoras e simpáticas de todo o ano cristão.
As crianças não falam de outra coisa senão da noite que
se aproxima; contam as noites: oh! só faltam cinco, só
faltam quatro... e então chega a noite suspirada, a noite
de Natal.
Mas também as pessoas adultas se sentem comovidas
com tão grande festa.
Nesses dias bá um grande movimento em toda a parte:
os homens compram presentes e brinquedos nas lojas e as
mulheres andam numa azáfama para preparar os guisados
e apresentar uma mesa agradável e bonita.
E porquê tudo isto?
É que chega a noite maravilhosa... É que chega o
Menino de Belém. Para muitos, infelizmente, não é mais
do que uma lenda poética, uma estrela, um presépio, pas­
tores... mas para nós, católicos, é outra coisa. A época
do Natal, como outras solenidades do ano litúrgico, merece
ser estudada com demora.
Por isso neste capítulo responderemos a estas três
perguntas: I. Que era o mundo antes da vinda de Cristo?
II. Que chegou a ser, graças a Nosso Senhor Jesus Cristo?
III. Q ue seria o mundo sem Cristo?
102 IESUS CRISTO REI

QUE ERA O MUNDO ANTES DE CRISTO?

A humanidade peregrinava pela terra com os discípulos


de Emaús: ia. com eles, cansada, abatida, desanimada.
1. ° Ignorava o verdadeiro fim e o verdadeiro dever
do hom em . Uma idolatria espantosa, trevas densas envol­
viam os povos. Nós, que fomos educados desde a infância
na religião cristã, não podemos compreender como homens
sábios e doutos se prostravam diante de estátuas de bronze
ou de um ídolo de mármore, como povos civilizados adora­
vam um gato, uma cegonha, um touro ou uma vaca. O s
antigos gregos e romanos adoravam o fogo, a alma dos seus
antepassados e as estátuas dos imperadores. O s Egipcios,
com uma civilização superior, prestavam culto aos bois
e aos gatos, e os povos da índia tinham por divindade o
fogo. E que diremos da horrenda idolatria dos povos
bárbaros e selvagens?
Que revelação neste assombroso cúmulo de erros?
Esta aberração abominável prova-nos que havia de vir
o próprio Deus. porque a humanidade, abandonada a si
mesma, erra o caminho e não sabe chegar, ordinariamente,
ao conhecimento do verdadeiro Deus.
2. ® A situação toma-se ainda mais trágica, quando o
homens mais exímios da humanidade extraviada sentiram
qu e algum a coisa lhes faltava. Grandes filósofos, como
Aristóteles, Platão, exímios poetas, como Sófocles, Horácio
e Virgíl io, gritavam de vez em quando diante de tanta
miséria: oxalá viesse alguém que nos trouxesse a salvação!
O mundo esperava a vinda de Cristo.
IMPORTÂNCIA D O NASCIMENTO DE CRISTO 103

Costuma-se atribuir a Platão a seguinte frase: «Não


sei donde venho, não sei o que sou. não sei para onde vou:
tu. Ser Desconhecido, tem piedade de mim.» Que dor
escondida nestas palavras!
Na Coreia, a mãe de um governador de província,
japonês, dizia: «Costumava passear sozinha debaixo de um
céu estrelado e chamar Alguém, que mora lá muito longe,
entre as estrelas. Alguém que é muito grande e hom para
escutar as preces de uma pobre mãe. Nada sabia dele. não
sabia quem era, mas a minha tristeza me dizia: deve haver
alguém algures capaz de vir em teu auxílio.»
Era o grito da alma humana em busca de Cristo.
Esta crescente nostalgia mostra-nos claramente o signi­
ficado que tem para o mundo o nascimento de Cristo. Não
podemos expressá-lo sem que brote da nossa alma o entu­
siasmo de Isaías: *Um Menino nasceu para nós, um filho
nos foi dado e o principado foi posto sobre os seus ombros
e o seu nome é o admirável, o Conselheiro, o Deus Forte,
o Pai do século futuro, o Príncipe d a Paz. Seu império se
estenderá cada vez mais e a paz não terá fim. Assentar-se-á
sobre o trono de D avid e possuirá o seu reino para o firmar
e estabelecer pelo direito e pela justiça desde agora e para
sem pre.» (’)
II
O Q U E C H E G O U A SE R O M U N DO.
G R A Ç A S A C R IS T O ?

l.° Não vamos explicar agora o que devem a Cristo


a ciência, a cultura e as artes humanas.

(') Isuías, ix. 6-7.


104 1ESUS CRISTO REI

Teríamos de citar factos demasiado conhecidos, se


quiséssemos enumerar, ainda que de passagem, os valores
culturais do Cristianismo. Teríamos de evocar as escolas
fundadas em toda a parte à sombra das igrejas, naqueles
tempos em que ninguém se preocupava com o ensino e com
a cultura; os livros que os monges passavam toda a vida
a copiar; a agricultura e as indústrias fomentadas e ensi­
nadas ao povo pelas Ordens religiosas. Formar-se-iam algu­
mas bibliotecas com os livros que demonstram a influência
do Cristianismo na pintura, na escultura, na arquitectura.
na música...
Mas não trataremos agora da influência científica,
artística ou económica do Cristianismo.
2.° O que queremos sublinhar é a qu e altura m oral
Cristo elev ou o hom em .
Graças a Cristo, a vida moral da humanidade foi com­
pletamente transformada.
Dificilmente, ainda que o tentássemos, poderíamos
viver aquele ambiente antigo, nós. que nascemos no seio
do cristianismo. Não obstante, evoquemos rapidamente
alguns factos históricos. É verdade que. já então, havia
acções nobres, rasgos heroicos do coração humano. Mas
Cristo aperfeiçoou-os. Muitas virtudes devem-se por com­
pleto ao Cristianismo, que lançou no coração dos homens
o seu gérmen; assim, por exemplo, a vida pura — antes
adoravam-se os ídolos com espantosas imoralidades; a vida
de família — entre os romanos as mulheres divorciavam-se
para se poderem casar, e casavam-se para se divorciarem:
o respeito pela mulher — devido ao culto da Santíssima
Virgem; a paciência na miséria — em vez dos punhos
cerrados dos escravos; o valor dos sofrimentos — em vez
IMPORTÂNCIA DO NASCIMENTO DE CRISTO 105

de um desespero selvagem; o amor ao trabalho — antes


alimentavam-se os peixes com a carne dos escravos.
Os fundamentos mais sólidos da sociedade civil, a
honra, a moral, o cumprimento do dever, jamais os poderia
ensinar o Estado, que se contentava com punir os delitos.
E assim, o Cristianismo é uma das maiores forças conserva­
doras da nação; a nação que não aceita o cristianismo,
debilita-se e decai.
Vejamos também o valor d a alm a. A alma de uma
criança vagabunda ou de um cigano esfarrapado, vale mais
que todo o mundo material.
Por consequência, o operário e o patrão não devem
odiar-se, assim como as nações, porque todos os homens
são irmãos, nem é licito deitar à rua e abandonar os
doentes, aleijados. leprosos; por isso há as enfermeiras
religiosas.
O Natal significa tudo isto para o mundo. O h ! esta
noite bendita não é uma noite sombria! Há dois mil anos
que irradia luz e responde a todas as perguntas humanas,
soluciona todos os problemas, acalma todas as inquietações.
A grandeza espiritual do mundo, duas vezes milenário,
nasceu neste dia... Todo o espirito de sacrifício, todo o
conceito nobre da vida nasceu nesta noite de Natal. Cristo
fez-se semelhante a nós. para que nós fôssemos semelhantes
a Ele. Deus fez-se homem, para que o homem se tomasse
filho de Deus.
III
QUE SERIA O MUNDO SEM CRISTO?

l.° Depois de tantos benefícios, será possível que


alguém tome posição contra Cristo? Sim. infelizmente.
106 JESUS CRISTO REI

E, não obstante, que seria da humanidade, sem Ele?


Escutai uma parábola, de profundo sentido, de Jõrgensen,
sobre as árvores revolucionárias.
Um esbelto e altaneiro álamo convocou todas as
árvores do bosque para um comício.
— Irmãs, disse-lhes, bem sabeis que toda a terra nos
pertence, porque de nós dependem os homens e os animais:
sem nós não podem viver. Somos nós que alimentamos as
vacas, as ovelhas, os pássaros, as abelhas... Nós somos
o ponto cêntrico, todos vivem de nós, até a nossa terra se
vai formando das nossas folhas secas e apodrecidas. Só há
no mundo um único poder acima de nós: o Sol.
Dizem que dele depende a nossa vida. Mas. minhas
irmãs, estou convencido, que isso é uma história indigna
duma planta moderna e esclarecida, com as luzes da ac tual
civilização.
— Que não podemos viver sem a luz do sol? — Isso
é uma velha lenda, sem fundamento algum, e cheia de
preconceitos.
O álamo fez uma breve pausa, tossiu e ... alguns
robles anosos e olmos vetustos murmuraram em sinal de
desaprovação; as árvores jovens porém, aplaudiram o dis­
curso. inclinando-se profundamente.
— Sei muito bem, continuou o álamo, que entre vós,
se desenha um partido contrário, o grupo dos velhos que
ainda acredita nos contos de fadas. Mas eu confio nos
sentimentos de independência da moderna geração, geração
de jovens arrojados, ansiosos de emancipação. É necessário
que nós, as plantas, sacudamos o jugo do Sol. Então
surgirá uma geração nova. uma geração livre. Ânimo, pois!
IMPORTÂNCIA DO NASCIMENTO DE CRISTO 107

e conquistaremos a independência. E tu. velho morrão


das alturas, toma conta, o teu império chega ao fim.
As palavras do álamo perderam-se entre a gritaria
e os aplausos vindos de toda a parte. Este entusiasmo
juvenil, tão ruidosamente manifestado, abafou os silenciosos
protestos de desaprovação das velhas árvores.
— Declaramos greve ao Sol, disse de novo o álamo.
Durante o dia suspenderemos todas as funções vitais, e
exerce-las-emos durante a noite misteriosa e sombria.
Durante a noite cresceremos, floresceremos, exalaremos o
nosso perfume e daremos frutos abundantes.
— Abaixo o So l! Seremos livres!
E ficou encerrada a sessão.
No dia seguinte, os homens notaram coisas raras:
O Sol brilhava com todo o seu esplendor, seus raios
ardentes difundiam-se com toda a força vivificadora sobre
a natureza; mas as flores com os cálices obstinadamente
fechados inclinavam-se sobre a terra: as árvores com suas
folhas pendentes sobre a terra voltavam as costas ao sol.
Pelo contrário, ao anoitecer, as pétalas fechadas, abriam-se
e as corolas pintadas de todas as cores erguiam suas bastes
aos pálidos raios da lua e à débil luz das estrelas.
E assim continuaram vários dias.
Mas em breve se notaram mudanças curiosas e estra­
nhas na vegetação. O trigo tombara para o chão, porque
tinha crescido em direcção ao Sol e já não havia Sol para
o qual pudesse levantar-se. As flores empalideciam, os
botões secavam e as folhas amareleciam. Tudo se inclinava
sem vida para a terra, como no Outono.
Então as plantas começaram a murmurar e a praguejar
contra o álamo; mas o chefe da revolta, ainda que também
108 JESUS CRISTO REI

tivesse as folhas secas e amarelas, compelia-as a conti­


nuarem.
— Q ue tolas sois! Náo vedes como agora sois mais
belas, mais originais, mais livres, mais independentes, que
quando suportáveis o tirânico jugo do Sol? Estais doentes?!
Não. isso não é verdade! Sois mais finas, mais nobres!
Adquiristes personalidade!
Algumas plantas, as mais tolas, acreditaram no álamo,
e com os lábios cada vez mais amarelos, cada vez mais
lívidos repetiam vaidosas: «Tomámo-nos mais finas, mais
nobres, adquirimos personalidade.» Mas a maioria decla­
rou-se a tempo contra a greve e voltaram-se para o sol.
Ao chegar a nova Primavera, o álamo seco. descarnado,
erguia, como um espantalho, os ramos esgalhados no meio
da floresta exuberante de vida e animada pelo trinar das
aves. As suas arengas insensatas e a sua mística revolu­
cionária, caira no olvido; à sua volta, as flores convertidas
baloiçando-se ao sopro das auras turibulavam o perfume
do seu agradecimento ao velho Sol vivificador, e as altas
árvores copadas e frondosas curvavam-se perante o astro-rei,
em sinal de gratidão.
Que sucede aos homens sem Cristo? Contemplemos
a vida de familia na sociedade moderna: desavenças, divór­
cios, guerra aos filhos, oposição aos planos de Deus. O s
filhos não se consideram como uma bênção, mas como uma
maldição, um estorvo.
Que faz a humanidade sem Cristo? Observai as
sessões dos tribunais, contai os assassínios, os suicídios
e quantos outros crimes que não aparecem à luz do dia!
E a espantosa imoralidade do cinema, do teatro, do bar,
do cabaret!...
IMPORTÂNCIA DO NASCIMENTO DE CRISTO 100

Considerai as inúmeras superstições, bruxedos, o espi­


ritismo. a fé na metempsicose.
Considerai a vida da juventude: a degradação, a desor­
dem. os suicídios. Quão numerosos são os jovens criminosos
de menor idade. Lede as estatísticas. E que casos! Em
1915 e 1916 compareceram perante o tribunal de Budapest
trinta mil jovens criminosos! Crimes de toda a ordem, não
respeitando sagrado nem profano, nem a idade. Chegaram
até a afogar uma velhinha numa cuba de mosto, que ela
estava preparando.
Eis o que é o mundo sem Cristo!
2.° Mas para que falar sempre dos outros? F alem os
agora d e nós. Como a nossa vida é feliz, quando Cristo
habita em nós! E pelo contrário, quão infelizes nos sen­
timos quando nos separamos de Cristo pelo pecado!
Narra a Sagrada Escritura um episódio de profundo
significado: os Apóstolos pescam toda a noite, trabalham
ardorosamente, fatigam-se com a faina da pesca, e apesar
de tudo não apanham nada. N ão apan ham nada, porque
o Sen hor não estava com eles (')■ Esta cena evangélica
podemos aplicá-la à nossa vida. Sem Cristo a vida é noite
escura, tempestade, insucesso; pelo contrário, com Cristo,
é felicidade, é paz.
Cena curiosa se desenrolou diante da montra de uma
confeitaria. Passando uma criança amimada e teimosa
diante da montra da confeitaria, exigia de sua mãe. cho­
ramingando. que lhe comprasse um enorme pão de chocolate
ali exposto; era um reclame, de madeira, pintado da cor
do chocolate. «Meu filho, isso não se pode comeu, dizia-

(") S . L u cas, v, 5.
110 JE S U S CRISTO REI

-lhe a mãe, para o sossegar; e a criança gritava, chorava...


Por fim a mãe comprou-lhe o reclamo e entregou-lho.
A criança gulosa ferra-lhe os cientes com tanta força que
à primeira dentada lhe saltam dois dentinhos...
Quantas vezes mordemos, também nós, assim, um cho­
colate pintado! Quantas vezes nos assalta a tentação e nos
susurra ao ouvido: «Não faças caso, a lei de Deus é
obstáculo à tua felicidade! Não te é permitdo fazer isso?!
M as... é impossível resistir ao instinto, à natureza... Isto
não é pecado... é humano... toda a gente faz assim.»
E cremos no sedutor! E caimos na tentação!
O h! se compreendêssemos o que significa abandonar
a Cristo!
Antes da sua vinda ao mundo, como chorava a huma­
nidade. como suspirava por Ele!
E que faz agora a alma do pecador? Também chora.
O ruído dos prazeres pode sufocar por algum tempo
a voz da alma. M as... quando numa tarde silenciosa te
embrenhas num bosque ameno e uma serenidade, uma paz
profunda invade tua alm a... quando a doença prolongada
te retém no leito... quando chegas a casa depois da visita
ao túmulo de um ente querido há pouco falecido, e te
sentas no quarto, vazio, triste, frio. a escutar o tic-tac do
relógio de parede, seguindo sua marcha monótona, como
antes nos dias em que te rodeava uma atmosfera de feli­
cidade então, chora em ti uma voz que vem das profun­
didades do teu ser. como um grito do prisioneiro condenado
a morrer de fome e encerrado nos calabouços das torres
medievais; uma voz rouca e angustiosa: *lrm ão, vê o que
foi a lu a alm a sem C rislo! Não sejas cruel, volta à luz.
tom a a Cristo!» Então sentes que. ao intentares sorver o mel
IMPORTÂNCIA DO NASCIMENTO DE CRISTO ui

dos prazeres proibidos, bebeste o fel amargo do veneno


infernal.
Reflecte: furtaste o albeio e tens em paz a tua
consciência?
Calcaste aos pés a bonra do próximo e sentes-te feliz?
Manchaste tua alma pura com imoralidades vergo­
nhosas e permaneces tranquilo?
Separaste-te de Deus; como suportarás os rudes golpes
da vida. se Cristo não está contigo? Quando perderes teus
pais, tua família e te vires abandonado como uma pedra
da rua. como poderás viver, se Cristo não está contigo?
Quando te seduzir o pecado e te assaltar a tentação,
como resistirás, se Cristo não está contigo?
Alegremo-nos com a vinda de Jesus. Alegremo-nos
com o encanto das crianças ao redor da árvore do Natal,
no santuário da família; mas não esqueçamos o motivo da
verdadera alegria: veio Jesus ao mundo, nasceu... nas nossas
almas, na m inha alm a, lim pa d e p ecado, pronta a seguir
a lei d e Cristo.
«P or mais qu e Cristo tenha n ascido em Belém , se não
nasce tam bém em ti, estás perdido etem am ente». (*)

*
* *

Depois da guerra de 1914, causou grande sensação o


livro do escritor italiano. Papini, intitulado: L a Storia di
Cristo. O autor é um dos mais célebres de Itália, e durante
vários lustros foi anarquista, ateu. impugnador acérrimo

( ) Ist Chrislus liundertmal in B rlld rbrm eeborcn,


Und nicbt in <lir, dn bist cwiglich verloren.
112 IESUS CRISTO REI

do Catolicismo. Depois da guerra, voltou a Cristo que


tinha abandonado. Durante quinze meses, retirou-se a um
lugar solitário e escreveu esse belo livro. A H istória de
Cristo.
É impressionante a parte em que descreve a desbragada
imoralidade da vida actual. Bem a conhecia o autor que
a viveu intensamente. Todos se odeiam, todos roubam;
egoismo. podridáo. sangue por toda a parte, escreve Papini.
E, como se isto não bastasse, por toda a parte idolatria:
adora-se a violência, a ira, o dinheiro, a imoralidade.
Morte, lutas, desespero no mundo...
E no fim do livro, este ex-anarquista, este ex-ateu
volta-se para Nosso Senhor Jesus Cristo com uma oração
profundamente impressionante e pede-lhe que venha de
novo viver entre os hom ens.
Senhor! Se vós fôsseis somente justo, não escutaríeis
as nossas preces, porque todo o mal que os homens podem
cometer contra Vó, o têm feito. Judas vendeu-Vos milhões
de vezes, e outras tantas Vos beijou; vendeu-Vos. e não
por trinta moedas de prata; beijou-Vos, e não uma só vez.
Quantos fariseus gritaram durante dois mil anos: Não
queremos Cristo. Ievai-O, crucificai-O! Quantas vezes por
dinheiro, por um posto que queriam alcançar. Vos açoitaram
até derramardes sangue! Quantas vezes Vos crucificámos
com os nossos desejos, com os nossos pensamentos, com as
nossa acções! Quantas, oh! quantas vezes! Ó Deus de
misericórdia!
Expulsámos a Cristo, porque era demasiado puro para
nós. Voltámos-lhe as costas, porque era demasiado santo
para nós! Crucificámo-lo. condenámo-lo à morte, porque a
sua santidade condenava a nossa vida pecadora.
IMPORTÂNCIA DO NASCIMENTO DE CRISTO IS

E agora?
Agora que vemos a nossa degradação moral, o nosso
aviltamento, agora vemos, agora sentimos a falta que nos
faz. Sentimos nostalgia de verdade e de rectidão.
Cristo! o nosso único mal é este: Vós fazeis-nos falta!
O Homem tem fome, quer pão... Mas Vós sois o pão
de que ele necessita.
O homem tem sede, pede que lhe dêem de beber...
Tem sede de V ós!
O doente suspira pela saúde... Tem necessidade de
Vós!
O s que procuram a beleza no mundo, sem o saberem.
buscam-Vos a Vós, Formosura eterna.
O s que buscam a verdade, procuram-Vos a Vós.
Verdade eterna.
O s que desejam a paz. desejam-Vos a Vós. pois só
em Vós pode encontrar a sua tranquilidade o coração
perturbado.
Céu e terra, infelicidade e prosperidade, alegria e
sofrimento, o homem que chora e o homem que ri, todos
clamam por Vós, ó dulcíssimo Jesus!
S ó por Vós suspira a nossa alm a! V inde, ó am ável
Jesu s!
Assim podíamos resumir a súplica de Papini, o con­
vertido.
Assim poderíamos exclamar também nós em fervente
anelo: Vinde. Senhor Jesus! Vinde, vinde a nós que esta­
mos famintos, sedentos, cansados... Teremos em Vós a
fonte da vida que nos dá alívio, força, felicidade...
Vinde, Senhor Jesus, vinde. Cristo Rei!

8
C A P ÍT U L O IX

C risto, R ei d a m in ha alm a

Q
u a n d osua Santidade Pio XI instituiu a festa de
Cristo-Rei, recomendou encarecidamente aos sacer­
dotes que explicassem aos fiéis todos os matizes deste pen­
samento. instruindo-os convenientemente, para que pene­
trassem e compreendessem «a natureza, as propriedades
e a significação desta festa».
Vimos nos capítulos anteriores o que significa, em
geral, a realeza de Cristo; sabemos já o alcance destas
proposições: Cristo é o Rei da vida terrena. Rei da vida
eterna. Rei da Igreja e Rei do sacerdócio; mas isto não é o
suficiente para conhecermos toda a extensão da sua realeza;
havemos de descer a mais particularidades e considerar a
Nosso Senhor Jesus Cristo como Rei das crianças. Rei dos
jovens. Rei da família. Rei dos aflitos. Rei das mulheres...
Que entendemos nós por estas proposições e que con­
sequências derivam delas? Tais são as importantes questões
de que vamos tratar agora.
O presente capítulo servirá, por um lado, de resumo
do que já dissemos e. por outro, será a preparação do que
nos falta ainda expor; veremos que Cristo é Rei da socie­
dade, Rei dos reis. dos povos, das familias... Mas não
esqueceremos que Cristo é tam bém meu R ei.
116 IESUS CRISTO REI

I — Que significa esta ideia sublime: Cristo é meu Rei?


II — Q ue consequências derivam desla verdade para a
minha vida, para as minhas acções, para o meu compor­
tamento?
I

CRISTO Ê MEU REI. QUE SIGNIFICA ESTA PROPOSIÇÃO?

Significa, em primeiro lugar, que a minha alma reclama


Nosso Senhor Jesus Cristo. Cristo é o meu único Senhor
a quem devo obedecer: não digo bem; servi-lo e imitá-lo
não é só um dever para mim. é o meu principal prazer.
n) M eu dever! tNinguém pode servir a dois senho­
res* ('). disse Jesus. Quem são estes dois senhores? O pri­
meiro é Jesus, bem o sei. e o outro? Tudo o que se Lhe
opõe: a malícia, a fealdade, o pecado, o mundo.
E posso hesitar em escolher o Senhor a quem hei-dc
servir?
Seguir o mundo, abandonando a Deus e a salvação
da própria alma, é uma existência, não digo só perdida,
mas desgraçada.
Portanto, é meu dever servir a Deus.
E, que significa servir a Deus? — Pensar na minha
alma. na vida eterna. Como nos prende à terra a vida
moderna! Quão poucos são os que têm tempo para terem
alma!
Um escritor, que conhecia profundamente os homens,
disse em certa ocasião: «Reparemos bem nos desejos, nas
aspirações do homem modemo: saude, felicidade, dinheiro.

(') S. Maleus, vi, 24.


CRISTO. REI DA MINHA ALMA 117

São poucos os que pedem inteligência e, contudo, ela é


necessária para viver.» Inteligência? Digamos mais: quan­
tos há que pensam e desejam ter uma alm a? Não servem
certamente a dois senhores, não servem mais que a um,
a terra, o mundo.
Um escritor alemão Paulo K , numa fábula em que
e l l e r

uma rã é a personagem principal, parece que quis incarnar


na rã o homem moderno. Durante todo o dia não sonha
noutra consa senão em comer moscas gordas e em passear
de braço dado com a sua companheira. O h! quantos e
quantos homens se parecem com a rã desta fábula I
E sobretudo quantos jovens, atordoados pelos prazeres.
levam uma vida desregrada de crápula e de libertinagem,
julgando que ao homem bastam-lhe bailes, noitadas,
cabarés, embriaguez e sensualidade. Bastariam se não
tivéssemos senão corpo. Mas temos também alm al
b) Precisamente porque temos uma alma, que por sua
natural inclinação se eleva para Deus. a imitação de Cristo
é não só um dever mas um desejo, uma felicidade, um
prazer.
Deus é espírito, a nossa alma é espirito; existe, pois,
entre Deus e a minha alma, um parentesco e este parentesco
impele-me para Deus. O arroio tem parentesco com o mar
e por isso corre para ele. A superfície do mar está continua-
mente evaporando-se. e da evaporação nascem as nuvens,
e das nuvens a chuva; mas a água não pode estar separada
do mar, corre sem cessar para ele. Se se lhe põe obstáculo,
poderá deter-se o seu curso durante algum tempo, talvez se
possa desviar a sua direcção, mas por caminhos ocultos, pelas
fendas das rochas, corre com veemente esforço para o mar.
Da mesma maneira a alma anseia por Deus, corre para Ele.
118 JESUS CRISTO REI

Podem pôr-lhe obstáculos, que o são. na verdade


e muito poderosos, os prazeres proibidos, uma concepção
frívola da vida, o pecado; podem conduzi-la por caminhos
falsos; pouco importa! Sentirá dentro de si um vazio, como
a quem falta alguma coisa, e essa coisa é Deus. Não pode
passar sem Deus.
O peixe não se afoga na água. a avezinha não se
perde no ar. o oiro não se queima no fogo. pois assim o
prescrevem as leis da natureza; por isso mesmo eu não
posso viver sem Deus, porque a Deus me prende a minha
própria natureza.
Cristo é meu Rei. Logo, não vivo uma vida humana,
se não vivo uma vida religiosa, porque Deus e a alma
estão feitos um para o outro.
O nosso grande mal provém precisamente de que
muitos católicos separam a vida da religião; estes dois
elementos existem um ao lado do outro, quando deveriam
estar estreitamente unidos e enlaçados. Hoje somos homens
instruídos, e amanhã somos cristãos. Quando rezamos,
voltamo-nos para Deus. e quando começamos a trabalhar,
esquecemo-nos de Deus. Custa-me a dizê-lo, mas sucede
muitas vezes que o cristão, ao sair da Igreja não se distingue
em nada. nem na vida de familia. nem nas maneiras, nem
na moral, nem nas diversões dos que não são cristãos, o que
em boa lógica, não devia suceder. Ao encontrarmo-nos com
alguém, havíamos de conhecer, desde os primeiros momen­
tos, se é ou não cristão.
lte, missa est. Ide. a missa está dita. Saímos da Igreja
e o nosso Cristianismo acabou, ficou lá todo!
Então, precisamente, é que devia de principiar a nossa
missa solene: o grande acto de culto da vida religiosa.
CRISTO. REI DA MINHA ALMA 119

quotidiana, o culto da honradez, da sinceridade, do cum­


primento do dever: devíamos unir a religião com a vida.
Se tivéssemos de escrever a tua autobiografia, que é
o que tu escreverias?
Talvez isto: existiu um homem cuja alma estava
faminta e sedenta de Deus, mas ele só lhe deu como
alimento, apenas ar, vento, aparências. Pensava que a sua
rica fortuna bastava também para a sua alma. Pensava
que a magnificência que ostentava, o automóvel luxuoso,
o bem-estar do seu lar... que todas estas coisas bastavam
e sobravam. Mas a sua alma ficou vazia; mais ainda, como
se fosse um abismo sem fundo: quanto mais juntava e
gozava, mais sentia que isso era supérfluo, insuficiente.
Que triste biografia!
Talvez pudesse escrever-se também esta: Havia uma
vez uma mulher que tinha fome e sede e bebeu todos os
vinhos da vida, mas jamais conseguiu apagar a sede que
a torturava. Era como se alguém chorasse dentro de si
e estendesse os braços como a criancinha que corre desolada
a lançar-se nos braços de sua mãe. Mas em vão: os bailes
incessantes, os passeios intermináveis, as diversões e obri­
gações mundanas, não lhe deixavam um minuto livre para
cuidar da sua alma faminta.
Que triste biografia!
Não esqueçamos: Cristo é o meu Rei, o meu único Rei.
Unir a religião com a vida! Quem quisessse viver só
uma vida religiosa, correria perigo de descuidar talvez obri­
gações importantes e perderia o equilíbrio. E quem se
preocupasse só com a vida material, seria um filisteu
apegado ao pó da terra. Devemos unir as duas coisas:
religião e vida terrena, tempo e eternidade, trabalho e
120 IESVS CRISTO REI

oração; harmoniziar em nós o temporal e o eterno, d e


maneira que estes dois ideais se identifiquem num só. Eis
o que significa este pensamento: «Cristo é o meu Rei!»
c) Mas tem ainda outro significado não menos edi­
ficante: «Cristo é o meu Rei» quer não só dizer que a
minha alma suspira por Cristo, mas que Cristo também
deseja a minha alma.
Mas como? Será possível que Cristo pretenda a minha
alma?! Serei eu um valor real, aos olhos de Cristo?
Que quer Cristo, ao desejar a minha alma?
«Levanta do pó d a terra o desvalido, e retira da lam a
o pobre», responde o Salmista ('). Quer levantar do pó a
minha pobre alma, do pó do pecado e das paixões. O h !
como é horrenda uma alma em pecado e como se toma bela.
formosa, quando se aproxima de Cristo!
E o Salmista prossegue: «para colocá-la entre os prín­
cipes, entre os príncipes do seu povo.» Entre as belezas do
seu reino celestial. Não vemos como, no decorrer dos
séculos. Cristo cumpriu a sua promessa? Que transfor­
mação sofre uma pobre alma que se entrega por completo
a Cristo ! Aí estão Pedro, João. Paulo, S . Francisco de
Assis, S . Agostinho, S . Inácio de Loyola, S . Luís Gonzaga.
S . Estanislau, Maria Madalena. Inês, Cecília. Teresa de
Jesus. Margarida, Teresinha do Menino Jesu s... que encanto
nesta vida de vinte e quatro primaveras!...
Sim, com isto podemos dar-nos conta das profundidades
deste pensamento, que parece tão simples: «Cristo é Rei

0 SaJmo CX1I. 7.
C R IS T O , R B DA MINHA ALMA 121

da minha alma!» Significa sim que a minha alma anseia


por Cristo, mas também significa que Cristo deseja a minha
alma.

II

Não nos podemos contentar com saber o que significa


para nós a Realeza de Cristo; devemos tirar dela as conse­
quências. Se Cristo é realmente meu Rei, que obrigações
me impõem as leis da honra?
1. ° Se me chamo «cristão», este nome obriga-me a
viver, a pensar e a portar-me em tudo conforme ao nome
({ue deriva de Cristo.
Conta-se do rei polaco Boleslau que trazia sempre
sobre o peito o retrato de seu pai e que. antes de tratar
qualquer negócio importante, contemplava a sua imagem
e dizia: «Pai, por nada deste mundo queria fazer coisa
alguma que fosse indigna de vós.»
«Cristo é Rei de minha alma». Sabeis o que isto quer
dizer? Que a imagem de Cristo ficou gravada nela pelo
baptismo, o rosto de Cristo vive em mim. Pobre Cristo!
Em quantas almas o vosso divino rosto não está coberto
de pó. de lama! Mas o nome de cristão impõe uma grave
obrigação. «Vede como se amam! São cristãos!» — diziam
os pagãos ao observarem os primeiros fiéis de Cristo.
«O lhai! Estes são cristãos?», poderiam perguntar os nossos
contemporâneos ao verem a vida relaxada de muitos que se
dizem cristãos.
2. ° Outra consequência. Se Cristo é realmente meu
Rei, não só está em mim a sua imagem, mas Cristo vivo
vive em mim.
122 1ESUS CRISTO REI

Cristo vive em mim; é pois necessário que a minha


vida seja um turíbulo sempre aceso. Cristo habita em mim.
Que pensamento fecundo! Então, não posso sair de casa;
não devo deixar só o hóspede. Como? Não poderei tra­
balhar? Sim. mas o trabalho não deve absorver-me de tal
maneira que me esqueça de Cristo. Não poderei cumprir
muitas obrigações? Sim. mas não devo esquecer-me de
Cristo. Não poderei divertir-me? Sim. mas também então
Cristo deve estar comigo. «Cristo está em mim». Pensa­
mento que abrasa, que purifica, que inflama.
Sim. estou sempre diante de Cristo. Onde quer que
esteja, faça o que fizer, diga o que disser, sempre diante
de Cristo. Que puro devo ser. se Cristo mora em mim!
No santo sacrifício da missa só se podem usar vasos doi­
rados; e se Cristo está em mim, que limpo, que puro, não
devo ser!
Devo ser puro nos meus pensamentos. E tudo o que
eu penso, durante o dia. poderia suportar um exame cons­
ciencioso?
O s meus olhos devem ser puros. E todos os meus
olhares são castos, puros e resistiriam a um sério exame?
A minha língua deve ser pura. E como qualificar as
minhas murmurações, maledicências, calúnias?
É preciso que tudo em mim seja puro, muito puro;
sou um tabernáculo vivo.
3." Se Cristo habita em mim, não hei-de ser somente
um tabernáculo, mas um ostensório, isto é. a minha vida
deve ser uma contínua exposição, uma irradiação dos ful­
gores da alma de Cristo. O rosto é meu, mas a alma que
mora por detrás é de Cristo. A voz é minha, mas a entoação
é de Cristo. Quem me vir a mim, há-de ver a Cristo;
CRISTO. REI DA MINHs ALMA 125

aqueles, com quem eu falar, sintam, vejam a Cristo no meu


olhar, na expressão do meu rosto. No exterior, não há nada
de extraordinário em mim: mas no palpitar do meu sangue,
sintam que vai impelido pelo bater do Coração divino.
Há homens tão semelhantes, que dificilmente se dis­
tinguem. Pois bem, sede um outro Cristo: *V ivo eu? N ão,
não sou eu qu e vivo, é Cristo que vive em mim.» (’) Sou
morada viva de Cristo, sou um palácio vivo de Cristo.
Ouvimos dizer com frequência que o mundo foi con­
vertido por doze Apóstolos. Em parte é verdade, e em parte
não o é. Sim. no primeiro dia não eram mais. Mas todos
quantos entravam em contacto com as almas inflamadas dos
Apóstolos, sentiam-se abrasados e alistavam-se também
como Apóstolos; e estes inflamavam outros, e o amor a
Cristo propagava-se como um vasto incêndio, como uma
vaga e... não te escandalizes, leitor, como uma epidemia.
E já que pronunciei a palavra, vou continuar com a
comparação. No princípio do cristianismo, sentiram todos
os que aderiam a Cristo, o contágio. O s bacilos do cris­
tianismo penetravam e estendiam-se. O que falava com
um cristão, sentia no dia seguinte este contágio bendito,
esta santa doença, esta divina epidemia; sentia-se um
homem melhor, mais humano, mais santo, um outro homem.
Cristo é meu Rei. Sabeis o que isto quer dizer? Que
hei-de trazer em mim este contágio cristão, esta epidemia
cristã, que em toda a parte onde esteja ou fale, comunique
a todos o amor a Cristo. É isto doença? — O h! não, é saúde
vigorosa que comunica a vida eterna.

0 G a ia ta s , II, 20.
124 )ESUS CRISTO REI

Sim, devo ser uma coluna de fogo que guie os meus


pobres irmãos que vagueiam nas trevas, devo conduzi-los
ao coração amante de Cristo. Não com palavras, mas com
toda a minha vida, com os meus exemplos, Hei-de dizer
com o poeta: «É Deus, quem me envia. Irmão, para que no
silêncio irradie o fogo vivo de seus raios, que brotando do
seu rosto brilham na minha alma. Para os irmãos que cami­
nham nas trevas quer Deus que luza como o pirilampo.» (')

*
* *

Que fonte viva de pensamentos, que vigor para a alma


brota desta frase, ao parecer, tão simples: «Cristo é Rei da
minha alma!»
Tal proposição significa que a alma humana anseia por
Cristo, e que Cristo busca a alma humana: significa
também que temos o sublime dever de procurar viver de
uma maneira digna do nome cristão e chegar a ser templos
vivos de Cristo.
Cristo e a minha alma! É suma honra só o poder dizer
que estes dois nomes estão em íntima relação. A i! talvez
na minha vida passada não o pudesse afirmar.
Mas, agora, vou ao encontro de Cristo!
E que noto? Uma coisa admirável: cada passo que
dou para Cristo, são outros tantos que Ele dá para mim.
Com todas as almas que amam a Deus repete-se a cena
encantadora da infância de S . Teresa de Jesus.
A Santa era ainda criança: escutou comovida a história
da Sagrada Paixão, e, em seu coraçãozinho, eclodiu em

O S . S ik .
CRISTO. REI DA MINHA ALMA 123

vivas chamas o sentimento da gratidão e entusiasmo: «Meu


Jesus, que tanto sofreste por mim, eu também quero sacri­
ficar a minha vida por ti?»; e a criança foge da casa paterna
para ir morrer mártir entre os selvagens, por amor de Cristo.
Indo rua adiante, a caminho do martírio, encontra um
lindo menino que lhe pergunta: «Quem és tu?»» e a
pequena fugitiva responde com temor: «Eu sou... eu sou
Teresa do Menino Jesus. E tu. quem és. meu menino?»
interroga Teresa. «Eu? Eu sou o menino Jesus de Teresa»,
responde o menino de olhar vivo e encantador, que logo
desapareceu.
Desapareceu Jesus (')... mas ensinou-nos que quantos
passos dermos para ir até Ele, outros tantos dá E le para vir
até nós, com um sorriso amoroso, ardente, reconfortante.
— Quem és, Senhor?
— E u sou o Cristo, que procuro a alma humanai E lu
quem és?
— Eu sou a alma humana que te deseja a Ti, Senhorl
Eu sou o teu vassalo, sê Tu o meu R ei!

() Aqui o autor, com liberdade poética, funde num só dois factos da


vida da Santa: a sua fuga, quando menina, da casa paterna em busca do
martírio e a aparição do Menino Jesus, quando já freira, perguntando-ihe o
seu nome. Esta aparição difundiu-se por toda a parte levada nas asas da
lenda, mas nenbum historiador contemporâneo da Santa a menciona. (N. do
E. esp.).
C A P ÍT U L O X

C risto, R ei cias C rian ças

// O século xx costuma chamar-se-lhe com desvaneci-


( S L mento o «Século da criança». E com certa razão.
T al vez em época nenhuma se atendeu com tanto cuidado
e solicitude ao desenvolvimento corporal e espiritual da
criança, como em nossos dias. À acção de salvar a criança,
obra em geral de valor inegável, dão-se-Ihe nomes pom­
posos: protecção à mãe e à família, desporto, higiene,
patronato, tribunal de menores, colónias de férias, protecção
à infância, laboratórios pedagógicos, etc., etc.... Tudo muito
útil, e de alto valor, mas parece que se esquece o principal.
É necessário o exercício corporal, é necessária a higiene,
são necessários o sol. o leite, a escola, a ginástica; e de
tudo isso é digno o tesouro precioso do futuro da nação,
mas... não basta.
Não basta, porque a criança, além do corpo, tem
também alma.
Não basta, porque, segundo a nossa profunda con­
vicção, não é mais que um trabalho a meias, e em parte
inútil, se com o desenvolvimento do corpo e da inteligência,
não se cuida integralmente da sua alma.
Neste capítulo, quero tratar do valor d a criança. Quero
mostrar como os pais têm para com os filhos uma obrigação
altam ente honrosa, que Deus lhes confiou, obrigação que
128 JESUS CRISTO REI

devem cumprir escrupulosa e conscienciosamente, porque


dela háo-de dar conta exacta ao Supremo Juiz no último
dia. Queria convencer os pais de que os filhos náo per­
tencem só a seus pais, à sociedade, à pátria, mas que em
prim eiro lugar, pertencem a D eus. fim resumo, o tema
deste capítulo será:
eC risto é Rei das crianças.»
Não quero alargar-me em demonstrar o que pensava
Cristo a respeito das criancinhas, quanto as amava e a
estima singular em que as tinha.
Não houve na terra maior amigo das criancinhas.
O s Evangelhos estão cheios de provas do grande e temo
amor com que Jesus as distinguia, hatigado com os tra­
balhos do dia. pronuncia aquelas palavras para sempre
memoráveis: «Deixai vir a mim as criancinhas.» (**) Quando
entra em Jerusalém, as crianças vão à frente cantando
H ossana. Falando das criancinhas, diz-nos que Deus as
ama de um modo especial, e quem as receber em seu nome.
a Ele recebe (2). É Ele quem promulga a primeira lei de
protecção à infância, dizendo-nos que «quem escandalizar
os pequeninos, melhor fora que lhe atassem uma mó de
moinho ao pescoço e o lançassem no fundo do m ar».(3)
Mais ainda, exige exige dos seus Apóstolos que as suas
almas sejam como a das crianças (*). Gostava de se entreter
com as criancinhas (3) e abençoava-as. São as criancinhas

(') S. Mateus. XIX, 14: S . jMoreos, X. 14.


(’ ) S. Mateus, xvin, 5; S. Marcos. IX. 3 6 ; S. Lucas. IX. 48.
(') S . .Moíp u s , w iu , 6 ; S. Marcos, ix, 41.
O S. M al eus. x v iii , 3 : S. Lucas. IX. 48.
(*) S. M oleus. XIX. 13.
C R IS T O , REI DAS CRIANÇAS 129

que o rodeiam e o acompanham ao templo cantando o


Benediclus, com que a Igreja, ainda hoje, saúda a Jesus,
quando o recebemos na Sagrada Eucaristia (*). Como se
alegrava com a boa vontade de um jovem e que dor amar­
gurava o seu coraçáo, ao ver a juventude extraviada por
maus caminhos! A ovelha perdida, o filho pródigo! Sob
o peso da cruz, a caminho do calvário, ainda se preocupou
com a sorte das criancinhas: «Chorai por vós mesmas e por
vossos filhos.» 0
Donde se conclui que os pais têm uma obrigação suma­
mente importante, a de estimar e amar seus filhos e não
fazer deles um mero brinquedo, boneco, ou uma frivolidade
vaidosa que excite inveja nos outros, mas um precioso
tesoiro de Deus infinito, um homem chamado à vida etem a;
e formar a sua alma segundo a vontade de Deus. é a
obrigação mais peremptória, o dever mais honroso dos pais.

Se a criança não pertence somente a seus pais, mas


também a Deus — e não bá pais cristãos, que neguem esta
verdade — se é verdade que Cristo é Rei das criancinhas,
deduz-se claramente o dever sagrado de educar os filhos
não só para esta vida terrena, mas também e principalmente
para a vida etema.
Contudo, quantos pais esquecem esta verdade de impor­
tância capital! Quantos não fazem os maiores sacrifícios

O S . M ateu s, XIX, 15.


0 S . Lu cas, xxiii , 28.
9
ISO JESUS CRISTO REI

e não se poupam a fadigas nem a trabalhos para conse­


guirem que seus filhos sejam mais amáveis, mais espertos,
mais instruídos! Escola, piano, francês, alemão. lições de
ginástica, de baile... tudo isto está muito bem, mas o teu
filho, tem a lm a ! Preocupas-te também com a sua alm a ?
Não esqueças que o filho é um dom confiado por Deus
e Deus pedir-te-á um dia conta deste tesouro.
Mas talvez me respondam: «Meu filho estuda religião
na escola.»
O h! isso não basta. D e que servem as duas lições
semanais de religião, se em casa. na sociedade, na rua.
ele não vê cumprirem-se as grandes verdades da aula de
religião, mas, pelo contrário, vê exemplos completamente
opostos aos que aprendeu na aula?
«Que hei-de eu, pois, fazer? Hei-de estar sempre a
pregar-lhe? Hei-de obrigá-lo a estar sempre a rezar?» Sim.
tam bém tens de o fazer, falar-lhe muitas vezes de Jesus
e fazer com que ore com frequência. Mas deves fazer mais
aind a.— O quê? — Pode resumir-se em três palavras a
obrigação dos pais: educar os filhos: l.° com disciplina;
2.° com vigilância, e 3.° com exemplo.
1,° E du car o filho com disciplina.
A história de Heli do Antigo Testamento, constitui
um severo aviso aos pais que fecham os olhos a tudo e que
tudo perdoam a seus filhos.
«Castigarei sua casa para sempre, por causa da sua
iniquidade, porque sahia que seus filhos procediam mal
e não os corrigiu como devia». (*) E contudo Heli repreen­
deu seus filhos, mas não com a severidade que devia.

(* ) Livro 1 dos Reis, 111, 13.


CRISTO. REI DAS CRIANÇAS 131

Pois bem, que dirá o Senhor, hoje, ao amor insensato,


«ao amor de macaco» de muitos pais modemos? Porquê
essa expressão, amor de macaco? Dizem que os macacos
amam tanto a seus filhos que de os beijar, lamber e abraçar
tanto, chegam a matá-los por amor. É possível matar-se
alguém por amor? E será possível que os pais matem os
seus filhos por amor? Sim é possível. Podem matar a alma
do filho. E matam-na aquelas famílias que introduzem
em suas casas aquela nova idolatria: senta-se no trono
aquele tiranozinho de quatro ou cinco anos, que chora­
minga. grita, bate malcriadamente o pé no chão, e os dois
vassalos pai e mãe, inclinam-se assustados diante do
tiranete e procuram satisfazer todos os caprichos do seu
idolozinho.
Pais, que não sabeis mandar nos vossos filhos, que
nada lhes sabeis negar, nem sabeis resistir às suas vontades,
lembrai-vos da cobardia de Herodes. não soube resistir ao
capricho louco de Herodias e. contra a sua própria con­
vicção. mandou decapitar a S . João fjaptista.
Não amimeis com excesso vossos filhos, acostumai-os
a obedecer sem réplica. Esta é a verdadeira educação cristã.
Infelizes dos filhos não habituados à obediência, quando
entrarem mais tarde na vida! E também infelizes dos pais
responsáveis!
Mas. se chora o menino? Se ele é exigente? Pois que
chore, isso não lhe fará mal à saúde. Saibam-no os pais:
é melhor que os filhos, enquanto pequenos, chorem por
causa dos pais, porque os pais mais tarde não chorarão
por causa dos filhos.
2 ° Educai os vossos filhos com vigilância.
Como? Havemos de os ter continuamente à vista ou
132 IESUS CRISTO REI

andar sempre atrás deles? N ão; basta que sempre e em


cada momento saibais onde estão, com quem andam e o
que fazem. Pais e mães. sabeis quem é o mais íntimo amigo
de vosso filbo, e quais são as suas conversas? Que socie­
dade frequentam e quais são os romances que lê vossa filha ?
O b ! não digais o que dizem tantos. Não digais: «Meu
filbo é ainda muito ingénuo, muito pequeno e inocente;
ainda não sabe nada.» Não desculpeis desta maneira a
vossa negligência. Que diria S. P , Apóstolo das
a u l o o

gentes, a estes pais? «Se alguém não tem cuidado dos


seus e principalmenle dos de sua família, esse negou a fé
e é pior do que um infiel.» (')
Como? Conheceria S . Paulo a mulher moderna, a mãe
actual? Conheceria aquelas mães que passam o dia em
reuniões de sociedade, em teatros, cinemas, que amimam
seus cãezinbos. mas não têm tempo para cuidar da educação
de seus filhos?
Realmente há mães que com verdade podem alegar
falta de tempo, porque, coitadas, têm de trabalhar para
sustentar a família, e a fábrica, a oficina, o emprego
absorve-lhes a maior parte do dia. Mas estas ao voltarem
tarde a casa, talvez cumpram melhor a sua missão edu­
cadora. Não me refiro a elas, mas a outras, às que vivem
desafogadamente e não têm tempo para cuidarem dos seus
filhos porque, cheias de jóias, vêem-se todos os dias no
teatro, no cinema, na modista, enquanto que a educação
dos filhos, que são as verdadeiras jóias dignas de estima,
a entregam às criadas. Essas não merecem o nome dc
«M ãe»; são umas mulheres a quem Deus concedeu a

(‘) 2.a C a r ia a T im óteo. V, 8.


CRISTO. REI DAS CRIANÇAS 155

bênção de terem filhos, mas que não são dignas do excelso


nome de Mãe.
3.° Finalmente educai vossos filhos com o exemplo.
lnfelizmente vão desaparecendo os belos costumes
cristãos, que davam aos nossos lares antigos tanto encanto
e alegria: a oração da manhã e da noite feita em comum,
leituras religiosas, quadros religiosos em todas as salas
e quartos, conversações piedosas e edificantes. Hoje apenas
conhecemos esse ambiente cristão pela narração das nossas
avós.
«Se a raiz é santa, também o serão os ramos», diz o
Apóstolo S. P ( ’).
a u l o

E se não é santa? E se o pai e a mãe têm a alma fria.


gelada, que será do filho?...

Não esgotámos ainda o tema da educação. Conti­


nuá-lo-emos no capítulo seguinte.
Mas já que tocamos um ponto tão importante e decisivo
para o destino da Nação, permita-me o leitor que diga duas
palavras sobre o mais grave e delicado problema. Não se
escandalize se eu evocar certos factos e falar claramente.
Poderia calar-se o ministro de Deus. quando vemos, com
assombro, que uma falsa e culpável maneira de pensar,
invade o santuário da família cristã? Por mais delicada
e escabrosa que seja a questão, os ministros de Deus não
podem guardar silêncio, diante de tal perigo, porque Deus
lhes ordena, como outrora aos profetas: <Clama, não cesses;

\) ( aria a o s R om an os, XI. 15.


134 IE S U S C R IS T O REI

faz ressoar a tua voz como uma trombeta e denuncia ao


meu povo os seus pecados.» (**)
A Igreja católica não pode fechar os olhos diante da
moda espantosa e horrenda, cujas ondas cruéis e catastró­
ficas ameaçam afogar a vida da família no pecado e exter­
minar a raça.
D e que se trata? Traia-se do amor ou do ódio aos
filhos nas famílias modernas, d a «bên ção» ou da tmaldição»
que são os filhos.
l.° Se deitarmos um olhar retrospectivo à história,
veremos que em toda a parte onde vivem homens honrados,
os filhos foram sempre considerados como uma honra da
família. Mencionaremos de passagem o povo judeu no
Antigo Testamento. A mulher judia chorava inconsolável,
se Deus não lhe concedia filhos. A Sagrada Escritura
transmitiu-nos a oração comovedora de Ana. mãe de
Sam uel: «Deus dos exércitos, se vos dignardes ouvir a
aflição de vossa escrava, se lhe concederdes um filho varão,
eu o consagrarei ao Senhor por todos os dias de sua
vida.» (2)
Lembrai-vos de S . Isabel vivendo triste e desconsolada
por não ter filhos, e qual não foi sua alegria com o nasci­
mento de S . João Baptista! — «E souberam seus vizinhos
e parentes a grande misericórdia que Deus lhe fizera e
congratulavam-se com ela». (*)
Lembrai-vos da história de Roma e detende-vos em
alguns pagãos de sentimentos nobres e rectos. LJma amiga

O Isaías, LVin. I.
O l.° Livro dos Reis, I, 11.
(*) S. Lucas. 1, 58.
CRISTO. REI DAS CRIANÇAS 135

que vem de Cápua visita a Comélia, uma das mais nobres


damas romanas, e não cessa de falar constantemente das
suas jóias. «Amiga, diz finalmente a Comélia. mostra-me
também o teu mais belo adomo. as tuas mais lindas jóias».
E então Comélia chama seus filhos, «eis, lhe diz, estas
são as minhas mais lindas e belas jóias»!
Sim, os filhos formavam sempre parte integrante da
família, não se considerando esta completa sem a bênção
dos filhos.
Perguntai a um camponês cristão, ainda não contami­
nado com as doutrinas modernas: «Tendes família?» E ele
vos responderá: «Sim, tenho cinco», aludindo aos seus
cinco filhos, porque, segundo o seu modo de pensar, onde
não há filhos, não há família.
E na verdade, que é um lar sem filhos? Uma árvore,
que floresce, mas que não dá fruto.
Q ue é o lar mais rico sem filhos? Ê um raio do Sol
de inverno, sem calor.
Q ue é o palácio mais luxuoso sem filhos? Um sum­
ptuoso mausoléu sem vida.
Nos tempos que correm, propaga-se por toda a parte
um conceito terrível, propaga-se a infecção de um mal
horroroso: a família tem medo dos filhos.
É quadro triste e pavoroso, o de um casal, que goza
de saúde, a quem Deus concederia a bênção de ter filhos,
mas eles não os querem aceitar, porque, no seu modo de
ver, os filhos são uma carga.
Quando a mão dos esposos desvia o que é augusta
vontade de Deus, e rejeitam o filho inocente, que Deus lhes
queria dar, cometem um crime horrendo.
136 JESUS CRISTO REI

Causa-nos arrepio o grande pecado moderno, o facto


de vermos os noivos aproximarem-se do altar, com o desejo »
de serem esposos, mas não de serem pais. Ficamos cons­
ternados ao ver que o santuário da família se converte num
antro de pecado; que a casa fica vazia; que o cemitério
não está fora da cidade, mas no seio da familia; que a mãe
não embala o berço como a S S .raa Virgem, mas cava uma
tumba; que o jardim da família não tem flores, que embal­
samem com seus perfumes o lar.
Não quero tratar mais deste pecado nefando, horrível.
Considerem atentamente os esposos que bão-de dar contas
exactas a Deus deste pecado criminoso, desta profanação
e degradação do sacramento do matrimónio, convertendo-o
num pântano imundo de abusos e de pecados.
Mais ainda. Sois réus do crime de lesa-pálría. Não
é preciso reflectir muito, para compreender onde chegará
uma nação, cujas famílias deliberada e sistematicamente
não admitam mais que um filho. Mesmo que tenham dois,
não aumentará a população; pois, em tal caso. morrem dois
velhos e ficam dois jovens. Só onde houver mais de três
filhos poderá crescer a população. E quantas são as famílias
de hoje que não têm mais que dois ou um só filho. OU
talvez nenhum? E isto não só nas grandes capitais ou nas
cidades modernas «moralmente apodrecidas»; este pecado
nefando difunde-se também pela província.— Conhecemos
uma aldeia onde num ano só nasceu uma criança! Ê ver­
dade que essa aldeia não era católica; mas quem não vê
que. infelizmente, esse contágio se vai propagando também
entre os católicos?
Se ninguém se atreve a levantar a voz. levanta-a pelo
menos a Igreja C atólica, e protesta em favor daquelas vidas
CRISTO, REI DAS CRIANÇAS 157

inocentes, a quem se fecha a entracfa na vida. Perder-se­


-iam valores verdadeiramente insubstituíveis, se a Igreja
cobardemente transigisse e não defendesse a criança. Não
teríamos um S. Francisco Xavier, sétimo filbo de seus pais.
Não teríamos S . Teresa do Menino Jesus, a nona e última
filha; nem S . Inácio de Loyola, que foi o décimo terceiro
filho; nem a S . Catarina, vigésima quinta filha!
2.° Bem sei que muitos objectarão: «Sempre existiu
o pecado, e em todos os tempos houve homens maus...»
o) Sim. sempre existiu o pecado, mas nunca em pro­
porções tão assombrosas; nunca com publicidade tão cinica.
com tanta despreocupação, nem com tão refinada maldade.
b) P verdade, respondem outros: «Mas. não conhece
a terrível miséria da sociedade moderna? Não há trabalho,
não há casa. está tudo tão caro! e assim, quase não podemos
viver os dois; que seria de nós se fôssemos cinco ou seis
em casa?»
Que responder? Refutar? Negar? Não: mas sinto-me
perturbado, parece que uma nuvem me tolda a inteligência,
porque tenho que confessar que tens razão... tens razão em
muitas coisas. Bem sei quão cara é a vida moderna.
Conheço os andares acanhados em que as famílias vivem
apinhadas, e quanto custa o sustento diário. E se eu fosse
legislador, ordenaria que o pai de uma família numerosa
pagasse menos impostos e recebesse mais compensações e ao
tratar-se de conceder empregos, fosse favorecido em primeiro
lugar e proibiria oficialmente os anúncios imorais, em que
se busca um casal sem filhos. Sim, eu fazia tudo isso...
Mas depois destas concessões permiti-me que acres­
cente: ApeSar de tudo o preceito é claro e categórico:
a Igreja não p od e ceder. Porque Deus não promulgou o
138 IESUS CRISTO REI

quinto mandamento desta forma: não malarás, a não ser


qu e não tenhas casa; nem formulou o sexto desta maneira:
guardarás a castidade, a não ser que sejas pobre. Náo, no
Decálogo não Há condições: A lei é absoluta. «Não
matarás! Guardarás a castidade!»
c) «Mas. se somos muito pobres? E se a mulher está
doente»?
E não credes que Deus nosso Senhor, que vos dá um
filho, não dará também o pão de cada dia? «A mulher
é doente? Sim. e náo é mais fácil suportar a doença física,
do que pecar e revoltar-se contra a vontade de Deus?
E, se realmente já não é possível educar mais filhos, então
não há outra solução senão guardar continência no matri­
mónio. Mas isso. é muito difícil! Sim, é, mas a Igreja
não pode ceder. E ainda que fique só com sua opinião no
mundo actual desvairado, continuará a levantar a voz com
insistência, defendendo a pureza do matrimónio: defenderá
os inocentes antes de nascerem, porque Cristo é também
seu Rei.
Ainda que se percam muitas almas tíbias, relaxadas,
continuará advogando a boa causa, defendendo não só a
lei de Deus. mas também os interesses das nações.
Digamo-lo claramente: na maioria dos casos, não são
as famílias pobres que têm medo aos filhos. Quais são. em
geral, as famílias mais numerosas? São precisamente as
mais modestas, as mais pobres. E quais são as que têm
um só filho, ou nem sequer um? A gente acomodada, onde
há lugar para muitos filhos, onde a abundância de pão
e leite não faltaria, e onde os filhos são substituídos pelos
cãezinhos. É que os filhos estorvariam as recepções, as
visitas, as diversões e as distracções da mãe.
CRISTO, rei das crianças 139

Mas. que será quando «no dia da ira», «no dia da


miséria e do castigo» os filhos que não puderam nascer
levantarem as suas mãozinhas para vos acusarem ante o
tribunal de Deus?
mães- não quereis mais que um filho, cui­
a o. Que será se Deus vos arrebata esse filho único?
Que sera. quando com os olhos razos de lágrimas, com a
alma esfacelada pela dor ao voltardes do cemitério mur­
murando contra Deus. porque vos «provou tão cruelmente»
tiverdes que ouvir o que um sacerdote respondeu a uma
dessas mães desesperadas:
«Diga-me. Senhora: se agora não tem outro filho, que
substitua o que morreu, d e quem é a culpa?»
E a mãe. desesperada, não ousou responder, porque a
resposta seria a sua própria acusação.

*
* *

Para gravar a moral do presente capítulo, em que


tratamos um assunto de tanto interesse e actnalidade. nar­
rarei uma lenda, que refere um escritor alemão. Paulo
Keller. composta sobre Herodes. o assassino dos santos
inocentes.
Diz a lenda que. sempre que amanhece o dia 28 de
Dezembro d,a dos Inocentes, estes, os meninos assassinados
a traiçao. dando-se a mão. vã0 de romagem até Jerusalém
e para junto da tumba, já esquecida, de Herodes. e entoam
em voz baixa e triste uma canção.
A h! de que fantasmas serão estas vozes? diz. desper­
tando em seu túmulo, o cruel tirano. Tremendo aperta o
JE S U S CR/STO REÍ
140

rosto, o rosto da sua caveira, contra a terra... mas em vão...


o doloroso canto penetra através da terra.
Nãol Isto é intolerável! E o cadáver esquelético de
Herodes levanta-se e deita a correr. E os meninos inocentes
vão atrás de Herodes. Para onde quer que fu,a Herodes.
os meninos inocentes vão após ele. Refugia-se num navio
de corsários que o obrigam a abandoná-lo e os meninos
seguem-no. Foge a esconder-se num bosque cerrado entre
ladrões, que o não querem em sua companhia, o rigan o-^o
a fugir e os meninos seguem-no; foge para um campo e
enforcados, e os mesmos enforcados fazem um látego as
cordas e escorraçam-no... e os meninos seguem-no...
Então... então Herodes pára repentinamente numa
cidadezinba. diante dum casebre e com voz trocista d.z aos
meninos inocentes que o perseguem: «Olhai, olhai a i para
dentro e vede aquela mulher, sobre sua cama pende um
crucifixo, mas ela neste momento, é tão má. como eu o
fui * O s inocentes assustados escondem-se num canto,
abre-se a porta da casa e sai voando a alma dum inocente.
Era a alma dum filho a quem sua mãe pecadora acabara
de dar a morte antes de nascer.
Aqui acaba a lenda.
N o ,» S en h or fesusCri,lo. R ei
P .™ « „ „ue h o la um a ,6 fam ília cri,lã. em q ue e ,l a lendo
seja um a realidade.
C A P ÍT U L O XI

C risto, R.ei dos Jov en s

\ L*s ontincemos com o tema do capítulo anterior. A Santa


Igreja considera-o de suma importância e são tão
severas as suas ordens nesta matéria, que. para as cumprir
nas circunstâncias económicas do mundo actual, requere-se
muitas vezes o heroísmo dos mártires.
Sei-o muito bem. Mas Cristo Rei. que exigiu outrora
dos cristãos a morte d e martírio, tem também direito de
pedir boje a vida de martírio.
Nesta investigação daremos mais um passo. «Quem
tem filhos tem cadilhos», como diz o ditado, ou «meninos
pequenos, cuidados pequenos» e «meninos grandes, cui­
dados grandes», assim diz a sabedoria popular, e não se
poderia encontrar tema mais adequado para o presente
capítulo.
«Menino pequeno... cuidados pequenos». É o que
dizíamos, ao explicar que Cristo é Rei das crianças, que
acompanha com amor cheio de solicitude seus passos e que
um dia pedirá conta rigorosa aos pais da educação e do
bom exemplo que deram a seus filhos.
Mas se a obrigação dos pais é tão dificil na educação
dos filhos, enquanto pequenos, maior é a sua responsa
bilidade e mais difícil se torna o seu cuidado espiritual de
educadores, quando chegarem à idade da puberdade. Os
142 JE S U S C R IS T O REI

adolescentes necessitam mais de seus pais agora, que


quando pequenos, e para os pais é mais difícil cumprir os
deveres paternais agora que eles se vão fazendo homens,
que quando crianças. Menino pequeno... cuidados peque­
nos; menino grande... cuidados grandes.
Quem na hora presente, no mundo actual, tão cheio
de tentações, tem a seu cargo a educação da juventude,
sente a verdade que encerram estas palavras. ,
Mas Cristo é também Rei d a juventude. Temos, pois,
de encarar este grave problema.
I. — Que perigos ameaçam a alma da juventude
m oderna?
II. — Como podem trabalhar os homens já feitos para
que neste precioso tesoiro da Igreja e da Pátria, isto é,
na alm a d a juventude, se firme e consolide o reinado de
Cristo?

Para conhecer devidamente os perigos que ameaçam a


alma da juventude moderna, teria de pintar, embora fosse
a largos traços e com toda a sinceridade, a situação espi-
ritul da juventude actual. dos dezasseis aos vinte anos.
Mas a dor embarga-me a voz, quando quero falar do triste
abandono espiritual em que se encontra a juventude das
grandes cidades, muitas vezes sem culpa própria.
Um exemplo. Hungria. A toda a hora se ouve aquela
canção popular: «Creio na ressurreição da Hungria»; mas.
se olharmos à nossa volta e perguntarmos: «Quem a há-de
ressuscitar? Nós, os homens de idade, velhos, cansados?»
Não; a juventude. — A juventude?! Mas qual? Aquela
CRISTO. REI DOS JOVENS 145

que vemos crescer à volta de nós? Estes jovens, que não


reconhecem autoridade alguma, que não respeitam nem
obedecem a seus pais, a seus professores, a seus chefes de
oficina? Estes jovens de dezoito anos, que, com ar de supe­
rioridade, se riem de todos os ideais, que «já sabem tudo»,
que «conhecem a vida», que «já provaram de tudo»?
Aqueles rapazes e raparigas grosseiros e boémios, em
cujos olh os arde a chama dos baixos instintos, denuncia­
dores do desejo desenfreado do prazer? Aqueles jovens
que nunca abriram um livro de orações, e cuja leitura são
os romances imorais, revistas pornográficas de teatros e
cinemas, que nunca vão à Igreja e ignoram o Museu
Nacional, mas conhecem todos os «cabarets», que não
sabem onde está a Biblioteca pública, mas conhecem todos
os cafés? Esses peralvilhos pálidos, extenuados, empoados,
envelhecidos antes do tempo, esses, é que hão-de forjar um
futuro mais glorioso à pátria?
Não se diga que exagero, que sou pessimista, que não
«ão todos assim. É verdade; não são todos assim. E os pais
cujos filhos e filhas não são como os que pintei, devem,
todos os dias dar graças a Deus de joelhos. M as eu falo
da grande maioria e a maior parte da juventude moderna
— sejamos sinceros — é assombrosamente fútil e frívola.
Escutai as queixas amargas dos homens e mulheres sensatos
contra a juventude, que não reconhece autoridade, que não
respeita os pais, que tudo critica, com ar de superioridade;
basta ler as estatísticas judiciais e vereis como. há vinte
anos. setenta por cento dos criminosos, eram de homens
com mais de trinta anos, e hoje esses setenta por cento
ainda não fizeram os trinta anos. e grande parte deles nem
os vinte! Escutai as queixas dos pais e muitos vos dirão.
144 IESUS CRISTO REI

que, para seus filhos, o lar não é mais do que um hotel em


que pernoitam, passando todo o tempo fora de casa. Não
o duvidemos: a situação espiritual d a juventude actual é
para nos encher de sérias preocupações.

11

Esta é a situação: esta é a doença.


Q ual é a sua causa e como poderíamos remediar o m al!
1.® Por toda a parte ouvimos: «É má a juventude
de hoje.»
É verdade, ela é má. Mas já pensámos como a pode­
ríamos melhorar, o que é que há-de dar uma vida pura
e um espírito forte à juventude moderna ? Pensámos já
nos meios que a poderiam tornar melhor? Quem há-de
corrigir a juventude? A sociedade actual em que vive. onde
se ouve a cada passo a mofa e zombaria de todo o ideal
sério, puro e virtuoso? O s divertimentos do nosso tempo,
o cinema, os bailes em que essa gente frívola, que os fre­
quenta, transgride tão facilmente os limites da moralidade?
É má a juventude actual. Mas, quem a há-de
melhorar? A escola? Não nos iludamos. Quando a honra
e a frivolidade se disputam o coração do jovem, quando o
fogo infernal dos desejos instintivos mina cruelmente a
constituição do jovem, no momento decisivo dos combates
pela pureza, onde encontrarão forças para uma resistência
séria e eficaz? Nas matemáticas? No estudo das ciências
físicas? No estudo das linguas? Não, não.
Talvez algum diga: na «aula de religião»! Sim, esse
é o caminho da salvação. A aula de religião seria um
CRISTO. REI DOS IOVENS 145

auxílio excelente para a educação dos jovens... se os exem­


plos contrários, que vêem em casa ou na sociedade, não
destruíssem toda a sua benéfica influência.
Poderíamos responder deste modo: Quando a aula de
religião se estender à maior parte da juventude; quando
o lar corroborar a influência educadora do ensino religioso;
quando o exemplo dos pais ajudar o trabalho desse ensino
d a religião, como antigamente; quando os pais cumprirem
d e novo a primeira regra da educação, a saber, que a maior
sabedoria está em educar para Cristo... só então se corrigirá
a nossa juventude.
2.° Aos pais. que se preocupam com o desenvolvi­
mento espiritual de seus filhos, não poderei dar melhor
conselho que este: «Educai com Cristo!», não só com pro­
messas e ameaças, com prémios e castigos, mas principal­
mente com Cristo, com o amor de Cristo. Ao menino que,
aos três ou quatro anos, aprendeu a amar fervorosamente
a Cristo, ao menino que. aos sete anos. fez a sua primeira
comunhão e que continua a comungar com frequência, não
é preciso ralhar e ameaçar ou bater, basta que sua mãe lhe
diga: meu filho, Jesus quer que lhe faças isto. Jesus proíbe,
não quer que faças aquilo...
Feliz o menino a quem fala sua mãe como falou a
de S . Luís, rei de França: «Meu filho, prefiro ver-te morto,
antes do que ver-te cometer um pecado mortal.» E estas
palavras ressoaram aos ouvidos de S . Luís toda a sua vida.
Feliz o jovem a quem seu pai diz. como o velho T obias
a seu filho: «Escuta, filho, as palavras de minha boca, e
grava-as profundamente no teu coração... Honrarás tua
mãe todos os dias d a tua vida... Tem a Deus em tua mente
iodos os dias d a tua existência, e não admitas jamais um
10
M6 JESUS CRISTO REI

pecado, e não transgridas os mandamentos do Senhor nosso


Deus. S ê misericordioso e caritativo. Se tiveres muito, dá
com abundância; se tiveres pouco, dá de boa vontade o
que puderes. Guarda-te de toda a impureza. N ão consintas
que a soberba domine em teu coração ou em tuas palavras.
Louva o Senhor em todo o tempo, e pede-lhe que dirija
teus passos e que nele se fundem todas as tuas d elibe­
rações.» 0)
Sim, Nosso Senhor Jesus Cristo é o melhor educador,
porque Ele é quem melhor conhece o coração humano,
porque Ele é o primeiro em fazer o que exige de nós.
e. porque Ele nos dá forças para executarmos aquiio que
nos pede. D ar forças para o bem! Disto depende o resul­
tado da boa educação. Podem-se escrever livros excelentes
sobre a moral, sua beleza, seu valor, mesmo sob o ponto
de vista social... mas para cumprir as suas leis... é mister
a força sobrenatural da graça. Há vinte anos que trabalho
com a juventude. E quantas vezes pude ver os deslizes dos
jovens educados sem religião! Quantos esforços inúteis!
Mas por fim. encontraram a Cristo, agarraram a sua mão
e foi isto o que os salvou. Sim. di-lo-ei sem rodeios: quem
educa sem a oração, sem confissão, sem comunhão, sem
Cristo, não será, no fim de contas, senão um sapateiro
remendão.
Pais. não vos metais entre Cristo e a alma jovem!
Não vos assusteis, se vosso filho ou vossa filha se vai
confessar e comungar com frequência: não digais que são
«beatos» ou «beatas», e que são «botas de elástico», que
não acompanham «o mundo moderno».

0 T obias, cap. iv.


C R IS T O , REI D O S JO V E N S 147

3.° Se Cristo tem tanto poder sobre as almas jovens,


se Ele é o brilho de seus olhos, sua energia, sua formosura,
e lhes dá forças e dinamismo no momento da tentação, então
peço encarecidamente a todos os pais e educadores, juízes
e professores, sábios e políticos, a todos os que tenham
voz e voto para orientar as correntes modernas, peço-lhes
que não permitam que tirem Cristo à juventude.
E quem lho poderá tirar?
a) Arrebata-lho o lar moderno; roubam-lho os pais,
que não rezam, os pais que. diante de seus filhos, não
medem as palavras, os pais que blasfemam, que diante de
seus filhos sustentam conversas licenciosas (e não faltam
estes maus exemplos), os que abandonam a sua educação
às criadas!
«Hoje os filhos não obedecem a seus pais», ouvimos
com frequência. E, vós, pais, obedeceis a Deus? Que é a
autoridade paterna? O reflexo da autoridade divina no
rosto dos pais. Como há-de o filho cumprir o quarto man­
damento se os pais não cumprem os dez? O h ! os olhos
juvenis não só brilham mas também vêem e penetram
profundamente. Pais. não tendes ideia de quantas coisas
observa aquele ser que cresce ao vosso lado. Ele observa
que sua mãe não cumpre os mandamentos de Deus; dá-se
conta de que seu pai não se confessa, nem comunga há
muitos anos. e a fé morta de seus pais produz um frio
glacial na sua alma. Pais, não permitais que tirem Cristo
à juventude.
b) Roubam-Ih’0 os amigos, as leituras, a rua, o teatro,
o cinema, os anúncios e as montras. Todos os dias uma
multidão de jovens devora com os olhos os quadros, tantas
vezes escandalosos, expostos às portas dos cinemas.
148 ]E S U S C R IS T O REI

A lei protege as árvores da rua; a lei protege os bancos


públicos, os postes da electricidade, os passeios, as ruínas
mais insignificantes, mas a pureza da alma juvenil não bá
quem a defenda e proteja. Fazem-se nos teatros e nos
cinemas exibições das maiores imoralidades, e não bá quem
proteste, e não se proíbem tais espectácuios. Se há cadeia
e patibulo para o traidor, que entrega ao inimigo uma
fortaleza, havia de bavê-lo também para os que entregam
ao pecado a cidadela santa da integridade moral da nossa
juventude. Algumas fitas de cinema são anunciadas «só
para jovens que tenham mais de dezasseis anos»... e uma
curiosidade insana rói os jovens que não atingiram essa idade.
O s educadores mais experimentados esgotam-se num
trabalho de Sisifo, quando a grande obra educadora de
vários anos se desmorona com a leitura de um livro obsceno,
com a assistência a uma fita de cinema imprópria, a um
espectáculo imoral, e vêem como o pecado vai alargando
o seu domínio, com uma visagem satânica, como após seus
passos se vai gelando a terra, como desaparece o carmim
de seus lábios e obscurece o brilho de seus olhos, como se
dobram as suas costas, como o carácter se quebranta.
N ão podemos educar o jovem na escola e na igreja,
a ponto de o levar a detestar e aborrecer a imoralidade, se
na rua, no teatro, no cinema, na sociedade, se em toda a
parte só se vêem exemplos e incitamentos à frivolidade
mais perversa.
E não é só o sacerdote que se bá-de preocupar com a
juventude, mas todo aquele que ama a sua Pátria e teme
pelo futuro da Nação. .
Se formos cobardes e cruzarmos os braços, ao vermos
o degradamento moral da nossa juventude, inúteis serão
CRISTO. REI DOS JOVENS 149

todas as reformas, inútil a instrução, ainda que se inventem


novos sistemas de ensino e se intensifique o estudo. O s
resultados serão quase sempre nulos, se não se impede que
os traficantes sem consciência da imoralidade tirem do rosto
da nossa juventude as rosas da nobreza espiritual.
Em muitas nações alguém tem interesse em que o
sangue da juventude se contamine, em que os seus nervos
se debilitem, em que essa juventude caia por terra com
abundância, como fruta ainda não madura, mas já comida
do bicho.
As perdas da Grande Guerra foram grandes, mas o
que acontece actualmente entre os jovens é pior. A guerra
era um rio de sangue, mas o que se dá agora é um envene­
namento do sangue. Envenenam-se as flores da nação;
«e como poderão dar fruto as árvores que não têm flores»?
A força vital de uma raça depende, em grande parte, desta
disjuntiva; que a sua juventude seja vigorosamente reno­
vada, ou que continue a deslizar pela pendente da imorali­
dade para um abismo certo. Aqueles que dirigem os seus
tiros, por meio de publicações pornográficas, contra a saúde
física e moral dos nossos jovens, sabem muito bem que o
primeiro auxiliar para a sua vitória, será uma juventude
degenerada, porque o que for a juventude de hoje, será
a nação de amanhã.

*
* *

Termino o capítulo por onde comecei: «meninos


pequenos... cuidados pequenos; meninos grandes... cuida­
dos grandes.»
150 JE S U S C R IS T O REI

Deus colocou um Anjo à porta do paraíso, com uma


espada de fogo na mão, para que ninguém entrasse.
A alma do filho é este paraiso. Deus colocou os pais
à porta.
Tomai uma espada vingadora, lhes diz, e não deixeis
entrar quem não tem direito.
«Filhas dignas de uma pátria oprimida I Mães. sede
vós o princípio de um futuro mais belo. mais sereno; com
o valor das mães espartanas, conduzi vossos filhos ao
mérito e à virtude. Desenvolvei neles o desejo do que é
belo c nobre. Educai-os para que sejam fortes, amigos da
verdade e da justiça, cumpridores de suas promessas: numa
palavra... para que sejam homens!» (l)
Precisamos de uma juventude que não procure a satis­
fação na lama. mas que, embriagada pelo esforço de sua
energia juvenil, seja capaz de grandes e nobres realizações.
Um juventude que sinta os brios de uma vontade forte,
e tenha um ideal que a dinamize.
Uma juventude que defenda com energia a incolumi-
dade de sua alma contra os inimigos que combate, e possa
lançar em rosto, de frente erguida, contra toda a imundície
moral, a divisa de sua integridade: — «Não, nunca, jamais.»
Uma juventude cheia de confiança no futuro, cheia de
optimismo que não esteja gasta pela vida; uma juventude
de músculos vigorosos, de frente lisa, de olhar brilhante
como o das estrelas... uma juventude qu e tem por R ei
N osso S en hor Jesus Cristo.
A pátria nada tem a esperar de uma juventude física
e moralmente enfraquecida, doentia, cansada antes do

( ') SzÉCIIEN Yl, Crédito.


CRISTO. REI DOS JOVENS 151

tempo, pálida, de olhar lânguido e receoso; precisa de uma


juventude sadia e vigorosa, de jovens íntegros, em cuja
alma brilhe a vida. resplandeça o sol e desabrochem os
botões mais belos da humanidade; uma juventude que
signifique e seja primavera, força, rejuvenescimento, dina­
mismo, alegria, futuro para a nação1
S e a juventude for religiosa, a nação será jovem e capaz
de dar a felicidade a seus filhos.
Cristo há-de ser o Rei d a nossa Juventude!
C A P ÍT U L O XII

C risto, R ei d a F a m ília (1)

V /e s t ecapitulo vamos tratar um tema cios mais impor-


O '\ tantes e transcendentes: Cristo é R ei d a fam ília.
E como a matéria é tão ampla, continuaremos a tratar o
mesmo assunto nos quatro capítulos seguintes. Cristo é
Rei da vida familiar, o único capaz de restaurar e curar
a vida de familia, que se decompõe.
Não é mister demonstrar que esta questão é candente
e de actualidade, que a vida moderna de familia carece
de bases sólidas que a defendam da ruína.
Basta abrir os olhos e observar os escândalos quoti­
dianos, ler as noticias dos jornais e dos debates judiciários,
assistir às sessões em que se ventilam questões matrimoniais,
ouvir as manifestações de médicos e sociólogos, ler as peças
de teatro e os temas das fitas de cinema, os inumeráveis
livros de boa e má literatura, e veremos que a enfermidade
mais profunda, a cbaga mais perigosa da sociedade
moderna, é a crise aguda por que passa a vida de fam ília...
que se desmorona.
Quando o homem tem sangue mau, aparecem-lbe no
rosto erupções da pele. Horríveis são as erupções que
brotam do rosto da sociedade actual. Qual é a sua raiz?
O sangue estragado. O sangue? Sim ; as famílias doentes
infeccionaram com seu sangue impuro o corpo da sociedade.
154 ]ESUS CRISTO REI

E quanto mais perigosa é a chaga, tanto mais urgente


é a sua cura. Todos nos queixamos de que a sociedade
actual está doente. Ditam-se leis para reformá-la. Muito
hem; mas tudo isso não é mais que uma venda sobre uma
chaga a sangrar. Curar a chaga é alguma coisa', mas não
seria melhor evitar que ela aparecesse? Cortar a erva má,
é bom. mas é melhor não a deixar nascer...
Podemos pois afirmar que o problema mais importante
e mais urgente d a nossa época é o restabelecimento da vida
de família. Pensam alguns que o mais importante é sanear
a rua. «Quem tem a rua, tem o poder». Outros pensam
que o mais importante é o parlamento, a oficina, a escola,
a imprensa... Sim. tudo isto é importante, é verdade, mas
não tem uma importância capital. O que é que decidirá
do porvir da humanidade? A família. Ela é o baluarte
da ordem, da vida social, do Estado e da religião. E pre­
cisamente, porque o mal começou por minar a vida de
família, é que a situação actual é tão desastrosa.
Desta questão trataremos noutros capítulos; mas antes
de entrarmos em cheio na matéria, será bom dissipar algu­
mas dúvidas da mente dos leitores.
A questão vital da vida de familia é o matrimónio.
E vai falar do matrimónio um sacerdote católico que
não tem dele a mais ligeira experiência? Como poderá dar
bons conselhos e sugerir pensamentos proveitosos aos pais
de família, homens casados?
É natural que a qualquer lhe ocorra tal objecção.
Notemos que o sacerdote, quando fala como sacerdote,
não é uma pessoa privada. Fala em nome da Igreja Católica
duas vezes milenária; e se o sacerdote católico não tem
sobre a questão experiência pessoal, a Igreja em dois mil
CRISTO. REI DA FAMÍUA (I) 155

anos oferece-lhe uma experiência em toda a sua longa


história. A Igreja tem mais experiência que os mais velhos.
A sua experiência é mais clara, mais nítida que a dos
esposos que vivem cegos pela paixão; mais serena que a
das almas perturbadas pelos sofrimentos. De modo que
poderíamos inverter o raciocínio e dizer: Fala do matrimónio
um sacerdote? Sim, um sacerdote. É melhor que uma
questão tão importante e delicada, que tão facilmente pode
ferir os interesses pessoais, seja tratada por uma pessoa
imparcial, cujo juízo se funda na razão.

Se quisermos resumir em três palavras o que assegura


a felicidade da vida de família, eu escolheria estas três:
fé, harmonia, fid elid ad e.
E se quiséssemos escolher três famílias, na vida de
Nosso Senhor Jesus Cristo, modelos da vida de família,
citaria aquelas três localidades: C aná, N azarel, B etânia.
Aquele feliz matrimónio de Caná será o ponto de
partida da nossa inquirição. A Sagrada Família de Nazaret
servirá de tema no capítulo seguinte. E o lar de Betânia,
de Lázaro, Marta e Madalena, ficará para o terceiro
capítulo.
C aná! Numa esquecida e insignificante aldeia, contrai
matrimónio um casal jovem e desconhecido e convida para
tão importante cerimónia a Nosso Senhor Jesus Cristo.
O Mestre aceita o convite e assiste à boda; leva consigo sua
Mãe e seus discípulos e. para tirar de apuros aos noivos,
faz o seu primeiro milagre. Tal é em substância a simples
156 JESUS CRISTO REI

e encantadora história. Mas que profundas lições contém


este quadro, tão insignificante na aparência!
Um casal jovem quer contrair matrimónio, e convida
para o acto a Nosso Senhor Jesus Cristo!
Sabeis quando é que os noivos de boje cometem a
primeira falta que jamais poderão remediar? Quando con­
vidam para o casamento os parentes, os amigos, os colegas,
as amigas, a costureira, a modista, a porteira, a todos, e só
não convidam a Nosso Senbor Jesus Cristo!
O Senbor é o único de quem se esquecem. Este é o
grande mal. O matrimónio moderno contrai-se prescindindo
de Nosso Senhor Jesus Cristo!
l.° E. ao fazer esta afirmação, eu não penso naqueles
que só contraem matrimónio civil, nem nos que se divorciam
e voltam a casar.
Entre os cristãos é um caso incompreensível. Não se
compreende como um homem cristão se atreva a contrair
matirmónio sem implorar a graça de Deus. «Vais viajar?
Reza uma oração — diz o rifão— . Vais navegar? Reza
duas. Vais casar? Reza cem».
A vida matrimonial é cheia de sacrifícios e respon­
sabilidades. Do altar brota a graça necessária. E só Cristo
imolado sobre o altar pode ensinar os primeiros sacrifícios
do mairimónio.
Por isso Ele encaminha os primeiros passos dos noivos
para o altar, e o matrimónio é elevado à dignidade de
sacramento, a fim de que. junto ao altar, comece não só a
nova vida de família mas também a graça abundnte que
para ela se necessita. Sem o auxílio da graça, é difícil
guardar a fidelidade até à morte; e isto bastaria para con­
denar o matrimónio puramente civil.
CRISTO. REI DA FAMÍLIA (I) 157

£ verdade que no momento do enlace matrimonial os


dois corações vibram a uníssono, mas a chama da paixão
mais ardente acaba por extinguir-se com o tempo; e con­
tudo..., a fidelidade e o amor nunca devem apagar-se na
vida conjugal. Não se apagarão, se o matrimónio tiver
uma base segura, o princípio eterno de toda a fidelidade
e amor: Deu s; por outras palavras, se o matrimónio se
celebrar com a bênção de Deus.
2.° Prescindem de Cristo não só os que celebram o
matrimónio sem a bênção da Igreja, mas também aqueles
que, embora com grande pompa e solenidade, aos acordes
da marcha nupcial de Mendelssobn, contraem o matrimónio,
como se Cristo não estivesse presente.
Prescinde de Cristo, em certo modo. quem não pensa
no matrimónio conforme o conceito de santidade que nos
ensinaram Nosso Senhor jesus Cristo e a Santa Igreja.
Façamos a seguinte pergunta: Q ue é propriamente o
matrimónio? e dirijamo-la à juventude moderna. E veremos
que baixo conceito, que ideia pagã se tem deste vínculo
sagrado.
Que é o matrimónio moderno? O primeiro passo para
o divórcio.
Que é o matrimónio moderno? Uma sociedade de
duração limitada, fundada no prazer mútuo.
Que é o matrimónio? Um negócio público de do ut
dcs, isto é. «dou para receber».
Será o matrimónio uma instituição divina? N ão!
gritam os esposos que o contraem sem Cristo.
£ Deus que ordena a fidelidade até à morte? Não!
E Deus que prescreve a indissolubilidade? Não!
É Deus que concede os filhos? Não!
158 JESUS CRISTO REI

Será a família numerosa uma bênção de Deus? N ão!


mas uma praga, uma estupidez, um anacronismo...
A Raquel bíblica suplicava ao Senhor: *Dai-me filhos,
senão morro.» (’)
Quereis ouvir a suplica da mulher moderna? Não.
não me atrevo a transcrevê-la.
T al é o matrimónio moderno.
E qual é o conceito católico? É um conceito sublime.
Segundo a Igreja, o matrimónio: a) Exprime a relação
que existe entre Cristo e a sua Igreja; b) é a ajuda mútua
dos consortes, e c) finalmente é a participação na obra
criadora de Deus. Sim. mais além da biologia, mais além
do contrato natural... a Igreja vê outras coisas e não cessa
de repetir o seu conceito sublime.
O matrimónio católico é do mais sublime que conhe­
cemos. Três palavras resumem toda a sua grandeza:
Templo, claustro, família!
No templo reunem-se os filhos de Deus, no claustro
vivem as místicas esposas de Cristo, e na família nascem
e crescem os filhos de Deus.
Que é a família segundo o conceito da Igreja?
É a instituição que tem por fim dar filhos ao reino
de Deus aqui na terra, à Igreja, e dar filhos ao reino de
Deus na eternidade, ao céu. A família é o vestíbulo da
Igreja, a família é preparação para o céu.
O mundo actual protesta; não quer admitir que os
filhos sejam uma bênção de Deus e que o opor um dique
à vida. seja contra a santidade do matrimónio. E . é-o,
contudo.

C) G en ., XXX. I.
CRISTO. REI DA FAMÍLIA (I) 150

Se seguirmos portanto a orientação da Igreja, a questão


decisiva na eleição do consorte não será a beleza da noiva,
a fortuna do noivo, o número de casas, de automóveis,
que possui... não, todas estas coisas serão de secundária
importância. A questão principal deve ser esta: «Este jovem
será bom p a i? Esta jovem será esposa fiel?»
O xalá que todos os jovens, que pensam contrair matri­
mónio, tivessem o profundo pensar cristão do conde Estêvão
Széchenyi, que no dia 26 de Dezembro de 1820 escrevia
no seu diário esta oração: «Concedei-me, Senbor, que possa
comparticipar com Celina os dias da minba vida, e que por
ela possa encontrar a consolação e a paz, que por mim
mesmo jamais poderia achar, e juntamente com ela possa
consagrar minba vida a Vós e à vossa maior glória. E se
eu não bei-de ser melhor por ela. nem ela bá-de ser melhor
por mim, então em vez de nos juntardes, separai-nos e
permiti que, por caminhos diferentes. logremos um dia
encontrarmo-nos de novo na eternidade.» (')
Que conceito verdadeiramente sublime e cristão do
matrimónio! «Que eu seja melhor por ela», isto é, por meio
dela, com sua ajuda, com seu exemplo! — E que «ela seja
melhor por mim», isto é, graças a mim, com meu auxílio!
Este é o verdadeiro sentir cristão.
3.° Há ainda outros que contraem matrimónio sem
convidarem a Cristo. São os que deixam para segundo
lugar o que Cristo quer que seja o primeiro na família,
a união espiritual dos esposos e o ofício de pais. Atendem
unicamente ao futuro que se lhes abre, tendo este ou aquele

( ) F ekete A árady : « C on fissõ es e con selh os d e S z éch en y i*.


160 IESUS CRISTO REI

sogro; à casa com tantos andares cjue podem adquirir; aos


hectares de terra que vêm unidos a tal contrato; ao nome
ilustre da família. Todos estes contraem matrimónio sem
convidar a Cristo.
E se assim o contraem, com que direito poderão esperar
a bênção de Deus?
É verdade que o homem não pode viver de ar. e deve
atender ao dote e à garantia do futuro... e deve ter em
conta estas vantagens... mas não em primeiro lugar, não
com a preterição dos valores morais e da perfeita harmonia
dos espíritos. Porque, o jovem que tomar por esposa o
dinheiro, ou a rapariga que casar com o escritório do alto
funcionário, não há-de ficar surpreendida, se lhe acontecer
o que sucedeu àquela rapariga provinciana...
Tinha como pretendente um jovem rico. mas que
andava sempre de taberna em taberna e sempre etilizado.
O pároco quis dissuadir a rapariga: «Não poderás ter.
dizia-lhe. uma vida feliz.» Mas em vão; a rapariga, des­
lumbrada com a riqueza, não fazia senão repetir: «Isso não
é consigo, senhor abade, quer-se alguma coisa para os
olhos.» Casaram-se. Poucas semanas depois, vai a recém-
casada ter com o pároco, coberta de vergões das pancadas
recebidas, o rosto desfigurado; seu marido, bêbado, havia-a
espancado a tal ponto que lhe incharam os olljos. O pároco,
só lhe disse esta frase: «Vês. minha filha, não dizias que
também se necessita de alguma coisa para os olhos?»
Realmente no matrimónio contraído sem C ris to, não
pode haver felicidade duradoira, não pode haver fidelidade
até à morte, não pode haver perseverança.
E porque são tantos os matrimónios assim contraídos,
por isso está doente a vida de família.
C R IS T O . REI D A FA M ÍL IA (1) 161

Q ue falta à vida moderna de família? Não julguemos


que só as manifestações exteriores da vida religiosa desa­
pareceram da família moderna; é certo que desapareceram
os quadros piedosos, o crucifixo das paredes, a água benta,
as orações em comum, e a Sagrada Escritura já se não vê
sobre a mesa. O sítio que antes ocupavam os quadros de
assuntos religiosos, foi preenchido por nus que escandalizam
a alma das crianças. Em lugar do crucifixo, pendurado na
parede (coisa antiquada), vemos a ferradura, nos umbrais
das portas, augúrio de felicidade! Em vez de oração em
comum, antes de ir repousar à noite, ouve-se a voz do
«jazz» transmitida pela rádio; e a velha Bíblia cedeu o
lugar, sobre a mesa familiar, às revistas teatrais. Tudo isto
é, infelizmente, certo, mas não passa de ser uma coisa
exterior e talvez se pudesse tolerar na vida de família...
Há, porém, outro mal mais profundo. Sabeis qual é?
Que as manifestações exteriores da vida de piedade
se foram esfumando, precisamente porque desapareceu da
família o ambiente cristão. S . Clemente Hofbauer. um
santo muito querido dos vienenses, costumava dizer com
um ar de bom humor: «Sabeis?, eu noto logo se estou entre
verdadeiros católicos... tenho uma espécie de bom olfacto
católico.» Quem tem. pois. este olfacto católico, basta-lhe
entrar em contacto com uma família moderna e dirá logo
que alguma coisa falta nessa família. Que é que falta?
O perfume do incenso; o espírito de uma vida de oração;
a atmosfera do sobrenatural, o que faz de uma vida familiar
um verdadeiro santuário. Hoje nas famílias, tudo é humano,
natural, exclusivamente profano.
E onde está o mal? Em que Cristo foi desterrado da
família.
11
162 IESUS CRISTO REI

Na morte de Cristo houve um terramoto. Quando


Cristo é desterrado da família, também se produz uma
terrível comoção, um tremendo cataclismo que cobre de
escombros a família, e ameaça de extermínio toda a
sociedade.
Pelo contrário, quão diferente é a felicidade da vida
de fam ília, cujas bases assentam no convite d e Jesus
C risto... M as... narraremos um facto verdadeiro. Que os
leitores julguem por si mesmos o encanto inefável, a doçura
invejável que inunda a vida das familias que se consagram
a Nosso Senhor Jesus Cristo.
O caso passou-se com um bispo alemão, quando
andava fazendo a visita pastoral. Hospedou-se em casa
de um conde, que tinha na comafrca grandes propriedades;
depois da ceia. prolongou-se a sobremesa em amena con­
versação. quando o filho mais novo do matrimónio, de
quatro ou cinco anos. começou a dormitar, e mostrou desejos
de se ir deitar.
— Mãezinha — disse — tenho muito sono; dê-me a sua
bênção e vou-me deitar.
— Meu filhinho. hoje temos um hóspede muito ilustre,
o Senhor Bispo, ele é que te vai dar a bênção — respondeu-
-Ihe a mãe.
O Bispo chamou carinhosamente o menino, pôs-lhe a
mão sobre a cabecita loura e abençoou-o.
Mas o menino não se ia ... olhando, admirado, à sua
volta. Por fim disse: — Mãezinha. isto não foi de veras;
não é assim que a mãezinha costuma dar-me a bençao.
Dê-me a bênção como das outras vezes.
Agora é o Bispo que pede à Mãe com interesse que
dê a bênção ao filho. A criança traz a pia de água benta.
CR/STO, R E I D A FA M ÍL IA (I) 163

sua mãe traça-lhe com a água o sinal da cruz sobre a fronte


radiante do filho e diz: «Abençoe-te o Deus omnipotente,
I ai. Filho e Espírito San to... Boas-noites, meu filhinho...»
e beijou o filho que. cheio de alegria, correu para a cam a...
Não sentis um ar de pureza, de inocência, um encanto
inexplicável que se evola desta pequenina história, como
o perfume de uma noite de N atal?
Sim, quando Cristo é o Rei da família, ali há fé nas
almas, há alegria nos corações, felicidade nas famílias...

*
SjC $

Termino aqui este capítulo. A sociedade moderna está


mortalmente doente, porque sofre do coração, que devia
levar o sangue a toda a parte do corpo. Está doente a vida
da família. O s matrimónios contraem-se sem Cristo e assim
não têm a bênção do céu. A s famílias hão-de chamar
novamente a Cristo, se quiserem que o lar volte a ser um
santuario. Noivos! Pais! é imenso o dever que vos espera:
com santa impaciência vos contempla a Igreja e o Estado
e é muito o que pedem de vós. Querem que sejais gigantes
como Cristóvão. Sabeis quem era S . Cristóvão? Levou
sobre seus robustos ombros o Menino Jesus que desejava
atravessar o rio... Pois bem, haveis de ser outros tantos
C ristóvãos. Sobre vossos ombros haveis de levar as gera­
ções futuras e salvá-las da corrente tempestuosa, avassa­
ladora: mas não lograreis tamanha empresa se não sois
uns verdadeiros cristóforos, isto é, homens que em vossa
própria alma e na vida de família. leveis a Cristo; ...se não
convidais a Jesus, copiando o exemplo das bodas de Caná,
e não o proclamais Rei da vossa família.
164 JE S U S C R IS T O REI

O governo de Cristo, o reinado de Cristo, santificara


a vida de família: fará desaparecer das paredes os quadros
imorais e das bibliotecas os livros maus; suprimirá o luxo
supérfluo, não deixará ouvir palavras blasfemas e ditos
licenciosos: santificará os trabalhos da cozinha e outros
afazeres domésticos e os risos argentinos das crianças:
santificará as manifestações mais insignificantes da vida
diária; santificará o lar doméstico, transformando-o num
paraiso terreno: e quando houver muitos destes paraísos, o
ambiente cálido, vivificador. propagar-se-á e a fam ília
reform ada, reform ará a so cied a d e hum ana, h oje atacada de
um a d oen ça mortal.
Cristo salvará a fam ília, se a fam ília O aceitar
com o Rei.
C A P ÍT U L O XIII

C risto, R ei d a F a m ília (11)

g
difícil o problema que começámos a discutir no capí­
tulo anterior.
Se alguém procurasse uma frase para expressar as
ideias funestas, as desordens, os sofrimentos, as dores, a
maldição, a tragélia da nossa época, escolheria certamente
a seguinte: «A moderna vida de família.» Pronunciar estas
palavras, é sentir-se perturbado todo o bomem sério. Pro­
nuncia-as e ouvirás as queixas de todos os que se preocupam
com o porvir da humanidade. — «É preciso que haja escân­
dalos», disse em certa ocasião o Divino Mestre: mas que
o escândalo seja de todos os dias e coisa habitual, como o
bocado de pão; que milhares de homens ricos e pobres, ins­
truídos e analfabetos, o tenham como manjar precioso, isso
passa do normal, é um sinal aterrador de desmoronamento
da sociedade. Não esqueçamos que os povos formaram-se
das famílias e perecem também com as famílias.
Isto não seria tão grave, se víssemos o mal só entre os
incrédulos que cantam elogios às filosofias em voga. Se
assim fosse, bem poderíamos dizer: isso é lá com eles. Mas
não é assim.
O sopro de destruição bate. força e abre fendas até
nas portas das famílias cristãs: também bá jovens católicos
que contraem matrimónio sem ter amor no seu coração.
166 JESUS CRISTO REI

ou então deixam-se levar pelo coração, sem reflexão;


abrasa-os uma paixão sem amor e essa paixão destrói a
fidelidade; vivem sem filhos em família, e se os têm, não
se preocupam com as obrigações inerentes aos pais...
Não bá problema mais angustioso que a crise da
família.
E, não obstante, o Pai deu <ludo » a Cristo. Se, pois,
lhe deu tudo, também lhe deu a Familia. N a família nasce
a vida tanto corporal como espiritual; na família se desen­
volve a vida moral e religiosa, como a imoral e depravada.
Tudo depende da família. D ela sai a geração honrada,
conscienciosa, trabalhadora, ideal, de alma pura... e dela
saem também os criminosos, os incrédulos, os vagabundos,
os de alma contaminada...
É terrível o desmoronamento da família! Onde encon­
trar remédio, onde?
No capítulo anterior estudámos o exemplo que nos
oferece o casal jovem das bodas de C aná; na presente
disquisição escolheremos como exemplo a casa de Nazaré,
a vida d a Sagrada Família. Fé, harmonia, fidelidade...
dizíamos. A fé, foi a lição que nos deu o exemplo de Caná.
A casa de Nazaré rescende a harmonia.

O Filho de Deus viveu trinta anos num lar silencioso;


dos trinta e três anos de sua vida mortal, passou trinta em
casa de seus pais.
Poderá haver maior recomendação do lar doméstico?
A frase é dum escritor com chispa: «A pregação mais
necessária em nossos dias: Homens, ficai em vossas casas!»
CRISTO. REI DA FAMlUA (11) 167

O mesmo ensina Nosso Senhor Jesus Cristo perma­


necendo trinta anos no silêncio de Nazaré. Pais. mães,
jovens... permanecei em casa, gozai a harmonia do lar.
Que nos ensina S. José? Pais. passai todo o tempo
possível em vossa casa, no santuário da família, cheio de
amor e harmonia.
E que nos diz a Santíssima Virgem, a Senhora da
Casa de Nazaré? Mães, esposas, haveis de fazer o possível
para que vosso lar seja realmente de concórdia, de harmonia,
a fim de que vossos maridos e vossos filhos não sintam
vontade de abandoná-lo e de o trocar pelo café ou pelo bar.
Santa Casa de Nazaré! União e harmonia perfeita!
Lar repleto de felicidade! Haverá ainda semelhante prodígio
no mundo? Haverá ainda hoje um lar ditoso neste mundo
escuro, neste mundo de um frio glacial e perpètuamente
em luta?
Não o nego. A vida moderna é diferente da de outras
épocas; a vida moderna é difícil, caótica. Contudo, se a
alm a do marido e d a esposa se unem em Deus, se Cristo
é o Rei d a família, é possível também hoje, saborear a
felicidade d a vida de família.
Mas. não havemos de ir buscar a felicidade como
aquele pobre coitado que tinha uma bela casinha, sem ser
um palácio, filhos robustos, mas um pouco travessos, e um
bom ordenado, posto que não chegasse para coisas supér­
fluas; parece que só via as suas deficiências, e durante
muito tempo não pensava no seu bem-estar e acabou por
imaginar que era um infeliz. Começou a aborrecer-se, e um
dia vem-lhe à ideia ir em busca da felicidade.
Saiu de casa, topou companheiros alegres; divertiu-se
à grande, passando as noites em estroinices. Não houve
168 1ESUS CRISTO REI

aparência de felicidade que não provasse, buscando-a por


toda a parte. Durante dez anos. levou vida de boémio em
busca da felicidade. Mas. em vão. Por fim. apodera-se
dele a nostalgia, volta a sua casa abandonada. Ao aproxi­
mar-se. vê uma figura branca e formosa a dizer-Ibe adeus
desde a porta... Quem és tu? pergunta anelante e cansado.
Eu sou a tua felicidade, que tu não reconheceste durante
dez anos; esperei-te e não vieste. Agora vou-me embora.
Adeus, pobre homem desventurado e cego... e o infeliz
ficou só e abandonado, porque reconheceu demasiado tarde
a felicidade do seu lar...
A felicidade da vida de fam ília! É necessário des­
cobri-la. Esta felicidade brilha nos olhos dos filhos, nas
primeiras palavras que seus lábios balbuciam, quando
dizem: *Pai, Mãe», quando tentam os primeiros passos,
quando saltam de alegria junto da árvore do Natal, quando
com o carinho da inocência abraçam sua mãe durante a
oração..., quando em segredo, com a mãe. aprendem e
ensaiam uma poesia para declamar nos anos do pai, quando
contam as impressões do primeiro dia da escola, da primeira
comunhão, do exame final do liceu... quando a filha se vê
coroada com a coroa nupcial...
O h! sim. há ainda uma grande torrente de felicidade
familiar, cheia de intimidade e silenciosa doçura!
«Mas, vós não conheceis a vida! — talvez me diga
alguém. Existem algumas gotas de felicidade, mas. quantos
não são os sofrimentos»!
Sim, é verdade. Dos que torturam a vida matrimonial,
às vezes têm a culpa os mesmos cônjuges; ciúmes, rixas
mais ou menos graves, dificuldades económicas, caprichos
da mulher nem sempre se hão-de atribuir à má sorte, muitas
CRISTO. REI DA FAMlTJA (II) 169

vezes podem-se evitar. Ouvi o que Cristo disse a Pedro:


«Perguntas-me, quantas vezes deves perdoar a teu próximo,
quando te ofender. Até sete vezes? — N ão le digo até sete
vezes, mas até sete vezes sete.» (') No matrimónio. Há dias
calmos e dias tempestuosos: mas se Cristo o abençoou e com
sua bênção o instituiu, então resistirá às mais violentas
tempestades.
Existem também sofrimentos que não se podem evitar:
doenças, desgraças, contratempos, morte: uma fé, porém,
ancorada em Deus sempre ajuda a triunfar. •
E se falta a fé?
Então está tudo perdido. Velar à cabeceira do filbo
agonizante sem ter fé: permanecer de pé diante do túmulo
do marido, que acaba de baixar à terra, sem ter fé; sofrer
os pequenos e grandes martírios da vida, sem ter fé...
é o inferno na terra.
Uma fé viva e uma Harmonia perfeita! Se isto falta,
falta à felicidade do matrimónio uma pedra fundamental,
que em vão intentaríamos substituir. Se falta a mais per­
feita concórdia, a Harmonia, a compreensão entre os esposos,
não pode Haver felicidade na vida de família.
Assim se compreende por que a Igreja levanta a voz
com tanta severidade contra o matrimónio em que esta união
completa ou não pode lograr-se, ou só com dificuldade se
consegue, como no matrimónio misto.

* II

Talvez não Haja lei eclesiástica que tenba provocado


contra a religião católica, tantas criticas, objecções e recri-(*)

(*) S. M ateus, W in, 22.


170 JESUS CRISTO REI

minações, como a sua regra de conduta a respeito dos


matrimónios mistos.
Repete-se até a saciedade que a Igreja Católica é
«intolerante», que «despreza os de outra religião» que «trata
de um modo cruel os homens»... iMas. se estudarmos com
calma a questão, compreenderemos, que a Igreja católica
não pode proceder de outra maneira.
Examinemos com imparcialidade as razões, por que a
Igreja católica desaprova os matrimónios mistos.
l.° para bem dos esposos, e 2.° para bem dos filhos.
l.° Para bem dos esposos. Já vimos o que significa
para o matrimónio a harmonia perfeita, a comunhão dos
espíritos. O matrimónio há-de rejeitar a igualdade mate­
mática 2 —2; o matrimónio há-de dizer que 2 —1: quero
dizer, há duas pessoas que têm um só coração, uma só
vontade, um só desejo, um só ideal, ou como dizem os
alemães: «Dois corações e uma só palpitação.» (')
No matrimónio misto é quase impossível esta concórdia
perfeita. É difícil a harmonia perfeita entre um professor
universitário e uma esposa analfabeta; entre uma condessa
e um labrego; entre um marido de trinta anos e uma mulher
de quarenta. Todos estes matrimónios são realmente para
desaprovar. Porque, se há diferença na posição social, na
cultura, na idade, então é difícil que haja a compenetração
dos espíritos. Mas a greja não proíbe tais matrimónios,
porque neles, ainda que a harmonia seja difícil, não é
impossível; e muita paciência e caridade cristã podem
atenuar estas divergências. Mas se os esposos discordam
na questão mais importante, na religião, tal facto costuma

(‘) Zwei Herzen und ein Schlag.


CRISTO. REI DA FAMÍLIA fll) 171

ser um obstáculo quase insuperável para a harmonia perfeita


dos espíritos, de maneira que a Igreja se vê obrigada a
declarar impedimento do matrimónio a diferença de religião.
Posta assim a questão, poderemos acusar a Igreja de
intolerante ou desprezadora dos fiéis de outra religião?
Deve o marido amar sua esposa, com lodo o seu
coração, e deve também amar a Deus sem reservas, com
todo o seu coração; mas senãotêma mesma religião,
isto é quase impossível. Se não têm a mesma religião,
não se unificarão bem aquelas duas almas, aqueles dois
espíritos: ou não amará sua esposa, ou não amará a sua
religião. Salta à vista a grande dificuldade de evitar os
escolhos.
A Igreja procede atinadamente ao proibir os matrimó­
nios mistos, e entre outras razões, fá-lo com o temor de
que os esposos não possam viver em perfeita harmonia.
a) Comecemos pelo conceito de matrimónio. A fé
católica ensina-nos que o matrimónio é uma coisa santa,
sublime, um dos sete sacramentos' instituídos por Nosso
Senhor Jesus Cristo. E a parte não-católica? Crê, com
Lutero, que o matrimónio é uma coisa meramente civil (*),
ou, com Calvino, que o matrimónio está longe da dignidade
de sacramento, como a agricultura ou como o ofício de
barbeiro.
O católico segue a palavra do Divino Mestre: «O que
Deus uniu. não o separe o homem» (2); quer dizer, o católico
confessa que o matrimónio é indissolúvel. O não-católico
crê que se pode dissolver e divorciar-se. E se o interesse.

(*) Ein àu sserlich , w eltlich D ing.


O S . M ateu s, xix. S. M arcos, X. 9.
172 JESUS CRISTO REI

o humor ou umas questiúnculas se metem de permeio,


abandona a parte católica. No matrimónio misto, a parte
católica é a que mais sofre, porque a outra pode, conforme
pensa, contrair novas núpcias, mas a parte católica sabe
que o vinculo, sendo indissolúvel, permanece até à morte.
b) Em segundo lugar, também não pode haver har­
monia na maneira de ver e pensar em muitas questões
importantes. Os esposos devem-se ajudar mútuamente com
um amor a toda a prova e recíproco. Mas, como poderá
existir este amor se, nas questões mais graves, há entre
eles uma divergência contínua? O católico não quer comer
carne às sextas-feiras, e o não-católico exige-a. O católico
quer rezar as «Ave-Marias» e o não-católico não consente
tal «idolatria». O católico quer ir confessar-se, e o não­
-católico ri-se de tal «superstição». Vão juntos na vida,
juntos na sociedade, no teatro, mas quando chegam à porta
da Igreja, ali bifurcam-se os caminhos; o que é santo para
um. é para o outro motivo de zombaria; o que é dia de
preceito para um. é para o outro dia de trabalho...
c) «Mas não é tanto assim», dirá talvez alguém.
«O homem fino e educado não fere nunca as convicções
religiosas de outra pessoa. Podem viver muito bem e serem
felizes sem que um fira a religião'da outra parte».
Não digo que não. e há casos em que os esposos,
finamente educados, se esforçam por evitar cuidadosamente
em suas palavras qualquer alusão a diferenças religiosas.
Mas, poderemos considerar esta situação como ideal?
Quando, por amor da paz, se têm que calar os sentimentos
mais íntimos, quando durante toda a vida uma nuvem negra
paira sobre a alma. com temor de abordar tal ou tal questão?
CRISTO. REI DA FAMÍLIA (II) 175

Além disso, se os esposos não podem exteriorizar as suas


convicções religiosas, se hão-de reprimir as suas práticas
religiosas com medo de ofender o consorte, que sucederá ?
O que, infelizmente, tantas vezes tem sucedido, nos matri­
mónios mistos: ambas as partes resfriam na sua própria
religião e terminam por não serem nem frios, nem quentes,
nem carne nem peixe, nem católicos nem protestantes, mas
simplesmente baptizados que perderam as suas convicções
religiosas — indiferentes.
2.° Outro motivo tem a Igreja para condenar os matri­
mónios mistos, mesmo quando o consorte acatólico se com­
promete a educar todos os filhos na religião católica. — É a
educação dos filhos.
Porque, se os mesmos esposos sofrem as consequências
de não terem a mesma religião, com maior força de razão,
as sentirão os filhos dos matrimónios mistos. Sublinho:
ainda que todos os filhos sejam educados na religião
católica.
Suponhamos o caso em que os filhos sejam educados
nas mais profundas convicções do pai católico. Quanto
maior for a religiosidade e piedade da criança, tanto mais
depressa deixará sair de seus lábios a triste pergunta,
quando, por exemplo, sua Mãe se despede dela à porta da
Igreja: «Mamã, porque não entra também na Igreja?»
Mais frequente é que a criança receba duas educações
diferentes, uma católica e outra acatólica, opostas entre si.
Qual será a consequência? A mesma como quando mistu­
ramos água quente com água fria, ficamos com água morna,
tíbia; recebendo essas duas educações, católica e não-cató­
lica. ambas tíbias, misturam-se e dá uma completa indife­
rença religiosa.
174 IESUS CRISTO REI

Não acreditas, leitor?


Ouve o que passou certo dia com um casal já entrado
em anos. e que vivia feliz e contente, em sua casinha,
rodeado de um lindo járdim... Ao chegar a primavera, diz
a mulher para consigo: «Meu marido gosta muito de vagens
de feijões, vou semeá-los no jardim para lhe dar uma
surpresa. Como ficará contente!» E semeou-os.
Passados, dias. pensou também seu marido: «Aqui está
um jardim sem rendimento algum, vou semear ervilhas...
é o prato predilecto de minha mulher.» E semeou-as.
Algum tempo depois vai a mulher ao jardim e olha
com curiosidade, a ver se os feijões já nasceram. Vê uma
planta que vem rompendo da terra e... serão já os feijões...
não: é uma erva má, e arrancou todas as ervilhas.
Dias depois desceu o marido ao jardim, para ver se
as ervilhas já deitavam de fora a cabeça. «Que é isto?
não são ervilhas!» e arrancou as plantas que pareciam
ervas más.
E o bom matrimónio esperou, esperou e... ainda hoje
espera colher o fruto do seu trabalho!
Será necessário aplicar o conto ao matrimónio misto
e defender o critério da Igreja? Até os mesmos protestantes
sérios desaprovam tais matrimónios.
Em certos casos, para evitar maiores males, concede a
Igreja a dispensa deste impedimento, mas com a condição
de que todos os filhos sejam educados na religião católica.
Quem não quiser aceitar esta condição e fazer uma promessa
formal de cumpri-la, não pode Iicitamente casar-se e se for
receber a bênção nupcial a um templo não-católico, renega
a sua fé, e então a Igreja excomunga-o e exclui-o do número
de seus filhos.
CRISTO. REI DA FAMIUA (II) 175

— É demasiado, dirá alguém, é uma crueldade.


— Não é. Porque, se crê que a religião católica é
verdadeira, então não pode ceder nem sequer um dos filhos
a outra religião. Na história de Salomão, a falsa mãe daria
metade do filho à outra; não assim a verdadeira, e a Igreja
é a verdadeira Mãe.
— Mas a excomunhão, não será uma verdadeira cruel­
dade? Não posso confessar-me, nem receber a sagrada
Comunhão!
— Sim, mas quem começou? Não abandonaste tu a
religião? Não entraste num templo acatólico? Não cedeste
teus filhos e teus netos e todos os teus descendentes a outra
religião? N ão te podes confessar? Dói-te isso? E não te
dói o teres entregue o teu filho a outra religião, em que
nem ele, nem seus filhos, nem seus netos nem nenhum dos
seus remotos descendentes se poderão confessar? O sacer­
dote católico não te levará o sagrado viático nem assistirá
ao teu enterro? Parece-te dem asiado? Pois também não
enterrará leu filh o... e tu é que tens a culpa.
Não é por crueldade nem por ódio às outras religiões
que a Igreja se mostra tão firme e severa; é que o permiti-lo
sem condições seria uma claudicação inadmissível, e mesmo
com todos os requisitos devidos, a Igreja concede-o a seu
pesar, porque sabe, por triste experiência, qual costuma ser
o desenlace.
A Igreja perdeu já milhares de filhos com os matri­
mónios mistos, e maior é ainda o número das almas que
caíram na tib ieza e indiferença religiosa: por isso, está de
atalaia e evita quanto pode tamanho mal.
Mas. porque procede assim, se todos os filhos serão
católicos? Oh! quão dignos de compaixão são os filhos.
176 IESUS CRISTO REI

cuja mãe não é católica! Não quero rebaixá-la. Deus me


livre disso; se profundamente crê e pratica a religião, res­
peito-a; pode ser mãe ideal sob muitos aspectos, mas não
poderá ser para seus filhos uma mãe em oração, não pode
rezar com seus filhos!

* *

Quantas questões e questões todas de candente actua-


lidade! Não acabaríamos se quiséssemos aprofundá-las.
A questão mais importante, tratá-la-emos no capítulo
seguinte — o divórcio.
Resumindo agora as ideias dos últimos capítulos:
A vida da familia moderna é Sodoma e Comorra;
a família católica é um jardim de Deus florido.
Na família moderna, os pais fabricam o ataúde de
seus filhos antes de nascerem; na família católica, embalam
o berço em que crescem os herdeiros do céu.
A família moderna não dá entrada na vida aos filhos:
a familia católica continua rezando de joelhos: «...e bendito
é o fruto do vosso ventre.»
Os esposos modernos comprometem-se a ganhar juntos
o dinheiro e a fruir dos prazeres. até que se cansem um do
outro; os esposos católicos permanecem unidos de alma e
coração até à morte.
Nas grandes cidades brilham desde o anoitecer as inú­
meras lâmpadazinhas tão amáveis, tão convidativas, dos
lares santos. E brilham também os anúncios luminosos e
tentadores nas ruas. nos cafés, nos bars e nos cinemas.
E sabes, amigo leitor, o que leva à ruína a humanidade
C R IS T O . R E I D A FA M ÍL IA (II) 177

moderna? Ê que as lâmpadazinhas do lar doméstico sejam


vencidas pelos reclames luminosos de variegadas cores, cores
infernais, que seduzem o homem e o fazem abandonar o lar.
iMas a humanidade não recobrará a felicidade, enquanto
a luz meiga e simpática do lar não vença as fosforescências
infernais dos cabarés, cinemas e bars, e a expressão «feli­
cidade do lar doméstico» seja de novo uma realidade.
Salvemos a vida de família que se desmorona; convi­
demos a Cristo, e teremos encontrado o único remédio eficaz
para tanto mal.
Que remédio? Este: fazer do lar um paraíso. Os
nossos primeiros pais tiveram por casa o Paraíso; os esposos
modernos que amam a Cristo, farão um paraíso do seu lar.
E no dia que o lar for um paraíso, o mundo doente
ficará são, restabelecido.

12
C A PÍTU LO XIV

C risto, R ei d a F a m ília (III)

um doente está a ser operado, sucede às vezes


Q
uando
que o médico operador e seus assistentes, descobrem
outras doenças de que não suspeitavam. E então procuram
operar e curar uma e outra doença; e. como é natural, a
operação dura mais tempo do que se pensava ao princípio.
Coisa semelhante íoi o que aconteceu comigo, ao tocar
na chaga gravíssima da família moderna.
É este o terceiro capítulo que consagramos ao mesmo
tema.
Ao princípio parecia que o estudo poderia ser mais
breve e que a operação cirúrgica seria menos complicada.
Mas. ao abrir a chaga, viu-se a extensão do mal. e quantas
questões importantes compreende este assunto. Por isso.
continuaremos com o mesmo tema no capítulo seguinte.
O problema que tratamos é o problema de toda a
humanidade actual. E por mais que o estudemos e exponha­
mos a sua importância e significado, não pecaremos por
exagero. Todos sentimos que não há chaga mais perigosa
no corpo da sociedade; todos sentimos que a família se
desmorona, e todo o homem sério busca no âmbito da sua
actividade. remédio para curá-la. Efectuam-se reuniões para
encontrar meios preventivos contra o contágio do divórcio
que alastra de um modo alarmante. Há países — a Itália.
180 IESUS CRISTO REI

por exemplo—, em que o governo lança grandes contri­


buições aos solteirões, que persistem em não fundar um lar.
lJor toda a parte se criam planos, e se procura debelar
o mal.
Na verdade, essa chaga social, a crise da família, é tão
perigosa que temos de aceitar todo o auxílio, venha donde
vier.
Não nos poderão acusar de parcialidade, se afirmarmos
que este problema é. em sua essência, antes de tudo. uma
questão moral e religiosa, e portanto, não é com reuniões
e leis que se poderá resolver; a solução definitiva só poderá
vir do pensar e sentir religioso. Na religião hão-de assentar
as três colunas que sustentam a família: Fé, harmonia
e fidelidade.
Nos capítulos anteriores tratámos da fé e da harmonia.
Os esposos de Caná deram-nos o exemplo da fé; e a felici­
dade e harmonia, vimo-la brilhar na Sagrada Família de
Nazaré. Agora vamos aprender as lições de fidelidade que
nos d á a fam ília de Betánia. Fidelidade para com Nosso
Senhor Jesus C risto, e fidelidade mútua entre todos os
membros d a família.
I

Vivia perto de Jerusalém uma família feliz e ditosa.


Eram três irmãos: Marta. Maria e Lázaro. O Divino
Mestre distinguiu com amizade especial este lar bendito.
Depois dos árduos trabalhos do apostolado, costumava ir
descansar a casa daquela família, e. nestas ocasiões, as
duas irmãs desfaziam-se em amabilidades e solicitude para
O atender. Os raios do sol de uma inefável felicidade
doiravam todo o ambiente daquela família de Betânia...
CRIPTO. RFJ DA FAMÍLIA (III) 181

Quão ditosa é também hoje a família em que pai, mãe


e filhos, cuidam desta amizade ardente e sincera, desta
fidelidade santa a Nosso Senhor Jesus Cristo.
A desgraça também os pode visitar. Porque, onde está
a família que não tenha também seus dias tristes? Mas
são felizes também então, se podem orar deste modo:
«Senhor, lembrai-Vos da nossa fidelidade para convosco:
lembrai-Vos das promessas que nos fizestes junto do Altar,
quando recebemos o santo sacramento do matrimónio, de
nos dar graça e força para perseverarmos e Vos sermos
fiéis.»
A família de Betânia, sentiu como as outras, o peso
da desgraça, das horas críticas. Quem foi a sua ajuda
nessas ocasiões? Cristo, o amigo da família. Lázaro cai
doente. Jesus está longe. As irmãs cuidam com temor
e carinho do doente, cujo estado se agrava a cada momento.
«Senhor, aquele a quem amais, está doente»! É este o
recado que mandam a Jesus. Jesus não chega.— Muitas
vezes também me parece a mim que não me escuta!
— Lázaro, entra em agonia: as irmãs pesarosas esperam
a todo o momento a vinda de Cristo: mas Jesus não vem.
Lázaro morre e Jesus não apareceu.
Não amava Cristo esta família? Oh! sim! E apesar
disso, permitiu que a visitasse a desgraça e a desolação?
Sim. mas com isso abriu-nos uma fonte abundante de
consolação: sabemos que Cristo, ainda que não nos livre
de todas as desgraças, sabe tudo quanto se passa, e que.
se permite a desgraça, a dor, tem algum plano que nos
favorece. Como diminuiria o número das famílias infelizes,
como cresceria a paciência e a alegria no lar. se na adver­
182 IESUS CRISTO REI

sidade todos acudissem a Cristo, isto é. permanecessem


fiéis a Cristo, como a família de Betânia.
2.° Além disso: F idelidade... mútual
Ao pensar na famiiia de Betânia, sentimos um ambiente
de paz: atenção tema, amor abnegado e perdão magnânimo
das respectivas fraquezas humanas.
Na família, que guarda fielmente os mandamentos de
Deus, embora por vezes baja pareceres contrários e leves
deslizes — todos somos homens — não há rancor e sobretudo
não h á graves desavenças e muito menos divórcio!
O homem não esquecerá a recomendação de S . P aulo:
«Os maridos devem amar suas mulheres como a seus pró­
prios corpos.» (') — Como a seus próprios corpos! Se algum
membro do corpo está doente, não o amputamos logo, nem
nos apartamos dele, nem sequer arrancamos um dente que
nos dói, mas procuramos curá-lo, obturá-lo.
Recordará também o homem o que. noutro lugar, diz
o mesmo S. Paulo: «Maridos, amai vossas esposas e não
as trateis com aspereza.» (“). Portanto, não devem amar­
gurar a vida da esposa com ordens despóticas e tirânicas.
Não foi do pé que Deus formou a mulher mas da costela,
perto do coração, para significar que ela não é escrava, mas
companheira.
Talvez aflore aos lábios de alguma das minhas amáveis
leitoras um sorriso de satisfação. Sim, mas ouvi. estas
outras palavras de S. Paulo: «As mulheres casadas estejam
sujeitas ao seus maridos, como ao Senhor: porque o marido
é a cabeça d a mulher, assim como Cristo é a cabeça da *()

(') C ar ta aos Efésios, v, 28


(*) C aria aos Colossenses. m. IQ.
CRISTO. REI DA FAMÍLIA IIIII 185

Igreja.» (‘) Santo Agostinho chama a atenção sobre o facto


de que Deus não formou a mulher d a cabeça do homem;
portanto, não é ela que manda em casa.
Em poucas palavras: a mulher deve reconhecer no
marido o senhor da casa, e o marido há-de tratar a mulher
como verdadeira «consorte» isto é. intimamente unida à
sua própria sorte, tanto nas alegrias, como nos pesares.
Fidelidade no matrimónio!
Quantas mulheres cristãs, não se cobrirão de vergonha
ao pensar em Penélope, a pagã! Quem era Penélope?
A esposa do grande herói grego — Ulisses. Partira este
para a guerra, para o cerco de Tróia; e durante 20 anos
foi Penélope assediada por cento e oito pretendentes, e de
todos triunfou, permanecendo fiel a seu marido. Quando
já não sabia que dizer para se desembaraçar deles, ocorreu­
-lhe esta magnífica resposta: «Muito bem, quando acabar
de tecer esta teia. resolverei.» E durante o dia, à vista dos
pretendentes, trabalhava pacientemente, tecia sem cessar;
mas de noite desfazia tudo quanto tecera durante o dia.
Por fim. vinte anos depois, voltou seu marido.
Fidelidade no matrimónio!
Os judeus do Antigo Testamento apedrejavam os que
cometiam o adultério: os egípcios pagãos flagelavam os
homens adúlteros; e à mulher adultera cortavam-lhe o nariz:
os árabes decapitavam o réu de tal delito: os espartanos
não tinham pena marcada para o adultério. A sanção deste
crime não vem nas leis de Licurgo nem a infidelidade é
sequer mencionada. Perguntando um dia um estrangeiro
a um espartano: «Como é que as vossas leis castigam o

f) Carta aos E fésio s, V, 22-23.


184 )E S U S C R IS T O REI

adultério?» respondeu o espartano: «De nenhuma maneira,


porque entre nós nunca se cometeu esse crime!»
Fidelidade no matrimónioJ

II

Mas se a vida conjugal harmónica e fiel exige tanto


domínio das próprias paixões, tanta abnegação e espírito
de sacrifcio, então — creio que não estranhareis o que vou
dizer — temos de educar a juventude, os jovens e as rapa­
rigas, de uma maneira mais consciente do que até agora,
em relação ao matrimónio que os espera, à harmonia que
deve reinar na fam ília à fidelidade que devem guardar até
à morte.
Educar melhor os rapazes e raparigas para a vida do
matrimónio?! Mas que novidade é esta? Sim: não se trata
de uma atrevida inovação; trata-se de aprender as lições
que nos dá a experiência.
l.° Não é difícil a primeira lição. Elnsina a expe­
riência que na maioria dos casos há divergências e desgostos
sérios entre os esposos, simplesmente porque não sabem
sofrer com paciência, não são compreensivos, nem têm
espírito de conciliação. Eduquemos pois a juventude desde
a mais tenra idade para que nesta época tão egoísta, saiba
suportar as debilidades, as imperfeições e defeitos alheios.
Eduquemo-la de tal sorte que não se acostume a dizer
sempre: «foi ele quem começou», «é ele quem tem a culpa»
mas que saiba dizer: «mea culpa, mea culpa»; sim, a culpa
é minha.
Eduquemo-la para que neste mundo egoista não espere
sempre a emenda do outro, mas que procure cada um
CR/STO, REI DA FAMÍLIA (lll) I8 S

corrigir-se primeiro a si próprio. Eduquemo-la para que


saiba buscar não o que Ibes agrada, mas o que agrada
aos outros.
E então se compreenderá que, se duas almas assim
educadas se unirem pelos laços do santo matrimónio, um
tal matrimónio será de barmonia e fidelidade, porque
nenbum dos dois procurará a própria felicidade, mas a
felicidade do seu consorte; e, com o desejo de fazer feliz
o seu consorte, encontrará cada um para si a felicidade
familiar mais íntima e firme.
2.° Outra lição de experiência, que devemos apro­
veitar na educação da juventude. A causa de muitas
discórdias conjugais está num temperamento que se melin­
dra facilmente, na falta de domínio de si mesmo ou como
costuma dizer-se com uma palavra da moda. nos nervos.
Não o nego... Os nossos nervos estão mal. O curso
vertignoso da vida moderna vai roendo constantemente os
nossos nervos. Mas nem por isso temos de considerar como
nervos tudo aquilo que com mais acerto diríamos que foi
precipitação, vontade fraca e falta de educação. É verdade
que o sistema nervoso nas gerações actuais se encontra
debilitado, não tem aquela segurança e firmeza que tinba
o dos nossos antepassados; a consequência a deduzir é que
devemos ensinar a juventude a dominar-se, a que seja
serena, calma, que proceda só depois de reflectir e não por
impulso d a ocasião, dos nervos.
Se não têm domínio de si mesmo, uma futilidade, uma
ninharia basta para que dois esposos comecem a discutir.
Se não têm domínio de si mesmo, uma futilidade,
uma ninharia basta para que dois esposos comecem a
discutir.
186 JESUS CRISTO REI

«Olha, minha querida, que bem voam aquelas duas


gralhas»... (') «Sim, responde a esposa, eu vejo. eu vejo.
mas. não são duas, são três». «Como são três? São só
duas». «Duas? então, não disse eu. que são três»! «Mas
é que só são duas»! «Oh! nunca posso ter razão nesta casa!
(e a mulher começa a choramingar). Apesar de tudo. são
três. sim exactamente três».
E por desfecho: «Não posso aqui viver, vou para casa
da mamã.» Séria inventada pelo poeta esta história?
Infelizmente. não. copiou-a da vida.
Devemos educar-nos para dominarmos as nossas emo­
ções. para sofrermos com paciência, para dominarmos os
nossos próprios nervos.
Sócrates dá-nos um nobre exemplo. Em certa ocasião
sua esposa Xantipa. de carácter azedo e iracundo, começou
logo de manhã a injuriá-lo. A tempestade de insultos
chegou ao seu auge. e Sócrates sem responder palavra, abre
a porta e sai de casa.
A mulher enfurecida, chega à janela e deita-lhe uma
bacia de água sobre a cabeça. Sócrates. pára. olha para
cima, e assim todo molhado, diz com toda a calma: «Já o
esperava, porque depois do trovão, costuma chover...»
E não terminaram as lições da experiência.
3.° Se eram importantes as anteriores, a que desejo
expor agora, é-o ainda mais.
O fundamento mais sólido da harmonia e fidelidade,
que deve reinar na família, é que os nubentes se aproximem
do altar em que hão-de prometer eterna fidelidade, com o

(') Alude o autor à poesia intitulada. H árom u daru. São três as


gralhas — do grande poeta húngaro Iom pa. (N . do trad . esp.J.
CRISTO. REI DA FAMÍLIA IIII) 187

níveo manto de uma juventude inocente. A Igreja católica


é inflexível neste ponto: se tem em alta estima a vida
matrimonial, considerando-a um ideal sublime elevado à
dignidade de sacramento, abom ina todo o acto sexual fora
do matrimónio, condenando-o como crime e como revolta
contra Deus. E não faz distinção entre homem e mulher.
O mundo moderno desculpa com benevolência certos
deslizes, se sâo do homem, pelos quais desprezaria a mulher.
N ão; Nosso Senhor Jesus Cristo não nos outorgou duas
classes de moral, uma para os homens e outra para as
mulheres.
A vida completamente pura e continente, antes do
matrimónio, obriga do mesmo modo o homem e a mulher.
Como cresceriam o número das famílias felizes neste mundo,
se todas cumprissem estas leis da Igreja!
Pais, educai a vossos filhos na pureza antes do matri­
mónio! Defendi as raparigas, mas não estão dispensadas
de me ouvirem. Ainda que no fim do capítulo também
hão-de ouvir o que merecem. Quero chamar a atenção
para uma das muitas causas de altercações, amarguras
e divórcios: o luxo d a mulher, o teor d a vida em que se
põe, onde se mostra o seu desejo de brilhar. Sei que esta
frase levantará protestos e censuras, mas não importa: devo
dizer o que sinto. Disse também, que deviamos educar a
juventude para que tenha uma vida pura; e agora acres­
cento: eduquemos as raparigas para que moderem as suas
pretensões, para que sejam sóbrias nos seus desejos.
Diz um escritor que a mulher moderna deita, com
facilidade, pela janela, três coisas: o tempo, o dinheiro
e a saúde. Julguei a principio que isto era um exagero.
Mas. depois li uma estatística: segundo os dados oficiais.
188 JESUS CRISTO REI

as mulheres gastam nos Estados Unidos, trinta milhões de


dólares por dia em cosméticos, ou seja, cada mulher gasta
em enfeites três vezes mais do que gasta em comida. Eu não
sei o que pensam os jovens da América. Talvez as donzelas
americanas sejam tão feias que necessitem de tantos pro­
dutos de beleza; ou talvez seja o que pensam e dizem
alguns jovens europeus: «Eu não me atrevo a casar-me, não
me quero aventurar a um jogo tão ruinoso.»
Sim, aqui na Europa, é o que pensam os jovens.
Por toda a parte se ouvem queixas de que os jovens
não se casam. Mas sejamos justos; não será talvez porque
as raparigas, terrivelmente exigentes, lhes metem medo?
«Mas isto é intolerável, é para cair doente, vê que vestido
tão lindo tem a minha amiga. E não tens dinheiro para mo
comprar? Mas se é necessário arranjá-lo!...» «Sabes?
F. tem um automóvel novo... isto não pode ser, compra-me
também um; para isto há-de haver dinheiro».
E podíamos continuar...
É forçoso educar a rapariga moderna para uma vida
modesta, moderada, simples.
Sei que muitas jovens ao ouvirem tais frases estremecem
e desculpam-se: «Se fôssemos modestas, simples e sóbrias
no vestir, então ninguém olharia para nós e não nos casa­
ríamos...»
Quem assim discorre talvez ignore que a juventude
moderna é diferente da antiga; que há um sector de jovens
que depois das lutas vitoriosas dos anos críticos se apre­
sentam ante o altar com a alvura de uma vida inconta-
minada; que há jovens para quem a carta de recomendação
não é o penteado ò la garçonne, não é a liberdade desen­
freada nas palavras mas a delicadeza de uma alma feminina,
C R IS T O , REI D A FA M ÍU A (III) 189

e uma fina educação; que não consideram «bota de elástico»


nem «arcaica», a rapariga que não se pinta e que não sabe
dançar o cbarleston; que não vêem com agrado o cigarro
em lábios femininos; mas buscam com afã uma rapariga
modesta, que não aumenta sem tom nem som a factura da
costureira, que não se importa com bares nem mesmo com
bailes, mas. em paga, é compreensiva, amável, e saberá ser
b oa para com seu marido, mãe abnegada de seus filhos,
perfeita dona de casa e enamorada do seu lar.
Sim, se houvesse assim muitas raparigas, a grande
crise d a vida d a família moderna, estava resolvida.
CAPÍTULO XV
C risto, R ei d a F a m ília (IV)

os meus leitores a história de Catarina


o n h e c e m

Jagello. esposa de um príncipe finlandês? Bem


merece esta mulher heroica que encetemos este capítulo
com o seu nome. Vínhamos tratando da grave crise que
atravessa a família, e com o presente capítulo terminaremos
tão importante tema.
Contudo, falta-nos ainda tratar o ponto mais escuro
e doloroso da questão, a parte mais grave do problema, a
chaga que penetra os ossos e rasga a came viva, que mais
faz sofrer a humanidade e cujas funestas consequências
arrastam toda a sociedade à beira do abismo, a horrenda
chaga do divórcio.
Quem era Catarina Jagello? A esposa de João W asa,
príncipe da Finlândia. Os suecos cativaram o príncipe
e condenaram-no a cárcere perpétuo em Estocolmo. Catarina
acudiu a toda a pressa a Estocolmo e disse ao rei da Suécia:
«Majestade, permita-me que eu fique também encarcerada
com meu esposo.»
— Mas que lembrança, exclamou Erich. o rei sueco.
Sabe que seu esposo não voltará a ver a luz do sol?
— Sim. majestade, sei.
— E sabe que. além disso, não será tratado como um
príncipe, mas como um rebelde, que cometeu um crime de
lesa majestade?
192 JESUS CRISTO REI

— Sim, sei-o, majestade; mas livre ou prisioneiro, ino­


cente ou culpado, João W asa é meu esposo.
O rei, sentiu-se comovido.
— Mas. eu creio, disse ele a Catarina, que a conde­
nação do rebelde rompe os laços com que a ele estava
atada... portanto, desde hoje é livre.
Como resposta, Catarina tirou do dedo a aliança do
casamento e disse simplesmente: — «Leia. majestade.»
Na aliança estavam gravadas estas palavras: Mors sola
— só a morte. E Catarina entrou na prisão e viveu durante
dezassete anos no cárcere ao lado de seu esposo; então
jnorreu Erich e João W a sa recuperou a liberdade.
Mors sola! Só a morte pode separar-me dele. Robusto
ou doente, rico ou pobre, livre ou prisioneiro, belo ou feio,
amável ou caprichoso... não importa; ele é o meu esposo
e nada me separará dele, a não ser a morte.
M O RS SO L A ! SÓ A M O R T E !

*
* *

Compreendeis, pois, por que comecei este capítulo com


a história desta mulher heroica, desta mártir da fidelidade
conjugal: para que fique bem em evidência a espantosa
frivolidade que envenena o pensamento da sociedade,
quando se trata da fidelidade dos consortes.
O que mais espanta é que este mal terrível não devasta
só o campo dos incrédulos, mas em muitos pontos rompeu
os diques da Igreja e inundou muitos países católicos.
Nalguns países de arreigadas tradições cristãs, há um
número exorbitante de divórcios. Ficamos pasmados, ao
CRISTO, REI DA FAMÍLIA (IV) 195

darmo-nos conta do ponto a que chegámos; e com vergonha


reconhecemos que os antigos povos pagiôs ttnham en T i^ iT
conta o matrimónio que os pagãos modernos.
Os antigos pagãos sentiam-se dominados por uma
certa emoção e cheios de respeito ante a misteriosa origem
da vida.
Eles honravam não só as fontes da água cristalina
mas também a fonte da vida. o matrimónio. Quando se
uma o homem com a mulher, parece que tinham consciência
de que os nubentes colaboravam com o Criador e rodeavam
as cerimónias de religiosidade e mistério.
Mas hoje vemos com tristeza que o que honravam os
mesmos pagãos, o que Cristo elevou à dignidade de sacra­
mento. o que S. Paulo qualifica de «grande mistério»,
ê agora desprezado. A honra e o respeito d a união matri­
monial quão baixo se cotizam nos tempos que correm!
Parece que chegámos ao lastimoso estado de decadência
de Roma. quando as mulheres não contavam os anos «ab
urbe condita» desde a fundação da cidade, mas pelos
maridos que haviam tido! Hoje também se casam os homens
para se divorciarem, e divorciam-se para se casarem.
Sera preciso aduzir algum exemplo, algum dado. algum
número? Por detrás dos dados estatísticos, descobrimos a
terrível miséria moral que nos envolve.
Nos Estados Unidos, durante os últimos cinquenta
anos houve 2.500.000 divórcios. Que significa este número
exorbitante? A proporção é a seguinte: Em Ohio por 5.4
matrimónios há um divórcio; em Oregon 2. 6; e num
Estado em 1.000 divórcios encontramos apenas 900 casa­
mentos!
13
194 JESUS CRISTO REI

Para chegar à Rússia soviética não há mais que um


^ s s o Até ainda'fiá pouco, registavam-se os matrimónios,
agora nem sequer isso se exige. Um homem vai à polícia,
puxa pelo seu bilhete de identidade, e a n o ta -C a s a d o -
sobrepondo-lhe o selo branco, e está casado - Com quem
Não importa, com quem quiser. Até quando? Ate quando
quiser. T al é a notícia publicada em 19 de Novembro
de 1926. pelo jornal holandês M aasbod e.
«Mas isto é na América e na Rússia sov.et.ca; entre
nós. porém, não é tão grande o mal».
Não é tão grande o mal. M as as coisas encam.nham-se
para lá e isto é uma verdade que todos vêem. bastar,a
confrontar as estatísticas de certos Estados europeus para
nos convencermos disso. Perguntaram um d,a a um ca
lheiro: «Olá. então, disseram-me que ias sery.r de test -
munha no casamento da Hortênsia...» E ele responde:
«Mas não é neste, a minha vez ficou para o segundo ou
terceiro casamento.» . .
Será por acaso um exagero do temor, um pess.m.smo
sem razão?
O xalá fosse assim: mas não o creio.
Observemos o ambiente. Homem e mulher começaram
a ralhar. Nada de particular, fraquezas humanas; mas
ralham e zangam-se por umas ninharias, terminando muitas
vezes: «Pois sim. se não esiás contente, dlvomemo-nos.
sim, divorciem o-nos.» ,
Ouçamos um de tantos casos que se passam na vida.
Um casal vai ter com o sacerdote e pede que os «case»
E com uma ingenuidade desconcertante, contam que «ele»
já esteve casado com «outra» e «ela» com «outro, e porque
eles eram insuportáveis, por i*so se divorciaram, e apre-
CRISTO. REI DA FAMÍLIA (IV) 195

sentam o documento oficial do Estado. Divorciaram-se...


e agora querem casar de novo!
Instala-se na aldeia um novo vizinho, ou chega um
novo empregado público à pequena aldeia da província.
Visita o pároco e este retribui a visita. E depois sabe-se
o caso: duas esposas este o cavalheiro e um marido a
senhora antes deste matrimónio... protestam que têm vivo
interesse pela próquia. e que serão seus filhos muito fiéis
Perante a lei civil, tudo está em ordem; tinham-se simples­
mente divorciado!» ...S im ; sim plesm ente!
Ao passardes pela rua. escutai as conversas daquelas
raparigas de dezasseis anos. que vão ou vêm do Liceu, com
os seus livros debaixo do braço, falando com toda a natu­
ralidade... Falarão de matemática, de física?... O h ! não;
esta foi a frase que ouvi: «Sabes? quado se tem um marido
assim,n ão há outro remédio, senão o divórcio...» Sim.
sim plesm ente o divórcio!

II

Q u e diz d o divórcio N osso S en hor Jesu s C risto? Que


diz d o divórcio o sentim ento d a honra, a própria natureza
d o hom em ?
Antes de tudo. não se pode duvidar de que o Criador
instituiu o matrimónio com uma aliança indissolúvel entre
um só homem e uma só mulher. No Antigo Testamento
havia o libelo de repúdio; mas então, ainda o matrimónio
nao era sacramento, e Deus, somente por razões especiais.
tolerava esse repúdio.
196 )ESUS CRISTO REI

Mas Jesus Cristo elevou o matrimónio à dignidade dc


sacramento e restituiu-lhe o seu primeiro estado de pureza
ideal, a unidade e indissolubilidade.
A lei de Moisés permitia, em certos casos, o divorcio;
perguntaram um dia os fariseus ao Senhor: «É licito, a um
homem repudiar sua mulher por qualquer motivo?» hntáo
pronunciou N osso S aquelas palavras para sempre
e n h o r

memoráveis: «Por cau sa d a du reza d o vosso coração per


mitiu M oisés repudiardes vossa sm ulheres; mas d esde o
princípio não foi assim ('). O qu e D eus uniu, não o separe
o hom em Assim, pois, declaro qu e quem repudiar sua
rnidher.. . e se casar com outra, este tal com ete adultério,
e quem se casar com a divorciada tam bém o com ete.» { )
E que assim o tenham compreendido os Apóstolos,
demonstram-no as palavras de S . P : «Uma m ulher
a u l o

ca sa d a está ligada p ela lei a seu m arido, enquanto este


viver- e por isso será adultera, se em vida de seu marido,
se juntar com outro hom em .» (4) Não se pode ser mais claro.
O que pode fazer a Igreja, é permitir a separaçao dos
cônjuges, mas não dissolver o matrimónio de maneira que
os cônjuges possam contrair novas núpcias. <A s pessoas
casadas m ando, não eu mas o Senhor, qu e a m ulher nao
se separe d o marido, e se se separar, não posse a outras
núpcias, ou então reconcilie-se com o seu m ando». { I*(•)

(') S . M ateus, xix. 8.


(’ ) Idem. XIX. 6.
(’ ) Idem. xix. 9.
(•) Rom.. vil. 2 . 5.
(s) 1.” C arta aos C orín lios. vil. 10.
■ ""

CRISTO. REI DA FAMIUA (IV) 197

2.° Se reflectirmos serena e detidamente sobre esta


maneira severa de proceder do catolicismo, a mesma razão
nos dirá que a Igreja não podia proceder de outra forma.
A dignidade do homem, o bem da sociedade, o bem dos
filhos opõem-se terminantemente ao divórcio.
a) A dign idade d o hom em . No matrimónio, dois seres
entregam-se mutuamente em união tão estreita e tão íntima
que não podemos conceber união mais profunda: *lch bin
dein, w ie du m ein l», como dizem os alemães — «eu sou teu.
como tu és meu».
Mas que seria da dignidade, da honra do homem, se
esta entrega se fizesse só por algum tempo? Se o marido
pudesse lançar fora de casa a esposa, como se deita fora um
fato velho e usado, então o homem rebaixar-se-ia ao nível
de qualquer mercadoria: e no mundo em que triunfa a
maldade, e o matrimónio se dissolve por mero capricho,
cessa toda a vida humana, no sentido nobre da palavra,
a sociedade, deixaria de ser «sociedade humana».
b) Se tirais os arcos ao tonel... cairá todo em pedaços.
O aro d a socied ad e é a in dissolu bilidade d o matrimónio.
Se se desfaz a família, desmorona-se a sociedade. Não
pode haver entrega completa, colaboração mútua, se ambas
as partes podem a cada momento esperar que o outro o
abandone.
c) E chegamos a um dos pontos mais dolorosos. Que
será dos filhos, cujos pais se divorciam ?
Sinto estremecer o coração sempre que em meu caminho
encontro estas pobres criaturas. Um professor de instrução
religiosa encontrou-se. um dia, com uma sua discípula.
rapariga de dezasseis anos. e travou com ela o seguinte
diálogo.
198 IESUS CRISTO REI

— Como está a Menina?


— Muito bem, obrigada.
Que novidade há por casa?
— Há já bastante tempo que não fui a casa. Como
sabe. vivia com minba mãe, que se divorciou e casou de
novo. Meu padrasto não gostava de mim. Minba mãe
voltou a divorciar-se e casou pela terceira vez. Não tenho
coragem para a acompanhar à nova casa.
Entáo volte para a casa de seu padrasto.
— Não posso. Meu pai casou-se também, tem filhos,
e não quer ver-me em sua casa.
E então, para onde vai agora?
Estou viajando com minha governanta. vou daqui
para ali. sem ter rumo fixo. — E uma lágrima furtiva
embaciou o olhar límpido da pobre rapariga inocente, sem
lar nem defesa.
Viste, amado leitor, um passarinho que a tempestade
arrojou do seu ninho? Como pia com medo do mundo
que o rodeia! Assim se passa com as pobres crianças
abandonadas. — Para onde bei-de ir? Para junto de meu
pai? Mas como. se junto com ele está uma mulher que
não é minba mãe? Para junto de minha mãe? Mas. o
homem que está a seu lado. não é meu pai...
/ obres crianças, seus pais ain da uivem, e contudo sáo
uns pobres órfãos. Q u e tristeza profunda e desalcntadora
sentem na alm aI
Pais, vós, qu e discutis, vivendo em contínua discórdia,
preparando o divórcio, se não houver outro motivo capaz
de vos deter, pensai em vossos filhos antes d o passo funesto.
CRISTO. REI DA FAMIUA (IV) 199

111
Sabemos já o que é o divórcio.
«Sim. já o sabemos, dirá alguém; os princípios são
sublim es, mas a vida! O h ! a terrível vida destrói todos
os princípios, todos os ideais».
l.° Cremos, sabemos que o matrimónio é indissolúvel;
muito bem. M as... e se não foi acertado o m atrim ónio ?
Também então é indissolúvel? Algumas vezes encontramo­
-nos na vida em situações terríveis. Não bá sofrimento na
terra, não bá inferno semelhante a um matrimónio infeliz.
E não poderá dissolver-se? Pelo menos, nestes casos, deve
ser permitido o divórcio. Uma mulber meiga, pura de
coração, tem um marido rude, bêbado, que a maltrata;
um esposo diligente, trabalhador tem uma mulber pecadora,
pródiga... a vida é um inferno. E não poderá dissolver-se
o matrimónio?
Realmente, bá coisas terríveis na vida. C ontudo, o
matrim ónio perm anece indissolúvel. Não se pode permitir
o divórcio. Não se pode romper o vinculo de maneira que
seja lícito passar a outras núpcias, porque, se um a vez se
permitisse, a ruina seria completa. Se o vestido começa
a romper-se, quem poderá evitar que se deteriore por com­
pleto? O s esposos apartar-se-iam, talvez nos momentos mais
críticos, quando mais um necessitasse do outro, na doença,
na velhice... Abundam os exemplos. A legislação civil
moderna permite o divórcio. Ora, quanto mais fácil é o
divórcio, tanto mais aumentam as contendas. Se soubessem
que não se podiam divorciar, que haviam de viver juntos
até à morte, então mais fàcilmente se amoldariam. Mas
200 IESUS CRISTO RFJ

asim, basta a mais leve futilidade para prorromperem as


queixas: «Não te agrada? Pois divorciemo-nos!»
Não esqueçamos que o M atrim ónio é um sacram ento.
O s que o contraem recebem graça especial para serem
fortes e bons nos dias felizes e nos dias infelizes, contanto
que tenham boa vontade: e assim, com a graça de Deus,
também os matrimónios, que não foram acertados, podem
com tino e paciência suportar-se.
2.” M as, se eu já não am o o m eu consorte, h ei-d e
sofrer tão horrorosam ente em sua com pan hia? N ão tenho
por acaso direito à felicid ad e? Q u e será d a m inha vida?
N ão é isto uma injustiça, uma cru eld ad e? ...
Meu irmão, compreendo-te, é a amargura que exacerba
o teu coração e dita estas palavras; não sabes o que dizes.
Falas como se não acreditasses na outra vida, na vida etema.
Poderá Deus ser cruel, injusto? Bem sabia Ele quantos
sofrimentos haveria no matrimónio, e, não obstante, decretou
a sua indissolubilidade. Nosso Senhor Jesus Cristo não é
cruel, mas pede-nos sacrifícios, não só nesta modalidade de
vida. mas em todos os estados. Ele quer que nós prefiramos
sofrer a pecar. Quer que soframos antes que reneguemos
a nossa fé. Às vezes exige o nosso sangue, a nossa vida,
com o nos mártires; outras vezes exige os sofrim entos, com o
no caso dos esposos infelizes. E não por mero capricho,
nem por próprio interesse, mas para bem da colectividade.
para bem e proveito da humanidade.
«Parn bem d a colectividade? M as, primeiro, está a
m iha felicid ad e! Q u e me im porta a socied ad e? Eu vivo
para mim, quero ser feliz!»
Não, não tens razão. A cada passo podemos constatar
que o indivíduo tem que se sacrificar pelo bem comum. És
i
CRIPTO, REI DA FAMÍLIA (IV) 201

médico? Sacerdote? Pois tendes que ir visitar o doente


ainda que a doença seja contagiosa e vos custe a vida.
És soldado? Tens de permanecer fiel no teu posto, ainda
que tenhas de morrer.
Poderá um soldado vangloriar-se da sua bravura no
tempo de paz. e esconder-se em casa ao estalar a guerra?
h. será lícito aos esposos, enquanto se adoram, darem-se
todas as manifestações de amor na intimidade do lar. e ao
saltar o fogo da primeira discórdia, abandonar tudo e correr
para casa dos pais?
N ão, o matrimónio não se p od e dissolver.
3.° «Então a Igreja nunca o dissolve? Mas eu conheço
uma pessoa que se casou segunda vez. — Pela Igreja?!
— Sim, numa igreja católica... E aí esta o conde X e o
príncipe Y. cujos matrimónios foram dissolvidos; o que se
necessita é de muito dinheiro...»
Com demasiada frequência se ouvem tais acusações.
Quero ser sincero. A Igreja nunca dissolveu um matrimónio
válido e consum ado. — «Sim. mas a tal pessoa, de quem
falo. conseguiu-o e casou-se segunda vez...»
Se se casou, não foi dissolvido o seu primeiro matri­
mónio, mas porque não houve matrimónio válido, a Igreja
simplesmente declarou a sua invalidez; e não era válido,
porque havia algum impedimento dirimente.
Portanto, ainda que haja pessoas que se casam pela
segunda vez na Igreja, vivendo seu consorte, isso só significa
que o primeiro matrimónio não era válido. Nem um só
caso há em toda a história, duas vezes milenária, da Igreja,
em que o matrimónio válido e consumado tenha sido
dissolvido.
202 JESUS CRISTO REI

* *

Esta é a doutrina da Igreja acerca da indissolubilidade


do matrimónio.
Na história da Igreja repete-se com frequência a cena
dramática que sc desenrolou entre S . Joáo Bapista e Herodes
e custou a cabeça àquele.
Herodes Antipas repudiara sua mulher legitima e
intentou contrair segundas núpcias com Herodias, a mulher
de seu irmão Filipe, que ainda vivia. S . João. sem temor,
lançou em cara ao tirano a tremenda acusação: «Não te é
lícito ter por esp osa a m ulher d e teu irmão.» (') E que
sucedeu? S. João Baptista foi encarcerado, condenado à
morte, ao martírio e o profeta deu a sua vida pela indisso­
lubilidade do matrimónio...
Há dois mil anos que este episódio trágico se repete,
porque a Igreja é obrigada a permanecer inflexível e muitas
vezes teve que fulminar anátemas em favor da indissolu-
lubiiidade do matrimónio, mesmo quando previa que a sua
inflexibilidade seria causa da separação de países inteiros
e a sua firmeza só Ibe grangearia incompreensão, desprezo
e a perda de muitos dos seus filb OS.
Não importa. Não podia comportar-se de outra
maneira. E se assim não procedesse, apostataria de Cristo.
Agradeçamos à nossa mãe a santa Igreja esta seve­
ridade. Parece dura a sua atitude inflexível, parece difícil
a sua lei. mas não pode ceder. E todo o hom em sério devia
beijar-lhe as m ãos. No meio da confusão das debilidades

(*) S. M a r c o s , vi, 18.


CRISTO. RB DA FAMÍLIA (IV) 205

humanas, do egoísmo, de ideias que se entrechocam, a


Igreja mantém-se fiel em sua convicção, e enquanto a
sociedade em decadência proclama o divórcio, enquanto
todas as religiões o permitem, só a nossa religião sacrossanta
é a única que permanece fiel às palavras de seu divino
fundador, J esus C risto : «O q u e D eus uniu, o hom em não
o p o d e separar.* Muito bem sabe a Igreja que da indisso-
lubildade do matrimónio nascem muitas amarguras e sofri­
mentos: mas sabe também que, se o matrimónio se pudesse
dissolver, ain d a se seguiriam m ales maiores, e qu e neste
m undo não podem os viver sem a cruz de N osso Senhor.
Com que leviandade, se pronunciam hoje estas pala­
vras: «Se não te agrada, divorciemo-nos»!...
Como. divorciemo-nos? E não te lembras do juramento
que fizeste, adornada com o branco véu nupcial, diante de
Cristo crucificado?
Divorciemo-nos! E não vês as terríveis tragédias que
vai causar este passo desesperado?
Divorciemo-nos! E não vês como te olham teus filhos,
com os olhos rasos de lágrimas, teus filhos, que ficarão
órfãos antes da morte de seus pais?
Divorciemo-nos! E não vês que os escombros do lar
familiar, que se esboroa, sepulta irremediavelmente a socie­
dade. a cultura, a civilização?
D ivorciem o-nos !
N ão, não querem os o divórcio. Não digas: zangámo­
-nos, não nos podemos sofrer, tu para a direita e eu para
a esquerda... mas diz: dá-m e a tua m ão... assim ... e agora
vamos am bos a Cristo.
Jesus Cristo é o m édico, o santificador, o R ei d a fam ília
m oderna qu e passa por crise tão aguda.
.C A P Í T U L O XVI

C risto, R ei d e D ores

...« ouvirem isto, apanharam pedras p ara lhe atira-


// O
C/ C rem ; mas Jesus escondeu -se e saiu do tem plo.>(')
Que triste drama ocultam estas palavras! O drama
emocionante da humanidade de então e da dos nossos dias.
Será realmente verdade, a terrível acusação de que
atiramos pedras Àquele que nos cumula de benefícios?
Pesará sobre nós a espantosa maldição de olharmos
com má vontade para os melhores?
Será real a incrível cegueira com que os homens, num
grito de rebeldia, lançaram em rosto a Nosso Senhor Jesus
Cristo: «Não querem os qu e ele reine sobre nós» e que o
Senhor se escondeu e fugiu do meio dos homens?
E. não é só o Evangelho que denuncia a nossa mal­
dade. D em onstra-a tam bém a vida m oderna. A vida actual
é uma prova de rebelião do homem contra Cristo; mostra
como Cristo se esconde, como se afasta... Mas também
mostra onde chega a humanidade, se esta agarra em pedras
para as arremessar contra o seu Rei. contra Jesus Cristo!

C) S . Jo ã o , viu, 59.
206 JESUS CRISTO REI

Nosso Senhor foi Rei de dores, não só durante a sua


vida mortal, mas tam bém em nossos d ias sofre muito d e nós.
Não foi somente o povo judeu, cego, obcecado que o ape­
drejou. mas também o apedrejam os m ilhares d e pecados
d a vida m oderna. E apesar disso, este Rei de dores é o
amparo e a fortaleza dos povos antigos como dos modernos;
E le é a única esperan ça d a hum anidade, qu e cam inha às
ap alp ad elas, u beira d o abism o.
Este será o assunto do presente capitulo; coloquemo-
nos junto à cruz de Cristo. Rei aflito, e se notarmos que
esta santa cruz vacila, ou, o que é pior, se a encontrarmos
tombada, procuremos com um amor ardente, levanta-la
de novo.

Se lançarmos um olhar sobre a história da humanidade,


notaremos, com assombro, o sem-número de vezes que os
homens repetiram a cena a que aludem as palavras do
Evangelho: apanharam pedras contra Cristo. Quantas vezes
ressoou a terrível frase de Sexta-Feira Santa; «Não q u e­
remos a este por nosso R ei!» Quantas vezes se reproduziu
a cena no decorrer de dois mil anos!
Infelizmente. não foi só no passado. Hoje. nos nossos
dias, quantas vezes ouvimos: «Não querem os a este por
nosso R ei!» «Não queremos», gritam os esposos modernos,
«a religião não tem nada que ver com o matrimónio; serei
feliz como eu quiser».
«Não queremos», grita a juventude frívola; «gozemos
e esgotemos a taça dos prazeres. O sexto mandamento?!
CRISTO. REI DE DORES 207

A h! Isso são velharias da Idade Média, invenção dos


padres!»
«Não queremos», gritam em muitos países os políticos;
«a religião não tem nada que ver com a política. O Estado
moderno não pode ter em conta as leis da religião».
«Não queremos», gritam os homens sob a m áscara d a
ciên cia; «a ciência moderna prova que os dogmas e as
verdades religiosas não podem subsistir».
«Não queremos», gritam os pintores, os escultores, os
aristas. «Como? a religião atreve-se a proibir e a acusar
de imorais as nossas produções artísticas? Onde está, pois
«a arte pela arte»? «Que tem que ver a moral com a arte?
Ao artista não se lhe podem atar as mãos com leis anti­
quadas e velhas».
«Não queremos»! grita a literatura, a im prensa; «o lite­
rato não pode submeter-se hoje aos moldes antiquados da
moralidade».
«Não queremos»! gritam os banqueiros, os com er­
ciantes, os industriais; «a vida moderna industrial e comer­
cial não pode ser travada pelos dez mandamentos».
«Não queremos»! grita o operariado obcecado; «a reli­
gião só serve aos capitalistas e não se preocupa com os
pobres».
P obre C risto! R ei de d o res! O lh ai d o alto d a cruz.
E stão todos contra V ós? Q u e V os resta? O s parlamentos
não são Vossos: os teatros, os cinemas, ain da m en os...
A imprensa não é V ossa... Nem são Vossos os edifícios dos
bancos, nem as fábricas, nem as lojas, nem as famílias...
Que é que vos fica? Som ente a igreja, o sacrário.
E se os maus V os apedrejam aí, não tendes outro refúgio.
Mas aí permanece firme, neste último lugar de refúgio.
208 JESUS CRISTO REI

O Sacrário ainda é seu; e dali. o Rei de dores empreende


o seu caminho de conquista. Quando parecia que a Cruz
de Cristo jazia por terra e que ficaria sepultada sob o pó
do esquecimento e sob a lama da impiedade; quando os
homens estavam prestes a adorar as divindades pagãs em
vez de se prostrarem diante da Cruz de Cristo; então, em
nossos dias. Cristo deixou seu refúgio santo, o sacrário,
para reconquistar e curar a humanidade doente.
Os romanos tomaram e destruíram Jerusalém no ano 70,
arrazaram e cobriram de imundícies os lugares santos do
Cristianismo. Destruíram o sepulcro de Nosso Senhor;
e erigiram no Gólgota. onde Jesus, no meio dos sofrimentos
da cruz. consumou a nossa redenção, um templo a Vénus
e a Júpiter, colocando as suas estátuas no alto do Calvário.
N o m esm o lugar d a cruz d e Cristo, as estátuas das divin­
dad es pagãs! O imperador Constantino e a imperatriz
Helena destruíram o templo pagão e fizeram escavar a terra
e separar os escombros dos lugares sagrados. Depois de
um trabalho fatigante e continuado, descobriram o santo
sepulcro... as três cruzes, os cravos e a inscrição. Três
cruzes! E qual seria a do Salvador? Certamente uma das
três. Mas qual? Não o sabiam. Então, tocaram com as
três cruzes num doente em estado grave, e ao contacto
com a terceira, curou-se repentinamente. Encontrámos a
Cruz d e C risto! foi o grito triunfante que saiu de todos os
lábios em toda a cristandade. Temos a cruz de Cristo!
A cruz de Cristo tocou um enfermo e ele ficou curado!
Haverá entre nós alguém doente? Não há um só doente,
mas todos nós estam os doentes, está doente a socied ad e
hum ana. O h ! também hoje vemos ídolos no lugar da cruz
de Cristo... queremos curar-nos?
CRISTO, REI DE DORES 209

Não há outro meio: levantemos a cruz de Cristo em


todos os lugares onde estava antes e donde foi tirada pelos
idolos do paganismo.

II

l.° Em primeiro lugar, temos de levantar a cruz que


está derrubada em nossa própria alm a, na nossa vida mais
íntima.
E qual será a consequência? Se a cruz de Cristo for
firmemente plantada em minha alma. então terei uma
coluna sólida a que me agarrar no meio das terríveis tem­
pestades da vida.
Cristo, o Rei, foi crucificado. Parecia que toda a sua
obra havia de acabar... Acabou? O h ! não. F oi então
precisam ente qu e tom ou posse d o seu trono. Vós, soldados,
sem alma. que o coroastes de espinhos, sabíeis o que
estáveis a fazer? Não, certamente. Vós, que por escámeo
dobráveis o joelho diante d’E le; Pilatos, que ordenou fosse
colocada na cruz a inscrição: nfesus N azareno. R ei dos
ju d eu s» ... sabíeis o que estáveis a fazer? Não, certamente:
nem suspeitáveis que naquele momento o império romano
agonizava para dar lugar ao império de Cristo.
A cruz era noutros tempos uma afronta, uma ignomínia;
agora todas as bênçãos são dadas com o sinal da cruz.
Cruz santa! Q uantos m ilhares d e olhares perturbados, se
têm voltado p ara ti em bu sca de conforto e força! Cruz
S an ta! Q uantas vezes senti eu tam bém vibrar em m inha
alm a a tua força bendita, qu e nos elev a às alturas! No alto
do monte estava a cruz. As almas verdadeiramente cristãs
14
210 JESU S CRISTO REI

sentem o atractivo da Cruz. Corações ao Alto! Quem não


a experimentou, quando se desencadeia a tempestade das
paixões, e se acolhe à sombra da cruz, essa energia divina,
que nos eleva às alturas de uma vida mais digna e mais
nobre?
Todo o cristão, que sofre e luta, conhece de algum
modo por experiência o caso de S . W enceslau. Numa noite
de inverno, debaixo de neve, visitava o santo rei, descalço,
todas as igrejas da sua capital. Um criado, que o acom­
panhava, queixava-se que tinha muito frio. «Põe os pés.
diz o Santo Rei, onde eu ponho os meus. e não sentirás
frio». E o lacaio sentiu de repente que as pegadas do santo
Rei despediam um suave calor no caminho coberto de neve.
e não teve mais frio.
«Meus filhos, nos diz o nosso Rei crucificado, estais
tristes? Queixais-vos de que é difícil, terrivelmente difícil,
o caminho da vida? O lhai! ponde os vossos pés. onde eu
pus os meus. Vereis como tudo se suaviza; se vos agarrardes
à minha cruz. jamais caireis».
Primeiro qu e tudo, temos d e levantar a cruz na nossa
própria alm a!
2.° Ergamo-la também na fam ília.
A família modema envergonha-se da cruz.
Não cora, não se envergonha de ter quadros de nus;
a nudez... passe, mas a cruz de Cristo? A h! isso não fica
bem num salão moderno. «Soído piod em o» ! Que é um
salão moderno? É a idolatria do dinheiro, do orgulho, da
vaidade, da sensualidade, do amor das comodidades...
O salão moderno não é muitas vezes senão a oficina dos
sete pecados capitais... Claro, que ali não há lugar para
o Crucifixo.
CRISTO. REI DE DORES 211

Belos tempos em que o Crucifixo era o mais belo


adorno dos lares cristãos! O s filhos cresciam sob os olhares
de Jesus na Cruz, dava novas forças ao pai cansado do
trabalho, e servia de alento à mãe ocupada nos trabalhos
domésticos.
Hoje o crucifixo desapareceu da família. E porquê?
P orque a cruz só p od e estar, onde vive o espírito d e
lesu s crucificado. Mas este espírito é espírito d e caridade,
é espírito d e sacrifício; e na família moderna ele foi des­
truído pelo flagelo da falta de amor e do egoísmo. Que
nos diz o crucifixo? «Primeiro, os outros, depois, eu!»
E que nos ensina o egoísmo moderno? «Primeiro, eu...
depois, eu. e só depois, os outros!» Poderemos conciliar
estes dois espíritos?
A família sinceramente cristã é muito diferente da
famíl ia que vive à moderna. A família cristã apoia-se no
espírito de sacrifício. Que significa ser pai cristão? Traba­
lhar para os outros desde pela manhã até à noite. Que
significa ser mãe cristã? Andar de sol a sol atarefada
para os outros. Que significa ser filho cristão? Obedecer
com respeito e amor aos outros, aos pais; primeiro, meus
pais, só depois, eu.
Mas. que acontece com a família modema? Não há
crucifixo em parte alguma da casa. Porquê? P orqu e todo
o am biente é tal, qu e não qu adra bem com ele o crucifixo,
qu e só nos recorda sacrifícios. Q u ê?... «Gozar e gozar
quanto se puder e sacrificar-se o menos possível», este é o
lema da vida modema. Por isso não quer filhos a família
moderna e se algum tem, dá-lhe uma educação mole. efemi­
nada, egoísta, sensual, amimalhada, falta de todo o vigor
212 JESUS CRISTO REI

e energia tonificante; daí o desfazer-se da família, daí o


agonizar da vida de família.
Ó Jesus aflito, salvai as nossas fam ílias agonizantes,
ensinai-lhes d e novo o espírito d e sacrifício!
T em os d e erguer a cruz no m eio d a fam ília!
3.° E também na escola.
Todas as escolas foram fundadas pela Igreja, desde as
primeiras letras às Universidades. A família é a educadora
natural dos povos; a Igreja a sua educadora sobrenatural.
Quem tem. pois. o direito de educar os filhos? O pai. a mãe
e o sacerdote. Só à som bra d a cruz poderem os educar as
crianças para a honra, para a perseverança, para o amor
d o trabalho e para a pureza d a vida.
Quem visitar o Cairo, surpreende-o a sua vida univer­
sitária. Passam de quarenta mil os seus estudantes maome­
tanos. Chega-se a um grandioso vestíbulo: o seu pavimento
está coberto de esteiras. É ali que estudam, comem e
dormem os estudantes. À direita e esquerda os professores,
a alguma distância uns dos outros e à volta dos professores,
sentados no chão. os ouvintes, turcos, egípcios, abissínios...
E todos eles os 4-1.000 estudam um só livro — o Alcorão.
Para eles. este livro é a gramática e a ética, a história
e o direito, a filosofia e a arqueologia... E a um europeu,
que em certa ocasião exteriorizou o seu assombro, o guia
disse-lhe ao ouvido: «A química é importante, mas mais
importante é Alá.»
Tinha razão: a química é importante, como a técnica
e a medicina, e todas as ciências, mas D eus é o mais
im portante!
Outrora todos conheciam esta verdade. No coração
das cidades, vilas e aldeias, nos lugares mais visíveis, levan-
CRISTO. REI DE DORES 215

lava-se a igreja com a cruz de Cristo no alto da sua torre.


Hoje combate-se a religião em nome da ciência; as inven­
ções e a técnica querem suplantar a cruz da igreja e as
gerações modernas adoram o progresso material em vez da
cruz!
. E. contudo, que nos espera, se seguimos tal caminho?
Mas que sucederá, se não reconhecermos acima da
ciência e da técnica, um Senhor mais poderoso ante quem
toda a ciência e progresso se devem inclinar? Veremos
com o o hom em instruído, se faz um criminoso, e com o a
técnica, qu e renega a D eus, fabrica m áquinas p ara exter­
minar os povos.
Graças a Deus, na Hungria não temos de que nos
queixar; em todas as escolas se ensina a educação moral
religiosa: o ensino religioso é a base de toda a educação.
Ó Cristo, Rei de dores, estendei as vossas mãos, trespas­
sadas pelos cravos, sobre as nossas escolas, e estreitai ao
V osso coração am antíssim o a alm a inocente dos nossos
filhos!
4.° Ergamos a cruz na oficin a e na fábrica.
Quando lemos a história das corporações medievais,
ficamos surpreendidos, ao ver que a luz ténue e suave da
religião podia iluminar todas as oficinas, todos os centros
de trabalho e a própria alma dos artífices. O trabalho,
então, não era somente um meio de buscar o pão de cada
dia. mas uma espécie de culto. Por isso. o crucifixo ocupava
o lugar de honra nas paredes de todas as oficinas. O ope­
rário olhava para a cruz e deste olhar tirava força, confiança,
amor ao trabalho e paciência; olhava também para ela o
patrão e aprendia dela a justiça, o amor do próximo, um
trato equitativo e humano. À som bra d a cruz não p od ia
214 JESUS CRISTO REI

haver engano, fraude no trabalho, ódio, nem luta de classes


e guerra social, nem usura e baix a d e salário, n e m trato
desum ano.
V e io d e p o is u m m undo novo: « A r e lig iã o n a d a te m
q u e v e r c o m o t r a b a l h o , a m o r a l n ã o te m q u e s e i n t r o m e t e r
n o c o m é r c i o . .. F o r a o c r u c i f i x o .» E a c r u z . o c r u c i f i x o fo i
p o s to d e p a r t e . E q u a i s fo r a m a s c o n s e q u ê n c i a s .' P io r q u e
o t ig r e c o n t r a o le ã o , s e le v a n t a o o p e r á r io m o d e r n o c o n t r a
o r ic o . A q u e stã o s o c ia l é um p r o b le m a a n g u s t io s o e
t e r r ív e l : o s m e lh o r e s t a l e n t o s q u e b r a m a c a b e ç a em b u sc a
d e u m a s o l u ç ã o : e n ã o b á m a is q u e u m a : s e u m d ia for
encontrada, só d a cruz p od e vir, isto é, do satvrifício, do
am or mútuo, d a paciên cia. O h ! Cristo, R ei d a d o r , havem os
d e levantar d e novo a V ossa cruz nas fábricas, nas oficinas,
nos escritórios, se quiserm os qu e não naufrague toda a
socied ad e.
*

* *

Q u a n d o S t r i n d b e r g , e s c r i t o r s u e c o , q u e p a s s a r a a v id a
no m e io das m a io r e s a b e rra çõ e s, p r e s s e n tiu o te r m o da
e x i s t ê n c i a , p e d iu q u e c o lo c a s s e m s o b r e o s e u tú m u lo a c r u z
co m e sta in s c r iç ã o : A ve Crux, Spes u n ica! « E u te s a ú d o ,
ó c r u z . ú n i c a e s p e r a n ç a !»
S im . ta m b é m b o je a c r u z d o R e i d e d o re s é a n o s s a
ú n ic a e s p e r a n ç a . E la é o n o s s o o r g u lh o e a n o s s a ú n ic a
c o n so la ç ã o . Q u ã o b e m o d is s e S . P a u l o : « N ã o m e g lo r io
de s a b e r o u tra c o is a ... s e n ã o J e s u s C r is to e Je s u s C r is to
c r u c i f i c a d o .» (* ) No c r u c ifix o e stá c o n t id a to d a a n o ssa

(*) I.* Carta aos Coríntios. II. 2.


CRISTO. REI DE DORES 215

t e o lo g ia d o g m á tic a e m o r a l: a li e stá o n o sso c a te c ism o :


d e le b ro ta a n o ssa fo r ç a , a n o ssa esp eran ça, a n o ssa
f e li c id a d e .
H o je . com o no te m p o dos ro m a n o s, e n te rra m -se os
o b je c t o s s a g r a d o s . O p a g a n is m o m o d e r n o s e p u lt o u d e n o v o
a C r u z d e C r i s t o , e le v a n to u s o b r e e l a a s e s t á t u a s p a g ã s
d o e g o ís m o , d o d in h e ir o e d a im o r a lid a d e . S o m o s c r is t ã o s ,
m as não te m o s a cru z; não co m p reen d em o s q u e a c ru z
é o s in a l d e s a c r i f íc io , d a f id e lid a d e a b s o l u t a e m t o d a s a s
c o is a s . S o m o s c r is t ã o s , m a s f a l t a - n o s u m C o n s t a n t i n o , q u e
o rd en e escav açõ es p a ra t ir a r do e s q u e c im e t o a cru z de
C r i s t o , e a e n tr o n iz e . E n tr o n iz á -la ? V i v e m o s n o m e io d e
c o n t ín u a s r e v o lta s s o c i a i s .. . os tr o n o s dos r e is d esm oro­
n a m - s e . .. o p u n h o c e r r a d o d a r e v o lu ç ã o g o lp e ia o a l i c e r c e
d o s a l c á c e r e s . . . e q u e r e m o s « e n t r o n iz a r » d e n o v o a c r u z ?
Sim, porqu e se n ão a entronizamos, perecerem os!
N ós, os hom ens, h o je som os e am an hã morremos, mas
a cruz d e Cristo, essa não morre!
O g r a n d e b is p o b ú n g a r o O t t o k a r P r o h á s z k a ( ') , o d e s ­
c e n d e n t e d o s A p ó s t o l o s , q u e c o m s u a p a l a v r a d e fo g o i n f l a ­
m ou ta n ta s a lm a s no am or à cru z, p r o n u n c io u as su as
ú l t i m a s p a la v r a s , n o p ú lp ito . E e s t a s p a l a v r a s , c h e ia s d e
z e lo , fo r a m :
«H om ens, não f o r je is novas le is m o r a is , não f a ç a is
u m c ó d ig o n o v o ; D e u s o u t o r g o u - n o - la s n o E v a n g e l h o .»

O O bispo Ottokár Prohászka. faleceu repentinamente no púlpito


enquanto pregava, no dia I de Abril de 1927. Este prelado ocupo um lugar
proeminente no movimento espiritual da Hungria.
216 JESUS CRISTO REI

N ã o f a ç a m o s u m C ó d i g o n o v o ! N o s n o s s o s a lt a r e s e s t á
o R e i. E a to d o s o s c a t ó l i c o s p e r g u n t a - s e - I h e s :— Q u e r e i s
q u e e s t e s e ja o v o s s o R e i ? — E a n o s s a r e s p o s ta n ã o p o d e
s e r o u tr a s e n ã o u m « qu erem os» v e r d a d e ir o , s in c e r o .
Q u erem o s que o C o ra çã o d iv in o r e in e nas f a m ília s
e q u e in u n d e c o m a s u a p a z o s la r e s c r is t ã o s e r e n a s ç a n a s
f a m íl i a s a a l e g r i a , a f e l i c i d a d e ? — Q u e r e m o s .
Q u e r e m o s q u e a a l m a in o c e n t e d o s f ilh o s c r e s ç a e s e
f o r t i f iq u e à s o m b r a d a c r u z ? — Q uerem os.
Q u e r e m o s te r u m a â n c o r a firm e a q u e n o s a g a r r e m o s ,
q u a n d o c o m e ç a r a id a d e t e m p e s t u o s a d a ju v e n t u d e ? Q ue­
re m o s a c r u z d e C r i s t o ? — Q uerem os.
Q u erem o s triu n fa r n a s lu t a s d a v id a . não s u c u m b ir
n o s d ia s s o m b r io s d a d e s g r a ç a ?
Q ue a n o ssa a lm a . t a lv e z f lo r p á l i d a e a n é m ic a , s e
a b r a à lu z r a d i a n t e d a v id a e t e r n a ? Q uerem os!
O b ! e n t ã o r e z e m o s c o m a a lm a c o m o v id a a s p a la v r a s
d o p o e ta :
O h ! q u e b e m />ara mim. S en h or.
Cair em nossas mãos!
N ã o perm itais
Q u e procu re outro lugar.
A g ora, S en h or, agora
N ã o tenho m ais ninguém no m undo.
V in de, pois, infundi a vida
N esta nossa p o b re e p á lid a florinha.

(S. S ik).
C A P ÍT U L O X V II

C risto, R ei cru cificad o

ext A-Feira S an ta!...

d N ão h á outro d ia mais triste e d e tanta transcen­


dência em todo o an o!
Sexta-F eira S an ta!...
É. um dia em que. mesmo que um raio de sol primaveril
com a sua luz clara e morna suavize o ambiente, uma
nuvem triste e densa pesa sobre a alma. Parece que o sol
se eclipsa de novo e que a terra treme como na primeira
Sexta-Feira Santa. Só neste dia se proíbe celebrar a santa
missa; nem bá outro acto de culto em que nem sequer
ardem as velas sobre o altar. As cerimónias litúrgicas são
cbeias de tristeza, o canto sagrado, revestido de melancolia
e o silêncio do campanário, cbeio de mistério.
É dra de luto em toda a cristandade!
M orreu N osso S en hor Jesus Cristo, crucificado!
Deixou-nos. depois de uma vida de trabalhos; não
acabou seus dias numa branda cama, rodeado da família,
mas expirou num patíbulo de ignominia, morreu sobre a
cruz. Expirou entre as gargalhadas e sarcasmos blasfemos
do judaísmo, terminando a sua vida mortal esgotado pelos
sofrimentos da alma e do corpo, abandonado de todos.
K durou a sua agonia na cruz. várias horas. Na cruz sofre
e... morre.
218 JESUS CRISTO REI

Todos os anos neste dia, todos os povos cristãos se


reúnem ao redor da cruz. Parece que se paraliza por um
momento, a actividade febril da vida moderna, e que o
Gólgota, envolto em trevas. atrai sobre aquelas três cruzes
levantadas no alto, os olhares da humanidade que luta para
ganhar o pão de cada dia. que trabalha febrilmente e que
sua para alcançar os bens da terra.
Aí está a cruz de Cristo, erguida no meio do perene
sofrer do mundo moderno, que a esquece na ânsia insatis­
feita do progresso. Então o homem sente que não pode
haver objectivo de vida mais sublime, missão mais elevada,
dever mais santo, que o objectivo. a missão e o dever que
nos mostra a Cruz de Cristo: salvar a alma.
0 sacrifício de Sexta-Feira Santa, a Cruz tinta com o
sangue do Redentor, proclama estas duas verdades salutares:
1 — Como E le me am ou!
II — Como eu O am o tão pou co!

COMO ELE ME AMOU!

Como?! Morreu por mim! «Amou-me e entregou-se


à morte por mim». Isto é que é amor.
l.° Quando alguém adoece em casa, andam todos na
ponta dos pés, procuram fazer o menor ruído possível, untam
os gonzos das portas para evitar todo o ruído; acomodam-se
as almofadas, observa-se cuidadosamente a respiração, todos
os seus movimentos, o seu olhar... Também nós preparámos
a cama para o nosso grande Doente: preparámos-lhe o leito
CRISTO. REI CRUCIFICADO 219

da Cruz. Demos-lhe uma almofada para reclinar sua cabeça


cansada, mas era de espinhos. Em vez de ligaduras para
pensar as suas feridas, preparámos cravos agudos e uma
lança; em vez da mezinha, demos-lhe fel e vinagre; em
vez de baixar a voz. atordoámos os ares com marteladas:
e em vez de uma oração silenciosa e recolhida só se ouviam
vociferações e horrendas blasfêmias. Ó Jesus, ch eio de
misericórdia, foi isto qu e m erecestes d e nós? M erecestes
q u e V os cravássem os na Cruz com o se crava na porta um
gavião ou um m orcego? A Vós, Filho de Deus. que des­
cestes do céu para levantar os homens, submergidos no
pecado para nos instruir e dar-nos como recompensa eterna
o magnífico reino de Vosso P ai! E para ignomínia de todo
o mundo, nós cravámo- Vos na Cruz! De vossas mãos
sacrossantas fizemos correr rios de sangue. Trespassámos
vossos pés sagrados. Rasgámos o vosso coração divino que
batia por nós.
Eis quanto Ele me amou!
2.° H averá coração hum ano qu e atinja esta realidade,
coração d e m ãe qu e possa con ceber am or igual ao qu e nos
m anifestou Jesus Cristo sobre a Cruz? Haverá fogueira
crepitante que lance para o céu grandes chamas de amor
que possa servir de símbolo ao amor infinitamente ardente
do Sagrado Coração?
Como estátua esculpida em pedra. Cristo Crucificado
interpõe-se entre o céu e a terra para proteger com o seu
corpo ensanguentado e cheio de chagas cada um dos homens,
para encobrir a m inha alm a pecadora e esconder-me assim
da ira de Deus, para desviar, com os braços estendidos, os
raios fulminantes da justiça, para implorar do céu. como
um sinal que clama para as alturas, perdão para nós.
220 JESUS CRJSTO R EI

V ed e o F ilh o d o hom em , quando reclina a cabeça


sobre uma almofada de espinhos, quando eleva ao céu um
olhar suplicante com olhos cheios de lágrimas e de sangue,
e quando de seu peito anelante se exala um doce suspiro,
implorando misericórdia: «Pai, perdoai-lhes...> a eles, a
todos, sem excepção. Não se preocupa consigo, não pensa
na sua dor. mas mesmo neste transe supremo pensa em
mim. Eis quanto Ele me amoul
3.° Amou-me... amou-me tanto! Sim só o peito do
Redentor podia abrigar tão grande amor. M as quem p odia
esperar tal excesso? Sabíamos que a promessa do Messias,
feita por Deus ao homem no paraíso, era uma manifestação
de um coração cheio de amor; mas quem esperaria tanto?
Quando Jesus Menino de Belém nos sorria, quando o Filho
de Deus vivia entre nós como irmão, quando Ele ensinava
na terra o caminho do céu, quando curava os enfermos,
consolava os aflitos, sentíamos que o seu Coração ardia,
como uma chama viva. de amor pelos homens.
Ao ouvir as suas parábolas do bom samaritano. do filho
pródigo, do bom pastor, da ovelha perdida, sentíamos a
chama de um amor ardente que abrasava o seu Sagrado
Coração. M as aqu ele am or sem limites e sem m edida qu e
o levou a sofrer por nós, sem pronunciar palavra, os açoites,
os escarros, as zom barias, a coroação d e espinhos, os tor­
mentos d a cruz, este am or não o podíam os sequ er suspeitar.
Quanto nos ama Jesus!
Deixa-se cravar sobre a cruz. deixa que lhe abram as
chagas, com um beijo conquista a minha alma.
Estou junto à cruz alheado do mundo, com a alma
em místico recolhimento, e abismado, espero uma gota do
seu precioso sangue, sangue puro. sangue divino, para que
CRISTO, RFI CRUCIFICADO 221

me banhe, lave e purifique de meus grandes pecados.


Quisera esconder meu pálido rosto entre as máos e chorar,
soluçar amargamente, mas não posso; este Jesus tão amigo
fascina-me, suas palavras amorosas obrigam-me a olhar
para Ele, nem d Ele posso despegar os olhos. E, se olho
para Ele. oiço sua voz que me diz: «Vê, quanto te amei...
e tu, am aste-M e...?» (Prohászka).

II

Esta cruz coberta de sangue não só me diz quanto


me amou a mim. mas também quão pou co O amo eu.
l.° Voltemos à Sexta-Feira Santa. O s homens vão
e vêm visitando as igrejas. H á dois mil anos qu e a cruz
foi erguida e os hom ens m ovem -se à su a volta...
H á hom ens cujo coração não sa be abrandar-se! Passam
diante da cruz, sem que lhes chame a atenção. Para eles,
a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo nada significa, nem
tão-pouco a sua vida nem a sua doutrina. A sua única
preocupação é o dinheiro, a mesa. os prazeres... E a alma?
A Religião? E Deus? A oração? A Cruz? São palavras
incompreensíveis para eles. Há gente assim... Santo Deus!
Há outros que por um m om ento olham a Cruz, com-
prendem o sacrifício cruento d e Cristo, mas assustam-se
com as consequências qu e dali brotam . «Não. não, Jesus
de Nazaré, nós não Vos podemos seguir. Tínhamos que
morrer também nós; tinha de morrer em nós o homem dos
desejos baixos e instintivos. E isso significaria uma luta
incessante contra nós mesmos, uma vigilância contínua.
Não. não é possível, já lutamos bastante. Lutamos pela
222 JESUS CRISTO REI

esposa, pelos filhos, para angariar o pão de cada dia. para


conservar a nossa situação, lutamos pelo futuro, pela
nação... Não. não. Jesus de Nazaré, não o leveis a mal.
mas, para Vós. para a nossa alma. não temos tempo, nem
ânimo, nem energias... Bem vedes, não somos maus,
também temos a nossa cruz. vamos de vez em quando à
Igreja, confessamos que somos cristãos, mas bem sabeis as
lutas terríveis da vida terrena...»
Também há homens desta classe... Senhor!
Existe um terceiro grupo. O s homens que o formam
também param diante da cruz. M as... ajoelham-se. rezam.
Mais ainda. C onform am toda a sua vida com o ensina­
mento d e Cristo crucificado, unem os seus sofrimentos
terrenos à tragédia d o C ru cificad o..., com a d Aquele que
tomou sobre os seus ombros todo o sofrimento, todo o
pecado, todo o desprezo, a ingratidão, o abandono, as
chagas, o sangue, a agonia, caminhando diante de nós para
nos abrir o caminho. Pertenceremos nós a este grupo?
O u pelo menos fazemos o firme propósito de alistar-nos
sob o seu estandarte?
2.° Desde que o lábaro da santa cruz se levantou na
primeira Sexta-Feira Santa, entre o céu e a terra, não é
possível esquecê-lo. Diante da cruz todos temos que tomar
uma posição. O lha para o Pai do céu: agora aceita o
sacrifício de seu Filho. V ês os anjos: comovidos, adoram
a Cristo crucificado. O lha para os seus inimigos: insul­
tam -nO . blasfemam-nO. maldizem-nO. V ê ... a quem?
A ti mesmo, irmão: Que partido tom as? Estás entre os
amigos ou os inimigos de Cristo? Entre aqueles que O
odeiam e insultam? Não o creio. Estarás talvez entre os
soldados que, ao pé da cruz, enquanto ao lado se desen­
CRISTO. RB CRUCIFICADO 225

rolava o drama mais comovente da História da Humanidade,


jogavam os dados como se nada se passasse. Pensa Hem:
não estás entre estes soldados?
«Cristo morreu por mim. Sim morreu; e que me
importa»? «Mas eu não falo assim», dizes. Não. não falas
assim, mas pensas, procedes, vives como se Cristo fosse
completamente estranHo para ti, como se Cristo não te
importasse.
N ão te importas que Cristo tenHa sido açoitado durante
uma noite; mas importar-te-ia mimosear menos o teu corpo
e não IHe conceder o que ele pedisse de pecaminoso.
N ão te importas que Cristo tenHa sido tratado como
um louco, como um objecto de desprezo diante da multidão
blasfema; e não queres que ninguém se ria de ti, por
praticares a tua religião.
N ão te importas que Cristo tenHa sido cravado de
espinHos e não queres conter-te, ter os teus capricHos e
desejos sujeitos a uma disciplina severa.
N ão te importas que Cristo tenha derramado até à
última gota o seu sangue por ti. e custa-te dar-lhe meia
hora todas as semanas, para ouvires a Missa aos domingos.
N ão te importas que Cristo tenha subido a custo o
caminho pedregoso do Calvário, banhado em sangue e
achas áspero o caminho da virtude.
N ão te im portas que o seu corpo sacratíssimo, todo
chagado, tenha sido cravado na cruz, e seu Coração san­
tíssimo trespassado pela lança; e parece-te difícil e duro
sofrer alguma coisa por seu amor e guardar os seus
mandamentos.
Não há compaixão para com este pobre Jesus, saturado
de opróbrios, de zombarias e sofrimentos?
'224 JESUS CRISTO REI

Comovemo-nos diante de um cavalo que cai esgotado


de forças, de um passarinho que cai do ninho.... e de
Cristo não temos piedade?
O h ! se íiuéssemos, ndo v iv e r ía m o s com o vivemos.

* $

Ó doce Jesus! A Vossa pobreza há-de ser a minha


pobreza, os Vossos sofrimentos hão-de ser a fonte da minha
renovação interior, a Vossa coroa de espinhos há-de unir
dois corações: o Vosso e o meu! As Vossas lágrimas e o
Vosso preciosíssimo sangue hão-de mudar em campo fértil
o solo duro do caminho da minha vida! O Vosso amor
ardente, há-de derreter o gelo do meu coração! Ò Jesus.
Jesus meu Salvador, o Vosso sofrimento purificou a minha
alma; o sangue que Vós derramastes, mitigou o meu castigo;
e enquanto Vós Vos submergíeis num mar de sofrimentos
e torturas, eu escapava à condenação. Q u an do Vós morres­
tes, com ecei então eu a viver.
O h ! Agora é diferente a maneira como encaro a Vossa
Paixão. Importam-me. sim. e muito, os golpes e açoites
que recebestes; a cruz em que Vos pregaram, e toda a Vossa
Paixão. P ouco im porta qu e eu tenha d e lutar para poder
viver sem Vos ofender, sem cair em p ecad o. Mesmo que
a luta tivesse que ser contínua, de todos os momentos,
não esmoreceria. Senhor. Com o Vosso auxílio espero
triunfar, ó meu Rei crucificado!
Ó Jesus, soltai vossas mãos da cruz; descei desse trono
de amor e vinde a nós, vossos filhos atribulados; estreitai
CRISTO, REI CRUCIFICADO 225

contra o vosso coração o nosso peito anelante; imprimi um


beijo de amor com vossos lábios ensanguentados na nossa
alma, de maneira que ninguém possa jamais apagá-lo.
O Rei crucificado bá-de reinar na sociedade, nas
famílias, nos palácios e nos tugúrios, em todos os lugares
donde foi desterrado tantas vezes. Há-de reinar no meio
da juventude e abençoá-la. para que seja sua; há-de reinar
no meio de todos os homens crentes e descrentes.
Jesus, qu e nos am ou até à morte, tem direito sobre nós.
Tem direito a que nós, qu e fom os redim idos com seu pre­
ciosíssim o sangue, L h e rendam os fervorosas acções d e graças
e cheios d e reconhecim ento lhe cantem os a E le, nosso Deus
e Redentor, o hino de louvor:
N ós Vos adoram os, ó Cristo, e bendizem os, porque por
Vossa santa Cruz remistes o m undo!

IS
C A P ÍT U L O XV1I1

Cristo, R ei dos qu e sofrem (I)

/ l o anoitecer do primeiro domingo de Páscoa, quando


C x C uma dúvida cruciante e uma angústia de vários
dias se apoderara da alma dos Apóstolos amedrontados
e reunidos sem saberem que partido tomar, aparece de
repente uma luz, e a palavra do Senhor cai como um
bálsamo dulcíssimo sobre os espíritos atribulados: «A paz
seja con vosco.» (') E uma paz suave, reconfortante inundou
os que viviam em duras tribulações.
Esta cena, que se lê no Evangelho do domingo de
Páscoa, parece-me a mais adequada para apresentar Jesus
Cristo com o R ei con solador dos aflitos, e falar dum dos
maiores problemas da humanidade— o sofrim ento.
É verdade, que o problema do sofrimento foi sempre
actual, mas parece que nunca o foi tanto como em nossos
dias. «Viver é sofrer». L eben is L eid en . Este axioma foi
sempre exacto, mas nunca tanto como boje. Há milhares
de anos, desde que a chuva cai sobre a terra, que dos
olhos dos homens caem lágrimas amargas, mas nunca
inundou este «vale de lágrimas» um rio tão caudaloso
de amarguras e misérias, como o que vemos agora. Como

(') S. João, xx, 19.


228 JESUS CRISTO REI

em torno cia luz que arde em noite escura esvoaçam as


borboletas, assim acodem em grandes enxames os cuidados
à nossa alma. Que comeremos, que será de nossos filbos.
que sorte nos reserva o futuro?
O homem já tentou todos os meios para esquivar-sc
ao sofrimento.... mas em vão. Experimentou todas as formas
de governo, modificou as instituições sociais, tentou sufocar
os desgostos e tristezas na embriaguez, no esquecimento...
Em vão pretenderá estancar as lágrimas, as penas, as
dores... A h ! velho mundo, se alguém te pu desse espremer
como um esponja, que líquido sairia das tuas entranhas?
Lágrimas feitas de amarguras, de tristezas, de sangue!
O sofrimento e a vida humana formam um só conjunto.
Já que andam tão unidos, lemos que ver qual o partido
que devemos tomar. Se não nos podemos livrar do problema,
procuremos peio menos conhecê-lo; procuremos pelo menos,
à luz do nosso destino eterno, penetrar este angustioso
problema. Tratarei dele em dois capitulos. Neste capítulo
proporei a questão: P ara qu e serve o sofrim ento, e com o
podem os encorporá-lo no nosso pensar cristão?, e no outro
capitulo farei a pergunta: Q u al o auxílio qu e Cristo, R ei
dos que sofrem, nos dispensa no sofrim ento ?

A primeira pergunta a que tenbo de responder, c que


contém as queixas e angústias de tantos que sofrem, é a
seguinte:
P orque nos envia D eus tantas desgraças, tantos males,
tantas provas nesta vida? E porque me fere. precisamente
CRISTO. REI DOS QUE SOFREM (I) 229

a mim; a mim que sempre lhe fui fiel, a mim que guardo
todos os seus mandamentos? Como pode Deus ser tão
«duro», tão «severo», tão «cruel» connosco?
Ouvimos com frequência queixas semelhantes. Os
homens que lutam com dificuldades económicas, os que
foram defraudados, os que arrastam a cruz de um matri­
mónio infeliz, os que são visitados pela desgraça, ouvem-se
com frequência murmurar: Deus é duro, severo connosco,
não se compadece de nós que tanto sofremos!
O que é que estás tu a dizer? Perguntas porque é
Deus tão «severo» e tão «duro»? Mas ignoras tu qu e não
é D eus quem nos envia a m aior parte dos sofrimentos,
isto é, qu e E le não qu er qu e o hom em sofra tanto?
Como se compreende isto? Explicar-to-ei. O mundo
actual não é como Deus o queria no seu primeiro plano,
não é como Deus o criou: o homem com o pecado destruiu
o plano divino: e por isso o mundo inteiro sofre agora as
consequências do pecado original: tanto a natureza inani­
mada como os seres vivos.
Ainda que a nossa religião sacrossanta não nos ensi­
nasse nada acerca da queda do homem e das suas conse­
quências, isto é, a respeito do pecado original, sentiríamos,
pelas monstruosas contradições da vida humana e terríveis
injustiças, que alguma coisa não está em ordem, que a vida
humana não saiu assim das mãos do Criador sublime, que
grande falta deve ter sido cometida no princípio da nossa
história.
Sim, devemos confessar abertamente, que houve e h á
na terra um sem-número d e sofrim entos, qu e D eus não quis
nem quer e cuja causa única é o hom em , o hom em pecador,
a avareza, o egoísm o, o orgulho hum anos.
230 JESUS CRISTO REI

Quereis alguns exemplos? Apenas um ou dois, escolhi­


dos à sorte.
V i em Roma o imenso Coliseu, o Circo, impressionante
ainda nas suas ruínas. Era ali que o povo ébrio de sangue
e o próprio imperador, ouviam todas as tardes a trágica
saudação dos gladiadores que iam lutar pela vida ou pela
morte: *A v e Ccesar, morituri te salutant!» — Salve, César,
os que vão morrer te saúdam! — Em seguida estes homens
agarravam-se, lutavam desesperadamente até um deles cair
morto; e os espectadores, embriagados com tal espectáculo.
aplaudiam frenèticamente o vencedor, o assassino.
R ealm ente, D eus não quis isto.
Ainda se vê hoje em Túnis o local da feira dos escravos,
e conservam-se os postes e as argolas de ferro a que se
prendiam as cadeias daqueles infelizes — homens como nós,
com alma imortal! — E Catão, o sábio Catão, escreveu:
«Convém saber vender a tempo as bestas inúteis e velhas,
e também os escravos velhos.» Que horror! Primeiro as
bestas, depois os escravos! — Isto, certam ente, tam bém
D eus não quis.
— Mas. isso são exemplos antigos! Hoje já não há
escravos nem gladiadores. Está bem: ai vão alguns exem­
plos dos nossos dias.
Uma viúva desolada, que já não pode mais de tanto
chorar. Tem um filho, cuja vida libertina é o sumidoiro
de todos os seus haveres e nunca tem uma palavra de
carinho para sua mãe. Como p od e D eus querer isto?
Um pai tem seis filhos e não tem que lhes dar de
comer. Aceitaria qualquer trabalho, fosse qual fosse, com
que pudesse ganhar o pão de cada dia; mas ninguén» o
CRISTO. REI DOS QUE SOFREM (I) 251

quer. ninguém o aceita, e entretanto os seus filhos, pálidos


de fome choram em casa.
Como pode Deus querer islo?
Deus «é muito duro» por enviar tantos sofrimentos ao
homem? Mas. é Ele que realmente os envia e quer?
Não. mil vezes não. A causa primária de tantas dores,
de tantos sofrimentos, pesares e tristezas, é o homem, é a
natureza humana caída e corrompida. Sim, na maioria
dos casos, são os homens os responsáveis de que a vida
terrena seja tão amarga.
Sei muito bem que me lançarão esta objecção: «Se
Deus não quer a maioria dos sofrimentos, porque os permite.
porque os tolera, porque consente que o homem sofra tanto?
— P orqu e o consente? Isso é outra coisa. Realmente Deus.
por uma intervenção contínua, podia suspender a ordem
e as leis da natureza.
E porque não o faz?
No domingo de Páscoa de 1927 uma das igrejas de
Lisboa estava repleta de fiéis. D e repente a cúpula abate
e cai com todo o seu peso esmagador sobre os presentes:
e o grito de quatrocentos feridos ecoa nos ares. Abateu a
cúpula! E não poderia Deus impedir que a cúpula ruísse?
Fazendo assim, salvava a quatrocentos homens! Sim, podia
fazê-lo, mas não o fez. Não nos livra de todos os males,
consente e permite que nós soframos.
Devemos concluir daqui que Deus não nos ama?
Não, digamos antes: se consente qu e as suas criaturas
predilectas derram em tantas lágrim as am argas, se perm ite
q u e a vida hum ana esteja sem ead a d e sofrimentos, então
terá motivos ponderosos, um objectivo elevado d o sofrimento.
252 JESUS CRISTO REI

Sabeis qual é a mais bela característica de uma alma


cristã? Que ela não tenba nada que sofrer? O b ! não!
Ela também chora, ela também sofre... e muito. Mas não
se queixa, não se revolta, não se desespera; mas esforça-se
por realizar o que Deus exige dela ao permitir que suceda
tal desgraça. «Deus é meu Pai bondoso e misericordioso»,
esta é a sua convicção, «e se consente que eu sofra tanto,
lá terá os seus motivos».

II

Examinemos agora os planos seguidos por Deus no


sofrimento.
Mesmo examinando-os só com a luz natural da razão,
descobriremos argumentos interessantes.
Porque permite Deus que soframos tanto? Porque
muitas vezes, mediante o sofrimento, protege a nossa vida
corporal, a nossa saúde. Porque, dói. por exemplo, o dente
que está doente? — Porque, se não doesse, ninguém se
preocuparia com ele, e assim poderíamos perder todos os
dentes. Porque nos dói uma queimadura? Para que tenha­
mos cuidado e não nos deixemos queimar. E para que existe
a morte, o maior de todos os sofrimentos? Para que tenha­
mos maior estima da vida que passa.
Se a morte não fosse tão terrível, quantos homens, por
qualquer motivo fútil, poriam fim à existência!
Isto nos diz a simples razão natural. — Fraca resposta,
dirás: pois bem. a fé cristã aprofunda mais o problema.
2.° Vejamos a sua solução. O que são o sofrimento
e as desgraças no plano de Deus?
CRISTO. REI DOS QUE SO FREM II) 255

Talvez sejam o último recurso, o último m eio d e salvar


n m inha alm a. E com esta resposta ponho o dedo na chaga
viva de muitos homens modernos. Há homens que se
perdem etemamente, porque lhes corre tudo demasiado bem.
aqui na terra; homens, que parece assentarem arraiais nesta
vida. como se não houvesse vida futura; que não se per­
suadem que. aqui na terra, tudo é efémero, um perpétuo
começar, um ensaio, um trabalho imperfeito. São surdos
e cegos para tudo o que não é dinheiro, riqueza, prazeres.
para tudo o que nos fala de Deus, de religião, da vida
eterna. t
N ã o c o n h e c e m o s to d o s , p o r a c a s o , a lg u é m a quem se
a ju s t e e s t a d e s c r i ç ã o ? A quem tu d o c o r re b e m e q u e de
tu d o se p reo cu p a: do c a lç a d o , do c ã o z in h o , do casaco ,
d o a u to m ó v e l, d o g u a r d a - c h u v a , n u m a p a la v T a . d e t u d o .. .
menos d a pobre alm a imortal, etem a?
Augusto, ao ouvir contar as atrocidades de Herodes.
que mandou matar seu próprio filho, com medo que este
lhe arrebatasse o trono, exclamou: «Preferia ser porco a
ser filho de Herodes.» Se conhecesse o homem do nosso
tempo, diria antes: Preferiria ser um cãozinho, a ser alma
de um homem moderno, porque este preocupa-se mais com
o cãozinho, do que com a sua alma.
Pois bem, que bá-de fazer Deus. para tocar, para
comover tais bomens? Um meio eficaz são as provas e os
sofrimentos.
Certo dia. uma mulber mundana queixou-se a um
confessor de idade e muito experimentado: «Padre, diz, o
mundo absorve-me por completo. Posso fazer o que quiser,
mas não consigo desembaraçar-me das minhas antigas e
grandes culpas. Já experimentei tudo: retiros espirituais.
254 JESUS CRISTO REI

c o n f i s s õ e s .. . e tu d o e m vão. H a v e r á re m é d io p a r a m im ?
Q u e é o q u e m e p o d e r ia s a lv a r ? »
— «Q ue é o que a p o d erá s a lv a r » ? — re sp o n d e u o
s a c e rd o te a n c iã o . «Só u m a g ran d e d esg ra ça » . N ão com ­
p r e e n d e u e l a to d o o a l c a n c e d a r e s p o s ta , m a s n ã o ta r d o u
m u ito e m c a i r n a c o n t a d a s u a s ig n i f ic a ç ã o , p o r q u e p e r d e u
g r a n d e p a r t e d e s u a f o r tu n a , m o r r e r a m s e u s p a is , e , à lu z
d e t a n t a s d e s g r a ç a s , a q u e l a a lm a m u n d a n a , e x t r a v i a d a , d e s ­
c o b r iu o c a m i n h o d o a r r e p e n d im e n to e e n c o n t r o u a D e u s .
A s s im , p o is , o s o f r im e n to p o d e s e r n a s m ã o s d e D e u s
u m a r a d o q u e a b r a s u lc o s p r o fu n d o s , q u e r e m o v a e p r e p a r e
a te r r a , e n d u r e c id a p e l a p r o s p e r id a d e e b e m - e s t a r .
t h á t a n t a s a l m a s q u e se e s q u e c e r a m d e D e u s . e fo ra m
de novo r e c o n d u z id a s a E le , por m e io do s o f r im e n t o !
Q u a n t o s p o d e m d iz e r c o m C b a t e a u b r i a n d : « C r e i o , p o r q u e
s o f r i.» ( ') H á h o m e n s q u e se c o m p o r ta m c o m D e u s , c o m o
c o m o f o g ã o : d u r a n t e o in v e r n o a r r im a m -s e a e l e e n o v e r ã o
e sq u e ce m -n o p o r c o m p le to . As e s tr e la s e stã o s e m p re no
fir m a m e n to , m as só as vem os à n o ite ; do m esm o m odo
m u ito s n ã o s a b e m v e r a lu z d o s p e n s a m e n t o s e te r n o s , s e n ã o
q u a n d o o s o f r im e n t o e a d o r e s te n d e m o s e u n e g r o v é u s o b r e
a s u a v id a .
3 .” «M as eu não sou i n c r é d u lo ! » , d ir -m e - á s , «nem
p r e c is o d o lá t e g o d o s o fr im e n to , p a r a c u m p r ir o s m a n d a ­
m e n to s . Q u e q u e r p o is D e u s , q u a n d o m e fe re c o m a d e s ­
g ra ça , com a d o r?»
É p o s s ív e l q u e t e n h a c o n t ig o o u tr o s d e s íg n io s . T a lv e z
queira purificar a tua alm a, poli-la, aform oseá-la, sob o

() J a i cru. p arce q u e j a i sou f fert.


CRISTO. REI DOS QUE SOFREM (I) 255

p e s o d o s o f r im e n t o . N ã o h á a lm a h u m a n a m a is p r o fu n d a ,
m a is r ic a . m a is fo r te , q u e a q u e l a q u e te v e d e s o f r e r m u ito .
G eniessen m acht gem ein, d is s e o p o e ta a le m ã o G o e t h e .

« G o z a r t o m a a p e s s o a v u l g a r » ; o b e m - e s t a r c o n t ín u o t o m a
o h o m e m o r g u lh o s o , d e s e n f r e a d o , a m b i c io s o : p e lo c o n t r á r io ,
o s o fr im e n to to m a -o c ir c u n s p e c t o . c h e io de c o m p a ix ã o ,
h u m i l d e .. . a s s e m e l h a - o a C r is t o .
S i m : o s o f r im e n to p o d e s e r o t r a b a l h o d e a r t i s t a q u e
D eus e x e c u ta no m árm o re da m in h a a lm a . Tam bém o
m á r m o r e c h o r a r i a a o f a z e r - s e em p e d a ç o s s o b o s g o lp e s d o
m a r t e lo q u e lh e d á o e s c u lt o r . M a s s e o a r t i s t a le v a d o d e
c o m p a i x ã o , p o u p a s s e o s g o lp e s a o m á r m o r e , p o d e r ia fa z e r
u m a o b r a -p r im a ?
O s o f r im e n to p o d e s e r o t r a b a l h o d o m in e ir o c o m q u e
D eu s cava em m in h a a l m a . D e u s b u s c a em n ó s o o ir o ;
e o o ir o n ã o s e c o s t u m a e n c o n t r a r à s u p e r f íc ie , m a s n a s
p r o f u n d id a d e s , e é n e c e s s á r io e x t r a í - l o , à c u s t a d e m u ito
tr a b a lh o .
M as o sofrim ento tam bém p od e ser castigo nas
4.°
m ãos d e D eus.
A ju s t i ç a d iv in a e x ig e q u e s o fr a q u e m p e c o u ; é um
fa c to q u e n ã o a d m it e r é p l i c a ; é n e c e s s á r io s o fr e r, o u n e s t a
v id a o u n a o u t r a .
« Q u e m p e c o u ...» E p o s s o e u d iz e r q u e n u n c a p e q u e i ?
O u s a r e i a fir m á -lo ? E j á e x p ie i o s m e u s p e c a d o s ? E n tã o ,
oh! to d o s o s q u e s o fr e is , a c r e d ita i, cre d e , q u e mais vale
e x p i a r a s c u l p a s a q u i , n a te r r a , d u r a n t e a v id a . D ig a m o s
c o m o S a n t o A g o s tin h o ; « A q u i, S e n h o r , a q u i, c a s tig a i, q u e i­
m a i. c o r t a i, c o n t a n t o q u e m e p o u p e is n a e t e r n id a d e !»
F r a n ç o i s C o p p é , o e s c r it o r f r a n c ê s d e fa m a m u n d ia l,
in c r é d u lo e ím p io d u ra n te g r a n d e p a r t e d a v id a , c o n v e r ­
256 JESUS CRISTO REI

t e u -s e à fé . S o f r e u a tr o z m e n te n o le it o d a m o r te . E p e d ir ia
e le a D e u s q u e lh e t i r a s s e o s o f r im e n t o ? P e lo c o n t r á r io .
— J e veux une longue ag on ie... « S e n h o r , c o n c e d e i- m e u m a
a g o n ia p r o lo n g a d a » , e , d e p o is d e u m m o m e n to d e s il ê n c io ,
d e u e sta e x p lic a ç ã o : car je crois en D ieu et à l immortalité
d e 1'âme... « p o r q u e c r e io e m D e u s e n a i m o r t a l id a d e d a
a lm a .
«N a m ão de D eus o s o fr im e n to é ta m b é m c a s tig o .
S i m , c o m p r e e n d o -o . M a s , c o m o e x p l i c a r , q u e m u ita s v e z e s
s o fr e m m a is d e s g r a ç a s , p r e c is a m e n t e o s b o n s . o s in o c e n t e s
q u e n ã o p e c a r a m , d o q u e t a n t o s c r im in o s o s , t a n t o s h o m e n s
p erv erso s e p e c a d o re s, q u e p a ssa m u m a e x is tê n c ia a le g r e
e se m p e s a r e s ? O n d e e s tá a ju s t iç a » ?
É v erd ad e. S e tu d o a c a b a c o m e s t a v id a . te n s r a z ã o
M as, se creio qu e
e m p e n s a r a s s im , e n t ã o n ã o h á ju s t i ç a .
a vida continua dep ois d a morte, então não será difícil
encontrar um a respota. « O s h o m e n s h o n r a d o s e h o n e s to s ,
que cu m p ram a le i d e D e u s , s o fr e m m u ito n e s ta v id a » ,
p o r q u e n ã o h ã o - d e s o f r e r n a o u tr a p e lo s p e c a d o s q u e c o m e ­
t e r a m — p o r q u e o s e x p ia r a m n e s t a v i d a : to d o s s o m o s p e c a ­
d o res. « A o s m a u s tu d o lh e s c o r r e b e m e p r o s p e r a m n e s t a
v id a » , p o r q u e n ã o h ã o - d e v iv e r a s s im n a e t e r n id a d e , e p e lo
p o u c o b e m q u e fiz e r a m — a lg u m h e m s e m p re p r a t ic a r a m —
r e c e b e m a r e c o m p e n s a n e s t a v id a .
A d if i c u l d a d e , p o is . é e s t a : C o m o se p o d e c o n c i l i a r
a onda de m a le s e s o fr im e n to s q u e n o s a f l ig e m , c o m a
B o n d a d e d o P a i C e l e s t e , q u e v ig ia e g o v e r n a o u n iv e r s o ?
E a r e s p o s ta é : D e u s n ã o s e c o m p r a z n o s o fr im e n to , c o m o
n ã o se a le g r a m o s p a i s . q u a n d o é m is te r c o r r ig ir o u c a s t i g a r
s e u s f ilh o s . Q u a n d o c a s t i g a m , é p o r q u e tê m r a z ã o ; e d u c a m ,
c o r r ig e m , r e p r e e n d e m e fo rm a m a s s im a p e r s o n a lid a d e d e
CRISTO. REI DOS QUE SOFREM (I) 257

seu s f ilh o s . E o Pai do C éu fo rm a , de um a m a n e ir a


a n á l o g a , a p e r s o n a lid a d e e s p ir i t u a l d a n o s s a a lm a .
E sta r e s p o s t a p r o je c t a u m p o u c o d e lu z s o b r e o p r o ­
b le m a da d o r. Um p ou co, s o m e n te , é v erd ad e. P orq u e
ap esar de to d o s os r a c io c ín io s e e x p lic a ç õ e s , te m o s de
co n fe ssa r, que nâo c o n s e g u im o s um a c la r i d a d e a b s o lu ta
e q u e o p r o b le m a d o s o fr im e n to e n c e r r a u m m is té r io , um
s e g r e d o q u e o h o m e m ja m a i s c o m p r e e n d e r á p e r f e it a m e n t e .
M u i t a s v e z e s s o m o s o b r ig a d o s a c o n f e s s a r : n ã o c o m ­
p reen d o . não co m p reen d o . P or que não co m p reen d em o s
tu d o n e s t e m u n d o ? P o r q u e n ã o s o m o s n ó s o s c r ia d o r e s d o
u n iv e r s o . O q u e e u f a ç o , c o m p r e e n d o - o : o q u e o s o u tr o s
fiz e r a m já é m a is d ifíc il; e no m undo há m u ita s c o is a s
que não fo ra m f e it a s p o r m im . Som ente o C riador pode
com preender por com pleto os acontecim entos d o mundo.
S a n to A g o s tin h o e x p re sso u e ste p e n s a m e n to , q u a n d o
co m p aro u a v id a do hom em a um ta p e te d e v a r ie g a d a s
c o r e s , d e q u e n ó s s ó v e m o s o re v e rs o . C o n te m p le m o s u m
b e lo t a p e t e p e r s a : flo r e s , f ig u r a s , c o r e s f u n d e m -s e em a r t í s ­
tic a h a r m o n ia , é v erd ad e: m as se vem os só o av esso ,
p a re c e -n o s um a u r d id u r a d escon exa. O m esm o a c o n te ce
c o m a v id a . Nós vem os o avesso; a p a r te d a fr e n te , is to é.
o g r a n d e p e n s a m e n t o u n if ic a d o r , q u e h a r m o n iz a , c o n fo r m e
u m p la n o p r e c o n c e b id o , to d o s o s fio s e p o r m e n o r e s , s ó D e u s
Junto ao tear d a vida hum ana, está
o p o d e c o n t e m p la r .
Deus eterno, cujos desígnios ignoramos, cujos pensam entos
não são os nossos pensam entos e cujos cam inhos não são
os nossos cam inhos.
M a s q u e n ó s e sta m o s n a s m ã o s d e D e u s . q u e n ã o c a i
do t e lh a d o um p a r d a l, n e m um c a b e lo d a n o ssa cabeça
258 JESUS CRISTO REI

se m q u e D e u s o s a i b a e c o n s i n t a , q u e n e n h u m a d e s g r a ç a ,
s o fr im e n to o u d o r é c a p a z d e m e s e p a r a r d e D e u s . . . é u m a
v e r d a d e i n a b a l á v e l q u e s e m p re q u e r o p r o f e s s a r .

#
* *

C e r t o d ia e n c o n t r e i- m e c o m u m J u i z , m e u a m ig o , q u e
n ã o v ia b á v á r io s m e s e s . S e u f ilb o ú n ic o , e s t u d a n t e u n iv e r ­
s it á r io , era um dos m eus m e lh o r e s d is c íp u lo s . Toda a
f a m íl i a fo r a p a s s a r o v e r ã o à p r a i a . U m b e lo d ia . e n q u a n t o
o s p a is d e s c a n s a v a m s e n t a d o s à b e ir a d o la g o , o f ilb o fo ra
to m a r banho e nadava à su a v is t a . De r e p e n t e ... se m
p r o fe r ir u m a p a la v r a , s e m se o u v ir u m g r ito , s u b m e r g e - s e ,
a l i, à v is t a d e s e u s p a i s . N o d ia s e g u in t e e n c o n t r a r a m - n o
n a á g u a ... E s t a v a m o r t o ... o f ilb o ú n ic o , fo rte , d e 19 p ri­
m a v e r a s ! .. .
E ra a p r im e ir a v e z q u e m e e n c o n t r a v a c o m s e u p a i.
d e p o is d o fu n e s t o a c o n t e c im e n t o .
N e sta s o c a s iõ e s , i n s tin t iv a m e n t e p ro cu ram o s a lg u m a s
p a la v r a s de c o n s o l a ç ã o . .. M as e le não me d e ix a fa la r:
Com a v o z tr is te , q u e t in h a u m n ã o s e i q u ê d e a d m ir á v e l,
c o m e s s a v o z tr é m u la , d e u m h o m e m q u e l u t a c o m a d o r.
d iz - m e : « P a d r e , n o m e io d e s ta te r r ív e l d e s g r a ç a , d o u g r a ç a s
a D eu s, que fo i tã o m is e r ic o r d io s o com o n o sso Jo ã o .
T in b a -s e c o n fe ssa d o e c o m u n g a d o , a q u e la m esm a m a n h ã .
E d esd e e n tã o n ós. su a m ã e e eu . co n fe ssa m o -n o s e c o m u n ­
g a m o s to d o s o s m e s e s n o m e s m o d i a . . . T o d o s nos con h ecem
e a d m ir a m - s e c o m o p o d e m o s s u p o r t a r t a m a n h a p r o v a ç ã o ...»
A s s im m e f a l a v a a q u e l e p a i c o m a v o z e m b a r g a d a e tr é m u la .
A h ! c o m o e u d e s e ja r i a g r it a r a to d o s o s h o m e n s : tH om ens
CRISTO, REI DOS QUE SOFREM (I) 259

qu e sofreis, vós, meus ir m ã o s , a quem a sorte experim entou,


vinde e aprendei deste pai, tão rudem ente provado.
Irm ã o ! S e n te s o p eso d a v id a ?
Irm ã o ! A t r is t e z a e o d e s a le n t o , e n v o lv e m - t e com o

n o it e e s c u r a ?
Irm ã o ! T e u s o lh o s , à fo r ç a de ch o rarem n ão pod em
d e r r a m a r m a is l á g r i m a s ?
P o i s b e m , a jo e l h a - t e c o m ig o d ia n t e d e D e u s , i n c li n a
a t u a fr o n te a m a r g u r a d a , a p o i a - a e m s u a s m ã o s , n a s m ã o s
do Pai do céu e te n ta p r o n u n c ia r Ie n ta m e n te . p aran d o
p a ra m e d ita r com o con vém a o ra çã o do p ie d o s o p o e ta

a le m ã o ( ’ ) :

F a ç a -se, S en h or, a V ossa vontade,


E o resto a n d e com o a n d ar;

F a ç a -s e, S en h or, a Vossa vontade.


P or m aiores q u e sejam o s meus sofrim entos;

F a ç a -se, S en h or, a vossa vontade,


A in d a q u e eu a n ão com p reen d a.

S en h o r, fa ç a -s e em tu d o a V o ssa sa n ta v o n ta d e :
separará, pois, d o amor
s e j a - V o s e u s e m p re f ie l. «Q u em nos
d e Cristo? A tribulação, a angústia, a fom e, a perseguição,

(') Herr, dein W ille geschehe,


dann geh es wíe es gene!
Herr, dein W ille geschehe,
und tut s auch noch so weHe!
Herr, dein W ille geschehe.
wenn ichs auch nichl verslehe!
240 JESUS CRISTO REI

a e s p a d a ? ... E stou seguro d e qu e nem a morte, nem a vida,


nem os anjos, nem os principados, nem as virtudes, nem as
coisas presentes, nem as futuras, n e m a violência, nem a
altura, nem a profundidade, nem nenhum a outra criatura
nos p od erá separar d o am or d e D eus, que se funda em
N osso S en hor Jesus Cristo». ( ')

(') S. P aulo . Carla aos Romanos, vm, 35, 38-39.


C A P I T U L O X IX

C risto, R ei dos qu e sofrem (II)

studámos n o c a p ít u l o a n t e r i o r u m t e m a b e m d if íc i l, o

S p r o b le m a d o s o fr im e n to h u m a n o . T a l v e z n ã o h a ja
o u tr o t e m a q u e p o s s a in t e r e s s a r t a n t o à h u m a n id a d e c o m o
o do s o fr im e n to , p o is d if ic ilm e n t e e n c o n t r a r e m o s a lg u é m ,
q u e n ã o t e n h a s e n t id o c r a v a d o n o c o r a ç ã o o o l h a r te r r ív e l
d o e s p e c t r o d a d e s g r a ç a , o o l h a r p e n e t r a n t e d a d o r.
O s o f r im e n to é o c o m p a n h e ir o i n s e p a r á v e l d o h o m e m
q u e p e r e g r in a n e s t e « v a le d e l á g r i m a s » : m is té r io tr e m e n d o
p a ra a razão q u e p en sa, e p ed ra de to q u e p a ra a a lm a
r e lig io s a .
S i m , o s o fr im e n to n ã o é u m a p a l a v r a v ã , se m s e n tid o ,
m a s u m a c o i s a g r a v e , d u r a , a m a r g a ; e m u ita s v e z e s é u m a
p r o v a , in ú t il n a a p a r ê n c i a , i n t o le r á v e l ; c o n t u d o , c o m o v im o s
n o c a p ít u l o a n t e r io r , e 0 d iz a s a b e d o r i a d iv in a . « Q u e pode
saber o qu e não fo i tentado?» ( ') Isto é, a tr ib u la ç ã o , o
s o f r im e n t o é u m r e q u is it o p a r a e n te n d e r m o s to d o o s e n tid o
d a v id a .
Q uem n ã o s o fr e u , n ã o c o m p r e e n d e c o m o n o c a m in h o
p e d r e g o s o d o s o fr im e n to , p o d e m o s e n c o n t r a r o n o s s o « e u » .

(') E clesiástico, XXiv, 9.

16
242 JESUS CRISTO REI

a n o s s a a lm a , o n o s s o D e u s , a q u e m e s q u e c e m o s n o c a m i n h o
sere n o do b e m -e sta r.
Q u e m n ã o s o fr e u , n ã o s a b e c o m o p o d e m o s c o m p r e e n d e r
o s m a le s a l h e io s , v e n d o -o s a t r a v é s d a n o s s a p r ó p r ia m i s é r ia ;
c o m o c o m a s t e s o u r a s a f i a d a s d a d o r, s e p o d e m c o r t a r to d o s
o s n ó s q u e s u s te n ta m a r e d e d o n o s s o e g o ís m o , d a p e q u e n e z
d e e s p ír i t o : c o m o p o d e m o s t r a n s f o r m a r - n o s e m a lm a s i n d u l ­
g e n te s , c o m p r e e n s iv a s , c h e ia s d e p e r d ã o .
Q uem não s o fr e u , não sab e com o, p e lo s o fr im e n to ,
n o s p o d e m o s p u rific a r d o s n o sso s p e c a d o s , e x p ia r as n o s sa s
f a l t a s e c o m p e n s a r o te m p o p e r d id o .
P orq u e n a v e r d a d e é a s s i m : o s o fr im e n to , s u p o r ta d o
com v a lo r , fa z - n o s m a is d ig n o s ; a h u m i lh a ç ã o to m a -n o s
m a is s u a v e s ; e a m o r t i f i c a ç ã o f a z - n o s m a io r e s , l e v a n t a - n o s ;
n u m a p a l a v r a , o s o fr im e n to s u p o r t a d o c o m D e u s d á p r o f u n ­
d id a d e à n o s s a a lm a .
M a s s ó o s o fr im e n to s u p o r t a d o c o m D e u s .
D i z e m o s : n a d a p o d e f a z e r o h o m e m m a io r d o q u e u m a
g r a n d e d o r. S i m . . . . se a s u p o r ta r m o s c o m o e s p ír ito d e C r i s t o .
P o r q u e h á h o m e n s q u e se o b s t in a m e d esesp eram no
s o fr im e n to . E s t e s n ã o s o fr e m c o m o e s p ír ito d e C r i s t o .
O u t r o s t o m a m - s e m a is g r o s s e ir o s , i n t r a t á v e is , n o m e io
d o s s o f r im e n to s e s o b o p e s o d a d o r. t r a n s f o r m a n d o - s e em
e stá tu a s g e la d a s , em m o r to s v i v o s ... E ste s ta m b é m não
s o fr e m c o m o e s p ír ito d e C r is t o .
F in a lm e n te h á os h o m e n s, c u ja a lm a , s o b o p eso d o
s o fr im e n to , s e t o m a m a is d e l i c a d a , m a is g r a v e , m a is d o c e ,
m a is c o m p r e e n s iv a ; s ã o o s q u e n o s t r a n s e s d o lo r o s o s tê m
p o r m e s tr e a C r i s t o . R e i d o s q u e s o fr e m .
E com is to chegam os ao te m a p r ó p r io do p r e s e n te
c a p ít u l o . Todos te m o s que s o fr e r, é a tr is te c o n d iç ã o
CRISTO, REI DOS QUE SOFREM (II) 243

hum ana. P r o c u r e m o s , p o is , a p r e n d e r e s t a c i ê n c i a a d m ir á v e l
havem os d e sofrer conform e a dou ­
d o s o fr im e n to . — C o m o
trina de N osso S en hor Jesus Cristo?

« C r is t o é R e i d o s q u e s o fr e m » . Q u e s ig n i f ic a is to n a
v id a p r á t i c a ? Q u e g a n h o e u , s e n o s d ia s a z ia g o s , s o b a s
d esg raças q u e m e acab ru n h am , p en so q u e Cristo trilhou o
mesmo cam inho qu e eu agora piso?
D i z e m q u e , n a p r im a v e r a , q u a n d o r e b e n t a m a s v id e ir a s ,
o v in h o n o s to n é is c o m e ç a ta m b é m a m o v e r -s e e fe r m e n ta ,
s e n te d e c e r t a m a n e ir a a f lo r a ç ã o d a v id e ir a , q u e lh e d e u
o s e r. E p o rq u ê? P o r q u e h á u m a c e r t a « s im p a t ia » e n tr e
o v in h o e a v id e ir a . « S im p a tia » s ig n ific a : p a r tic ip a ç ã o n o
s o f r im e n to d e o u t r o : c o m u n h ã o d e s e n tim e n to s .
D i z e m ta m b é m q u e , q u a n d o u m a te m p e s t a d e s e d e s e n ­
c a d e i a n o m a r , a s u p e r f íc ie l is a d o s m a n s o s e t r a n q u ilo s
la g o s , s it u a d o s e n tre a lta s m o n ta n h a s, e s te s s e e le v a m e
e n c a p e l a m ; s e n te m , e m c e r t o m o d o , a s lu t a s d o m a r im e n s o
do q u a l p ro ced em . H á s im p a t ia e n t r e o la g o e o m a r .
A s s im , p o is , e s t a f r a s e : « C r is t o , R e i d o s q u e s o fr e m »
s ig n i f ic a q u e e u devo considerar com a alm a com preensiva
e com passiva os sofrim entos d o S alvador atorm entado...
C o m p re e n sã o , p o rq u e sã o ir m ã s a Sua a lm a e a m in h a .
E n t ã o s e n t ir e i q u e e s t a s im p a t ia , o u a n t e s e s t a « c o m p a i x ã o » ,
m it ig a e a p a z ig u a o s m e u s s o fr im e n to s , a l iv i a - m e n a s d e s ­
g r a ç a s q u e m e a f l ig e m , i lu m in a c o m a s u a lu z s u a v e a n o it e
e s c u r a d o m e u e s p ír ito , m e s m o n o m e io d o s te r r ív e is p e n s a -
\

244 Je s u s c r is t t o r e i

m e n to s d o p e r e c e r , d a m o r te . T e r e i s im p a t ia p o r C r i s t o , s e
s o u b e r s o fr e r c o m C r i s t o .
Ir m ã o , q u e s e n te s o p e s o d a v i d a ; ir m ã o , q u e c o m e ç a s
a r e n d e r -te a n t e o te r r ív e l p e n s a m e n t o : a t é a q u i . n e m u m
p a s s o m a is . n ã o p o s s o s o fr e r m a is , n ã o t e n h o f o r ç a s ; ir m ã o s ,
v ó s to d o s o s q u e s o fr e is , a p r e n d e i a v e r d a d e ir a s a b e d o r ia ,
a g r a n d e a r t e d e v iv e r : e s i a sim patia por Cristo qu e sofre.
E quando a v id a v o s p a r e c e r in t o le r á v e l, e n t ã o , t o m a i ...
O quê? Um r e v ó lv e r p a ra vos s u ic id a r d e s ? O h! não!
Tom ai um c r u c i f i x o , c o l o c a i- o d ia n t e d e v ó s. e s c r e v e i a s
p a la v r a s s im p le s m a s a r d e n t e s , d o p o e t a a l e m ã o : « Q uando
os hom ens traidores e mentirosos te ferirem com traição
e engano, p en sa devoto no qu e o teu S en hor teve de
padecer.» (‘)
Q u a n d o te e n v o lv e r a n o ite te r r ív e l, q u a n d o s o fr e r e s ,
q u a n d o te d e b a t e r e s c o m o o n o b r e v ia d o c a íd o n a a r m a ­
d il h a . sollst du from m gedenken, pen sa no qu e sofreu o
Senhor, no qu e E le teve d e padecer.
Q u e p e n s a m e n t o p r o fu n d o , c o n s o la r - s e d e s t a m a n e ir a :

Q uanto mais sofreu o S en h or!


C e rto d ia . um s a c e rd o te a le m ã o , e n c o n tro u -se nas
m a r g e n s d o R e n o c o m u m a v e lh in h a . — N a w ie geht s denn,
A lte? C o m o te m p a s s a d o , m in h a b o a v e l h i n h a ? Schlecht
ganz schlecht. M a l . m u ito m a l. r e s p o n d e u e l a . A m in h a
c a s a fo i d e s t r u íd a p o r u m in c ê n d io , o s m e u s f ilh o s e s t ã o n a
A m é r i c a , a m in h a p o b r e z a é g r a n d e ... O s a c e r d o t e q u is (*)

(*) W cnn die MenscHen Krànken


durei» Verrat und Trug.
sollst du fromm gedenken
was dein Herr ertrug.
CRISTO. RFJ DOS QUE SOFREM (II) 245

d ir ig ir -lh e a lg u m a s p a l a v r a s d e c o n fo r to , m a s a v e lh in h a
c o n t in u o u a f a l a r c o m u m d o c e s o r r is o : « N o s s o S e n h o r J e s u s
C r i s t o p a s s o u t o d a a s u a v id a s e m t e r c a s a , e e u n ã o c h e g u e i
a t a n t o ; E l e te v e q u e a n d a r d e s c a lç o , e e u a i n d a n ã o ; E l e
fo i c o r o a d o d e e s p in h o s , e e u , n ã o . . . » E n ã o d is s e m a is
nada a v e lh in h a . M as que f o r ç a t r i u n f a l v ib r a n o s a n t o
C r is tia n is m o ! N ão é v erd ad e? N ão s e n tim o s to d o s q u e
C r i s t o é r e a lm e n t e o R e i d o s q u e s o fr e m e q u e o C r i s t i a ­
n is m o é se m d ú v id a a lg u m a o m a io r b e n f e i t o r d a h u m a n i ­
d a d e so fre d o ra ? O h ! s e o ó le o d o e s p ír ito c r is t ã o u n g is s e
to d a s as n o s sa s c h a g a s , to d a s a s n o ssa s d o re s!
A v id a é te r r ív e l, a v id a é c r u e l. S o b re s s a lta -s e o
n o sso coração , quando o u v im o s a n a rra çã o e m o c io n a n t e
d e t r a g é d ia s n u n c a i m a g i n a d a s m a s a c o n t e c i d a s .
Se. porém , me abraçar à Cruz d e Cristo, triunfarei
na vida. N ã o p o d e r e i e v it a r a d o e n ç a , n ã o p o d e r e i d e s f a z e r
um m a tr im ó n io i n f e li z ; o m a r id o b ru ta l não m u d a rá , a
m u lh e r f r ív o la não se to m a rá p r u d e n te , o f ilh o p r ó d ig o
n ã o e n t r a r á n o b o m c a m in h o , a l u t a d iá r ia c o n t r a a m is é r ia
n ã o d e s a p a r e c e r á ; m a s .. . rom pe-se o fio d a dor, e inunda-me
a suave con solação d e um a força com qu e posso vencer
na vida.
A im ita ç ã o de C r is to to rn a m a is f á c il o s o fr im e n to .
E l e e s c o l h e u u m a v id a d e s o f r im e n to s p a r a n o s p o d e r d iz e r :
*C onsiderai e vede se h á uma d or igual à minha.» ( ’ ) O que
tu s o fr e s a g o r a , s o fr i-o E u p r im e ir o , e s o fr i m ais e s o fr i
p o r ti. C h o r a s a tu a p o b r e z a ? P o i s e u e s c o l h i - a v o lu n t a ­
r ia m e n t e . S e n t e s - t e o f e n d id o n a tu a h o n r a ? E q u e fiz e r a m
c o m ig o ? B em sab es q u e fu i e s b o f e t e a d o . Sab es que me

O Lamentações d e Jerem ias, I, 22.


246 JESUS CRISTO REI

a p r e s e n t a r a m d ia n t e d e H e r o d e s v e s tid o d e lo u c o . F ix a -m e
na cru z. Todos me a b a n d o n a ra m , a té o m esm o céu .
C h o ras? J u n t a a s t u a s lá g r im a s c o m a s m in h a s e p e r d e r ã o
o am a rg o r. É p esad a a tu a c r u z ? C a rre g a -a um p o u co
s o b r e o s m e u s o m b r o s : n ó s o s d o is le v á - la - e m o s m a is f á c i l ­
m e n te . P u n g e m - t e d e m a s ia d o o s e s p in h o s d a v i d a ? R ep ara
c o m o a m i n h a fr o n te e s t á e n s a n g u e n t a d a .
« M a s . m u ita s v e z e s o s c a m in h o s p o r o n d e o S e n h o r
me le v a , são dem asiad o d if i c e i s , d em asiado p ed reg o so s,
s e m e a d o s d e e s p in h o s » . — S i m , é v e r d a d e , e q u e m p o d e r á
n e g á -lo ? M a s são im possíveis? O h! N ão. S ó p a ra quem
n ã o te m fé . S e t e n h o fé , e c r e io q u e to d o s o s fio s d a m in h a
v id a s e ju n t a m n a m ã o d e D e u s ; se t e n h o fé e c r e io q u e
e x i s t e A lg u é m , q u e n ã o s e e s q u e c e d e m im , e m b o r a to d o s
m e a b a n d o n e m , q u e m e a m a q u a n d o n in g u é m fa z c a s o d e
m im . que v e la por nós quando d o r m im o s , se te n h o fé
c r i s t ã . . . e n t ã o e u tr iu n f a r e i d a v id a .
Q u e f o r ç a te m a n o s s a fé p r e c is a m e n t e n o s o f r im e n t o !
Se nas m in h a s tr is t e z a s e a n g ú s t ia s me la n ç o nos
b r a ç o s d e C r i s t o d o lo r o s o , a v id a c o n t in u a r á a s e r u m « v a le
d e l á g r i m a s » , m a s a m in h a a l m a n ã o e s m o r e c e r á . C o n ti­
n u a r e i a q u e i x a r - m e , m a s a s m in h a s q u e i x a s s e r ã o o r a ç õ e s ,
u m a o r a ç ã o s u b lim e . C o n t i n u a r e i a s o fr e r, m a s n ã o p e rd e re i
a e sp e ra n ç a , p o rq u e n ã o é a d o r qu e mata, mas o d esesp ero;
n ã o é a f o r ç a q u e c o n s e r v a a v id a . m a s a fé .

11
C om o q u e a c a b a m o s d e d iz e r , e s t á d a d a a r e s p o s ta
a um a o b je c ç ã o que a lg u n s e s p ír ito s s u p e r fic ia is podem
a p re s e n ta r: Um bom cristão terá o direito d e se q u eix ar!
CRISTO. REI DOS QUE SOFREM (II) 247

Ser-lhe-á permitido evitar a doença, e recuar diante da


morte ?
Vou responder sem rodeios. Sabemos que a natureza
humana teme a dor. sabemos que quereria fugir ao sofri­
mento e à morte.
Morrer/ D esaparecer d a vida! Este pensamento esmaga
todos os homens, mesmo ao mais favorecido da fortuna,
àquele que não tem talvez nenhum outro pesar na vida
(se é que existe tal homem no mundo). Quem não sentiu
o vento glacial da morte? Um dia ou outro vislumbrámos
com claridade espantosa o efémero que é o mundo...
Com três palavras podemos resumir a história do
homem, a tua e a minha: «Nascemos, sofremos, morremos.»
O s séculos passam, os homens nascem e morrem, levan­
tam-se novas cidades, desaparecem outras, criam-se pode­
rosos impérios, que depressa desaparecem, tudo. tudo cami­
nha para o fim, para a morte... Eu mesmo entrei no mundo
chorando, e chorando sairei do mundo (’).
Seria coisa aterradora... se a v ida acabasse aqui, se a
vida não fosse mais do qu e islo! Sabemos que não é assim,
e contudo, o pensamento da morte oausa-nos calafrios.
Não nos indignemos como fariseus. Foi o próprio Deus
quem implantou em nós o amor à vida.
Um jornalista de Berlim publicou, certo dia, um artigo
indignado, com o que presenciou em Lourdes. Escrevia,
assombrado, que não compreendia, como pessoas piedosas
sumamente religiosas, vão em peregrinação a Lourdes. o
santuário de fama mundial, e todas, por maior que seja

O O n sort, o n c r ie , — c e a i la v ie ;
O n c r ie . o n sort, — cesf la m ort.
248 JESUS CRISTO REI

sua fé, pedem a saúde, a cura, o prolongamento da vida.


E pergunta escandalizado: Não é isto uma estranha incon­
sequência?
Quem assim pensa, estaria alguma vez gravemente
doente? Quando com 39 ou 40 graus de febre se passa
uma noite sem dormir, dando voltas e mais voltas na cama,
sem poder conciliar o sono durante cinco minutos, desper­
tando com angustiosos pesadelos... os braços a arder, se
enroscam sobre a roupa como duas serpentes enraivecidas...
olha para o relógio: São. exclama cheio de angústia, doze
e meia! O h ! quanto falta ainda para despontar o d ia!...
Diz-me, nunca estiveste doente? Se já passaste por
esse estado mórbido, então não estranharás que o homem
se agarre tanto à vida e lance mão de qualquer coisa que
lhe possa trazer alívio... sem que por isso tenha de renegar
a sua fé católica. O próprio J esus C risto disse no meio
da sua grande dor: «Pai, se é possível, afastai d e mim este
cá lic e.» (')■ E vós exigis que um bom cristão seja insensível?
Quereis que o coração, de quem crê na eternidade, fique
impassível diante do túmulo dos seus seres queridos? Não,
não, isso não é fé cristã. Também nós nos sentimos esma­
gados pela dor, mas... não esm orecem os. Também nós
choramos à beira do túmulo, m as... não desesperam os,
pelo contrário, pomos sobre a Iage sepulcral o manso e
dolorido Cordeiro do Senhor.
Não compreendeis a minha alusão. Explico-me. Estive
a semana passada em Székesfehérvár a dar um retiro espi­
ritual aos estudantes. Quem vai àquela cidade não pode

(') S . M ateu s, xxvi, 59; S . M arcoj, xiv, 56; S . L u cas, XXII. 42.
CRISTO. R F.l DOS QUE SO FREM (II) 249

deixar de visitar o túmulo do grande bispo Proháslta ('). Fui


de manhãzinha ao cem itério...; o seu túmulo estava coberto
de flores e coroas... E quem me acompanhava contou-me
que, na manhã de Páscoa, entre as flores encontraram um
cordeirinho de chocolate embrulhado em papel de estanho...
Um menino agradecido fora depô-lo no túmulo do «grande
bispo». Ingénua alm a d e criança! C ertam ente não com ­
preendias o pensam ento profundo qu e se ocu lta na tua
acção. O C ordeiro d e D eus no túmulo do nosso querido
morto! Cristo crucificado consola o hom em qu e sofre!
A desgraça, o sofrimento, sinto-os também eu; sinto-os
mas não abandonarei esta grande convicção: «O qu e D eus
toma, tom a a dá-lo com juros.» Quando? Não sei M as sei
qu e mo devolverá com juros. Sou católico, e não obstante
sinto o sofrimento; mas no meio de todos os contratempos,
oiço as palavras consoladoras do Senhor: «Conheço as tuas
obras, os teus trabalhos e a tua p a ciên cia ... E qu e tiveste
paciên cia e sofreste por m eu nome e não desfaleceste.» ( 2)
E não devem os esqu ecer a outra grande verdade:
o Senhor não aban don a, a quem primeiro o não deixa,
e está connosco, m esm o qu an do parece qu e não nos ouve.
E prova disto é o que se passou e se pode ler na vida
de S anta C atarina de S ena.
Fora a santa atrozmente atormentada com uma terrível
tentação; quase chegou a suar sangue nessa luta heroica,
que teve de sustentar para a vencer. Venceu-a. e um gozo

O Estas linhas foram escritas no ano de 1927, quando ainda era


recente a morte de Otlokár Prohászlca. bispo de Székesfebérvár. (N . do Irad.
espanhol).
O Apocalipse, n. 2, 3.
250 JESUS CRISTO REI

inefável inundou o seu coração. «Ó Jesus, assim se quei­


xava ela a Nosso Senhor, onde estáveis enquanto eu lutava
com tão furiosa tentação? — «No teu coração» — respondeu
Jesus. «Como é possível?!», exclamou a Santa. «Meu
coração estava cheio dos pensamentos mais desonestos,
e Vós, ó doce Jesus estáveis lá?!» E então o S alvador
perguntou-lhe: «E tu comprazias-te neles, ou sentias pesar
com a tentação?» «O h! quanto pesar eu sentia!...», res­
ponde Catarina. «Pois vês. minha fi lha, se estes pensa­
mentos te causavam tão profundo pesar e não puderam
manchar o teu coração, isso foi devido a Mim. Eu estava
no teu coração, e permitia as tentações, porque te haviam
de ser proveitosas.
«Homem, pensa sempre no bem, para que não tenhas
de temer quando chegue a hora derradeira. Será feliz lá
em cima no céu quem nesta breve vida terrena tiver sofrido
já bastante.»
Estas palavras são de uma poesia da Rainha Isabel (l),
que. na realidade, sofreu tanto nesta breve vida terrena.
Todos os homens sofrem, mas só o cristão sabe sofrer:
todos morrem mas só o cristão sa b e morrer.

* *

Termino o capítulo com um caso da vida de Taulero.


escritor místico da Idade Média.

0 Esposa de F rancisco José. imperador da Áustria e rei da Hungria.


A rainha Isabel foi muito amada pelos húngaros, que viam nela o seu bom
anjo. |N. do trod. esponhofj.
CRISTO. REI DOS QUE SOFREM (II) 251

Este escritor profundamente religioso encontrou, certo


dia. um mendigo todo esfarrapado, a quem saudou cari­
nhosamente: «Bons dias.» Replicou o mendigo: «Bom dia?
Mas eu nunca tive um dia mau.»
Taulero explicou-se: «Quis dizer que Deus te dê boa
sorte.»
Mas replicou de novo o mendigo: «Eu tenho sempre
sorte.»
Taulero tenta explicar-se melhor e diz: «Quis dizer
que tudo te suceda conforme os teus desejos.»
«Pois, tudo sucede como eu desejo e sou muito feliz»,
tornou o mendigo andrajoso.
Taulero maravilhado, pergunta de novo: «És feliz?
Mas. se nem aqueles a quem nada falta, são felizes, como
pode ser isso?!»
«Apesar de tudo declaro-te que sou feliz e vivo con­
tente. Sei que tenho um Pai no céu. que me quer bem.
Quando a fome ou o frio me atormenta, quando a garotada
malcriada zomba de mim, só digo isto: Pai, Vós o quereis?
Então, também eu o quero, e assim tudo se realiza como
eu desejo»...
«E se Deus te precipatasse no inferno, também então
quererias o que Deus quer?», perguntou Taulero.
*T am bém então quereria», respondeu o mendigo, «por­
que tenho dois braços; a conformidade com a vontade de
Deus e o amor. E se Deus quisesse precipitar-me no
inferno, eu me abraçaria com os dois braços a Deus e não
O soltaria. levá-1'O-ia comigo ao inferno. E preferiria estar
com D eus no inferno, qu e sem D eus no céu ...»
A nossa vida na terra é sofrimento, dor. mas não é
um inferno.
252 JESUS CRISTO REI

M e sm o q u e o fo sse !
H a v em o s de a g a rra r-n o s à m ão de N o ss o S e n h o r Je s u s
C r i s t o e h a v e m o s d e d iz e r :
S i m , m e u Jesus, sofro, mas persevero. Q uero ser-te
fiel até qu e a fé se transforme em visão, o anelo em posse,
o breve sofrim ento terreno em glória etem a, esta vida tão
ch eia d e a n g ú s t ia s n a coroa im arcessível d a vida etem a.

\
C A P ÍT U L O X X

Cristo, R ei dos C on fessores d a fé

Jo mocionantes notícias chegam do Novo Mundo nestes


últimos anos. Notícias que enchem de profunda dor
e consternação a alma dos católicos.
Nos Estados Unidos saiu do leito e destruiu milhares
de habitações um dos rios mais caudalosos do mundo, o
Mississipi.
N a nação vizinha, no México, transbordou também o
imenso rio da perversidade humana, enchendo de luto a
Igreja católica naquela nação; e nós, seus irmãos, sentimos
piedade dos nossos irmãos perseguidos. O México foi
teatro de terríveis perseguições e viu correr rios de sangue
cristão. A li se proibiu em 1927 confessar abertamente a
Nosso Senhor Jesus Cristo. No México, país inteiramente
católico, foi proibido celebrar a Santa Missa, dar a Sagrada
Comunhão, trazer ao peito uma cruzinha. Jovens de dezoito
e vinte anos foram executados e morreram valorosamente
com estas palavras nos lábios: «Viva Cristo Rei!» Alguns
bispos foram encarcerados, e muitos sacerdotes fusilados
por ordem do governo.
Mencionemos apenas os Padres Corrêa, Solá, Reis
e Pró. Pela milésima vez se cumprem aquelas palavras de
Cristo; «Em verdade, em verdade vos digo, vós chorareis
254 JESUS CRISTO REI

e lam entar-vos-eis enqu an to o mundo se regozijará.» ( l )


Sempre assim foi; os discípulos de Cristo lutaram, choraram,
sofreram e o mundo, inimigo da cruz, regozijava-se, exul­
tava, triunfava. Mas também se cumpriu, como sempre,
a segunda parte das palavras do Senhor: «Estareis tristes,
mas a vossa tristeza se converterá em g ozo.» (") Sim, Cristo
Rei jamais abandonou os fiéis que sofrem; do sangue dos
mártires brota uma nova vida cristã e os que perderam por
Cristo a vida terrena, obtiveram em troca a vida etema.
Esta será a matéria deste capítulo.
Cristo é R ei d os fiéis.

As palavras de Nosso Senhor realizaram-se mais


depressa do que podiam esperar os primeiros cristãos.
Apenas o Salvador deixara a terra e se despedira da Igreja
nascente, desencadeia-se feroz perseguição; e foi tão vio­
lenta, que ameaçava arrancar pela raiz a frágil planta da
Igreja.
São conhecidas de todos as perseguições dos cristãos
nos três primeiros séculos; todos sabem que durante tre­
zentos anos. os imperadores romanos esforçaram-se por
afogar em sangue o cristianismo e exterminá-lo da face
da terra.
Tudo o que a imaginação humana pôde inventar de
suplícios e torturas tudo foi empregado contra os cristãos.

C) S . Jo ã o . xvi, 20.
0 S. Jo ã o . x v i, 20.
CRISTO, REI DOS CONFESSORES DA FÉ 255

Tudo experimentaram os inimigos da fé, mas tudo em vão.


Cristo vigiava sobre a sua grei perseguida e atormentada.
Entremos, por momentos, nos magníficos jardins do
primeiro perseguidor, Nero, onde afluía o povo romano noite
após noite para contemplar uma iluminação única no seu
género. U m a ilum inação qu e raram ente se p od erá ver nesta
m iserável terra. Quando o sol desaparecia por detrás das
colinas romanas e as trevas cobriam a cidade, acendiam-se
nos jardins de Nero. enormes postes cobertos de pez e atado
à ponta de cada poste o corpo de um cristão banhado
também em pez, ardendo para iluminar os transeuntes.
Do meio da vozearia da plebe enlouquecida, do crepitar
da madeira ardente, dos gemidos dos cristãos agonizantes,
parecia ouvir-se a voz do Senhor: *E m verdade, em verdade
vos digo, vós chorareis e lam entar-vos-eis e o mundo se
regozijará.> E no dia seguinte, e no outro dia, e todos os
dias. durante várias semanas, novas iluminações, novos
mártires cristãos.
Assistamos a um espectáculo no Coliseu romano.
Conhecemos os terríveis tormentos sofridos pelos nossos
grandes heróis, os mártires. E nunca os senti melhor e nunca
compreendi tão bem o horror sangrento das perseguições
cristãs como quando, pela primeira vez, vi o Coliseu em
Roma. o circo que ainda nas suas mesmas ruínas inspira
horror e assombro. Paredes gigantescas, andares em anfi­
teatro que se enchiam de povo romano, ébrio de sangue
cristão. Ainda boje existe uma parte da arena; celas, jaulas
de labirintos subterrâneos, que causam calafrios... e com
uma profundidade de dois andares! Anciãos de níveos
cabelos, donzelas de rosto cor-de-rosa, jovens respirando
energia: cristãos todos eles, cristãos encerrados ali, para
256 JESU S CRISTO REI

passarem a última noite da sua existência: junto deles, nas


jaulas, rugem de vez em quando as feras famintas.
Vejamos o espectáculo. Uma noite de mártires.
Oiro, mármores, mulheres, escravos, artes e ciências
da Europa. Asia e Á frica... tudo está aos pés daquele
povo, que tem em suas mãos o domínio do mundo. Todos
vão ao circo: o imperador com o seu cortejo, as vestais
e os soldados, cidadãos romanos, todo o povo. uma multidão
imensa... De repente cessa o ruido, emudece a vozearia,
não se ouve o mais leve murmúrio e os olhares de todos
cravam-se numa porta por onde entra na arena, um pequeno
grupo, que avança para o meio do circo.
Que cena angustiante! Ao lado de homens vigorosos
e jovens galhardos e cheios de juventude, anciãos vene­
randos, donzelas na flor da idade e também crianças
inocentes!
Apenas chegam ao centro da arena, abre-se uma porta
e saltam das jaulas as feras dos desertos africanos, privadas
de comida durante alguns dias. O grupo dos cristãos! todos
ajoelhados! Mais um instante... e rezam a última oração:
«Kyrie, eleison». «Christe. eleison»... E tentam fazer o
derradeiro sinal da cruz mas já não conseguem, pois as
garras dos leões rasgam seus corpos e os dentes dos tigres
penetram até aos ossos. Sangue! Sangue por toda a parte!
O sangue dos mártires corre com abu n dân cia na arena!
Parece que no meio da gritaria ensurdecedora dos especta­
dores. entre os rugidos dos leões e o desconjuntamento
dos membros, o estalar dos ossos, um rio de sangue escreve
na arena as palavras de Jesus Cristo: «Em verdade, em
verdade vos digo, vós chorareis e lam entar-vos-eis. e o
m undo se regozijará.»
CRISTO. REI DOS CONFESSORES DA FÉ 257

E isto durante três séculos!


Não houve tormento nem suplício a que não fossem
submetidos os cristãos! Contamos, não por milhares, mas
por centenas de milhares a multidão dos mártires, o número
dos que deram por Cristo o melhor tesoiro que possuíam
na terra, a vida. e que não cometeram outro crime neste
mundo, senão o d e serem discípulos d e Cristo e d e não
quererem , d e form a algum a, aban don á-lo.
A s vezes parecia que a perseguição triunfava. Um dos
imperadores, Diocleciano, até mandou cunhar uma moeda
com esta inscrição: N om ine christianorum d eleto — «Em
memória da destruição do nome cristão.» Mas Cristo
vigiava a grei atribulada: quando executavam um mártir,
levantavam-se outros no meio do público, com este grito:
«Eu tam bém sou cristão!» O sangue dos mártires era a
chuva de Abril que fez brotar a vida no solo adubado da
Igreja. O s cristãos eram constantes e esforçados, porque nos
seus ouvidos ressoavam aquelas palavras de S . P edro :
«Caríssim os, qu an do D eus vos provar com o fogo das
tribulações, não estranheis, com o se vos acon tecesse coisa
extraordinária. M as alegrai-vos d e serdes participantes d a
P aixão d e Cristo, p ara que. qu an do se m anifestar a sua
glória, gozeis tam bém com E le cheios d e júbilo » (*)

0) t.m Carta de S. Pedro, iv. 12-12.


17
258 JESUS CRISTO REI

II
Mas, ao falarmos da sorte que tiveram os primeiros
mártires do cristianismo, surge inevitavelmente esta questão:
O espirito heroico d e sacrifício dos primeiros mártires vive
ain da h oje nos seus descen dentes, nos cristãos dos nossos
dias? Conservamos nós. ao menos uma brasa daquele amor
a Cristo, que confortou aqueles primeiros mártires até no
suplício e até na morte? Porque temos de nos convencer
de que a perseguição ao cristianismo não cessou no decorrer
dos séculos, dura ain d a h o je em todo o mundo.
É verdade que actualmente os cristãos, não são perse­
guidos pelos leões e pelos tigres nem são arrojados às feras:
os mártires de boje não são untados com pez. nem os atam
aos postes para servirem de archotes; não os lançam a água.
nem os amarram aos potros: as atrocidades mexicanas são
uma excepção no mundo civilizado ('). Mas ainda que a
perseguição não se faça com tigres e leões neste mundo
civilizado, perseguem-se e martirizam-se os cristãos com
meios mais perigosos e daninhos que os dentes do leão
e as garras do tigre: são as armas da chacota, do desprezo,
do sorriso malévolo, do silêncio, do não fazer caso.
Sim, quem hoje. no meio do paganismo moderno,
quiser manter-se fiel aos mandamentos de Deus e as prescri­
ções da fé católica, pode contar que há mister do heroísmo
dos primeiros mártires; não hão-de os leões e os tigres

0) Se o aulor viveste em nossos dias. bem podia pinlar com coces


mais sombrias as tortura, usadas pelos modernos perseguidores do cristianismo,
os comunistas. (N. do T .).
CRISTO. REI DOS CONFESSORES DA FÉ 259

dilacerá-lo, mas há-de sentir o desdém e a zombaria, será


apontado a dedo como um antiquado, como um beato, que
traz sombras e tristezas no coração.
E que estas armas sejam mais terríveis que as garras
dos leões, bem o prova o facto de, com elas, lograrem mais
apostasias do que com as feras da antiguidade. A perse­
guição não cessou em nossos dias. Mas on de está a bravura
dos primeiros m ártires? Eles deram a sua vida por Cristo,
e nós envergonhamo-nos de nos ajoelharmos na igreja, de
nos descobrirmos ao passar diante duma igreja. A nossa
consciência estimula-nos a fazê-lo, m as... que dirão os
homens?! O s mártires davam a sua vida por Cristo, e eu
desejava confessar-me e comungar com mais frequência,
porque sinto a falta da comunhão e que minha alma neces­
sita do alimento divino e sobrenatural, mas... não me
atrevo... que dirão os homens? Eu sei que as conversas
levianas e imorais, que aquele livro, aquele quadro, aquele
cinema mancham a pureza da minha alma; sei que peco,
se vou a vê-los, se os leio; eu queria abster-me, evitar o
pecado, m as... que dirão os homens? — Que sou um atra­
sado, um hipócrita! E tomo parte na conversa, e leio o
livro imoral, e vou ao teatro e ao cinema que a minha
consciência condena e calo-me cobardemente ao ouvir
blasfêmias e ultrajes contra a minha religião... para que
não se riam d e mim.
P ara qu e não se riam d e m im ! P or um sorriso, por
um olhar irónico, por um a am izade m al com preendida,
atraiçoo a m inha alm a, atraiçoo Cristo, A qu ele a quem os
primeiros cristãos não quiseram aban d on ar m esm o no m eio
dos mais atrozes suplícios. E não foram só os homens
robustos e na plenitude da vida que não quiseram renunciar
260 JESUS CRISTO REI

a Cristo, mas também os anciãos, as crianças e débeis


donzelas. Uma santa Felicidade tão peregrinamente mater­
nal, um S . Policarpo de oitenta e seis anos de idade, uma
Santa Inês, de treze anos! No meio dos mais cruéis suplí­
cios repetia esta santa: «Senbor, guardo para Vós a minba
fé. Senbor, a Vós me consagro: Vós. ó Todo Poderoso;
Vós. digno de admiração; Vós. digno de todo o respeito;
etemamente bendirei o Vosso santo nome.»
E quão fácil Ibes era escapar às torturas, à morte e
reconquistar a liberdade! Bastava que dissessem uma só
palavra: «Não conbeço a Cristo, não adoro a Cristo»,
e imediatamente seriam postos em liberdade, escapariam às
feras, e se apagaria a fogueira que os algozes tinbam prepa-
parada ou seriam retirados da água gelada onde tinbam sido
lançados de pés e mãos atadas. Mas não fraquejaram pro­
nunciando tal palavra, e na fogueira ardente, diante da
espada, no azeite fervente, no ebumbo derretido, no meio
das tenazes incandescentes, no meio de tormentos infer­
nais... perm aneceram fiéis a Cristo/
Peçamos a Cristo, Rei dos fiéis, que avive em nós.
acossados por mil tentações na vida moderna, o espírito de
sacrifício dos primeiros cristãos, o desprezo da morte, a sua
bravura, o seu amor a Cristo.
Sim. um amor inflamado a Nosso Senbor Jesus Cristo,
porque disto depende tudo.
Quem deu aos primeiros cristãos a valentia e a perse­
verança no sofrimento? O amor santo a Jesus Cristo que
ardia em seus corações.
Quem vos deu. S an ta Catarina, força e ânimo para
sofrerdes o suplício da roda e submeterdes a cabeça gloriosa
ao cutelo do verdugo, depois de haverdes vencido e con­
OR/STO, REI DOS CONFESSORES DA FÉ 261

vertido cinquenta contraditores filósofos pagãos? O amor


a Cristo.
Santa C ecília, quando tentaram sufocar-vos com o
vapor quente, e quando a espada do verdugo desferiu o
golpe assassino sobre a vossa cabeça inocente, e tiveste
que sofrer duramente alguns dias a ferida mortal, o que é
que vos deu força?
E vós. S an ta Luzia, atraiçoada pelo vosso noivo, e
trespassada depois por uma espada?...
E vós. S ão Pancrácio, porque não quisestes sacrificar
aos deuses pagãos? Quem vos deu forças para permane­
cerdes fiel a Cristo, quando sabíeis que vos iam tirar a vida.
a vossa vida jovem, que não contava mais que catorze
primaveras?
E vós. S ão Sim eáo, que na idade de cento e vinte
anos. depois de um suplício de vários dias. com ânimo
inflexível triunfastes na própria crucifixão?
E vós. S an ta Inês, descendente de uma nobre e rica
família, linda donzela de treze anos, porque declarastes
ao vosso pretendente, o filho do governador da cidade:
«Estou desposada com o meu Senhor Jesus Cristo» quando
sabíeis que essas palavras acenderiam uma fogueira debaixo
dos vossos pés? Porque dissestes: «Sou esposa d’Aquele
a quem servem os anjos»? Donde vos vinha força e energia,
quando no meio das chamas repetíeis sem cessar: «Vou
para Vós a quem amo, a quem buscava, por quem sempre
ansiei» ?
O que é que lhes dava forças ? — O amor ardente a
Nosso Senhor Jesus Cristo!
A h! se voltasse o amor heroico dos mártires, que tanta
falta nos faz em todas as ocasiões!
262 JESUS CRISTO REI

Quando e onde o necessitamos?


Necessita de ter a valentia inquebrantável dos mártires,
o seu espirito de sacrifício, o seu profundo amor ao
Salvador, aquele que num ambiente d e ironia e d e mofa
deseja manter-se fiel à sua religião: a Jesus Cristo. É neces­
sária esta constância de mártir à alma pura que. no meio
da corrupção moral, quer conservar a sua pureza, passar
incólume, vencer tantas seduções e tantas tentações.
Este heroísmo de mártir revela-se naquela jovem am e­
ricana, Miss G race M inford, que há pouco deixou o pro­
testantismo e entrou na Igreja católica, fazendo-se depois
religiosa dominicana. Seu pai, falecido há poucos anos.
deixou-lhe uma fortuna de 12 milhões de dólares — soma
fabulosa — com a condição de abandonar o convento.
E que respondeu a jovem? «Meu Pai do Céu é ainda mais
rico do que meu pai da terra, e saberá dar-me uma maior
recompensa.» E com isto perdeu a enorme herança.
Heroísmo de mártir! (')
Este heroísmo revela-se também naquela rapariga
húngara, que estando prestes a realizar-se o sonho dourado
de uma jovem, o sacrificou generosamente, porque o seu
pretendente era de outra religião. E essa jovem rica e bem
prendada, não disse «sim» não se casou, e ainda hoje se
mantém livre: m as... guardou fidelidade a Cristo!
De heroísmo necessita aquele empregado católico que
persevere firme na sua fé. com plena consciência do que
faz. sabendo que. hoje. o rótulo de católico não é a melhor
carta de recomendação para subir, abrir carreira ou para(*)

(*) Sdionfrp y.ultunfi. 1 de Maio de 1927.


CRISTO. REI DOS CONFESSORES DA FÉ 265

maiores vantagens materiais. Quanto se necessita no nosso


tempo do amor heróico dos mártires!
É preciso que este amor heróico, este amor dos mártires
penetre no nosso coração, para que o peso da vida quoti­
diana e as preocupações terrenas, não sufoquem os anseios
religiosos da alma. Necessitamos de possuir essa perseve­
rança. este espírito de sacrifício, para que no meio das
provas e lutas da vida, não desviem os o olh a r nem um só
instante, d e Cristo, nem pisem os a sen d a d o p ecad o. Porque
as palavras do Senhor: «Vós chorareis, e lam entar-vos-eis,
e o mundo se regozijará*, cumpriram-se não só no passado
mas hoje também. O s discípulos fiéis de Cristo sofreram
sempre, enquanto os filhos do mundo, isto é, os maus. se
regozijavam. Antigamente os cristãos sofriam as garras dos
leões, hoje. sofrem os remoques da ironia: antes os dentes
afiados dos tigres, hoje, as críticas mordazes da calúnia.
Antigam ente aceitava-se a morte por C risto; h oje o sacrifício
está em viver, em perm anecer fiel a Cristo na vida.

III

Mas. graças a Deus, a profecia do Salvador não ter­


mina aqui; tem uma segunda parte, que é muito conso­
ladora. «Haveis de sofrer a tristeza, mas a vossa tristeza
converter-se-á em gozo», em gozo que nunca terminará!
Se se cumpriu a primeira parte da profecia no decurso
da história, também se h á-d e realizar a segunda, com o se
realizou até ao presente. Jesus Cristo predisse que a sua
Igreja seria perseguida, que quem quisesse segui-1 O teria
que tomar a sua pesada cruz aos ombros e trilhar o caminho
264 ]ESUS CRISTO REI

de seus divinos passos. Mas acrescentou também que «o seu


jugo é suave, e que o seu fardo é leve», «que as portas
do inferno náo prevaleceriam contra a Sua Igreja». A his­
tória desta, duas vezes milenária, presta o mais brilhante
testemunho a favor das palavras de Cristo.
Quantas perseguições não se levantaram contra a
Igreja! E, não obstante, ela continua sem pre viva.
Dos trinta e dois primeiros Papas, trinta morreram
mártires, e, não obstante, h oje temos P a p a l
O imperador Adriano mandou colocar no Calvário a
estátua de uma deusa pagã — Vénus — e sobre o túmulo
do Redentor, a estátua de Júpiter.
E quem se lembra boje de Vénus? E quem presta
culto a Júpiter? E trezentos milhões de homens, sem contar
os protestantes e cismáticos, adoram o morto do Calvário.
Nosso Senhor Jesus Cristo, nosso divino Salvador!
No furioso alvoroço da Revolução Francesa, pôs-se à
votação esta pergunta: «Deus existe?» E no meio dos
olhares assassinos, só uma pobre mulher, uma velhinha,
se atreveu a levantar a mão. já trémula, para defender
os interesses de Deus: *P our D ieu, pou r D ieu 1» Por Deus.
por Deus! E os hom ens continuam a adorar a D eus.
A Revolução suprimiu o modo cristão de contar o
tempo; colocou sobre o altar uma actriz, de baixo estofo,
adorando-a como a deusa; e os altares continuam consa
grados ao S en hor; e os fiéis continuam prostrando-se d e
joelhos ante a imagem d e N osso S en hor Jesus C ristol
Queixamo-nos. com frequência! da perversidade do
mundo actual. E rcalmente é algo que assombra ver a
aridez espiritual em que está sumida a maior parte da
humanidade moderna. Quem pode negar que ao nosso
CRISTO. RFJ DOS CONFESSORES DA FÉ 265

lado vivem muitas almas naufragadas na Fé, que perderam


o rumo no que respeita à vida moral? Infelizmente. assim é.
M as!... mas isto é só a frente da medalha, e a medalha
tem também o reverso, muito mais edificante e consolador.
Entre as inúmeras tentações com que nos brinda a vida
moderna, é muito difícil perseverar no cumprimento dos
principios rígidos do cristianismo, e apesar disso, podemos
consoladoramente notar que se cumprem as palavras do
profeta: *H á sete mil homens, qu e nunca dobraram os
joelhos diante d e B a a l!» C)
Há homens aos milhares e dezenas de milhar, que.
heroicos como os antigos mártires, lutam d ia a d ia d efen ­
dendo sua fé. no m eio d e inumeráveis tentações e conse­
guem a vitória. E é prova do que afirmamos, o que se passa
em Budapest. Ao passar o eléctrico diante de uma igreja,
metade dos passageiros, se são homens, descobrem-se,
tirando o chapéu: se são mulheres, fazem o sinal da cruz.
e os escuteiros perfilam-se, em sinal de respeito. Teste­
munho brilhante da religiosidade do povo húngaro, título
de orgulho que nos comove quando acompanhamos algum
amigo estrangeiro pelas ruas da cidade.
Visitou um dia Budapest um orador sagrado alemão,
pregador na Universidade de Munster. e foi ouvir um dos
meus sermões. Não entendeu uma só palavra, mas depois
do sermão veio dizer-me: «Querido amigo, é magnífico o
povo que o escuta! Que atenção! Que silêncio! ! arecia
que nem se respirava! É algo de imponente!»
E se tivesse entrado em qualquer outro templo da
capital, encontraria o mesmo quadro: uma igreja repleta de

(*) 3.° ÍJvro dos Reis. xrx. 18.


266 JESUS CRISTO REI

fié is , m u ito s d e v o to s , m u i t a g e n te n o s c o n f e s s io n á r io s e n a
m e s a d a S a g r a d a C o m u n h ã o .. .
É c o m o d iz o S e n h o r :

« V ó s chorareis e lam entar-vos-eis, e o m undo se rego­


zijara; vós tereis tristeza , m a s a vossa tristeza converter-se-á

F od em os já t ir a r a c o n c lu s ã o do p r e s e n te c a p it u lo .
O c á l i c e d e a m a r g u r a d a I g r e ja e s te v e s e m p r e r e p le to .
O s e u ro s to , s e m p r e t in t o d e s a n g u e c o m q u e o b a n h a r a m
o s s e u s in im ig o s d e s d e o p r in c íp io d a s u a h i s t ó r i a : e c o n ­
tu d o . e s t a r e lig iã o p e r s e g u id a , e s t e c r is t ia n is m o c o n d e n a d o
à m o r te . v iv e . v iv e a i n d a h o je . e n ã o s ó c o n s e r v o u a s u a
decurso d e dois mil anos, nunca teve
e x is tê n c ia , m a s. n o
tantos fiéis com o h oje.
I 'o r m a r a m - s e e p e r e c e r a m ilu s t r e s d i n a s t i a s ; n a s c e r a m
e d e s a p a r e c e r a m v á r io s p o v o s d u r a n t e s é c u l o s : m a s a I g r e ja
c a t ó l i c a t a n t a s v e z e s a t a c a d a e p e r s e g u id a , c o n t in u a d e s a ­
f ia n d o c o m fir m e z a a te m p e s t a d e d o s t e m p o s ; e é d e n o t a r
q u e n ã o s e a p o i a n a f o r ç a a r m a d a , n ã o te m c a n h õ e s , n e m
t a n q u e s , n e m a v ia ç ã o , c a r e c e d e f o r t u n a e o u tr o s r e c u r s o s
h u m a n o s ; m a s p o s s u i ... u m a p a la v r a , a g r a n d e p r o m e s s a
d o seu fu n d a d o r: « A s portas d o inferno não prevalecerão
contra ela.» ( ')

N o s c o rre d o re s su b te rrâ n e o s d a s C a ta c u m b a s , o n d e o
c r is t ia n is m o p e r s e g u id o v iv e u tr e z e n to s a n o s . r e s s o a m , e m

O S. Mateus, xvi, 18.


CRISTO. REI DOS COXFESSORES DA FÉ 267

n o s s o s d ia s , o s a c e n t o s v ib r a n t e s d e o r a ç õ e s c h e ia s d e g r a ­

tid ã o . q u e c a n t a m m ilh a r e s d e p e r e g r in o s c r is t ã o s .
N o l u g a r d o p a l á c i o em q u e o im p e r a d o r M a x i m i l i a n o

p r e p a r o u u m a d a s m a is t r e m e n d a s e s a n g r e n t a s p e r s e g u iç õ e s
co n tra o s c r is t ã o s , le v a n t a - s e h o je um te m p lo m a g n íf i c o ,
a B a s ílic a de S . Jo ã o d e L a trã o . In u m e r á v e is t e m p lo s , q u a ­
d ro s, e stá tu a s, f e s t a s ... a p reg o am o c u lto de m ilh a r e s e
m ilh a r e s d e m á r t ir e s .
E a l i, o n d e e s t a v a o tú m u lo d e N e r o q u e . in s e n s a t o ,
s e e m b r ia g a v a d e s a n g u e c r is t ã o , l e v a n t a - s e em n o s s o s d ia s
um te m p lo em h o n ra da S a n tís s im a V ir g e m , a M ãe de
M is e r ic ó r d ia , S a n t a M a r ia d el P ópolo.
E sob re o tú m u lo de um m o d e s to p escad o r, que o
m u n d o h á v in t e s é c u lo s c r u c i f i c o u d e c a b e ç a p a r a b a ix o ,
p o r p r e g a r a d o u t r in a d e C r i s t o , l e v a n t a - s e h o je o te m p lo
m a i s g r a n d io s o d a te r r a , a B a s í l i c a d e S . P e d r o ; e a lu z
d a s lâ m p a d a s , q u e a r d e m s o b r e o tú m u lo d o p r ín c ip e d o s
A p ó s to lo s , p a rece e screv er nas p a red es de m árm o re a
s e g u n d a p a r te d o v a t ic ín i o d e C r i s t o : « V ó s tereis tristeza,
mas a vossa tristeza converter-se-á em g ozo .»
E t o d a e s t a p o m p a e x t e r io r n ã o é m a is q u e a r e c o m ­
p e n s a te r r e n a d o s c o n f e s s o r e s d e C r i s t o . Ig n o r a m o s , q u a n d o
m u ito , c o n je c t u r a m o s qu al seja o seu galardão no céu,
o galardão qu e Cristo outorga àqu eles a quem disse uma
ocasião: *Q u em me recon hecer diante dos hom ens, também
eu o reconhecerei diante d e meu P ai qu e está nos céus.»
Is t o p o d e m o s t ê - lo c o m o c e r t o .
E x is te m d o is c a m p o s , o d o s s e g u id o r e s d e C r i s t o e o
d o s s e q u a z e s d o p e c a d o , d o d e m ó n io , e h o je c o m o s e m p re ,
u m e n f r e n ta o o u tr o .
268 JESUS CRISTO REI

S e i q u e s e g u ir a C r i s t o , s e g u ir s u a s p i s a d a s s ig n i f ic a
a b n e g a ç ã o , s a c r i f íc io , e q u e a v id a f r ív o la d o m u n d o é f á c il .
S e i q u e o s f ié is im ita d o r e s d e C r i s t o b ã o - d e p a d e c e r
m u ito , e n q u a n t o o s f ilh o s d a i n i q u i d a d e s e h ã o - d e r e g o z ija r .
E sei tam bém qu e mais vale sofrer com Cristo neste
mundo, qu e regozijar-se com os pecadores.
P e r m it e - m e . le it o r a m ig o , q u e te f a ç a u m a p e r g u n t a :
A quem preferes seguir? Q u e r e s a l i s t a r - t e s o b a b a n d e ir a
d e C r is to , o u so b a d o p e c a d o ?
C A P IT U L O XXI

C risto, Fiei d a vida hu m an a

A _/J e s p ír ito c r is t ã o , à m e d id a q u e s e a r r a ig a e d ifu n d e .


s a tu r a e a p e rfe iç o a t o d a s a s m a n if e s t a ç õ e s d a v id a
te r r e n a . N e s t e c a p ít u l o p r o p o m o -n o s a p r e c ia r o ju s t o v a lo r
d a v id a . E p e r g u n ta m o s . Q u e s ig n ific a : tC risto é R ei d a
vida hum ana?»
C rislo é R ei d a vida hu m an ai T r a t a r e s t e te m a , e x a ­
m in a r o o b je c t i v o d a v id a t e r r e n a , a p r e c ia r n o s e u ju s t o
v a lo r a c h a m a d a c u ltu r a f is i c a , é q u e s t ã o q u e s e im p õ e ,
p o r d u a s razõ es.
P r im e ir a m e n t e , p a r a p o d e r m o s ju l g a r r e c t a m e n t e , c o m
c r it é r io c a t ó l i c o , a s d iv is a s m o d e r n ís s im a s d o d e s p o r to , d a
h i g i e n e .e d o c u lt o d o c o r p o , e n ã o c a ir m o s e m e x a g e r a d o s
lo u v o r e s e e n c a r e c im e n t o s a o f a l a r s o b r e o v a lo r d a v id a
te r r e n a .
M a s ta m b é m é n e c e s s á r i o e d e a c t u a l id a d e t r a t a r e s t e
a s s u n t o , p a r a e v it a r o e x tr e m o c o n t r á r io , is to é , jo g a r im p r u ­
d e n t e m e n t e c o m a v id a , c o n s u m in d o - a em m il f r iv o lid a d e s
c o m o fa z . in f e liz m e n t e , t a n t a g e n t e , e m n o s s o s d ia s .
S a lta m à v is t a os d o is e x tre m o s: por um a p a rte , o
e x c e s s iv o g o z o d a v id a , a c a ç a a o s p r a z e r e s , e o c u l t o e f e m i ­
nado d o c o r p o : e p o r o u tr a p a r te , o d e s p r e z o fr ív o lo da
e x i s t ê n c i a , o n ú m e r o c a d a v e z m a io r d e s u ic id a s .
2 70 JESUS CRISTO REI

E i s p o r q u e q u e r o r e s o lv e r e s t e g r a v e p r o b l e m a : Q ue
direito e qu e respon sabilidade temos nós sobre o nosso
corpo e a nossa vida terrena? Q u al é o critério d a nossa
sacrossanta religião com respeito a o nosso fim aqui na
terra? o u , p o r o u tr a s p a la v r a s , q u e s i g n i f i c a e s t a p r o p o s iç ã o :
tC risto é o R ei d a vida terrena?»

A I g r e ja c a t ó l i c a olh ou sem pre com respeito e seriedade


a saúde e a vida. N ó s n ã o a f ir m a m o s o q u e t a n t o s e r r a d a ­
m e n te d e fe n d e m : «a saú d e é o m a io r b e m do m u nd o»;
a p r e c ia m o s m u ito m a is a a l m a ; a f ir m a m o s , p o r é m , a b e r t a ­
m e n te « q u e a s a ú d e é o m a i o r d o s b e n s terrenos», e que é
l íc i t o , m a is a i n d a , n e c e s s á r i o , s a c r i f i c a r m o - n o s p o r e l a , e q u e
n in g u é m te m o d ir e ito d e a b r e v ia r n u m s ó d ia . n e m n u m a
s ó b o r a . o te m p o q u e l b e fo i d e s ig n a d o p e la P r o v i d ê n c i a .
P o rta n to , o c o n c e ito m oral c a tó lic o con ced e to d o o
d ir e it o q u e le g it im a m e n t e c o r r e s p o n d e à s a ú d e , a o d e s e n v o l­
v im e n to d o c o r p o b e m c o m o à s u a c u l t u r a f ís ic a , p o r q u e
b e m s a b e q u e , c o m u m c o r p o e n f e r m iç o , n ã o p o d e o h o m e m
c u m p r ir a s s u a s o b r ig a ç õ e s a q u i n a te r r a . N ão é porventura
nesta vida terrena, qu e temos d e m erecer a vida eterna?
T e m o s d e m e r e c ê - la p o r m e io d o t r a b a l h o h o n r a d o e h o n e s t o ,
p o r m e io d e u m a v id a c o n s a g r a d a a o c u m p r im e n t o d o d e v e r.
E p a r a is s o , é m is t e r u m co rp o ro b u sto e sã o . P o rta n to ,
a q u e le s que h o je em d ia f a la m da « c u ltu r a fís ic a » , da
« h ig ie n e » , da « g i n á s t i c a » . .. não p r e c is a m de ir p a ra a
G r é c ia pagã, pod em p erm a n ecer t r a n q u i lo s na Rom a
c a tó lic a .
CRISTO. REI DA VIDA HUMANA 271

A R e l i g i ã o c a t ó l i c a f a l a c o n t in u a m e n t e n a v id a e t e r n a ,
e e s t i m u l a - n o s sem c e s s a r a m e r e c ê - l a ; m a s , nem por isso
se esqu ece d a vida terrena. C o n f o r m e a d o u t r in a d a I g r e ja ,
n ã o s ó é s a n t a a a lm a d o h o n r e m , m a s ta m b é m o é o s e u
c o r p o , p o r q u e é u m d o m d e D e u s C r ia d o r .
P e la m e s m a r a z ã o , a I g r e ja t r a t o u s e m p r e c o m s a n ta
s o lic itu d e e r e s p e ito o corp o do hom em . No h a p tis m o .
p r im e ir a s a u d a ç ã o d a I g r e ja , a á g u a b e n t a to c a o c o r p o :
o ó le o sa n to u sad o p e lo b is p o , na c o n f ir m a ç ã o , u n g e -o :
e n o e n te r r o , a á g u a b e n t a , c o m o ú lt im a s a u d a ç ã o , t o c a
de novo o corp o. P a r a n ó s a v id a te r r e n a n ã o é u m c a s t ig o ,
c o m o e n s in a a d o u t r in a n e b u lo s a d a r e i n c a r n a ç ã o a s i á t i c a .
N ã o . P a r a n ó s , a v id a t e r r e n a , e s t a v id a m o r ta l é um grande
dom e um a grande resp on sabilid ad e: p o r e la p o d e m o s o b te r
a v id a e t e r n a .
2 .° « N ã o o b s t a n t e , a I g r e ja e x i g e q u e s e ja m o s s e v e r o s
con n osco m esm os, que nos d o m in e m o s , que nos abne­
g u e m o s » ...
S i m , m a s n ã o p e l a a b n e g a ç ã o e m s i, m a s p a r a assegurar
a harm onia entre o corpo e a alm a. E s t a h a r m o n ia fo i d e s ­
t r u íd a p e lo p e c a d o o r ig in a l. D e s d e e n tã o , o co rp o f ic o u
in c li n a d o a o p e c a d o : e n ã o p o d e m o s r e c u p e r a r a s u p r e m a c ia
d a a l m a s o b r e o c o r p o , se m s e r p o r u m a s e v e r a d i s c i p l i n a .
T o d a a h i s t ó r ia d a I g r e ja é u m a u t ê n t i c o te s t e m u n h o
de que e la s e m p re sou be a p r e c ia r , no seu ju s t o v a lo r ,
a v id a te r r e n a , e d e u - lb e s e m p r e u m a im p o r t â n c i a s u m a ,
u m a im p o r t â n c ia d e c is iv a . N ã o fo i n e g li g e n t e e m l e v a n t a r
a voz. q u an d o s e t r a to u d e a p r e c ia r p e lo s e u ju s t o v a lo r
a v id a c o r p o r a l, a p o s s i b il i d a d e e a n e c e s s id a d e d a v id a
te rre n a .
272 ]ESUS CRISTO REI

H o u v e s e i t a s m is te r io s a s (o s g n ó s t ic o s , o s m a n iq u e u s ) ,
q u e c o n s id e r a v a m o c o r p o h u m a n o c o m o o b r a d o Príncipe
d o M al e a v id a te r r e n a c o m o u m s u p l íc i o . A I g r e ja c o n ­
d e n o u -o s co m o h e re g e s. I g u a lm e n t e d e c la r o u c o m o h e r e g e s
o u tr o s f a n á t i c o s q u e . in t e r p r e t a n d o e r r a d a m e n te a p a la v r a
d o S e n h o r , e x ig ia m d e t o d o s u m a p o b r e z a a b s o l u t a e p r e s ­
c r e v ia m a d is t r i b u i ç ã o d o s s e u s b e n s .
A I g r e ja e n s in o u s e m p r e q u e n ã o s ó o e x c e s s iv o b e m ­
- e s t a r é in im ig o d a v id a e t e r n a , m a s é -o ta m b é m a p o b r e z a ,
a m is é r ia e x t r e m a .
O e x a g e r a d o b e m - e s t a r te r r e n o t o r n a o s h o m e n s e f e m i ­
n ad o s; e a e x c e s s iv a m is é r ia , e m p e d e r n id o s ; o b e m - e s t a r
t o r n a - o s o r g u lh o s o s , e a m is é r ia c a u s a o d e s e s p e r o ; o b e m ­
- e s t a r a f o g a a s e x i g ê n c i a s r e lig io s a s d a a lm a . e a m is é r ia
g e l a a s s u a s a s p ir a ç õ e s .
P a r a q u e a s e x i g ê n c i a s r e lig io s a s p o s s a m l e v a n t a r a s u a
v oz. é n e c e s s á rio q u e o h o m em n ã o c a r e ç a d a s c o n d iç õ e s
m a is e le m e n t a r e s de v id a . A I g r e ja s e m p re sou be is to
e s e m p re o te m e n s in a d o a s s im .

11

C o m p r e e n d e r e m o s a g o r a a s e v e r id a d e c o m q u e a I g r e ja
p r o t e g e u e d e f e n d e u s e m p re a invulnerabilidade do corpo
hum ano e d a vida terrena.
Q uem não c u id a d a saú d e com o d eve. p eca, à fa c e
d a s le is d a I g r e ja . Q u e m , p a r a se liv r a r d o s e r v iç o m ilit a r ,
c o r ta um d e d o . e s t a m u t il a ç ã o é u m p e c a d o a o s o lh o s d a
I g r e ja . E s e alguém , aborrecido d e viver, corta o fio da
vida, d a qu al não é senhor, com ete um dos maiores p eca d o s .
CRISTO, REI DA VIDA HUMANA 273

Porque é qu e o suicídio é um p ecad o tão grave?


l .° P o r q u e o s u i c i d a a p o s s a - s e d e u m te s o ir o q u e n ã o
é seu : a v id a : e c o m e te um p ecad o que já não pode
r e p a r a r ; c o m a m o r te c o r t a t o d a s a s p o s s i b il i d a d e s d e u m a
rep aração .
C e rta m e n te a I g r e ja con h ece p e r f e it a m e n t e os a rg u ­
m e n to s s e n t im e n t a is , c o m q u e o s e s p ír ito s e x t r a v i a d o s d a
n o ssa ép oca p ro cu ra m m a t iz a r c o m c e r to e n c a n to e com
v is o s d e h e r o ís m o o s s u i c i d a s ; c o n h e c e a te r r ív e l s it u a ç ã o
e c o n ó m i c a e m q u e a lg u n s s e p o d e m e n c o n t r a r ; e c o n tu d o ,
m a n t é m - s e fir m e n a s u a a t i t u d e ; sempre, e em todas as
circunstâncias, considera o suicídio com o um dos maiores
pecados.
S e ja m o s c la r o s . N ó s n ã o c o n d e n a m o s n in g u é m ; a c o n ­
d e n a ç ã o d e i x a m o - la a D e u s . S ó D e u s p o d e ju l g a r e m q u e
grau de n o r m a lid a d e ou a n o r m a lid a d e s e a c h a v a a q u e le
p o b r e d e s g r a ç a d o , n o s s o ir m ã o d e a l m a d e s f e i t a , n o p ró p r io
m o m e n to d e l e v a n t a r c o n t r a s i a m ã o s u i c i d a .
A p e s a r d e tu d o . a I g r e ja n ã o p o d e m u d a r a s u a p o s iç ã o
d o u t r i n a l ; n ã o p o d e m o d i f ic a r a te s e d e qu e só p od e tirar
a vida A qu ele qu e a d eu : o C riador, e q u e nem a d o en ça,
nem um am or i n f e li z , nem a p erd a da f o r tu n a , nem a
d e s o n r a , n e m q u a l q u e r i n f e li c id a d e o u d e s g r a ç a n o s d ã o o
d ir e i t o d e a c a b a r c o m a v id a .
2. «M as, a vida é minha, é o q u e e u p o s s u o d e m a is
p e s s o a l! P osso f a z e r d e la o que q u is e r . E s e e u q u is e r
a c a b a r c o m e l a ? » , d iz u m d o s q u e lu t a m c o m o d e s e s p e r o .
N ã o , ir m ã o , a v id a n ã o é t u a . C o m p r a s t e u m q u a d r o
a r t ís t ic o , o b r a d e u m p in t o r d e f a m a m u n d ia l. C o m p ra ste -o
e p a g a s t e - o c o m o te u d in h e ir o . O q u a d r o é te u . E p o d e r á s
d e s t r u í- lo p o r c a p r ic h o ? — N ã o . A g iria s m u ito m a l se o
274 JESUS CRISTO REI

d e s t r u ís s e s . E t r a t a n d o - s e d a v id a . h á - d e - s e u r g ir a r a z ã o :
p o r q u e a v id a é m u ito m a is v a li o s a q u e o m e lh o r q u a d r o ,
a lé m d is s o , e m r e l a ç ã o a m im . a v id a é t u a . T u a n ã o m in h a .
M a s e m r e l a ç ã o a D e u s n ã o p o d e s d iz e r : é m i n h a , n ã o d e
D e u s ; é tu a n a m e d id a e m q u e D e u s ta c o n c e d e , e E l e
o u t o r g o u - t a . p a r a q u e f r u t if i q u e , a t é a o d ia em q u e t a p e ç a .
É s u s u f r u t u á r io e n ã o p r o p r ie t á r io a b s o l u t o .
3. ® «M as é tão difícil a vida! Q u a n d o n ão h á a le ­
g r ia . q u a n d o s e te m q u e l u t a r c o n t i n u a m e n t e ! . .. »
— N em m e s m o a s s im . E s t a v id a te r r e n a é r e a lm e n t c
m u ito im p e r f e i t a : n ã o é m a is q u e u m e s t a d o d e t r a n s i ç ã o .
S e o s o f r im e n to a m a r g u r a a e x i s t ê n c i a , e a t r is t e z a fa z c o r r e r
lá g r im a s d o s t e u s o lh o s , c o m p r e e n d e - s e . M a s q u e b r a r , r o m ­

p e r o fio d a v i d a ? . . . N ão , nu nca!
4. ® « M a s s e tu d o s e d e s m o r o n a n a m in h a v id a ! Se
um a fo r t u n a m a l a d q u ir id a , a fra u d e , o fa r d o e sp a n to so
d e u m a v id a d eso rd en a d a pesa s o b r e m im e m e o p r im e .
E sto u a r r u in a d o . Q u e possa ao menos expiar as minhas
cu lpas»...
E x p ia r ? S r m ; to d o o p e c a d o e x ig e u m a e x p ia ç ã o . M a s
d iz - m e : é is s o um a e x p ia ç ã o ? É e x p ia ç ã o fe ch a r, a trá s
de H. a p o rta ? Tom ar im p o s s ív e l to d a a e s p é c ie de

rep a ra çã o ?
E x p i a ç ã o é t e r v a lo r p a r a c o r r ig ir o s e rro s , a i n d a q u e
a s t u a s a l e g r i a s s e ja m p ou cas. E x p i a ç ã o é te r v a lo r p a r a
rep arar com um tra b a lh o h o n ra d o d e d ez e n a s de a n o s os
p e c a d o s c o m e t id o s . M a s n ã o é e x p i a ç ã o , m a s s im c o b a r d i a ,
pôr p o n to f in a l com um a b a la de r e v ó lv e r num a v id a
f a l h a d a : n ã o é e x p i a ç ã o , m a s u m a f u g a c o b a r d e p o r q u e te
recu sa s a p a g a r o q u e d ev es. É u m a m a n e ir a d e p e n s a r
c o m p le ta m e n t e e r r a d a e i n ju s t a .
CRISTO. RB DA VIDA HUMANA 275

III
Se la n ç a r m o s um o lh a r à n o ssa v o lt a , v e r e m o s c o m
a s s o m b r o , q u e e s t a m a n e ir a d e p e n s a r e r r ó n e a e in s e n s a t a
<lo s u . c d . o . p r o p a g a - s e h o je c o m o e p id e m ia d e s a s t r o s a e n t r e
os h o m en s. P r o p a g a - s e ... d esd e q u a n d o ? D esd e q u e há
m u rto s d e s e n g a n o s a m o r o s o s ? D e s d e q u e h á m u ito s a lu n o s
re p ro v a d o s? D e s d e q u e co rrem m a l os n e g ó c io s ? N ã o e ste
m al n ão é c o is a nova n a h u m a n id a d e . D i f u n d e - s e e n tr e
desd e qu e o pensam ento cristão, a vida religiosa,
os h om en s
se debilitaram entre os hom ens.
A vida hum ana perdeu o seu valor. C o m o c h e g a m o s a
ta o fu n e s t a c o n s e q u ê n c i a ? E squ ecen do-n os d a vida eterna.
a r e c e e s t r a n h o , m a s é v e r d a d e : o a p o io , a f o r ç a , a d e f e s a
d e s t a v id a terrena é p r e c is a m e n t e a v id a eterna.
Os i n f e liz e s s u ic id a s in v o c a m d iv e r s o s m o tiv o s p a r a
ju s t i f ic a r e m a su a acção: a d e s g r a ç a , a c r is e e c o n ó m ic a
a d oen ça, os d e s e n g a n o s ... M as. quem d u v id a que na
m a io r ,a d o s c a s o s , s e d e t e r ia o b r a ç o s u i c i d a s e lh e fiz e s s e m
c o m p r e e n d e r a respon sabilidade qu e tem diante d e Deus.
e a virtude d a esperança posta n o Senhor?
E i s a í u m a g r a n d e v e r d a d e , u m a l iç ã o d a e x p e r i ê n c i a :
a v ,d a h u m a n a , a v id a s o c i a l, n e c e s s it a d o a p o io d a r e lig iã o .

qu' m d“ " " ' *


S o c ie d a d e sem r e lig iã o . E sta d o sem r e lig iã o é um
a s s a s s ín io . N ao e n c o n tro o u tr a e x p r e s s ã o . Q uem sep ara
a a lm a d o c o r p o , é u m a s s a s s in o .

U m a v id a d ig n a d o h o m e m e a r e lig iã o fo rm a m um
o to d o c o m o o c o r p o e a a l m a . O corp o é o E s ta d o : o seu
■m. a p r o s p e r id a d e n a t u r a l d o p o v o . A a l m a é a r e lig iã o
JESUS CRISTO REI
276

o s e u fim . a f e li c id a d e e t e r n a d o h o m e m . H o je v ê -se e m
m u ito s la d o s e s t a t e n t a t i v a i n s e n s a t a d e q u e o E s t a d
se p r e o c u p e c o m a r e lig iã o , q u e a r e lig iã o n ã o s e ,a a a lm a

C' ° ^ V ^ eja m o s, u m p o u c o , onde p od e chegar o hom em sem

C n S P o d e ria d u r a n t e m u ita s h o r a s , c o n t a r - v o s c a s o s , q u a l
d e le s o m a is in v e r o s ím il. C ita re i a lg u n s ao acaso ; e le s
b a s t a r ã o p a r a s e c o m p r e e n d e r c o m o h o m e m se a v il t a . c o m o
b a i x a o s e u n ív e l e s p ir i t u a l, c o m o d e s a p a r e c e d o s e u r o s to
a d ig n id a d e h u m a n a , se d u r a n t e a sua p e r e g r in a ç ã o t e r r e n a

r e p e le a m ã o d e N o s s o S e n h o r J e s u s C r is t o .
A lg u m a s v ezes b a s t.-m , u«na s im p le s a o t .c a
jo r n a l p a r . c o m e ç a r com . . m in h a s r e f le x õ e s .
n o r e x e m p lo , a A d m in is t r a ç ã o d o s C o r r e io s d o s E sta d o s
U n id o s P u b l ic o u a n o tíc ia d e h a v e r a d o p ta d o um a - v
m e d id a a t ít u lo de e x p e r iê n c i a , com o p t.m o s r e s u lta d o s .
T que P o r ta n to a a d o p t a r i a d e f in it iv a m e n t e , e a r e c o m e m
d a r ia a t o d o s o s i n t e r e s s a d o s . Q u a l é a in o v a ç ã o ? Q «e o
c o r r e io s e c o m p r o m e te a tra n sp o rta r, co m o « a m o stra sen
v a lo r » , a b a i x o p r e ç o , a s c in z a s d o s c a d á v e r e s m c m e r a d o s ^
Q uem q u i s e r p o is p o d e c o n f ia r a o c o r r e io , p o r u m a t a x a
• J n - s e u s e n t e s q u e r id o s , c o m o « a m o s tr a
m in im a . a s c in z a s d o s s e u s e n t e s q r o n tu d o
se m v a lo r » . Q u e h á a q u i q u e e s c a n d a l iz e ? t c o n t u d o
m e d ite i d u ra m e n te um q u a rto de h o ra p e n s a n lo nes
n o tíc ia s e n s a c i o n a l. N ão s e n tim o s que e sta n o tic a nos
revela algum a coisa q u e n ão e stá bem ? Q u e algum a c o is a

f a l t a a o juízo dos hom ens?


N ã o h á m u ito , m o r r e u e m V a r s ó v i a u m fa m o s o b a n ­
d id o . U m a m u ltid ã o e x t r a o r d i n á r i a a s s i s t i u a o s e u e n te r r o .
N o u t r o s te m p o s , a a s s i s t ê n c i a a u m e n te r r o e r a u m a h o m e -
277
CRISTO. RE1 DA VIDA HUMANA

n a g e m a o fin a d o ; d a í o n o m e d e « h o n ra s fú n e b r e s ^ H o ,c
m o r re um c h e fe de b a n d id o s , ou s u ic id a -s e um h om em
d e s e s p e r a d o , e o s h o m e n s e a s h is t é r ic a s e n ã o h i s t é r ic a s ,
e x c i t a d a s p e l a s n o H c ia s f a n t á s t i c a s d o s jo r n a is , s ã o c a p a z e s
d e e s p e r a r d u r a n t e la r g a s h o r a s , e s a c r i f i c a r d ia s in t e ir o s ,
p a r a p r e s e n c ia r e m o m o m e n to d o e n te r r o . S á b io s , a r tis ta s ,
p a is d e f a m íl i a , q u e c u m p r e m c o n s c ie n c io s a m e n te o s seu s
d e v e r e s , l u t a n d o h e r o i c a m e n t e a t é a o fim , s ã o a c o m p a n h a d o s
p o r u n s p o u c o s s o m e n te a t é à ú lt i m a m o r a d a ; m a s s e fo r
u m a s s a s s i n o , u m s u ic id a , o s jo r n a i s e n c h e m a s s u a s p a g in a s
d e n o t i c i á r i o e f o t o g r a f ia s , e a s m u ltid õ e s c o r re m a ver o
e n te rro . N ão vos parece qu e h á qu alqu er d eficiên cia no
juízo dos hom ens?
O u t r o c a s o : N ã o h á m u ito q u e m o r r e u em N o v a I o r q u e
u m d o s m a is te m iv e is c r im in o s o , e o s e u fé r e tr o fo i l i t e r a l ­
m e n te c o b e r t o d e flo r e s e c o r o a s . N a A l e m a n h a p r e n d e r a m
um la d r ã o fa m o s o e fo i le v a d o a B e r l i m ; à s u a c h e g a d a ,
e s p e r a v a - o g r a n d e m u ltid ã o , q u e o r e c e b e u c o m u m a e s t r o n ­
d o s a o v a ç ã o . V i n t e a n o s a t r á s , e r a m o s p o l íc i a s q u e t in h a m
d e d e f e n d e r o c r im in o s o , p a r a q u e a m u l t i d ã o e n f u r e c id a
o n ã o l in c h a s s e . H o je . tê m q u e im p e d ir q u e a s m u ltid õ e s
o s le v e m a o s o m b r o s e m t r i u n f o ... N ão vos parece qu e an da
errado o juízo dos hom ens?
E q u e d ir e m o s d o s u p o s to « c lu b e d e s u ic id a s » que.
p o r m e io de c o n f e r ê n c ia s p e r ió d ic a s , q u e r e m s u g e r ir a o s
s e u s s ó c io s u m d o s m a io r e s p e c a d o s : o s u i c íd i o ?
Q u e c o is a h o r r ív e l — d e q u e n in g u é m , a o q u e p a r e c e ,
s e a d m ir a — q u e ju n t o d a s p o n te s d o D a n ú b i o , t e n h a d e
h a v e r e s t a ç õ e s d e s a lv a m e n to c o m o s d e v id o s b a r c o s , q u e
d ia e n o it e esp eram os c a n d id a t o s v o lu n t á r i o s à m o r te !
N in g u é m s e n te n e s t a f u t i l id a d e , in s ig n i f ic a n t e n a a p a r ê n c i a .
278 JESUS CRISTO REI

o h o r r o r d a c i v i l i z a ç ã o m o d e r n a , q u e s e d iv o r c io u d e C r i s t o ?
N ão sentimos todos a bancarrota definitiva d a incredu­
lid ad e?
C o is a s a in d a m a is fa n tá s tic a s . U tiliz a n d o a m is é r ia
a l h e ia , e x p õ e m -s e à c u r i o s i d a d e d o p ú b li c o , e s s e s a b o r to s
e a l e ijõ e s d a n a t u r e z a e em p o u c o s d ia s , r e c o lh e - s e u m a
fo rtu n a ! E a m u lh e r q u e m a g n e t i z a ! E o a d iv in h o ! E os
c h a r l a t ã e s q u e h ip n o t iz a m c o m a l g o d ã o u n t a d o d e g o r d u r a !
E t a n t o s o u tr o s c a s o s !

N ão vos parece qu e h á aqu i algo errado?


O n d e e stá o m a l? E m q u e n o s e s q u e c e m o s q u e C r is t o
é ta m b é m R e i d a v id a t e r r e n a ; e m n ã o p e n s a r m o s n a v id a
te r r e n a e n o s s e u s d e v e r e s s e g u n d o a d o u t r in a d e C r i s t o .
E d ig a m o - lo d e u m a v e z p a r a s e m p r e : n ã o e n c o n t r a ­
r e m o s re m é d io , s e n ã o b u s c a r m o s a C r i s t o . R e a l iz o u - s e em
B u d a p e s t u m a a s s e m b l e i a s o b r e a m a n e ir a d e p ô r u m d iq u e
à e s p a n t o s a m a n ia d o s u i c íd i o . P a r e c e m - m e b o n s to d o s o s
e s fo r ç o s , to d o s os p la n o s p ro p o sto s; m as eu não e sp e r o
r e s u lt a d o s e n ã o d u m d o s m e io s .
É ju s t o , q u e f a ç a m o s tu d o o q u e p u d e r m o s , p a r a p r o ­
te g e r a v id a h u m a n a , q u e t e n h a m o s c o m p a i x ã o d o s s u i c i d a s ;
m a s q u e s e p r o íb a p u b l i c a r n o s jo r n a is g r a n d e s r e la t o s em
e s t ilo r o m â n t ic o s o b r e o s c a s o s d e s u ic íd io . Q u e s e p r o íb a ,
à excep çáo dos p a r e n te s , to m a r p a r te nos seu s e n te r r o s
T o d a s a s m e d id a s p r e v e n t i v a s 's ã o ju s t a s e l o u v á v e i s ...
M a s s a b e is q u a n d o t e r ã o e f i c á c i a t o d a s e s t a s m e d id a s ?
Q uando a a lm a h u m a n a , em vez d a á g u a e s ta g n a d a d as
c is t e r n a s , va b e b e r n o v a m e n te a fo n te das águas v iv a s ;
quando a m e n t a li d a d e do hom em m o d ern o v o lte a um a
s é r ia r e lig io s id a d e e te n h a c o n s c iê n c ia de que e sta v id a
te r r e n a é um te m p o de p ro v a çõ es c o n c e d id o por D eu s.
CRISTO. REI DA VIDA HUMANA 279

u m p o s to d e s e n t in e l a d e s ig n a d o p e lo A lt ís s i m o , q u e n ã o
a b a n d o n a r c o b a r d e m e n t e , m o s tem d e se guardar
é l íc i t o
m esm o no m eio d a lam a e n a tem pestade, ao sol e ao gelo,
na prosperidade e na desgraça, cum prindo sem pre o dever
inquebrantàvelm ente.
« Q u e m tem ouvidos, qu e e s c u t e . .. A o q u e v e n c e r darei
a com er d a árvore d a vida, qu e está no m eio d o paraíso
d o m eu D eu s*. (*)
Com is to c h e g a m o s à c o n c l u s ã o d e s te c a p ít u lo .
C r i s t o é t a m b é m R e i d a v id a t e r r e n a e s ó a f é v iv a .
fir m e m e n te a l i c e r ç a d a e m C r is t o , p o d e a ju d a r - n o s a t r i u n f a r
n a l u t a d e s t a v id a . tã o d u r a .
P a r a s u b ir m o s u m c a m i n h o e s c a r p a d o s o b r e u m a b is m o .
necessitam os d e guardas p a r a n ã o c a ir m o s c o m v e r tig e n s .
O c a m i n h o e s c a r p a d o é a v i d a ; a s g u a r d a s s ã o a fé.
Ê preciso um a força d e propulsão p ara pôr um a
m á q u i n a e m m o v im e n t o ; a m á q u in a é a v id a , a f o r ç a p r o ­
p u ls o r a é a fé.
É necessária a chuva p a ra a m a d u re c e r a se m e n te la n ­
ç a d a à te r r a c o m ta n to tr a b a lh o . A s e m e n te é o t r a b a l h o
d e s t a v i d a ; a f o r ç a f e c u n d a n t e é a fé .
Ê necessário o raio d o sol matinal, que s o r r ia com
e s p e r a n ç a a o p e r e g r in o q u e c a m i n h a v a a c u s t o p e la n o ite
s o m b r ia . A n o it e é a v id a t e r r e n a , c h e i a d e l u t a s ; o r a io
d e s o l é a fé .
N ã o h o u v e é p o c a e m q u e s e v is s e c o m m a is c la r i d a d e
do que em n o sso s d ia s , a g ran d e lu ta da h u m a n id a d e :
o c o m b a t e d e s e s p e r a d o e n t r e o d iv in o e o d ia b ó l ic o , e n t r e
o b e lo ' e o fe io . e n tr e a id e ia c r is t ã e a i d e i a p a g ã .

(*) Apocalipse, li, 7.


280 JESUS CRISTO REI

C o m C r is t o , a v id a t e r r e n a , c h e ia d e lu t a s , é u m d e v e r
d ig n o d o h o m e m ; sem C r is t o , a v id a n ã o é m a is d o q u e
u m a « a m o s t r a se m v a lo r » .
E s c o lh a m o s p o i s : C r i s t o , o u o A n t i - C r i s t o ?
D eu s. ou S a ta n á s ?
O r e in o d e D e u s n a te r r a , o u o in f e r n o e s c u r o q u e s o h e
à te rra ?
S en h o r! O m e u c o r p o e a m i n h a a l m a . tu d o é v o s s o .
D a i - m e f o r ç a , s a ú d e , u m c o r p o c a p a z d e t r a b a l h a r u n id o a
u m a a l m a p u r a . a fim d e q u e t o d a s a s o b r a s d a m i n h a v id a
te r r e s tr e s e ja m um lo u v o r c o n t in u o e m V o s s a h o n r a .
Q u e eu seja a harpa, e V ó s o canto qu e d ela brote!
Q ue eu seja o fogo e q u e em mim arda o V o s s o am or!
Q ue eu seja o roble e V ós a força qu e me sustente!
Q ue eu seja o mar e V ós a im ensidade qu e me en cha!
Q ue eu seja o V osso filh o obed ien te n a terra, para qu e
possa ser um dia o vosso filh o feliz na vida etem a!
C A P ÍT U L O X X II

C risto, R ei d a M ulher

Ç
)fo p r in c íp io d o s é c u lo v . R o m a v iv e u t r is te s e e n l u -
CAÍ ta d o s d ia s ; as ondas d e v a s ta d o ra s d a s in v a s õ e s
b á r b a r a s , à s o rd e n s d e A l a r i c o . in v a d ir a m e a r r u in a r a m a
c id a d e e t e m a . o u tr o r a tã o r ic a e o p u le n t a . A a r i s t o c r a c ia
p a g ã r o m a n a c e n s u r a v a a m a r g a m e n t e o s c r i s t ã o s : « V ó s s o is

a c a u s a d e to d o s e s t e s m a le s .»
— g r ito u S anto A gostinho, no seu liv r o De
C ivitale D ei. — N ó s ? P o r te r m o s d e r r u b a d o o s v o s s o s
id o l o s ? — P elo c o n t r á r io , vieram todas estas calam idades,
porque ain d a acreditais neles. P or isso nos assola a
desgraça».
Tam bém se d e s m o r o n a b o je o m u n d o a c t u a l . E será
A o contrário; porqu e não o somos,
p o rq u e so m o s c r is tã o s ?
porque não seguim os deveras a C ris to. A h u m a n id a d e ,
a s o c ie d a d e , a f a m ilia m o d e r n a , a d o r a m a i n d a m u ito s íd o lo s .
A i d o l a t r i a c o n t in u a à n o s s a v o l t a ; te m o s m á x im a s p a g ã s ,
te m o s um c o n c e ito d a v id a c o m p le ta m e n t e p a g ã o , id o la
tr a m o s o s p r a z e r e s . c o m o s e fô s s e m o s p a g ã o s ; p o r is s o o
m u n d o c a m b a le ia . V i m o s j á n o s c a p ít u l o s a n t e r io r e s p a r a
o n d e c a m i n b a a h u m a n i d a d e se s e s e p a r a d e C r i s t o . C h e g a ­
m o s a g o r a a u m n o v o te m a . c u ja im p o r t â n c ia é i n d is c u t ív e l.
T r a t a r e m o s d a q u e s t ã o d a m u lh e r , s o b e s te t i t u l o : — C risto
— R ei d a mulher.
282 JESUS CRISTO RFJ

A « q u e s t ã o fe m in in a » é , s e m d ú v id a a lg u m a , u m d o s
p r o b le m a s m a is d is c u t id o s d o n o s s o t e m p o : f a l a d a m u lh e r
o m é d ic o , o p o l ít ic o , o s o c ió lo g o , o te a tro , a l it e r a t u r a ;
ta m b é m o s a c e rd o te h á -d e fa la r.

E x a m in e m o s q u a l e o c o n c e ito d e Je s u s C r is to e d a
su a I g r e ja a r e s p e ito da m u lh e r . Q u ero e s c l a r e c e r d o is
A qu e altura elevou Cristo a m ulher? Q u e seria
p o n to s:
d a mulher sem C risto?

Q u e r e i s s a b e r o q u e a m u lh e r d e v e a C r i s t o ? C onsi­
derai qu al a su a sorte, a su a p osição antes qu e o V erbo
se fizesse ca m e. Q u e d e g r a d a ç ã o h u m i lh a n t e e r a a s u a ,
m e s m o n o m e io d a c iv i li z a d a s o c ie d a d e g r e g a .
É u m f a c t o h is to r ic o q u e a m a io r p a r t e d a p o p u la ç ã o
h e l é n i c a se c o m p u n h a d e e s c r a v o s . C o m o a o s e sc ra v o s se
p r o ib ia em g e r a l o m a tr im ó n io , c o n s e q u e n t e m e n t e a maioria
das donzelas gregas não se p o d ia casar.
Se não se p o d ia m casa r, e sta v a m e x p o sta s à m a is
p r o f u n d a d e g r a d a ç ã o m o r a l. E , se u m a e sc ra v a c h e g a v a a
c a s a r - s e . o s e u m a tr im ó n io p o d ia d is s o lv e r - s e , a o c a p r ic h o
d o seu sen h o r.
N ã o e ra m e lh o r a c o n d i ç ã o d a m u lh e r n a s a l t a s c la s s e s
d a s o c ie d a d e . O jo v e m g r e g o r e c e b i a t o d a a c u l t u r a e s p i­
r it u a l d o s e u te m p o , a o p a s s o q u e a s d o n z e la s n ã o a p r e n ­
d ia m m a is q u e a c a n t a r e a d a n ç a r .
Em c o n s e q u ê n c ia d e s ta en o rm e d if e r e n ç a e s p ir it u a l,
e n tr e o h o m e m e a m u lh e r n ã o p o d ia e x i s t i r u m a p e r f e ita
c o m p c n e t r a ç ã o e u n iã o , a q u e l a h a r m o n ia c o m p le ta , s e m a
qual é im p o s s ív e l um a f e liz c o n v iv ê n c ia c o n ju g a l . P io r
CRISTO. REI DA MULHER 285

a in d a , s e te m o s e m c o n t a q u e n ã o e r a o jo v e m q u e e s c o l h ia
a e s p o s a , m a s e s t a e r a - l h e im p o s t a p o r s e u p a i.
E qual era a s it u a ç ã o da m u lh e r casad a? T in h a
a p o s e n to s à p a r te e m casa, e não p o d ia a b a n d o n á - l o s , a
n ã o s e r p a r a o s e x e r c íc io s r e l ig io s o s ; h a v i a g u a r d a s e s p e ­
c ia is que v ig ia v a m p a ra que a m u lh e r n u n c a s a is s e de
casa. S e o m a r id o q u is e s s e , p o d ia r e p u d iá - la , d iv o r c ia r - s e .
A m u lh e r n ã o p o d ia r e a l iz a r c o n t r a t o s de n e g ó c io s , n ã o
p o d ia C o m p ra r, n e m f a z e r te s t a m e n t o . S e e n v iu v a v a , s e u

f ilh o m a is v e lh o f i c a v a s e u t u t o r . ..
E n c o n tra v a ao m enos a le g r ia n o s se u s filh o s ? N em
is s o . O p a i t i n h a o d ir e ito , c in c o d ia s d e p o is d o n a s c im e n t o
d o f ilh o , d e d e c i d i r s e o d e v ia a c e i t a r o u e x p ô - lo e d e i x á - l o
m o r r e r à fo m e , a b a n d o n a d o . E q u a n d o o f ilh o n a s c i a d e f e i ­
tu o s o , e n f e r m iç o , o u e r a u m a m e n in a , e n t ã o n ã o r e f l e c t i a
m u ito : m a is c u s t a h o je à d o n a d e c a s a e s c o l h e r e n t r e o s
g a tin h o s d a n in h a d a q u a l d e v a c o n se rv a r. P arece esp an ­

to s o , m a s e r a v e r d a d e . A m u lh e r g r e g a n ã o t i n h a h o n r a ,
n e m lib e r d a d e , n e m a m o r , n e m d ir e it o a lg u m . N ã o cen su ­
r a m o s o p o v o g r e g o , q u e c h e g o u a o m a is a lt o g r a u d e c i v i ­
l iz a ç ã o . d e e s t a r t ã o a f a s t a d o d a h u m a n id a d e e g r a n d e z a
m o r a l, m a s d e p lo r a m o s a f r a q u e z a h u m a n a q u e . sem C r is t o
a ilu m in a r c o m a s u a lu z d iv i n a o s s e u s c a m in h o s , a v a n ç a
à s a p a l p a d e l a s n o m e io d a e s c u r id ã o .
E se era tã o d e p lo r á v e l a s o r te da m u lh e r n o s e io
do povo m a is c u lto da a n t i g u id a d e , que s e r ia e n tr e as
n ações b á rb a ra s? O s h o m en s co m p rav am a esp osa e v en ­
d ia m s u a s f i lh a s a o s p r e t e n d e n t e s . E p o r is s o a p o lig a m ia
e s t a v a n a o rd e m d o d ia . e t o d o o p e s o d o t r a b a l h o c a í a
s o b r e e la .
284 ]ESUS CRISTO REI

E s c u r a , m u ito e s c u r a e r a a n o i t e d a v id a d a m u lh e r ,
a n te s d e C r is to . M a s e sta n o ite e s c u r a v ê -s e d e r e p e n te
ilu m in a d a p e la lu z té n u e da e s tr e la de B e lé m . C hega
C r is to ! R e g o z i ja i - v o s to d o s o s o p r im id o s , t o d o s o s p e c a ­
d o r e s . o s p o b r e s , a s c r ia n ç a s , a s m u l h e r e s ... r e g o z ija i- v o s 1 ...
Q u e deve a m ulher a Cristo?
Em p r im e ir o lu g a r , c ju e o hom em se te n h a d ig n a d o
f a l a r - lh e c o m o a um a pessoa d e igual categoria. S im ; e n ão
e s t r a n h e is e s t a a f i r m a ç ã o . A o s e s c r i b a s e d o u to r e s ju d e u s
e r a -lh e s p r o ib id o fa la r com u m a m u lh e r , a i n d a q u e fo s s e
a s u a p r ó p r ia ir m ã . N o s s o S e n h o r J e s u s C r i s t o a b o l i u e s ta
le i h u m i lh a n t e . Q u e n o s d iz a S a g r a d a E s c r i t u r a q u a n d o
n os c o n ta a c e n a d a S a m a r ita n a ? Q u a n d o o s d is c íp u lo s
v o lta m da c id a d e e n c o n tra m o Senhor a fa la r com a
S a m a r i t a n a ju n t o a o p o ç o d e J a c o h ; e a S a g r a d a E s c r i t u r a
fa z n o t a r : « O s seus discípulos estranharam qu e falasse com
aqu ela m ulher .» ( ') M a s o S e n h o r n ã o s e p r e o c u p o u c o m
is s o . e fo i e s t e o p r im e ir o p a s s o d e c is iv o a f a v o r d o r e s p e ito
p e la m u lh e r e d a s u a e m a n c i p a ç ã o .
E x i s t e m , a lé m d is s o , n u m e r o s a s p a r á b o l a s d o S e n h o r
e m q u e le m b r a t a n t a s v e z e s o s p e s a r e s , o s s o fr im e n to s , o s
t r a b a l h o s d a m u lh e r . S ó c r a t e s . o g r a n d e filó s o f o , q u a n d o
com eçav a a fa la r de f i lo s o f ia , m andava s a ir d a s a la as
m u lh e r e s , p a ra que não p e rtu rb a sse m a s a b e d o ria dos
h o m e n s : C r i s t o , p e lo c o n t r á r io , a lu z d o m u n d o , s a u d a v a
com b e n e v o lê n c i a a s m u lh e r e s d o s e u a u d it ó r io , a s m ã e s .
e n s in a n d o q u e e l a s ta m b é m têm u m a a lm a im o r t a l, ig u a l
à dos h o m en s. R e a lm e n te C r is to é o R ei d a s m u lh e r e s .

0 S. Jo ã o , iv, 27.
CRISTO. REI DA MULHER 285

S e r á n e c e s s á r io r e c o r d a r o u tr o s a c t o s d e C r i s t o ? D es­
c r e v e r m a is u m a v e z o c o r a ç ã o c h e io d e a m o r d e C r i s t o ?
C o n t e m p l e m o - lo q u a n d o r e s s u s c i t a o f ilh o ú n ic o d a v iú v a
d e N a im ! Q u e c o m p a i x ã o e t e r n u r a e le s e n te p o r a q u e l a
m ã e d e b u l h a d a e m lá g r i m a s ! C o n t e m p l e m o - lo q u a n d o , s o b
o fo g o d o s o lh a r e s e s c a n d a l iz a d o s d o s f a r is e u s , f a l a c o m
am or a M a d a le n a a r r e p e n d id a , de r o s to r u b o r iz a d o p e la
v e r g o n h a ; c o m o E l e d e v e te r s e n t id o c o m p a i x ã o e a m o r p o r
e s ta p e c a d o ra a rr e p e n d id a !
E sc u te m o s com o c o n fu n d e a so b erb a dos fa r is e u s
q u a n d o le v a m a s e u s p é s u m a m u lh e r a d u lt e r a , p a r a q u e
s e j a a p e d r e ja d a . C o m q u e a m o r , c h e io d e p e r d ã o , lh e f a l a !
C o n t e m p l e m o - lo nos ú lt im o s p asso s d a su a v id a m o r ta l,
c o b e r to d e s a n g u e , s o b o p e s o d a c r u z , q u a n d o E l e m a is
n e c e s s it a v a d e c o n f o r t o , e s q u e c e n d o - s e d e s i, p a r a c o n s o l a r
a s m u lh e r e s q u e c h o r a m . S e r á p r e c is o i n s is t ir m a is n o q u e
d eve a m u lh e r a C r i s t o , q u e c o n f io u o a n ú n c io ju b i l o s o
d a su a r e s s u r r e iç ã o às m u lh e r e s q u e fo ra m v is i t a r o s e u
t ú m u lo ?
3.° S e Cristo respeitou a mulher, tam bém a respeitou
a S an ta Igreja, o C r i s t o m ís t ic o q u e c o n t in u a v iv e n d o e n tr e
nós. São in u m e r á v e is a s b ê n ç ã o s q u e b r o t a r a m d e sta a t i­
tu d e d a I g r e ja p a r a c o m a m u l h e r !
N os p r im e ir o s s é c u lo s d o c r is t ia n is m o , a p r o v e ito u os
s e r v iç o s d a s m u lh e r e s p a r a c u i d a r d o s d o e n t e s e p r a t i c a r
to d a a s o r te de c a r id a d e ; m a is a in d a , na Id a d e M é d ia
f r a n q u e ia - l h e s a e n t r a d a n a s a c a d e m i a s .
P o rta n to , a ed u cação e s p ir it u a l e in s tr u ç ã o e e le ­
v a ç ã o d a m u lh e r n ã o é u m a c o n q u i s t a d o s n o v o s te m p o s
« d e lu z » , m a s d a I d a d e M é d i a c a t ó l i c a , c h a m a d a i r o n i c a ­
m e n te «escu ra». Tem os dados p a ra p r o v á - lo . Sabem os
286 JESUS CRISTO REI

q u e q u a n d o R o u s s e a u e s c r e v ia a d A l e m b e r t q u e a m u lh e r
n á o p o d e t e r t a le n t o n e m q u e d a p a r a a a r t e : q u a n d o K a n t
a p r e g o a v a q u e à m u lh e r lh e b a s t a v a s a b e r q u e n o m u n d o
e x is t e m o u tr o s u n iv e r s o s e o u tr a s b e le z a s , a lé m d e la s , j á
e n t ã o , e m u ito a n t e s , n o s é c u l o x u , a I g r e ja f u n d a r a c á t e d r a s
d e p r o f e s s o r a s n a s u n iv e r s id a d e s d e S a l e m o , d e B o l o n h a
e de P ád u a.
J e s u s C r is to fo i o p r im e ir o q u e m o s tr o u a fo r m o s u r a
d a a lm a f e m in in a , e , g r a ç a s a E l e , a m ulher tom ou-se o
qu e h o je é na actu alid ad e: c o m p a n h e ir a do hom em , de
c a t e g o r i a ig u a l à d e le .
Só quem v iv e um a v id a s in c e r a m e n t e c r is t ã , pode
escre v e r o q u e escrev eu o co n d e E s t ê v ã o S z é c u e n y i (* ) « à s
m u lh e r e s d e a l m a m a is b e l a d a n o s s a é p o c a » : « M u i t a c o is a
b e l a e n o b r e q u e h á n a h u m a n id a d e é o b r a d o v o s s o s e x o .
V ó s le v a is e m v o s s o s b r a ç o s o v iv e ir o d a v id a e o e d u c a is
p a r a q u e s e ja b o m c id a d ã o . Em v o sso n o b re o lh a r b e b e
o h o m e m â n im o e v a l e n t i a . .. V ó s s o is o s a n jo s c u s tó d io s
d a v ir tu d e e d a n a c i o n a l i d a d e ...»

II

M as ao chegar a e s te p o n to do n o sso r a c io c ín i o ,
o c o r r e -m e u m a p e r g u n t a i m p o r t a n t e : •
V iv e n a c o n s c iê n c ia d o h o m em m o d e rn o e p r in c ip a l­
m e n te na c o n s c iê n c ia da p r ó p r ia m u lh e r , e ste a lt ís s im o
c o n c e i t o a s e u r e s p e it o ? C o m p e s a r te m o s d e c o n s t a t a r q u e
o sublim e conceito cristão, m u ita s vezes por c u lp a das

C) Na dedicatória da sua obia H ilel (C rédito).


CRISTO. RH DA M ULHER 287

p r ó p r ia s m u lh e r e s , vai p erd en d o c a d a vez m ais o seu sig n i­


fic a d o , e t r a n s f o r m a - s e d ia a d ia n u m a fr a s e v a z ia d e
s e n tid o .
Um filó s o f o d is s e um d ia . que um a fr a s e g r a n d ilo -
q u e n t e é c o m o u m a a v e lã o c a ; q u e r d iz e r , u m a c a s c a se m
g r ã o , u m n in h o se m p a s s a r in h o s , u m a c a s a se m h a b i t a n t e s .
C o m p e s a r te m o s d e r e c o n h e c e r q u e o id e a l d a m u lh e r
ta m b é m c o r r e o p e r ig o d e n ã o s e r m a is q u e u m a d e sta s
fr a s e s o c a s e v a z ia s . N o m u n d o c r is t ã o , a m u lh e r s ig n i f ic a v a
um a c o is a s u b l im e ; h o je . c o m e ç a a p erd er o seu a n t ig o

s ig n if ic a d o .
H o je , c o n s id e r a - s e a m u lh e r s o b tr e s a s p e c to s : um ,
p r o f u n d a m e n t e d e g r a d a n t e , o u tr o , s u p e r f ic ia l e u m te r c e ir o ,

s é r io e c r is t ã o .
O p r im e ir o — o m a is h u m i lh a n t e — é o co n ceito , Que
a id a h o je persiste, d o an tigo m u n do p a g ã o . S ó q u e r o c i t a r
u m e x e m p lo .
O Xá da P é r s ia , a n te s da g u erra de 1914. ia com
fre q u ê n c ia a K a rls b a d . D is fr u ta v a com e n t u s ia s m o das
d e l íc ia s d a q u e l a m a g n íf i c a e s t a ç ã o b a l n e á r i a e n ã o v i a n a d a
d e e x t r a o r d in á r io n o fa c to d e q u e . q u a n d o d e p o is d e s u a
c h e g a d a , a s s u a s n u m e r o s a s m u lh e r e s fo s s e m t r a n s p o r t a d a s
d o c o m b o io a o h o t e l, em carro s fe c h a d o s , e a l i f ic a s s e m
e n c e r r a d a s , d u r a n t e to d a a s u a p e r m a n ê n c ia e m K a r l s b a d ;
e , a o p a r t ir p a r a a s u a p á t r i a , e r a m d e n o v o le v a d a s em
carro fe c h a d o p a r a a e sta ç ã o . Uma v id a p io r q u e a de
p od en g os!
A o q u e c h e g a u m a m u lh e r se m C r i s t o ! E e s t e c o n c e it o
d e g ra d a n te da m u lh e r , n ã o é e x c lu s iv o , i n f e liz m e n t e , do
X á d a P é r s ia !...
288 JESUS CRISTO REI

2 .° E . q u a l é o c o n c e i t o q u e m u ito s e u r o p e u s fa z e m
da m u lh e r ? N ão ju lg a m e le s que é m a té ria a p ta p ara
encher o h arém ? U m a bon eca deliciosa, um brinquedo
caro? E m esm o m u ita s r a p a r ig a s não p en sam de o u tr a
m a n e ir a ; a s p o b r e z in h a s d e s d e a i n f â n c i a fo ra m e d u c a d a s
n e s t e s e n tid o .
R e c e a v a - s e q u e u m a r z in h o a s m a g o a s s e , p o u p a v a m - lh e s
q u a lq u e r e sfo rço , q u a lq u e r s a c r i f íc io . «P ob re pequena»!
a s s im as d e s c u lp a v a m quando lh e s era d if íc i l a p ren d er
um a liç ã o ou quando t in h a m que le v a n ta r -se de m anhã
c e d o p a r a ir à m is s a . E e la s p e r s u a d ia m - s e d e q u e u m a
r a p a r ig a v e io ao m undo só p a ra c o m e r , d o rm ir, v e s tir -s e
e v is i t a r as a m ig a s , e a in d a p ara saber s u s te n ta r um a
c o n v e r s a a lg o a n i m a d a . P o b r e r a p a r i g a ! . ..
D e p o is c a sa m . C a s a m , m as n ã o o u sam g ra v a r o seu
m o n o g ram a na b a ix e la de p ra ta , p o rq u e sabe D eus se
d e n tr o e m p o u c o n ã o o t e r ia m d e tir a r . Q u a n d o o u v i is to
p e la p r im e ir a v e z . fiq u e i e s p a n t a d o ; e n t ã o h o je r e a liz a m - s e
ca sa m e n to s com a p re c a u ç ã o d e n ã o b o rd a r o m o n o g ram a
n a r o u p a b r a n c a , p o r q u e s e d u v id a s e a « f i d e l id a d e e t e r n a »
n ã o c h e g u e a t é à p r im e ir a b a r r e i a ? !
P ob re, p o b re m u lh e r m o d e r n a ! C a s a - s e ..., e fic a o
que era, um a g r a c io s a b o n e q u in h a . um a l in d a p la n ta
d e c o r a t i v a .. . q u e n ã o se r v e p a r a n a d a . A m á v e l q u a n d o se
cu m p rem to d o s o s s e u s d e s e jo s ; m a s t o r n a - s e c a p r ic h o s a ,
c h o r a e s o l u ç a , s e o m a r id o lh e n e g a o q u e s o l i c i t a . A s s im
s e c h e g o u a m o ld a r e s s e tip o d e m u lh e r d ig n o d e c o m p a ix ã o ,
q u e n ã o te m o u tr o a f ã . o u tr o p e n s a m e n t o , s e n ã o o v e s t ir - s e ;
u m v e s tid o c u r to , u n s b r i n c o s v is to s o s , u n s s a p a t o s d e p e le
de la g a r t o , uns chapéus de p e le de b ezerro , m a n ic u r a
a p u r a d a , c o s t u r e ir a , t e a tr o , c i n e m a .. . e n a d a m a is .
CR/STO. REI DA MULHER 289

Eu m esm o o u v i a s e g u in t e fr a s e d o s l á b io s d e u m a
d e s t a s m u lh e r e s m o d e r n a s : « A h ! m e u D e u s . c o n t a n t o q u e
m e c o n c e d a is q u e e u m e p o s s a l e v a n t a r u m a s ó v e z a n t e s
d a s o n z e !»

E ste é o seg u n d o tip o da m u lh e r d o s n o sso s d ia s .


P obre, p obre m ulher m odern a!
3.° N em o c o n c e ito d e e le m e n t o d e h arém , nem o
de p la n ta d e c o r a t iv a , e x p lic a m re c ta m e n te a m is s ã o da
m u lh e r .

Q u a l é o c r it é r io d o C r is t ia n is m o n e s t a q u e s t ã o ?
E x a m in e m o s m a is p ro fu n d a m e n te a q u e stã o , e exa­
m in e m o s o que nos d iz o A n t i g o T e sta m e n to acerca do
h o m e m e d a m u lh e r .

D e p o i s d a q u e d a d e n o s s o s p r im e ir o s p a is , o S e n h o r
d is s e : « P orqu e
ouviste a voz d e tua mulher, e com este o
fruto d a árvore d e qu e te proibi comer, m aldita seja a terra
por tua causa. P elo trabalho custoso grangearás d ela o
alim ento em toda a tua vida. Espinhos e abrolhos ela
produzirá... C om erás o p ão com o suor d o teu rosto, até
qu e voltes à terra don d e saiste... porqu e és p ó e em p ó te
hás-de tom ar.» ( ’ )
E i s a m is s ã o d o h o m e m , s e g u n d o o m a n d a t o d iv in o .
N ó s . o s h o m e n s , te m o s d e c a v a r a te r r a , t r a b a l h o d e m a s ia d o
d u r o p a r a a s m u lh e r e s .

N ó s e x t r a ím o s d o fu n d o d a s m in a s o fe rro e o c a r v ã o ;
d e n ó s d e p e n d e o c o m é r c io e a i n d ú s t r ia ; n ó s s e m e a m o s
e c o lh e m o s a s s e m e n t e ir a s ; t ir a m o s a p e d r a d a p e d r e ir a ,
e c o n s t r u ím o s a s c a s a s : d e s c o b r im o s n 0 m e io d e m il p e r ig o s

() G é n e s is , m, 17-19.
19
290 JESUS CRISTO REI

os n o v o s m u n d o s , la n ç á m o s p o n te s s o b r e c a u d a lo s o s rio s ,
p e r fu r á m o s os ro ch ed o s a b r in d o tú n e is , p a ra o c o m b o io ,
e cavám os a te r r a p a r a fa z e r a s c a n a l i z a ç õ e s . C o n fo r m e
a v o n t a d e d iv in a , o hom em é o obreiro do mundo.
E a m u lh e r ?
E s c u te m o s a p a la v r a d o S e n h o r :

<Não é bom qu e o hom em fiqu e só; façam os-lhe uma


com panheira sem elhante a ele.» (') E D e u s c r io u a p r im e ir a
m u lh e r . P a ra e la ? N ã o , p ara o h om em !
E d e p o is d a q u e d a , d is s e - lh e o S enhor: « M ultiplicarei
os teus trabalhos nas tuas con cep ções: c o m d o re s , d a r á s a
lu z o s te u s f ilh o s e f i c a r á s s o b o p o d e r d o m a r id o e e le

m a n d a r á e m t i .» ( 2) . ,
Q u e c o n c e ito s h a v e m o s, p o is . de fa z e r da m u lh e r ?
T e m o s d e o p e r g u n t a r À q u e l e q u e a c r io u . S im ; m as a
s it u a ç ã o s o c ia l m o d ern a, le v o u a m u lh e r a to m a r p a r te
n a v id a p ú b li c a . P r e c i s a d e t r a b a l h a r n o c a m p o , n a f á b r i c a ,

te m d e g a n h a r o p ã o . . .
A s s im é . i n f e li z m e n t e : m a s a v id a m o d e r n a n ã o p o d e
im p o r -s e à s o r d e n s d e D e u s . e ninguém p ode m udar o fim
fixado p elo C riador à mulher. E q u a l é e sse fim ? «Faça­
m o s - lh e u m a a u x i li a r , s e m e lh a n t e a e l e » . P o r t a n t o a m u lh e r
é a auxiliar do hom em ! F o i - o . e é n e c e s s á r i o q u e o s e ja
de novo. E e m q u e é q u e o h á - d e a ju d a r ? Em ser m ãe.
e d u c a d o r a d e s e u s f ilh o s , e m c u i d a r d a c a s a . . . e m a t e n d e r
a o s d o e n te s . « A s m u lh e r e s n ã o p o d e m , e m g e r a l, p a s s a r
d a m e d ia n ia n a s c iê n c i a s e n a s a r t e s . A p en a e a esp ad a
p e r te n c e m a o s h o m e n s : p a r a a m u lh e r , o b e r ç o e o s c u id a d o s

(*) G én esis, li, 18.


(*) G én esis. Hl. 16.
CRISTO. REI DA MULHER 291

da casa. S e q u alq u er das partes se im iscui no trab alh o


do outro, falseia a N atu reza» (SzÉCHENYi).
Emancipação da mulher? Igualdade da mulher?
Sim, diante de Deus, a mulher e o homem são com­
pletamente iguais; têm a mesma alma, o mesmo fim eterno,
recebem os mesmos sacramentos, possuem a mesma digni­
dade humana.
«O h! que ingenuidade!»— dirá alguém. — «Hoje não
se fala disso».
N ão? Então de que se fala? D a igu aldade social,
isto é, d e imitar o hom em em tudo. Se ele tem a chave
da porta também eu a devo ter; se ele fuma. também eu
posso fumar; se ele frequenta o café, também eu o posso
frequentar; se ele guia o automóvel, também eu o posso
guiar; se ele corta o cabelo, também eu o posso cortar...
Não, não; não é esta a igu aldade qu e D eus quis.
— N ão?! Como-o sabe?! — Sei-o, porque Deus é o Deus
da ordem ; e não haverá ordem, enquanto não mandar um só.
Portanto, a mulher — não por mérito próprio, mas por
vontade de Deus — é a auxiliar do homem, e, como tal.
é a segunda, na ordem social.
É o que nos ensina o A ntigo Testam ento.
E que nos diz o N ovo Testam ento?
Em primeiro lugar, ensina que a mulher tem a mesma
dignidade humana que o homem. «Todos os qu e estais
baptizados em Cristo estais revestidos d e Cristo. E não
h á distinção d e judeu, nem d e grego; nem d e escravo, nem
de livre; nem de hom em nem de mulher. P orque todos vós
sois uma coisa em Jesus Cristo.» ( ’ )

(‘) C aria aos G á la la s. III, 27-28.


292 JESUS CRISTO REI

O mesmo S . P aulo sublinha noutra passagem a pri­


mazia do homem: tC risto é a c a b e ç a d e todo o homem,
com o o hom em é a ca b eça d a mulher.» ( ')
«Não consinto qu e a m ulher fa ça d e doutora na Igreja,
nem qu e tenha autoridade sobre o marido, mas guarde
silêncio, já qu e A d ã o foi form ado primeiro e depois E v a » . ( 2)
E para melhor nos convencermos disso, contemplemos
a Sagrada Família em Nazaré. Humanamente falando,
quem havia de ser ali o primeiro? Cristo, depois a S an ­
tíssima Virgem, e em último lugar S . José. E contudo vemos
que o primeiro era S. José, depois N ossa Senhora, e por
fim, nosso S en hor Jesus Cristo. Exemplo sublime para uma
família bem ordenada!
Poderia ser-se mais claro? O homem é a cabeça: e não
é a cabeça que dirige? A mulher é... a auxiliar. Assim
está escrito. E qualquer tentativa que pretenda trocar em
autoridade govemativa, a auxiliar — ainda que se chame
emancipação da mulher — é um a revolução, uma greve,
um a rebelião contra o D eus criador.
De maneira que a mulher no campo político não
realiza o puro e autêntico ideal cristão. A mulher nas
reuniões públicas, na oficina, na fábrica, nas manifestações
arruaceiras... não realiza o ideal cristão. Não há nada
firme, fora do lugar assinalado por Deus; e toma-se débil
se sai da órbita prefixada. Q u e o hom em esteja na vida
pública, esse é o seu cam po d e luta. Q u e a m ulher esteja

(*) /.* C arla aos C orintios, XI, 3.


(*) !.* C arla a Tim óteo, n. 12-13.
CR/STO, RE/ D A MULHER 295

no lar, essa é a sua m issão. Quem inverter esta ordem,


adultera não só o pensamento do Criador, como abala
também os fundamentos da vida social!

Mais duas palavras e termino este capítulo.


Não bá muito, um jornal francês publicou uma carta
interessante. Propôs a solução da seguinte pergunta:
Porque h á mais hom ens do qu e m ulheres n a cad eia? Sabeis
quem ganhou o prémio? Quem enviou esta resposta bri­
lhante: «Há mais hom ens qu e m ulheres n a cadeia, porque
h á mais m ulheres d o qu e hom ens nas igrejas.» Resposta
magnífica e justa! E se continuássemos a perguntar: Porque
há mais mulheres que homens nas igrejas?... talvez se
pudesse responder desta maneira: Porque a mulher sente
instintivamente o muito que deve a Cristo.
Cristo elevou a mulher da sua posição humilhante:
seria um louco suicídio, se a mulher abandonasse a reli­
giosidade — a quem tudo deve. Sem Cristor a mulher
não é mais que um ser de segunda ordem. Sem Cristo,
a mulher é ainda hoje uma escrava humilhada. Sem Cristo
a mulher é uma criatura submetida por completo aos capri­
chos do homem. Mulheres, reparai bem: para todos é uma
infelicidade perder a fé; mas para ninguém o é tanto, com o
para a mulher. Se a irreligiosidade se vinga em alguém,
em primeiro lugar, vinga-se na mulher. A Cristo deve ela a
sua dignidade, o seu valor, o ser considerada com direito
à dignidade humana.
Pobres mulheres, que formais a vossa mentalidade
pelas ideias dos filósofos em voga, pelas páginas das novelas
294 JESUS CRISTO REI

frívolas, pelos teatros imorais... pensai o que seria de vós.


se essas teorias chegassem a triunfar! Que seria de vós. se
triunfasse a igualdade completa de direitos, se triunfasse
o casamento a prazo, se triunfasse a dissolubilidade do
matrimónio!...
Examinai um pouco o mundo actual e vereis o
que é a mulher que não tem fé. que não tem religião,
que não tem como Rei a Cristo. A mulher que não tem
como Rei a Cristo, tem por tirano a modo, a seda, a
pintura, o bar, a vida frívola, a desonra, a ruína. Pobre
da mulher que não tem mais que dinheiro e beleza!
«A mulher que não crê em Deus, é capaz de cometer
qualquer maldade» ( S z é c h e n y i ).
Pelo contrário, tive ocasião de observar, numa viagem,
até onde chega a mulher frágil, débil, com o auxilio da
graça de Jesus Cristo. Foi em Lisieux. Em Paris, como
é natural, deve-se visitar o templo dos Inválidos, o túmulo
de Napoleão, o imperador mais poderoso do mundo durante
algum tempo... Turistas curiosos vão e vêm com o chapéu
na cabeça. Baedecker na mão. se são estrangeiros; falam
à vontade; param um instante diante do túmulo de
Napoleão e prosseguem o seu caminho. Tomam o eléctrico
e ao cabo de uma hora encontram-se em Versalhes, no
palácio de Luís X IV , o R ei-Sol... cA h! é aqui o dormi­
tório do Rei-Sol. Que magnífico»!... E o turista continua
o seu caminho. Toma o comboio e ao cabo de duas horas,
chega a Lisieux e vai visitar o túmulo de S a n t a T e r e s a
d o M e n in o J e s u s . Está cheio de flores; não vemos o
Baedecker nas mãos de ninguém, mas livros de orações:
não há conversas, mas sim uma oração fervorosa; não
CRISTO. REI DA MULHER 295

vemos chapéus na cabeça, mas sim profundo recolhimento...


Que enorme diferença, desde o ponto de vista meramente
humano! N a p o l e ã o e S a n t a T e r e s a d o M e n in o J e s u s !
Luís X IV e S a n t a T e r e s a d o M e n in o J e s u s ! Uma gran­
deza que humilhava o mundo, e uma vida desconhecida,
humilde! Sim ... aqueles eram grandes sem D eus. e Tere-
sinha foi grande com D eus!
E como diz o poeta alemão:

S em D eu s — p o b re e nu;
L on g e d e D eu s — sem âncora;
E m D eu s — rico e gran d e 0 -

Não. não. Senhor! O hn e G ott — arm und b lo ss! Sem


Deus a alma é pobre e nua; não quero sê-lo. Ausser Gott
— ankerloss! Sem Deus és uma navezinha açoitada pela
tempestade, sem âncora: não, não quero sê-lo! In G ott
— reich und gross! Q uero ser rico com D eus. grande em
D eus, quero agarrar-me a D eus, quero viver e morrer com
E le!
Isto é o que eu preciso!
Isto é o que eu quero!
Isto é o que eu farei!

(') O kne Gott — arm un bloss; Ausser Gott— ankerloss; In Gott


— reicK und gross.
C A P ÍT U L O XX111

C risto, R ei das M ães

reunir-se em Paris numa grande assembleia


Q
ueriam

as associações de homens católicos, e a comissão


organizadora h-atou desta questão: se se havia de permitir
às mulheres tomarem parte na assembleia. Falaram uns
a favor e outros contra a participação das mulheres; por
fim, levantou-se um senhor de idade avançada, e propôs
que se lhes concedesse entrada livre porque hoje, disse,
já não existe diferença alguma entre o homem e a mulher,
porque «h oje em d ia já não há m ulheres*.
Esta afirmação produziu grande alvoroço e foi recebida
com surpresa...; mas aquele senhor prosseguiu: «Sim,
afirmo que hoje em dia já não há mulheres; o sexo feminino
desviou-se por completo do caminho do seu desenvolvi­
mento normal. Nós conhecemos ainda a mulher antiga.
Conhecíamo-la desde a Virgem Santíssima até Santa
Genoveva, a padroeira de Paris; conhecíamos a «dama»
do cavaleiro medieval; conhecíamos a mulher cantada por
Comeille e Racine e tantos outros. Mas hoje? Hoje. já
não existe a mulher!»
«Ou será mulher, prosseguiu com veemência, aquele
ser que passeia pelas ruas ao nosso lado, e nos leva a
duvidar se ainda leva uma aparência de vestido? Será
mulher aquele ser que mostra arrogância mesmo no piscar
298 JESUS CRISTO REI

dos olhos por detrás do chapéu que lhe cobre a cara?


Será mulher aquele campeão de bicicleta, de natação que
bate o record dos homens? Será mulher aquele motorista
que. ao atropelar o peão inocente, e ao levantar-se este
pedindo mil desculpas, ainda é apostrofado indecentemente:
«quem não sabe andar na rua, o melhor que pode fazer
é ficar-se em casal»? Não. já não existe «o sexo fraco».
A «mulher» foi uma coisa que passou.»...
Assim discorria e se irritava aquele senhor de idade:
e ainda que vejamos muita exageração e amargura nas
suas palavras, contudo, quem se atreise a afirm ar qu e não
lem razão em nenhum ponto? Tem razão em chamar a
atenção sobre o perigo: na sociedade actual. na vida pro­
fissional. a mulher saiu do seu caminho, e agora segue
correndo por um caminho que a afasta cada vez mais do
ideal cristão.
No capítulo anterior tratámos do ideal da mulher
em geral; este queremos dedicá-lo ao exame da missão
mais bela da mulher: a dignidade de Mãe. «Cristo é o Rei
das Mães». Responderemos a duas perguntas:
I — A q u e altura elev ou Cristo a dign idade de M ãe?
II — O qu e é a M ãe sem Cristo?

Deus outorgou uma missão particular a cada ser neste


mundo.
Q u al é a m issão prim ordial, peculiar, mais importante
d a m ulher? A m issão d e M ãe. Não só no sentido físico,
mas também no sentido moral. É o ponto que eu queria
CRISTO. REI DAS MÃES 290

sublinhar, de um modo particular, para aquelas raparigas


iníelizcs que. por motivos alheios à sua vontade, não
puderam casar. Queria sublinhá-lo, para lhes fazer com­
preender que. apesar de tudo. podem cumprir a sua missão,
do mesmo modo que as Mães. Porque esta vocação da
mulher, que a leva ao sacrifício, manifesta-se não só quando
ela consome a vida. durante dezenas de anos. na educação
dos filhos, mas este amor maternal, instintivo, dá à enfer­
meira, a paciência no cuidado dos doentes; à professora,
perseverança na educação dos seus alunos: à religiosa,
espírito de sacrifício, para atender às crianças abandonadas:
e de um modo geral entusiasmo para todas as obras de
misericórdia e caridade.
Se nas páginas anteriores mostrei quanto deve. em
geral, a mulher a Cristo, quero vincar agora, com o devido
relevo, quanto lh e deve na qu a lid a d e d e esposa e de M ãe.
l.° O nascim ento d e N osso S en hor Jesus Cristo
m arca a hora d a redenção p ara a esposa, e a hora d e
glória para a m ãe. Hora de redenção, porque o Senhor
restabeleceu a unidade, a santidade e a indissolubilidade
do matrimónio. ^Serão para sempre memoráveis as suas
palavras, que, a modo de serafins de espadas ardentes,
guardam a porta do santuário familiar:
«Não haveis lido, qu e aqu ele qu e ao princípio criou a
raça hum ana, criou um só hom em e um a só m ulher e que
lhes d isse: D eixará o hom em a seu pai e sua mãe, e unir-se-á
com sua mulher, e serão dois num a só carn e?... O qu e
Deus, pois, uniu, qu e não o separe o hom em .» (') E noutra

(') S. Moleus, \ix, 4-5, 6.


100 JESUS CRJSTO REI

ocasião disse o Senhor: <Quem qu er qu e repudie a sua


m ulher e se case com outra, com ete adultério e quem se
casar com a repu diada d e seu marido, com ete adu ltério .» ( ‘ )
Mulheres, mães. não sentis o amor que irradiam por vós
estas palavras do Senhor?
Mais ainda. Sabeis quem promulgou o primeiro decreto
de protecção à mulher? N osso S J
e n h o rC e s u s. r is t o

quando pronunciou estas palavras: *O uvistes o qu e foi


dito aos antigos: N ão com eterás adultério. E u digo-vos
m ais: Q uem qu er qu e olh e para um a m ulher com maus
desejos, já com eteu adultério em seu coração.» (2) Mulheres,
não sentis a gratidão imensa que deveis a Jesus Cristo?
Se quisermos, pois. responder a esta pergunta: Que
deve a mulher a C riSo?. temos que dizer:
a) D eve-lhe, em primeiro lugar, a indissolubilidade
d o matrimónio. Quão triste seria ainda hoje a situação
da mulher, se o marido pudesse repudiar sua esposa, quando
lhe apetecesse! A mulher sacrifica tudo ao serviço do
marido e dos filhos: a sua beleza, a sua força, a sua
juventude; e seria lícito repudiá-la, depois de desfolhar
a sua beleza? Quantos não o fariam se Ibes fosse per-
mitdo! Quantas censuras amargas não tem sofrido a Igreja,
das divorciadas civilmente que desejam casar-se de novo:
«A religião católica é cruel, retrógrada, não tem coração;
não nos permite casar-nos novamente!» M as não vedes,
mulheres, qu e a nossa religião vos d efen d e em sem elhantes
casos; d efen d e a vossa dign idade especifica, a vossa ca te­
goria d e com panheiras, e não d e escravas, do hom em ?

(*) S. L u c a s , XVI. 18.


C) S. M a te u s , v. 27-28.
CRISTO. REI DAS MÃES 301

b) E vós, mães, que gratidão especial não deveis a


Cristo! Deveis ser-lhe agradecidas, porqu e já não é lícito
ao esposo arrancar-vos o filh o dos braços e con dená-lo a
morrer d e fom e. D eveis isso a N osso S en hor Jesus Cristo.
A Jesus Cristo que estendeu a sua mão para benzer as
crianças de ambos os sexos e disse: «Quem receber uma
criança em m eu nome, a M im me recebe.» (')
c) Que benefícios devem as Mães a Cristo? Em
primeiro lugar, a Virgem M aria, Mãe de Deus, cuja figura
excelsa nos contempla com a mesma ternura do alto das
paredes das grandes catedrais como do alto das paredes
da igrejinha humilde de aldeia, convidando sempre os
homens a honrarem as mães.
Tudo o que a Igreja criou de sublime, na arte e na
liturgia, na pintura e na escultura, na música e no canto,
na poesia e na ourivesaria, depositou-o aos pés da Virgem
M ã e ; e este culto da M B arraigado em todo
u l h e r e n d it a

o mundo, é ao mesmo tempo o ap oio mais firme do respeito


pelas M ães, d a dign idade das M ães cristãs!
2.° M ãe cristã! Ao escrever estas palavras um mundo
de pensamentos desperta em meu espírito!
M ãe cristã! Ao escrevê-las parece-me ver desfilar todas
as noites de vigília e compreender todos os pesares e tra­
balhos de uma vida cheia de sacrifícios.
M ãe cristã!... e brilha diante mim o maior dos amores
que pode caber no coração humano!
Quanto deve a humanidade aos sacrifícios das mães!
Onde está o orador, cujas palavras sejam suficientemente
ardentes para exaltar os méritos da mãe? Onde está o

(') S. M a te u s , x v iii, 5.
502 JESUS CRISTO REI

escritor, cuja pena seja capaz de louvar devidamente a mãe?


Onde está o poeta, cujo canto possa servir de nino à
dignidade da mãe?
C ontem pla o sábio, que pôde chegar aos cumes da
ciência, graças ao cuidado de sua mãe.
C on tem pla o sacerdote, em cujo caminho o amor
materno preparava os primeiros degraus que levam ao altar!
C ontem pla o d esgraçado no cam inho d a perdição, e em
cuja alma aparece subitamente a imagem da mãe esquecida
que o detém na queda fatal!
C on tem pla o m arido qu e chega can sado d a luta p ela
vida; como se acalma o seu semblante anuviado quando,
ao entrar em casa à noite, recebe as carícias de sua amada
esposa e ouve o riso alegre de seus filhos!
C ontem pla a m ãe, que passa a noite velando à cabe­
ceira de seu filho doente: escu ta as preces maternais que
sem cessar sobem aos céus...
Estas manifestações de amor matemo far-nos-ão com­
preender, ou pelo menos suspeitar, o que significa o amor
de mãe, o que significa o ideal cristão da mãe!
Realmente, entre os dons naturais que Deus nos con­
cede. o maior de todos é o de uma piedosa mãe cristã.
Mesmo que uma criança cresça vestida de seda e veludos,
que não lhe faltem guloseimas, que lhe satisfaçam todos
os seus caprichos, será infeliz, se sua mãe for frívola e
carecer de religiosidade: pelo contrário, mesmo que não
tenha mais que um bocado de pão e vestidos pobres e
remendados, será feliz, mil vezes mais feliz, se tiver umu
mãe amorosa, cristã, piedosa!
Mulheres, que merecestes o titulo de mães. sede real­
mente mães cristãs!
CRISTO. REI DAS MÃES 505

Era o enterro de uma mãe. O enterro de uma mãe


produz sempre uma profunda impressão. Sua filha, rapa­
riga de dezasseis anos, lançou-se sobre a sua sepultura,
gritando: «Ó m ãe, m ãezinha, leva-m e contigo!» Cena
comovedora! E também, que elogio à falecida mãe! Mães,
deveis ser assim: ao morrerdes, haveis de deixar esse rasto
de perfume, de nostalgia e de saudade do vosso amor, para
que a vossa lembrança seja como que uma oração que
console, fortaleça e preserve de todo o mal a vossos filhos.
Tal é o ideal cristão; onde houver cristianismo, será
grandemente honrada a dignidade de mãe.

11

Mas esta palavra sublime soa a oco e é vazia de todo


o sentido, quando a mulher esquece a Cristo, quando
esquece que Cristo é o Rei das Mães.
Vimos a que altura espiritual Cristo levantou a digni­
dade de mãe: estudemos agora com o se desfaz, com o a ca b a
tal dignidade, se se prescinde d e Cristo.
M ãe e filh o!
Contemplemos uma imagem encantadora da Santís­
sima Virgem com o Menino Jesus nos braços. Se a história
da arte fizesse um inquérito para saber qual foi o tema
mais tratado pelos pintores, creio que a imagem da Santís­
sima Virgem com o Menino Jesus nos braços alcançaria
a palma da vitória. A m issão d e mãe, a m issão mais
gloriosa d a m ulher!
Mas. em nossa época, existe um facto aterrador; uma
inoda terrível afecta as ideias dos homens, intentando, com
104 JESUS CRISTO REI

premeditação, despojar a mulher de tão excelsa dignidade.


Como é doloroso pensar que tal moda vai conquistando
cada vez mais terreno, neste mundo moderno, tão pagão
e tão separado de Cristo!
Digâmo-Io sem rodeios. Está em moda evitar a mater­
nidade, está em moda o envergonhar-se da maternidade!
Não é novo este pecado entre os homens; mas nunca
alcançou tais proporções de contágio geral nem se propagou
tão desenvergonhadamente.
O facto é mais importante e perigoso, porque se pro­
paga como moda e é sahido, que, quando se propaga como
moda, nem com os argumentos mais contundentes se con­
segue arrancar. Todo o homem sensato se espanta ao ver
a força tremenda da moda. que com poderes ditatoriais
leva a mulher de um extremo ao outro; e profundamente
consternado contempla, como vamos baixando, sob o império
da moda, ao nível dos povos selvagens.
Basta ver uma dessas «escravas da moda». O vestido
que levam é mais uma tanga, como a dos pretos, do que
um vestido enfeitado com pele de macaco ou penas de
avestruz, como os selvagens. No cabelo cortado usam plu­
mas de avestruz e ao pescoço trazem pendente um colar
de pérolas falsas, como costumam trazer os selvagens. Não
usam luvas nem meias mas pintam as pernas e os braços
da cor do vestido: uma espécie de tatuagem como usam os
homens da selva.
T udo com o entre selvagens. S ó h á diferen ça num
ponto: na moral. São piores os selvagens? N ão; piores são
as m ulheres modernas.
Sinto oprimir-se-me o coração ao ter que escrever este
pensamento: se a mulher ultramoderna segue já em tudo
CRISTO. REI DAS MÃES 305

os povos selvagens sem cultura, siga-os tam bém na m oral!


Sim ; hoje. dois mil anos depois do nascimento de Cristo,
chegamos a tal extremo, que nos contentaríamos em que
a moralidade e a vida de muitas mulheres europeias esti­
vessem à altura da moralidade e do modo de viver dos
povos selvagens.
Será um exagero?
Ouvi este caso sucedido com o Cardeal Faulhaber,
arcebispo de Munique, quando no verão de 1926 fez uma
viagem à América do Norte.
Depois do Congresso Eucarístico de Chicago, foi visitar
uma tribo de indios. Estes receberam-no com grandes
manifestações de alegria e quiseram mostrar-lhe as suas
antigas danças. «Posso afirmar, escreve o ilustre purpurado,
as mulheres índias vestiam todas com muita decência».
E um missionário informou o Cardeal: «Há trinta e nove
anos que vivo entre eles, e nunca me escandalizaram por
faltas no vestir.» Esta afirmação do missionário a respeito
dos índios selvagens poderíamos nós fazê-la ao falar d o
pú blico dos nossos tem plos? Os viajantes encontram, entre
os povos qualificados de selvagens ou pouco civilizados,
exemplos sublimes de fidelidade conjugal e de amor
materno até ao sacrifício. P oderíam os dizer o mesmo ao
falar d a socied ad e cristã d a E u ropa? Ao falar da família
moderna... que teme os filhos?
Não ouvistes, numa manhã de primavera, como canta
a cotovia, como o rouxinol solta suaves gorgeios. e todas
as aves canoras de Deus. chilreiam alegres em coro harmo­
nioso no concerto da criação? E porquê tudo isto? Por
amor aos filhos. Todos os trinados que soltam, todos os
ninhos que constroem, toda a poesia da vida é por eles.
20
506 JESUS CRISTO REI

por causa dos filhos. Abranda-se o coração do lobo. estre­


mece o coração do tigre mais feroz, quando espera no
esconderijo a seus filhos. O m nia vincit amor. O amor
tudo vence.
Tudo? A h! talvez me tenha enganado: não vence o
egoismo. e a falta de coração dos homens. Há mães que
esperam os seus filhos com horror e até com ódio. barrando-
-Ihes o caminho, antes que os infelizes vejam a luz do dia.
A fera mais fera deixar-se-á matar para defender os seus
cachorrinhos, mas a m ulher m oderna civilizada é capaz
d e m atar ou d e m andar m atar... o seu filho, friamente,
calculadam en te, por egoísm o, para qu e a não im peça de
gozar.
Tão baixo desce o conceito sublime da Mãe. quando
a humanidade se separa de Cristo!
Ser mãe. foi sempre sinónimo de abnegação, mortifi­
cação. sacrifício, e h oje significa, não poucas vezes, ter
am heroísm o d e mártir!
Quando a esposa quer ser mãe. tem que preparar-se
para terríveis ataques, do marido, da amiga, da vizinha,
da modista, da manicura... todos intentarão primeiro com
prudência, depois com ironia, fazer-lhe ver que. hoje. isso
é coisa antiquada, fora de moda!
Mães! Quereis um pensamento que vos conforte.''
Lembrai-vos da maldição proferida pelo Divino Mestre ò
figueira estéril. Pensai na Santíssima Virgem que ao saber
por revelação do céu os mistérios da sua maternidade
divina, com grande e santa alegria prorrompeu em acção
de graças: M agnificai anim a m ea Dom inum ................................
«A minha alm a engrandece ao S en h or.... porque operou
CRJSTO, REI DAS MÁES 507

em mim grandes coisas A q u ele qu e é todo p od eroso .» (*)


Levantai os vossos olhos para esta M ãe Santíssim a, que nos
mostra em seus braços o Filho amado, convidando-nos à
perseverança. P ensai na Pátria, na vossa P átria terrena,
como se inclina grata diante de vós, porque lhe dais quem
a engrandeça e a defenda. E pensai sobretudo na P átria
etem a, que, certamente, não podereis conquistar com pin­
turas nem com teatros, nem com bailes nem vestidos, nem
com o p a p el importante qu e desem pen hais na sociedade,
nem com a ciên cia... mas com a hoa educação dos filhos
— segundo o aviso do Apóstolo (2) — e cumprindo fielmente
os vossos deveres de esposa e mãe.

*
* *

Terminemos este capítulo com o caso trágico-sublime


narrado no livro 11 (Cap. xxi) dos Reis, do Antigo Tes­
tamento.
Saúl, rei dos judeus, castigara severamente os gabao-
nitas, que se vingaram depois com extremos de crueldade:
no alto de uma montanha crucificaram dois filhos e cinco
netos d o rei, e — para tomar o castigo mais duro — não
consentiram qu e ninguém os enterrasse.
Passou-se então uma cena, que só o recordá-la produz
calafrios. Resfa, mulher de Saúl, põe-se a guardar os sete
cadáveres... C ai a noite; e a mãe. com a alma dilacerada,
erra vestida de branco, em tomo do patíbulo... Rugem

O S . Lucas, l, 46, 40.


0 /.* Carla a Timóteo. II, 15.
308 JESUS CRISTO REI

as hienas, e os chacais esfomeados tentam fartar-se nos


corpos ainda quentes... E a mulher acende uma fogueira
na noite escura, e grita para afugentar as feras...
Chega o dia. e aves de rapina famintas esvoaçam sobre
os mortos... e a mulher passa o dia atirando-lhes pedras,
para as afastar... Assim passa dias e semanas sempre em
guarda aos corpos de seus filhos.
E sabeis quanto tempo?
Durante seis m eses!
Por fim... por fim, compadecem-se também os gabao-
nitas; eles, que não puderam apagar a sua sede de vingança
com a crueldade praticada com os filhos do rei. inclinam-se
ante este heroísmo sem par de amor maternal. Despren­
deram os cadáveres dessecados pelo ardor do sol. e permi­
tiram à mãe que lhes desse sepultura.
Que amor heroico ardia no coração daquela mãe!
E, contudo, neste caso, a m ãe d efen d ia d o inimigo os seus
filh o s... mortos. V ós, mães cristãs, defen deis as suas almas
vivas, imortais!
Mulheres, senti um santo orgulho da maternidade,
agora que a sociedade moderna a declara fora de moda.
Escolhei a Cristo para vosso Rei. agora que está em moda
na sociedade esquecerem-se d Ele!
Mães! Está doente a vida familiar e i>ós podeis
cu rá-la!
Mães! Está doente a vida social e vós podeis
curá-la!
M ães! Está doente a humanidade e vós podeis
curá-la!
«Que o Deus dos céus faça conhecer às mulheres a
sua missão magnífica, e estará então assegurado o bem-
CRIPTO. RE! DAS MÃES 309

-e sta r da P á tr ia » , escrev eu um d ia E stê v ã o S z é c h e n y i.


E n ó s a c r e s c e n t a m o s a i n d a : n ã o s ó o d a P á t r i a , m a s ta m b é m
o d a I g r e ja .
Q u e Jesus Cristo R ei nos d ê m ulheres católicas, qu e
O respeitem com o a R ei. Assim se transform ará a terra:
será feliz a fam ília, será feliz a vida social, será feliz toda
a hum anidade.
C A P ÍT U L O X X IV

C risto, R ei d a m orte

í / Je de considerarmos o significado da realeza de


p o is

Cristo nas mais diversas manifestações da vida,


temos de penetrar com o nosso pensamento no reino da
morte e encher a nossa alma com esta consideração sublime:
Cristo é R ei, não só da vida, mas tam bém d a morte.
A nossa religião sacrossanta dedica um mês inteiro,
o mês de Novembro, aos fiéis defuntos, dando-nos a enten­
der o desejo de que nós nos preocupemos sèriamente com
o pensamento da morte. Temos de nos lembrar disso, em
primeiro lugar para darmos alívio aos nossos queridos
mortos e para adquirirmos um espírito forte. É impossível
que o pensamento daqueles entes amados, que a morte
arrebatou, não desperte no homem moderno a lembrança
que ele tanto teme. que ele evita, que o faz estremecer
e lhe causa calafrios e que, contudo, não pode impedir:
que também há-de morrer!
Não devemos condenar a nossa Mãe, a Igreja, se se
mostra tão pouco moderna, tão pouco cortês, e no meio
do mundo que corre, à desfilada, grita com força impres­
sionante: «Homens! lembrai-vos dos vossos queridos mortos;
e mais ainda, não esqueçais que também vós ha veis de
morrer.»
512 JESUS CRISTO REI

Mas a nossa santa religião não nos fala da morte


para nos assustar. Não. não é esse o seu intento, mas para
nos levantar, para nos consolar e para tomarmos a vida
a sério. O s túmulos, sim, falam com uma seriedade pavo­
rosa; mas para não desesperarmos, campeia neles a cruz.
A morte apregoa coisas infinitamente sérias e só a Cruz
de Cristo pode mitigar a sua espantosa sublimidade, lí este
o pensamento que serve de tema ao presente capítulo:
Cristo é tam bém Rei d a morte.

De que nos fala a morte?


l.° A morte anuncia-nos uma grande verdade, espan­
tosamente certa: a vida do homem sobre a terra dura alguns
decénios e depois termina. T odos temos d e morrer, tanto
eu com o tu.
«Disto não se fala. Para quê havemos de perder
o bom humor?», dizem alguns. E realmente, abundam os
que não pensam neste momento sério. Vivem, como se
houvessem de permanecer sempre na terra. Como se enga­
nam! Pensemos ou não na morte, cada momento que passa
vai-nos aproximando mais dela; a diferença entre um e
outro caso é que o homem que pensa muitas vezes na morte,
acaba por não a temer.
A morte é. sem dúvida, temível. Repara nos cemi­
térios... Que lês em todas as campas? Que o menino
recém-nascido, o jovem, o homem na idade madura, o
ancião, o poderoso, como o fraco, o pobre como o rico.
todos hão-de morrer.
CRISTO. REI DA MORTE 5 rs

Ave, Ccesar; morituri te salutant1 Saudamos-te, ó


César, os que vamos morrer. É o grito que a humanidade
lança de contínuo à passagem da m orte...; mas este César
jamais concede o indulto. Levanta a mão, não para exercer
a misericórdia, mas para ferir.
Estamos condenados à morte desde o nascimento.
O sono, a comida, o vestido, o descanso, não são mais
que intentos de escapar à morte, mas ela vence sempre!
Quantas coisas nos dizem os mortos no seu silêncio!
«Eu era como tu, tu serás como eu». Quer penses nisso
ou o esqueças, não importa. «Vigiai, porque, quando menos
o pensardes, virá o Filho do Homem», disse o Senhor.
T a i .l e y r a n d , o célebre político francês, temia muito a
morte: «Morte!» era uma palavra que não era lícito pro­
nunciar em sua presença. Ninguém se atrevia a comunicar-
-Ihe a noticia da morte dos seus melhores amigos. De
alguns não chegou a saher que tinham falecido. Mas em
vão vigiava e se defendia: adoeceu também. Suplicante,
disse ao seu médico: «Dou-lhe um milhão de francos por
cada mês que me prolongue a vida.» Em vão... quando
chegou a sua hora, também ele morreu...
«Quando chegou a sua hora...» Que sei eu se dentro
de um ano não terá chegado também a minha hora! «Quem
sabe quando chegará?» diz alguém para se consolar.
Também eu digo o mesmo, mas com outra entoação: Quem
sabe qu an do chegará.
fi uma antiga lenda. Quando a morte bateu <i porta
do mordomo de Salomão, fitou nele os olhos de maneira
tão esquisita, com tanta surpresa que aquele poderoso
cortesão sentiu gelar-se-lhe o sangue nas veias. Foi ter
com o rei: «Meu Senhor, grande rei» — disse — «foi sempre
514 JESUS CRISTO REI

vosso fiel vassalo, não me negueis o que vos suplico: dai-me


o vosso corcel mais veloz.» O rei, apesar de tão desusado
pedido, concedeu-lhe o que ele queria. O mordomo saltou
para cima do cavalo e... pernas para que te quero. C aval­
gou, cavalgou durante todo o dia, e o cavalo espumando
e cansado... mas queria fugir para longe, para muito longe,
para fugir à morte... Ao cair da noite, corcel e cavaleiro
pararam esgotados, para descansarem, na berma da estrada.
Mas. ao saltar em terra, quase sem forças, que horror,
quem é que o esperava ali sentado à beira do caminho,
fitando o cansado ginete? — A M O R T E .
O mordomo esgotado, rende-se à sua sorte e exclama:
«V ejo que não posso fugir de ti; eis-rne aqui, leva-me;
mas antes, peço que me respondas só a esta pergunta:
«Esta manhã, quando entraste no meu quarto, porque me
olhavas com tanta surpresa?» Foi — respondeu a Morte —
porque tinha recebido ordens de me apoderar de ti ao cair
do sol, aqui, junlo deste cam inho — e fiquei surpreendida
dizendo para mim mesma: «será difícil, é tão longe... mas
contudo cá vieste»... E a Morte lá levou o mordomo.
Que nos ensina o aviso do S enhor?...
« V igiai, porqu e na hora qu e menos pensardes, virá
o F ilh o d o H om em ». (')
2.° A Morte diz também quão horroroso é o pecado.
A Morte assusta. Porquê? Porque não entrava no plano
primitivo d e D eus a morte do hom em . Que será, pois, o
pecado aos olhos de Deus. se o castiga com a morte?
O s nossos primeiros pais. ao comerem a fruta proibida,
comeram também a morte. O pensamento de Deus era.

C) S. Mulrus, \xiv. 42.


C R IS TO , RE/ DA MORTE 515

que também o nosso corpo fosse imortal. Mas. depois do


pecado, este corpo tomou-se frágil como o barro (é a
Sagrada Escritura que o diz) e mais frágil ainda, porque
um objecto de barro, com cuidado, pode durar séculos;
mas a vida do bomem é de uns «setenta anos, ou por acaso
de oitenta» e de todos os modos, por muitos que sejam,
termina tudo num punhado de cinzas. Que será, pois, o
pecado para ser punido assim por Deus?
À luz destes princípios, poderemos continuar a ter um
conceito frívolo da vida?
O s trapistas costumam saudar-se desta maneira:
Mem ento mori, «Lembra-te que hás-de morrer». Nós também
devemos meditar na morte com frequência, sobretudo nas
horas da tentação. O espelho de N uma P ompíuo, antigo
rei dos romanos, estava encaixilhado numa caveira com esta
inscrição: H oc speculum non fallit: «este espelho não
engana.» O pensamento da morte também não engana:
sob a sua influência dissipam-se muitas tentações de pecar.
Viver cristãmente é difícil algumas vezes, e morrer como
tal é fácil. Pelo contrário é difícil a morte para quem foi
fácil a vida.
3.° A morte sublinha bem a vaidade d o inundo.
A grandes vozes apregoa a grande verdade: não temas
quando sofreres: não te fies demasiado quando tudo te
correr bem.
H o r m i d a . um distinto persa, foi uma vez a Roma, então

capital do mundo. Ao despedir-se, pergunta-lhe o Impe­


rador romano: «Que te parece Roma? Não desejarias ficar
aqui?» «Meu Senhor — respondeu o persa — em parte
alguma do mundo vi tantas maravilhas e tantas belezas,
mas. se me é lícito falar com franqueza, direi que, apesar
516 JESUS CRISTO REI

disso, não me deslumbraram. Porque entre as colunas, os


arcos de triunfo, os palácios e os templos magníficos, vi
também túmulos. De modo que em R om a morrem os
hom ens com o na Pérsia? Quando descobri esta verdade, a
mais brilhante formosura se obscureceu ante os meus olhos.»
Tinha muita razão este persa. Também a mim me
acode um pensamento raro. quando entro num cemitério:
«Se todos os mortos que descansam aqui ressuscitassem
agora com licença para viverem, por exemplo, um ano,
que sucederia? V iveriam tão frivolam ente, com eteriam tan­
tos pecad os com o na sua prim eira vida? Teriam em tão
pouca estima os mandamentos de D eus? Eles já sabem
que a beleza, a riqueza, os prazeres, a vaidade, que tudo.
tudo, passa.»
Mas isto não é mais que um sonho de fantasia; os
mortos não voltam à vida; não lhes é permitido reparar
nada do que fizeram.
Mas tu ainda podes reparar...
Pensa bem nistol
Não ofendeste o teu próximo e já fizeste as pazes
com ele?
Não conservas dinheiro, valores, ilicitamente adqui­
ridos, que a consciência te diz deveres restituir?
Não haverá alguém a quem tenhas de dizer: «O h! não
faças, não faças o que aprendeste comigo?»...
Ainda podes reparar tudo...
Não o adies, nem digas: depois o farei. Não há poder
no mundo que possa reter no corpo a alma que empreende
o seu voo: nem a medicina, nem o cuidado com os doentes,
nem as lágrimas e soluços dos circunstantes: por mais
atrozes que sejam os sofrimentos que torturam o doente.
CRISTO. REI DA MORTE 317

não pode morrer antes, e por muito que queira viver ainda,
não pode viver mais do que o permite a lei misteriosa de
Deus. O h ! confessa, pois. que é um a insensatez pensar
constantem ente no corpo e esqu ecer a alm a.
Não vês quão depressa olvidam os homens o falecido,
e com que facilidade se vão divertir depois de saírem do
cemitério? Não compreendes quão depressa se desmorona
a obra principal da tua vida? Não pensas como te esque­
cerão depois da morte aqueles mesmos que durante a vida
não cessavam de te louvar? Pondera pois quão perigoso
é buscar o favor dos homens e não cuidar da aprovação
do Deus eterno.
4.° Pelas mesmas razões a morte encarece a im por­
tância d a vida terrena.
C om a morte não a ca b a tudo. Depois da morte, vem
o juízo.
«Tudo se acabou», soluça a viúva, quando o seu
esposo agonizante exala o último suspiro. — Ah! não é
assim. Porque, se tudo tivesse acabado... Mas é que não
se acabou tudo. Pelo contrário, precisamente ao morrer,
estamos no princípio, no princípio da vida eterna. E tudo
depende disto: como vivi. e cm que estado morri.
Lemos com frequência nas colunas de necrologia estas
palavras: «Morreu inesperadamente.» Inesperadamente?
E não morremos «inesperadamente» quase lodos? Não
só o que morre de um ataque cardíaco, como o doente mais
grave, porque ele... «não esperava ainda a morte». Todos
sabemos que temos de morrer; mas todos julgamos que não
é agora. Portanto, temos d e esperar isso, temos d e estar
preparados. Não sabes onde te espera a m orte: espera-a,
pois, em toda a parte.
518 JESUS CRISTO REI

11

A pregação do túmulo é muito triste. Mas nos nossos


túmulos cam peia a cruz. E que apregoa a cruz nos túmulos?
Diz-nos que além-túmulo Há outra vida. qu e Cristo é o
R ei dos túmulos, o R ei d a morte, porqu e Cristo venceu
a morte. •
O cemitério é terra sagrada, é o grande campo lavrado
de Deus. As sementes são os Homens para que Hrotem
para uma vida eterna. Fostes Vós, SenHor Jesus, que nos
fortalecestes, para não esmorecermos ante o tremendo pen­
samento da morte. Fostes Vós, SenHor Jesus, que nos
ensinastes que nem tudo passa, mas que Há uma vida.
uma vida nova além-campa!
Sim. quem vive para Cristo, não teme a morte.
O grande missionário S . F rancisco X avier, morreu
consumido de feHres, longe da sua pátria, numa pequena
ilHa. junto da CHina. com estas palavras na Hoca: In te.
Dom ine, speravi, non confundar in cetem um : «SenHor.
esperei em Vós. jamais serei confundido...»
S. C a r i .OS viveu toda a sua vida para Cristo e assim
pôde dizer no seu leito de morte: E cce venio: «Eis-me aqui,
vamos.»
S. V icente de P aulo morreu com estas palavras nos
lábios: lpse perficiat: «Ele cumpra em mim a Sua santa
vontade.»
S anto A ndré A velino sentiu o golpe da morte junto
ao altar, ao pronunciar no princípio da missa aquelas
palavras: lntroibo a d altare D ei: «Aproximar-me-ei do altar
de Deus.»
CRISTO. REI DA M ORTE 519

D u r a n t e a s p e r s e g u iç õ e s , u m d iá c o n o d e Á f r i c a e s t a v a
c a n t a n d o o A l e l u i a P a s c a l n o p ú lp ito , q u a n d o u m a f le c h a
d o s p e r s e g u id o r e s lh e a t r a v e s s o u a g a r g a n t a , e fo i t e r m in a r
o A l e l u i a d ia n t e d o tr o n o d e D e u s . N ão im p orta... Cristo
é o R ei a a M orte!
N a c a te d ra l d e S a n to E s tê v ã o de V ie n a , h á um m o n u ­
m e n to s e p u lc r a l q u e n o s im p r e s s io n a p r o f u n d a m e n t e . M o n ­
ta d o n u m c o r c e l b r io s o , s o b e p o r u m a c o lin a c o b e r ta de
flo r e s , u m jo v e m p r ín c ip e v e s t id o d e c o t a d e m a lh a . No
s o p é d a c o l i n a u m a fo n te . P o r d e t r á s o c u l t a - s e a p é r fid a
m o r te ; a su a fo ic e e stá e n c o b e rta por m im o s a s flo r e s .
O c a v a l e ir o in c li n a - s e sob re a f o n t e ; m a d e ix a s c a e m em
d e s a l in h o s o b r e o r o s to e n o c r is t a l in o e s p e lh o d a s á g u a s
c o n t e m p la a abóbada azul do céu . Ao s o e r g u e r -s e , a
m o rte c e ifa -lh e a v id a . N in g u é m pôde a in d a lib e r t a r - s e
d e t a l g o l p e .. . E h á tr e z e n to s a n o s , u m c o r c e l v o lt o u sem
o s e u c a v a l e i r o ; e o s e u d o n o fo i s e p u lt a d o n a q u e l a i g r e ja .
P a r o a n t e o m o n u m e n to . A in s c r i ç ã o fo i a p a g a d a j á p e lo
te m p o e n e m s e q u e r lh e p o s s o p e r g u n t a r : « G a r b o s o c a v a ­
le ir o . c o m o te c h a m a v a s ? F o s te c e ifa d o em flo r , n a f lo r
d e te u s a n o s !»
M as vive a sua alm a!
M a is a lé m , u m a m p lo s a r c ó f a g o d e p e d r a n a i g r e ja .
H á q u a n t o s a n o s s e r e d u z ir a m a p ó a s m ã o s q u e o la v r a r a m
p a ra s e p u lt u r a de um a cabeça c o r o a d a . .. ou t a lv e z de
a lg u m g é n io p o d e r o s o , d o m in a d o r d e m u n d o s , a n t e q u e m
se p r o s tr a r a m m ilh a r e s d e v a s s a lo s a t é b e ija r a m o pó d a
le r r a . A g o r a , ta m b é m e le é .p ó . A s p a red es com lá p id e s
d e m á r m o r e o s te n ta m in s c r iç õ e s d o ir a d a s . C o r o a , tr iu n fo ,
p o m p a , b e m - e s t a r , fo r m o s u r a , ju v e n t u d e , p o d e r ... t a is s ã o
a s p a la v r a s q u e a in d a c o n s e g u im o s le r n a s lo u s a s c a r c o m i-
320 JESUS CRISTO REI

d a s p e lo te m p o . Q ue g ra n d e liç ã o ! Todo a q u e l e b r ilh o ,


to d a a q u e la g ló ria p e rte n c e a o p a s s a d o !
M as as suas alm as vivem!
In c lin o a m in h a fr o n t e a r d e n t e s o b r e o frio m á r m o re
e g r ito p a ra o fu n d o dos t ú m u lo s : «Tu. c h e fe h e ro ic o ;
tu . jo v e m n o b re; tu . p r in c e s a d e r o s to r o s a d o : to d o s v ó s
q u e e s t a i s a q u i r e d u z id o s a c in z a s , pensastes na morte
durante a vossa vida? S e pensastes sois fe liz e s ...» — N i n ­
gu ém me resp o n d e, não ou ço m a is q u e o b a te r d o m eu
coração.
E no m o m e n to em que o p e n sa m e n to acab ru n h ad o r
d a m o r te m e d o m in a , o u ç o n o a l t a r - m ó r o E v a n g e l h o d a
M is s a dos D e fu n to s :
« E u s o u a r e s s u r r e iç ã o e a v ida; quem crê e m mim,
ain d a qu e tenha morrido, viverá, e eu o ressuscitarei no
último dia.» ( ')
O h ! c o m o m e v iv ific a ta m b é m a m im a p a la v ra d e
C r is to ! Q ue b á ls a m o p ara o m eu coração fe r id o p e lo
p e n s a m e n t o d a m o r te !
P r o s s e g u e a S a n t a M i s s a , c n o s e u p r e f á c io a d m ir á v e l
resso am a m eus o u v id o s a q u e la s p a la v r a s c o n s o la d o r a s :
« É v e r d a d e ir a m e n t e d ig n o e ju s t o , e q u i t a t iv o e s a lu t a r , q u e
n ó s s e m p re e e m t o d a a p a r te V o s d e m o s g r a ç a s . S e n h o r
s a n t o . P a i O m n ip o t e n t e , e t e m o D e u s . p o r N o s s o S e n h o r
J e s u s C r is t o . N o q u a l b rilh o u p a ra n ó s a e s p e r a n ç a d u m a
fe liz r e s s u r r e iç ã o , p a ra que a q u e le s a quem c o n t r is t a a
c e r t e z a d a m o r te , se c o n s o le m c o m a p r o m e s s a d a im o r t a ­
lid a d e f u tu r a . P o r q u e , p a r a o s V o s s o s fié is . S e n h o r , a v id a

(’) S . lo ã o . xi. 25. 26.


CRISTO. REI DA MORTE 521

m u d a -s e , n ã o s e a c a b a ; e a o d e s m o r o n a r -s e e s t a m o r a d a
t e r r e n a , a d q u ir e - s e u m a m a n s ã o e t e r n a n o s c é u s . . . »
C r is to é a r e s s u r r e iç ã o e a v id a . A n o s s a v id a n ã o
se p erd e, só se tra n s fo rm a ; p re p a ra -se -n o s um a m an são
e t e r n a n o s c é u s . Cristo, N osso S en hor Jesus C risto! V ós
sois tam bém R ei d a M orte!

*
* *

É cru el o m o m e n to da m o r te ! N in g u é m , p o r m a is
p e r to q u e e s t e ja d e n ó s . n o s p o d e a ju d a r n o tr a n s e d e p a s s a r
p e la p o rta e s c u r a . T e m o s d e p a r t ir s ò z in h o s p e lo c a m in h o
m a is d i f í c i l d a n o s s a v id a .
C o n tu d o ... h á u m a m ã o a q u e n o s p o d e m o s a g a rra r.
A q u e la m ão que fo i p reg a d a na cru z , q u e se e ste n d e u
m is e r ic o r d io s o ao bom la d r ã o , e s e p o is o u c o m o p erd ão
s o b r e a c a b e ç a d e M a d a l e n a a r r e p e n d i d a ...
A m o r te é q u a l q u e r c o i s a d e e sp a n to so . M as quem
segue a Cristo p elo d ifícil cam inho d a vida, não se sentirá
oprim ido; o transe não lhe será difícil.
— C o m o p o sso s a b ê -lo ?
— P o i s d is s e - m o u m a m e n in a . Uma m e n in a d o e n te .
— Um c o m p a n h e ir o m eu d o s a c e r d ó c io fo i c h a m a d o
p a r a c o n f e s s a r u m a m e n in a a g o n iz a n t e . H a v ia m u ito q u e
e s t a v a d o e n t e ; s a b i a q u e a m o r te s e a p r o x im a v a , e m o s tr a v a
ta l t r a n q u i li d a d e q u e o s a c e r d o t e I b e p e r g u n t o u : « M in h a
f i lh a , n ã o te n s m e d o d a m o r te ? » « O h ! a n te s tin h a ! M as.
d e sd e q u e s u c e d e u a q u ilo d a v e sp a , já n ã o a te m o » . «D a
v e s p a ? ! » — « S i m , e s t a v a s e n t a d a n o ja r d im , e d e r e p e n te
vem um a v esp a g ran d e, z u m b in d o , z u m b in d o , m e te u -m e
21
322 JESUS CRISTO REI

ta n to m e d o .. . e eu g r it e i : M am ã. que me vai a p ic a r .
M as a m in h a m ãe a b ra ç o u -m e . s o r r in d o , c o b r iu - m e por
c o m p le to e d is s e : N ã o te m a s , m i n h a f i lb i n b a . E a v esp a
e s v o a ç a v a , z u m b in d o a t é p o u s a r n o b r a ç o d e m i n h a m ã e
e p i c o u - a . . . ; e m i n h a m ã e p r o s s e g u iu s o r r in d o : V ê s . c o m o
n ã o te d ó i a t i ? O l h a . m i n h a f i lh a , a s s im s e r á a m o r te ,
n ã o te d o e r á , p o r q u e o s e u agu ilhão se qu ebrou no C oração
d e N osso S en hor Jesus C risto... D e s d e e n t ã o n ã o te m o
a m o r te .>
Q u eira N osso S en hor Jesus Cristo confortar-nos,
qu an do chegar a n ossa hora, e fazer viver o pensam ento
d e qu e o agu ilhão d a morte se qu ebrou em seu co ração...
em seu Sacratíssim o C oração.
C A P ÍT U L O XXV

Q u em é C risto para nós?

\ [° a n o de 1 8 8 8 h o u v e em R o m a um co n g re sso o rg a-
C '\ n iz a d o e m m e m ó r ia d u m a r e v o lu c io n á r ia . U m dos
o r a d o r e s p r o n u n c io u u m d is c u r s o h i p e r b ó l ic o em h o n r a d e
L ú c i f e r , c h e f e d o s e s p ír ito s r e b e ld e s .
No m e io do d is c u r s o , o u v iu -s e e ste g r it o : « V iv a
S a t a n á s » e c in c o m il v o z e s r e p e tir a m o g r it o : « D e u s m o r re u ,
v iv a S a t a n á s ! »
E s p a n t a - n o s e s t a i n c r ív e l g r o s s e r ia e s p ir i t u a l, e s t e c u l t o
a o d e m ó n io ; e , n ã o o b s t a n t e , o im e n s o n ú m e r o d e p e c a d o s
d a v id a m o d e r n a q u e o u tr a c o is a s ã o s e n ã o u m a i d o l a t r i a
in fe r n a l?
Q u a n ta s c o is a s n ã o fe z a h u m a n id a d e c o n t r a D e u s !
A R e v o l u ç ã o F r a n c e s a q u i s d e s tr u í-I O ; p u b li c o u u m m a n i ­
fe s to . a f ir m a n d o q u e D e u s j á n ã o e r a n e c e s s á r io . A sso m ­
b ra -n o s e s ta in s e n s a te z ? E q u e o u tr a c o i s a s ã o a s a b o m i ­
n ações da n o ssa ép oca, sen ão a r e a l iz a ç ã o do d e c r e to
r e v o lu c io n á r io e a s u a p r o m u lg a ç ã o a t o d a a h u m a n i d a d e ?
O s e s t r a g o s d a R e v o l u ç ã o F r a n c e s a n ã o fo r a m m a is m o n s ­
tr u o s o s do que os su cessos c o n te m p o râ n e o s. L em b rem o s
a q u e le s d ia s f u n e s to s em que os e stu d a n te s de V ie n a
c a n ta v a m : Ich bin kein Chrisl, ich bin sozialistl «N ão
sou c r is t ã o , sou s o c ia lis ta !»
324 JESUS CRISTO REI

Q u a n t a s c o i s a s a h u m a n id a d e n ã o t e n t o u c o n t r a D e u s !
E tu d o e m v ã o !
N ão h á m u ito te m p o , S u a S a n t i d a d e P i o XI la n ç o u
e s t e a v is o : « H o m e n s , v o lt a i a C r i s t o , a q u e m D e u s d e u u m
um nom e qu e e s t á s o b r e to d o o n o m e : não se d eu aos
hom ens o u tr o nom e d eba ix o d o céu, p elo qu al nos possam os
salvar.» ( ')
voltai a C risto! S o c i e d a d e s , voltai a Cristo!
I n d iv íd u o s ,
N ações, voltai a C risto! V i d a f a m i l ia r , v id a p o l ít ic a , v id a
e c o n ó m ic a , v id a m o r a l, voltai a C risto. I m p r e n s a , t e a tr o ,
c in e m a s , l it e r a t u r a , fá b ric a s . B an cos, i n d ú s t r ia , c o m é r c io .
voltai a C ristoJ H o m e n s , p e r e c e r e is , s e n ã o a c e i t a i s c o m o
R e i a N o sso S e n h o r Je s u s C r is to !
E s t a s s ã o a s r d e ia s q u e e x p l i c á m o s e m to d a s a s p á g in a s
d e s te liv ro . N e s t e s d o is ú lt im o s c a p ít u l o s , v a m o s r e s u m i- la s
e t r a ç a r o s tr a ç o s c a r a c t e r í s t i c o s e d e f in it iv o s d e C r i s t o R e i .
S ó quem O c o n h e c e p o d e r á a m á - l O a v a le r , e s e r - L h e
fie l em to d o s o s m o m e n to s da v id a . E quanto mais O
conhecer, m a is O am ará!...
N e s t e c a p ít u l o , te n t a r e m o s c o n h e c ê - I O m e lh o r . F o l h e a ­
re m o s o E v a n g e l h o , p a r a q u e o m e s m o S e n h o r n o s re s p o n d a

a e s ta p e rg u n ta :
Q uem sois V ós! Q u e nos dizeis d e V ós m esm o ?
*
* *
l.° A b r o o E v a n g e l h o s e g u n d o S . J o ã o e le io o q u e
d iz o S e n h o r n u m a p assag em : « E u sou a porta. Q uem
por mim entrar, salvar-se-á.» ( ')

(') Aclos dos Apóstolos, iv, l i


O S. João. X, 0.
QUEM É CRISTO PARA NÔS? 325

Que com p aração tã o in t e r e s s a n t e ! Je su s C r is to é a


p o r t a , e n ã o p o s s o s a lv a r - m e . s e n ã o e n t r a n d o p o r E l e .
« P o r E l e » , is t o é , s e v e jo o m u n d o , c o m o s s e u s o lh o s ,
se pen so do m undo, com o seu e s p ír ito , se o que E le
c o n s id e r a im p o r t a n t e , é im p o r t a n t e p a r a m im , s e n ã o p r e n d o
o m e u c o r a ç ã o a o q u e E l e c o n s id e r a s e c u n d á r io .
V er o mundo com os olhos d e C ristol Q u e p r o v e i­
to s a liç ã o de v id a en cerram e sta s p a la v ra s , tã o s im p le s
n a a p a r ê n c ia !
P orq u e v e io ao m undo N o sso S e n h o r Je s u s C r is to ?
P ara fo r m a r u m novo tipo d e hom em : o d o h om em que
l u t a p e l a v id a e t e r n a .
Em N o sso S e n h o r J e s u s C r i s t o , tu d o s e r v e p a r a e s te
f im : a su a v id a . a su a p reg a çã o , os seu s s o fr im e n to s , a
f u n d a ç ã o d a I g r e ja .
C r is to e ra om nisciente; e c o n t u d o , n ã o r e v e lo u v e r d a d e
a lg u m a d a s c i ê n c i a s n a t u r a i s , p o r q u e n ã o a s c o n s id e r a v a
d e im p o r t â n c ia d e c is iv a . C r i s t o é lodo-p od eroso; e . c o n tu d o ,
não q u is d e ix a r o rie n ta ç õ e s p a ra a t é c n ic a , n e m p a ra a
in d ú s t r ia , a s q u a i s d e s e ja m m u l t i p l i c a r a s s u a s fo r ç a s .
C r is to e ra a beleza etem a ; e . c o n t u d o , n ã o c r io u u m
s ó q u a d r o , e s t á t u a , p o e s ia o u c o m p o s iç ã o m u s i c a l.
C r is to e ra o am or eterno; e. c o n t u d o , n ã o e n s in o u a
cu ra r o ca n cro nem a t u b e r c u lo s e , n e m a fa z e r o p e ra ç õ e s
c ir ú r g ic a s .
C r i s t o t in h a um grande am or p elas crian cin has; e, co n ­
tu d o , n ã o le g o u à p o s t e r id a d e u m m é to d o p e d a g ó g ic o p a r a
a e d u c a ç ã o d o s p e q u e n in o s . P o r q u ê ? P orque todas estas
coisas não são absolutam ente necessárias. Q u e é, pois,
o qu e E le considerava necessário? C rer em D eus, orar,
o b ed ec er aos pais, dizer a verdade, guardar puro o coração;
326 JESUS CRISTO REI

o u , p o r o u t r a s p a l a v r a s , v e r o m u n d o à lu z d a s u a d o u t r in a .
E le é a p o rta , e só q u e m e n t r a r p o r e l e s e p o d e s a lv a r .
2 .° C o n tin u a r e m o s p e rg u n ta n d o : S en h o r, quem s o is
V ós? o S enhor
E r e s p o n d e -n o s n o u t r a p a s s a g e m : c E u sou
o bom Pastor.» (')
C r i s t o é o m e u p a s to r , q u e n u n c a m e a b a n d o n a , q u e
não fo g e d ia n t e do in im ig o , que dá a v id a p e la s su as
P oderei eu cair no desespero, se sei qu e Cristo
o v e lh a s .
é um pastor ch eio d e b on d ad e e solicitude p or mim? O h !
s e s o p r a fu r io s o o v e n d a v a l, o m a r a g i t a - s e , a m in h a fr o n te
e n ru g a -se . é n a tu r a l, m as não m e é lícito desesperar.
E n ã o m e s e r á p e r m itid o c h o r a r ? S i m , mas não me devo
revoltar. Tam bém a f lo r in c lin a o seu c á lic e c h e io de
lá g r im a s , quando o fu ra cã o fu r io s o lh e p assa p o r c im a .
e a s s im c o m o o s e u r o c io c a i s o b r e a t e r r a - m ã e . a s s im m e
é l íc i t o ta m b é m c h o r a r : m a s se m p e r d e r a e s p e r a n ç a , s e m
a b a t i m e n t o , m a s p e lo c o n t r á r io , c o m a c o n v ic ç ã o de que
as minhas lágrimas caem nas m ãos am orosas d o Bom
Pastor!
O p e n sa m e n to d o B o m P a s to r n ã o m e c o n s o la só n a
d e s g r a ç a , m a s f o r t a le c e - m e t a m b é m n a t e n t a ç ã o . Q u e fo r ç a
s e n t ir ia n a s t e n t a ç õ e s , s e , e m t a i s c ir c u n s t â n c i a s , m e l e m ­
b ra sse d e s ta g ra n d e v e rd a d e : C r is to q u e ta n to m e a m o u .
que d eu a s u a v id a p o r m im , e s t e b o m P a s t o r p e d e -m e
a g o r a is to , o u p r o ib e - m e aqu ilo! S e r á l íc i t o d e s e s p e r a r -m e
o u d u v id a r c o m o h o m e m de p ou ca fé q u a n d o C r is to m e
f a l a . C r i s t o q u e s e e n tr e g o u p o r m im à m o r te . C r i s t o q u e
é o B o m P a sto r?

O S . João, X, 11.
QUEM É CRISTO PARA NÓS? 327

3 .° quem sois
P e r g u n t e m o s a i n d a : S e n h o r , d iz e i- m e .
V ós? E a s s im a videira, vós
n o s resp o n d e E le : « E u s o u
sois os sarmentos. Q uem está unido a M i m e E u a ele,
esse d á muito fruto, porqu e sem M im n ad a podereis fazer.
Q u em não perm anece em Mim, será lan çado fora com o
sarm ento inútil, e secará e será lançado no fog o e arderá .» ( ’ )
T a i s s ã o a s p a l a v r a s d e J esus C risto .
C r is to é a v id e ir a , eu sou o s a r m e n to . Q ue a v is o
sev e ro m a s q u e h o n r a a o m esm o te m p o ! O s a r m e n to s ó
v iv e e n q u a n t o a s e iv a v iv i f ic a n t e d a v id e ir a c ir c u la n e le .
Tam bém m in h a a l m a v iv e r á u n ic a m e n te , e n q u a n t o a v ir ­
tu d e d e C r i s t o c ir c u la r em m im , e n q u a n t o o C o r a ç ã o de
C r is to b a te r em m im , q u e r d iz e r , e n q u a n t o e u fo r v e r d a ­
d e ir a m e n t e ir m ã o d e J e s u s C r is t o .
A h e r a p r e c is a d a p e d r a : s e p o d e tr e p a r a g a r r a d a a o
m u ro , d e s a b r o c h a e m flo r , a o p a s s o q u e se s e a r r a s t a p e lo
chão, le v a u m a v id a ra q u ític a : a s e m p r e - v iv a p r e c is a d o
r o b le ; se co n seg u e a b ra ç a r-s e a e le , a s p ir a c o m gozo os
r a io s v iv i f ic a n t e s do S o l: se lh e fa lta o r o b le d e fin h a .
Tam bém e u s o u a h e r a , C r is t o é a m inha p ed ra; ta m b é m
s o u a s e m p r e -v iv a . Cristo é o meu roble. S e m e u n o f ir m e ­
m e n te a E le , e le v o - m e c h e io de gozo a c im a d e s ta v id a
t e r r e n a , v id a g r o s s e ir a , s e m e a d a d e tr is t e z a s e a m a r g u r a s .
C om o? E n tã o , o b om c r is t ã o , t a m b é m te m d ir e ito a
g o z a r d a v id a ? T am bém se p o d e a le g ra r? S i m , ta m b é m .
A s d iv e r s õ e s l e g ít i m a s e p u r a s s ã o - l h e p e r m it id a s .
E n t ã o u m b o m c r is t ã o n ã o d e v e v iv e r t r is t e e a b s t e r - s e
d e to d a a a le g r ia ? N ão; p e lo c o n t r á r io . Q uem te m su a

(‘) S. João, xv. 5-6.


328 )ESUS CRISTO REI

a lm a b e m com D e u s , d e v e s e r o m a is a le g r e d o s b o m e n s .
O s a r m e n to , q u e v iv e d a s e iv a d a v id e ir a , g o z a d e v ig o r
e lo u ç a n i a . A f lo r a ç ã o m a is b e la da v id a c r is t ã re s id e
p r e c is a m e n t e n e s te fa c to : que podem os d e m o n s tra r aos
bom en s,qu e para alcan çar a verdadeira alegria, não é
preciso nem o p ecad o, nem a vida frívola, nem a im o r a ­
l id a d e .

P o d e o c r is t ã o s e r t ã o s e v e r o , tã o d u r o c o n s ig o m e s m o ,
t ã o m o r tif ic a d o c o m o S . F r a n c i s c o d e A s s is , e c o n t u d o s e n t ir
a a l m a in u n d a d a d e g r a n d e f e li c id a d e , c o m o s a t u r a d a e s t a v a
a a lm a d e s te s a n t o , q u e f a l a v a c o m o s p a s s a r in h o s d o c é u .
p reg a v a a o s p e ix e s e a c a r i c i a v a o l o b o d o b o s q u e . P ara
is s o . n u n c a h e i- d e e s q u e c e r q u e C r i s t o é a v id e ir a , e e u
o s a r m e n to , is to é , q u e s o u ir m ã o d e C r i s t o .
Sou irmão d e C risto; p o r t a n t o ... e r g u e r a c a b e ç a !
S o u ir m ã o d e C risto; p o r t a n to , m e u s o lb o s d e v e m s e r
p u ro s!
Sou irmão d e C risto; p o r t a n to , t o d a s a s m in h a s p a l a ­
v ras d ev em ser a e x p re ssã o d a v e rd a d e .
Sou irmão d e C risto; p o r t a n to , t o d a s a s m in h a s a c ç õ e s
d e v e m s e r ju s t a s .
Sou irmão d e C risto; p o r t a n to , a m in h a v id a d e v e s e r
d ig n a d o S e n h o r .
H e i- d e s e r r a d i a n t e n o m e u i n t e r io r e b e i- d e i r r a d ia r
lu z . A m in h a v id a . a s m in h a s o b r a s , a s m i n h a s p a l a v r a s
h ã o - d e s e r lu m in o s a s .
Sou irmão d e C risto; p o r t a n to , n ã o b e i- d e p e n s a r , d iz e r,
fa z e r , a m a r c o is a a lg u m a , que não p o ssa p en sar, d iz e r,
fa z e r e a m a r o m e sm o C r is to . P o r q u e E l e é a v id e ir a e e u
s o u o s a r m e n to .
QUE M É CRISTO PARA NÓS? 329

4 .° D i z e i- m e , S e n h o r , q u e m s o is V ó s ? E C r is to re s ­
luz d o mundo, quem me segue não
p o n d e -n o s: « E u so u a
cam inha nas trevas, mas terá a luz d a vida.» ( ')
C o m o ? — d ir á a lg u é m — C r i s t o é a lu z d o m u n d o ? !
S e se contam por m ilhões os qu e não se preocupam com
Ele, os qu e passam a seu lado e nem olham para E le! H á
m ilhões d e hom ens qu e não são cristãos!
É v e r d a d e q u e m u ito s h o m e n s , v iv e m s e m C r i s t o . M a s
é p o rq u e ou ain da n ã o o u v ir a m f a l a r d e C r i s t o , o u p o r q u e
já n ã o q u e r e m o u v ir f a l a r d 'E ! e . E s t e s ú lt im o s a p r e g o a m ,
se m q u e r e r e m , a g r a n d e z a d e C r i s t o ; h á d o is m il a n o s q u e
lu ta m c o n t r a E l e , e n ã o c o n s e g u ir a m a r r a n c a r - lh e o s s e u s
f ié is . A q u e le s q u e ain da O n ã o c o n h e c e m , co m o e sc u ta m
a le g r e m e n t e q u a n d o se lh e s f a l a d e C r i s t o ! Na v erd a d e,
q u e é e m c o m p a r a ç ã o c o m a lu z d e C r i s t o , a lu z d e B u d a ,
q u e v e io d o n a d a e a o n a d a v o l t a ? Q u e é M a f o m a d ia n t e
da Luz d o m undo? Q u i s t i r a r á g u a d a s to r r e n te s q u e s a e m
d e C r is to o u a E l e s e d ir ig e m : p o u c a t i r o u ; c a b e - l h e n a
con ch a da m ão. A s u a lu z é e m p r e s t a d a , e s c a s s a , im p u r a .
Q u e s e r ia d o m u n d o , se m a lu z d e C r i s t o ? I m a g in e m o s
o a b is m o se m fim e o e s c u r o e e s p a n t o s o v a z io , e m q u e
fic a r ia o m u n d o , se C r i s t o n o s d e s p o ja s s e d o s s e u s d o n s
e nos ab an d o n asse.
Q u e s e r ia d o m u n d o , s e a te r r a s e a b r i s s e e t r a g a s s e
c id a d e s in t e ir a s , s e p a ís e s in t e ir o s , e d il a t a d o s m a r e s d e s a ­
p a re ce sse m ? O m u n d o c o n t in u a r i a a e x is t ir .
Q u e s e r ia , s e o c o m b o io , o v a p o r , a e l e c t r i c i d a d e , a
rád io... e to d o s o s g r a n d e s in v e n to s se p e r d e s s e m ? O m u n d o
n ã o d e i x a r ia d e e x is t ir .

(') S. João, viu, 12.


330 JESUS C R IS T O R E I

Q u e s e r ia d a h i s t ó r ia d o m u n d o se m o s g r a n d e s s á b io s
e filó s o f o s m a is c é l e b r e s ? P o d e r ía m o s p a s s a r se m e le s .
M a s q u e s e r ia d a h u m a n id a d e s e m C r i s t o ? C o m C r is t o
a alma sairia do corpo da humanidade, e o qu e ficasse não
seria mais que um monte de escombros em espantosas treuas.
5. ° Senhor, d iz e i- m e , q u e m s o is V ó s ? E o S enhor
resp o n d e: « E u sou o pão da vida; quem vem a Mim, não
terá fome e quem crê em mim, jamais terá sede.» (')
Com e f e it o . C r i s t o é o p ã o d a v id a , p o r q u e se m E l e
n ã o p o d e r ía m o s v iv e r . S e C r i s t o n ã o e x is t is s e , q u e s e r ia d o
hom em ca rreg a d o de p ecad os? Se não e x is tis s e C r is t o ,
quem s o f r e a r ia o s e x c e s s o s d o s o p r e s s o r e s , e d e f e n d e r ia o s
d é b e is ? S e n ã o e x is t is s e C r i s t o , q u e m p r o t e g e r ia a c r i a n ç a
re c é m -n a s c id a ? S e n ã o e x is t is s e C r i s t o , p a r a q u e m l e v a n ­
t a r i a o s o lh o s o h o m e m q u e s e d e b a t e e l u t a n a s t e n t a ç õ e s ?
S e n ã o e x i s t i s s e C r i s t o , a q u e m r e c o r r e r ia o p o b r e e n f e r m o ?
S im . ó m eu S e n h o r J e s u s C r i s t o , n ó s s a b e m o s , s e n tim o s
e c o m p r e e n d e m o s q u e V ó s s o is o p ã o d a v id a . e q u e q u e m
re c o rre a V ó s n ã o t e r á fo m e , e q u e . q u e m c r ê e m V ó s ja m a i s

te rá sed e.
6. ° S e n h o r , d iz e i- m e , q u e m s o is V ó s ? E resp o n d e o
S enhor: «E u sou o caminho, a verdade e a vida.» (2)
M u i t o s s ã o o s q u e q u is e r a m o rie n ta r os c a m in h o s do
h o m e m , m a s n in g u é m qu e ele era o caminho,
o u s o u d iz e r
«sede como eu, sede meus imitadores». M u i t o s m e s tr e s
te v e j á a h u m a n id a d e , m as nenh um se a tr e v e u a d iz e r :
« E u s o u a v e r d a d e .» M u i t a s p r o m e s s a s fo ra m f e it a s e se
fa z e m e m n o s s o s d ia s . m a s n in g u é m n o s d iz : « E u s o u a v id a .»

(*) S . Jo ã o , vi, 35.


(*) S . Jo ã o , xiv, 6.
QUEM É CRISTO PARA NÔS? 331

Se C r is to é o c a m in h o , e n tã o vai errad o quem se

s e p a r a c T E Ie .
S e C r i s t o é a v e r d a d e , c a i em e rro q u e m O nega ou

fa z a la r d e d e n ã o O con h ecer.
E s e C r i s t o é a v id a . á r v o r e s e c a s e r á q u e m s e n e g u e

a r e c e b e r a s u a s e iv a .
E sta s p a la v ra s são v e r d a d e ir a s não só p a ra a v id a
in d iv id u a l, m as ta m b é m para a vida d a sociedade, dos
Estados e d a hum anidade inteira. S e o s c a m i n h o s e le is
v ã o d e e n c o n t r o a o s c a m i n h o s e le is d e C r i s t o , a r u ín a é
c e r t a , q u e r s e t r a t e d e in d iv íd u o s , q u e r d e c o l e c t i v i d a d e s .
N ã o s ó o in d iv íd u o , m a s t a m b é m o E s t a d o n o t a o s b e n e ­
f íc io s d a d o u t r in a d e C r i s t o s e p e r m a n e c e r fie l a e la .
É v e r d a d e q u e C r i s t o n ã o n o s e x im e d a s d if i c u l d a d e s
d a v id a . d o s p e s a r e s e c u id a d o s q u o t i d ia n o s ; m a s d á - n o s
fo r ç a , â n im o , lib e r d a d e in te r io r , e m a d u r e z a e s p ir i t u a l p a r a
os su p o rta r. Q uem seg u e a C r is to , é h on rad o em su as
acçõ es, m erece a c o n fia n ç a dos o u tr o s , te m e s p ír ito de
s a c r i f íc io n o a m o r a o p r ó x im o . E o E sta d o q u e reco n h ece
& C r i s t o p o r s e u R e i . é ju s t o e m s u a s le is . e q u i t a t iv o p a r a

c o m o s s e u s c id a d ã o s .
Q u e m n ã o v ê . c o m t o d a a c la r e z a , q u e a h u m a n id a d e
n e c e s s it a h o je . m a is d o q u e n u n c a , d e s t e e s p ír ito d e C r i s t o ?
S im h o je . P orq u e, q u a n to m a is hom ens h ou ver no
m u n d o , q u a n t o s m a is s e d iv id a m o t r a b a l h o , t o d a s a s n o s s a s
a c t iv i d a d e s e o s in t e r e s s e s d a s d if e r e n t e s c a m a d a s s o c i a is ,
t a n t o m a is n u m e r o s a s s e r ã o a s o c a s i õ e s d e c o n f li t o s e m a is
c e g a s a s p a ix õ e s . H o je s a b e - s e m u i t o : o h o m e m m a n d a n o
a r e a e le o b e d e c e o r a i o . . . M a s n ã o é s e n h o r deis s u a s
p a i x õ e s ; s ó a v ir tu d e d a s le is d e C r i s t o a s p o d e d o m in a r .
552 JESUS CRISTO REI

C r is t o é o c a m in h o , a v e r d a d e e a v id a . V id a n áo só
do in d iv íd u o , m as ta m b é m da f a m íl i a , d a s o c ie d a d e , d o
E sta d o .

7.‘ S en h or, dizei-m e, quem sois V ó s ? E o S enhor


responde: « E u sou a ressurreição e a vida; quem crê em
Mim, ainda qu e esteja morto, viverá .» ( ’ )
E s t a s p a l a v r a s d e C r i s t o , r e s p o n d e m a o s m a is g r a v e s
p r o b le m a s d o e s p ír ito .
J e s u s , s a b i a t u d o : o S e u o l h a r e r a p e n e t r a n t e . le u o s
r e c ô n d it o s d a n o s s a a lm a e d e s c o b r iu a s n o s s a s l u t a s .
« S e n h o r , e s t á b e m . Q u e r e m o s s e r - V o s fié is . D e s e ja m o s
s e g u ir -V o s . M as. v e d e . .. ch ega o fim , a c a b a -se a v id a .
E d e p o is , q u e s e r á d e n ó s , q u a n d o m o r r e r m o s ? ...»
E a p a l a v r a d o S e n h o r f a z - s e o u v ir , c h e i a d e a le n t o ,
c a i c o m o b á l s a m o s o b r e a f e r i d a : « Q u e m c r ê e m M i m , a in d a
q u e t e n h a m o r rid o , v iv e r á .»
V iv e r á ? M as pod eis fazer, Senhor, qu e um morto viva?
S im . F ê -lo v á r i a s v e z e s d u r a n t e a s u a v id a te r r e n a .
A c a lm o u a te m p e sta d e d o la g o d e G e n e s a r e . .. M as
d e q u e m e s e r v e s a b ê - l o — o b je c t a r á o m a r in h e ir o q u e lu t a
com a t e m p e s t a d e — s e e s t o u p r e s te s a p e r e c e r n o a b is m o
das on d as?
O c o n ta cto do v e s tid o do S e n h o r cu ro u um d ia o s
d o e n t e s . .. — « M a s p ara que me s e r v e . .. — q u e ix a -s e um
jo v e m t u b e r c u lo s o — se e u . h á t a n t o s a n o s , s o fr o s e m e s p e ­
r a n ç a d e s a lv a ç ã o ? » •
J e s u s C r i s t o r e s s u s c ito u o s m o r t o s . . . — « M a s . d e q u e
m e se r v e — r e p lic a a v iú v a — s e a m im m e m o r re u o m a r id o
e m e m o r re ra m o s f i lh o s ? »

(') S. loão, xi, 25.


QUEM Ê CRISTO PARA MÓS? 333

Q u a n to s s ã o o s q u e a s s im se q u e i x a m ! M a s ... sem

direito!
Je su s C r is t o d u ra n te a su a v id a te rre n a , não q u is
a p a z ig u a r todas a s t e m p e s ta d e s , c u r a r todos o s e n fe r m o s ,
r e s s u s c ita r todos os m o r to s , p o r q u e n ã o v e io p a r a is s o .
S e m a n d o u n o m a r , n a d o e n ç a , n a m o r te , f ê - lo c o m o
fim d e d e m o n s tr a r q u e r e a lm e n t e «Lhe fo i d a d o to d o o
p o d e r n o c é u e n a te rra » , q u e a c im a d e to d a s a s d e s g r a ç a s ,
a c i m a d a p r ó p r ia m o r te , e s t á o s e u p o d e r e q u e « E l e é a
r e s s u r r e iç ã o e a v id a , e q u e m c r ê n E l e , a i n d a q u e e s t e ja

m o r to , v iv e r á » .
Se q u is e s s e , ta m b é m h o je p o d e r ia s a lv a r to d o s os
n á u f r a g o s , c u r a r to d o s o s d o e n t e s . M a s n ã o é is to o q u e

E le q u er.
Q u e d e s e ja , e n t ã o ?
E l e n o - lo d iz : E s ta b e le c e i em v o ss a a lm a e n o m u n d o
in te ir o o r e in o d e D e u s : o r e in o d a c o n f i a n ç a a n c o r a d a e m
D eu s, o r e in o do am or a D eu s, em D eus e por D eu s.
T r a b a lh a i p ara que o m eu am or a b rase to d a a te r r a .
M o r r e r e i s . .. virei de novo u m dia, apagarei toda
m as e u
a miséria e secarei todas as lágrim as... « E u s o u a ressur­
reição e a vida ; q u e m crê em Mim, ainda q u e tenha morrido ,
viverá».
*

# *

E i s a q u i c o m o , a o f o lh e a r o E v a n g e l h o , e m c a d a p á g in a .
N o sso S e n h o r J e s u s C r i s t o n o s a p a r e c e u m a is b e lo , m a is
r a d ia n t e , m a is a r d e n t e , m a is s u b ju g a d o r . m a is c la r o . N ão
s ó o s a r g u m e n to s d e u m r a c io c ín i o e s p e c u l a t i v o , m a s t a m ­
bém a s n e c e s s id a d e s e a s e x i g ê n c i a s d a v id a q u o t i d ia n a
554 ]Esus c r isto r ei

n o s e n s in a m q u e : E u , H o m em m o d e r n o . H o m em d o s é c u lo x x ,
n e c e s s it o d a r e l ig iã o , n e c e s s it o de D eu s, do p e n sa m e n to
d a v id a e t e r n a , d o r e in a d o d e C r i s t o R e i .
Jesus Cristo, quem V os conhece, sa b e tudo; quem
V os ignora n ada sabe.
« A in d a q u e n ã o fo s s e c a t ó l i c o p o r c o n v i c ç ã o — d is s e
um e s c r it o r fra n cê s ( P . B o u r g e t ) — s ê - lo - ia p a ra te r u m a
v a r a n d a d o n d e p u d e s s e v e r a s id e i a s m o d e r n a s , a n é m ic a s ,
d o e n t ia s , r o ç a n d o p e la te r r a » .
S im , necessitam os d e C risto: sem E le a v id a p er­
tu rb a -n o s.

N ecessitam os d e C risto: s e m E l e s u c u m b im o s a o p e s o
d o s o fr im e n to .
N ecessitam os d e C risto: se m E l e d e s f a z - s e a f a m í l i a ;
e a s o c ie d a d e H u m a n a p e r e c e s o b o s s e u s e s c o m b r o s .
N ecessitam os d e C risto: sem E le p erecerem o s to d o s .
M a s , n ó s n ã o q u e r e m o s f r a c a s s a r e a r r u in a r - n o s .
S en b o r. V ós sois a porta; fa z e i. S e n h o r , q u e e u e n tr e
e s a i a p o r e l a d u r a n t e t o d a a m i n h a v id a . ,
S en h o r. V ó s sois o B om P astor; f a z e i q u e e u s e ja u m a
o v e l h a d ó c il e fie l d o V o s s o r e b a n h o .
S en h o r, V ó s sois a videira; fa z e i q u e e u s e ja o s a r­
m e n to v iv o . q u e se a l im e n t a d e v o s s a f o r ç a s a n t a .
S en h o r, V ó s sois a luz do m undo; fa z ei q u e eu vos
s ig a s ó a V ó s , n e s t a v id a s o m b r ia .
V ós sois o p ão d a v id a; a l im e n t a i- m e .
V ós sois o cam inho, a verdade e a V id a ; c o n d u z i-m e
p e lo c a m in h o d a v e r d a d e à v id a d iv in a .
V ó s sois, Senhor, a ressurreição e a V id a; creio em
V ós com fé in abalável, a fim d e qu e p ossa dep ois desta vida
viver etem am en te convosco!
C A P IT U L O XXVI

A ve, R.ex

\J /e st e ú lt im o c a p ít u l o q u e r e r ia a p re se n ta r, com o em
C ' \ q u ad ro de c o n ju n t o , a im a g e m de « C r is t o R e i» .
Q u e r i a e s b o ç a r e s s a im a g e m d iv i n a e o f e r e c ê - l a c o m o l e m ­
b r a n ç a a o s m e u s a m á v e is le ito r e s , q u e . t a lv e z t e n b a m de
t r a v a r n a s u a v id a ru d e s c o m b a t e s . P o r q u e n ó s , o s c r is t ã o s ,
n ã o p o d em o s ser fra co s. A s o c ie d a d e e s q u e c e -s e p o r c o m ­
p le to d e C r i s t o ; m a s n ó s d e v e m o s m a n t e r - n o s fié is , m a n te r
a p a la v ra d a d a a o n o sso R e i.
C o n te m p l e m o - lo , p o r t a n to , u m a v e z m a is , c o m o lb a r
m a is p r o fu n d o e d e m o r a d o .
Senhor, qu e pensaram d e V ó s o s hom ens durante
I —
a vida terrena?
V o ssa
II — Senhor, qu e pensaram d e V ós os hom ens durante
os dois m ilénios d a história cristã?
III — Senhor, qu e p e n s o eu d e V ós?
S ã o a s trê s p e r g u n t a s a q u e q u e r o r e s p o n d e r .

S e e s t u d a r m o s o E v a n g e l h o , n o ta r e m o s , n ã o se m e s t r a ­
n h e z a . q u e a s o p in iõ e s d o s h o m e n s , a r e s p e it o d e C r is t o ,
já e sta v a m d iv id id a s d u r a n t e a v id a m o r ta l d o S a l v a d o r .
S e m p r e te v e a m ig o s e in i m i g o s ; m u ito s a d m ir a v a m a s s u a s
p a la v ra s e as su as acçõ es; s e g u ia m - n o com e n tu s ia s m o ;
o u tr o s p o ré m d iz i a m ; « E s t á p o s s e s s o » , « s e d u z o p o v o » ...
336 JESUS CRISTO REI

Q u a l p o d e r ia s e r a c a u s a d e s t a s o p in iõ e s a n t a g ó n i c a s ?
É v erd ad e que. na p esso a de C r is to , h a v ia c o n t r a s te s ,
rasg o s tã o e x t r a o r d in á r io s que os hom en s não p u d e ra m
fo r m a r d 'E l e u m a o p in iã o u n â n im e . N ós já con h ecem o s
o s e g r e d o d o m is té r io , s a b e m o s q u e J e s u s C r i s t o e r a D e u s
e tam bém h o m e m ; c o n f ir m a m - n o - lo , p r e c is a m e n t e , o s c o n ­
tr a s te s . d e o u tr o m o d o in c o m p r e e n s ív e is , d e q u e e s t á c h e ia
a su a v id a . M as o s se u s c o n te m p o râ n e o s n ã o o s a b ia m
c o m o n ó s . a i n d a q u e d e v ia m d e s c o b r i- l o . p o r q u e o s m e io s
n ã o lh e s f a lt a v a m .
V i a m a c a d a p a s s o q u e a v id a d e N o s s o S e n h o r e s t a v a
c h e i a d e c o n t r a s t e s m a r a v ilh o s o s .
B a s t a m e n c i o n a r a l g u n s . ..
N asce tão pobre, q u e nem seq u e r p o d e c h a m a r seu .
o p r e s é p io o n d e d e s c a n s a . M a s , p o r o u tr o la d o , um a estrela
r e f u lg e n t e b r i l h a s o b r e E l e e g u ia o s M a g o s q u e lh e v ã o
p re sta r a d o ra ç ã o .
E stá e s c o n d id o num estábulo, n in g u é m sabe nada
d 'E l e . M as um coro d e anjos d e s c e d o c é u e e n to a o
G lória a o M e n i n o d e s c o n h e c id o .
A penas p od e m over suas m ãozinhas, n ã o p o d e f a z e r
m a l a n in g u é m , e p r o c u r a m - n o p a r a O m atarem. M a s o s
anjos p r o te g e m - n o n a fu g a .
Q uem será este Cristã? P oderá ser um sim ples hom em ?
M a is a in d a ;
N ão frequ en tou escola algum a; e. aos doze anos de
id a d e e n s in a a o s A n c i ã o s d o p o v o . q u e ficam adm irados
d a s u a s a b e d o r ia .
Foi sem p re F ilh o obed ien te: e n o e n ta n to , fic a no
te m p lo s e m licen ça; e q u a n d o s e u s p a is O e n c o n tra ra m ,
d iz - l h e s q u e a q u e l a é a casa d e seu P ai.
AVE. REX 537

Q u em O p o d e com preender? Q uem p od ia ser este


C risto? P od ia ser um sim ples hom em ?
V i v e oculto d u r a n t e t r in t a a n o s ; s ã o p o u c a s a s p e s s o a s
q u e o c o n h e c e m ; e q u a n d o c o m e ç a a p r e g a r , a e n s in a r , em
tr ê s a n o s suscita tal movim ento espiritual, co m o n e m a n te s
n e m d e p o is d E l e s e r e g is to u o u tr o ig u a l n a H is t ó r ia .
S. J o ã o B a p t i s t a p r e g a a p e n i t ê n c ia e b a p t i z a . C r i s t o v a i
outros pecadores.
a o s e u e n c o n t r o , e fa z - s e b a p t i z a r , c o m o o s
ouvem -se as
M a s a o m e s m o te m p o e n t r e a b r e m - s e o s c é u s e
palavras d o P ai celestial: tE ste é o m eu F ilh o am ado, em
quem pus todas as m inhas com placên cias.» (')
Q uem com preende estas coisas?
S e r á , p o r a c a s o . C r i s t o u m s im p le s m o r ta l?
É pobre, n a d a p o s s u i; n ã o te m o n d e r e c li n a r a c a b e ç a .
C o n t u d o , d is s e : « D e i x a tu d o p o r M i m : d e i x a a t u a c a s a .
o s te u s p a is , o s te u s ir m ã o s , tu d o q u a n t o p o s s u i s ... p o r a m o r
de M i m .» E os h o m en s' cu m p rem o seu m a n d a to se m
m u rm u rar; fazem -no por E le, O d o e n te c u r a - s e a o s e n t ir
o to q u e d a s u a m ã o s u a v e . E n c h e - s e d e lu z a p e s s o a e m
quem p o u sa o seu o lh a r . M an da sobre o m ar em fúria ,
e e s te a m a n s a - s e e c a l a - s e . c o m o u m c ã o a o o u v ir a v o z
do seu dono. L evan ta a sua voz diante de um túmulo,
e o s a n g u e c o a l h a d o n a s v e ia s c o m e ç a a c ir c u la r , e o c o r a ç ã o
a b a te r. Trem e n o ja r d im d a s O l i v e i r a , e d e p o is , c o m u m a
s ó p a la v r a , d eita por terra o s s o ld a d o s q u e o ia m p r e n d e r .
Morre a b a n d o n a d o , e s c a r n e c id o , e a o m e s m o te m p o o c e n -
t u r iã o p a g ã o e x c l a m a : TV erdadeiram ente, era o F ilho de
Deus.» (-’) D e p o s it a m - n o n o s e p u l c r o ; o s e p u lc r o é s e la d o .

O S. Mateus, ui, 17.


O S. Mateus, xvii, 54.
22
558 JESUS CRISTO REI

g u a r d a d o ; m a s o s e p u lc r o n ã o o p o d e r e t e r ... D evolve-O
vivo.
J á vistes um hom em com o e s te ? O u a n t e s , d iz e i- m e :
Esta vida era puram ente hum ana? N ã o ! Q u ão alto se
levanta o céu sobre a terra, assim ultrapassa a vida de
Cristo as fronteiras d a sim ples vida hum ana.

11
E se a o p in iã o d o s h o m e n s , a r e s p e ito d e C r i s t o , e r a
j á e n t ã o d iv e r g e n te , o m esm o su cede no decurso dos dois
milénios cristãos.
D e s d e q u e a c ru z d e C r is to fo i e r g u id a n o c im o d o
G ó l g o t a . a l i p e r m a n e c e , c o m o u m g ig a n t e s c o s in a l d e in t e r ­
ro g ação p e r a n te a h u m a n id a d e . A q u e le C r is to com as
m ãos cra v a d a s a rra n co u de seu s g o n z o s o e ix o da te r r a
e d e s d e e n t ã o , n ã o h á n o m e q u e r e s s o e t a n t o p o r to d o o
m u n d o , c o m o o s a n t o n o m e d e J e s u s C r is t o .
1.° D e t e n h a m o - n o s n a c o n s i d e r a ç ã o d e s te n o m e a d m i ­
r á v e l: Jesus C r is t o . U m n o m e c o m p o s to p o r d u a s p a la v r a s
d u m a lín g u a d e s c o n h e c id a , e s t r a n g e ir a . E s tr a n g e ir a ? O h!
q u e d ig o ? N ão há palavra m a is c o n h e c i d a , m a is a m a d a
p o r to d o s n ó s . F e n ó m e n o p r o d ig io s o ! N ã o se p o d e p re s ­
c in d i r d e C r i s t o ; a favor o u c o n tra , todos os hom ens hào-de
tom ar p osição a respeito d E le.
a) S e m p r e te v e am igos. C r i s t o é o ím a n p r o d ig io s o ,
o g r a n d e c e n t r o d a h i s t ó r ia d o m u n d o , à r o d a d e q u e m tu d o
s e a g r u p a e tu d o o q u e e x i s t e d e g r a n d io s o n a h u m a n id a d e
se to m a p e q u e n o . R e i s e g ip c io s e r g u e r a m p ir â m id e s g i g a n ­
t e s c a s ; m o n a r c a s a n t ig o s c o n s t r u ír a m e n o r m e s p a l á c i o s ; e o s
s e u s n o m e s , h o je , n ã o s ã o m a is d o q u e p u r a s le m b r a n ç a s .
AVE. REX 359

e o s m o n u m e n to s , m o n tõ e s d e e s c o m b r o s , r u í n a s ; mas a
pálida luzinha d a gruta d e B elém continua a alum iar e a
aqu ecer ain d a h oje a hu m an id ad e.
Q u a n to s bom ens e m in e n t e s v iv e r a m sob re a te rra !
H o m e n s q u e jo g a v a m c o m p a ís e s e r e in o s , c o m o o s m e n in o s
jo g a m a b o l a ; e b o je . q u e m s e le m b r a d e l e s ? N o m undo
i n t e le c t u a l , v iv e r a m s á b io s e m in e n t e s , m a s v ie r a m o u tr o s
E só d'Ele, d o F ilh o d o m odesto car­
q u e os su p era ra m .
pinteiro, fa la ain d a hoje todo o mundo, e E le é o único
qu e não foi superado.
H om ens ilu s t r e s d e s c o b r ir a m novos c o n t in e n t e s , m as
q u e é is to em c o m p a ra ç ã o d a o b r a d e C r is to , qu e descobriu
as grandezas incom ensuráveis d a alm a, mais valiosa d o
qu e o m undo inteiro? E l e é o p r in c íp io d o s te m p o s ; E l e
é o c e n t r o d o u n iv e r s o ; E l e n ã o é s im p le s m e n t e u m a p a r t e
d a b i s t ó r i a , p o r q u e s e m E l e , n ã o h a v e r ia h i s t ó r ia .
Com E l e c o m e ç a u m a e r a n o v a . p o r q u e fo i e n t ã o q u e
com eçou a ren o v ação do g én ero hum ano: na fr ia g ru ta
d e B e l é m , n o ja r d i m d a s O l i v e i r a s e n o c im o d o C a l v á r i o
e n s a n g u e n t a d o . H á n ’E le algum a coisa qu e nem a ciência,
nem a arte, nem a filosofia, nem o bem -estar, nem a civili­
zação pod em substituir. T u d o p a s s a , tu d o n o s tr a z d e s e n ­
g a n o s . d e s ilu s õ e s , tu d o e n v e l h e c e .. ., mas a doutrina d e
Cristo não p assa; o am or d e Cristo não nos engana; a sua
am izade não nos ilu de; o rosto d e Cristo não en velhece.
2 .° Cristo sem pre teve tam bém inimigos.
Q u a n t o s n o v o s m e s s ia s s u r g ir a m , q u e p r e te n d e r a m d e s ­
te rra r C r is to d a a lm a d os b o m e n s . m a s n ã o o c o n s e g u ir a m !
D u r a n t e e s t e s d o is m il a n o s , m u ito s fo r a m o s q u e p e n s a r a m
c o m o a g o r a , « à m o d e r n a » ; S i m . n o s e u te m p o , a d o u t r in a
d e C r is t o e r a b o a , m u ito b o a , d e a l t o v a lo r , m a s p a r a o
340 JESUS CRISTO REI

hom em a c t u a l... hom em do a v iã o e d a r á d io , o s e n s in a -


m e n lo s d e C r i s t o s ã o a n t i q u a d o s . Q u e q u e r e is f a z e r h o je
d e s t e C r i s t o , p á lid o , c o b e r t o d e s u o r e d e s a n g u e ? V ós. OS

r e tr ó g r a d o s a n e l a i s c e r t a m e n t e p e lo s p r a z e r e s d a te r r a e E l e
e n s in a - v o s : Q uem q u er ser m eu d is c íp u lo , r e n u n c ie a si
m e s m o , to m e a s u a c r u z . e s i g a - m e .. .» S e g u i- I O ? A C r is t o
e n s a n g u e n ta d o ? V ó s d e s e ja i s lu x o e p o d e r e C ie d iz - v o s :
« A p r e n d e i d e M im q u e s o u m a n s o e h u m ild e d e c o r a ç ã o . .. »
N ã o ; C r i s t o é j á a lg o a n t i q u a d o p a r a o h o m e m m o d e r n o ...
S e m p r e te v e i n i m i g o s ... q u e n ã o p u d e r a m p r e v a le c e r
co n tra E le . C r i s t o fo i s e m p r e , p a r a o h o m e m d e to d o s o s
te m p o s , o id e a l a d o r á v e l. H o m e m ! F o i E l e q u e m te e n s in o u
a v id a r e a lm e n t e h u m a n a ! E l e d e s c o b r iu a t u a a lm a , e s t e
te s o ir o im e n s o q u e tu d e s c o n h e c e s ! P o r E l e s a b e s q u e te n s
d e s a lv á - l a , c u s t e o q u e c u s t a r : te n s d e s a lv a r a tu a a lm a

p a r a a v id a e te r n a .
H á p o v o s q u e a d m ir a m a força; p o is b e m , a i e s t á a
f o r ç a d e C r i s t o , q u e jo g a c o m a s le is d a n a t u r e z a .
H á p o v o s q u e s e d e ix a m le v a r p e lo sentim entalism o;
a í e s t á o a m o r d e C r i s t o , q u e a b r a s o u o m u n d o d a s a lm a s .
H á povos d ados à m editação profu n da; C r is to p re c i­
s a m e n t e e n s in o u - n o s q u e o s m a io r e s te s o u r o s tê m de ser
p ro cu rad o s no fu n d o d a a lm a .
E a o r e c o r d a r a h o m e n a g e m d o s s é c u lo s , v is lu m b r o u m a
v is ã o m a g n í f i c a : u m q u a d r o m a g n íf i c o se a p r e s e n t a à m in h a
m e n t e : te m p o r m o ld u r a d o is m ilé n io s . N e le se vê C r is to
p a s s a n d o a t r a v é s d o s s é c u lo s . S e g u e - o u m im e n s o c o r t e jo .
Q u e m u ltid ã o , q u e c â n t i c o s !
O iç o vozes agudas d e crianças: H o s s a n a . ó R e i d iv in o ,
que o u tro ra a b ra ç a ste a s c r ia n c i n h a s , a c a r ic i a n d o - a s com
te r n u r a , e t r a n s f o r m a s t e a i n f â n c i a e m p a r a ís o .
AVE, REX 341

O iço o cântico d a juventude: Hossana, ó Rei divino,


que defendeste a nossa alma que lutava com as tempestades.
O iço o coro das don zelas e m ulheres: Hossana. ó Rei
divino, que elevaste a mulher e a libertaste da escravidão.
O iço a voz grave dos hom ens: Hossana. ó Rei divino,
que consolidaste o lar, santificaste o trabalho com as Vossas
santas mãos, e deste à humanidade o ideal de uma moral
pura...
O iço a prece dos qu e sofrem : Hossana, ó Rei divino,
que levaste a cruz, que caíste pelo caminho, mas cujo
olhar divino irradia a força para que possamos suportar
o peso da cruz da nossa vida...
V ejo os pecadores, prostrados de joelhos... com a fronte
inclinada: ó Filho de Deus. que não permitiste que fosse
apedrejada a mulher adultera, defende-me também a mim...
V ejo os m oribundos levantando seus olhos vítreos para
o Crucifixo: Ó Filho de Deus. que morreste por nós. espero
que me receberás no Teu paraísol (K en g ).
3.° Quero chamar a atenção dos meus leitores para
um facto notável. Desde que apareceu Nosso Senhor Jesus
Cristo sobre a terra, a hum an idade dividiu-se em dois
campos. Há homens que. ao ouvirem o Santo Nome de
Jesus, inclinam a cabeça e caem de joelhos; há outros que
ao ouvi-lo. brotam de seus lábios a ironia e o ódio. Há
homens que. ao passarem junto de mim, ministro de Cristo,
me saúdam com respeito: «Louvado seja Nosso Senhor
Jesus Cristo.> Saúdam-me a mim? Não, não me conhecem;
saúdam a Cristo. Há outros que. ao passarem por mim.
cospem com repugnância no chão. Não é a mim que me
odeiam, porque não me conhecem, odeiam a Cristo. Há
342 JESUS CRISTO REI

quem afirme que Cristo é o maior ideal que se pode con­


ceber. e outros respondem: que tenho eu que ver com Ele?
Que me importa este Jesus? H á m ilhões de hom ens qu e
O seguem com um am or jam ais igu alado; lam bem há
m ilhões d e hom ens qu e O odeiam com um ód io sem igual
n a história, fc. um facto notável digno de profundo estudo.
Entre os homens, são estas as leis do amor: Amamos
muito? O nosso amor não é correspondido devidamente.
Somos amados? De que nos serve, se tudo acaha com a
morte? Alguns rezarão por mim. os parentes guardarão a
minha lembrança; mas o tempo voa. o túmulo tudo devora,
a recordação empalidece, e os traços esfumam-se um pouco
mais, e tudo é esquecido: um pouco mais e todos me
esquecerão. Tal é o destino do amor humano; estas são
as suas leis.
Há, porém , um a ex cep çã o: Nosso Senhor Jesus Cristo!
Dois mil anos depois da sua morte, ainda é am ado e ainda
é od iad o. N ão é só hom em .
Por muito grande, bom. nobre ou mau que seja um
homem, passadas algumas semanas, meses, ou anos. depois
da sua morte, quem o ama ou o odeia? Quando muito é
lembrado, mas não é odiado. Quem odeia hoje a Nero.
que tanto sangue fez correr? Quem odeia a Khan Batu.
que com a sua invasão, assolou a Hungria? Quem odeia
hoje o sultão Solimão? E contudo todos eles viveram
depois de Cristo. Morreram, e com eles acabou o ódio.
O u antes: quem ama hoje esses homens eminentes, excep-
cionalmente grandes no mundo das letras, das artes, da
filosofia?... Morreram. Presta-se homenagem à sua memó­
ria, mas quem os ama?
AVE, REX 545

Cristo, pelo contrário, é ainda hoje odiado, Cristo, é


ainda hoje am ado.
É od iad o. Sim. Quereis exemplos? Não ouvistes
ainda terríveis blasfémias contra Cristo? Não vistes ainda
os olhos de um desalmado congestionados de sangue, ao
ouvirem falar de Cristo ou do Cristianismo? Não se vê
bem como é perseguida a nossa religião, a religião de
Cristo? Não palpita em milbares e milhares de livros, de
conferências, de jornais, de poesias... um ódio satânico
contra Cristo, um ódio que escarnece da sua doutrina e
procura exterminar nas almas o seu amor? A manifesta
frivolidade do paganismo moderno que outra coisa é, senão
ódio a Cristo? Não ouvistes falar do ódio que votam a
Cristo, nos conciliábulos maçónicos, os seus filiados? R ea l­
m ente A qu ele que, dep ois d e dois mil anos, é assim odiado,
n ão é só hom em .
M as Cristo é tam bém am ado. V ejo milbares de crianças,
cujo coração começa a bater alegremente, ao ouvirem falar
do Menino Jesus. Milhares e milhões de homens, cujo
coração se dilata de alegria e cuja alma se sente recon­
fortada, ao ouvirem pronunciar o nome de Jesus. Milhares
e milhões, que nos momentos difíceis da vida, O invocam
e exclamam: «A tentação é grande, mas eu não pecarei,
porque Vos amo. ó meu Jesus.> E quantas donzelas na flor
da idade e da beleza, renunciam aos prazeres da vida e se
consagram na vida religiosa a Cristo com estas palavras:
Meu Jesus, eu Vos amo.
E entre os jovens não falta quem deponha todo o
entusiasmo do seu coração no altar do Bispo que o consagra:
«Senh or. por Vós. por Vosso amor, renuncio a toda glória
544 JESUS CRISTO REI

da terra, à fama. à consideração, a tudo, por amor de Vós.


porque Vos amo, ó Jesus!»
A qu ele qu e, dois mil anos dep ois d a sua morte, é
ain da am ado com tanto fervor, não p od e ser apenas um
hom em .
III
A última questão, é a mais decisiva, a mais candente:
Q ue é Cristo para m im ? O que é mais importante para
mim. não é saber qual a opinião dos outros homens a
respeito de Cristo, mas a resposta a esta pergunta: Que
penso eu d e C risto ? Q u e é Cristo para mim?
Responderei com três palavras:
1.°. é o meu Senhor; 2.°,, é o meu Rei; 3.°. é o meu
Deus.

1.° Meu Senhor! D evem os consentir e procurar qu e


Cristo seja o d on o d a nossa alm a.
Jesu s procurou um dia os seus discípulos, no lago de
Genesaré. entre os publicanos, e nos barcos dos pescadores.
Hoje. procura-os noutros lugares: na oficina, na escola, no
escritório, nas fábricas, na cozinha, nas aulas. Não há
choupana, por mais humilde que seja, nem há palácio em
que Jesus não procure os seus discípulos: jovens e donzelas,
homens e mulheres, velhos e crianças. Não há ninguém
tão jovem ou tão velho, tão distinto ou tão humilde, tão
pobre ou tão rico. ministro poderoso ou ignorado mendigo,
que não possa ser discípulo de Cristo, que não possa apertar
com a sua débil mão, com a sua mão trémula, vacilante,
a mão robusta de Nosso Senhor Jesus Cristo; que não possa
fixar o seu tímido olhar nos olhos do Salvador: Meu
AVE, REX 545

Senhor! M eu M estre! A qui me tendes, sou Vosso. F azei


qu e eu me assem elhe sem pre m ais a Vós. N áo só mais
velho ca d a dia, mas ca d a vez mo is reflectido, mais manso,
mais puro, mais cristão.
Quando me sentir esmagado pela pesada cruz da vida,
sei dizer com amor: «Meu doce Jesus, seja por Vosso
amor!»? Quando me cerca o pecado, e a tentação convida
a precipitar-me no abismo da perdição, sei dizer com fervor:
«Ó meu Jesus, não, não quero pecar, resisto por Vosso
amor!»? Quando é difícil, árduo o cumprimento do meu
dever, sei exclamar: «Meu Jesus, faço-o por Vosso amor!»?
S e eu procedo assim, então Jesu s é o meu Senhor.

2. ° Cristo é o m eu R ei.
Tem já cá na terra um reino, o reino das alm as. Em
qualquer parte que baja um homem, que luta com todas
as suas forças contra os assaltos do pecado, que estende
os seus braços para auxiliar o que caiu, que enxuga as
lágrimas do triste, que leva socorro ao cansado... ali Cristo
tem o seu reino, ali Ele é o Rei.

3. ® Cristo é tam bém o m eu D eus.


É o meu Deus a quem adoro. Procuro esboçar a sua
santa imagem no meu espírito. Beijo oom fervor as suas
chagas que sangram por mim. Olho com gratidão a sua
fronte coroada de espinhos, esta fronte que tantas gotas
de sangue suou por mim, e quero reparar oom amor a
tristeza que lhe causei com os meus pecados. Eis o que
Cristo deve ser para mim! O meu coração bá-de bater a
uníssono com o Seu; os seus desejos bão-de ser os meus
desejos; todos os meus pensamentos bão-de ser unicamente
para O servir! Entrega absoluta. Adoração. É o meu Deus.
546 JESUS CRISTO REI

Só quero julgar como julga Cristo (que diria E'Je


acerca disto?) e seguir à letra todos os convites da Sua
graça. As Suas virtudes hão-de compensar os meus defeitos,
a Sua humildade há-de curar o meu orgulho; a Sua pobreza
há-de ser a minha riqueza; a Sua paciência há-de ser o
bálsamo que há-de curar os meus impulsos veementes.
Cristo ndo é um hom em para nós! Náo é um homem
bom , não é um homem santo! Não. Para nós, Ele é o nosso
D eu s! É o que eu creio, e creio firmemente!
Cuidado! Quantas vezes não poderia Cristo censurar­
-nos e dizer-nos o que está inscrito na catedral de Liibeck!:
«Vós chamais-me M estre — e contudo, não me inter­
rogais.
«Chamais-me Luz — e não me vedes.
«Chamais-me V e r d a d e — e não me acreditais.
«Chamais-me C am in ho — e não me seguis.
«Chamais-me V id a — e não me desejais.
«Dizeis que sou S á b io — e não me obedeceis.
«Dizeis que sou Form oso — e não me amais.
«Dizeis que sou R ico — e não me pedis nada.
«Dizeis que sou E tem o — e não me procurais.
«Dizeis que sou M isericordioso — e não confiais em
mim.
«Dizeis que sou N o b r e — e não me servis.
«Dizeis que sou todo poderoso — e não me honrais.
«Dizeis que sou justo — e não me temeis».
Que é, pois. Cristo, para mim? Uma imagem apagada?
Um homem que viveu numa época distante? Não. isso só
não basta. Uma recordação amada do passado? Sábio
insigne da antiguidade? N ão; isso só não basta. O maior
santo do mundo? Não; isso ainda não basta.
W. Jr

AVE. REX 347

Mas é uma realidade viva; uma vida que existe, que


existe ainda hoje, em que eu vivo e que vive em mim;
que me acompanha e da qual não me posso separar. Não
posso? Nem quero separar-me. Ele estende os seus braços,
está comigo dia e noite; quando trabalho, ajuda-me; quando
choro, chora comigo.
Cristo! Vós sois o meu Senhor! Vós sois o meu Rei!
Cristo, sois o meu Deus.
*
« *

Em 18 de Maio de 1927, reuniu-se em Roma. entre


as ruínas do Coliseu, o que havia de mais distinto na
sociedade. A Rainha da Itália e as suas filhas, o ministro
da Instrução Pública, todas as pessoas distintas de Roma.
o governador militar, o reitor da Universidade, oficiais da
armada, os dirigentes do fascismo, os escoteiros, uma imensa
multidão... Que se passava? Celebrava-se uma festa em
honra da Cruz recentemente erigida no Coliseu; e enquanto
uma multidão imensa orava com os olhos baixos na arena
do circo, outrora regada com o sangue dos primeiros cristãos,
aviões cruzando os ares faziam cair uma verdadeira chuva
de flores sobre a cruz de Cristo que se levantava triunfante
dominando a multidão.
Sobre a Cruz de C risto!...

Sim. h á A lguém , que ainda hoje é amado, depois da


sua morte. H á Alguém , cujo túmulo, depois de dois mil
anos, ainda não foi esquecido. H á Alguém , cuja memória
vive no coração de milhões de homens. H á um H omem,
cujas pegadas feitas há dois mil anos são seguidas por
milhões e milhões de devotos que não se cansam de as pisar.
">48 JESUS CRISTO REI

H á um H om em , morto há muito tempo, cujas palavras,


mesmo as mais insignificantes, ainda hoje ressoam entre nós.
H á um H om em , morto ignom iniosam ente, que há dois
mil anos foi levado ao patíbulo e crucificado numa Cruz.
e que recebe todos os dias a homenagem entusiástica de
milhões de homens que se prostram de joelhos e não se
envergonham de beijar os seus pés ensanguentados.
H á um H om em , açoitado, crucificado, que se propôs
ter apóstolos e mártires, e os teve e ainda os tem aos
milhares.
H á um H om em ... e sois Vós, m eu d o ce Jesus, que me
haveis baptizado, que me sustentastes nos combates da
minha juventude, que perdoastes os meus pecados, que
me alimentastes com o Vosso Corpo Santíssimo... Nosso
Senhor, Nosso Rei. Nosso Deus!

Vós sois o nosso M estre — e nós Vos escutamos.


Vós sois a nossa Luz — e nós Vos seguimos.
Vós sois a B elez a — e nós Vos damos o nosso amor.
Vós sois O m n ip oten te— e nós Vos honramos.
Vós sois o nosso Senhor, o nosso D eus — e nós Vos
adoramos.
Vós sois o nosso Rei — e nós Vos obedecemos.
<Ave R ex ! » — Salve, ó R ei divino, N osso Senhor
Jesu s Cristo!
ÍNDICE
Pigs.
I ntrodução............................................................................................................. 5

C apítulo I — Conceilo da realeza de Crislo ( I ) ............................


» II — Conceito da realeza de Cristo ( I I ) ............................ 19
> III — Direitos de Cristo à re a le z a ......................................... 29
> IV — Cristo, Rei da Pátria terrena........................................ 43
> V — Cristo. Rei da Pátria ete rn a ........................................ 50
* VI — Cristo, Rei da I g r e j a .................................................... 75
* VII — Cristo. Rei do Sacerdócio.............................................. 87
> VIII — Importância do Nascimento de Cristo para o mundo 101
> IX — Cristo. Rei da minha a l m a ........................................ 115
> X — Cristo, Rei das C r ia n ç a s .............................................. 127
* X I — Cristo, Rei dos Jo v en s..................................................... 141
> X I I — Cristo, Rei da Família ( I ) .............................................. 153
> XIII — Cristo. Rei da Família ( I I ) ................................................ 165
» XIV' — Crislo, Rei da Família ( I I I ) ....................................... 179
» X V — Cristo, Rei da Família ( I V ) ........................................ 191
> XVI — Cristo, Rei de d ores................................................................ 205
> XVII — Cristo, Rei crucificado........................................................... 217
> X V III— Cristo, Rei dos que sofrem ( I ) ...........................................227
* X IX — Cris o, Rei dos que sofrem ( I I ) ..........................................241
* X X — Cristo, Rei dos Confessores da f é ....................................253
» XXI — Cristo, Rei da vida h u m a n a ............................................... 269
> XXII — Cristo. Rei da M u lh er...........................................................281
» X X III— Cristo, Rei das M â e s ............................................................297
> XXIV’ — Cristo, Rei da morte.......................................................... 3||
> XXV' — Q uem é Cristo paran ó s ........................................................323
* XXV I — Ave, R e x ................................................................................. 335
C O M PO STO E IM P R E S S O N AS O F IC IN A S DA

G R Á F I C A D E C O I M B R A
BA IR R O DE S. JOSÉ, 2 — COIM BRA

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