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SEÇÃO

19
PEDIATRIA
255 / INTRODUÇÃO .......................................................... 2060
256 / CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS,
LACTENTES E CRIANÇAS NORMAIS .................... 2061
Fisiologia perinatal .................................................... 2061
Cuidados iniciais ....................................................... 2066
Exame físico completo ....................................... 2068
Os primeiros dias ............................................... 2070
Supervisão de saúde da criança saudável .................. 2070
Triagem ............................................................. 2072
Aferição da audição em crianças ........................ 2076
Crescimento e desenvolvimento físicos ..................... 2077
Desenvolvimento psicomotor e intelectual ................ 2079
Imunizações na infância ............................................. 2080
Nutrição infantil ......................................................... 2087
Alimentação comum e problemas gastrointestinais ........ 2091
Regurgitação ...................................................... 2092
Vômitos ............................................................. 2092
Alimentação insuficiente .................................... 2092
Alimentação excessiva ....................................... 2092
Diarréia .............................................................. 2092
Obstipação ........................................................ 2093
Cólica ................................................................ 2093
Drogas em nutrizes ............................................ 2094
257 / CUIDADOS A CRIANÇAS DOENTES E SUAS
FAMÍLIAS .............................................................. 2096
Ligação pais-filho: o recém-nascido doente .............. 2096
Criança cronicamente incapacitada ............................ 2097
258 / TRATAMENTO MEDICAMENTOSO EM RECÉM-
NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS .................. 2098
Posologias ................................................................. 2101
Reações adversas a drogas e toxicidade .................... 2102
Adesão ..................................................................... 2102
259 / DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS EM
LACTENTES E CRIANÇAS ...................................... 2103
Déficit ....................................................................... 2104
Excesso ................................................................... 2106
Necessidades hídricas de manutenção ...................... 2106
260 / DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS
E LACTENTES ........................................................ 2111
Lactente prematuro .................................................. 2111
Lactente pós-maturo ................................................. 2114
Lactente pequeno para a idade gestacional ............... 2114
Lactente grande para a idade gestacional .................. 2115
Traumatismo de parto ............................................... 2116
Traumatismo cefálico ......................................... 2116
Traumatismo dos nervos cranianos ..................... 2116
Lesões do plexo braquial ................................... 2116
Outras lesões dos nervos periféricos .................. 2117

2055

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2056 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Traumatismo de parto (continuacão)


Traumatismo da medula espinhal ........................... 2117
Hemorragia intracraniana ....................................... 2118
Fraturas .................................................................. 2119
Lesões de tecidos moles ........................................ 2119
Distúrbios respiratórios ................................................. 2119
Uso de ventilação mecânica ............................ 2119
Síndrome da angústia respiratória .......................... 2121
Displasia broncopulmonar ...................................... 2123
Taquipnéia transitória do recém-nascido ................ 2124
Apnéia da prematuridade ...................................... 2125
Hipertensão pulmonar persistente
do recém-nascido ............................................... 2126
Síndrome da aspiração de mecônio ....................... 2127
Síndrome de extravasamento de ar pulmonar ........ 2128
Distúrbios hematológicos .............................................. 2130
Anemia aguda neonatal por perda sangüínea ........ 2131
Anemias hemolíticas do recém-nascido ................. 2131
Hemoglobinopatias ............................................... 2134
Hiperviscosidade por policitemia ........................... 2134
Problemas metabólicos no recém-nascido .................... 2134
Hipotermia ............................................................ 2134
Hipoglicemia ......................................................... 2136
Hiperglicemia ........................................................ 2136
Hipocalcemia ......................................................... 2137
Hipernatremia ....................................................... 2138
Hiperbilirrubinemia ................................................ 2139
Kernicterus ............................................................ 2141
Síndrome do alcoolismo fetal ................................. 2142
Abstinência de cocaína .......................................... 2142
Abstinência de outras drogas ................................. 2143
Distúrbios convulsivos no recém-nascido ...................... 2143
Deficiências auditivas em crianças ................................. 2145
Retinopatia da prematuridade ....................................... 2148
Infecções neonatais ....................................................... 2148
Infecções hospitalares no recém-nascido ............... 2149
Conjuntivite neonatal ............................................. 2154
Diarréia infecciosa aguda neonatal ......................... 2156
Sepse neonatal ...................................................... 2158
Pneumonia neonatal .............................................. 2165
Meningite neonatal ................................................ 2165
Listeriose neonatal ................................................. 2168
Rubéola congênita ................................................. 2169
Infecção neonatal por vírus do herpes simples ....... 2170
Infecção neonatal por vírus da hepatite B ............... 2171
Infecção congênita e perinatal por
citomegalovírus .................................................. 2172
Toxoplasmose congênita ....................................... 2174
Sífilis congênita ...................................................... 2175
Tuberculose perinatal ............................................. 2177
Enterocolite necrosante ................................................ 2179
Síndrome da morte súbita do lactente .......................... 2180
Síndrome do choque hemorrágico e
encefalopatia ............................................................. 2181
261 / ANOMALIAS CONGÊNITAS .......................................... 2182
Cardiopatia congênita ................................................... 2182
Defeito septal atrial ................................................ 2184
Defeito completo do canal atrioventricular ............. 2185

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SEÇÃO 19 – PEDIATRIA / 2057

Cardiopatia congênita (continuacão)


Defeito parcial do canal atrioventricular .............. 2185
Defeito septal ventricular ................................... 2185
Síndrome do ventrículo esquerdo hipoplásico ........ 2186
Tetralogia de Fallot ............................................. 2186
Transposição dos grandes vasos ......................... 2187
Cardiopatia congênita cianótica complexa ......... 2188
Estenose da válvula aórtica ................................ 2188
Estenose da válvula pulmonar ............................ 2189
Estenose pulmonar periférica ............................. 2189
Ducto arterioso patente ..................................... 2190
Coarctação da aorta ........................................... 2191
Persistência do tronco arterial ............................ 2191
Anormalidades menos comuns .......................... 2191
Doença vascular pulmonar ........................................ 2192
Insuficiência cardíaca ................................................. 2192
Defeitos gastrointestinais .......................................... 2195
Obstrução do trato digestivo alto ....................... 2195
Obstrução dos intestinos delgado
distal e grosso ................................................ 2197
Defeitos no fechamento da parede abdominal ... 2200
Outras emergências cirúrgicas ........................... 2201
Atresia biliar e hepatite neonatal ............................... 2201
Anormalidades osteomusculares ............................... 2202
Anormalidades craniofaciais ............................... 2202
Anormalidades espinhais ................................... 2203
Anormalidades dos quadris, pernas e pés .......... 2203
Anormalidades diversas dos ossos
e cartilagens .................................................. 2204
Amputações congênitas .................................... 2204
Artrogripose múltipla congênita ........................ 2205
Anormalidades musculares ................................ 2205
Anormalidades neurológicas ..................................... 2206
Anormalidades cerebrais ................................... 2206
Espinha bífida .................................................... 2207
Defeitos oculares congênitos ..................................... 2208
Glaucoma congênito .......................................... 2208
Catarata congênita ............................................. 2209
Defeitos renais e genitourinários ............................... 2209
Rim .................................................................... 2209
Ureter ................................................................ 2210
Bexiga ............................................................... 2211
Pênis e uretra ..................................................... 2212
Testículos e escroto ............................................ 2212
Anomalias no transporte renal .................................. 2213
Cistinúria ............................................................ 2213
Síndrome de Fanconi ......................................... 2214
Raquitismo hipofosfatêmico ............................... 2214
Doença de Hartnup ............................................ 2215
Iminoglicinúria familial ....................................... 2216
Anormalidades cromossômicas ................................. 2216
Anormalidades autossômicas ............................. 2216
Síndrome de Down ..................................... 2216
Trissomia do 18 .......................................... 2217
Trissomia do 13 .......................................... 2219
Síndromes de deleção ................................ 2220
Anormalidades dos cromossomos sexuais ................ 2221
Síndrome de Turner ........................................... 2221
Síndrome do X triplo (47,XXX) ........................... 2222

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2058 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Anormalidades dos cromossomos sexuais (continuação)


Anormalidades raras do cromossomo X ................ 2222
Síndrome de Klinefelter ......................................... 2222
Síndrome 47,XYY ................................................... 2222
Estados intersexuais ...................................................... 2223
262 / PROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO ......................... 2224
Falha de desenvolvimento ............................................ 2224
Problemas de comportamento ...................................... 2228
Problemas relacionados à alimentação ................... 2230
Distúrbios do sono ................................................. 2230
Problemas de toalete ............................................. 2231
Ansiedade de separação ........................................ 2233
Medos e fobias ...................................................... 2233
Hiperatividade ....................................................... 2234
Distúrbios de aprendizado ............................................ 2234
Dislexia de desenvolvimento ................................. 2236
Distúrbio do déficit de atenção ..................................... 2239
Retardo mental ............................................................. 2242
263 / ACIDENTES, INTOXICAÇÕES E RESSUSCITAÇÃO
CARDIOPULMONAR ................................................. 2247
Acidentes ..................................................................... 2247
Intoxicações .................................................................. 2253
Intoxicação por acetaminofenol ............................. 2253
Intoxicação por ácido acetilsalicílico e
outros salicilatos ................................................. 2254
Ingestão de cáusticos ............................................. 2257
Intoxicação por chumbo ........................................ 2258
Intoxicação por ferro .............................................. 2261
Intoxicação por hidrocarbonetos ............................ 2263
Ressuscitação cardiopulmonar ...................................... 2263
264 /␣ ABUSO E NEGLIGÊNCIA COM A CRIANÇA ................. 2281
265 / INFECÇÕES DA INFÂNCIA ........................................... 2284
Infecções bacterianas .................................................... 2284
Difteria ................................................................... 2284
Pertussis ................................................................ 2286
Bacteremia oculta .................................................. 2288
Infecção do trato urinário ....................................... 2289
Gastroenterite infecciosa aguda ............................. 2293
Celulite orbitária e periorbitária .............................. 2295
Epiglotite aguda .................................................... 2297
Traqueíte bacteriana ............................................... 2298
Hipertrofia de adenóides ....................................... 2298
Abscesso retrofaríngeo .......................................... 2298
Impetigo e ectima ................................................. 2299
Infecções virais ............................................................. 2299
Sarampo ................................................................ 2302
Panencefalite esclerosante subaguda ..................... 2304
Caxumba ............................................................... 2305
Rubéola ................................................................. 2306
Panencefalite progressiva da rubéola ..................... 2308
Roseola infantum ................................................... 2308
Eritema infeccioso .................................................. 2309
Catapora ................................................................ 2309
Infecção por vírus sincicial respiratório ................... 2311
Crupe .................................................................... 2312
Bronquiolite ........................................................... 2314
Mononucleose infecciosa ....................................... 2315

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SEÇÃO 19 – PEDIATRIA / 2059

Infecções virais (continuação)


Doenças causadas por enterovírus ..................... 2318
Infecção pelo vírus da imunodeficiência
humana em crianças ....................................... 2323
Outras infecções ....................................................... 2335
Síndrome de Reye ............................................. 2335
Febre de origem indeterminada ......................... 2336
Síndrome de Kawasaki ....................................... 2338
Infestação por oxiúros ........................................ 2340
266 / NEOPLASIAS ............................................................ 2341
Tumor de Wilms ........................................................ 2341
Neuroblastoma ......................................................... 2341
Retinoblastoma ......................................................... 2342
267 / FIBROSE CÍSTICA ..................................................... 2343
268 / DISTÚRBIOS GASTROINTESTINAIS ........................... 2348
Dor abdominal recorrente ......................................... 2348
Doença da úlcera péptica .......................................... 2351
Doença do refluxo gastroesofágico ........................... 2352
Divertículo de Meckel ............................................... 2352
269 / DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS .......... 2353
Bócio congênito ........................................................ 2353
Hipotireoidismo ........................................................ 2353
Hipertireoidismo ....................................................... 2354
Baixa estatura por hipopituitarismo ........................... 2354
Baixa estatura por causas diversas ............................. 2356
Hiperplasia adrenal congênita ................................... 2357
Hipogonadismo masculino ........................................ 2359
Anormalidades genéticas do metabolismo de
carboidratos .......................................................... 2363
Galactosemia ..................................................... 2363
Doenças do armazenamento de glicogênio ....... 2364
Defeitos no metabolismo da frutose ................... 2364
Pentosúria .......................................................... 2366
Defeitos do metabolismo do piruvato ................ 2366
Anormalidades no metabolismo de aminoácidos ...... 2366
Fenilcetonúria clássica ........................................ 2366
Formas variantes de hiperfenilalaninemia ........... 2373
270 / DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS E DO
TECIDO CONJUNTIVO ......................................... 2374
Febre reumática ........................................................ 2374
Artrite reumatóide juvenil ......................................... 2378
Distúrbios comuns do quadril, joelhos e pés ............. 2379
Distúrbios hereditários do tecido conjuntivo .............. 2381
Síndrome de Ehlers-Danlos ................................ 2381
Síndrome de Marfan .......................................... 2381
Cútis flácida ....................................................... 2383
Mucopolissacaridoses ........................................ 2384
Osteocondrodisplasias .............................................. 2384
Osteopetroses .......................................................... 2386
Osteosclerose .................................................... 2387
Displasias craniotubulares .................................. 2388
Hiperostoses craniotubulares ............................. 2389
Osteocondroses ........................................................ 2389
Doença de Legg-Calvé-Perthes .......................... 2389
Doença de Osgood-Schlatter ............................. 2390

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2060 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Osteocondroses (continuação)
Doença de Scheuermann ....................................... 2390
Doença de Köhler .................................................. 2390
271 / DISTÚRBIOS NEUROLÓGICOS ..................................... 2391
Coréia de Sydenham ..................................................... 2391
Síndromes de paralisia cerebral ..................................... 2392
272 / DISTÚRBIOS DO NARIZ E GARGANTA ......................... 2394
Corpos estranhos .......................................................... 2394
Angiofibroma juvenil .................................................... 2394
Papilomas juvenis ......................................................... 2394
273 / ESTRABISMO ................................................................ 2394
274 / CONDIÇÕES PSIQUIÁTRICAS NA INFÂNCIA E
ADOLESCÊNCIA ........................................................ 2395
Psicose infantil .............................................................. 2395
Autismo ................................................................. 2396
Distúrbio pervasivo do desenvolvimento com
início na infância ................................................. 2396
Psicose desintegrativa da infância .......................... 2397
Esquizofrenia infantil .............................................. 2397
Depressão infantil ......................................................... 2397
Condições psiquiátricas da adolescência ....................... 2398
Distúrbio de adaptação .......................................... 2398
Distúrbio do estresse pós-traumático ..................... 2398
Distúrbios do uso de substâncias ........................... 2399
Distúrbios da conduta ............................................ 2399
Distúrbio somatoforme .......................................... 2400
Depressão em adolescentes ................................... 2400
Distúrbio bipolar .................................................... 2401
Suicídio em crianças e adolescentes .............................. 2401
275 / PROBLEMAS FÍSICOS NA ADOLESCÊNCIA .................. 2402
Crescimento e desenvolvimento ................................... 2402
Maturação sexual tardia ......................................... 2403
Puberdade precoce ................................................ 2403
Escoliose idiopática ................................................ 2405
Deslizamento da cabeça da epífise femoral ............ 2405
Gravidez na adolescência .............................................. 2405
Acidentes e violência .................................................... 2406
Obesidade .................................................................... 2406

255␣ /␣ INTRODUÇÃO
A partir de meados do século XX, a pediatria au- na sociedade, que geraram rupturas em nossos lares,
mentou seu campo de atividade passando a incluir a escolas e comunidades. Para muitos, isto tem resulta-
perinatologia e a medicina do adolescente, deu maior do em educação deficiente da criança, em limitação
ênfase na promoção da saúde e na prevenção e no da expectativa individual de sucesso e felicidade, e
reconhecimento precoce da doença através de tria- em aumento do estresse, autodepreciação, abuso de
gens periódicas apropriadas, e reconheceu a impor- drogas, violência, depressão e em comportamentos
tância e interdependência dos aspectos orgânicos, autodestrutivos.
funcionais, comportamentais, sociológicos, econômi- As faixas etárias usadas nesta seção são definidas
cos e políticos do cuidado de saúde da criança. Mui- como se segue: o neonato (recém-nascido) – do nas-
tas dessas alterações foram induzidas por mudanças cimento até 1 mês; o lactente – de 1 mês até 1 ano;

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CAPÍTULO 256 – CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS... / 2061

início da infância – 1 ano até 4 anos; final da infân- O diagnóstico pré-natal e o aconselhamento gené-
cia – 5 anos até 10 anos; adolescência – 11 anos até tico são discutidos no Capítulo 247. As doenças e dis-
17 anos. O termo “criança” pode ser usado de ma- túrbios que ocorrem no grupo etário pediátrico, que
neira geral do nascimento em diante, como em dis- também são prevalentes em adultos, são discutidos
cussões do número de crianças numa família. mais completamente em outro local do MANUAL.

256␣ /␣ CONTROLE DE SAÚDE


EM RECÉM-NASCIDOS,
LACTENTES E CRIANÇAS
NORMAIS
FISIOLOGIA PERINATAL prontamente ao nascimento. Há dois mecanismos
para se conseguir isso: 1. durante a passagem pela
A transição bem-sucedida do feto a termo, imerso vagina, o tórax fetal é comprimido, expelindo
no fluido amniótico e totalmente dependente da pla- algum fluido pulmonar. À medida que o tórax da
centa para as trocas gasosas, nutrição e excreção, criança sai para o meio ambiente, o recuo elástico
para um recém-nascido que necessita do ar para res- das costelas coloca algum ar na árvore pulmonar.
pirar é um mistério. Vários distúrbios neonatais po- Os primeiros esforços inspiratórios fortes poste-
dem agora ser vistos como falhas em concluir esta riormente enchem os alvéolos com ar; 2. os níveis
transição com êxito. Várias áreas específicas de fi- fetais de adrenalina e noradrenalina, resultantes do
siologia perinatal serão revistas adiante. estresse do trabalho de parto, aumentam a absor-
ção ativa de sódio e água pelo epitélio respiratório
Ventilação e função pulmonar através dos canais epiteliais de sódio. A síndrome
do pulmão úmido neonatal (taquipnéia transitória
A placenta oferece a possibilidade de troca de do recém-nascido – ver DISTÚRBIOS RESPIRATÓ-
O2 para CO2 para o feto. Os pulmões fetais se de- RIOS no Cap. 260) provavelmente é provocada por
senvolvem anatomicamente por toda a gestação e retardo na reabsorção de sódio e água no pulmão
alvéolos bem desenvolvidos estão presentes por fetal através dos canais epiteliais de sódio.
volta da 25ª semana. Os pulmões fetais produzem A tensão superficial não está envolvida nos movi-
fluido continuamente, um transudato dos capilares mentos respiratórios fetais, já que os alvéolos dos
pulmonares mais algum surfactante pulmonar se- pulmões fetais estão preenchidos por fluido. Após o
cretado pelos pneumócitos Tipo II. primeiro esforço respiratório no pós-parto, porém, os
Os movimentos de respiração fetal ocorrem espaços aéreos contêm ar e existem interfaces ar/flui-
intermitentemente, em geral durante o sono, na do e uma camada de água forrando a superfície al-
fase de movimento rápido dos olhos (REM) que veolar. Na primeira respiração, o surfactante pulmo-
estão presentes em aproximadamente um terço nar é normalmente secretado nesta camada de líqui-
do tempo no feto. Durante estes movimentos do; de outro modo, a tensão superficial excessivamente
respiratórios, o fluido pulmonar se move para elevada causaria um colapso alveolar (atelectasia), au-
cima através da árvore traqueobrônquica e passa mentando muito o esforço para a respiração. O surfac-
a fazer parte do líquido amniótico. Os movimen- tante pulmonar (uma mistura complexa de fosfolipí-
tos de respiração fetal parecem ser essenciais deos, incluindo fosfatidilcolina, fosfatidilglicerol,
para o desenvolvimento do controle neuromus- fosfatidilinositol, lipídeos neutros e 3 proteínas ati-
cular da respiração, de que o recém-nascido ne- vas de superfície) é armazenado em grandes quanti-
cessitará para sobreviver. dades na forma de corpos lamelares ou inclusões nos
Para ocorrer respirações normais, os fluidos in- pneumócitos Tipo II e liberado em grande quantida-
tersticial pulmonar e alveolar devem ser retirados de com a primeira respiração.

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2062 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Por volta da 34ª a 35ª semana de gestação, ge- Logo após o nascimento, a resistência sistêmica
ralmente há surfactante suficiente para evitar a ate- torna-se mais alta do que a resistência pulmonar, o
lectasia difusa, o defeito primário na síndrome da oposto das resistências relativas observadas no es-
angústia respiratória (ver Cap. 260). tado fetal. Portanto, muda a direção do fluxo san-
güíneo através do ducto arterioso patente, criando
Circulação um “shunt” de sangue esquerdo-direito (chamado
de circulação transitória). Este estado dura de
A resistência arteriolar pulmonar é muito alta momentos após o nascimento (quando o fluxo san-
na circulação fetal; como resultado, há um pe- güíneo pulmonar e o fechamento funcional de fo-
queno fluxo sangüíneo para os pulmões fetais rame oval ocorrem) até aproximadamente 24h de
(só 5 a 10% do débito cardíaco). Ao contrário, idade, quando o ducto arterioso se fecha. O sangue
há baixa resistência ao fluxo sangüíneo na circu- que entra pelo canal e pelos vasa vasorum da aorta
lação sistêmica, basicamente em função da bai- apresenta uma alta PO2 que, juntamente com alte-
xa resistência ao fluxo sangüíneo através da pla- rações no metabolismo das prostaglandinas, leva à
centa. A PaO2 sistêmica fetal baixa (aproximada- constrição e fechamento do ducto arterioso. Uma
mente 25mmHg), juntamente com prostaglandi- vez estando fechado o ducto arterioso, passa a exis-
nas produzidas localmente, mantém o ducto ar- tir uma circulação do tipo adulto. Os dois ventrí-
terioso fetal aberto. O sangue ejetado do ventrí- culos passam a se contrair em série e não há mais
culo direito flui preferencialmente da direita para “shunts” importantes entre as circulações pulmo-
a esquerda, da artéria pulmonar para dentro da nar e sistêmica.
aorta, através do ducto arterioso, devido à resistên- Durante os primeiros dias após o parto, um recém-
cia pulmonar elevada. Ocorre outro “shunt” da nascido que passou por um estado de estresse pode
direita para a esquerda através do forame oval. voltar a um estado de circulação do tipo fetal. A asfi-
A pressão atrial esquerda é baixa no feto em de- xia com hipoxia e hipercarbia determina a constrição
corrência da pequena quantidade de sangue que das arteríolas pulmonares e a dilatação do ducto arte-
retorna dos pulmões, enquanto a pressão atrial rioso, revertendo o processo anteriormente descrito,
direita é relativamente alta devido à grande quan- resultando em “shunt” da direita para a esquerda atra-
tidade de sangue que retorna da placenta. A dife- vés do ducto arterioso agora patente e do forame oval
rença nas pressões atriais mantém as bordas do novamente aberto. Como conseqüência, o recém-nas-
forame oval abertas e permite que o sangue pas- cido se torna gravemente hipoxemiado. Esta condi-
se do átrio direito para o esquerdo. ção é chamada de hipertensão pulmonar persistente
Ocorre uma profunda alteração na circulação ou circulação fetal persistente (obviamente, não há
depois das primeiras respirações, resultando em qualquer circulação umbilical). O objetivo do trata-
aumento do fluxo sangüíneo pulmonar e fecha- mento é reverter as condições que produziram a va-
mento do forame oval. A resistência arteriolar soconstrição pulmonar.
pulmonar diminui agudamente, como resultado
da vasodilatação causada pela expansão dos pul- Excreção de bilirrubina
mões, pela PaO2 aumentada e pela redução
na PaCO2. O ar respirado também cria interfaces Este processo começa durante a vida fetal. He-
ar/fluido alveolar, que exercem força para o co- mácias velhas ou lesadas são removidas da circu-
lapso alveolar (ver anteriormente), o que é con- lação pelas células reticuloendoteliais, que depois
trabalançado pelas forças elásticas das costelas e convertem heme em bilirrubina (1g de Hb fornece
da parede torácica. A pressão intersticial pulmo- 34mg de bilirrubina). Esta bilirrubina não conju-
nar, portanto, diminui aumentando o fluxo san- gada, que se liga à albumina sérica, é depois trans-
güíneo através dos capilares pulmonares. portada na circulação até o fígado. Os hepatócitos
À medida que se estabelece o fluxo sangüíneo fetais contêm proteínas de ligação, que captam a
pulmonar, o retorno venoso dos pulmões aumen- bilirrubina livre do sangue nos sinusóides hepáti-
ta e cresce a pressão atrial esquerda. Quando a cos. A glucuronil transferase depois conjuga a bi-
respiração começa, as artérias umbilicais se con- lirrubina com uridina ácido difosfoglucurônico
traem em resposta à PaO2 aumentada, o que faz (UDPGA) formando diglucuronídeo de bilirrubi-
com que as artérias umbilicais se contráiam. na (bilirrubina conjugada), que é secretada ativa-
O fluxo sangüíneo placentário é reduzido ou cessa mente nos ductos biliares. A bilirrubina conjugada
e o retorno venoso para o átrio direito é reduzi- segue para o mecônio no trato GI, mas não pode
do. Assim, a pressão atrial direita cai, enquanto ser eliminada do corpo, porque o feto normalmen-
a pressão atrial esquerda aumenta; como resulta- te não elimina fezes. A enzima β-glucuronidase,
do, o forame oval se fecha. presente na borda em escova luminal do intestino

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CAPÍTULO 256 – CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS... / 2063

delgado do feto, é liberada para o lúmen intestinal, anemia da prematuridade (não confundir com ane-
onde desconjuga os glucuronídeos de bilirrubina; mia ferropriva, que geralmente não ocorre antes
a bilirrubina livre (não conjugada) é então reabsor- de 4 a 6 meses).
vida do trato intestinal e volta para a circulação fe-
tal. A bilirrubina fetal é eliminada da circulação Estado imunológico do
pela transferência placentária para o plasma da mãe
seguindo o gradiente de concentração. O fígado ma- feto e recém-nascido
terno depois conjuga e excreta a bilirrubina fetal. Por ocasião do nascimento, a função da maio-
Ao nascimento, a placenta é “perdida” e o fíga- ria dos mecanismos imunes é proporcional à ida-
do do recém-nascido deve então assumir sua fun- de gestacional mas, mesmo em lactente a termo,
ção, isto é, conjugar e excretar bilirrubina para a é menor do que em adultos. Assim, o recém-
bile, para que ela possa ser eliminada quando da nascido e o lactente (especialmente entre as ida-
defecação do recém-nascido. No entanto, o recém- des de 3 e 12 meses) apresentam uma imuno-
nascido não possui bactérias intestinais adequadas deficiência transitória significativa envolvendo
para oxidar a bilirrubina em urobilinogênio no in- todos os ramos do sistema imune, levando o re-
testino; conseqüentemente, a bilirrubina inalterada cém-nascido a um risco maior de infecções dis-
excretada nas fezes confere uma cor amarelo-bri- seminadas. O risco pode ser aumentado pela pre-
lhante típica. O trato GI do recém-nascido, como o maturidade, parto traumático, doença materna,
do feto, contém β-glucuronidase, que desconjuga estresse neonatal e alguns medicamentos (por
parte da bilirrubina de forma que a bilirrubina não exemplo, imunossupressores e anticonvulsivan-
conjugada pode ser reabsorvida e devolvida à cir- tes). A resposta inflamatória diminuída do re-
culação a partir do lúmen intestinal (circulação cém-nascido contribui para a suscetibilidade
êntero-hepática de bilirrubina), contribuindo para aumentada a infecções e pode ajudar a explicar
a hiperbilirrubinemia fisiológica e icterícia fisioló- a ausência de sinais clínicos localizados (por
gica (ver também Cap. 260). A alimentação pro- exemplo, febre ou meningismo), ao contrário de
duz o reflexo gastrocólico e a bilirrubina é então crianças maiores com infecção. (Os procedimen-
excretada nas fezes antes que a sua maior parte tos de imunização são discutidos adiante em IMU-
possa ser desconjugada e reabsorvida. NIZAÇÕES NA INFÂNCIA.)

Hemoglobina fetal SISTEMA FAGOCÍTICO


Em função de sua alta afinidade pelo O2, é man- As células fagocíticas, vistas primeiramente no
tido um elevado gradiente de concentração de O2 estágio de desenvolvimento do saco vitelino, são
através da placenta, resultando em abundante trans- críticas para a resposta inflamatória que combate
ferência de O2 materno para a circulação fetal. Esta as infecções por bactérias e fungos. Os granulóci-
alta afinidade pelo O2 é menos útil após o parto, tos e monócitos podem ser identificados no segun-
porque a Hb fetal libera menos prontamente o O2 do e quarto meses de gestação, respectivamente.
para os tecidos; isto pode ser deletério caso exista Seus níveis de função aumentam com a idade gesta-
doença pulmonar ou cardíaca grave, com hipo- cional, mas ainda são baixos no termo.
xemia. A transição da Hb fetal para a Hb do adulto O monócito circulante é o precursor do macró-
começa antes do parto. fago tecidual fixo, que é capaz de fagocitose in
O aumento abrupto na PaO2 de aproximadamen- utero e apresenta atividade microbicida baixa a
te 25 a 30mmHg no feto para 90 a 95mmHg no normal no termo. Macrófagos alveolares pulmo-
recém-nascido normal explica a diminuição da nares migram para sua posição ao nascimento ou
eritropoietina sérica, que contribui para a dimi- próximo dele e ajudam a limpar os alvéolos dos
nuição da produção de eritrócitos, que normalmen- restos celulares do líquido amniótico e de micror-
te ocorre ao nascimento e persiste por 6 a 8 sema- ganismos. Estes e outros macrófagos teciduais,
nas. Esta hipofunção da medula óssea resulta em inclusive os do baço, apresentam capacidade fago-
anemia fisiológica, particularmente nos recém- cítica diminuída.
nascidos prematuros, cuja massa corpórea e volu- A ultra-estrutura dos neutrófilos do recém-nas-
me sangüíneo aumentam rapidamente. Todavia, a cido é normal, mas as capacidade de se deformar e
queda da Hb eventualmente resulta em tensão te- a aderência da membrana estão diminuídas, possi-
cidual de O2 reduzida e num aumento apropriado velmente influenciando o funcionamento celular e
na liberação de eritropoietina, que estimula a me- alterando, por exemplo, a quimiotaxia e a fago-
dula óssea a produzir novos eritrócitos. A eritro- citose. Fagocitose de neutrófilos e monócitos e ati-
poietina pode se mostrar eficaz no tratamento da vidade microbicida geralmente estão normais em

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2064 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

lactentes saudáveis depois de 12h do nascimento, da 14ª semana células CD4+ e CD8+ estão presen-
mas estão diminuídas em recém-nascidos de baixo tes no fígado e baço fetais, indicando que células T
peso ou submetidos a estresse. maduras estão estabelecidas nos órgãos linfóides
Na maioria dos recém-nascidos, a quimiotaxia periféricos nesta idade.
dos neutrófilos e monócitos está diminuída devido O timo é mais ativo durante o desenvolvimento
a uma anormalidade intrínseca de movimentação fetal e no início da vida pós-natal. Ele aumenta de
celular e aderência às superfícies. Esta última pode tamanho rapidamente in utero e pode ser visto fa-
ser atribuída à falha na supra-regulação da expres- cilmente em radiografia de tórax de um recém-nas-
são de superfície das glicoproteínas de adesão e à cido normal, atingindo seu tamanho máximo aos
fibronectina reduzida. O soro do recém-nascido 10 anos de idade. Depois involui gradualmente com
também tem uma capacidade diminuída em gerar o passar dos anos. Considera-se o timo como sen-
fatores quimiotáticos (substâncias que atraem os do o mediador da tolerância de “auto-”antígenos
fagócitos para locais de invasão microbiana). A qui- (Ag) durante os períodos fetal e perinatal, sendo
miotaxia diminuída dos monócitos do recém-nas- essencial para o desenvolvimento e maturação do
cido pode contribuir para sua anergia cutânea. tecido linfóide periférico. Os elementos epiteliais
A quimiotaxia não atinge os níveis adultos até que no timo produzem substâncias humorais, por exem-
a criança tenha alguns anos de idade. plo, citocinas, importantes na diferenciação e ma-
Para que ocorra a fagocitose eficiente de muitos turação das células T.
microrganismos é necessário que exista a opsoni- O número de células T na circulação fetal au-
zação. Os fatores opsônicos séricos incluem anti- menta gradualmente durante o segundo trimestre e
corpos (Ac) IgG e IgM (termoestáveis) e comple- atinge níveis praticamente normais em torno da 30ª
mento (termolábeis). Ao contrário da IgG, a IgM e a 32ª semanas de gestação. Ao nascer, a criança
os componentes do complemento não atravessam apresenta uma linfocitose relativa em comparação
a placenta. A IgM opsoniza bactérias Gram-nega- com o adulto, com uma proporção CD4+/CD8+ au-
tivas de forma mais eficiente do que a IgG, mas é mentada que reflete uma porcentagem relativamen-
necessário complemento para uma atividade de te baixa de células T CD8+. Depois do nascimento,
opsonização sérica ideal. A síntese dos componen- ocorrem alterações em subgrupos de linfócitos no
tes do complemento começa por volta de 5 sema- compartimento de células T periféricas. No entan-
nas de gestação, mas os níveis da maioria dos com- to, ao contrário dos adultos, o compartimento de
ponentes das vias clássica e alternativa são somen- células T do neonato contém principalmente célu-
te de 50 a 75% dos níveis adultos no termo. Os leu- las T CD4+ virgens, expressando CD45RA e pou-
cócitos dos recém-nascidos apresentam receptores co CD29. Em contraste, linfócitos de sangue peri-
normais Fc e C3 para ambos os grupos de opso- férico no adulto são principalmente células T CD4+
ninas, mas os receptores C3 são lentos para aumen- de memória, que expressam CD45RO e níveis re-
tar sua expressão na superfície celular após os estí- lativamente elevados de CD29. O significado des-
mulos. A atividade opsônica sérica varia com a ida- ta diferença em marcadores de membrana de célu-
de gestacional; lactentes com baixo peso ao nasci- las T pode estar relacionado a diferenças na capa-
mento apresentam opsonização diminuída para to- cidade de subpopulações de células T de responder
dos os microrganismos testados, particularmente a antígenos e produzir citocinas. Por exemplo, cé-
bactérias Gram-negativas. A menor eficiência do lulas T neonatais fornecem pouca ajuda para a sín-
sistema reticuloendotelial do recém-nascido é, ao tese de imunoglobulinas pelas células B. Embora a
menos em parte, devido à atividade opsônica séri- secreção de interleucina (IL)-2 por células T neo-
ca diminuída. natais pareça ser adequada, a produção de muitas
outras citocinas, isto é, interferon-γ, IL-4, IL-5 e
IMUNIDADE CELULAR (CÉLULAS T) IL-3 são deficientes em comparação com células T
adultas em resposta a diversos estímulos.
Aproximadamente na sexta semana de gestação, Ao nascimento, a atividade citotóxica, inclusive
o timo começa a se formar a partir do epitélio da “natural killer”, dependente de anticorpos e “killer”
terceira e quarta pregas (bolsas) faríngeas. Na oita- célula T citotóxica, é consideravelmente menor do
va semana, o timo se desenvolve rapidamente; por que a de linfócitos adultos. Além disso, a atividade
volta da 12ª semana, já desenvolveu áreas cortical supressora da célula T é consideravelmente aumen-
e medular. Em torno da 14ª semana, os principais tada, dependendo do estímulo, o que pode se rela-
subgrupos tímicos (timócitos triplos negativos: cionar com o fenótipo virgem das células T CD4+
CD3–, CD4–, CD8–; timócitos duplos positivos: no recém-nascido. O efeito líquido resultante é a
CD4+, CD8+; timócitos positivos simples: CD4+ ou imunodeficiência parcial das células T, o que pode
CD8+) estão presentes no timo. Também em torno provocar o aumento da suscetibilidade à infecção

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CAPÍTULO 256 – CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS... / 2065

e, sob raras circunstâncias, enxerto de linfócitos ausente nas secreções salivares e GI do recém-nas-
transfundidos ou maternos. Muitos fatores, como cido até aproximadamente 1 mês após o nascimen-
infecções virais, hiperbilirrubinemia e drogas in- to em lactentes a termo.
geridas pela mãe no final da gestação podem de- O recém-nascido apresenta respostas defi-
primir a função da células T no recém-nascido. cientes de Ac a vários Ag, incluindo Ag em vaci-
As respostas aos testes cutâneos de hipersensi- nas. A resposta de Ac a Ag polissacarídicos, tais
bilidade tardia estão acentuadamente diminuídas até como Haemophilus e pneumococos polissacarí-
aproximadamente 1 ano de idade. A persistência dicos é particularmente precária nos primeiros 2
de linfócitos maternos e doença do enxerto versus anos de vida, a menos que sejam conjugados ao
hospedeiro são raras em lactentes a termo, o que toxóide diftérico.
sugere que a função de células T é adequada em Quando ocorre uma resposta a essas bactérias
recém-nascidos a termo. durante uma infecção é geralmente por uma res-
posta IgM prolongada e resposta por IgG diminuí-
IMUNIDADE HUMORAL da. Os recém-nascidos a termo estão protegidos
contra a maioria dos patógenos potenciais por an-
(CÉLULAS B) ticorpos adquiridos passivamente da mãe. Lacten-
As células B são encontradas na medula óssea tes de peso muito baixo ao nascer não estão tão
fetal, sangue, fígado e baço por volta da 12ª sema- protegidos porque as menores quantidades de anti-
na de gestação. Ocorre síntese de quantidades tra- corpos maternos desaparecem na idade de 2 a 4
ço de IgM e de IgG por volta da 20ª semana de meses. Apesar disso, lactentes prematuros podem
gestação e síntese de IgA por volta da 30ª semana responder a vacinas, por exemplo, difteria-coque-
de gestação. No entanto, uma vez que o feto se en- luche-tétano e pólio, embora não tão bem quanto
contra em um ambiente livre de antígenos, somen- lactentes a termo.
te pequenas quantidades de imunoglobulinas (pre- A transferência passiva de imunidade da mãe,
dominantemente IgM) são produzidas in utero. na forma de Ac IgG transplacentário e de fatores
Níveis elevados de IgM no soro do cordão umbi- imunes no leite materno, ajuda a compensar a ima-
lical (>20mg/dL) indicam uma estimulação anti- turidade do sistema imune do recém-nascido e ofe-
gênica in utero, geralmente uma infecção congê- rece imunidade contra muitas bactérias que provo-
cam doenças graves (por exemplo, pneumococos,
nita. Quase toda IgG é adquirida da mãe pela pla- Haemophilus, meningococos) e patógenos virais
centa. Depois da 22ª semana de gestação, a trans- (por exemplo, sarampo e varicela). Todavia, os an-
ferência placentária de IgG aumenta até atingir ticorpos IgG maternos adquiridos passivamente
os níveis maternos ou mais no termo. IgG2 é trans- podem ocasionalmente inibir a resposta do recém-
portada através da placenta com mais dificuldade nascido à imunização contra agentes como os do
do que as outras subclasses de IgG (IgG1>IgG3 sarampo ou da rubéola. O leite materno contém
>IgG4>IgG2). Os níveis de IgG ao nascimento muitos agentes antimicrobianos, tais como IgG, IgA
em prematuros estão reduzidos em relação à ida- secretora, leucócitos, proteínas do complemento,
de gestacional. lisozima e lactoferrina. Estas substâncias recobrem
Após o nascimento, o catabolismo da IgG trans- o trato GI e as vias respiratórias superiores, e aju-
placentária com meia-vida de aproximadamente 25 dam a evitar a invasão das mucosas por patógenos
dias resulta em “hipogamaglobulinemia fisio- respiratórios e entéricos. O aleitamento materno é
lógica”, por volta de 2 a 6 meses de idade, que co- particularmente importante onde o suprimento de
meça a ser solucionada após os 6 meses, à medida água pode estar contaminado.
que o índice de síntese de IgG do lactente a exceda Mesmo com o uso de antibióticos e tentativas para
o catabolismo de Ac maternos. Os lactentes pre- aumentar o sistema imunológico imaturo do recém-
maturos, em particular, podem apresentar hipoga- nascido, a morbidade e a mortalidade devido a in-
maglobulinemia grave durante os 6 primeiros me- fecções neonatais permanece significativa. Os estu-
ses de vida. Por volta de 1 ano de idade, o nível de dos recentes sugerem um possível papel para a glo-
IgG é de aproximadamente 70% da média dos va- bulina imune ou hiperimune em algumas infecções
lores normais adultos. IgA, IgM, IgD e IgE não neonatais (por exemplo, doença estreptocócica do
atravessam a placenta. Seus níveis aumentam len- grupo B ou vírus sincicial respiratório). Embora da-
tamente, de muito baixos até 30% dos níveis adul- dos sobre sua eficácia sejam conflitantes, transfu-
tos por volta de 1 ano de idade. Os níveis de imu- sões de leucócitos em dose adequada podem úteis
noglobulina do adulto são atingidos aproximada- para tratamento de sepse neonatal. No entanto, é
mente como se segue: IgM com 1 ano, IgG aos 8 necessário mais pesquisa para avaliar situações para
anos e IgA aos 11 anos. IgA secretória é baixa ou as quais tais transfusões podem ser utilizadas.

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2066 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

CUIDADOS INICIAIS tras anomalias do esôfago e estômago. O estômago, se


acessível, é aspirado e o volume de seu conteúdo deve
Ao nascimento, o recém-nascido normal respira ser medido. Os neonatos que nascem na posição cefá-
espontaneamente logo que sua via aérea é limpa de lica podem apresentar pouca quantidade de líquido no
muco e restos através de sucção suave. O cordão estômago, mas isto não afasta a possibilidade de ocor-
umbilical é clampeado e seccionado após a primeira rência de obstrução. O volume normal do estômago de
respiração; uma veia e duas artérias devem ser visí- prematuros varia de 5mL em uma criança de 1,0kg até
veis na superfície da secção. O recém-nascido é en- 12 a 15mL em criança com 2,5kg.
xugado delicadamente e colocado sobre um campo Duas gotas de solução de nitrato de prata a 1%
estéril e seco ou sobre o abdome da mãe; é crítica a ou, preferivelmente, uma pomada de antibiótico,
manutenção da temperatura corpórea. Uma boa téc- como a eritromicina, são aplicadas em cada olho.
nica de lavagem das mãos precisa ser usada por toda Assim que possível, ou pelo menos na primeira
a equipe, porque os mecanismos de defesa do recém- meia-hora de vida, a mãe deve receber o recém-
nascido contra infecções ainda não estão plenamente nascido para segurar e colocar à mama, tomando
desenvolvidos (ver Estado Imunológico do Feto e cuidado para que mãe e filho mantenham a tem-
Recém-Nascido, anteriormente). São usadas precau- peratura corpórea (ver ALEITAMENTO MATERNO,
ções universais e o recém-nascido é manipulado com adiante). Quando estiver pronto para ser colocado
luvas de isolamento até depois do primeiro banho. no berço, o recém-nascido é enfaixado para man-
Deve ser identificada qualquer anormalidade ter a temperatura corpórea, certificando-se de co-
importante ou de risco, como deformidades gros- brir a cabeça, uma grande superfície capaz de per-
seiras (por exemplo, onfalocele, mielomenin- der uma quantidade de calor considerável.
gocele, lábio leporino e fenda palatina) e anoma- Se a temperatura do neonato for < 35,5o C
lias ortopédicas (pé torto, número anormal de (< 96o F), é necessária uma incubadora. Normalmen-
dedos nas mãos ou pés). Devem ser observadas te, o berço é deixado na horizontal e o recém-nasci-
outras anormalidades que incluem abdome esca- do é colocado de lado para facilitar a drenagem de
fóide, como o observado na hérnia diafragmá- muco. Administra-se fitonadiona (vitamina K1) 1mg
tica e assimetria ou aumento do diâmetro ântero- IM para evitar hipoprotrombinemia, que causa a do-
posterior do tórax, como é observado na hérnia ença hemorrágica do recém-nascido (ver em DEFI-
CIÊNCIA de VITAMINA K no Cap. 3). O cordão é
diafragmática e no pneumotórax espontâneo. clampeado com uma pinça descartável e pode ser
As condições gerais do recém-nascido são obser- aplicado o corante triplo, com um chumaço de algo-
vadas utilizando-se o escore de Apgar (ver TABELA dão, ao cordão umbilical e na área periumbilical para
263.13). Muitos recém-nascidos normais apresentam evitar infecção; uma aplicação é suficiente.
cianose transitória, que desaparece no escore de Apgar Em uma maternidade, o recém-nascido fica no
de 5min. A cianose generalizada indica doença car- quarto da mãe. Se não estiver em uma maternidade
díaca ou pulmonar significativa ou depressão grave e se a mãe estiver acordada e disposta, o recém-
do SNC; cianose diferencial indica lesões cardíacas nascido pode ficar ou ser colocado em berçário
específicas. O coração e os pulmões devem ser aus- normal no tradicional andar de pós-parto.
cultados e o abdome palpado. Não se deve banhar o recém-nascido por um período
Estima-se a idade gestacional (ver método na de 6h ou até que a temperatura tenha sido estabilizada
FIG. 256.1); qualquer recém-nascido < 37 semanas em 37°C (98,6°F) por 2h. O banho não deve remover
ou > 42 semanas de gestação, ou aqueles cujo peso todo o verniz caseoso (material gorduroso esbranquiçado
é inapropriado para sua idade gestacional estimada que cobre a maior parte do corpo do recém-nascido
terão maior probabilidade de precisar de cuidados ao nascer), uma vez que este oferece alguma prote-
especiais (ver Cap.260). ção antibacteriana. Deve-se utilizar um sabão sua-
Exceto em tentativas de ressuscitação, não se deve ve, enxaguando minuciosamente. Óleos, talcos e
passar uma sonda para observar o esôfago e o estôma- pomadas não devem ser rotineiramente utilizados.
go até que o recém-nascido esteja estável (um mínimo Como normalmente mães e recém-nascidos re-
de 5 a 10min após o nascimento), pois esta manobra cebem alta dentro de 48h, é necessário acompa-
pode produzir grave apnéia por reflexo vasovagal, nhamento adequado nos primeiros dias em casa,
mesmo num lactente normal. Após 10min de vida, é através de telefonema ou visita domiciliar, pela clí-
introduzida uma sonda para verificar a permeabilida- nica ou consultório pediátricos. A “American
de das narinas e do esôfago em neonatos de mães com Academy of Pediatrics” recomenda que todo re-
poliidrâmnio ou diabetes, naqueles que nasceram de cém-nascido seja visto em consultório em 7 dias.
parto pélvico ou através de cesariana e em qualquer Interações iniciais entre pais e filho – Embora
recém-nascido com aumento das secreções, para se a gravidez ofereça à mãe a oportunidade para se
descartar a presença de fístula traqueoesofágica e ou- preparar psicologicamente para o bebê e comparti-

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CAPÍTULO 256 – CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS... / 2067

Maturidade Neuromuscular
Pontos –1 0 1 2 3 4 5

Postura

Flexão
do punho > 90° 90° 60° 45° 30° 0°
Retração
do braço
180° 140° – 180° 110° – 140° 90° – 110° < 90°
Ângulo
poplíteo
180° 160° 140° 120° 100° 90° < 90°
Sinal do
cachecol

Calcanhar-
orelha

Maturidade Física
Descamação Ressecamento,
Viscosa, Gelatinosa, Rachaduras, Enrugada,
Lisa, rósea; superficial e/ou rachaduras
Pele friável, vermelha, veias visíveis erupção cutânea, áreas pálidas, profundas, rachaduras
transparente transparente poucas veias raras veias sem vasos ou pregas

Lanuge Nenhum Escasso Abundante Fino Áreas calvas Maior parte calva Taxa de
Maturidade
Calcanhar-artelho Pregas cobrem Pontos Semanas
Superfîcie 40 – 50mm: > 50mm, Leves marcas Prega transversal Pregas anterio- toda a planta –10 20
plantar –1 sem pregas vermelhas anterior somente res dois terços do pé
< 40mm: –2 –5 22
Aréola plana, Aréola pontilhada, Aréola elevada, Aréola formada, 0 24
Pouco
Mamas Imperceptíveis perceptíveis sem broto broto mamário broto mamário broto mamário 5 26
mamário 1 – 2mm 3 – 4mm 5 – 10mm
Pálpebras aber- 10 28
Olhos/ Pálpebras fundi- tas, pina acha- Pina ligeiramente Bem curvada e Formada e firme, Cartilagem 15 30
orelhas
orelhas das frouxas: –1 tada; permane- curvada; mole; firme com pronto recuo instantâneo espessa,
Firmes: –2 recuo lento recuo orelha rígida 20 32
ce dobrada
25 34
Bolsa escrotal Testículos no Testículos des- Testículos des- Testículos pen-
Genitália Bolsa escrotal 30 36
vazia, sem canal inguinal, cidos, poucas cidos, boas dulares, pregas
(masculina) plana, lisa
pregas raras pregas pregas pregas profundas 35 38
Clitóris Clitóris Clitóris Grandes lábios e Grandes lábios 40 40
Genitália proeminente, proeminente, proeminente, pequenos lábios maiores e Clitóris e pe-
(feminina quenos lábios 45 42
feminina)) lábios lábios menores lábios menores igualmente pequenos
cobertos 50 44
achatados pequenos aumentados proeminentes lábios menores
FIGURA 256.1 – Avaliação da idade gestacional – novo escore de Ballard. (Modificado a partir de Ballard JL, Khoury
JC, Wedig K, et al: “New Ballard score, expanded to include extremely premature infants.” The Journal of Pediatrics
119(3):417–423, 1991; usado com a permissão de CV Mosby Company.)

lhar a preparação com o pai, há importantes even- mais suave a adaptação ao novo papel. Um am-
tos que melhoram a relação durante e após o nasci- biente ideal, que ajude o casal a ficar seguro e con-
mento. A participação no nascimento da mãe pre- fiante, também ajuda no relaxamento da mãe e fa-
parada e ciente, como também de seu marido torna vorece seu organismo durante o trabalho de parto.

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2068 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

As emoções dos pais nos primeiros momentos predisposição familiar, como nos índios Crow e
de vida de seu recém-nascido variam do êxtase Cheyenne em Montana, EUA.
ao desapontamento; para alguns, estes momen- Sistema cardiorrespiratório – As respirações
tos são totalmente esquecidos, por causa dos são normalmente abdominais e variam entre 40 e
eventos inesperados que exigem prioridades, 50/min. Os sons respiratórios são rudes e vigoro-
como ressuscitação do lactente ou complicações sos, mas devem ser ouvidos igualmente em todo o
obstétricas da mãe. tórax. As bulhas cardíacas são audíveis através do
(A ligação entre pais e filho com o neonato doen- estetoscópio, mais intensamente próximo ao ester-
te é discutida no Cap. 257.) Foi sugerido que o con- no. A freqüência cardíaca varia de 100 a 150bpm
tato físico inicial com o lactente, olhando nos olhos (média de 120). Pode haver acentuada arritmia si-
da criança, estabelece uma ligação precoce essen- nusal. Os sopros cardíacos são freqüentemente ou-
cial para a relação e amor pelos pais. Em seres hu- vidos, mas somente em cerca de 10% estão asso-
manos, porém, tal “período crítico” pode não exis- ciados a uma cardiopatia congênita (ver Cap. 261).
tir. Inquestionavelmente, as mães podem se rela- Recém-nascidos com cardiopatias congênitas gra-
cionar bem com seus bebês, mesmo quando as pri- ves, como atresia aórtica ou hipoplasia do ventrí-
meiras horas não são passadas em união. culo direito ou esquerdo, podem estar presentes com
Imediatamente após um parto normal, deve-se cianose ou insuficiência cardíaca.
ajudar a mãe a segurar e acariciar seu bebê, en- Os pulsos femorais devem ser palpados e sua
quanto se providencia calor e estabilização para o força deve ser verificada e comparada; se os pulsos
recém-nascido. O pai deve ter oportunidade de com- forem fracos, podem estar presentes coarctação
partilhar esses momentos, o que pode tornar ne- da aorta ou anormalidades do ventrículo esquer-
cessário providenciar avental apropriado para o do. Os pulsos fracos devem ser confirmados com
mesmo e algum apoio da equipe caso se sinta des- a tomada da PA pelo método do enchimento ou
confortável ou inseguro. Doppler (isto é, usando um aparelho Doptone)
Os primeiros dias após o nascimento são mo- em todas as extremidades. A PA Doppler usa um
mentos ideais para oferecer aos pais informações transdutor de ultra-som no “cuff” inflável para
adicionais sobre aleitamento materno e como dar detectar turbulência no vaso durante a deflação e
banho e vestir a criança. Quando o recém-nascido assim determina com precisão as pressões sistó-
passa todo o dia junto de sua mãe, onde os pais lica e diastólica. Alternativamente, podem ser
podem se tornar familiarizados com suas ativida- medidas PA de enchimento. O sangue é drenado
des e sons, a transição para o lar é mais fácil. de um membro, através de sua elevação, até que
a pele fique pálida. Um manguito de PA previa-
EXAME FÍSICO COMPLETO mente aplicado é inflado como se fosse aferir
normalmente a PA; depois, com o membro colo-
Este exame do recém-nascido deve ser feito den- cado ao nível do corpo do paciente, a pressão do
tro das primeiras 12h de vida e incluir uma deter- “cuff” é gradualmente reduzida e é feita leitura
minação mais precisa da idade gestacional, utili- (que representa a PA sistólica) quando a cor vol-
zando tanto o exame físico como os achados neu- ta ao membro.
romusculares (ver FIG. 256.1). Sistema musculoesquelético – As extremida-
Medidas – Mede-se o comprimento do vértice des devem estar simetricamente dispostas e moven-
ao calcanhar. O perímetro cefálico (a maior medi- do-se ativamente. A abdução completa das coxas
da acima das orelhas) deve ser de aproximadamen- em direção à superfície da mesa de exame, enquanto
te metade do comprimento do corpo +10cm. A FI- o lactente está em posição supina com os quadris e
GURA 260.1 mostra as classificações da relação en- os joelhos flexionados, deve ser possível; abdução
tre peso ao nascer e idade gestacional. O peso mé- limitada e um “estalo” palpável quando a cabeça
dio para bebês a termo é de 3,2kg. Medido contra a do fêmur desliza para dentro da articulação de en-
idade gestacional, o tamanho do recém-nascido caixe do quadril são os sinais cardinais da luxação
pode oferecer importantes sinais de várias condi- congênita do quadril. (Ver também ANORMALIDA-
ções. Por exemplo, se o lactente for pequeno para a DES OSTEOMUSCULARES no Cap. 261.) Os lacten-
idade gestacional, uma infecção intra-uterina ou tes do sexo feminino e aqueles em apresentação
uma anormalidade cromossômica pode ser a cau- pélvica ao nascimento são particularmente predis-
sa. Um lactente pode ser grande para a idade gesta- postos a apresentar luxação congênita do quadril.
cional por causa do diabetes melito ou hiperinsuli- Se a mobilidade do quadril estiver em dúvida, deve
nismo materno, como síndrome de Beckwith; ser obtido um ultra-som e consultado um ortope-
doença cardíaca congênita cianótica devido a trans- dista. No caso de displasia congênita mínima da
posição dos grandes vasos; obesidade materna; ou articulação do quadril, o uso de fraldas duplas ou

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CAPÍTULO 256 – CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS... / 2069

triplas pode ser um tratamento adequado. Em ca- As orelhas são inspecionadas para a determina-
sos mais graves, o ortopedista deve aplicar uma tala ção da idade gestacional e do posicionamento (ver
em abdução, mas somente depois de rever o ultra- FIG. 256.1); orelhas de implantação baixa fre-
som. Se um especialista não estiver disponível ime- qüentemente indicam uma anormalidade genética ou
diatamente, fraldas triplas devem ser usadas 24h renal. Os canais auditivos devem ser patentes e as
ao dia até que uma tala possa ser aplicada. Se fo- membranas timpânicas visíveis. Embora sejam dis-
rem usadas fraldas descartáveis, a fralda descartá- poníveis aparelhos portáteis e não onerosos para tes-
vel deve ser colocada em contato com a pele com tar a audição do recém-nascido, sua confiabilidade e
duas fraldas de pano nas camadas externas, fazen- validade ainda não foram demonstradas, exceto para
do volume. Na presença de pés tortos ou qualquer propósitos de triagem. O potencial evocado auditivo
outra anormalidade ortopédica significativa, a te- (ver no Cap. 82) pode ser útil para pacientes de alto
rapia deverá começar imediatamente. (Ver ANOR- risco, que devem ser identificados através de história
MALIDADES OSTEOMUSCULARES no Cap. 261). cuidadosa de surdez familiar, rubéola fetal, icterícia
Sistema nervoso – Os reflexos de Moro, suc- neonatal ou tratamento materno ou do recém-nasci-
ção e de torção devem ser desencadeados. Normal- do com aminoglicosídeos.
mente, os reflexos tendinosos profundos estão pre- A boca deve ser inspecionada na procura de pa-
sentes e simétricos. (Anormalidades neurológicas lato e úvula intactos, cistos de gengiva e frênulo
congênitas são discutidas no Cap. 261.) curto adquirido congenitamente (língua presa). São
Pele – A pele geralmente é corada e é comum a normais pequenas elevações em forma de pérola
acrocianose nas primeiras horas de vida. Resseca- (pérolas de Epstein) e pequenas ulcerações (aftas
mento e descamação freqüentemente ocorrem nos de Bednar) sobre o palato duro. Deve-se avaliar
primeiros dias, especialmente no pulso e dobras do também a capacidade de sucção do lactente.
tornozelo. Podem ser observadas petéquias no couro Abdome – O exame abdominal é muito impor-
cabeludo e face, em função da pressão exercida du- tante, uma vez que 10% de todos os recém-nasci-
rante o parto na apresentação cefálica, mas não estão dos apresentam anomalias ou achados que neces-
normalmente presentes abaixo do umbigo. O verniz sitam de acompanhamento cuidadoso durante os
caseoso cobre a maior parte do corpo após 24 sema- primeiros dias de vida, incluindo formato, tama-
nas de gestação, diminuindo na 40a semana e após. nho e posição do rim ou outros órgãos anormais.
Cabeça – No parto com apresentação cefálica, a (Ver também DEFEITOS RENAIS E GENITOURINÁ-
cabeça será moldada, com superposição dos ossos RIOS no Cap. 261.) Normalmente, palpa-se o fíga-
cranianos nas suturas e algum edema e/ou equimose do 1 a 2cm abaixo da margem costal e a ponta do
no couro cabeludo (bossa serosa). Em apresentação baço é facilmente palpada. Ambos os rins são nor-
de nádegas, a cabeça geralmente não é moldada, ocor- malmente palpáveis, o esquerdo mais facilmente
rendo edema e equimoses na região de apresentação que o direito; se não se puder palpá-los, deve-se
(isto é, nádegas, genitália ou pés). As fontanelas po- suspeitar de agenesia ou hipoplasia. Rins aumenta-
dem variar desde a largura da ponta de um dedo até dos (grandes) podem ser causados por obstrução,
vários centímetros de diâmetro. O céfalo-hematoma tumor ou doença cística. A impossibilidade do me-
é um acúmulo de sangue entre o periósteo e o osso, nino de urinar pode indicar válvulas uretrais poste-
produzindo edema que não cruza as linhas de su- riores. Hérnia umbilical, devido à fraqueza da mus-
tura. Ele pode aparecer sobre um ou ambos os culatura do anel umbilical, é comum mas raramen-
ossos parietais e ocasionalmente sobre o occipício. te causa sintomas ou há necessidade de terapia.
Os céfalo-hematomas geralmente não são evidentes Genitália – No menino nascido a termo, os testícu-
nas primeiras horas e até que o edema desapareça e los devem estar presentes na bolsa escrotal. Hidroceles
depois desaparecem gradualmente após vários me- e hérnias inguinais são encontradas freqüentemente
ses e não devem ser aspirados. no recém-nascido. Uma massa escrotal dura e com
A assimetria da face pode estar presente em fun- alteração de cor pode representar torção testicular,
ção do posicionamento in utero. Deve-se suspeitar particularmente em partos com apresentação pélvica.
de paralisia do nervo facial quando houver assime- Embora rara e aparentemente não dolorosa no neonato,
tria das pregas nasolabiais e as pregas ao redor dos a torção representa uma emergência cirúrgica. A tor-
olhos quando o bebê chora. ção pode ser diferenciada de um simples hematoma
Os olhos devem abrir simetricamente. As pupi- pela distribuição das equimoses e pela rigidez dos tes-
las devem ser iguais e reagir à luz e deve-se vi- tículos se houver torção. A massa poderá ser transi-
sualizar o fundo de olho. Se for obtido um reflexo luminada se for uma hidrocele. Nas meninas, os lábios
vermelho ao exame oftalmoscópico, pode-se ex- são proeminentes. Secreções mucóides e ocasional-
cluir opacificações do cristalino (catarata). São co- mente serossanguinolentas (pseudomenstruações)
muns hemorragias da esclera. podem ocorrer, sendo transitórias e não irritantes.

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2070 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Coágulos sangüíneos, no entanto, merecem ava- Wright de um esfregaço do conteúdo da pápula re-
liação. Acredita-se que uma pequena porção de te- vela eosinofilia. História familiar de alergia deve
cido no frênulo labial pudendo posterior, deve-se à ser investigada nos casos graves; se encontrada, o
estimulação hormonal materna e que desaparecerá uso de loções, talcos, sabonetes perfumados e cal-
nas primeiras semanas de vida. ças plásticas deve ser evitado.
Necrose da gordura subcutânea pode ocorrer
OS PRIMEIROS DIAS sobre qualquer proeminência óssea sujeita a trau-
ma ou pressão, especialmente a cabeça, face e pes-
Devem ser realizados testes de triagem para dis- coço, onde o fórceps é aplicado. As lesões são en-
túrbios metabólicos e hematológicos (ver TRIAGEM, durecidas, isoladas e bem delimitadas. A lesão pode
adiante). romper-se para a superfície da pele, liberando um
Peso – A perda de 5 a 10% do peso ao nascer fluido amarelo translúcido, estéril, que deve desa-
nos primeiros dias de vida é considerada normal e parecer espontaneamente ou com o uso de uma
é comum para a maioria dos recém-nascidos. A eli- vestimenta com acolchoamento.
minação de mecônio (uma substância verde-escu- Icterícia leve pode ocorrer em recém-nascidos
ra pegajosa que contém lanugo e células epiteliais normais, mas é preocupante se aparece antes de 24h
escamosas do líquido amniótico deglutido e secre- de idade e se a bilirrubina sérica for > 12mg/dL
ções intestinais), perda de verniz caseoso e resse- (> 205µmol/L) no recém-nascido a termo (a preo-
camento do cordão umbilical contribuem para cer- cupação é maior já em níveis mais baixos no pre-
ta perda de peso, mas a maior parte se deve a per- maturo e sob determinadas circunstâncias – ver em
das urinárias e de água insensível. HIPERBILIRRUBINEMIA em PROBLEMAS METABÓ-
Cordão umbilical – A pinça plástica do cordão LICOS NO RECÉM-NASCIDO no Cap. 260).
deve ser removida em 24h para evitar tensão Micção – A primeira urina eliminada é concen-
indevida no coto que está secando. A aplicação diá- trada e freqüentemente contém uratos, o que torna
ria de álcool a 70% ao coto apressa o ressecamento a fralda rosada. Ausência de diurese nas primeiras
e reduz o risco de infecção. O cordão deve ser ob- 24h de vida deve ser investigada profundamente.
servado diariamente para ver se há eritema ou se- O atraso na micção é mais comum no sexo mascu-
creção, uma vez que é uma porta de entrada para lino e pode estar associado com estenose do
infecção. É a primeira área a ser colonizada por prepúcio ou edema do pênis no lactente recente-
bactérias e usualmente é o local de onde são feitas mente circuncidado.
culturas nos programas de controle de infecção. Evacuação – Todo lactente deve ter eliminado
Prepúcio – A circuncisão geralmente é solicita- mecônio com 24h de idade. O lactente que, ao nas-
da pelos pais e raramente indicada clinicamente. cimento, estiver sujo de mecônio, pode ter atraso na
Alguns citam um aumento de incidência de infec- evacuação, mas neste caso é evidente que o ânus está
ção do trato urinário (ITU) em meninos não sub- patente. Atraso na evacuação é mais comumente o
metidos a circuncisão como uma indicação. Geral- resultado de um tampão de mecônio espesso (ver
mente é feita nos primeiros dias de vida, sob anes- em DEFEITOS GASTROINTESTINAIS no Cap. 261).
tesia local. Deve ser retardada indefinidamente se
houver qualquer deslocamento do meato uretral,
hipospadia ou qualquer outra anormalidade da SUPERVISÃO DE SAÚDE
glande ou do pênis, uma vez que o prepúcio pode
ser usado posteriormente em reconstrução plásti- DA CRIANÇA SAUDÁVEL
ca. Ela não deve ser realizada se existir história fa- Os objetivos de consultas para crianças que es-
miliar de hemofilia ou outros distúrbios de coagu- tão bem são evitar doenças através de imunizações
lação, ou se a mãe estiver tomando medicamentos de rotina (ver IMUNIZAÇÕES NA INFÂNCIA, adiante)
que interferem na coagulação, como anticoagulan- e educação (por exemplo, aconselhamento sobre
te ou aspirina. nutrição, prevenção de acidentes e saneamento), de-
Pele – Eritema tóxico, uma erupção cutânea be- tectar e tratar doenças precocemente através de en-
nigna autolimitada, é a lesão mais comum e pode trevista, exame físico e procedimentos de triagem e
ocorrer a qualquer momento durante a primeira orientar os pais na criação do filho para otimizar o
semana, mas mais freqüentemente no segundo dia. desenvolvimento emocional e intelectual normal.
Geralmente encontrada onde há fricção entre as Com seus pais, as crianças são, portanto, examina-
roupas e os braços, pernas e costas e raramente na das regularmente durante a infância. A freqüência
face, a erupção cutânea aparece como uma lesão e conteúdo dessas consultas são determinados pela
eritematosa manchada, com uma pápula central que idade da criança, população atendida e a opinião do
pode se tornar bem proeminente. A coloração de médico e dos pais sobre seu valor.

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Cada criança e cada família são únicos; portanto, as Recomendações para Cuidados Essas diretrizes representam um consenso por parte do “Committee on Practice Recomenda-se uma consulta pré-natal aos pais que se encontram em grande
Pediátricos Preventivos destinam-se ao cuidado da criança que está recebendo atenção and Ambulatory Medicine” em consulta às seções e comitês da “American Academy risco, que serão pais pela primeira vez e para os que desejarem. A consulta pré-
competente dos genitores; não apresenta manifestações de problemas de saúde impor- Pediatrics” (AAP). O “Committee” enfatiza a grande importância da continui- natal deve incluir orientação antecipatória e respectiva história médica. Cada
tantes e está crescendo e se desenvolvendo de modo satisfatório. Consultas adicionais dade dos cuidados em uma supervisão de saúde abrangente e a necessidade lactente deve passar por uma avaliação de recém-nascido após o parto.
podem ser necessárias se as circunstâncias sugerirem variações da normalidade. de evitar a fragmentação dos cuidados
cuidados.
LACTÂNCIA3 INÍCIO DA INFÂNCIA3 MEIA-INFÂNCIA3 ADOLESCÊNCIA/INÍCIO DA VIDA ADULTA3
IDADE4 Recém- 2-4 d2 aprox. 2 m 4 m 6 m 9 m 12 m 15 m 18 m 24 m 3 a 4a 5a 6a 8 a 10 a 11 a 12 a 13 a 14 a 15 a 16 a 17 a 18 a 19 a 20 a 21 a
nascido1 1m
HISTÓRIA
Início/intervalo • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
MEDIDAS
Altura e peso • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
Perímetro cefálico • • • • • • • • • • •
Pressão sangüínea • • • • • • • • • • • • • • • • •
TRIAGEM SENSORIAL
Visão S S S S S S S S S S S 5O 5 O O S S O S O S S O S S O S S S
Audição6 S/O S S S S S S S S S S O O O S S O S O S S O S S O S S S
AVALIAÇÃO DO DESENVOLVI
DESENVOLVI-
2071

MENTO/ COMPORTAMENTO7 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
EXAME FÍSICO8 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
PROCEDIMENTOS – GERAL 9

Triagem hereditária/metabólica10 •
Imunização11 • • • • • • •
Triagem para detecção de chumbo 12 • • 13 13
Hematócrito ou hemoglobina • •
14 14
Análise de urina • •
PROCEDIMENTOS – PACIENTES
DE RISCO
Teste tuberculínico15 * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
Exame de colesterol16 * * * * * * * * * * * * * * * * * *
Triagem de DST17 * * * * * * * * 18*18 * *
Exame pélvico18 * * * * * * * * * * *
ORIENTAÇÃO ANTECIPATÓRIA19 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
Prevenção de lesão20 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
ENCAMINHAMENTO ODON-
TOLÓGICO INICIAL21 •
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1 Encorajada a amamentação e oferecidos suporte e instrução. 8 A cada consulta é essencial um exame físico completo – o lactente totalmente sem roupas, crianças 16 Exame de colesterol para pacientes de alto risco conforme relatório da AAP “Statement on
2 Para recém-nascidos que receberam alta em < 48h. maiores apenas com o avental apropriado. Cholesterol” (1992). Se a história familiar não for averiguada e outros fatores de risco estiverem
3 Questões sobre doenças, desenvolvimento e psicossociais de adolescentes e crianças podem 9 Estes podem ser modificados, dependendo do ponto de acesso ao programa e necessidade individual. presentes, o exame deve ser feito a critério médico.
necessitar consultas de aconselhamento e tratamento freqüentes em consultas separadas de 10 Triagem metabólica (por exemplo, tireóide, hemoglobinopatias, PKU, galactosemia) deve ser feita 17 Deve ser feita triagem de todos os pacientes sexualmente ativos quanto a transmissão de
cuidados preventivos. conforme leis estaduais. doenças (DST).
4 Se uma criança vier aos cuidados pela primeira vez, em algum momento da programa, deve ser 11 Programa(s) segundo o “Committee on Infectious Diseases” publicado periodicamente noPediatrics. 18 Todas as mulheres sexualmente ativas devem fazer exame pélvico. Um exame pélvico e
acompanhada o mais rápido possível. Cada consulta é a oportunidade de acompanhar as vacinações da criança. esfregaço de Papanicolaou (Pap) de rotina devem ser oferecidos como parte dos cuidados
5 Se o paciente não for cooperativo fazer nova triagem dentro de 6 meses. 12 Exame de sangue para detecção de chumbo conforme relatório da AAP “Lead Poisoning: From preventivos de manutenção entre as idades de 18 e 21 anos.
6 Alguns especialistas recomendam avaliação objetiva da audição no período de lactância. O “Joint Screening to Primary Prevention” (1993). 19 Discussão e aconselhamento apropriados devem fazer parte integral de cada consulta de cuidados.
Committee on Infant Hearing” tem identificado pacientes em alto risco de perda auditiva. Todas as 13 Todas as adolescentes menstruando devem ser examinadas. 20 A partir da idade de 12 anos, consultar o programa de prevenção a lesões da AAP (TIPP®)
crianças que preenchem esses critérios devem ser objetivamente examinadas. Ver “Joint Committee 14 Realizar análise de nível urinário para detecção de leucócitos em adolescentes femininos e masculinos. conforme descrito no “A Guide to Safety Counseling in Office Practice” (1994).
on Infant Hearing 1994 Position Statement” 15 Teste de TB conforme relatório da AAP “Tuberculosis in Infants and Children” (1994). O teste deve 21 Iniciar avaliações dentárias o mais cedo possível pode ser apropriado para algumas crianças.
7 Através de história e exame físico apropriados; em caso de suspeita por meio de testes ser realizado à identificação de fatores de alto risco. Se os resultados forem negativos, mas a Exames subseqüentes conforme prescrito pelo dentista.
objetivos de desenvolvimento. situação de alto risco continuar, o teste deve ser repetido anualmente.
• = a ser realizado; * = a ser realizado a pacientes de risco; S = subjetivo; pela história; O = objetivo, pelo método de teste padrão; • = variação na qual pode ser prestado um serviço, com o ponto indicando a idade preferida; DST = doença sexualmente transmissível; PKU = fenilcetonúria; a = ano(s); m = mês(es).
2071

Nota – Testes especiais com substâncias químicas, imunológicos e endócrinos são geralmente realizados mediante indicação específica. Outros testes que não os para recém-nascidos (por exemplo, erros congênitos, anemia falciforme, etc.) são realizados a critério médico.
FIGURA 256.2 – Recomendações para cuidados pediátricos preventivos. Utilizado com permissão da “American Academy of Pediatrics”, Pediatrics, 96:2, 1995.
2072 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

O médico deve avaliar o desenvolvimento inte- Doenças metabólicas – No momento da alta hos-
lectual e psicossocial da criança. A história e ob- pitalar, deve-se obter amostras de sangue capilar do
servações resultantes podem ser usados para pre- recém-nascido para realizar a triagem para fenilce-
encher o “Denver Developmental Screening Test”, tonúria [PKU], hipotireoidismo, tirosinose, deficiên-
estimando assim o desenvolvimento adaptativo da cia de biotinidase, homocistinúria, doença da urina
criança (habilidades sociais, de linguagem, motora em xarope de bordo e galactosemia. Muitos distúr-
grossa e motora fina). bios metabólicos (por exemplo, PKU) podem ser
A avaliação da percepção dos pais sobre a criança atenuados através de um controle dietético.
e as interações entre pais e criança podem não ser A galactosemia (ver ANORMALIDADES GENÉTICAS
executadas facilmente por algum método conveniente, DO METABOLISMO DOS CARBOIDRATOS no Cap. 269)
padronizado, mas requer entrevista e observação es- deve ser diagnosticada e tratada para evitar as con-
pecializadas, começando com discussões ao primei- seqüências de níveis sangüíneos elevados de galacto-
ro contato no hospital. Alguns pais e médicos prefe- se. Hipotireoidismo diagnosticado e tratado antes de
rem encontrar-se antes do nascimento do bebê, nor- 3 meses de idade tem um prognóstico muito melhor.
malmente durante o terceiro trimestre, para discutir (Hipotireoidismo em crianças é discutido no Cap.
as expectativas dos pais para seu recém-nascido e os 269; marcadores de reconhecimento para certas
planos para cuidados durante os primeiros anos e toda doenças são discutidos no Cap. 247.)
a infância. Subseqüentemente, as atitudes dos pais Hemoglobinopatias – A triagem para doença
devem ser identificadas com tato, para determinar falciforme é particularmente útil em recém-nas-
como os pais sentem que estão sendo afetados por cidos de alto risco. A detecção de doença falcifor-
cuidarem de um lactente novo, como eles enfrentam me usando eletroforese de Hb permite profilaxia
as situações difíceis e quão facilmente eles podem precoce com a penicilina, que reduz os riscos da
obter ajuda quando se sentem cansados e nervosos. doença pneumocócica. Por causa dos custos e li-
Essas discussões podem ser continuadas em consul- mitações técnicas da eletroforese de Hb, o teste
tas posteriores. Um interesse cordial, genuíno, mos- dos recém-nascidos é feito rotineiramente em to-
trado pelo médico, não apenas pela criança, mas por dos os estados dos EUA. Entretanto, o médico
toda a família, reforça muito a confiança dos pais. As pode querer fazer este teste em bases individuais.
famílias se sentirão então mais livres para questionar (O exame pré-natal para doença falciforme é dis-
sobre comportamentos e podem estar acessíveis para cutido no Cap. 247.)
sugestões sobre a criação dos filhos. Anemia – A perda de sangue durante o parto ou
A “American Academy of Pediatrics” (AAP) re- no período de observação neonatal (quando estu-
comenda esquemas de cuidados de saúde preventiva dos extensos podem requerer múltiplas amostras
(ver FIGURA 256.2) para crianças que não tenham de sangue) pode causar anemia. A determinação
manifestado quaisquer problemas de saúde importan- do Ht ou do nível de Hb no momento da alta forne-
tes e estão crescendo e se desenvolvendo satisfatoria- ce um valor base para testes feitos posteriormente
mente. Visitas mais freqüentes e sofisticadas são re- na infância.
queridas por crianças que não preenchem estes crité- Deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase
rios. Se uma criança entra sob cuidados pela primeira (G6PD) – Cerca de 10% dos meninos negros ame-
vez em um ponto tardio do esquema, ou se qualquer ricanos sofrem de uma forma leve deste distúrbio e
item não é executado na idade sugerida, o esquema só ocasionalmente têm sintomas na primeira infân-
deve ser atualizado tão logo possível. cia; os orientais e alguns grupos de origem medi-
terrânea desenvolvem uma forma mais grave, com
TRIAGEM anemia hemolítica e hiperbilirrubinemia. A sensi-
bilidade dos eritrócitos a várias drogas ocorre pos-
Procedimentos de triagem são parte importante teriormente. Estes grupos selecionados devem ser
do atendimento preventivo de lactentes e crianças. triados durante o período neonatal.
HIV – Em virtude da incidência crescente de in-
Triagem no período neonatal fecção por HIV, é recomendado o exame neonatal,
que é exigido em alguns estados. Resultados positi-
A triagem do neonato é importante para identi- vos podem indicar doença materna não diagnostica-
ficar várias anormalidades físicas e doenças, como da e necessitam acompanhamento da criança.
luxação do quadril, massas renais e cataratas. Deve Tipo sangüíneo materno – Quando a mãe apre-
ser realizado um exame físico completo (ver em senta sangue tipo O e/ou Rh negativo, o recém-nasci-
EXAME FÍSICO COMPLETO, anteriormente), assim do deve ser tipado e realizado um teste de Coombs.
como a história da família dos pais e a história da Aqueles com um teste de Coombs indireto positivo
gravidez da mãe devem ser revistas. devem ser observados para icterícia. Muitos recomen-

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CAPÍTULO 256 – CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS... / 2073

dam uma determinação da bilirrubina total, na alta TABELA 256.1 – FATORES DE ALTO RISCO
hospitalar, como procedimento rotineiro. NEONATAL PARA PERDA DE AUDIÇÃO
Abuso de drogas materno – Em virtude dos efei- Peso ao nascimento < 1.500
tos tóxicos sobre recém-nascidos quando as mães
utilizam drogas ilícitas no pré-natal e do alto risco Escore de Apgar ≤ 5 aos 5min
para abuso e negligência das crianças quando as mães Bilirrubina sérica > 22mg/dL (> 376µmol/L) em
continuam a usar drogas após o nascimento da crian- um recém-nascido cujo peso ao nascimento é
ça, é aconselhável a triagem urinária de recém-nasci- > 2.000g ou > 17mg/dL (> 290µmol/L) em re-
dos quando existe história materna de abuso de dro- cém-nascido < 2.000g
gas, hepatite B, sífilis, gonorréia, infecção por HIV, Anoxia
descolamento prematuro de placenta sem explicação Sepse ou meningite neonatal
ou trabalho de parto prematuro sem explicação, a mãe
Hiperbilirrubinemia neonatal
teve menos de cinco consultas de pré-natal ou a criança
apresenta doença neurológica inexplicada, evidência Convulsões ou crises de apnéia
de abstinência de droga ou retardo de crescimento Infecção intra-uterina congênita, como rubéola,
intra-uterino sem explicação. citomegalovírus ou toxoplasmose
Uso de aminoglicosídeos
Triagem após o História de perda auditiva em pais ou parentes pró-
período neonatal ximos
Crescimento e desenvolvimento – O compri-
mento (topo da cabeça-calcanhar), o peso e o perí- co, assim como dos comportamentos e respostas
metro cefálico devem ser medidos em cada con- que sugerem perda da audição. Os fatores de alto
sulta ou exame de saúde durante o primeiro ano de risco são apresentados na TABELA 256.1. A tria-
vida. O ritmo de crescimento do lactente deve ser gem para perda auditiva deve se limitar a neonatos
monitorado usando uma curva de crescimento com com ≥ 1 desses fatores, embora alguns especialis-
percentil. O nível de desenvolvimento e o desem- tas recomendem a triagem de todos.
penho devem ser avaliados a cada consulta. (Ver Em aproximadamente um terço dos lactentes com
também a FIG. 256.2 e a discussão adiante, em surdez congênita, é possível uma etiologia hereditá-
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO FÍSICOS.) ria recessiva que não esteja presente fenotipicamente
Quadris, pernas e pés – Quando quadris instáveis expressa em nenhum dos pais. Essas crianças tam-
ou luxação não são diagnosticados no recém-nascido, bém podem ser identificadas por observações que os
sinais tardios fornecem indícios, por exemplo, exten- pais podem ser orientados a fazer (ver TABELA 256.2).
são desigual das pernas ou tensão dos adutores. A tor-
ção interna da tíbia é comum e pode necessitar ava-
liação ortopédica. A adução anormal dos pés usual- TABELA 256.2 – AUDIÇÃO NORMAL NA
mente não é aparente ao nascimento e deve ser pesqui- CRIANÇA MUITO PEQUENA*
sada em cada exame do lactente. É facilmente corrigi- Idade Resposta esperada
da em idade precoce. (Ver também PROBLEMAS CO- 3 meses Assusta-se com som alto próximo, volta-
MUNS DE QUADRIS, JOELHOS E PÉS no Cap. 270.)
se ou acorda quando alguém fala ou
Coração – A auscultação cardíaca deve ser fei- produz um ruído, é acalmada pela
ta para identificar a presença de sopros e os pulsos voz da mãe
femorais devem ser palpados em cada consulta. 6 meses Procura um som interessante, vira quando
Quando os pulsos femorais são diminuídos ou au-
se diz seu nome, produz sons “muu”,
sentes, deve-se suspeitar de coarctação da aorta.
“ma”, “da”, “di” em brincadeiras e
Abdome – A palpação abdominal também deve
“cuus” quando ouve música
ser repetida em cada consulta, uma vez que muitas
massas, particularmente o tumor de Wilms e o neu- 10 meses Produz sons espontaneamente, imita
roblastoma, podem se tornar aparentes somente alguns sons, compreende “não” e
com o crescimento do bebê. “tchau”
Audição (ver também AFERIÇÃO DA AUDIÇÃO 18 meses Compreende muitas palavras isoladas
EM CRIANÇAS, adiante) – Cerca de 1:600 neonatos
ou ordens simples, balbucia em for-
apresenta perda congênita da audição e muitos per- ma de sentença
dem a audição devido a problemas no período neo- * Crianças que não passam por esses padrões mínimos de
natal. A detecção destes problemas na infância de- desempenho ou cujos pais suspeitam de perda auditiva em
pende do entendimento das condições de alto ris- qualquer idade devem ser encaminhadas para exame.

Merck_19A.p65 2073 02/02/01, 14:28


2074 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 256.3 – NÍVEIS DE PRESSÃO SANGÜÍNEA PARA PERCENTIS 90 E 95 DE PS


PARA MENINOS COM 1 A 17 ANOS DE IDADE POR PERCENTIS DE ALTURA
Pressão sangüínea sistólica por Pressão sangüínea diastólica por
Percentil percentil de altura (mmHg)2 percentil de altura (mmHg)2
Idade de pressão
(anos) sangüínea1 5% 10% 25% 50% 75% 90% 95% 5% 10% 25% 50% 75% 90% 95%
1 90 94 95 97 98 100 102 102 50 51 52 53 54 54 55
95 98 99 101 102 104 106 106 55 55 56 57 58 59 59
2 90 98 99 100 102 104 105 106 55 55 56 57 58 59 59
95 101 102 104 106 108 109 110 59 59 60 61 62 63 63
3 90 100 101 103 105 107 108 109 59 59 60 61 62 63 63
95 104 105 107 109 111 112 113 63 63 64 65 66 67 67
4 90 102 103 105 107 109 110 111 62 62 63 64 65 66 66
95 106 107 109 111 113 114 115 66 67 67 68 69 70 71
5 90 104 105 106 108 110 112 112 65 65 66 67 68 69 69
95 108 109 110 112 114 115 116 69 70 70 71 72 73 74
6 90 105 106 108 110 111 113 114 67 68 69 70 70 71 72
95 109 110 112 114 115 117 117 72 72 73 74 75 76 76
7 90 106 107 109 111 113 114 115 69 70 71 72 72 73 74
95 110 111 113 115 116 118 119 74 74 75 76 77 78 78
8 90 107 108 110 112 114 115 116 71 71 72 73 74 75 75
95 111 112 114 116 118 119 120 75 76 76 77 78 79 80
9 90 109 110 112 113 115 117 117 72 73 73 74 75 76 77
95 113 114 116 117 119 121 121 76 77 78 79 80 80 81
10 90 110 112 113 115 117 118 119 73 74 74 75 76 77 78
95 114 115 117 119 121 122 123 77 78 79 80 80 81 82
11 90 112 113 115 117 119 120 121 74 74 75 76 77 78 78
95 116 117 119 121 123 124 125 78 79 79 80 81 82 83
12 90 115 116 117 119 121 123 123 75 75 76 77 78 78 79
95 119 120 121 123 125 126 127 79 79 80 81 82 83 83
13 90 117 118 120 122 124 125 126 75 76 76 77 78 79 80
95 121 122 124 126 128 129 130 79 80 81 82 83 83 84
14 90 120 121 123 125 126 128 128 76 76 77 78 79 80 80
95 124 125 127 128 130 132 132 80 81 81 82 83 84 85
15 90 123 124 125 127 129 131 131 77 77 78 79 80 81 81
95 127 128 129 131 133 134 135 81 82 83 83 84 85 86
16 90 125 126 128 130 132 133 134 79 79 80 81 82 82 83
95 129 130 132 134 136 137 138 83 83 84 85 86 87 87
17 90 128 129 131 133 134 136 136 81 81 82 83 84 85 85
95 132 133 135 136 138 140 140 85 85 86 87 88 89 89
1 O percentil de pressão sangüínea foi determinado por uma única medida.
2 O percentil de altura foi determinado pelas curvas de crescimento padronizadas.
A partir de “Update on the 1987 Task Force Report on High Blood Pressure in Children and Adolescents: A Working Group Report
from the National High Blood Pressure Education Program.” Pediatrics 98:649– 658, 1996. Reproduzido com permissão de Pediatrics.

Infecções de ouvido, acúmulo de líquido seroso Visão – Embora a visão não possa ser testada
em ouvido médio ou infecções respiratórias fre- fácil ou muito satisfatoriamente naqueles com
qüentes podem provocar perda auditiva suficiente < 3 anos de idade, a atenção para os olhos do
em lactentes e crianças para afetar gravemente o bebê e da criança pequena deve começar precoce-
desenvolvimento de habilidades de linguagem (ver mente. O lactente prematuro, com < 32 semanas
também DEFICIÊNCIAS AUDITIVAS EM CRIANÇAS de gestação, deve ser repetidamente examinado a
no Cap. 260). Pode estar indicado encaminhamen- cada consulta para evidência de retinopatia da
to audiológico imediato. prematuridade (ver em RETINOPATIA DA PREMATU-

Merck_19A.p65 2074 02/02/01, 14:28


CAPÍTULO 256 – CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS... / 2075

TABELA 256.4 – NÍVEIS DE PRESSÃO SANGÜÍNEA PARA PERCENTIS 90 E 95 DE PS


PARA MENINAS COM 1 A 17 ANOS DE IDADE POR PERCENTIS DE ALTURA
Pressão sangüínea sistólica por Pressão sangüínea diastólica por
Percentil percentil de altura (mmHg)2 percentil de altura (mmHg)2
Idade de pressão
(anos) sangüínea1 5% 10% 25% 50% 75% 90% 95% 5% 10% 25% 50% 75% 90% 95%
1 90 97 98 99 100 102 103 104 53 53 53 54 55 56 56
95 101 102 103 104 105 107 107 57 57 57 58 59 60 60
2 90 99 99 100 102 103 104 105 57 57 58 58 59 60 61
95 102 103 104 105 107 108 109 61 61 62 62 63 64 65
3 90 100 100 102 103 104 105 106 61 61 61 62 63 63 64
95 104 104 105 107 108 109 110 65 65 65 66 67 67 68
4 90 101 102 103 104 106 107 108 63 63 64 65 65 66 67
95 105 106 107 108 109 111 111 67 67 68 69 69 70 71
5 90 103 103 104 106 107 108 109 65 66 66 67 68 68 69
95 107 107 108 110 111 112 113 69 70 70 71 72 72 73
6 90 104 105 106 107 109 110 111 67 67 68 69 69 70 71
95 108 109 110 111 112 114 114 71 71 72 73 73 74 75
7 90 106 107 108 109 110 112 112 69 69 69 70 71 72 72
95 110 110 112 113 114 115 116 73 73 73 74 75 76 76
8 90 108 109 110 111 112 113 114 70 70 71 71 72 73 74
95 112 112 113 115 116 117 118 74 74 75 75 76 77 78
9 90 110 110 112 113 114 115 116 71 72 72 73 74 74 75
95 114 114 115 117 118 119 120 75 76 76 77 78 78 79
10 90 112 112 114 115 116 117 118 73 73 73 74 75 76 76
95 116 116 117 119 120 121 122 77 77 77 78 79 80 80
11 90 114 114 116 117 118 119 120 74 74 75 75 76 77 77
95 118 118 119 121 122 123 124 78 78 79 79 80 81 81
12 90 116 116 118 119 120 121 122 75 75 76 76 77 78 78
95 120 120 121 123 124 125 126 79 79 80 80 81 82 82
13 90 118 118 119 121 122 123 124 76 76 77 78 78 79 80
95 121 122 123 125 126 127 128 80 80 81 82 82 83 84
14 90 119 120 121 122 124 125 126 77 77 78 79 79 80 81
95 123 124 125 126 128 129 130 81 81 82 83 83 84 85
15 90 121 121 122 124 125 126 127 78 78 79 79 80 81 82
95 124 125 126 128 129 130 131 82 82 83 83 84 85 86
16 90 122 122 123 125 126 127 128 79 79 79 80 81 82 82
95 125 126 127 128 130 131 132 83 83 83 84 85 86 86
17 90 122 123 124 125 126 128 128 79 79 79 80 81 82 82
95 126 126 127 129 130 131 132 83 83 83 84 85 86 86
1 O percentil de pressão sangüínea foi determinado por uma única medida.
2 O percentil de altura foi determinado pelas curvas de crescimento padronizadas.
A partir de “Update on the 1987 Task Force Report on High Blood Pressure in Children and Adolescents: A Working Group Report
from the National High Blood Pressure Education Program.” Pediatrics 98:649–658, 1996. Reproduzido com permissão de Pediatrics.

RIDADE no Cap. 260). Tais lactentes também de- Nas primeiras 2 a 4 semanas de vida, um exame
senvolvem comumente, defeitos de refração en- ocular pelo clínico geral deve notar anormalidades
quanto crescem. Na criança em crescimento, o do globo (tamanho do globo em particular, uma vez
alinhamento dos olhos deve também ser examina- que glaucoma congênito causa alargamento do glo-
do a cada consulta. Esotropia (desvio interno ou bo), cor da íris, tamanho da pupila e assimetria,
estrabismo convergente) é responsável por gran- característica do reflexo vermelho e se os vasos
de parte dos casos de ambliopia na infância. É útil coróides podem ser visualizados por oftalmosco-
um teste de cobertura. pia direta. Pode-se visualizar ou suspeitar de cata-

Merck_19A.p65 2075 02/02/01, 14:28


2076 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

rata quando o reflexo vermelho está ausente ou ser refreada, com a avaliação da postura. A extre-
distorcido. Cataratas não tratadas podem causar midade do ombro e a simetria escapular, a lista do
ambliopia (perda visual) se não detectadas preco- tronco e posição da coluna e a rotação na inclina-
cemente. Com 6 semanas de idade, o lactente deve ção para frente são testes úteis. A análise da uri-
começar a fixar o genitor com seus olhos. na com objetivos de triagem deve ser realizada
Estrabismo (ver Cap. 273) que se manifesta em uma vez nos lactentes, no início e fim da infância
qualquer idade pode causar perda da acuidade vi- e na adolescência.
sual e um oftalmologista deve ser consultado. Ou-
tras condições que comprometem a visão são ptose
e hemangioma palpebral. AFERIÇÃO DA AUDIÇÃO
Aos 3 ou 4 anos de idade, testes visuais pelos EM CRIANÇAS
cartões de Snellen ou aparelhos para teste mais
modernos podem ser usados rotineiramente. Os car- (Ver também AVALIAÇÃO CLÍNICA DA AUDIÇÃO no
tões E são melhores que figuras. Acuidade visual Cap. 82 e DEFICIÊNCIAS AUDITIVAS EM CRIAN-
< 20/30 deve ser avaliada por um oftalmologista. ÇAS no Cap. 260.)
Sangue – Ht ou Hb devem ser determinados na A identificação e correção precoces da perda
idade de 8 a 9 meses para lactentes a termo e aos 5 auditiva são essenciais para o desenvolvimento
a 6 meses para prematuros. O exame para Hb S normal das habilidades de comunicação. Se a his-
pode ser realizado na idade de 6 a 9 meses (o diag- tória identificar fatores de risco, a audiometria deve
nóstico de doença falciforme é discutido no Cap. ser feita aos 3 meses de idade. Uma perda auditiva
127). intensa deve ser suspeitada pelos pais se seu bebê
Exame de sangue periódico para exposição ao não parece responder à voz ou sons domésticos. As
chumbo deve começar na idade de 1 ano em todas observações dos pais são muito importantes e ques-
as crianças e repetidos anualmente a partir de en- tões por eles levantadas sobre a audição de uma
tão. Os que vivem em casas padrão ou antigas de- criança devem ser investigadas. Fatores de risco e
vem ser testados com maior freqüência. O “Centers testes simples de audição são discutidos em TRIA-
for Disease Control and Prevention” determinou GEM, anteriormente. Se forem identificados fato-
que níveis de chumbo no sangue > 10µg/dL res de risco na história, deve ser realizada audio-
(> 0,48µmol/L) constituem risco de lesão neurobio- metria por volta dos 3 meses de idade.
lógica (ver também INTOXICAÇÃO POR CHUMBO no Técnicas audiométricas especiais, usualmente
Cap. 263). feitas por um audiologista, podem avaliar a habili-
Pressão arterial – Depois dos 3 anos, a PA deve dade auditiva desde o nascimento. Estes testes usam
ser rotineiramente aferida em cada consulta de roti- respostas reflexas, comportamentais e fisiológicas
na; deve ser medida com um “cuff” de tamanho apro- a estímulos auditivos de intensidade controlada.
priado, dependendo do tamanho do braço. A largura No lactente, do nascimento aos 6 meses de
da parte inflável de borracha do “cuff” de PA deve ter idade, a bateria de testes audiométricos inclui tes-
aproximadamente 40% da circunferência do braço, tes eletrofisiológicos e comportamentais. Os testes
medida em um ponto médio entre o olécrano e o eletrofisiológicos (incluindo resposta auditiva do
acrômio e seu comprimento deve cobrir 80 a 100% tronco cerebral e teste de emissões otoacústicas)
da circunferência do braço. fornece uma estimativa confiável da audição em
As TABELAS 256.3 e 256.4 mostram níveis de recém-nascidos a partir de 1 a 2 dias de vida. Quan-
PA para percentis de 90 e 95 para meninos e me- do houver suspeita de perda auditiva sensorineu-
ninas, respectivamente, com idades de 1 a 17 anos ral, os testes comportamentais devem ser feitos para
por percentis de altura. As PA sistólica e diastólica fornecer as informações necessárias para a escolha
são consideradas normais se estiverem abaixo do dos aparelhos auditivos. As técnicas audiométricas
percentil 90. As medidas de PA sistólica e diastóli- comportamentais dependem da idade da criança.
ca entre os percentis 90 e 95 devem merecer ob- Na criança, dos 6 meses a 2 anos de idade,
servação contínua e avaliação de fatores de risco respostas localizadas a sons e fala são avaliadas.
para hipertensão. Se estiverem constantemente no No teste audiométrico de resposta a orientação con-
percentil 95 ou mais, devem ser considerados hiper- dicionada, algumas vezes chamado audiometria de
tensos e deve ser determinada uma causa. resposta visual, um brinquedo iluminado é monta-
Outros testes de triagem – O teste de tubercu- do em um alto-falante e iluminado seguindo a apre-
lina deve ser realizado quando se suspeita de con- sentação de um teste de sons. Depois de um breve
tato. Todas as crianças das Américas do Sul e Cen- período de condicionamento, a criança localizará
tral, mexicanos, asiáticos ou de ilhas do Pacífico o som, se audível, antes da iluminação do brinque-
devem ser testados. A escoliose pode rapidamente do. Um limiar gravado desta maneira é chamado

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CAPÍTULO 256 – CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS... / 2077

nível mínimo de resposta, uma vez que os limiares A altura da criança em relação a seus pares tende a
verdadeiros podem ser levemente menores que os se manter a mesma. Uma exceção pode ocorrer duran-
níveis necessários para desencadear estas respos- te o primeiro ano de vida, quando uma criança cresce
tas comportamentais. mais rápido ou mais devagar que seus colegas antes de
Na criança ≥ 1 ano de idade, o limiar de res- estabelecer seu próprio padrão, que é de origem gené-
posta da voz (LRV) é determinado fazendo a crian- tica primariamente. Esta variação precoce do cresci-
ça apontar para partes do corpo ou identificar obje- mento pode ser devido a fatores maternos (por exem-
tos comuns em resposta à voz de intensidade con- plo, devido ao tamanho uterino). Meninos e meninas
trolada. Embora esta técnica vá quantificar o nível têm pequenas diferenças nos tamanhos e nas taxas de
auditivo da criança para a voz, ela pode falhar para crescimento durante a lactação e a infância.
identificar uma perda condutiva de baixa freqüên- Altura/comprimento – O crescimento linear
cia ou uma perda sensorineural de alta freqüência, é medido em comprimento (com a criança deita-
que não afeta as freqüências da voz. Quando LRV da) para < 2 anos de idade, e como altura (com
diminuídos são notados para a condução de ar, a a criança em pé) depois disto. Tipicamente, o
comparação com os LRV da condução óssea po- lactente aumenta seu comprimento aproximada-
dem determinar se a perda é de natureza condutiva mente 30% por volta dos 5 meses e > 50% por
ou sensorineural. volta de 1 ano; subseqüentemente, a altura dobra
Na criança > 3 anos, é usada audiometria de à idade de 5 anos. A velocidade de crescimento
jogo. Esta técnica envolve o condicionamento da em estatura continua a diminuir até a chegada da
criança para desempenhar uma tarefa (colocar puberdade. Se a puberdade estiver atrasada, o
um bloco em uma caixa, etc.) em reposta a um crescimento em altura pode virtualmente cessar.
som. A audiometria de jogo é usada até a idade (Ver também FIGS. 256.3 e 256.4.)
de 4 ou 5 anos, quando a criança pode responder As extremidades crescem mais rapidamente do
levantando sua mão. que o tronco, levando a uma alteração gradual das
A timpanometria e a medida do reflexo acústico proporções relativas. A relação cabeça/púbis:púbis/
podem ser usadas com crianças de qualquer idade calcanhar é 1,7 ao nascimento, 1,5 com 1 ano, 1,2
e são úteis para determinar as anormalidades de aos 5 anos e 1 aos 10 anos.
função do ouvido médio. Os timpanogramas anor- Peso – O crescimento em peso segue uma curva
mais freqüentemente significam disfunção da tuba similar àquela da altura. O peso do lactente ao
de Eustáquio e/ou a presença de fluido no ouvido nascer dobra aos 5 meses de idade, triplica com
médio, que não pode ser visualizado pelo exame 1 ano e quase quadruplica aos 2 anos. Entre os 2
otoscópico. e 5 anos de idade os aumentos anuais são posi-
tivamente similares. Subseqüentemente, os au-
mentos anuais crescem vagarosamente até o co-
CRESCIMENTO E meço da puberdade.
Sistemas orgânicos – Os sistemas linfóide, re-
DESENVOLVIMENTO produtivo e o sistema nervoso central não acompa-
FÍSICOS nham o padrão geral de crescimento da altura e
peso. O sistema linfóide cresce regular, constante
É um processo normal de aumento de tamanho; e rapidamente durante toda a infância, estando
desenvolvimento físico é um processo normal de no máximo imediatamente antes da puberdade.
crescimento e diferenciação (alteração progres- A massa de tecido linfóide subseqüentemente di-
siva em função e morfologia). minui, de forma que um adulto apresenta aproxi-
Crescimento e desenvolvimento físico são pro- madamente 50% da massa de um pré-adolescente.
cessos multifacetados envolvendo fatores genéti- O sistema reprodutor, exceto por um breve período
cos, nutricionais e ambientais (físicos e psicológi- no período pós-natal imediato, mostra um peque-
cos). Distúrbios em qualquer destes podem alterar no crescimento até a infância tardia e puberdade.
o crescimento. Um bom crescimento requer uma O crescimento do sistema nervoso central (SNC)
saúde perfeita. ocorre quase exclusivamente durante os primeiros
O crescimento, do nascimento à adolescên- anos de vida. Ao nascimento, o cérebro tem 25%
cia, ocorre em 2 padrões distintos. O primeiro do tamanho do adulto. Ao primeiro aniversário da
(do nascimento até cerca de 2 anos de idade) é criança, o cérebro completou metade de seu cres-
um crescimento rápido, mas com desaceleração. cimento pós-natal e tem 75% do tamanho do adul-
O segundo (de cerca de 2 anos até o começo da to. Gradualmente diminuindo na taxa de crescimen-
puberdade) mostra incrementos anuais mais con- to, ele atinge 80% do tamanho do adulto à idade de
sistentes e constantes. 3 anos e 90% à idade de 7 anos.

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2078 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

160
150
140
130
120
110
100
Altura (cm)

90
80
70
60 = Meninos
= Meninas
50
40
30
20
10

Nascimento 1 2 3 4 5
6 7 8 9 10 11 12 13 14
Idade (anos)
FIGURA 256.3 – Altura e idade equivalentes em meninos e meninas.

40

35

30 = Meninos
= Meninas
Altura (cm)

25

20

15

10

Nascimento 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18
Idade (anos)
FIGURA 256.4 – Velocidade de crescimento linear (altura) em meninos e meninas em cm/ano.

O desenvolvimento funcional dos órgãos, in- imunes (ver anteriormente, Estado Imunológico
dependente do seu tamanho, ocorre primariamente do Feto e Recém-nascido) e SNC. Ao nascimen-
durante o período de crescimento inicial, com a to, a função renal em geral é reduzida. Logo
óbvia exceção do sistema reprodutor. As mudan- depois, entretanto, as capacidades de concentra-
ças mais notáveis ocorrem nas funções renais, ção e acidificação estão funcionalmente simila-

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CAPÍTULO 256 – CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS... / 2079

res àquelas dos adultos. Com 1 ano de idade, TABELA 256.5 – ÉPOCA DA ERUPÇÃO
taxa de filtração glomerular (TFG), “clearance” DOS DENTES
de uréia e “clearances” tubulares máximos atin- Idade da erupção1
giram os níveis do adulto. As alterações funcio- Dentes Nº (em meses)
nais do SNC ocorrem ampla e mais rapidamente
durante os primeiros 4 ou 5 anos de vida e são Decíduos2 (total de 20)
mais bem demonstradas no desenvolvimento Incisivos centrais 2 5–9
psicomotor e intelectual da criança. inferiores
Composição corpórea – As alterações mais no- Incisivos centrais 2 8 – 12
táveis antes da puberdade são as quantidades de superiores
gordura e água corpóreas. Incisivos laterais 2 10 – 12
Ao nascimento, a gordura corpórea é cerca de superiores
12% do peso corpóreo. Sua proporção aumenta Incisivos laterais 2 12 – 15
rapidamente para 25% aos 6 meses e então, um inferiores
Primeiros molares3 4 10 – 16
tanto mais vagarosamente, para 30% com 1 ano,
Caninos 4 16 – 20
contribuindo para a aparência gorda do lactente Segundos molares3 4 20 – 30
de 1 ano de idade. Subseqüentemente, há uma Permanentes (total de 32)
redução vagarosa até a idade de 5 a 6 anos, quan- Primeiros molares3 4 5–7
do a gordura corpórea se aproxima daquela do Incisivos 8 6–8
período neonatal. Há novamente um aumento Bicúspides 8 9 – 12
vagaroso até o começo da puberdade. O aumen- Caninos 4 10 – 13
to continua nas meninas após esta época, en- Segundos molares3 4 11 – 13
quanto nos meninos existe uma tendência a uma Terceiros molares3 4 17 – 25
discreta redução na gordura corpórea. 1 Varia muito.
A água corpórea medida como uma porcenta- 2 A criança média deve ter 6 dentes à idade de 1 ano, 12
gem do peso corpóreo é de 75% ao nascimento,
dentes com 1 ano e meio, 16 dentes com 2 anos, 20 dentes com
caindo para 60% com 1 ano (aproximadamente 2 anos e meio.
igual à porcentagem do adulto). Esta mudança é 3 Molares são numerados da frente para o fundo da boca.
fundamentalmente devido a uma diminuição no
fluido extracelular (FEC), de 45 para 28% do
peso corpóreo. O fluido intracelular (FIC) fica DESENVOLVIMENTO
relativamente constante. Após a idade de 1 ano,
há uma queda vagarosa e um tanto variável no PSICOMOTOR E
fluido extracelular e um aumento no fluido in-
tracelular para níveis de adulto, de aproximada-
INTELECTUAL
mente 16 e 47%, respectivamente. A quantidade É o desenvolvimento psicomotor que diz respeito à
relativamente grande de água corpórea, sua alta maturação de elementos psicológicos, muscu-
taxa de renovação e as perdas de superfície com- lares que constituem o comportamento; desen-
parativamente altas (devido a uma grande área volvimento intelectual diz respeito à maturação
de superfície proporcional) fazem o lactente mais da memória, raciocínio e processamento de pen-
suscetível à privação líquida que as crianças mais samentos.
velhas e adultos. O desenvolvimento psicomotor e intelectual é um
Dentes decíduos – A época de erupção dos processo contínuo, que depende primariamente da
dentes (ver TABELA 256.5) é mais variável que maturação do SNC, ocorrendo na mesma seqüência
outros parâmetros de desenvolvimento, prima- em todas as crianças. A taxa de desenvolvimento,
riamente por causa de fatores genéticos. In- entretanto, varia de criança a criança; até mesmo em
freqüentemente, a erupção dentária pode ser sig- uma criança específica, as pausas temporárias po-
nificativamente retardada por causa de hipoti- dem ocorrer em uma ou mais esferas (por exemplo,
reoidismo. A erupção dos dentes decíduos é a fala). O desenvolvimento procede da cabeça para
similar em ambos os sexos; os dentes perma- baixo (o desenvolvimento funcional da cabeça e das
nentes tendem a aparecer mais cedo em meni- mãos precede o das pernas e pés) e da resposta glo-
nas. Os dentes decíduos geralmente são meno- bal ou generalizada para a específica (isto é, a fun-
res que seus correspondentes permanentes. A ção motora geral se desenvolve antes da função
presença de dentes supranumerários ou sua au- motora mais específica). O desenvolvimento pode
sência congênita não é comum. ser um pouco retardado pela falta de prática sufi-

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2080 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 256.6 – MARCOS DO ciente (por exemplo, em criança cuja atividade seja
DESENVOLVIMENTO limitada por doença prolongada) mas, por outro lado,
Idade Comportamento pode ser significativamente acelerado pela aplica-
ção de maior estimulação.
Nascimento Dorme a maior parte do tempo, con- O desenvolvimento psicomotor e intelectual é
segue se alimentar, limpar suas vias afetado pela inteligência inata (em geral, quanto
aéreas e responder com choro a maior a inteligência, mais rápido o desenvolvimen-
desconfortos e invasões to); padrões familiares (por exemplo, andar tardia-
6 semanas Olha objetos na linha de visão, mente, falar e controle vesical, todos comumente
começa a sorrir quando se fala ocorrendo em determinada família); fatores am-
com ela, deita-se sobre o abdo- bientais (por exemplo, a falta de estimulação apro-
me sem levantar, a cabeça pen- priada pode impedir o desenvolvimento normal) e
de quando colocada em posi- fatores físicos (por exemplo, hipotonia ou surdez
ção sentada podem alterar o desenvolvimento normal).
3 meses Sorri espontaneamente, vocaliza e segue Os principais marcos do desenvolvimento do nasci-
objeto em movimento com os olhos. mento até os 5 anos estão resumidos na TABELA 256.6.
Sustenta a cabeça ereta quando
sentada e segura objetos coloca-
dos em sua mão IMUNIZAÇÕES NA
6 meses Senta com apoio e rola, sustenta-se
sozinha em posição sentada, trans-
INFÂNCIA
fere um objeto de uma mão para IMUNIZAÇÃO ATIVA
outra e balbucia para brinquedos
9 meses Senta-se bem, engatinha e senta- O esquema recomendado para a imunização ativa
se sozinha; diz “mama” e “dada”; de rotina dos lactentes e crianças sadias nos EUA é
brinca de bater palmas e fazer mostrado na FIGURA 256.5. As necessidades de imu-
tchau com a mão e segura sua nização podem diferir em outras partes do mundo.
mamadeira Os pais devem dar seu consentimento por escrito para
1 ano Anda com apoio, fala várias pala- que suas crianças sejam vacinadas e devem ser infor-
vras e ajuda quando está sendo mados sobre os antígenos que serão administrados,
vestida as razões para que esses antígenos sejam usados e as
18 meses Anda bem, consegue subir escadas reações associadas que podem ocorrer. Eles devem
com apoio, vira várias páginas de ser orientados a relatar ao médico qualquer reação
um livro por vez, fala aproximada- grave ou pouco usual, que por sua vez, deve ser com-
mente 10 palavras, puxa brinque- pletamente avaliada e notificada pelo menos para o
dos por um cordão e consegue co- “Centers for Disease Control and Prevention’s Vaccine
mer um pouco sozinha Adverse Event Reporting System” (VAERS) e para o
2 anos Corre bem, sobe e desce escadas sozi- fabricante. Os pais devem manter um histórico escri-
nha, vira páginas de livro, uma de
to das imunizações de cada criança.
cada vez, veste roupas simples, faz
As imunizações para adultos são discutidas no
sentenças de 2 ou 3 palavras e verbaliza
Capítulo 152. Recomendações de imunização para
necessidades de toalete
pneumonia pneumocócica, doença meningocócica,
3 anos Anda de triciclo, veste-se bem, exce-
TB, influenza, raiva, hepatite A e outras infecções
to botões e laços, conta até 10 e usa
são discutidas nas doenças específicas, em outro
plurais, pergunta constantemente
local deste MANUAL.
Nos EUA, o “National Childhood Vaccine Injury
e se alimenta sozinha
Act” requer que profissionais de saúde notifiquem
4 anos Alterna os pés ao subir e descer esca-
das, atira uma bola com as mãos,
pula em um pé só, copia uma cruz, FIGURA 256.5 – (Ver página oposta.)1 Esquema
conhece pelo menos uma cor, lava recomendado para imunização infantil – EUA,
as mãos e o rosto e cuida de suas janeiro de dezembro de 1998. A partir de
necessidades de toalete American Academy of Pediatrics, Committee on
5 anos Pula, pega uma bola, copia um triân- Infectious Diseases: “Recommended Childhood
gulo, conhece quatro cores e se Immunization Schedule – United States, January-
veste e despe sem ajuda December, 1998”. Pediatrics 101:155–156, 1998.

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CAPÍTULO 256 – CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS... / 2081

Idade
1 2 4 6 12 15 18 4a6 11 a 12 14 a 16
Vacina Nascimento mês meses meses meses meses meses meses anos anos anos
Hepatite B2, 3 Hep B-1
Hep B-2 Hep B-3 Hep B3
Toxóides diftérico
e tetânico e DtaP DtaP DtaP DTaP ou DTP4 DtaP dT
coqueluche4 ou DTP ou DTP ou DTP ou DTP
Haemophilus
influenzae Hib Hib Hib Hib
Tipo b5
Poliovírus6 Pólio Pólio Pólio6 Pólio
Sarampo-caxumba- MMR MMR MMR7
rubéola7
Vírus da varicela8 Var Var8

Intervalo de idades aceitável para vacinação Vacinas a serem avaliadas e administradas se necessário
1 Este esquema indica a idade recomendada para administração de rotina das vacinas da infância atualmente licenciadas; as vacinas apresentadas em
outras idades para as quais são rotineiramente recomendadas. A imunização de resgate deve ser realizada em qualquer consulta quando possível.
Existem algumas vacinas associadas e podem ser usadas sempre que a administração de todos os componentes da vacina esteja indicada. Os
provedores devem consultar os encartes nas embalagens do fabricante para recomendações detalhadas.
2 Lactentes cujas mães são soronegativas para o antígeno superf icial da hepatite B ((AgsHB
superficial AgsHB
AgsHB)) devem receber 2,5µg de vacina Merck (Recombivax HB®) ou
10µg da vacina SmithKline Beecham (SB) (Engerix®). A segunda dose deve ser administrada pelo menos 1 mês depois da primeira dose. A terceira dose
deve ser administrada pelo menos 2 meses depois da segunda, mas nunca antes de 6 meses de idade.
Lactentes cujas mães são soropositivas para AgsHB devem receber 0,5mL de imunoglobulina para hepatite B (IgHB) com 12h de nascidos e
5µg de vacina Merck (Recombivax HB®) ou 10µg de vacina SB (Engerix-B®) em sítio separado. A segunda dose é recomendada na idade de
1 a 2 meses e a terceira com 6 meses. Lactentes cujas mães não sabem seu estado de AgsHB devem receber 5µg de vacina Merck (Recombivax
HB®) ou 10µg de vacina SB (Engerix-B®) até 12h depois do nascimento. A segunda dose da vacina é recomendada na idade de 1 mês e a
terceira dose com 6 meses. Deve ser coletado sangue por ocasião do parto para determinar a situação da mãe em relação a AgsHB; se positivo,
o lactente deve receber IgHB o mais brevemente possível (nunca depois de 1 semana). A dose e datas de doses subseqüentes de vacinas devem
ser baseadas na sorologia da mãe.
3 Crianças e adolescentes que não tenham sido vacinados contra hepatite B quando lactentes podem iniciar a série durante qualquer consulta.
Os que não tenham recebido previamente três doses de vacina contra hepatite B devem iniciar ou completar a série durante a consulta de
rotina a um profissional de saúde com 11 a 12 anos e adolescentes mais velhos não vacinados devem ser vacinados sempre que possível.
A segunda dose deve ser administrada pelo menos 1 mês depois da primeira dose e a terceira deve ser administrada pelo menos 4 meses
depois da primeira dose e pelo menos 2 meses depois da segunda.
4 Toxóides diftérico e tetânico e vacina acelular contra coqueluche (DTaP) é a vacina preferida para todas as doses na série de vacinação, incluindo
complementação da série em crianças que tenham recebido uma ou mais doses da vacina com toxóides diftérico e tetânico, e contra coqueluche
de célula íntegra (DTP). A vacina DTP é uma alternativa aceitável para DTaP). A quarta dose (DTP ou DTaP) pode ser administrada a partir dos
12 meses de idade, desde que tenham se passado 6 meses desde a terceira dose e se a criança tiver pouca probabilidade de retornar com 15
a 18 meses. Toxóides diftérico e tetânico, adsorvidos para uso adulto (dT), são recomendados na idade de 11 a 12 anos, caso tenha havido um
intervalo de pelo menos 5 anos desde a última dose de DTP, DTaP ou toxóides diftérico e tetânico adsorvidos para uso pediátrico (DT). Os
reforços de rotina subsequentes com dT são recomendados a cada 10 anos.
5 Existem três vacinas conjugadas contra H. influenzae Tipo b (Hb) licenciadas para uso infantil. Se a vacina conjugada contra Haemophilus
b (conjugado com proteína meningocócica) (PRP-OMP) (PedvaxHIB® [Merck]) for administrada nas idades de 2 e 4 meses, não é necessária
a dose dos 6 meses.
6 Existem duas vacinas contra poliovírus atualmente licenciadas e distribuídas nos EUA: vacina inativada contra poliovírus (IPV) e vacina oral
contra poliovírus (OPV). Os seguintes esquemas são aceitáveis de acordo com ACIP, AAP e AAP. Pais e responsáveis podem escolher entre
essas opções: 1. duas doses de IPV seguidas por duas doses de OPV; 2. quatro doses de IPV; ou 3. quatro doses de OPV. A ACIP recomenda
duas doses de IPV com 2 e 4 meses seguidas por uma dose de OPV com 12 a 18 meses e com 4 a 6 anos. A IPV é a única vacina contra poliovírus
recomendada para pessoas imunocomprometidas e seus comunicantes domiciliares.
7 A segunda dose de vacina contra sarampo-caxumba-rubéola (MMR) é recomendada rotineiramente com 4 a 6 anos de idade, mas pode ser
administrada em qualquer consulta desde que pelo menos 1 mês depois da administração da primeira dose e as duas sejam administradas
a partir ou depois dos 12 meses de idade. Os que não tenham recebido anteriormente a segunda dose devem completar o esquema sempre
antes da última consulta de rotina ao profissional de saúde, com 11 a 12 anos de idade.
8 Crianças suscetíveis podem receber vacina contra varicela (Var) em qualquer consulta depois do primeiro aniversário e as que não apresentem
história confiável de varicela devem ser vacinadas durante consulta de rotina a um profissional de saúde com 11 a 12 anos. Crianças suscetíveis
com 13 anos de idade ou mais devem receber duas doses, com intervalo de pelo menos 1 mês.
Aprovado pelo Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP), American Academy of Pediatrics (AAP) e American Academy of
Family Physicians (AAFP).
FIGURA 256.5 – Ver legenda na página oposta.

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2082 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

eventos selecionados que ocorrem após imunização hepatite B, usando sítios e seringas separados para
de rotina (por exemplo, eventos descritos nos encartes as diferentes vacinas.
das embalagens como contra-indicações para rece- Embora possam diferir em seus componentes e
ber doses adicionais de vacina e eventos associados a formulação e possam despertar diferentes efeitos
vacina que sejam passíveis de indenização) ao “U.S. adversos e respostas imunes, vacinas comparáveis
Department of Health and Human Services”. Formu- feitas por fabricantes diferentes podem ser consi-
lários e instruções foram desenvolvidos pelo VAERS deradas intercambiáveis quando administradas de
e podem ser obtidos pelo telefone 800-822-7967. acordo com suas indicações licenciadas. A corres-
A imunização de rotina de lactentes normais pondência entre DTwP e DTaP, diferentes vacinas
habitualmente é iniciada entre o nascimento e 2 conjugadas Hib e diferentes vacinas contra hepatite
semanas de vida, com a vacina contra hepatite B. B foi pouco estudada. No entanto, doses seqüenciais
Com 6 a 8 semanas, são administradas as vacinas dessas vacinas de diferentes fabricantes provavel-
seguintes, geralmente incluindo toxóides diftérico mente promovem respostas de anticorpos proteto-
e tetânico combinados com vacina contra coquelu- res depois de uma série completa.
che de células integrais (DTwP) ou vacina acelular
contra coqueluche (DTaP), vacina inativada contra Imunizações específicas
poliovírus (IPV), vacina oral contra poliovírus
(OPV) trivalente e vacina conjugada contra Haemo- Difteria-tétano-coqueluche – As vacinas contra
philus influenzae Tipo b (Hib). a difteria (D) e o tétano (T) são toxóides preparados a
Os antígenos de depósito devem ser injetados pro- partir de Corynebacterium diphtheriae e Clostridium
fundamente no músculo, de preferência na região tetani, respectivamente. A vacina contra a coquelu-
mesolateral da coxa (em lactentes e crianças de 1 a 3 che de células integrais é composta de fragmentos da
anos) ou no músculo deltóide (escolares e adultos). parede celular bacteriana de Bordetella pertussis, tra-
As informações do fabricante inseridas na embala- tada com formaldeído e combinada com D e T
gem da vacina devem ser consultadas para se verifi- (DTwP). As vacinas contra a coqueluche acelulares
car as recomendações sobre a posologia. Um atraso consistem de componentes semipurificados ou puri-
entre doses não interfere na imunidade obtida, nem ficados da bactéria da coqueluche (por exemplo, to-
necessita que se reinicie uma série de imunização, xina da coqueluche, hemaglutinina filamentar, fím-
independente do tempo decorrido. Uma doença agu- brias e pertactina, uma proteína 69-kd) combinadas
da febril (febre > 39oC [102,2oF]) pode obrigar a um com D e T (DTaP) são licenciadas nos EUA para uso
retardo na imunização até uma consulta subseqüente na série primária de vacinação aos 2, 4 e 6 meses de
ou até que a infecção seja controlada. Uma infecção idade e como vacinas de reforço (quarta e quinta do-
leve, como um resfriado comum (mesmo se associa- ses) aos 15 e 20 meses e com 4 a 6 anos.
da com febre baixa), não é uma contra-indicação para Todas as crianças devem receber a imunização ati-
imunização. Algumas vacinas são produzidas em sis- va com a DTwP ou DTaP, a partir de 6 a 8 semanas de
temas de cultura de células e podem conter quantida- idade, a menos que uma contra-indicação específica
des ínfimas de células ou nutrientes usados na cultura impeça a administração da vacina (por exemplo, doen-
celular, como o antígeno do ovo. Entretanto, não se ças significativas ou hipersensibilidade a um compo-
relataram efeitos adversos decorrentes da adminis- nente da vacina). A vacina DTaP é preferida, porque
tração dessas vacinas em indivíduos capazes de inge- provoca menos febre e reações locais.
rir produtos contendo o antígeno estranho (por exem- Os eventos adversos após a imunização, que
plo, em pessoas com hipersensibilidade a ovo, a ca- habitualmente contra-indicam a administração pos-
pacidade de comer pães ou biscoitos indica a capaci- terior da vacina contra a coqueluche incluem: en-
dade de receber a vacina com segurança). cefalopatia dentro de 7 dias; convulsão, com ou
A administração simultânea de subunidades ou sem febre, dentro de 3 dias; choro ou gritos persis-
antígenos inativados de vacinas e de várias vacinas tentes, intensos, inconsoláveis durante ≥ 3h; colapso
de vírus vivos oferece vantagens óbvias, particu- ou estado semelhante ao choque em 48h; tempera-
larmente se a criança tiver dificuldade de acesso à tura ≥ 40,5°C (≥ 104,9°F), não explicável por ou-
vacinação posterior. As vacinas combinadas licen- tra causa, dentro de 48h; e reação imediata grave
ciadas incluem DTwP, DTaP, vacina conjugada ou anafilática à vacina. Com exceção da ence-
DTwP-Hib, vacina conjugada DTaP-Hib, vacina falopatia, para a qual a incidência comparativa é
conjugada hepatite B-Hib, IPV trivalente, OPV ignorada, todas essas reações parecem ocorrer com
trivalente e sarampo-caxumba-rubéola. As vacinas menor freqüência com DTaP do que com DTwP.
combinadas podem ser administradas simultanea- A série inicial de 3 doses de DTwP ou DTaP é
mente, como vacina conjugada DTwP-Hib ou seguida por um reforço aos 15 a 20 meses de idade
DTaP-Hib com IPV ou OPV e com vacina contra e outro com 4 a 6 anos. Reforços rotineiros e sub-

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CAPÍTULO 256 – CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS... / 2083

seqüentes da vacina contra o tétano (indicados para Sarampo (rubéola – ver também SARAMPO em
todas as crianças e adultos) a cada 10 anos devem INFECÇÕES VIRAIS no Cap. 265) – A vacina contra
manter a proteção; o uso do toxóide tetânico e sarampo é uma cepa viva e atenuada do vírus do sa-
diftérico do tipo adulto adsorvido (dT) é preferido rampo. A produção de anticorpos é induzida em 95%
nesta situação e há estudos em andamento para das crianças vacinadas dos 12 aos 15 meses de idade;
avaliar o uso de DTaP em adolescentes e adultos. os títulos de anticorpos conferem proteção, que é pro-
Reforços dT mais freqüentes não são indicados, vavelmente vitalícia. Como a replicação do vírus
pois podem ocorrer reações adversas ao toxóide. vacinal pode ser inibida pelo anticorpo materno
Em qualquer intervalo após a imunização básica, a preexistente, a imunização em lactentes deve ser pre-
imunidade pode ser restabelecida com uma única ferivelmente retardada até que os anticorpos mater-
dose de reforço; entretanto, após um intervalo > 10 nos adquiridos passivamente desapareçam. Existem
anos a partir da última injeção do toxóide tetânico, controvérsias sobre quando o anticorpo materno di-
a taxa de elevação de anticorpos à resposta ao minui o suficiente para que a vacina seja eficaz. As re-
reforço pode ser um pouco mais lenta. comendações atuais são de 2 doses de vacina, uma
Vacinas conjugadas contra Haemophilus in- com 12 a 15 meses de idade e outra com 4 a 6 anos,
fluenzae Tipo b – Vacinas preparadas a partir da cáp- para reforçar a imunidade ou induzir a imunidade nos
sula purificada de Haemophilus influenzae do Tipo b que não responderam inicialmente. Entretanto, em
(Hib) – polirribosilribitol fosfato (PRP), conjugado a epidemias, as crianças com idade ≥ 6 meses devem
carreadores proteicos – são eficazes na prevenção de ser vacinadas e depois revacinadas após os 15 meses.
doença por Hib em crianças. Todos usam PRP como A vacina contra o sarampo produz uma infec-
polissacarídeo, mas existem quatro carreadores de pro- ção leve e não transmissível em 15% dos recepto-
teína para produzir quatro diferentes vacinas conjuga- res. A sintomatologia ocorre 7 a 11 dias após a
das Hib: toxóide diftérico (PRP-D), membrana protei- imunização e pode incluir febre, mal-estar e uma
ca externa de Neisseria meningitidis (PRP-OMP), erupção cutânea semelhante à do sarampo.
toxóide tetânico (PRP-T) e um carreador proteico de A panencefalite esclerosante subaguda (PEES) é
um mutante do bacilo diftérico CRM197 (HbOC). uma infecção viral lenta do SNC associada a varian-
O esquema de administração na imunização primária tes selvagens do vírus do sarampo (ver também
dos lactentes varia com o produto: a PRP-OMP é ad- PANENCEFALITE ESCLEROSANTE SUBAGUDA em
ministrada em 2 doses básicas com 2 e 4 meses de ida- INFECÇÕES VIRAIS no Cap. 265). Cerca de 6 a 22
de, com um reforço aos 12 meses; a HbOC e a PRP-T casos de PEES ocorrem por 1.000.000 de casos de
são administradas em 3 doses básicas com 2, 4 e 6 infecção natural pelo vírus do sarampo. Foi notifi-
meses e depois um reforço aos 15 meses; a PRP-D não cada PEES em crianças sem história de sarampo na-
é recomendada para crianças < 15 meses de idade. tural, mas com história de vacinação com vacina de
Poliomielite (ver também POLIOMIELITE em IN- vírus vivo atenuado do sarampo. Embora não se sai-
FECÇÕES VIRAIS no Cap. 265) – Uma série básica de ba se a vacinação contra o sarampo está associada
3 doses adequadamente com intervalo de, no míni- ao desenvolvimento de PEES, fato é que a PEES
mo, 4 semanas da vacina oral contra poliomielite praticamente desapareceu na era pós-vacinal.
(OPV) trivalente, que é composta pela mistura de Rubéola (ver também RUBÉOLA CONGÊNITA em
poliovírus atenuados dos Tipos 1, 2 e 3, produz imu- INFECÇÕES NEONATAIS no Cap. 260 e RUBÉOLA sob
nidade em cerca de 95% dos vacinados. A infecção o título INFECÇÕES VIRAIS no Cap. 265) – Esta vaci-
do trato GI pela OPV é um pré-requisito para o esta- na de vírus vivos atenuados produz anticorpos em 95%
belecimento da imunidade. Como uma infecção sub- dos receptores e a imunidade é provavelmente para
clínica por um enterovírus selvagem pode interferir toda a vida. As recomendações atuais para a imuniza-
neste processo, são recomendadas várias doses da ção de rotina são para administrar a vacina contra a
vacina contra a poliomielite intercaladas por interva- rubéola em associação àquelas contra o sarampo e a
los espaçados. O único efeito adverso conhecido da caxumba. O efeito adverso mais comum é a dor arti-
OPV trivalente é o desenvolvimento muito infreqüente cular, habitualmente nas pequenas articulações peri-
de paralisia induzida pela vacina, que ocorre em féricas, que ocorre 2 a 8 semanas após a imunização
0,06:1.000.000 doses. Por causa deste risco, um es- em cerca < 1% dos lactentes. Às vezes, ocorre uma
quema combinado de vacina inativada contra pólio erupção cutânea, linfadenopatia, ou ambos. A vacina
inativada (IPV) seguida por OPV é agora recomen- de vírus vivos contra a rubéola não deve ser adminis-
dado nos EUA, embora 4 doses de OPV continue trada a gestantes devido ao risco teórico para o feto
sendo uma opção. O uso de IPV isolada é recomen- em desenvolvimento. Entretanto, a administração
dada para pacientes imunocomprometidos, inclusive inadvertida durante a gestação não implica necessa-
lactentes infectados por HIV, e é uma opção também riamente um aborto terapêutico, pois os estudos indi-
para crianças imunocompetentes. cam que o risco real do feto pode ser nulo.

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2084 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Caxumba (ver também CAXUMBA em INFEC- ção, pode se desenvolver uma erupção maculo-
ÇÕES VIRAIS no Cap. 265) – A vacina de vírus vi- papular ou tipo varicela leve associada à vacina em
vos contra a caxumba produz anticorpos proteto- aproximadamente 7% das crianças e em 8% dos
res em 95% daqueles vacinados; a imunidade é pro- adolescentes suscetíveis. Dor, sensibilidade ou eri-
vavelmente para toda a vida. Raramente, têm sido tema transitórios no sítio da injeção são notados
descritos efeitos adversos da vacinação contra a em 20 a 25% das crianças. O risco de dissemina-
caxumba, incluindo encefalite (que não foi notifi- ção do vírus vacinal dos receptores da vacina para
cada nos EUA e está associada com uma cepa ja- pessoas suscetíveis foi documentado mas ocorre em
ponesa de vírus vacinal de caxumba), convulsões, < 1% dos vacinados e apenas se o vacinado desen-
surdez neural, parotidite, púrpura, erupção cutânea volver erupção cutânea. A vacina contra varicela
e prurido. pode ser administrada simultaneamente com a va-
Hepatite B – As vacinas contra hepatite B atual- cina contra sarampo-caxumba-rubéola, mas devem
mente disponíveis nos EUA são produzidas por tec- ser usados seringas e sítios de injeção separados. Se
nologia de DNA recombinante; contêm 10 a 40µg não administradas simultaneamente, o intervalo en-
de antígeno superficial da hepatite B (AgsHB) tre a vacinação contra varicela e a administração da
proteico por mililitro adsorvido em hidróxido de vacina contra sarampo-caxumba-rubéola deve ser de
alumínio. Embora a concentração de AgsHB seja pelo menos 1 mês. Não foi demonstrado o desapa-
diferente nas duas vacinas recombinantes licencia- recimento da imunidade nos vacinados, mas conti-
das, são atingidas porcentagens iguais de sorocon- nua sendo uma preocupação que está sendo avalia-
versão com as duas vacinas quando administradas da em estudos prospectivos em andamento.
a lactentes, crianças, adolescentes ou adultos. São
necessárias 3 doses IM para induzir respostas de Circunstâncias especiais
anticorpos protetores ideais. A vacina deve ser ad-
ministrada na face ântero-lateral do músculo da Para as crianças não imunizadas de acordo com
coxa em lactentes e no músculo deltóide em crian- o esquema mostrado na FIGURA 256.5, recomen-
ças, adolescentes e adultos; a injeção nas nádegas dações alternativas foram desenvolvidas pela
ou por via intradérmica pode levar a imunoge- “American Academy of Pediatrics” (AAP) e serão
nicidade diminuída, com menores taxas de sorocon- mostradas na TABELA 256.7. Crianças com < 7 anos
versão e títulos sorológicos. de idade podem ser imunizadas com DTwP ou
Recomenda-se a vacinação universal de lac- DTaP usando 3 doses por via IM, a intervalos de 4
tentes. É necessário um esquema de 3 doses e deve a 8 semanas. Para as crianças ≥ 7 anos, é preferido
ser iniciado durante o período neonatal ou aos 2 o uso de toxóides diftérico e tetânico adsorvidos
meses de idade, sendo administrada uma segunda (dT) do tipo adulto. A vacinação DTaP não é reco-
dose 1 a 2 meses depois e a terceira, aos 6 a 18 mendada nesta idade, mas pode ser usada em situa-
meses de idade. As vacinas contra hepatite B são ções especiais (por exemplo, quando ocorrer um
altamente imunogênicas em vários outros esque- surto em populações fechadas como creches, hos-
mas alternativos. Altos títulos de anticorpos são pitais ou albergues). As vacinas de vírus vivos ate-
atingidos quando as últimas duas doses de vacina nuados contra o sarampo-caxumba-rubéola podem
são ainda mais espaçadas. Ainda não se sabe se são ser usadas em pessoas de qualquer idade se não
necessárias doses de reforço. Os testes de susce- existirem contra-indicações. Do mesmo modo, as
tibilidade não estão rotineiramente indicados e o vacinas IPV e OPV podem ser usadas em crianças
exame para imunidade pós-vacinação não é ne- mais velhas e adolescentes.
cessário depois da imunização de rotina. A vaci- Como a transferência transplacentária de anticor-
nação de adultos contra hepatite B é discutida no pos termina ao nascimento e o recém-nascido pode
Capítulo 152. produzir imunoglobulina em resposta à estimula-
Varicela – É uma vacina de vírus vivo atenua- ção antigênica, a imunização pode ser iniciada em
do. Crianças suscetíveis podem receber vacina con- prematuros com 6 a 8 semanas de vida, indepen-
tra varicela em qualquer consulta depois do primei- dente da idade gestacional ao nascimento. Se o lac-
ro aniversário e crianças com 11 a 12 anos de idade tente ainda estiver hospitalizado, a IPV deve ser
sem história confiável de varicela devem ser imu- administrada, pelo risco de disseminar um vírus
nizadas na consulta dos 11 a 12 anos. Crianças sus- OPV vivo para outras crianças.
cetíveis ≥ 13 anos ou mais devem receber 2 doses Crianças com doença neurológica flutuante
com intervalo de pelo menos 1 mês entre si; crian- ou progressiva não devem ser vacinadas até que
ças menores precisam de apenas uma dose para sua condição seja estável por pelo menos 1 ano,
imunogenicidade e eficácia prevista. Eventos ad- devido ao risco de irritação cerebral. Não é ne-
versos são mínimos; depois de 1 mês da vacina- cessário postergar ou suspender a vacinação de

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CAPÍTULO 256 – CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS... / 2085

rotina em lactentes e crianças com distúrbios IMUNIZAÇÃO PASSIVA


neurológicos estáveis.
As crianças com suspeita ou doença associa- A imunização passiva proporciona imunidade
da à imunodeficiência não devem receber ne- temporária quando as vacinas para a imunização
nhuma vacina com vírus vivos, pois elas podem ativa não estão disponíveis ou não foram admi-
iniciar uma infecção grave e fatal. Crianças em nistradas antes da exposição a uma determinada
uso de agentes imunossupressores (corticos- infecção.
teróides, antimetabólitos, compostos alquilantes, A imunoglobulina (Ig) humana é uma fração
radiação) podem apresentar respostas aberrantes rica em anticorpos, obtida de um “pool” de plasma
a imunizações ativas. Imunizações para pacien- de doadores saudáveis e normais. Habitualmente,
tes recebendo terapia a curto prazo devem ser é denominada gamaglobulina e consiste primaria-
mente de IgG, embora possam estar presentes tra-
postergadas para depois da interrupção do trata- ços de IgA, IgM e de outras proteínas séricas. A Ig
mento. Crianças recebendo terapia a longo prazo é uma solução concentrada de anticorpos que não
não devem receber vacinas vivas, mas podem contém vírus transmissíveis (por exemplo, da he-
receber as inativadas, como DTaP ou DTwP; ≥ 3 patite B ou C ou HIV) e é estável por muitos meses
meses ou mais depois da interrupção da terapia se for estocada a 4°C (39,2°F). A Ig deve ser admi-
devem receber uma dose adicional da vacina nistrada tão logo seja possível após a exposição,
inativada e depois podem ser iniciadas as vaci- pois o nível máximo de anticorpos séricos não é
nas vivas. As crianças asplênicas apresentam um atingido até cerca de 48h após a injeção IM. A meia-
risco elevado de bacteremia sistêmica, habitual- vida da Ig na circulação é de cerca de 3 semanas.
mente causada por Streptococcus pneumoniae, A Ig pode ser usada para profilaxia de hepatite
N. meningitidis ou H. influenza Tipo b. Essas A, sarampo, deficiência de imunoglobulina, vari-
crianças devem receber as vacinas conjugadas cela (em pacientes imunocomprometidos quando
contra o pneumococo e o Hib na idade mais pre- não se dispõe de Ig varicela zóster) e exposição à
coce possível, quando já se espera a eficácia. As rubéola no terceiro trimestre de gravidez.
crianças que foram submetidas a transplante de As desvantagens da Ig são o efeito protetor so-
medula óssea devem ser consideradas como não mente temporário; a variação do conteúdo de anti-
imunizadas; devem ser reimunizadas de acordo corpos contra agentes específicos de até 10 vezes
com o esquema da TABELA 256.7. entre as preparações; a administração dolorosa e
As vacinas com vírus ou bactérias vivas (por anafilaxia devido a injeções IV inadvertidas, con-
exemplo, sarampo-caxumba-rubéola, OPV, BCG) seqüente da ativação do complemento por agrega-
habitualmente não devem ser administradas para dos de imunoglobulinas.
as crianças com AIDS sintomática; em geral, a A globulina hiperimune é preparada a partir
imunização com vacinas inativadas (por exem- de plasma de indivíduos que possuem títulos ele-
plo, DTP, IPV e Hib conjugada) é recomendada. vados de anticorpos contra um microrganismo ou
Entretanto, pode ser feita exceção para a vacina antígenos específicos. Ela é derivada de doadores
contra o sarampo-caxumba-rubéola se a imunos- hiperimunizados artificialmente ou de pessoas con-
supressão estiver ausente. A ocorrência de sa- valescendo de uma infecção natural. As hiperimu-
rampo grave, freqüentemente fatal, após a infec- noglobulinas específicas disponíveis incluem aque-
las contra a hepatite B, a raiva, o tétano e a varicela
ção pelo vírus selvagem e a falta de relatos de
zóster. A administração é dolorosa, podendo ocor-
complicações da vacina do sarampo-caxumba- rer anafilaxia.
rubéola nas crianças sintomáticas infectadas pelo A imunoglobulina IV (IgIV) foi desenvolvida
HIV levaram à recomendação de que recebam para fornecer doses maiores e mais freqüentes de
esta vacina. As crianças com testes sorológicos imunoglobulina. A IgIV é o produto de escolha no
positivos para infecção por HIV, mas sem mani- tratamento e na profilaxia de infecções bacterianas
festações clínicas de infecção, devem ser vaci- e virais graves, como sepse em prematuros e neona-
nadas de acordo com as recomendações de roti- tos de baixo peso ao nascer, meningite bacteriana,
na, exceto que a IPV deve ser administrada em síndrome de Kawasaki e AIDS em crianças. Ou-
vez de OPV. tras indicações estão em estudo. A IgIV para vírus
Em crianças que receberam recentemente sincicial respiratório (RSV) está disponível para
sangue, plasma ou imunoglobulina, a imuniza- prevenção de doença por RSV em crianças < 24 me-
ção com vacinas de vírus vivos atenuados deve ser ses de idade com displasia broncopulmonar ou his-
postergada por 3 meses porque esses produtos po- tória de prematuridade (< 35 semanas de gestação);
dem inibir a resposta desejada de anticorpos. palivizumab, um anticorpo monoclonal, tem indi-

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2086 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 256.7 – ESQUEMAS DE IMUNIZAÇÃO RECOMENDADOS PARA AS CRIANÇAS


NÃO VACINADAS NO PRIMEIRO ANO DE VIDA1
Época/idade
recomendadas Vacinas2,3 Comentários
Idade inferior a 7 anos
Primeira consulta DtaP (ou DTP), Hib, HBV, Se indicado, o teste tuberculínico pode
MMR, OPV4 ser feito na mesma ocasião. Se a
criança for ≥ 5 anos, Hib não é in-
dicada na maioria dos casos
Intervalo após a primeira consulta DtaP (ou DTP), HBV, Var5 A segunda de OPV pode ser admi-
1 mês nistrada caso seja necessária vaci-
nação acelerada contra poliomieli-
te, como em viajantes para áreas
onde a pólio é endêmica
2 meses DTaP (ou DTP), Hib, OPV4 A segunda dose da Hib somente está
indicada nas crianças que recebe-
ram a primeira dose < 15 meses
≥ 8 meses DtaP (ou DTP), Hib, OPV4 A OPV e HBV não são administra-
das se uma terceira dose foi dada
anteriormente
Idade 4 – 6 anos (na idade DTaP (ou DTP), OPV, MMR6 DtaP (ou DTP) não é necessária se a
escolar ou antes) quarta dose foi administrada após os
4 anos; OPV não é necessária se a
terceira dose foi administrada após
os 4 anos
Dos 7 aos 12 anos
Primeira consulta HBV, MMR, dT, OPV4
Intervalo após a primeira consulta HBV, MMR6, Var5, dT, OPV OPV também pode ser administra-
2 meses da 1 mês após a primeira consulta
caso seja necessária vacinação ace-
lerada contra a poliomielite
8 – 14 meses HBV7, dT, OPV4 OPV não é administrada se a terceira
dose foi dada anteriormente
Idade 11 – 12 anos Ver FIGURA 256.5
1 A tabela não é completamente consistente com as informações da embalagem. Para os produtos utilizados, consultar
também as informações do fabricante na embalagem, manipulação e administração de dosagem. Preparações biológicas de
diferentes fabricantes podem variar e as informações da embalagem do mesmo fabricante pode mudar periodicamente. Portanto,
os médicos devem estar atentos aos conteúdos das informações atuais de embalagem.
2 Se não for possível a administração simultânea de todas as vacinas necessárias, dá-se prioridade à proteção da criança contra
aquelas doenças que representam risco imediato. Nos EUA, essas doenças de crianças < 2 anos são o sarampo e a infecção por
Haemophilus influenzae Tipo b; de crianças > 7 anos, são o sarampo, caxumba e a rubéola. Antes dos 13 anos, deve-se assegurar
a imunidade contra hepatite B e varicela.
3 DTaP, HBV, MMR e Var podem ser administradas simultaneamente em locais diferentes se houver preocupação sobre o não
comparecimento do paciente para vacinações posteriores.
4 A vacina inativada contra o poliovírus (IPV) também é aceitável. Entretanto, para lactentes e crianças que iniciam a
vacinação tardiamente (ou seja, após os 6 meses de idade), OPV é preferida para completar um programa acelerado com um
número mínimo de injeções.
5 A vacina contra varicela pode ser administrada a crianças suscetíveis, em algum momento, aos 12 anos de idade. Crianças
não vacinadas sem uma história confiável de varicela devem ser vacinadas antes dos 13 anos.
6 O intervalo mínimo entre as doses de MMR é de 3 meses.
7 A vacina contra HBV deve ser administrada em um programa precoce aos 0, 2 e 4 meses.

DTaP = vacina acelular contra coqueluche combinada com toxóides diftéricos e tetânicos; DTP = toxóides diftérico e tetânico
associados à vacina contra a coqueluche; Hib = vacina conjugada contra Haemophilus Tipo b; HBV = vacina contra hepatite
B; MMR = vacina contra sarampo-caxumba-rubéola; OPV = vacina oral contra poliovírus; Var = vacina contra varicela;
dT = toxóides tetânico do tipo adulto e diftérico adsorvidos.
Modificado a partir do 1997 Red Book: Report of the Committee on Infectious Diseases. 24ª ed., editado por G Peter.
Copyright 1997, American Academy of Pediatrics, p. 20; utilizado com permissão.

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CAPÍTULO 256 – CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS... / 2087

cações semelhantes. A administração de todas as TABELA 256.8 – VARIAÇÃO DA MÉDIA


preparações de IgIV é indolor (depois de estabele- DAS NECESSIDADES LÍQUIDAS DE
cido o acesso venoso) e os efeitos adversos não são CRIANÇAS EM DIFERENTES IDADES EM
comuns, embora febre, calafrios, cefaléia, desmaio, CONDIÇÕES NORMAIS
náusea, vômitos, hipersensibilidade, reações ana- Água/kg peso
filáticas e manifestações cardiovasculares tenham Média de peso Água total corpóreo em
sido descritas. Idade corpóreo (kg) em 24h (mL) 24h (mL)
3 dias 3,0 250 – 300 80 – 100
NUTRIÇÃO INFANTIL 10 dias 3,2 400 – 500 125 – 150
3 meses 5,4 750 – 850 140 – 160
A deficiência nutricional não é comum nos EUA, 6 meses 7,3 950 – 1.100 130 – 155
a não ser associada com uma doença que altere a 9 meses 8,6 1.100 – 1.250 125 – 145
ingestão, absorção ou metabolismo; portanto, as 1 ano 9,5 1.150 – 1.300 120 – 135
opiniões sobre nutrição freqüentemente não são 2 anos 11,8 1.350 – 1.500 115 – 125
baseadas em um banco de dados. Como o estôma- 4 anos 16,2 1.600 – 1.800 100 – 110
go não discrimina muito, os bebês podem ficar sa- 6 anos 20,0 1.800 – 2.000 90 – 100
tisfeitos com praticamente qualquer dieta, mas a 10 anos 28,7 2.000 – 2.500 70 – 85
aceitação de uma mamadeira não faz com que ne- 14 anos 45,0 2.200 – 2.700 50 – 60
cessariamente seja adequada a um crescimento e 18 anos 54,0 2.200 – 2.700 40 – 50
desenvolvimento ótimos.
Para o lactente, beber e comer são experiências (A partir de Barness LA: “Nutrition and nutritional disorders”
intensas, compreendem a maior parte de sua socia- in Nelson Textbook of Pediatrics, 13ª ed., editado por RE
lização e são partes essenciais do seu desenvolvi- Behrman, VC Vaughan III e WE Nelson (editor sênior). Phila-
mento. Desta forma, o ato da alimentação fornece delphia, WB Saunders Company, 1987, p. 115; usado com
benefícios emocionais e psicológicos, bem como permissão.
uma oportunidade para satisfazer as necessidades
tanto de sucção quanto nutricionais. Os problemas TABELA 256.9 – NECESSIDADES
causados pela falha em satisfazer essas necessida- CALÓRICAS EM DIFERENTES IDADES*
des são discutidos em ALIMENTAÇÃO COMUM E
PROBLEMAS GASTROINTESTINAIS adiante. Necessidades
O recém-nascido normal tem reflexos de sucção Idade kcal/lb/dia kcal/kg/dia
e fundamental ativos e pode receber alimentos orais
imediatamente após o nascimento. Geralmente, es- < 6 meses 50 – 55 110 – 120
tes não devem ser retardados > 4h. Salivação e 1 ano 45 95 – 100
regurgitação de muco são comuns durante o pri- 15 anos 20 44
meiro dia, mas se elas persistem, o estômago deve * Quando as proteínas e calorias são fornecidas por leite
ser esvaziado por aspiração cuidadosa através de humano, que é completamente digerido e absorvido, as neces-
uma sonda French para alimentação nº 5 ou 8 e sidades entre 3 e 9 meses podem ser menores.
lavado com D/A a 5% até que o líquido que retor-
nar esteja livre de muco. Este procedimento solu-
ciona a maior parte dos problemas com muco tor- locidade de crescimento é atingida aos 12,1 +
nando desnecessárias alterações na alimentação. 0,9 anos de idade em meninas e 14,1 + 0,9 anos
Se o muco persistir, é necessária uma avaliação em meninos. As necessidades relativas de pro-
completa dos tratos GI superior e respiratório. teína e energia (gramas ou kcal/kg de peso cor-
póreo) diminuem progressivamente a partir do
final da fase de lactente até a adolescência (ver
Necessidades nutricionais TABELA 256.9). Por outro lado, por causa do
peso crescente, as necessidades absolutas aumen-
As necessidades nutricionais diárias são es- tam com a idade. As necessidades de proteínas
pecialmente significativas para uma criança em da “Food and Nutrition Board” diminuem de 1,2
comparação com o adulto (ver TABELAS 1.3, g/kg ao dia com 1 ano para 0,9 g/kg ao dia aos 18
1.4 e 256.8). anos. As necessidades calóricas médias relativas
A velocidade de crescimento diminui rapida- diminuem de 100kcal/kg com 1 ano para 40kcal/
mente durante o primeiro ano de vida e depois kg no final da adolescência. As necessidades de
diminui mais gradualmente até o início do esti- vitaminas dependem da ingestão de calorias,
rão de crescimento da adolescência. A maior ve- proteínas, gorduras, carboidratos e aminoácidos.

Merck_19A.p65 2087 02/02/01, 14:28


2088 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

ALEITAMENTO MATERNO B6 e B12), a suplementação de vitaminas é desne-


(Ver também DROGAS EM NUTRIZES, adiante.) cessária. A dieta norte-americana média é pobre
em B6 e dietas vegetarianas também podem ser
O leite materno apresenta o conteúdo mais ele- pobres em B12. Um suplemento vitamínico diá-
vado de lactose entre os leites de mamíferos, ofe- rio, como o usado na gravidez, pode ser usado,
recendo uma fonte de energia prontamente dispo- mas geralmente é desnecessário.
nível compatível com as enzimas neonatais; con- O médico deve discutir o aleitamento com a mãe,
tém grande quantidade de vitamina E, o qe pode apresentando no período pré-natal os benefícios da
ajudar a evitar anemia por aumentar o ciclo vital amamentação (nutricionais e psicológicos e prote-
dos eritrócitos e é um importante antioxidante. O ção contra infecções, alergias e outras doenças crô-
leite humano tem uma proporção cálcio:fósforo de nicas). Os benefícios para a mãe incluem redução
2:1, o que evita tetania por deficiência de cálcio (a da fertilidade, retorno mais rápido à condição nor-
proporção no leite de vaca é quase o oposto). O mal pré-parto e redução do risco de obesidade, os-
leite materno altera favoravelmente o pH das fezes teoporose e câncer de mama.
e a flora intestinal, protegendo assim contra diar- As técnicas de aleitamento devem ser conheci-
réias bacterianas; ele (especialmente o colostro) das antes do nascimento. Os médicos que aconse-
também transfere anticorpos da mãe para a crian- lham as mães devem estar atualizados sobre a me-
ça. Assim, todas as doenças infecciosas são menos lhor literatura neste assunto antes de recomendar
freqüentes em lactentes amamentados ao peito do qualquer leitura a seus pacientes. O médico deve
que nos que são alimentados com mamadeira. Um discutir a fisiologia da lactação com a mãe e res-
objetivo que alguns profissionais de saúde defen- ponder suas questões. Freqüentemente, é proveito-
dem é que 75% das mulheres deixem o hospital so para a mãe falar com uma mulher que amamen-
amamentando e pelo menos 50% ainda estejam tou com sucesso ou até mesmo que a mãe observe
amamentando aos 6 meses. o processo. A preparação do mamilo antes do nas-
Se a dieta da mãe for adequada, não é necessá- cimento não é necessária, nem a massagem ma-
rio nenhum suplemento dietético para o lactente, nual das mamas, que pode, nesta altura, levar à
exceto em áreas com pouca luz solar, em que os mastite ou a trabalho de parto prematuro. A natu-
lactentes, especialmente aqueles com pele escura, reza prepara a aréola e o mamilo para a sucção atra-
podem necessitar 400U de vitamina D ao dia, es- vés da secreção de um lubrificante das glândulas
pecialmente no inverno. A “American Academy of de Montgomery para proteger a superfície. Este lu-
Pediatrics” (AAP) não recomenda mais suplemen- brificante não deve ser retirado com toalha ou exer-
tação de flúor, a não ser que o abastecimento de cícios elaborados do mamilo.
água na região seja pobre em flúor. Ao nascimento, se a mãe recebeu pouca medi-
Quase todas as mães podem produzir um leite bom, cação, o parto for normal e o recém-nascido esti-
mesmo que sua dieta não seja perfeita. O leite huma- ver alerta e ativo, ele pode ser levado ao peito ime-
no contém ácidos graxos ômega-3, colesterol e taurina, diatamente por poucos minutos de cada lado até
que são importantes para o bom crescimento cere- que esteja saciado. Ele receberá uma pequena quan-
bral, independentemente da dieta da mãe. A dieta da tidade de colostro, um fluido amarelado, ralo, rico
mãe deve ser bem equilibrada e evitando alimentos em calorias e em proteínas, presente nos seios an-
que possam provocar cólicas, como alho, cebolas, tes do nascimento e nos primeiros dias após, que
legumes, repolho, chocolate e quantidades excessi- contém anticorpos, linfócitos, macrófagos e nu-
vas de frutas exóticas ou sazonais (melão, ruibarbo, trientes sendo protetor contra infecções. O colos-
peras), a menos que algum estudo mostre que são bem tro também estimula a eliminação de mecônio.
tolerados pela criança. Fadiga e estresse emocional Seja ou não amamentado na sala de parto, o re-
maternos são as causas mais freqüentes de não se cém-nascido pode ser entregue para a amamenta-
conseguir satisfazer a criança pela amamentação do ção por volta das primeiras 4h após o parto. A mãe
que qualquer outro fator. deve assumir uma posição confortável, relaxada,
Aumentos dietéticos especiais para a nutriz in- como deitada quase horizontalmente e virando de
cluem 600kcal extras, das quais 20g devem ser um lado para outro, a fim de oferecer cada mama.
proteína; 400mg a mais de cálcio também devem O recém-nascido deve ser posicionado de modo que
ser acrescentadas (derivados do leite são fontes fique de frente para a mãe, superfície ventral com
excelentes). Se os derivados do leite não forem superfície ventral. A mãe deve segurar a mama com
tolerados, nozes e vegetais verdes devem ser au- o polegar e o indicador acima e três dedos abaixo,
mentados ou administrados suplementos de gluco- para suportar a mama. Isto assegurará que a mama
nato de cálcio em cápsula. Em dieta bem equili- fique centrada na boca, minimizando qualquer dor.
brada (contendo vitamina C e proteína animal para O centro do lábio inferior do recém-nascido deve

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CAPÍTULO 256 – CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS... / 2089

Hipotálamo

Pituitária

Prolactina Oxitocina
Útero

Célula
mioepitelial

Lácteo

FIGURA 256.6 – Diagrama do reflexo de liberação do leite. Quando o lactente suga a mama, mecanorreceptores no
bico e aréola são estimulados e enviam um estímulo através de vias nervosas até o hipotálamo, que estimula a pituitária
posterior a liberar oxitocina. A oxitocina é transportada pela corrente sangüínea até a mama e o útero. A oxitocina
estimula células mioepiteliais na mama a se contraírem e ejetarem leite dos alvéolos. A prolactina, que é secretada pela
pituitária anterior em resposta à sucção, é responsável pela produção de leite nos alvéolos. Estresse, como dor e
ansiedade, pode inibir o reflexo de lactação. A visão ou choro do lactente podem estimular a liberação de oxitocina, mas
não de prolactina. (A partir de Breastfeeding: A Guide for the Medical Profession, 4ª ed., por RA Lawrence, St. Louis,
CV Mosby, 1994, p. 250; usado com permissão.)

ser estimulado com o mamilo, de forma que ele se típaras precisam de menos tempo. Se a mãe estiver
vire e a boca se abra bastante e prenda o mamilo cansada na primeira noite ou duas no hospital, a
com a aréola. A língua do recém-nascido compri- mamada das 2h da manhã pode ser substituída por
me o mamilo contra o seu palato duro. A sucção suplemento de água até que comece a secreção ple-
deve estar acabada antes da remoção do recém-nas- na de leite, mas nunca > 6h de intervalo entre as
cido da mama. As mamadas começam em lados mamadas durante os primeiros dias. As mamadas
alternados. Inicialmente, são necessários pelo me- devem ser orientadas pela demanda e não pelo re-
nos 2min para que o reflexo de descida do leite lógio e a duração também deve ser o reflexo das
atue (ver FIG. 256.6). A sucção excessiva deve ser necessidades da criança. Na maioria das mulheres,
evitada inicialmente. Mamilos doloridos são geral- um total de 90min ao dia de sucção à mama é o
mente devidos a um mau posicionamento e são mais mínimo para produzir leite suficiente.
fáceis de prevenir que de curar. Por outro lado, a Recém-nascidos que recebem alta em 48h, es-
produção de leite é dependente de um adequado pecialmente os que estão em aleitamento, devem
tempo de amamentação. O número de mamadas é ser vistos pelo médico em 7 dias para avaliar o pro-
gradualmente aumentado até que o leite desça. São gresso, particularmente se a mãe é primípara. Em-
necessários pelo menos 10min para que a primeira bora o fato da criança dormir longos períodos en-
mama deixe fluir o leite rico em gorduras. O lac- tre as mamadas possa ser sinal de bom suprimento
tente deve continuar a mamar até que esteja pronto de leite, pode estar associado a suprimento inade-
para eructar. Se ainda estiver com fome, pode ser quado e desnutrição. Um recém-nascido normal
oferecido a segunda mama. Em primíparas, a lacta- molha 6 a 8 fraldas por dia ou mais, evacua diaria-
ção está plenamente estabelecida em 72 a 96h; mul- mente pelo menos 3 vezes e apresenta um choro

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2090 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

vigoroso, bom turgor cutâneo e bom reflexo de suc- de muco. Se esta alimentação não for regurgitada,
ção. O ganho de peso confirma a alimentação ade- a criança deve continuar a receber mamadeira em
quada. Em 7 dias, o peso deve estabilizar e em 10 a cada refeição subseqüente. Crianças alimentadas
14 dias deve estar com o peso do nascimento. com mamadeira são alimentadas de acordo com a
O ganho de peso deve ser de 30g ao dia nos pri- demanda e tendem a acordar para mamar a cada 3
meiros meses. O peso ao nascimento deve dobrar ou 4h. O volume consumido na primeira refeição é
por volta dos 4 meses. de até 15mL. O volume consumido nas 48h seguin-
O ingurgitamento da mama, que ocorre du- tes é gradualmente aumentado, até 60 a 75mL por
rante o início do período de lactação e pode durar mamada.
24 a 48h, pode ser prevenido por amamentações Fórmulas já preparadas são encontradas em reci-
precoces e freqüentes. O ingurgitamento pode ser pientes de 120mL fornecendo 20kcal/30mL (total-
aliviado se a mãe usar um sutiã especial, confortá- mente cheia) com vitaminas adequadas para o re-
vel, 24h ao dia para o suporte. A liberação de leite cém-nascido normal. Recém-nascidos a termo po-
feita manualmente durante um banho morno pode dem tolerar 20kcal/30mL imediatamente após o par-
trazer conforto considerável. A mãe pode ter que to. A mãe deve ser instruída para não superalimentar
liberar seu leite manualmente logo antes de ama- o recém-nascido simplesmente porque as mamadei-
mentar para permitir ao recém-nascido colocar a ras são de 120mL. As alimentações devem ser au-
aréola inchada na boca, mas a liberação excessiva mentadas gradualmente durante a primeira semana
entre as mamadas encoraja um ingurgitamento con- de vida, de 30 ou 60mL até 90 a 120mL aproximada-
tínuo e deve ser feita unicamente para aliviar des- mente 6 vezes ao dia. Isto fornece 120kcal/kg na pri-
conforto. Se ocorrer dor nos mamilos, a posição do meira semana de vida. Deve-se oferecer água ao re-
bebê deve ser verificada. Algumas vezes, o recém- cém-nascido entre as alimentações, particularmente
nascido irá retirar seu lábio inferior e sugá-lo, o em tempo quente ou em um ambiente seco e quente.
que é irritante para o mamilo. A mãe pode afastar o Se a criança estiver excedendo esta ingestão calcula-
lábio com seu polegar. Entre as mamadas, ela pode da de leite artificial, deve-se oferecer água para
usar um secador de cabelos em funcionamento re- evitar superalimentação. Os recém-nascidos retêm
duzido, para aquecer e secar seus mamilos por pelo menos 65mL de fluido/kg nas primeiras 24h,
5min, deixando o leite secar nos mamilos. Depois 75mL/kg nas segundas 24h e mais de 100mL/kg nas
de amamentar, compressas frias reduzem o ingur- terceiras 24h. Àqueles que estiverem significativa-
gitamento e produzem alívio. mente abaixo destas quantidades deve ser dado gli-
Em casa, um esquema modificado à vontade que cose a 5% em cloreto de sódio a 0,25%, em goteja-
permita à criança dormir tanto quanto possível à noite mento IV, para repor o déficit. Uma causa para a má
é geralmente melhor. Os lactentes geralmente não alimentação deve ser investigada.
devem ser amamentados mais freqüentemente do que Quando o lactente deixa o hospital, ele se
a cada 2h. Alguns, no entanto, apresentam um pe- adaptou à mamadeira e usualmente toma 60 a
ríodo descontrolado regular diário e exigem amamen- 90mL/mamada aproximadamente a cada 3 ou 4h.
tações mais freqüentes. Crianças amamentadas ao A ingestão total diária é de 60 a 75mL/453,59g de
peito não precisam de água adicional. peso corpóreo. Um esquema com livre demanda e
A AAP recomenda aleitamento materno exclu- modificado é satisfatório para a maioria dos lac-
sivo até 6 meses, continuando acompanhado de ali- tentes. Se for necessário mais volume, pode-se dar
mentos sólidos até 1 ano e quanto se quiser depois água, especialmente em tempo quente. O bebê deve
disso (ver INTRODUÇÃO DE ALIMENTOS SÓLIDOS E ser ficar no colo em posição semi-sentada para to-
DESMAME, adiante). das as mamadas. A mamadeira não deve nunca ser
apoiada. Esta técnica oferece proteção para a tuba
de Eustáquio bem como permite bom contato vi-
ALIMENTAÇÃO COM sual e socialização durante as mamadas.
MAMADEIRAS As fórmulas para lactentes comercialmente dis-
poníveis – em pó, líquido concentrado ou líquido
Quando um lactente for alimentado com leite pré-diluído – tornaram raras as fórmulas feitas em
artificial, a primeira mamadeira oferecida deve ser casa. Todas são preferíveis ao leite de vaca. A AAP
de um leite infantil de concentração regular de acor- recomenda que o leite de vaca integral não seja
do com a orientação do pediatra. Uma alimentação usado no primeiro ano de vida. O preparo de
teste de água ou D/A a 5% geralmente não é neces- 20kcal/30mL da fórmula preparada requer 1 co-
sária, a menos que a capacidade de sucção e deglu- lher de sopa de pó para 60mL de água, 30mL de
tição da criança esteja em dúvida, por exemplo, se concentrado líquido para 30mL de água, e nenhum
houver uma quantidade excessiva de regurgitação ajustamento na forma pré-diluída. Instruções para

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CAPÍTULO 256 – CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS... / 2091

fórmulas especiais devem ser escritas pelo médi- Alguns lactentes forçados a se alimentar precoce-
co. Cada tipo contém a necessidade mínima diária mente revoltam-se e desenvolvem problemas ali-
de vitaminas e está disponível com ferro de 10 a mentares mais tarde. Não há necessidade nutricio-
12mg/780mL a 900mL, 1 dose de manutenção. nal de sólidos em lactentes < 6 meses, especial-
A AAP recomenda atualmente que todos os lac- mente os amamentados.
tentes que são alimentados com outros leites que O desmame do lactente em aleitamento mater-
não o materno devem receber uma fórmula que con- no deve depender das necessidades da mãe e da
tenha ferro. Lactentes que recebem mamadeira e criança. O aleitamento exclusivo até os 6 meses,
não estejam recebendo fórmula contendo ferro po- com o acréscimo de alimentos sólidos a esta dieta
dem precisar de suplementação de ferro, como sul- é considerado por muitos como ideal. Quando se
fato ferroso em gotas, 15mg ao dia, para manuten- deseja o desmame, é mais fácil fazer isso em se-
ção, porque os depósitos neonatais começam a ser manas ou meses, gradualmente. Uma mamada ao
depletados em torno de 4 meses e meio de idade peito por dia deve ser substituída por mamadeira
em lactentes não amamentados ao peito. Fórmulas ou copo de suco de frutas ou fórmula modificada
especiais hipoalergênicas ou livres de carboidratos quando a criança tem aproximadamente 7 meses
são disponíveis, assim como fórmulas pré-digeri- de idade. O desmame para um copo pode ser com-
das com triglicerídeos, aminoácidos, monossaca- pletado aos 10 meses; algumas crianças continuam
rídeos; cada uma tem conteúdo de vitamina e pro- a mamar 1 ou 2 vezes ao dia, mesmo até os 18 ou
cedimento de preparação diferentes. Se for neces- 24 meses. Alguns são amamentados até por mais
sária uma fórmula não comercial, a mais confiá- tempo, mas devem também receber uma dieta com-
vel, facilmente preparada e flexível é feita de pleta de alimentos sólidos e líquidos em copo.
390mL de leite evaporado, 1 a 3 colheres de sopa Muitos lactentes recebem sólidos depois de se-
de açúcar (para calorias adicionais) e 570mL de rem alimentados com mamadeira, o que satisfaz a
água. Isto fornecerá 20 a 21kcal/30mL de fórmula, necessidade de sucção e mais rapidamente faz pas-
dependendo da quantidade de açúcar adicional. sar a fome. Os sólidos devem ser oferecidos com
Todo lactente deve receber 110 a 120kcal/kg ao dia colher e ser introduzidos individualmente para de-
e 130 a 160mL de líquido/mL/kg ao dia. Embora terminar a tolerância. Muitos alimentos comerciais
nenhum seja recomendado pela AAP, quando fo- para bebês, especialmente sobremesas e misturas
rem usados leite evaporado, desnatado ou integral para sopa, são ricos em amido, que não têm vita-
na mamadeira o lactente deve também receber su- minas ou minerais e são ricos em calorias e celulo-
se, que é de difícil digestão para lactentes. Alguns
plementos de vitaminas A, C e D diariamente du- alimentos comerciais têm um elevado teor de só-
rante o primeiro ano de vida e o segundo inverno dio (acima 200mg/jar]); eles podem ser identifica-
nos climas frios. Deve-se usar água fluorada para dos pela leitura cuidadosa dos rótulos e devem
preparar a mamadeira ou devem ser administradas ser evitados. (A necessidade diária de sódio é de
gotas de flúor (0,25mg ao dia VO) quando água 17,6mg/kg.) Alimentos caseiros amassados são ade-
fluorada não estiver disponível ou a fórmula pré- quados. A carne deve ser introduzida em preferên-
diluída não contiver flúor. cia a alimentos ricos em carboidratos; mas, uma
vez que muitos lactentes tendem a rejeitar carne,
INTRODUÇÃO DE ALIMENTOS ela deve ser introduzida com cuidado e atenção de
SÓLIDOS E DESMAME forma que seja bem aceita. O trigo, ovos e choco-
late devem ser evitados até que a criança tenha 1
A época para iniciar os alimentos sólidos de- ano de idade, para evitar sensibilizações alimenta-
pende das necessidades e da presteza do lactente, res desnecessárias.
mas os lactentes não necessitam de sólidos antes
da idade de 6 meses. O desenvolvimento neuroló-
gico progrediu suficientemente para que o movi-
mento da língua e da boca suportem alimentos só- ALIMENTAÇÃO COMUM
lidos com a idade de cerca de 3 a 4 meses nos lac- E PROBLEMAS
tentes nascidos a termo. Os lactentes podem engo-
lir sólidos em uma idade inferior se o alimento for GASTROINTESTINAIS
colocado na região posterior da língua, mas a recu- A maior parte dos problemas GI e de alimenta-
sa é normal. Alguns pais induzem o lactente a re- ção não são graves e muitos podem ser resolvidos
ceber grandes quantidades de alimento sólido em através da explicação e tranqüilização, com um mí-
um esforço para fazer o bebê dormir por toda a nimo de medicação e alterações do leite. Entretan-
noite; nenhuma evidência sustenta essa prática. to, tais problemas podem causar a maior preocupa-

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2092 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

ção para os pais, e uma avaliação cuidadosa do lac- < 200 a 250g/semana em lactentes com menos de
tente e da interação pais-filho no consultório sem- 4 meses de idade é inadequado. Uma história de
pre é indicada. Se a taxa de crescimento da criança alimentação detalhada deve ser obtida para deter-
for normal quando colocada em uma curva padrão minar se a dificuldade é subalimentação ou um pro-
de crescimento e as reclamações dos pais parece- blema mais sério, metabólico ou sistêmico. Os cons-
rem fora de proporção para os achados, esta preo- tituintes e as proporções do leite devem ser revis-
cupação excessiva poderá ser uma evidência de tos. A subalimentação também pode ser um sinal
ansiedades mais profundas ou problemas no rela- de inadequação dos pais (por exemplo, falta de in-
cionamento pais-criança com necessidade de inves- teresse ou descuido com o bebê). Lactentes ama-
tigações posteriores. mentados que não mostram ganho de peso adequa-
Os problemas de alimentação das crianças mais do podem ser pesados antes e depois de diversas
velhas são discutidos em PROBLEMAS DE COM- mamadas, para determinar sua ingestão de leite com
PORTAMENTO no Capítulo 262 e em OBESIDADE maior precisão. A dieta do lactente amamentado
no Capítulo 275. pode ser suplementada com um leite apropriado e
cereal; o tratamento do lactente alimentado com
um leite artificial pode incluir a troca dos consti-
REGURGITAÇÃO tuintes da fórmula e um aumento na quantidade total
Os lactentes comumente regurgitam pequenas do leite oferecido. Os pais devem ser instruídos so-
quantidades (raramente > 5 a 10mL) de leite du- bre a quantidade e a freqüência das refeições do
rante ou logo depois das mamadas, freqüente- bebê. Deve-se agendar avaliações seriadas de peso
mente enquanto o bebê eructa. A amamentação para o acompanhamento.
muito rápida e a deglutição de ar podem estar
relacionadas com isto; o uso de mamadeiras com ALIMENTAÇÃO EXCESSIVA
bicos mais firmes e buracos menores e fazer o
bebê eructar mais freqüentemente podem ajudar. O acompanhamento do peso do lactente através
O estudo desse problema raramente é necessário de registros seriados em uma tabela de crescimento
e a troca do leite não tem valor. A regurgitação padrão mostra prontamente quando um bebê está
excessiva pode ser causada pelo excesso de ali- ganhando peso muito rapidamente. Outros sinais de
mentação (ver adiante). excesso de alimentação incluem choro e regurgita-
ção excessiva. Uma vez que problemas de obesida-
de podem começar com alimentação excessiva na
VÔMITOS infância, as tentativas para controlar a taxa de ganho
de peso do bebê podem ser valiosas, particularmen-
Os vômitos podem significar uma condição te se o lactente tem pais obesos e, portanto, uma chan-
mais séria. Vômitos repetidos em jato de quanti- ce de 80% de se tornar obeso. A ingestão diária do
dades crescentes podem indicar estenose pilórica lactente com excesso de peso deve ser revista e os
ou refluxo gastroesofágico. A obstrução do in- pais devem ser encorajados a diminuir as quantida-
testino delgado superior por aderências duode- des oferecidas. A suplementação da dieta com ali-
nais, estenose duodenal ou vólvulo causa vômito mentos sólidos deve ser introduzida em época apro-
bilioso. Distúrbios metabólicos (por exemplo, sín- priada e em quantidades reduzidas.
drome adrenogenital e galactosemia) podem se
apresentar com vômito. Vômito com febre e/ou
letargia podem significar infecção (por exemplo, DIARRÉIA
sepse ou meningite). Evacuações freqüentes e amolecidas (4 a 6 ao
dia) podem ocorrer ao lactente normal; elas não
ALIMENTAÇÃO INSUFICIENTE preocupam, a menos que anorexia, vômitos, perda
de peso e insuficiência de peso, ou eliminação de
Os lactentes amamentados de forma adequada sangue também ocorram. Os lactentes em aleita-
usualmente tornam-se quietos ou dormem logo após mento materno tendem a ter evacuações freqüen-
uma mamada. O lactente subalimentado freqüen- tes, espumosas, especialmente se não estiverem
temente permanece inquieto, quase sempre parece recebendo alimentos sólidos preparados.
procurar mais comida ao redor e acorda 1 a 2h de- O aparecimento súbito de diarréia com vômito,
pois de ter sido amamentado, aparentando estar fezes sanguinolentas, febre, anorexia, ou apatia pode
faminto. Tais sinais claros de subalimentação não ser devido à infecção. A diarréia de pequena intensi-
estão sempre presentes ou podem não ser comple- dade persistente por várias semanas ou meses pode
tamente observados pelos pais. O ganho ponderal resultar de várias condições, incluindo enteropatia

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CAPÍTULO 256 – CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS... / 2093

induzida por glúten, fibrose cística, malabsorção de estenose anal que causa tensão persistente e pas-
açúcar e gastroenteropatia alérgica. sagem de fezes de pequeno calibre. O exame
Na enteropatia por glúten (doença celía- cuidadoso digital do ânus facilmente identifica
ca), a fração glúten da proteína do trigo causa esta condição, revelando uma constrição peria-
uma malabsorção das gorduras da dieta resultan- nal em forma de fita. A dilatação anal uma ou
do em desnutrição, anorexia e fezes volumosas, duas vezes traz alívio dos sintomas.
com mau cheiro (ver também DOENÇA CELÍACA A obstipação persistente, particularmente se
no Cap. 30). A remoção do glúten da dieta, pela começa antes de 1 mês de idade, pode ser sintoma
exclusão de todos os produtos do trigo, corrige de megacólon congênito (ver OBSTRUÇÃO DOS IN-
esta condição. Às vezes, é necessário eliminar TESTINOS DELGADO DISTAL E GROSSO em DEFEI-
também cevada e aveia. TOS GASTROINTESTINAIS no Cap. 261).
Com fibrose cística, a insuficiência pancreática A fissura anal pode ser provocada pela evacua-
resulta em déficits de tripsina e lipase, causando ção de uma grande quantidade de fezes. A fissura
perdas fecais grandes de proteínas e gorduras, com se apresenta com dor à defecação e eliminação oca-
conseqüente desnutrição e retardo do crescimento. sional de uma pequena quantidade de sangue ver-
As fezes são em grande quantidade e freqüen- melho-vivo. A fissura pode ser identificada pela
temente com mau cheiro. Extrato pancreático pode inspeção do canal anal com um anoscópio ou um
ser administrado VO para melhorar este problema otoscópio, usando um espéculo grande. Em lacten-
(ver também Cap. 267). tes, a maioria das fissuras sara rapidamente sem
Com malabsorção de açúcares, as enzimas da intervenção, mas um leve amolecedor de fezes,
mucosa intestinal, como a lactase, que desdobra a como o sulfossuccinato sódico de dioctil 10 a
lactose em galactose e glicose, podem estar conge- 40mg/kg ao dia, dividido em 1 a 4 doses, pode ser
nitamente ausentes ou temporariamente deficientes usado por 7 a 10 dias para permitir a cicatrização;
secundariamente à infecção GI (ver também INTO- o valor do creme de corticosteróide aplicado local-
LERÂNCIA A CARBOIDRATOS no Cap. 30). A melho- mente não foi comprovado.
ra depois da eliminação dos carboidratos da dieta ou
depois da substituição por um leite sem lactose su-
gere fortemente tal estado de malabsorção. CÓLICA
Na gastroenteropatia alérgica, a proteína do É um sintoma complexo da primeira infância, ca-
leite pode causar alguns casos de diarréia, espe- racterizado por choros paroxísticos, dor abdo-
cialmente aqueles associados com vômitos e pre- minal aparente e irritabilidade.
sença de sangue nas fezes, mas a intolerância à fra-
ção de carboidratos do alimento ingerido deve ser O termo cólica é descritivo, sugerindo uma cau-
também suspeitada. Os sintomas com freqüência sa de origem intestinal, mas o mecanismo específi-
regridem prontamente com a substituição por uma co da cólica infantil é desconhecido (ver também
fórmula de soja e retornam com uma alimentação FLATULÊNCIA no Cap. 32).
de teste com leite de vaca. Aqueles lactentes into- A cólica pode começar logo depois que um bebê
lerantes a leite de vaca comumente são intoleran- chega do hospital, mas freqüentemente começa al-
tes à soja, assim pode ser necessária uma fórmula gumas semanas mais tarde e pode persistir até a
(quimicamente definida) simples (por exemplo, idade de 3 ou 4 meses. Tipicamente, o lactente com
Nutramigen, Pregestemil, Portagen), baseadas em cólica alimenta-se e ganha bem peso, pode parecer
outros elementos que não os carboidratos. Melho- muito faminto e com freqüência suga vigorosamen-
ra espontânea ocorre usualmente ao final do pri- te quase todas as coisas que estiverem disponíveis,
meiro ano de vida, a despeito de alterações no con- mas choros paroxísticos poderão transformar uma
teúdo do leite oferecido ao lactente. casa tranqüila em um caos e deixar a família toda
nervosa. As cólicas freqüentemente ocorrem em um
OBSTIPAÇÃO horário predeterminado do dia ou da noite, mas al-
guns lactentes choram quase incessantemente.
O número de evacuações do lactente varia tanto O choro excessivo causa aerofagia, que resulta em
em freqüência que é difícil definir obstipação. flatulência e distensão abdominal. Tais choros po-
O mesmo lactente que evacua 4 vezes ao dia pode, dem ser uma manifestação precoce de um estilo de
em outras vezes, evacuar uma vez a cada 2 dias. personalidade insistente, impaciente.
A maioria dos lactentes elimina fezes duras, gran- Antes que a cólica seja diagnosticada, deve ser
des, com desconforto mínimo, enquanto outros descartada uma patologia física identificável por
choram para eliminar fezes moles. Lactentes < 2 meio de exame físico, contagem sangüínea, análi-
a 3 meses comumente têm um pequeno grau de se de urina ou outros estudos conforme o necessá-

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2094 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

rio. Um bebê faminto pode chorar incessantemen- tidade de leite ingerido pelo lactente em determi-
te, mas apresenta um ganho de peso inadequado. nado período, se a droga é absorvida pelo lactente
Um lactente superprotegido pode não dormir o su- e se este é afetado pela droga.
ficiente. Doenças, como febre, resfriado ou infec- Determinar que drogas devem ser contra-indi-
ção de ouvido, podem causar irritabilidade. O ques- cadas em uma nutriz, em geral se baseia em dados
tionamento cuidadoso pode revelar que o choro não humanos muito limitados, incluindo relatos de caso
é a principal preocupação, mas um sintoma que os ou esporádicos e bem poucos estudos. Dados em
pais usaram para justificar sua consulta ao médico animais são com freqüência extrapolados inadequa-
para apresentar outro problema – por exemplo, damente para o homem.
preocupação a respeito da morte de um filho ante- A proporção leite/plasma compara a concen-
rior ou seus sentimentos de impotência para cuidar tração da droga no leite materno com a concentra-
de um novo bebê. ção plasmática simultânea. No entanto, o signifi-
Os pais devem ser tranqüilizados no sentido de cado clínico das proporções leite/plasma freqüen-
que a irritabilidade do bebê não é conseqüência temente é mal compreendido; por exemplo, uma
de ter maus pais. O lactente que chora por peque- proporção leite/plasma ≥ 1 pode sugerir um poten-
nos períodos de tempo pode parar quando ficar no cial enganoso muito alto para efeitos adversos no
colo, for embalado ou acariciado suavemente. Um lactente, mas se os níveis plasmáticos forem míni-
lactente com um forte desejo de sucção, que se agita mos, os níveis no leite também podem ser. Por
logo depois da alimentação pode necessitar de mais exemplo, se for administrada isoniazida à mãe em
estímulos para sucção. Se a alimentação com ma- dose terapêutica, sua concentração plasmática é
madeira durar < 20min, deve-se tentar novos bi- tipicamente 6µg/mL. Se a proporção leite/plasma
cos, com buracos menores; uma chupeta também for 1, um lactente consumindo 240mL de leite
pode acalmar o lactente. Um lactente muito ativo, estará ingerindo apenas 1,4mg/mamada, muito
inquieto, pode responder paradoxalmente ao ser menos que a dose pediátrica de isoniazida, que é
envolvido, com um lençol pequeno, bem apertado. de 10 a 20mg/kg. Portanto, os problemas são ra-
Uma pequena prova com uma fórmula substituta ros, a menos que a concentração no leite seja
do leite é útil para determinar se existe alguma for- elevada ou a droga seja altamente potente ou tóxi-
ma de intolerância ao leite. Deve-se assegurar aos ca mesmo em baixas concentrações ou tenha efei-
pais que o lactente com cólica é basicamente sau- tos cumulativos por causa do metabolismo e ex-
dável, que esse comportamento cessará em poucas creção da droga imaturos.
semanas e tanto choro não é prejudicial. Em casos Drogas que geralmente não são perigosas
excepcionais, o uso criterioso de sedativo, como para o lactente incluem insulina e adrenalina, que
fenobarbital (em forma líquida), 1 a 2mg/kg VO não passam para o leite materno. Cafeína e teofilina
pode ajudar quando administrado 1h antes do pe- não são bem excretadas pelo lactente e podem se
ríodo de confusão previsto. acumular, provocando irritabilidade. A ingestão de
álcool deve ser limitada a não mais que 0,5g/kg
DROGAS EM NUTRIZES de peso corpóreo materno ao dia. As mães não de-
vem fumar na presença da criança independente da
O grau em que uma droga passa para o leite mamada e não devem amamentar no prazo de 2h
materno depende basicamente da lipossolubilidade depois de fumarem.
da droga, pKa (logaritmo negativo da constante de Drogas contra-indicadas incluem drogas antineo-
dissociação ácida) e capacidade de ligação a proteí- plásicas, doses terapêuticas de radiofármacos, ergot
nas e do pH do leite. Como o pH do leite é leve- e seus derivados por exemplo, metisergida), lítio, clo-
mente inferior ao do plasma, as bases fracas ten- ranfenicol, atropina, tiouracil, iodetos e mercuriais.
dem a ter uma relação leite/plasma mais elevada Essas drogas não devem ser usadas por nutrizes ou a
que os ácidos fracos. Por isso, as concentrações no amamentação deverá ser interrompida se qualquer
leite de lincomicina, eritromicina, anti-histamí- dessas drogas for essencial. Outras drogas a serem
nicos, alcalóides, isoniazida, antipsicóticos, anti- evitadas na ausência de estudos sobre sua excreção
depressivos, lítio, quinino, tiouracil e metronidazol no leite materno são aquelas com meias-vidas lon-
– todos bases fracas – são iguais ou superiores às gas, as que são toxinas potentes para a medula óssea
do plasma. As concentrações no leite de barbitúri- e as administradas em altas doses por tempo prolon-
cos, fenitoínas, sulfonamidas, diuréticos e penici- gado. No entanto, drogas que são tão mal absorvi-
linas – ácidos fracos – são iguais ou inferiores às das por via oral que precisam ser administradas por
do plasma. via parenteral (para a mãe) não acarretam risco para
O significado clínico de uma droga no leite ma- o lactente, que receberia a droga por via oral mas
terno depende de sua concentração no leite, a quan- não a absorveria.

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CAPÍTULO 256 – CONTROLE DE SAÚDE EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES E CRIANÇAS... / 2095

Drogas que suprimem ou inibem a lactação excretada no leite, mas como é precipitada pelo
incluem bromocriptina, estradiol, grandes doses de cálcio no leite, a absorção pela criança amamenta-
contraceptivos orais, levodopa e o antidepressivo da em geral é pequena demais para causar efeitos
trazodona. adversos. Entretanto, a minociclina, que é 100%
Drogas que devem ser usadas com cautela absorvida por VO e não afetada por alimento deve
são descritas adiante. Geralmente, todos os me- ser evitada pelas nutrizes; pode provocar manchas
dicamentos de venda livre (sem receita médica) nos dentes da criança se administrada por > 10 dias.
são inócuos para mães que estão amamentando. O metronidazol é significativamente excretado no
Deve-se verificar na bula se existem alertas con- leite materno e, em grandes doses, é carcinogênico
tra o uso e orientações especiais durante a ama- em roedores e mutagênico em bactérias. Quando a
mentação. Propiltiouracil e fenilbutazona podem indicação de metronidazol é necessária nos primei-
ser administrados à mãe sem efeitos prejudiciais ros 3 meses pós-parto, um esquema terapêutico de
para os lactentes, mas metimazol é contra-indi- 2g em dose única deve ser administrado e a ama-
cado. Neurolépticos e antidepressivos, sedativos mentação deve ser suspensa por 24h e o leite ex-
e tranqüilizantes são usados com cautela e con- traído e desprezado. No entanto, depois da criança
trole da dose. Contraceptivos orais com um só estar com 6 meses de idade ou mais, o uso de me-
hormônio de baixa dosagem podem ser usados. tronidazol pela mãe é aceitável. Ácido nalidíxico,
Contraceptivos em alta dosagem inibem a lacta- sulfonamidas e outras drogas oxidantes podem cau-
ção. O uso do metronidazol depende da idade da sar hemólise em lactentes deficientes em G6PD.
criança e da dose materna. Os lactentes devem Os antibióticos orais não absorvíveis, como estrep-
ser cuidadosamente observados com uso prolon- tomicina, canamicina e gentamicina, não causam
gado de qualquer droga por suas mães para ga- problemas sistêmicos nos lactentes.
rantir que não existe nenhuma alteração nos pa- Drogas cardiovasculares – Anti-hipertensivos,
drões de alimentação e do sono. As vacinas não diuréticos, digoxina e β-bloqueadores podem ser
são contra-indicadas durante a amamentação. continuamente prescritos sem efeitos adversos sig-
Analgésicos – Salicilatos são excretados no lei- nificativos em bebês amamentados. No entanto, a
te materno em quantidades moderadas. Com gran- escolha da droga deve estar sempre baseada nos
des doses maternas e uso prolongado, a criança em níveis mínimos no leite. Propranolol, digitálicos,
aleitamento materno < 1 mês pode atingir concen- metoprolol, captopril e diuréticos, que são discre-
trações plasmáticas que aumentem o risco de hi- tamente ácidos (como clortiazida e hidrocloro-
perbilirrubinemia (salicilatos competem pelos sí- tiazida) apresentam baixas concentrações no leite.
tios de ligação da albumina), a hemólise é um risco Esteróides – Hormônios, quando administrados a
apenas para crianças deficientes em G6PD. Aceta- nutrizes em grandes doses, podem atingir concentra-
minofenol e ibuprofeno parecem seguros para lac- ções elevadas no leite, o que representa um perigo
tentes quando ingeridos pela mãe em doses tera- com os hormônios que podem ser absorvidos pelo
pêuticas. Analgésicos narcóticos (por exemplo, lactente por via oral. Contraceptivos orais freqüen-
codeína, morfina, meperidina, metadona) em do- temente são prescritos após o parto para evitar a gra-
ses terapêuticas podem ser excretados no leite ma- videz. Etinilestradiol e mestranol são excretados no
terno em concentrações muito baixas, que afetam leite materno; podem reduzir a produção de leite e
minimamente os lactentes em dose única. No en- também reduzem os níveis de piridoxina (vitamina
tanto, em mães que recebem doses repetidas, parti- B6) no leite. Contraceptivos mais modernos, com
cularmente quando são dependentes de narcóticos, apenas um hormônio em baixas doses são preferíveis
usando altas doses, são excretadas quantidades sig- para nutrizes e não estão associados a problemas para
nificativas no leite, afetando a criança e provocan- o recém-nascido. Corticosteróides, quando adminis-
do sintomas de abstinência quando se perde uma trados à mãe em doses elevadas durante semanas ou
mamada (ver também PROBLEMAS METABÓLICOS meses podem atingir elevadas concentrações no leite
NO RECÉM-NASCIDO no Cap. 260). Usuárias crô- e acarretam risco de supressão do crescimento e in-
nicas de narcóticos não devem amamentar. terferência na produção endógena de corticosterói-
Antibióticos – Geralmente podem ser prescri- des no lactente. Alguns dias de tratamento, no entan-
tos a nutrizes, sem prejuízos significativos para seus to, são aparentemente seguros e a dose no lactente
bebês. Entretanto, como quase todos os antibióti- diminui gradualmente quando a mãe reduz a dose.
cos são excretados no leite, os lactentes podem ra- Antiepilépticos – Barbitúricos e fenitoína po-
ramente desenvolver hipensibilidade, diarréia e dem induzir as enzimas de oxidação microssômica
candidíase. Níveis de penicilina são detectáveis no nos lactentes, acentuando a degradação de este-
leite materno a partir de 1 e até 9h depois da inje- róides endógenos, mas em doses baixas habitual-
ção IM da mãe. Tetraciclina é significativamente mente são considerados seguros.

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2096 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Drogas psicoativas – Diazepam é excretado no hiperbilirrubinemia, que pode levar a kernicterus.


leite materno e, com múltiplas doses maternas, pode A heparina não passa para o leite.
causar letargia, sonolência e perda de peso em be- Drogas ilícitas – Tetraidrocanabinol, o com-
bês amamentados. O metabolismo do diazepam em ponnte mais psicoativo da maconha, é altamente
bebês é lento. Uma vez que o diazepam, depois do ligado a lipoproteínas e a excreção para o leite é
metabolismo inicial, é conjugado com ácido glucu- muito baixa em animais. Como a meia-vida da
rônico, a competição com bilirrubina por ácido maconha no plasma humano pode ser de até
glucurônico pode predispor os lactentes < 1 mês à 2 dias, é prudente que as nutrizes a evitem.
hiperbilirrubinemia. Os antipsicóticos e antide- A cocaína permanece no leite por até 24h. Por-
pressivos tricíclicos passam para o leite mas é pou- tanto, mães que usarem qualquer das duas dro-
co provável que provoquem qualquer reação adver- gas devem retirar o leite com bomba e desprezar
sa significativa no lactente, porque sua concentra- durante 24h. O uso de narcóticos é discutido em
ção plasmática é baixa por absorção oral limitada. Analgésicos, anteriormente.
Anticoagulantes – Warfarin e dicumarol podem Poluentes ambientais – A exposição materna a
ser dados cautelosamente a nutrizes, mas podem inseticidas ou outros poluentes químicos raramen-
provocar hemorragia em doses elevadas; em lac- te é contra-indicada para amamentação, a menos
tentes muito pequenos, o dicumarol pode provocar que a exposição seja excessiva.

257␣ /␣ CUIDADOS A CRIANÇAS


DOENTES E SUAS
FAMÍLIAS
LIGAÇÃO PAIS-FILHO: transferido para uma unidade de terapia intensiva
em hospital distante. Os pais podem ser separados
O RECÉM-NASCIDO de seu bebê por muitos dias ou semanas e o desen-
DOENTE volvimento de laços normais pode não ser possí-
vel, pela distância ou por causa da ansiedade.
Ligações psicológicas fortes entre os pais e seu Os pais e os parentes próximos são encorajados a
recém-nascido começam a se desenvolver antes do visitar o recém-nascido freqüentemente e tão logo
nascimento e são reforçadas nas primeiras horas e após o nascimento quanto possível. Depois da la-
dias seguintes ao nascimento. O processo é influen- vagem de mãos e com vestimenta apropriada, eles
ciado pelas próprias experiências dos pais, uma vez devem ser ajudados a tocar ou segurar o recém-
que foram criados por seus pais, por suas atitudes
culturais e sociais em relação à educação da crian- nascido à medida que sua condição permita. Ne-
ça, pelo desenvolvimento de sua personalidade, por nhum recém-nascido, mesmo se em um respirador,
seu desejo de ter um filho, e por projetos psicoló- pode ser considerado tão doente a ponto dos pais
gicos para a chegada do recém-nascido. Esta liga- não poderem vê-lo e tocá-lo. As ligações pais-re-
ção ajuda a garantir o suporte paterno no desen- cém-nascido são fortalecidas se os pais puderem
volvimento da personalidade da criança (ver tam- alimentar, dar banho e trocar as roupas de seu re-
bém CUIDADOS INICIAIS no Cap. 256). cém-nascido e se a mãe puder dar seu leite para seu
Quando o neonato é doente ou prematuro, ex- neonato doente, mesmo que inicialmente, ele seja
plicações e encorajamento realista devem ser ofe- alimentado por sonda nasogástrica (ver também
recidos aos pais. Os pais devem ser encorajados a CRIANÇA CRONICAMENTE INCAPACITADA, adiante).
visitar seu recém-nascido precoce e freqüentemente Quando um recém-nascido apresenta um defei-
a participar em seu cuidado tanto quanto possível. to de nascimento, os pais devem vê-lo o mais cedo
Uma atenção de suporte aos dos pais reduz sua possível, independente de sua condição. Caso con-
ansiedade e promove o processo de ligação. trário, podem imaginar sua aparência e condição
Dificuldades particulares podem surgir quando como sendo muito pior do que é realmente. O apoio
um recém-nascido criticamente doente deve ser intensivo aos pais é essencial, com tantas sessões

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CAPÍTULO 257 – CUIDADOS A CRIANÇAS DOENTES E SUAS FAMÍLIAS / 2097

de aconselhamento quantas forem necessárias para dade de participar das atividades dos companhei-
que os pais compreendam a situação de seu filho e ros, uma sobrecarga diária de assistência e uma
o tratamento necessário e o aceitem psicologica- evolução imprevisível.
mente. É importante enfatizar o que é normal na A escassez de modelos para papéis de adultos
criança e qual o potencial que ela tem e não se de- portadores de deficiência (por exemplo, astros de
ter apenas nas anormalidades. televisão) torna difícil a essas crianças estabelecer
Quando a criança morre sem que os pais a te- identidades. Diferenças físicas podem levar a re-
nham visto ou tocado, eles podem sentir como se jeição social pelos companheiros e diminuição da
nunca tivessem tido um bebê. Em tais casos já se motivação. A incapacitação também pode interfe-
relatou sentimentos exagerados de vazio; pode ha- rir na capacidade da criança atingir objetivos (por
ver depressão patológica prolongada, porque os pais exemplo, a independência da criança que não con-
não puderam chorar a perda de um “bebê real”. O segue fisicamente andar para longe de seus pais) e
processo de luto será, então, incompleto. Na maio- pode afetar o temperamento da criança, levando à
ria dos casos, os pais que não puderam ver ou se- inadaptação (por exemplo, na criança que é dis-
gurar seu bebê se sentirão melhor a longo prazo se traída por natureza e também é surda).
puderem fazê-lo depois que o bebê morreu. Em Efeitos da incapacidade crônica sobre a famí-
ambos os casos, visitas de seguimento com o mé- lia – Para a família, a incapacidade crônica leva à per-
dico e uma assistente social são úteis para rever as da de sua esperança de uma “criança ideal”, falta de
circunstâncias da doença e morte do lactente, para atenção para os outros filhos, despesas e um dispên-
responder as questões que freqüentemente surgem dio de tempo significativos, devido a um sistema de
mais tarde e para avaliar e aliviar sentimentos de saúde e assistencial confusos, a perda de oportunida-
culpa inapropriados. O médico pode também ava- des (por exemplo a mãe que não pode retornar ao tra-
liar o processo de sofrimento dos pais e, se for pa- balho) e ao isolamento social. Estes agravos podem
tológico, pode fornecer orientação apropriada ou levar à ruptura da família, em especial quando já exis-
indicar um apoio mais extensivo. Se houver um ris- tem outros problemas intrafamiliares e conjugais.
co aumentado de complicações para gestações fu- As afecções que comprometem a aparência físi-
turas, é recomendável o aconselhamento genético ca da criança, por exemplo lábio leporino e fenda
e/ou com um perinatologista. palatina ou a hidrocefalia podem afetar o vínculo
entre a criança e sua família ou responsáveis. Quan-
do é feito o diagnóstico de uma anormalidade, os
CRIANÇA pais podem sentir a perda de “uma criança normal”
CRONICAMENTE com choque, negação, raiva, tristeza ou depressão,
culpa e ansiedade. Isto pode ocorrer em qualquer
INCAPACITADA época do desenvolvimento da criança e cada um
A incapacidade crônica é definida como condi- dos pais pode estar em um estágio diferente de acei-
ções físicas que afetam as funções diárias por > 3
meses ao ano, causam ou podem causar hospita- TABELA 257.1 – ELEMENTOS DE
lização cumulativa por > 1 mês ao ano; por exem- COORDENAÇÃO DO ATENDIMENTO A
plo, asma, paralisia cerebral, fibrose cística, cardio- CRIANÇAS CRONICAMENTE INCAPACITADAS
patias congênitas, diabetes melito, meningomielo-
cele, doença inflamatória intestinal, insuficiência Avaliar as necessidades da criança e da família (médicas,
renal, epilepsia, câncer, artrite reumatóide juvenil, educacionais, sociais, psicológicas)
hemofilia e anemia falciforme. Incapacidades físi- Planejar atendimento abrangente para serviços médicos
cas, como amputações, deformidades e lesões cu- e não médicos*
tâneas extensas, também afetam a auto-imagem e Coordenar serviços, incluindo o treinamento de prove-
o desenvolvimento da criança. Embora raras indi- dores na comunidade
vidualmente, em conjunto elas afetam cerca de 10% Acompanhar os serviços e os progressos do paciente e da
de todas as crianças e constituem uma parte impor- família
tante da prática clínica. Orientar, educar, treinar e apoiar o paciente e a família
Efeitos da incapacidade crônica sobre a (por exemplo, grupos de pais voluntários, atendimento
criança – Apesar das muitas diferenças, estas para dias de folga e intervenção direta em escolas ou
crianças compartilham dor e desconforto, restri- terceiros financiadores)
ções ao crescimento e desenvolvimento, hospita- * A comunicação entre o médico de atendimento primário
lizações e consultas ambulatoriais freqüentes, tra- e os especialistas deve definir os papéis e responsabilidades
tamentos dolorosos e desagradáveis, incapaci- de cada um claramente.

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2098 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

tação, tornando a comunicação entre eles muito coordenação entre serviços de saúde, educacionais
difícil. Eles podem expressar sua raiva nas pessoas e sistemas de apoio comunitário.
que cuidam da saúde da criança ou a negação pode Coordenação de cuidados – Sem coordenação
levá-los a procurar várias opiniões. dos serviços, o cuidado será orientados por crises,
As exigências colocadas sobre a família e a afei- alguns serviços serão duplicados, enquanto outros
ção pela criança podem fazer com que não haja dis- serão negligenciados. A coordenação dos cuidados
ciplina e isto pode levar a problemas de comporta- requer conhecimento sobre a condição da criança, da
mento. Um dos pais (freqüentemente a mãe) pode família e da comunidade em que funciona. A coorde-
tornar-se muito envolvido com a criança, afastan- nação dos serviços é detalhada na TABELA 257.1.
do-se dos afazeres normais da família. O pai que Todos os profissionais que prestam assistência
trabalha fora pode ficar isolado (os horários de aten- à criança devem assegurar que alguém esteja coor-
dimento da maioria dos serviços de saúde o impe- denando o atendimento ao caso. De modo ideal,
dem de comparecer às consultas médicas). este papel deveria ser dos pais da criança. Entre-
Efeitos da incapacidade crônica sobre a co- tanto, os sistemas que devem ser compreendidos e
munidade – Um problema na comunidade é a fal- negociados habitualmente são tão complexos, que
ta de compreensão; para muitas pessoas, sua única mesmo os pais mais capazes precisam de ajuda.
exposição a crianças portadoras de deficiência ocor- Outros coordenadores possíveis seriam o médico que
re em programas de televisão destinados a angariar dá a assistência primária, os membros do grupo de
simpatia e fundos. Também contribuem para o pro- especialistas, a enfermeira comunitária e os
blema as políticas e recursos de saúde inconsisten- mantenedores (seguros e o governo). Independente
tes e acesso inadequado aos serviços (inclusive de quem seja o coordenador do atendimento, a fa-
barreiras físicas ao acesso) e pouca comunicação e mília e a criança devem ser parceiros do processo.

258␣ /␣ TRATAMENTO
MEDICAMENTOSO EM
RECÉM-NASCIDOS,
LACTENTES E CRIANÇAS
(Ver também seção 22 e DROGAS EM NUTRIZES no Cap. 256.)

A terapia medicamentosa eficaz e segura em ca. A absorção de algumas drogas administradas


neonatos, lactentes e crianças requer a compreen- por via IM (por exemplo, digoxina, fenitoína) pode
são das mudanças maturacionais na ação, metabo- ser irregular nos neonatos. A absorção dérmica e
lismo e distribuição da droga durante o crescimen- subcutânea das drogas é extraordinariamente acen-
to e o desenvolvimento. Na realidade, praticamen- tuada nos recém-nascidos e nos lactentes jovens;
te todos os parâmetros farmacocinéticos mudam por exemplo adrenalina topicamente administrada
com a idade. Os esquemas posológicos das drogas pode causar hipertensão sistêmica e a absorção
pediátricas (em mg/kg) devem ser ajustados pelas dérmica de corantes e antibacterianos (hexacloro-
características cinéticas de cada droga, pela idade feno) pode resultar em intoxicação. Teofilina ad-
(o principal determinante), estados patológicos, ministrada subcutaneamente a recém-nascidos pre-
sexo (depois da puberdade) e necessidades indivi- maturos com apnéia é bem absorvida e mantém
duais. A falha em fazer tais ajustes pode levar a um concentrações terapêuticas plasmáticas.
tratamento ineficaz ou à toxicidade. A distribuição da droga – Muda durante o cres-
Absorção da droga – A absorção GI das drogas cimento, paralelamente às mudanças na composi-
pode ser mais lenta que nos adultos, especialmente ção do corpo (ver FIG. 258.1). A água corpórea to-
no recém-nascido com tempo de esvaziamento gás- tal é maior nos neonatos (variando de 80% do peso
trico prolongado e em crianças com doença celía- corpóreo em recém-nascidos prematuros até 70%

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CAPÍTULO 258 – TRATAMENTO MEDICAMENTOSO EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES... / 2099

2,0% 3,2% 3,0% 4,2% 4,3% 5,5% 4,0%


Proteínas
Minerais 12,0% 13,4% 13,4% 17,3% 18,1% 16,5% 12,0%

Água 80,0% 70,0% 61,2% 64,8% 64,6% 60,0% 54,0%

Gordura 6,0% 13,4% 22,4% 13,7% 13,0% 18,0% 30,0%


Prematuros Termo completo 1 ano 10 anos 15 anos Adulto Idoso
(2kg) (3,5kg) (10kg) (31kg) (60kg) (70kg) (65kg)
FIGURA 258.1 – Alterações nas proporções corpóreas na composição do corpo com crescimento e a idade. (A partir
de Puig M: “Body composition and growth”, em Nutrition in Pediatrics, 2ª ed., editado por WA Walker and JB Watkins.
Hamilton, Ontario, BC Decker, 1996; usado com permissão.)

nos nascidos a termo) que em adultos (55 a 60%). muito lentos no recém-nascido, aumentam progres-
Portanto, para manter concentrações plasmáticas sivamente durante os primeiros meses de vida e
equivalentes, as drogas hidrossolúveis são admi- excedem as taxas de eliminação do adulto logo nos
nistradas em doses decrescentes (por kg de peso) primeiros anos de vida. A eliminação da droga di-
com o avanço da idade pós-natal. Um fato interes- minui durante a adolescência e provavelmente al-
sante é que este declínio na água corpórea total cança as taxas do adulto no final da puberdade.
continua até a idade avançada. As mudanças no metabolismo e distribuição da
Ligação às proteínas plasmáticas – A ligação droga como uma função da idade pós-natal são
a proteínas plasmáticas nos recém-nascidos é me- extremamente variáveis e dependem também do
nor do que nos adultos, mas a capacidade do adul- substrato ou droga. A maioria das drogas (fenitoí-
to é atingida em poucos meses depois do nascimen- na, barbitúricos, analgésicos, glicosídeos cardíacos)
to. Esta ligação diminuída às proteínas pode ser apresentam meias-vidas 2 a 3 vezes maiores nos
devida a diferenças qualitativas e quantitativas nas recém-nascidos em relação aos adultos. Outras dro-
proteínas plasmáticas e também à presença de subs- gas são eliminadas muito lentamente pelos recém-
tratos endógenos e exógenos no plasma. A ligação nascidos e lactentes jovens: por exemplo a teofilina
proteica diminuída pode alterar as respostas farma- tem meia-vida plasmática média de 30h no neonato
cológicas e o “clearance” das drogas, mas é rara- e de 6h no adulto. Ao passo que as taxas de elimi-
mente considerada em crianças mais velhas. nação do adulto para algumas drogas (barbitúricos,
A sensibilidade aumentada dos recém-nascidos a fenitoína) podem ser alcançadas 2 a 4 semanas no
certas drogas, por exemplo a teofilina, tem sido atri- pós-natal, outras (teofilina) requerem meses.
buída em parte à ligação proteica diminuída, resul- O metabolismo e a eliminação das drogas mos-
tando em maior quantidade da droga disponível no tram variabilidade acentuada entre pacientes e
local receptor, levando a um efeito farmacológico vulnerabilidade a estados fisiopatológicos. Além
relativamente mais intenso. Desta forma, as rea- disto, a ativação de vias alternativas de biotrans-
ções adversas podem ocorrer em concentrações formação ocorrem no recém-nascido (por exem-
plasmáticas de drogas muito menores, considera- plo, a conversão da teofilina em cafeína). Estas
das seguras na população adulta. observações resultaram em esquemas posológicos
Metabolismo e eliminação da droga – A dose modificados para lactentes e crianças. Os princí-
de manutenção de uma droga é em grande parte pios estão ilustrados na FIGURA 258.2 para a
uma função do “clearance” corpóreo da droga, que teofilina, um broncodilatador e estimulante do
depende principalmente das suas taxas de metabo- SNC usado comumente em pediatria. Esta dro-
lismo e eliminação. Esses processos tendem a ser ga, é eliminada muito lentamente no neonato,

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2100 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

30 Dose de teofilina para manter


CPE = 10mg/L

Dose (mg/kg ao dia)


20

10

A 0

50
CPE = teofilina
se a dose = 20mg/kg ao dia
40
Concentração plasmática (mg/L)

30

20

10

0
3–15 25–57 3–23 4–18 16 6–17 23–79
dias dias meses meses meses– anos anos
4 anos
B Idade
FIGURA 258.2 – Necessidades de doses de teofilina e concentração plasmática. A) Necessidades esti-
madas de dose de teofilina (mg/kg ao dia) para manter uma concentração plasmática de 10mg/L.
B) Concentrações plasmáticas estimadas de teofilina num estado de equilíbrio, se a dose é mantida em
20mg/kg ao dia. As áreas sombreadas indicam a tentativa de nível terapêutico para atividade de bronco-
dilatação e antiapnéica. *CPE = concentração plasmática em equilíbrio. (A partir de Aranda, JV –
“Maturational changes in theophylline and caffeine metabolism and disposition: Clinical implications”,
em Proceedings of the Second World Conference on Clinical Pharmacology and Therapeutics, 31 de
Julho – 5 de Agosto, 1983, editado por L Lemberger e MM Reidenberg. Copyright da American Society
for Pharmacology and Experimental Therapeutics, Bethesda, 1984, p. 870; usado com permissão.)

mas, atinge as taxas de eliminação do adulto em A eliminação renal da droga é a via principal
meses e com a idade de 1 a 2 anos, estas taxas dos agentes antimicrobianos, que são as drogas mais
são ultrapassadas. Desta forma, a fim de manter comumente usadas em recém-nascidos e crianças
a concentração plasmática da droga nos limites pequenas. A eliminação renal é dependente da taxa
terapêuticos, a dose/peso corpóreo é extrema- de filtração glomerular (TFG) e da secreção tubu-
mente baixa durante o período neonatal, mas lar. Ambas as funções são deficientes no recém-
aumenta e ultrapassa as doses de adulto entre 6 nascido e experimentam mudanças maturacionais
meses e 4 anos de idade. durante os primeiros 2 anos de vida. A TFG neona-

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CAPÍTULO 258 – TRATAMENTO MEDICAMENTOSO EM RECÉM-NASCIDOS, LACTENTES... / 2101

tal é cerca de 30% do dos adultos e é muito influen- TABELA 258.1 – EFEITO DA MATURIDADE
ciada pela idade gestacional ao nascimento. O flu- E IDADE FETAIS SOBRE A ADMINISTRAÇÃO
xo sangüíneo renal (FSR) eficaz afeta a taxa em DE DROGAS EM NEONATOS
que as drogas são eliminadas pelos rins. O FSR Idade Intervalo
eficaz é baixo durante os primeiros 2 dias de vida Droga pós-concepcional1 Dose entre as
(34 a 99mL/min/1,73m2), aumentando para 54 a (semanas) (mg/kg)2 doses (h)
166mL/min/1,73m2 com 14 a 21 dias e posterior-
mente aumentando para os valores do adulto de Gentamicina < 24 2,5 cada 36h
cerca de 600mL/min/1,73m2 com a idade de 1 a 2 25 – 27 2,5 cada 24h
anos. O “clearance” plasmático das drogas está 28 – 29 3,0 cada 24h
significativamente aumentado na infância preco- 30 – 37 2,5 cada 18h
ce depois do primeiro ano de vida. Isto se deve >37 2,5 cada 12h
parcialmente à eliminação renal e hepática das Vancomicina < 29 18 cada 24h
drogas aumentada no começo da infância, em re- 30 – 36 15 cada 12h
lação aos adultos, especialmente os velhos. Os es- 37 – 44 10 cada 8h
quemas de administração dos aminoglicosídeos e
1 Idade pós-concepcional diz respeito à soma das idades
outros antimicrobianos são ajustados para contar
com essas mudanças maturacionais. gestacional e pós-natal.
2 Dose derivada de dados farmacocinéticos publicados e

informações de acompanhamento terapêutico da droga.


POSOLOGIAS
breve, mas rápida fase distributiva (α) e uma fase de
Nenhuma regra pode garantir a eficácia e a se- eliminação mais lenta (β). Isto exemplifica um mo-
gurança das drogas no paciente pediátrico, espe- delo de 2 compartimentos e cinética de primeira or-
cialmente no recém-nascido. Doses baseadas em dem, onde uma certa fração (não quantidade) da dro-
dados farmacocinéticos para um dado grupo etá- ga remanescente no corpo é eliminada com o tempo
rio, ajustadas à resposta desejada e à capacidade e, depois da fase de distribuição, a concentração plas-
individual de manipulação da droga pelo paciente, mática é proporcional à concentração da droga em
freqüentemente são a abordagem mais racional. outras partes do corpo. Este modelo é aplicável a
Muitas drogas correntemente usadas na prática uma grande variedade de drogas usadas em recém-
pediátrica não foram estudadas adequadamente ou nascidos e em pacientes pediátricos, embora algu-
não foram estudadas absolutamente na população mas drogas (por exemplo, gentamicina, diazepam,
pediátrica. Muitas fórmulas foram sugeridas para digoxina) possam apresentar um modelo multi-
calcular a dose para crianças a partir da dose do compartimental; outras (por exemplo, salicilatos)
adulto (por exemplo, as regras de Clark, de Cowling exibem cinética de saturação (ou seja, uma certa
e de Young), presumindo incorretamente que a dose quantidade – não uma fração – da droga é eliminada
de adulto está sempre correta e que a criança é um por unidade de tempo). Na criança pequena e na
adulto em miniatura. criança pré-púbere, a fase α pode ser muito pequena
Como mostrado na FIGURA 258.2, as necessida- em relação à fase β e sua contribuição para a elimi-
des de doses mudam constantemente em função da nação total e para as computações de dosagem pode
idade. A dosagem baseada no peso corpóreo é prá- não ser significativa. De modo semelhante, as dro-
tica, mas não é ideal. No entanto, mesmo conside- gas administradas ao recém-nascido têm, usualmen-
rando uma determinada faixa etária como neona- te, uma fase β de eliminação extremamente prolon-
tos, as doses das drogas são diferentes por causa da gada, relativa à fase α de distribuição. Portanto, du-
imaturidade diversa do “clearance” das drogas. Por rante o período neonatal, o corpo inteiro poderia ser
exemplo, a dose e o intervalo entre as doses de an- considerado como se fosse um compartimento sim-
tibióticos usados habitualmente (gentamicina e ples para propósitos de cálculos de dose.
vancomicina) no período neonatal são geralmente Para a maioria das drogas, que seguem uma
ajustados de acordo com a idade gestacional e ida- cinética de primeira ordem, os ajustes das doses
de pós-natal (ver TABELA 258.1). podem ser baseados na concentração plasmática da
Considerações farmacocinéticas e monitoração droga que, no estado de equilíbrio, é proporcional
terapêutica – Muitas drogas exibem uma curva plas- à dose. Por exemplo, se a concentração plasmática
mática biexponencial de desaparecimento no neonato do fenobarbital é somente 5mg/L com a dose de
e em pacientes pediátricos mais velhos; isto é, o 10mg/kg ao dia, dobrando-se a dose para 20mg/kg
logaritmo da concentração plasmática decresce li- ao dia deveria haver um aumento de duas vezes em
nearmente como uma função do tempo, com uma sua concentração plasmática para 10mg/L.

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2102 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

A administração de uma dose de ataque (mg/kg) natos. A absorção do hexaclorofeno pela derme
pode ser útil para atingir uma dada concentração plas- produz lesões cerebrais císticas e anormalidades
mática rapidamente, quando o início rápido da ação neuropatológicas em crianças pequenas. A intoxi-
da droga é necessário. Para muitas drogas, as doses cação pelo ácido bórico ou corante de anilina pode
de ataque (mg/kg) são geralmente maiores nos re- ocorrer pela absorção inesperada destes agentes
cém-nascidos e lactentes jovens que em crianças pelas fraldas.
maiores e adultos. Entretanto, a eliminação prolon- As toxicidades de uma droga (como na superdo-
gada das drogas nas primeiras poucas semanas de sagem) são usualmente exageros dos seus efeitos
vida pós-natal autoriza doses de manutenção subs- farmacológicos conhecidos, como observado na
tancialmente menores dadas a intervalos maiores, superdosagem (por exemplo, arritmias cardíacas
para evitar toxicidade. por superdosagem de glicosídeos cardíacos). En-
A monitoração das concentrações de droga do tretanto, fatores do paciente, como hipersensibili-
soro ou outros fluidos biológicos (saliva, urina, dade ou anormalidades genéticas (por exemplo,
LCR, etc.) é útil se o efeito farmacológico deseja- deficiência de G6PD) podem também predispor o
do não for alcançado ou se ocorrem reações adver- paciente a reações adversas a drogas. A retirada da
sas. A monitoração também é útil para fazer ajus- droga geralmente reverte a reação adversa. O trata-
tes de dose para terapia individualizada e para mo- mento de reações tóxicas persistentes depende da
nitorar a adesão de um paciente. droga específica envolvida.
Vias de administração da droga – São determi-
nadas pelas necessidades clínicas e circunstâncias
em um dado paciente. No recém-nascido prematuro ADESÃO
doente, quase todos os medicamentos são adminis- (Ver também Cap. 301.)
trados IV, uma vez que a função GI e, por conse- A falta de adesão aos esquemas terapêuticos é
guinte, a absorção de drogas está prejudicada e a via extremamente elevada na prática pediátrica (50 a
IM está excluída porque estes neonatos têm massa
muscular muito pequena. Em neonatos prematuros 75%); por exemplo entre crianças, em um esquema
mais velhos, recém-nascidos a termo e pacientes de 10 dias de penicilina para infecções estrep-
pediátricos mais velhos, a VO é predominante. A tocócicas, 56% não estavam mais recebendo a me-
absorção da droga pela pele está acentuada e cor- dicação no terceiro dia, 71% não recebiam mais no
rentemente sendo avaliada para o neonato (ver ante- sexto dia e 82% não estavam recebendo a medica-
riormente). Para a criança agudamente doente e aque- ção no nono dia. A falta de adesão em pediatria
las com vômitos, diarréia e função GI prejudicada, a mostra níveis até mesmo mais elevados no caso de
via parenteral é recomendada. condições crônicas (por exemplo diabetes juvenil,
asma) exigindo esquemas complexos de longa dura-
ção, que alterem os modelos de comportamento exis-
REAÇÕES ADVERSAS A tentes. A adesão insuficiente deve ser sempre consi-
derada uma possível causa de falha terapêutica.
DROGAS E TOXICIDADE Medidas gerais para melhorar a adesão incluem
Ao lado das vias usuais desejadas, há outras não telefonemas do médico ou da equipe para conver-
intencionais, por exemplo, através da placenta ou sar sobre o esquema ou uma consulta de retorno,
via leite materno; por injeção fetal direta inadverti- verificar frascos de medicação a cada consulta con-
da e acesso pulmonar, cutâneo ou conjuntival. Su- tando o remanescente, teste de urina particularmen-
bestimar a importância destas vias e a falta de co- te para adesão em caso de antibióticos e pedir que
nhecimento da disposição e metabolismo da droga o paciente ou seus pais mantenham um registro diá-
alterados levam a tragédias terapêuticas; por exem- rio do tratamento (quanto e quando).
plo deixar de reconhecer as atividades deficientes Fatores relativos ao medicamento na falta de
da glucuronil transferase no recém-nascido pode adesão – A adesão diminui quando o esquema de
levar à síndrome do bebê cinzento ou da criança administração é complicado, incômodo, caro, de longa
que começa a andar, caracterizada por colapso car- duração, desagradável para administrar, apresenta
diovascular agudo devido à toxicidade pelo cloran- efeitos adversos ou requer alterações do estilo de vida.
fenicol (para uma discussão sobre cloranfenicol, ver Os esquemas devem ser simplificados (por exemplo,
ANTIBIÓTICOS DIVERSOS no Cap. 153 e TERAPIA sincronização de múltiplos medicamentos) e adapta-
ANTIBACTERIANA em INFECÇÕES NEONATAIS no dos aos horários dos pais ou do paciente, se possível.
Cap. 260). O deslocamento da bilirrubina dos locais Aspectos críticos do plano de tratamento devem ser
de ligação da albumina pelas sulfas leva ao enfatizados (por exemplo, tomar o tratamento com-
kernicterus ou encefalopatia bilirrubínica nos neo- pleto de um antibiótico). Consultas de retorno preco-

Merck_19A.p65 2102 02/02/01, 14:28


CAPÍTULO 259 – DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS EM LACTENTES E CRIANÇAS / 2103

ces ou telefonemas (por exemplo, em 3 a 4 dias) ava- com gripe porque já teve antes e não se pega duas
liam os progressos e permitem correção imediata dos vezes – é como sarampo”). Essas crenças têm
problemas. Se forem necessárias alterações de esti- várias origens, inclusive padrões culturais, cren-
lo de vida (por exemplo, dieta, exercícios) devem ças arraigadas na família, experiência prévia com
ser introduzidas uma de cada vez em várias consul- doenças, interpretação errada dos fatos e informa-
tas. Devem ser estabelecidos objetivos realistas (por ções erradas de fontes não médicas. O médico
exemplo, perder 1 de 15kg em uma consulta de re- deve corrigir afirmações erradas e verificar se os
torno após 2 semanas). Atingir um objetivo deve ser pais concordam com o diagnósticos, percebem
reforçado com elogios e só depois deve ser acres- sua gravidade e acreditam que o tratamento vai
centado mais um objetivo. O custo pode ser reduzi- funcionar ou apresenta efeitos colaterais ou será
do pela prescrição de drogas genéricas e evitando difícil de seguir.
prescrições desnecessárias e os medicamentos de Outros fatores de falta de adesão incluem insa-
venda livre. tisfação com a quantidade de informação e suporte
Fatores paternos na falta de adesão – Alguns emocional do médico, incapacidade de expressar
pais não entendem claramente o que é esperado preocupações, dificuldade em compreender as res-
deles, parcialmente por lembrar pouco da informa- postas a perguntas e expectativas não correspon-
ção: 15min depois de encontrar o médico, cerca de didas pela consulta. O médico deve estimular os
metade das informações são esquecidas. Também, pais a discutir suas preocupações ou conceitos er-
os pais lembram melhor o que ocorreu durante o rados sobre diagnóstico ou tratamento, suas expe-
primeiro terço da discussão e é lembrado mais acer- riências e queixas.
ca do diagnóstico que dos detalhes da terapia pres- Fatores do paciente para a falta de adesão –
crita. O médico deve descrever os detalhes do es- Incluem negação da doença ou conseqüências da
quema oralmente, escrever e rever as instruções falta de adesão. Crianças e adolescentes podem
novamente, enfatizando sua importância e evitan- precisar se sentir no controle de sua doença e trata-
do informação técnica complexa sobre a doença e mento, especialmente aqueles com doenças crôni-
ação da droga como o esquecimento. cas. Devem ser estimulados a comunicar-se livre-
Crenças e atitudes podem estar em conflito com mente e assumir a responsabilidade (com supervi-
a adesão (por exemplo, “Meu filho não pode estar são da família) pela adesão.

259␣ /␣ DISTÚRBIOS
HIDROELETROLÍTICOS
EM LACTENTES E
CRIANÇAS
A desidratação, geralmente por diarréia, continua porção elevada entre a área de superfície corpórea
sendo causa importante de morbidade e mortalidade (ASC) e volume. A taxa metabólica do lactente é 2 a
em lactentes e crianças pelo mundo inteiro. No entan- 3 vezes maior que a do adulto quando expressa por
to, o excesso de fluido e eletrólitos pode ser tão devas- unidade de peso corpóreo. O calor gerado pela ativi-
tador quanto a escassez em pacientes pediátricos em dade metabólica deve ser dissipado (em grande par-
estado grave, com edema cerebral, comprometimento te através da evaporação), e os produtos solúveis
da função renal ou circulatória ou com os sistemas or- precisam ser excretados (a maior parte na urina).
gânicos imaturos (por exemplo, lactentes prematuros). O resultado final é uma renovação mais rápida dos
A criança pequena não consegue comunicar a líquidos corpóreos no lactente que no adulto.
sede ou procurar líquidos sozinha e apresenta uma Ao tratar lactentes e crianças com distúrbios hi-
perda obrigatória de fluido relativamente grande por droeletrolíticos, existe menor margem de erro para
evaporação o que, em parte, é conseqüência da pro- o cálculo de necessidades de líquidos e eletrólitos

Merck_19A.p65 2103 02/02/01, 14:28


2104 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

do que no caso de adultos. Em geral, quanto menor déficit, perdas contínuas e a manutenção – ver TA-
a criança, mais cuidadosos devem ser os cálculos. BELA 259.2 – e calculando primeiro a quantidade
Casos que exigem atenção a detalhes são aqueles de líquido necessária e depois sua composição (por
nos quais a função dos órgãos (especialmente pele, exemplo, eletrólitos) e, finalmente, a velocidade de
coração, cérebro ou rins) está criticamente com- reposição. Desse modo, até os problemas mais com-
prometida. A precisão completa é impossível; en- plexos podem ser simplificados. Os exemplos fo-
tretanto, normalmente se consegue uma exatidão calizam o tratamento por meio da administração
suficiente para restaurar e manter um equilíbrio IV de líquido e eletrólitos, mas os mesmos concei-
normal e para evitar complicações graves. tos e princípios se aplicam à terapia de reidratação
As orientações discutidas adiante são aproxima- oral (ver em GASTROENTERITE INFECCIOSA AGU-
ções, sendo essencial a monitoração criteriosa. A DA no Cap. 265).
freqüência de monitoração deve ser individualiza-
da, dependendo da intensidade do distúrbio e a
potencial porcentagem de alterações. Raramente é DÉFICIT
suficiente uma vez por dia. Infelizmente, não exis-
te nenhum sinal ou teste simples único que reflita São perdas hidroeletrolíticas que ocorreram antes
infalivelmente o equilíbrio hidroeletrolítico; a TA- do tratamento.
BELA 259.1 apresenta 10 sinais e testes em ordem
aproximada de valor prático, considerando o grau Volume hídrico
de facilidade, disponibilidade, invasibilidade, tem- O volume hídrico pode ser determinado diretamen-
po até a realização e custo. te a partir de alterações no peso corpóreo, quando tais
Os problemas hidroeletrolíticos são mais facil- informações forem disponíveis. Uma suposição acei-
mente abordados considerando separadamente o tável é que uma perda de peso em pouco tempo > 1%

TABELA 259.1 – SINAIS E TESTES PARA MONITORAR A HIDRATAÇÃO


Sinal ou teste Problema

Sinais físicos de desidratação (ver TABELA 259.3) Podem ser enganadores se [Na] for anormal; podem ser
influenciados por febre (especialmente pulso), etc.
Peso corpóreo Pode ser falseado devido ao “terceiro espaço”
Volume urinário Débito baixo pode representar a SIADH, desidratação ou
insuficiência renal
Densidade específica da urina Capacidade de concentração do rim do lactente limita-
da; alta densidade específica pode indicar desidrata-
ção, SIADH ou insuficiência renal; baixa densidade
pode indicar boa hidratação, pielonefrite ou necrose
tubular aguda
Ingestão e débito com medida direta Deve-se estimar a manutenção; não se pode medir a perda
do “terceiro espaço”
Nitrogênio da uréia (BUN, SUN) TFG muito reduzida antes que o nitrogênio uréico au-
mente; elevada por sangue no trato GI; o nível em
lactentes é normalmente mais baixo que em adultos;
precisa da creatinina para diferenciar desidratação de
doença renal
Hematócrito Útil seriadamente, mas não como um valor único; muito
menos útil se o paciente estiver sangrando ativamente
Sólidos séricos totais ou total de proteína sérica Bom seriadamente no mesmo paciente, mas não como
valor único
Osmolalidades séricas ou urinárias concomitantes Bom para detectar SIADH sérica e urinária
Concentrações de eletrólitos séricos Por si mesmas, dizem pouco acerca do estado de hidrata-
ção
[Na] = concentração de Na sérico; SIADH = síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético; SUN = nitrogênio
da uréia sérica; BUN = nitrogênio da uréia sangüínea.

Merck_19A.p65 2104 02/02/01, 14:28


CAPÍTULO 259 – DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS EM LACTENTES E CRIANÇAS / 2105

do peso corpóreo por dia representa um déficit de lí- TABELA 259.2 – ABORDAGEM DOS
quido. Quando o peso inicial da criança for desco- DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS
nhecido, uma estimativa clínica da perda de líquido Volume Composição
deve ser usada, embora haja defeitos e pontos falhos Problema (líquido) (eletrólitos)
neste método (ver TABELA 259.3). Por exemplo, al-
terações na concentração sérica de Na afetam a esti- Déficit Alteração de Ver TABELA 259.4
mativa clínica da intensidade da desidratação. peso a curto
Composição da reposição hídrica prazo
Estimativa clí-
A composição do líquido necessário para re- nica (ver
por um déficit depende da duração da perda; na- TABELA 259.3)
tureza da perda de líquido e da concentração de Perda con- Medida Ver TABELA 259.5
eletrólitos séricos. Se a perda for hiperaguda, ou tínua ou medida
seja, de minutos a poucas horas, a composição é Manutenção Calcule pelo Ver TABELA 259.8
essencialmente aquela do soro. Usualmente, en- das neces- método ASC
tretanto, a desidratação se desenvolve em 2 a 3 sidades hí- ou métodos
dias, e há mais tempo para equilíbrio entre o dricas calóricos
fluido extracelular (FEC) e o intracelular (FIC);
desta forma, menos Na e mais K são necessá-
rios. A TABELA 259.4 apresenta os déficits habi-
tuais de eletrólitos por causa de desidratação. Administração da reposição hídrica
As concentrações de eletrólitos séricos do pacien- A velocidade com que o déficit é reposto depen-
te (e em particular a concentração de Na) orien- de da gravidade da desidratação e da taxa de perda
tam a seleção da composição do líquidodo de- de líquido. Em geral, quando existem sinais de com-
pois da reparação inicial da circulação (ver tam- prometimento circulatório, 20mL/kg de fluido se-
bém Hiponatremia e Hipernatremia no Cap. 12). melhante ao FEC (por exemplo, solução de Ringer

TABELA 259.3 – ESTIMATIVA CLÍNICA DA GRAVIDADE DA DESIDRATAÇÃO1


Lactente Adolescente Gravidade da
PPE mL/kg PPE mL/kg desidratação Dados clínicos Problemas na avaliação

5% 50 3% 30 Leve Membranas mucosas A mucosa oral pode estar


secas seca em indivíduos que
respiram cronicamente
pela boca
Oligúria A freqüência de micção pode
ser desconhecida na di-
arréia infantil, especial-
mente em meninas
10% 100 5% 50 Moderada Oligúria acentuada Como os da oligúria, an-
Turgor da pele teriormente
Fontanela deprimida Afetado pela concentra-
Taquicardia ção de Na ([Na])2
Só nos lactentes
Afetado por febre, [Na]2,
doença de base
15% 150 7% 70 Grave Hipotensão Afetado por [Na]2, doença
de base
Perfusão precária Afetado por [Na] 2, doença
de base
1 A estimativa padrão para crianças entre a infância e adolescência. A variação etária é muito ampla e os médicos devem se
basear em decisão médica em algum momento entre os valores mostrados para lactentes e adolescentes.
2 [Na] > 150mEq/L dá erroneamente uma baixa estimativa da intensidade; [Na] < 130mEq/L exagera a estimativa clínica da
gravidade.
PPE = Perda de peso estimada; [Na] = concentração sérica de Na.

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2106 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 259.4 – DÉFICITS COMUNS DE deráveis (4 a 6mL/kg/h ou maiores), mas sua deter-
ELETRÓLITOS DECORRENTES DA minação é difícil. Terceiro espaço diz respeito ao acú-
DESIDRATAÇÃO mulo de fluidos em outro local fora do FEC e FIC, que
Sódio Potássio não está disponível para auxiliar a circulação, mas per-
Causa (mEq/L) (mEq/L) manece no corpo (por exemplo, no lúmen intestinal
em caso de íleo paralítico). Esta situação é particular-
Jejum e não ingestão de líquidos 50 10 mente difícil de administrar, uma vez que não se nota
nenhuma perda externa como um sinal de alerta e o
Diarréia
peso corpóreo não decresce enquanto o FEC é deple-
Desidratação isotônica 80 80
tado; desta forma, pode se desenvolver desidratação
Desidratação hipotônica 100 80
grave insidiosamente. Quando é provável haver “ter-
Desidratação hipertônica 20 10
ceiro espaço”, é particularmente necessária a monito-
Estenose pilórica 80 100 ração cuidadosa do paciente (ver anteriormente).
Cetoacidose diabética 80 50
Composição do fluido perdido
A composição das perdas contínuas anormais
lactato ou de cloreto de sódio a 0,9%) são infundi- pode ser estimada de tabelas (ver TABELA 259.5),
dos IV, em 30 a 60min, para restabelecer a perfu- mas deve ser determinada através da análise quí-
são adequada – a “fase de ressuscitação”. mica no fluido se a quantidade for grande ou hou-
Se a circulação não melhorar satisfatoriamente, ver expectativa de perda por vários dias.
mais fluido semelhante ao FEC é infundido rapida-
mente. A necessidade desta medida de ressuscitação Administração de
adicional deve alertar o médico para prever muitas fluido de reposição
das complicações possíveis de choque agudo (ver Cap. O método mais fácil para repor perdas contínuas
204). O remanescente do déficit pode ser reposto em é acrescentar fluido e eletrólitos à infusão de manu-
8 a 48h, dependendo da necessidade clínica. tenção e/ou fluido de déficit (“adição”); isto elimina
a necessidade de misturar soluções especiais e per-
mite flexibilidade no esquema de reposição.
PERDAS CONTÍNUAS
Volume hídrico EXCESSO
Medir ou estimar o volume de perdas contínuas
anormais (por exemplo, drenagem gástrica, débito de Alguns problemas de equilíbrio hidroeletrolítico
uma ileostomia) pode ser um procedimento direto ou resultam de superidratação (particularmente quando
difícil. Durante uma laparotomia ou toracotomia, por há função cardíaca ou renal comprometida), admi-
exemplo as perdas por evaporação podem ser consi- nistração excessiva de eletrólitos ou ambos. É im-
portante estar alerta para fontes adicionais de fluido
e eletrólitos, como o diluente usado para reconstituir
TABELA 259.5 – COMPOSIÇÃO medicamentos, por exemplo, água estéril para inje-
APROXIMADA DAS PERDAS ANORMAIS ção versus injeção de cloreto de sódio. O volume e
EXTERNAS as composições de fluidos são estimados e são apli-
cadas restrições apropriadas no aporte.
Sódio Potássio Cloreto
Fluido (mEq/L) (mEq/L) (mEq/L)

Gástrico 20 – 80 5 – 20 100 – 150 NECESSIDADES HÍDRICAS


Pancreático 120 – 140 5 – 15 40 – 80 DE MANUTENÇÃO
Intestino delgado 100 – 140 5 – 15 90 – 130
Bile 120 – 140 5 – 15 80 – 120
Depois de atingido o equilíbrio hídrico, os flui-
Decorrente de
dos são necessários para manter a homeostasia,
ileostomia 45 – 135 10 – 80 10 – 110
dissipar o calor gerado pela atividade metabólica e
Sudorese
excretar os produtos solúveis do metabolismo ce-
Normal 10 – 30 3 – 10 10 – 35
lular. As perdas por evaporação da pele e trato res-
Fibrose cística 50 – 130 5 – 25 50 – 110
piratório (em uma relação de 2:1) respondem por
Queimaduras 140 5 110
cerca de 50% das necessidades de fluido de manu-
(ver Cap. 276)
tenção. Os outros 50% são fornecidos pela forma-
ção da urina, para permitir a excreção de soluto na

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CAPÍTULO 259 – DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS EM LACTENTES E CRIANÇAS / 2107

urina, pressupondo que não seja nem concentrada TABELA 259.6 – RELAÇÃO ENTRE O
nem diluída (ou seja, 300mOsm/L, densidade es- GASTO CALÓRICO E EXIGÊNCIA HÍDRICA
pecífica aproximada de 1.010). DE MANUTENÇÃO
Volume hídrico Perdas usuais
(mLH2O/100kcal
Depende da taxa metabólica e, portanto, man- Fonte de perda de água metabolizados)
tém uma relação complexa com o peso: quanto mais
nova a criança, maior a atividade metabólica/kg de Fezes 5
peso corpóreo (50 a 65kcal/kg para recém-nasci- Pele 30 – 40
dos, 26 a 28kcal/kg para o adulto). Três sistemas Pulmões 15 – 20
para estimar a quantidade de fluido de manutenção Urina 55 – 65
necessário estão correntemente em amplo uso: um
é baseado na ASC, os outros no gasto calórico, que Total 115
pode ser razoavelmente traduzido em mililitros de Água gerada pelo metabolismo
líquido (ver TABELA 259.6). (CH2 O + O2 → H2O + CO2) ×15
Determinação de utilização do método ASC – Total líquido 100
Como taxa metabólica, ASC não é uma função linear
do peso e requer o uso de uma tabela ou nomograma
(ver FIG. 259.1). Para indivíduos de todas as idades
são cerca de 1.500 a 2.000mL/m2 ao dia. TABELA 259.7 – TAXAS METABÓLICAS
Determinação de utilização do método das BASAIS PADRÃO
calorias basais – O gasto calórico pode ser esti- kcal/24h
kcal/24h*
mado recorrendo a uma tabela de taxas de calorias
Peso (kg) Sexo Ambos Sexo
basais e aplicando as modificações apropriadas para
masculino os sexos feminino
situações específicas por atividade e alterações na
temperatura corpórea (ver TABELA 259.7). 3 140
Determinação de utilização da fórmula de 5 270
Holliday-Segar – Esta fórmula de fácil memori- 7 400
zação, criada para refletir as necessidades de um 9 500
“paciente médio internado” (ver FIG. 259.2) pode 11 600
ser usada para estimar gasto calórico sem tabelas 13 650
ou nomogramas. Inclui um acréscimo por ativida- 15 710
de (como o método ASC). Pressupõe que o lacten- 17 780
te pequeno internado tenha atividade normal ou pra- 19 830
ticamente normal, mas que a criança mais velha 21 880
fique mais restrita. 25 1.020 960
Cada sistema pode ser usado com sucesso; en- 29 1.120 1.040
tretanto, os sistemas não dão exatamente a mesma 33 1.210 1.120
estimativa. O método das calorias basais produz o 37 1.300 1.190
volume de fluido mais baixo recomendado e, por- 41 1.350 1.260
tanto, é o mais seguro quando a atividade é reduzi- 45 1.410 1.320
da ou quando a sobrecarga de fluido é uma preocu- 49 1.470 1.380
pação. Entretanto, como a fórmula de Holliday- 53 1.530 1.440
Segar não requer tabelas, é o sistema mais fácil de 57 1.590 1.500
usar. O médico deve estar bem familiarizado com
61 1.640 1.560
o uso de um dos sistemas.
* 1. Adicione ou subtraia 12% à taxa metabólica basal em
Composição do fluido kcal/24h para cada °C (8% para cada °F) acima ou abaixo da
Como virtualmente toda perda de eletrólitos temperatura retal de 37,8°C (100°F).
ocorre na urina (ver TABELA 259.8), o paciente 2. Adicione 0 a 30% à taxa metabólica basal para atividade
anúrico não requer reposição de eletrólitos; o usual; estados hipo ou hipermetabólicos exigem ajustes maiores.
paciente com função renal normal é bem mantido
por fluidos contendo 32mEq/L de Na e 24mEq/L
de K, aproximadamente, pela solução comercial- Velocidade de administração
mente disponível de dextrose a 5% e cloreto de Por convenção, quando os fluidos de manu-
sódio a 0,2% com a adição de K. tenção são administrados parenteralmente, a quan-

Merck_19A.p65 2107 02/02/01, 14:28


2108 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Superfície
Estatura corpórea Peso
1,10m2 40,0kg 90lb
cm 120 47 pol 85
46 1,00
115 45 80
1,05 35,0 75
44 0,95
110 43 70
42 0,90 30,0 65
105 41 0,85
40 60
100 39 0,80 25,0 55
38 0,75
95 37 50
36 0,70
90 20,0 45
35 0,65
34 40
85 33 0,60
32 0,55 35
80 15,0
31
30 0,50 30
75
29
28 0,45
70 25
27
0,40 10,0
26
65
25 9,0 20
0,35
24 8,0
60
23
0,30 7,0 15
22
55
21 6,0
20 0,25
50 5,0
19
4.5 10
18 9
45 0,20 4,0
17 0,19 8
3,5
0,18
16 0,17 7
40 3,0
0,16
15 0,15 6
2,5
0,14
14 5
35 0,13
0,12 2,0
13
4
0,11
12
30 0,10 1,5
3
11 0,09

0,08
10 pol
cm 25 0,074m2 1,0kg 2,2lb

FIGURA 259.1 – Nomograma para calcular a área de superfície corpórea de crianças. (Adaptado a partir de Geigy
Scientific Tables, 8ª ed., vol. 1, editado por C Lentner. Basle, Suíça, Ciba-Geigy Ltda., 1981, pp. 226–227; utilizado com
permissão.)

Merck_19A.p65 2108 02/02/01, 14:28


CAPÍTULO 259 – DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS EM LACTENTES E CRIANÇAS / 2109

tidade é distribuída igualmente nas 24h. No en- TABELA 259.8 – FONTES


tanto, pessoas saudáveis não atendem suas ne- PROPORCIONAIS, APROXIMADAS, DE
cessidades de manutenção bebendo continua- PERDAS HIDROELETROLÍTICAS
mente, nem pacientes internados precisam aten- Fonte Água Sódio Potássio
der suas necessidades hídricas constantemente de perda (mL) (mEq/L) (mEq/L)
a cada hora.
Fezes 50 1 2
Pele 300 1 2
EXEMPLO PRÁTICO Pulmões 150 0 0
Urina 500 30 20
Um lactente apresenta diarréia por 3 dias com
perda de peso de 10 para 9kg. Os achados clíni- Total 1.000 32 24
cos apóiam a estimativa de 10% de déficit de flui-
do – mucosas secas, turgor da pele diminuído, Cálculos
produção de urina acentuadamente diminuída e
taquicardia, mas a PA é normal e a perfusão pe- Déficit
riférica adequada é mostrada pela compressão e Volume hídrico (da TABELA 259.3): 1L
liberação dos leitos ungueais. O Na sérico é Composição do fluido (perdas de eletrólitos da
136mEq/L; o K, 4mEq/L; o Cl, 104mEq/L e o TABELA 259.4: diarréia [desidratação isotônica]):
HCO3 , 20mEq/L. 80mEq de Na, 80mEq de K.

3.000 al
de norm
ativida
com )
2.500 a do édia
tim ado (m 2.500
es
osp italiz
nte h 2.300
al
tot

cie
o pa
sto

2.000 d 2.100
tada
Ga
Quilocalorias/dia

c o mpu 1.900
dade
essi 1.700
Nec
1.500 al
1.500 a bas
e t a bólic
m
Taxa
1.000 1.000

Gasto calórico em repouso no leito


500 10 – 10kg:100kcal/kg
10 – 20kg:1.000kcal + 50kcal/kg para cada kg acima de 10
20kg e acima: 1.500kcal + 20kcal/kg para cada kg acima de 20

0 10 20 30 40 50 60 70 kg
0 22 44 66 88 110 132 154 lb
Peso

FIGURA 259.2 – Gastos calóricos estimados em condições basais (curva inferior), em condições de repouso no
leito (curva do meio), e em condições de atividade total (curva de cima). A curva do meio pode ser dividida em 3
segmentos de acordo com a inclinação: de 0 a 10kg = 100kcal/kg; de 10 a 20kg = 50kcal/kg; > 20kg = 20kcal/kg. Estas
inclinações podem ser usadas para formular estimativas razoáveis do gasto calórico para a manutenção de terapia
hídrica sem utilizar um gráfico. Desta forma, o gasto calórico estimado para uma criança de 23kg = (100kcal/kg ×
primeiros 10kg) + (50kcal/kg × próximos 10kg) + (20kcal/kg × últimos 3kg) = 1.560kcal. (A partir de Holliday MA,
Segar WE – “The maintenance need for water in parenteral fluid therapy”. Pediatrics, 19:823, 1957; reproduzido com
permissão de Pediatrics.)

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2110 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Perdas contínuas Depois do primeiro dia, os fluidos de manuten-


ção podem ser distribuídos igualmente no período
Volume hídrico e composição do fluido: a se- completo de 24h
rem determinadas com a evolução. 660 a 1.000
(Velocidade = –––––––––––– = 30 a 40mL/h)
Necessidades hídricas de manutenção 24

Volume hídrico: Resumo


Método ASC (FIGURA 259.1): 0,47m2 × 1.500
a 2.000mL/m2 ao dia = 705 a 940mL ao dia Porção ressuscitativa do déficit:
Método da caloria basal (TABELA 259.7): Solução de Ringer lactato, 200mL/h × 1h e
550kcal basais + 20% (110kcal) para atividade = depois
660kcal (> 660mL ao dia)
Fórmula de Holliday-Segar (ver FIG. 259.2): Restante do déficit:
100kcal/kg × 10kg = 1.000kcal (>1.000mL ao dia). Dextrose a 5% e cloreto de sódio a 0,45%,
Composição do fluido: dextrose a 5% e cloreto de 100mL/h × 8h, depois
sódio a 0,2% + 20mEq/L de acetato ou cloreto
de potássio Perdas contínuas:
Procedimento Repor à medida que ocorrem as perdas.

Parte ressuscitativa do déficit Necessidades de manutenção:


Dextrose a 5% e cloreto de sódio a 0,2%, 50 a
Volume hídrico: 20mL/kg × 10kg = 200mL 60mL/h × 15h, depois
Composição do fluido: solução de Ringer lacta- Dextrose a 5% e cloreto de sódio a 0,2%, 30 a
to contendo 130mEq/L de Na e 4mEq/L de K 40mL/h depois disto
Velocidade de administração: 20mL/kg × 1h
Notas
Remanescente do déficit
Volume hídrico: 1.000mL (déficit total) – 200mL Somente as necessidades de Na são calculadas
(já dados) = 800mL neste exemplo: a quantidade e velocidade de admi-
Composição do fluido Na: 80mEq (déficit) – nistração de K são controladas pela segurança e a
26mEq (dados na solução de Ringer lactato) = reposição completa não é alcançada agudamente.
54mEq. Os 54mEq em 800mL dão uma concentra- Uma vez assegurada a produção de urina, é consi-
ção de 68mEq/L e se aproximam do conteúdo de derado seguro administrar K, 20 a 40mEq/L, adi-
Na de dextrose a 5% e cloreto de sódio a 0,45% cionados às soluções de reposição.
(77mEq/L) comercialmente disponíveis. A reposição seqüencial do déficit e fluidos de
Velocidade de administração: arbitrária; por manutenção é demonstrada no exemplo; o método
exemplo, 100mL/h × 8h é conveniente e ilustra a abordagem apresentada
no texto. Entretanto, muitos médicos preferem com-
Perdas contínuas binar a reposição e manutenção do déficit e proce-
Repor à medida que ocorrem perdas. der mais devagar; esse método é igualmente acei-
tável e é preferido na desidratação hipernatrêmica
Necessidades de fluido de manutenção (ver Hipernatremia no Cap. 12).
Se a criança estiver aceitando fluidos por via oral,
Volume hídrico: 660 a 1.000mL a terapia de hidratação oral deve ser considerada, a
Composição do fluido: dextrose a 5% e cloreto menos que esteja contra-indicada pelos vômitos; é
de sódio a 0,2% eficaz, segura, cômoda e mais barata quando com-
Velocidade de administração: se iniciada de- parada ao tratamento IV. A solução de reidratação
pois da reposição do déficit, as necessidades do oral utilizada para repor o déficit calculado deve
primeiro dia devem ser fornecidas em 15, e não conter carboidratos complexos ou glicose a 2% e
em 24h 50 a 90mEq/L de Na (ver GASTROENTERITE INFEC-
CIOSA AGUDA no Cap. 265). Após a reposição do
660 a 1.000 déficit, deve ser utilizada uma solução de manu-
(Velocidade = –––––––––––– = 50 a 60 mL/h)
15 tenção por via oral, contendo menos Na.

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2111

260␣ /␣ DISTÚRBIOS EM
RECÉM-NASCIDOS E
LACTENTES
O recém-nascido é classificado como prematu- estados intra-uterinos anormais, que podem tam-
ro, a termo ou pós-maturo. bém predispor o lactente a problemas perinatais.
Uma avaliação rápida e acurada da idade ges- Esta avaliação também auxilia a prever o potencial
tacional pode ser feita nos primeiros dias de vida de crescimento e desenvolvimento.
com o uso do novo escore de Ballard (ver FIG. 256.1).
Através de um gráfico de peso versus idade ges-
tacional (ver FIG. 260.1), o neonato é depois clas-
sificado em pequeno, adequado ou grande para a
LACTENTE PREMATURO
idade gestacional. O perímetro cefálico e o com- É qualquer lactente nascido antes de 37 semanas
primento também são cruzados no gráfico com ida- de gestação.
de gestacional (ver FIG. 260.2). Esses parâmetros Antigamente, qualquer recém-nascido pesando
podem ser influenciados por fatores genéticos e por < 2,5kg era chamado prematuro; esta definição era

4,5
90%
4 Grande para idade gestacional

3,5 Apropriado para a


idade gestacional
Peso ao nascimento (kg)

3 10%

2,5 Pequeno para idade


gestacional
2 A B

1,5

0,5

25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45
Semanas de gestação
Prematuro Pós-maturo A termo
FIGURA 260.1 – Nível de crescimento intra-uterino baseado no peso ao nascimento e na idade gestacional de
lactentes nascidos vivos, únicos, brancos. O ponto A representa um lactente prematuro, enquanto o ponto B
indica um lactente de peso ao nascimento similar, que é maturo, mas pequeno para a idade gestacional; as curvas
de crescimento são representativas do percentil 10 e do percentil 90 para todos os recém-nascidos da amostra.
(Adaptado a partir de Sweet, AY – “Classification of the low-birth-weight infant”, in Care of the High-Risk
Neonate, 3ª ed., editado por MH Klaus & AA Fanaroff, Philadelphia WB Saunders Company 1986; usado com
permissão.)

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2112 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

cm
53 90%
52
51
50 50%
49 cm
48 37
47 36 90%
46 10% 35
45 34 50%
44 33
Estatura

43 32

Perímetro cefálico
10%
42 31
41 30
40 29
39 28
38 27
37 26
36 25
35 24
34 23
33 22
32 0
31
26 27 28 29 30 3132 33 3435 36 37 38 39 40 4142 26 2728 2930 31 32 33 34 35 36 3738 3940 4142
Semanas de gestação Semanas de gestação
FIGURA 260.2 – Nível de crescimento intra-uterino baseado na idade gestacional, estatura (A) e perímetro cefálico
(B) ao nascimento. (Adaptado a partir de Lubchenco LC, Hansman C, Boyd E: “Intrauterine growth in length and head
circumference as estimated from live births at gestational ages from 26 to 42 weeks”. Pediatrics 37:403, 1966;
reproduzido com a permissão de Pediatrics.)

inapropriada, uma vez que muitos recém-nascidos cido. Nas meninas, os grandes lábios não cobrem
pesando < 2,5kg são, na realidade, maturos ou pós- ainda os pequenos lábios.
maturos, mas pequenos para a idade gestacional e
têm aparência diferente e problemas diferentes dos Complicações
lactentes prematuros. A maioria dos problemas dos recém-nascidos
prematuros relaciona-se ao funcionamento dos sis-
Etiologia e sinais temas orgânicos.
Na maioria dos casos, a causa do trabalho de Pulmões – Em muitos lactentes prematuros, a
parto prematuro, precedido ou não pela ruptura pre- produção de surfactante não é adequada para pre-
matura das membranas, é desconhecida. Entretan- venir colapso alveolar e atelectasia, o que resulta
to, as histórias das mulheres com partos prematu- na síndrome da angústia respiratória (ver em DIS-
ros mostram, comumente, baixo nível socioe- TÚRBIOS RESPIRATÓRIOS, adiante).
conômico, falta de cuidado médico pré-natal, nu- SNC – Reflexos de sucção e da deglutição ina-
trição deficiente, educação insuficiente, solteiras e dequados no lactente nascido antes de 34 semanas
com infecção ou doença intercorrente não tratada. de gestação podem exigir que o lactente seja ali-
Outros fatores de risco não tratados incluem a mãe mentado por via IV ou por gavagem. A imaturida-
com vaginose bacteriana não tratada e interrupção de do centro respiratório no tronco cerebral resulta
antecipada da gravidez. em ataques de apnéia (apnéia central [ver APNÉIA
O recém-nascido prematuro é pequeno, usual- DA PREMATURIDADE, em DISTÚRBIOS RESPIRATÓ-
mente pesa < 2,5kg e tende a ter pele fina, brilhan- RIOS, adiante]). A apnéia pode também resultar de
te, rósea, através da qual as veias subjacentes são obstrução da hipofaringe isolada (apnéia obstruti-
facilmente vistas. Apresenta pouca gordura subcu- va) ou em combinação com apnéia central (apnéia
tânea, pêlos ou cartilagem no ouvido externo. A mista). A matriz periventricular germinal está pro-
atividade espontânea e o tônus são menores e suas pensa a hemorragia em lactentes prematuros e esta
extremidades não são mantidas em posição fletida pode se estender aos ventrículos cerebrais (hemor-
(ver FIG. 256.1). Nos meninos, a bolsa escrotal pode ragia intraventricular). O infarto da substância bran-
ter poucas rugas e os testículos podem não ter des- ca periventricular (leucomalacia periventricular)

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2113

pode também ocorrer, mas as razões para isto não concentração das alimentações são lentamente au-
estão completamente esclarecidas. Hipotensão, mentados por 7 a 10 dias. Em lactentes muito pe-
perfusão cerebral inadequada ou irregular e picos quenos ou criticamente doentes, a nutrição pode
de PA (como quando liquido ou colóide são dados ser fornecida por hiperalimentação parenteral to-
rapidamente IV) podem também contribuir para tal, via IV periférica ou por um cateter central co-
lesão cerebral ou hemorragia. locado de forma percutânea ou cirúrgica até que a
Infecção – O risco de desenvolvimento de sepse nutrição parenteral completa possa ser tolerada.
ou meningite é cerca de 4 vezes maior no lactente Para uma discussão da suscetibilidade do
prematuro que no recém-nascido a termo. Esta pro- neonato a hipo ou hiperglicemia, ver em PROBLE-
babilidade aumentada às infecções é decorrente da MAS METABÓLICOS NO RECÉM-NASCIDO, adiante.
necessidade de cateteres intravasculares e de cânu- Rins – A função renal é imatura, de modo que
las endotraqueais e dos níveis muito reduzidos das a concentração ou diluição da urina é menos eficaz
imunoglobulinas séricas no recém-nascido pre- que no lactente nascido a termo. A inabilidade
maturo (ver INFECÇÕES NEONATAIS, adiante; e Es- do rim imaturo de excretar ácidos fixos, que se
tado Imunológico do Feto e Recém-nascido no acumulam com alimentações com fórmula rica
Cap. 256). Os prematuros apresentam uma susceti- em proteína e como resultado do crescimento
bilidade ímpar a enterocolite necrosante (ver ósseo, pode causar acidose metabólica (acidose
ENTEROCOLITE NECROSANTE, adiante). metabólica tardia do prematuro) e resultante fa-
Regulação da temperatura – Lactentes prema- lha no crescimento. Como resultado, sódio e bi-
turos têm uma relação da área da superfície corpó- carbonato são perdidos na urina. Pode ser neces-
rea para a massa corpórea excepcionalmente grande; sária a administração de bicarbonato de sódio
portanto, quando expostos a temperaturas abaixo da- VO (1 a 2mEq/kg ao dia fracionadas em 4 a 6
quelas do ambiente termoneutro, perdem calor rapi- doses) durante vários dias.
damente e têm dificuldade em manter sua temperatu- Hiperbilirrubinemia (ver também PROBLE-
ra corpórea (ver também HIPOTERMIA, adiante). MAS METABÓLICOS NO RECÉM-NASCIDO, adian-
Trato GI – A pequena capacidade gástrica do te) – Os lactentes prematuros desenvolvem hiperbi-
lactente prematuro, aliada aos reflexos da sucção e lirrubinemia mais freqüentemente do que o fazem
deglutição imaturos, impedem alimentações ade- os recém-nascidos a termo, e kernicterus pode
quadas orais ou por sonda nasogástrica e criam um ocorrer em níveis de bilirrubina sérica de apenas
risco de aspiração. A maioria dos lactentes prema- 10mg/dL (170µmol/L); em neonatos prematuros,
turos tolera o leite materno, fórmulas lácteas co- pequenos e doentes. Os níveis mais altos de bilir-
merciais ou fórmulas especiais para prematuros rubina em lactentes prematuros podem ser parcial-
contendo 24kcal/30mL. Lactentes prematuros pe- mente devido aos mecanismos hepáticos para ex-
quenos têm sido alimentados com sucesso por ma- creção de bilirrubina inadequadamente desenvol-
madeira, com o leite materno de sua própria mãe, vidos, incluindo deficiências na captação de bilir-
que fornece fatores imunológicos e nutricionais, rubina do soro, em sua conjugação para diglu-
ausentes em fórmulas de leite de vaca modificado. curonídeo de bilirrubina no fígado e em sua ex-
Entretanto, o leite materno não fornece cálcio, fós- creção no trato biliar. A motilidade intestinal di-
foro e proteínas suficientes para os recém-nasci- minuída possibilita que mais diglucuronídeo de
dos de peso muito baixo (< 1,5 kg), e para estes, bilirrubina seja desconjugado dentro do lúmen in-
ele deve ser misturado a um dos fortificantes do testinal pela enzima β-glucuronidase, permitindo
leite materno disponíveis comercialmente. assim a reabsorção aumentada da bilirrubina li-
No primeiro e segundo dias, se fluidos e calo- vre (circulação êntero-hepática da bilirrubina).
rias adequados não puderem ser dados oralmente As alimentações precoces podem diminuir signi-
ou por sonda nasogástrica ou nasoduodenal, solu- ficativamente a incidência e a gravidade da icterí-
ções com glicose a 10% e eletrólitos de manuten- cia fisiológica, por aumentar a motilidade intesti-
ção podem ser administrados IV para prevenir de- nal, interrompendo desta forma a circulação êntero-
sidratação e desnutrição. O leite materno ou ali- hepática da bilirrubina, conforme a bilirrubina é
mentação por fórmulas, por meio de uma sonda excretada nas fezes mais rapidamente, reduzindo
nasoduodenal ou gástrica, é um método satisfató- assim significativamente a incidência e intensidade
rio de manutenção do aporte calórico em lactentes da icterícia fisiológica. Raramente, o clampea-
pequenos, doentes e prematuros, especialmente se mento tardio do cordão umbilical pode também
a angústia respiratória ou ataques recorrentes de aumentar o risco de hiperbilirrubinemia signifi-
apnéia estiverem presentes. A alimentação é inici- cativa permitindo a transfusão de grande massa
ada com pequenas quantidades de uma fórmula de de hemácias; a lise de hemácias e a produção de
concentração ao meio; se tolerada, o volume e a bilirrubinas são assim aumentadas.

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2114 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Prevenção LACTENTE PEQUENO


O risco de parto prematuro, que é uma das PARA A IDADE
principais causas de morbidade e mortalidade
neonatais, pode ser reduzido garantindo que to- GESTACIONAL
das as mulheres, especialmente as de alto risco, (Dismaturidade, Retardo do Crescimento Intra-
tenham acesso a atendimento pré-natal precoce uterino)
e apropriado. O uso de tocolíticos para interrom-
per o trabalho de parto prematuro e ganhar tem- É qualquer recém-nascido com peso abaixo do
po para administração pré-natal de corticos- porcentual 10 para a idade gestacional.
teróides para acelerar a maturação pulmonar é Etiologia e sinais
discutida em TRABALHO DE PARTO PREMATURO
no Capítulo 253. Um lactente pode ser pequeno ao nascimento por
causa de fatores genéticos. Fatores não genéticos que
podem retardar o crescimento intra-uterino geralmente
LACTENTE PÓS-MATURO não se manifestam antes da 32ª a 34ª semanas de
gestação e incluem insuficiência placentária, que fre-
É qualquer lactente nascido depois de 42 semanas qüentemente resulta de doença materna envolvendo
de gestação. os pequenos vasos sangüíneos (como na pré-
Etiologia e sinais eclâmpsia, hipertensão primária, doença renal ou di-
abetes de longa evolução), involução da placenta
A causa do parto pós-maturo geralmente é des- acompanhando a pós-maturidade ou agentes infeccio-
conhecida. Muito raramente, anormalidades do sos, como citomegalovírus, vírus da rubéola ou Toxo-
eixo fetal pituitário-adrenal (por exemplo, anen- plasma gondii. Um lactente pode ser pequeno para a
cefalia ou agenesia adrenal) podem resultar em idade gestacional (PIG) se a mãe for dependente de
pós-maturidade. narcóticos ou cocaína ou alcoólatra e, em grau me-
Lactentes pós-maturos são alertas e aparente- nor, se fumar durante a gravidez.
mente maduros, mas há uma quantidade diminuí- Apesar de seu pequeno tamanho, as crianças PIG
da de massa tecidual, particularmente gordura sub- têm características físicas e comportamento semelhan-
cutânea; a pele pode pender livremente nas extre-
midades e é freqüentemente seca e descamativa. te às crianças de tamanho normal, de idade gestacio-
As unhas das mãos e pés são longas. As unhas e o nal semelhante. Desta forma, um lactente de 1,4kg,
cordão umbilical podem estar tingidos de mecônio nascido entre 37 e 42 semanas de gestação pode ter a
eliminado in utero. pele, cartilagem do ouvido externo, pregas da sola do
pé e desenvolvimento genital de uma criança a termo
Complicações assim como o desenvolvimento neurológico, atenção,
O principal problema clínico encontrado é a atividade espontânea e interesse pela alimentação.
involução da placenta pós-termo; múltiplos Se o retardo do crescimento intra-uterino foi
infartos e degeneração dos vilos produzem a sín- causado por insuficiência placentária e, portanto,
drome da insuficiência placentária. O feto pode desnutrição crônica, existe uma preservação relati-
receber nutrientes inadequados da mãe, resul- va do crescimento do cérebro e ossos longos; o peso
tando na diminuição dos tecidos moles fetais. do lactente é mais afetado, sendo poupados o perí-
Lactentes pós-maturos também são propensos a metro cefálico e o comprimento (retardo assimé-
desenvolver asfixia durante o parto, secundária à trico do crescimento). Em contraste, muitos distúr-
insuficiência placentária (ver ASFIXIA PERINA- bios genéticos e infecções congênitas resultam em
TAL, adiante), síndrome da aspiração do mecônio retardo simétrico do crescimento, em que compri-
(ver DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS, adiante), que mento, peso e perímetro cefálico são afetados de
pode ser especialmente grave, uma vez que, no forma aproximadamente proporcional.
pós-termo, o volume do líquido amniótico é di- Se o retardo do crescimento intra-uterino foi
minuído e o mecônio aspirado é menos diluído e provocado por desnutrição placentária crônica, as
hipoglicemia neonatal, por causa de reservas in- crianças PIG podem apresentar um crescimento “de
suficientes de glicogênio ao nascimento. Esta con- compensação” notável depois do parto se recebe-
dição é exagerada se ocorrer asfixia perinatal, rem nutrição adequada.
durante a qual o metabolismo anaeróbico rapi-
damente utiliza o resto das reservas de glicogê- Complicações
nio (ver PROBLEMAS METABÓLICOS NO RECÉM- Apesar de seu tamanho, lactentes PIG a termo
NASCIDO, adiante). não apresentam as complicações relacionadas à

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2115

imaturidade de sistemas orgânicos que os prematuros Etiologia e sinais


apresentam. No entanto, apresentam risco de asfixia Exceto os de tamanho geneticamente determi-
perinatal, aspiração de mecônio e hipoglicemia.
Asfixia perinatal – Se o retardo do crescimento nado, a maior causa de um recém-nascido ser gran-
intra-uterino for devido à insuficiência placentária de para a idade gestacional (GIG) é o diabetes me-
(com perfusão placentária limítrofe), o lactente esta- lito materno. O tamanho grande (macrossomia)
rá sob o risco de asfixia durante o trabalho de parto, resulta da exposição a níveis excessivos de gli-
uma vez que cada contração uterina diminui ou inter- cose sangüínea e insulina durante a gestação.
rompe a perfusão placentária materna, por causa da Quanto menor for o controle do diabetes mater-
compressão das artérias espiraladas. Portanto, quan- no durante a gravidez, mais intensa será a
do se suspeita de insuficiência placentária, o estado macrossomia fetal. O filho de uma mãe diabéti-
fetal deve ser avaliado antes do trabalho de parto e a ca é geralmente grande, obeso e pletórico; é fre-
freqüência cardíaca fetal deve ser monitorada duran- qüentemente apático e flácido e pode se alimen-
te o mesmo. Se a asfixia fetal for iminente, o parto tar precariamente.
rápido, freqüentemente por cesariana é indicado. O Uma causa rara de macrossomia é a síndrome de
lactente PIG com asfixia apresenta valores de Apgar Beckwith-Wiedemann (caracterizada por acrossomia,
baixos e acidose mista ao nascimento. onfalocele, macroglossia e hipoglicemia).
Aspiração de mecônio – Durante a asfixia
perinatal, os lactentes PIG, especialmente os pós- Complicações
maturos (ver anteriormente), podem eliminar mecônio Durante o parto – Por causa do grande tama-
no saco amniótico e iniciar movimentos respiratórios nho do recém-nascido, o parto vaginal é fre-
profundos. A conseqüente aspiração do mecônio re- qüentemente difícil e pode causar lesão de parto.
sulta, com grande probabilidade, na síndrome de as- Distocia do ombro, fraturas das clavículas ou mem-
piração do mecônio após o parto (freqüentemente bros e asfixia ao nascimento podem ocorrer. Por-
muito mais grave no recém-nascido com retardo de tanto, a cesariana deve sempre ser considerada
crescimento ou pós-maturo, pois o mecônio fica di- quando o feto for supostamente GIG, especialmente
luído em um volume menor de líquido amniótico; ver se as medidas pélvicas da mãe não forem adequa-
em DOENÇAS RESPIRATÓRIAS, adiante). das para o parto vaginal.
Hipoglicemia – O lactente PIG é muito propen- Hipoglicemia – O bebê de uma mãe diabética
so a hipoglicemia nas primeiras horas e dias de vida, muito provavelmente se tornará hipoglicêmico
por causa de falta de reservas adequadas de glico- nas primeiras 1 a 2h seguintes ao parto, por cau-
gênio (ver também PROBLEMAS METABÓLICOS NO sa de seu estado de hiperinsulinismo e a súbita
RECÉM-NASCIDO, adiante). parada de infusão de glicose da mãe quando o
Policitemia – Fetos PIG podem sofrer leve hi- cordão umbilical é seccionado. Isto pode ser
poxia crônica por insuficiência placentária. A libe- evitado por um controle pré-natal estrito do dia-
ração de eritropoietina é aumentada, levando a um betes da mãe e pela infusão profilática de SG a
aumento da produção de eritrócitos. O lactente com 10% em água IV para o lactente até que possam
policitemia ao nascimento parece ruborizado e pode ser estabelecidas alimentações freqüentes. A gli-
estar taquipnéico ou letárgico.
cemia deve ser estritamente monitorada durante
Prognóstico o período de transição. As fitas com glicose oxidase
A asfixia perinatal é a complicação potencial mais como reagente freqüentemente são utilizadas para
grave para lactentes PIG por insuficiência placentária a triagem de níveis baixos de glicose sangüínea
e, se puder ser evitada, o prognóstico neurológico é no recém-nascido. Qualquer valor baixo deve ser
muito bom para essas crianças. Os lactentes PIG, por verificado pela determinação laboratorial da gli-
fatores genéticos, infecção congênita ou uso de dro- cemia (ver também PROBLEMAS METABÓLICOS
gas pela mãe, freqüentemente apresentam um prog- NO RECÉM-NASCIDO, adiante).
nóstico pior, que depende do diagnóstico específico. Hiperbilirrubinemia – Bebês de mães dia-
béticas freqüentemente desenvolvem hiperbilir-
rubinemia por intolerância a alimentações orais
LACTENTE GRANDE PARA nos primeiros dias de vida (aumento da circula-
ção êntero-hepática de bilirrubina) ou por seu
A IDADE GESTACIONAL Ht relativamente elevado (outro problema as-
sociado a mães diabéticas). (Ver também em
É qualquer lactente cujo peso é acima do percentil PROBLEMAS METABÓLICOS NO RECÉM-NASCI-
90 para a idade gestacional. DO, adiante).

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2116 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Angústia respiratória – Em bebês de mulheres recobre um único osso, porque o periósteo é ade-
diabéticas, a maturação pulmonar com produção rente às suturas. Céfalo-hematomas são comumente
de surfactante pode ser atrasada até tardiamente na unilaterais e parietais. Uma pequena porcentagem
gestação; portanto, esses lactentes podem desen- está associada a fratura linear no osso subjacente.
volver síndrome da angústia respiratória até mes- O tratamento não é necessário, mas raramente po-
mo se nascerem poucas semanas antes da data. Com dem aparecer anemia ou hiperbilirrubinemia.
a amniocentese, a relação lecitina/esfingomielina Fraturas de crânio deprimidas são raras.
e a presença de fosfatidilglicerol no líquido amnió- A maioria resulta da pressão do fórceps; raramen-
tico podem ser determinadas para avaliar a maturi- te, são provocadas pelo contato da cabeça com uma
dade do pulmão fetal e assim determinar o momento proeminência óssea in utero. Fraturas de crânio
adequado para um parto seguro. A maturidade pul- deprimidas ou outros traumatismos cefálicos po-
monar pode ser assumida apenas na presença de dem estar associados a hemorragia subdural, hemor-
fosfatidilglicerol. ragia subaracnóide ou contusão ou laceração do pró-
prio cérebro (ver HEMORRAGIA INTRACRANIANA,
adiante). Fraturas de crânio deprimidas podem ser
TRAUMATISMO DE PARTO vistas e sentidas como depressões e precisam
Embora as forças do trabalho de parto e parto ser diferenciadas da depressão secundária a uma bor-
possam provocar lesão física no recém-nascido (o da periosteal elevada que ocorre com céfalo-hema-
que é demonstrado pela moldagem da cabeça após tomas. As radiografias confirmam o diagnóstico;
partos cefálicos), mesmo a moldagem intensa ge- pode ser necessária elevação neurocirúrgica.
ralmente não provoca problemas nem requer trata-
mento e a incidência de lesão neonatal por partos TRAUMATISMO DOS
difíceis ou traumáticos está decrescendo. A melhora NERVOS CRANIANOS
do diagnóstico pré-natal e monitoração durante o
trabalho de parto ajudam a evitar lesões neurológi- O nervo facial é lesado mais freqüentemente.
cas e outras. Além disso, a cesariana pode ser usa- Embora freqüentemente atribuídos à pressão do
da em vez de versões difíceis, extrações a vácuo ou fórceps, a maioria dos traumatismos provavelmen-
fórceps médios ou altos. te resultam de pressão sobre o nervo in utero, o que
Espera-se um parto traumático quando a mãe pode ser decorrente do posicionamento fetal (por
apresenta medidas pélvicas pequenas, quando a exemplo, a cabeça inclinada sobre o ombro) ou a
criança parece grande para a idade gestacional (fre- pressão contra o nervo pelo promontório sacral ou
qüentemente o caso com mães diabéticas) ou quan- um mioma uterino.
do existe uma apresentação pélvica ou outra apre- A lesão do nervo facial geralmente ocorre na sua
sentação anormal, especialmente em primípara. saída do forame estilomastóide ou distal à mesma e
Nessas situações, o trabalho de parto e as condi- resulta em assimetria fetal, especialmente durante o
ções fetais devem ser monitoradas cuidadosamen- choro. A identificação do lado afetado da face pode
te. Se for detectado sofrimento fetal, a mãe deve ser difícil, mas os músculos faciais no lado da lesão
ser posicionada em decúbito lateral e receber O2. não podem se mover. A lesão pode também ocorrer
Se persistir o sofrimento fetal, deve-se realizar ime- em ramos individuais do nervo, mais freqüentemente
diatamente uma cesariana. o mandibular. Outra causa de assimetria facial é a
assimetria mandibular resultante de pressão intra-ute-
TRAUMATISMO CEFÁLICO rina. No entanto, a inervação do músculo está intacta
e os dois lados da face se movem. A comparação en-
(Ver também SÍNDROMES DE PARALISIA CEREBRAL tre as superfícies de oclusão maxilar e mandibular,
no Cap. 271.) que devem ser paralelas, diferencia este quadro de
Um traumatismo leve pode provocar caput uma verdadeira lesão de nervo facial. Não são neces-
succedaneum – edema da apresentação no couro sários exames ou tratamento para lesões de nervo fa-
cabeludo – porque esta área é forçada contra a cér- cial periférico ou assimetria mandibular; em geral de-
vix uterina; um traumatismo maior pode provocar saparecem aos 2 ou 3 meses.
hemorragia subgaleana, que se caracteriza por
uma sensação de empastamento em todo o couro LESÕES DO PLEXO BRAQUIAL
cabeludo, inclusive regiões temporais.
Céfalo-hematoma, ou hemorragia próxima ao As lesões do plexo braquial ocorrem após es-
periósteo, pode ser diferenciada de um sangramento tiramento provocado por distocia do ombro, ex-
mais superficial porque é bem limitada à área que tração pelo queixo ou hiperabdução da região cer-

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2117

vical em apresentações cefálicas. As lesões po- cém-nascidos e geralmente não estão relacionadas
dem ser devidas a simples estiramento, hemorra- a trabalho de parto e parto. Geralmente são secun-
gia em um nervo, ruptura de nervo ou raiz nervo- dárias a um evento traumático local (por exemplo,
sa ou avulsão das raízes com lesão associada de uma injeção próxima do nervo ciático ou necrose
medula espinhal cervical. Lesões traumáticas gordurosa sobre o nervo radial). O tratamento in-
associadas (por exemplo, fraturas da clavícula ou clui deixar os músculos antagonistas dos músculos
úmero ou subluxações do ombro ou coluna cer- paralisados em repouso até que ocorra a recupera-
vical) podem ocorrer. ção. A exploração neurocirúrgica do nervo raramen-
Lesão do plexo braquial superior (C5 a C6) afe- te está indicada. Na maioria das lesões de nervos
tam músculos em torno do ombro e cotovelo, en- periféricos, a recuperação é completa.
quanto lesões do plexo inferior (C7 a C8 e T1) afe-
tam principalmente músculos do antebraço e da TRAUMATISMO DA
mão. O sítio e tipo de lesão da raiz nervosa deter-
minam o prognóstico. MEDULA ESPINHAL
A paralisia de Erb é uma lesão de plexo Traumatismos de medula espinhal são raros e
braquial superior que provoca adução e rotação podem provocar ruptura variável da medula, fre-
interna do ombro com pronação do antebraço; a qüentemente com hemorragia; a ruptura completa
paralisia ipsilateral do diafragma é comum. O da medula é muito rara. O traumatismo geralmente
tratamento inclui proteção do ombro de movi- ocorre em partos na apresentação pélvica, depois
mentação excessiva imobilizando o braço contra de tração longitudinal excessiva da coluna. Pode
o abdome superior e evitar contraturas, através também acompanhar a hiperextensão da região cer-
de exercícios passivos de movimentação, reali- vical fetal in utero (o “feto voador”). A lesão geral-
zados delicadamente todos os dias com as arti- mente afeta a região cervical inferior (C5 a C7).
culações envolvidas começando com 1 semana
de vida. Quando a lesão é mais alta, geralmente é fatal, por-
que a respiração pode ser comprometida. Às vezes
A paralisia de Klumpke é uma lesão de plexo
se ouve um clique ou estalido ao parto.
inferior que resulta em paralisia da mão e punho,
freqüentemente com síndrome de Horner ipsilate- Sintomas, sinais e diagnóstico
ral (miose, ptose, anidrose facial). O único trata-
Geralmente, existe a preservação esparsa de
mento necessário são exercícios passivos de am-
sensação ou movimento abaixo da lesão. Inicial-
plitude de movimentos. mente, ocorre o choque espinhal, com flacidez
Nem a paralisia de Erb nem a de Klumpke ge- abaixo do nível da lesão. Em dias ou semanas a
ralmente estão associadas a perda sensitiva de- espasticidade se desenvolve. A respiração é
monstrável (o que sugere ruptura ou avulsão). Es- diafragmática, porque o nervo frênico emerge em
sas condições geralmente melhoram rapidamente, nível mais alto (C3 a C5). Quando a lesão de me-
mas podem persistir déficits. Se persistir um défi- dula espinhal é completa, os músculos intercos-
cit significativo > 3 meses, a IRM para determinar tais e abdominais ficam paralisados e os esfínc-
a extensão da lesão do plexo, raízes e medula cer- teres retal e vesical não podem desenvolver con-
vical pode ser útil. trole voluntário. A sensibilidade e a sudorese es-
Quando todo o plexo braquial está lesado, o tão ausentes abaixo do nível envolvido e podem
membro superior envolvido não pode se mover e resultar em flutuações de temperatura corpórea
geralmente há também perda sensitiva. Sinais pi- com alterações ambientais.
ramidais ipsilaterais indicam traumatismo asso- A IRM da medula cervical pode demonstrar a
ciado de medula espinhal. Deve ser realizada IRM. lesão e excluir lesões passíveis de tratamento ci-
O crescimento subseqüente do membro envolvido rúrgico, como tumores congênitos ou hematomas
pode ficar prejudicado. O prognóstico de recupe- pressionando a medula. O líquido cefalorraquidia-
ração é reservado. O tratamento pode incluir ex- no (LCR) é geralmente hemorrágico.
ploração neurocirúrgica. Exercícios de movimen-
tação passiva podem evitar contraturas. Prognóstico e tratamento
Com cuidados apropriados, a maioria das crian-
OUTRAS LESÕES DOS ças sobrevive por muitos anos. As causas habituais
NERVOS PERIFÉRICOS de óbito são pneumonia recorrente e perda progres-
siva da função renal. O tratamento inclui cuidados
Lesões de outros nervos periféricos (por exem- de enfermagem para evitar ulcerações cutâneas, tra-
plo, radial, ciático e obturador) são raras em re- tamento imediato de infecções urinárias e respira-

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2118 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

tórias e avaliações periódicas para identificar uma inundação do sistema ventricular com uma grande
uropatia obstrutiva precocemente (ver Cap. 217). quantidade de sangue na cisterna magna e cisternas
basais. Hipoxia-isquemia freqüentemente precede o
HEMORRAGIA INTRACRANIANA sangramento intraventricular e subaracnóide. Hipo-
xia-isquemia lesa o endotélio capilar, prejudica a auto-
A hemorragia dentro ou em torno do cérebro regulação vascular cerebral e pode aumentar o fluxo
pode ser potencialmente fatal em neonatos, espe- sangüíneo cerebral e a pressão venosa, todos fatores
cialmente nos prematuros. Hipoxia-isquemia, va- que aumentam a probabilidade de hemorragia.
riações da PA e pressões exercidas sobre a cabeça A maioria das hemorragias intraventriculares é assin-
durante o trabalho de parto são as principais cau- tomática, mas hemorragias maiores podem provocar
sas de hemorragia intracraniana. A presença de apnéia, cianose ou colapso súbito.
matriz germinal (uma massa de células embrioná-
rias que ficam sobre o núcleo caudado e estão pre- Diagnóstico
sentes apenas no feto) torna mais provável a he- Qualquer suspeita de hemorragia intracraniana
morragia. A hemorragia pode ocorrer em diversos requer avaliação de petéquias cutâneas ou hemor-
espaços relacionados ao SNC. Pequenas hemorra- ragias de outros locais, que sugerem um distúrbio
gias no espaço subaracnóide, foice e tentório são hematológico ou vascular sistêmico (por exemplo,
achados incidentais freqüentes em necropsia. He- deficiência de vitamina K, hemofilia, coagulação
morragias maiores nos espaços subaracnóide ou intravascular disseminada).
subdural, cérebro ou ventrículos são menos comuns, Ultra-som e TC de crânio podem detectar san-
mas geralmente mais graves. Aproximadamente gue e são úteis. A avaliação laboratorial para sus-
20% dos prematuros < 1.500g apresentam hemor- peita de hemorragia intracraniana deve começar
ragia intracraniana. com um ultra-som de crânio, que é isento de risco
Hemorragia subaracnóide – A hemorragia e pode identificar prontamente sangue dentro dos
subaracnóide é provavelmente o tipo mais comum ventrículos ou de substância do cérebro. No entan-
de hemorragia intracraniana. Algumas hemácias es- to, camadas finas de sangue subaracnóide ou sub-
tão freqüentemente presentes no LCR de recém-nas- dural sobre os hemisférios são melhor visualizados
cidos a termo. A hemorragia subaracnóide pode se pela TC. Se o diagnóstico for duvidoso, o LCR pode
apresentar com apnéia, convulsões, letargia ou exa- ser examinado para pesquisa de hemácias; geral-
me neurológico anormal. Com grandes hemorragias, mente contém sangue macroscópico. Estudos de
a inflamação meníngea associada pode levar a hi- coagulação, hemograma e estudos metabólicos para
drocefalia comunicante quando a criança crescer. identificar outras causas de disfunção neurológica
Hemorragia subdural – A hemorragia subdu- (hipoglicemia, hipocalcemia, desequilíbrio eletro-
ral, que atualmente ocorre com menor freqüência lítico) devem ser realizados. Um EEG pode ajudar
devido a melhora das técnicas obstétricas, resulta a estabelecer o prognóstico se a criança sobreviver
de lacerações da foice, tentório ou veias de liga- ao episódio de sangramento agudo.
ção. Essas lacerações são mais comuns em bebês Deve-se suspeitar do diagnóstico de hemorragia
de primíparas, bebês grandes ou após partos difí- subaracnóide em qualquer lactente com apnéia,
ceis. Todas essas condições podem produzir pres- convulsões, letargia ou um exame neurológico anor-
sões não habituais nos vasos sangüíneos dentro do mal e é confirmado por TC ou exame do LCR.
crânio. Os achados de apresentação podem ser con- Em hemorragia subdural, TC ou IRM de crânio
vulsões, aumento rápido da cabeça, ou exame neu- podem identificar o problema. A transiluminação
rológico anormal com hipotonia, um reflexo de do crânio ajuda no diagnóstico depois do sangue
Moro precário ou hemorragias retinianas extensas. estar lisado.
Hemorragia intraventricular e/ou intraparen-
quimatosa – Hemorragias dentro dos ventrículos ou Prognóstico
parênquima geralmente ocorrem durante os primei- O prognóstico para crianças com hemorragia
ros 3 dias de vida e são o tipo mais grave de san- subaracnóide é geralmente bom. O prognóstico para
gramento intracraniano. Hemorragias ocorrem mais lactentes com hemorragia subdural é reservado, mas
freqüentemente em prematuros, são freqüentemente alguns evoluem bem. A maioria dos lactentes com
bilaterais e geralmente surgem a partir da matriz ger- pequenas hemorragias intraventriculares sobrevi-
minal, que fica sobre a parede lateral dos ventrículos ve ao episódio de sangramento agudo e evolui bem.
laterais. A maioria dos episódios de sangramento é Lactentes com grandes hemorragias intraven-
subependimária ou intraventricular, envolvendo uma triculares têm mau prognóstico, especialmente se
pequena quantidade de sangue. Em hemorragia in- a hemorragia se estende ao parênquima. Muitos fi-
tensa, pode haver sangramento para o parênquima ou cam com graus variáveis de déficit neurológico.

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2119

Tratamento DISTÚRBIOS
O tratamento é principalmente de suporte, a RESPIRATÓRIOS
menos que uma alteração hematológica tenha con-
tribuído para o sangramento. O lactente deve rece- Os distúrbios respiratórios descritos adiante ge-
ber vitamina K se não tiver sido administrada an- ralmente provocam doença potencialmente fatal,
tes. Se deficientes, pode-se administrar plaquetas ou exigindo procedimentos de terapia intensiva e espe-
fatores de coagulação. Hematomas subdurais devem ciais. Portanto, a ventilação mecânica, a oxigenação
ser tratados com punções subdurais bilaterais diá- de membrana extracorpórea e a paralisia muscular
rias se o lactente for sintomático ou a cabeça estiver são descritas em primeiro lugar, seguidas por dis-
crescendo rapidamente. Apenas 10 a 15mL de flui- cussões de distúrbios respiratórios específicos.
do subdural devem ser removidos de cada lado por
vez, porque retirar quantidades maiores pode de- Uso de ventilação mecânica
sencadear o choque. Se os sintomas persistirem de-
pois de 2 semanas de drenagem diária, deve-se con- O suporte ventilatório é necessário para o pacien-
siderar a inserção de uma válvula subdural. te que apresenta insuficiência respiratória e esteja
piorando, com CO2 (PaCO2) arterial acentuadamen-
te elevada, apnéia ou que não se consegue oxigenar
FRATURAS através de pressão positiva contínua das vias aéreas
A fratura mesoclavicular, a fratura mais comum (PPCA). Freqüentemente, lactentes muito imaturos
durante o parto, geralmente ocorre com distocia (por exemplo < 28 semanas de gestação ou com peso
escapular. Inicialmente se nota que o recém-nasci- < 1.000g) são colocados em suporte ventilatório
do está irritável e não mexe o braço do lado envol- imediatamente após o parto, por causa do risco au-
vido, nem espontaneamente nem quando se provo- mentado de hemorragia intraventricular se apresenta-
ca o reflexo de Moro. A maioria das fraturas clavi- rem apnéia, bradicardia ou hipoxia.
culares são fraturas em galho verde, e se curam ra- Os tubos endotraqueais normalmente usados são
pidamente sem intercorrências. Forma-se um gran- de 2,5mm de diâmetros (os menores) para lacten-
de calo no sítio da fratura dentro de uma semana e tes < 1.250g, 3mm para crianças com 1.250 a 2.500g
o remodelamento está completo em um mês. O prin- e 3,5mm para aqueles > 2.500g. A intubação é mais
cipal significado das fraturas claviculares é sua ten- segura se for insuflado O2 nas vias aéreas durante
dência a provocar lesão do plexo braquial e/ou o procedimento.
pneumotórax por perfuração da pleural apical. Os ventiladores podem veicular gás a uma pres-
O úmero e o fêmur podem sofrer fraturas durante são ou volume predeterminados; cada tipo tem suas
partos difíceis. A maioria dessas fraturas é em galho vantagens específicas e indicações. Muitas UTI
verde, em mesodiáfise e geralmente ocorre remode- neonatais consideram os ventiladores com limite
lamento excelente do osso, mesmo se houver uma de pressão, ciclados por tempo de fluxo contínuo
moderada angulação inicialmente. Um osso longo fáceis de usar, especialmente para prematuros.
pode sofrer fratura através de sua epífise, mas mesmo A fração inspirada de O2 (FiO2), tempo inspiratório
neste caso o prognóstico em neonatos é excelente. (TI), tempo expiratório (TE), pressão inspirató-
ria máxima (PIM) e pressão expiratória final posi-
LESÕES DE TECIDOS MOLES tiva (PEFP) são estabelecidos de forma indepen-
dente. Ventiladores de volume podem ser especial-
Todos os tecidos moles são suscetíveis a lesões mente úteis para crianças maiores, com compla-
se forem a parte de apresentação ou o fulcro das cência ou resistência pulmonares variáveis, como
forças da contração uterina. Edema e equimose fre- ocorre na displasia broncopulmonar; a veiculação
qüentemente ocorrem depois da lesão, particular- de um volume estabelecido de gás em cada respi-
mente dos tecidos periorbitários e faciais nas apre- ração assegura ventilação apropriada.
sentações de face e de escroto ou lábios durante Os ajustes iniciais do ventilador são estimados
partos pélvicos. A liberação de sangue dentro dos avaliando a gravidade do comprometimento respi-
tecidos e a conversão do heme em bilirrubina ocor- ratório. Os ajustes típicos para um lactente com sín-
rem sempre que se desenvolve um hematoma em drome da angústia respiratória moderada são FiO2
uma lesão. A sobrecarga adicional de bilirrubina = 40%, TI = 0,4 segundo; TE = 1,1 segundos fre-
em casos limítrofes pode provocar hiperbilirru- qüência de ventilação mandatória intermitente
binemia neonatal suficiente para exigir exsangüi- (VMI) = 40 respirações/min; PIM = 25cm H2O;
neotransfusão (ver HIPERBILIRRUBINEMIA em PRO- PEFP = 5cm H2O. Esses quadros são rapidamente
BLEMAS METABÓLICOS NO RECÉM-NASCIDO, adian- corrigidos com base na oxigenação, movimentos
te). Nenhum outro tratamento é necessário. da parede torácica, murmúrio vesicular e esforços

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2120 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

respiratórios da criança juntamente com a gaso- VMI ser reduzida a 10 respirações/min, a criança
metria, arterial ou capilar. PaCO2 é reduzida aumen- geralmente tolera a extubação. Os passos finais no
tando a ventilação/min através de qualquer uma das desmame do ventilador envolvem extubação, pos-
seguintes medidas: aumento do volume corrente sivelmente suporte nasal (ou nasofaríngeo) com
(aumentando PIM ou reduzindo a PEFP) ou au- pressão positiva contínua das vias aéreas (PPCA)
mentando a freqüência. A PaO2 é aumentada pelo e, finalmente, uso de um cateter ou sonda nasal para
aumento de FiO2 ou aumentando a pressão média oferecer O2 umedecido ou ar.
em vias aéreas (aumentando PIM, aumentando Lactentes com doenças pulmonares restritivas
PEFP, aumentando a freqüência ou prolongando o menos graves (por exemplo, atelectasia difusa, sín-
TI). Os ventiladores deflagrados pelo paciente são drome da angústia respiratória, edema pulmonar)
freqüentemente usados para sincronizar as respira- podem ter a oxigenação melhorada evitando a
ções com a pressão positiva do ventilador com o necessidade de ventilação com pressão positiva
início das respirações espontâneas do paciente. Isto se colocados em PPCA. Em PPCA, que pode ser
parece abreviar o tempo em ventilação mecânica e oferecida usando dispositivo nasal ou tubo endo-
pode reduzir o barotrauma. Um balão sensível a traqueal, os lactentes respiram espontaneamente
pressão cheio de ar, preso a um transdutor de pres- contra uma pressão positiva de gás, geralmente
são (cápsula de Graseby), preso ao abdome da crian- estabelecida em 5 a 7cm de pressão de H2O. Vá-
ça logo abaixo do apêndice xifóide, pode detectar rios tipos de aparelhos podem ser usados para ofe-
o início da contração diafragmática ou um sensor recer a pressão positiva, ou esta pode ser aplicada
de fluxo ou temperatura instalado em adaptador no usando um ventilador convencional, com freqüên-
tubo endotraqueal pode detectar o início de uma cia ajustada para zero. PPCA mantém os alvéo-
inalação espontânea. los abertos durante a expiração e assim melhora a
Para tratamento de doença pulmonar menos in- oxigenação.
tensa ou para desmame do ventilador, este pode ser Crianças com peso muito reduzido ao nasci-
ajustado para modo assistido controlado para ofe- mento podem ser desmamadas com sucesso se
recer um pequeno aumento de pressão das vias aé- receberem metilxantina, por exemplo, aminofilina
reas ou pequeno volume de gás com cada respira- (dose de ataque de 8mg/kg IV e manutenção de
ção espontânea. 2,0mg/kg IV a cada 8h, ajustada se necessário
Para reduzir a pressão/volume do ventilador (que para manter um nível sangüíneo de teofilina de 7
pode resultar em barotrauma com vazamento de ar a 12µg/mL [39 a 67µmol/L]. A mesma dose de
pulmonar ou displasia broncopulmonar), recomen- teofilina pode ser administrada por via oral ou
da-se hipercarbia permissiva (tolerar uma PaCO2 sonda nasogástrica. Metilxantinas são estimulan-
elevada, desde que o pH permaneça > 7,25). Da tes respiratórios mediados pelo SNC que aumen-
mesma forma, recomenda-se não intervir em PaO2 tam o esforço ventilatório e podem reduzir epi-
a partir de 40mmHg se a PA for normal e não hou- sódios de apnéia e bradicardia que podem inter-
ver acidose metabólica. ferir no sucesso do desmame.
Se a condição da criança piorar agudamente (al- Oxigenação extracorpórea por membrana
terações súbitas em oxigenação, gasometria arte- (ECMO) pode ser realizada em centros especia-
rial, PA ou perfusão), o tubo endotraqueal deve ser lizados para manter a vida da criança que não pode
verificado imediatamente em relação à posição e ser oxigenada ou ventilada adequadamente em
permeabilidade. A ponta do tubo está adequada- ventilador convencional. ECMO é mantida até que
mente colocada quando pode ser palpada através a doença pulmonar subjacente da criança melho-
da parede traqueal anterior na incisura supra-es- re de modo sobreviva. Cada centro tem critérios
ternal; deve ser posicionado aproximadamente no para instituir ECMO a recém-nascidos > 34 se-
ponto médio entre as clavículas e a carina na ra- manas de gestação com insuficiência respiratória
diografia de tórax. Se sua posição ou permeabili- com base na probabilidade da criança não sobre-
dade estiverem em dúvida, o tubo deve ser removi- viver com tratamento ventilatório convencional.
do e a criança mantida por ambu e máscara de ven- ECMO não é usada para crianças < 34 semanas
tilação até que um novo tubo seja introduzido. de gestação por causa do risco elevado de he-
À medida que o estado respiratório melhora, a morragia intraventricular resultante do uso de
criança pode ser desmamada de VMI reduzindo a sangue heparinizado.
FiO2, pressão inspiratória e a freqüência. Ventila- A ECMO venovenosa usa uma cânula de duplo
dores com pressão positiva e fluxo contínuo per- lúmen colocada em uma veia jugular interna;
mitem que a criança respire espontaneamente con- ECMO arteriovenosa usa uma cânula comum em
tra PEFP enquanto a freqüência do ventilador é re- artéria carótida e outra na veia jugular interna.
duzida progressivamente. Depois da freqüência de O sangue é desviado da veia jugular através do

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2121

oxigenador de membrana, que serve como um pul- Epidemiologia e fisiopatologia


mão artificial, removendo CO2 e adicionando O2. A síndrome da angústia respiratória (SAR) ocor-
O sangue oxigenado é depois devolvido à veia ju- re quase sempre em bebês que nasceram antes de
gular interna ou artéria carótida. ECMO podem completar 37 semanas de idade gestacional; quan-
manter PaO2 e PaCO2 em qualquer nível desejado. to mais prematuro for o recém-nascido, maior a
ECMO venoarterial também consegue manter a PA chance de desenvolver SAR. É mais provável tam-
sistêmica e a circulação e pode salvar a vida de bém que bebês de mães diabéticas desenvolvam
crianças com insuficiência circulatória como ocor- SAR, mas é menos provável, em qualquer idade
re em sepse extremamente grave. gestacional, em lactentes com sinais de retardo de
ECMO salva vidas de alguns recém-nascidos > crescimento fetal ou naqueles cujas mães apresen-
34 semanas de gestação em estado muito crítico (por taram toxemia ou hipertensão. A ruptura prolonga-
exemplo, os que apresentam hipertensão pulmonar da das membranas também parece oferecer algu-
persistente do recém-nascido, hérnia diafragmática ma proteção contra SAR.
congênita e pneumonia grave); mas algumas dessas O surfactante pulmonar, uma mistura de fos-
crianças sofrerão lesão neurológica. folipídeos e três lipoproteínas surfactantes é se-
Um ventilador de alta freqüência pode melho- cretado por pneumócitos Tipo II (ver FISIOLO-
rar a oxigenação em algumas crianças com extra- GIA PERINATAL no Cap. 256). A interface ar-flui-
vasamento pulmonar grave ou atelectasia dissemi- do da camada de água, que reveste os alvéolos,
nada ou edema pulmonar (ver em Enfisema Intersti- exerce grandes forças que fazem com que os
cial Pulmonar, adiante). O objetivo é manter a gaso- alvéolos se fechem se o surfactante for insufi-
metria perto do normal; uma PaO2 de apenas ciente. A complacência pulmonar é reduzida e o
40mmHg e PaCO2 de até 50mmHg podem ser acei- trabalho para encher pulmões rígidos é aumenta-
táveis. Diversos tipos de ventiladores de alta freqüên- do. O prematuro é mais prejudicado ainda, por-
cia foram desenvolvidos, incluindo ventiladores por que suas costelas são mais facilmente deforma-
jato, oscilatórios e com interruptor de fluxo. Eles das (complacentes). Os esforços respiratórios,
podem fornecer 400 a 900 respirações/min. portanto, resultam em retrações esternais pro-
Paralisia muscular (por exemplo, usando fundas com pouca entrada de ar se as costelas
vancurônio ou brometo de pancurônio 0,1mg/kg IV forem muito complacentes em relação aos pul-
repetidos se necessário para impedir os movimen- mões; isto resulta em atelectasia difusa.
tos) pode ajudar a estabilizar algumas crianças em
estado extremamente crítico, mas deve ser usado Sintomas, sinais e complicações
seletivamente. Crianças paralisadas podem neces- O recém-nascido geralmente desenvolverá res-
sitar maior suporte ventilatório, o que pode aumen- pirações com ronquidos, rápidas e com esforço,
tar o barotrauma. Outros lactentes podem se bene- imediatamente ou após poucas horas do parto. Há
ficiar de sedação com fentanil ou midazolam. O tiragens supra e subesternais e batimento das asas
uso ideal de sedativos e agentes paralisantes ainda nasais. A extensão da atelectasia e a gravidade da
são está definido. insuficiência respiratória aumentarão com o tem-
Estudos recentes mostraram que inalação de óxi- po. Na SAR grave, o diafragma e os músculos in-
do nítrico, um vasodilatador pulmonar específico, tercostais chegam a um estado de fadiga e se de-
melhora a oxigenação em crianças nas quais a va- senvolvem retenção de CO2 e acidose respiratória.
soconstrição pulmonar contribui para a hipoxia. Como o sangue que passa pelas porções do pul-
Essas crianças podem apresentar hipertensão pul- mão com atelectasia não é oxigenado (por exem-
monar idiopática, pneumonia ou hérnia diafragmá- plo, “shunt” intrapulmonar da direita para a esquer-
tica congênita. Alguns podem não precisar de da), o recém-nascido apresenta hipoxia, o que re-
ECMO se tratados com óxido nítrico inalatório. O sulta em acidose metabólica.
uso de óxido nítrico ainda não foi aprovado pela Nem todos os recém-nascidos com SAR terão
“Food and Drug Administration” (FDA). inicialmente os sinais de angústia respiratória; lac-
tentes com peso ao nascimento extremamente bai-
SÍNDROME DA xo (por exemplo, < 1.000g) podem ser incapazes
ANGÚSTIA RESPIRATÓRIA de iniciar o processo respiratório ao nascimento
porque seus pulmões são muito rígidos e apresen-
(Doença da Membrana Hialina) tam apnéia primária na sala de parto.
É a síndrome provocada por deficiência em Recém-nascidos prematuros com SAR têm gran-
surfactante, que se manifesta clinicamente por de risco de apresentarem hemorragia intraventri-
angústia respiratória no prematuro. cular e morte neonatal. A patologia intracraniana

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2122 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

(de isquemia e hemorragia intraventricular) está Prevenção


associada a hipoxemia, hipercarbia, hipotensão e A incidência de SAR pode ser reduzida pela ava-
oscilações na PA e baixa perfusão cerebral (ver HE- liação da maturidade pulmonar fetal para determi-
MORRAGIA INTRACRANIANA em TRAUMA AO NAS-
nação do momento ideal para o parto. O surfactante
CIMENTO, anteriormente e SÍNDROME DO CHO-
deve ser medido no líquido amniótico obtido por
QUE HEMORRÁGICO E ENCEFALOPATIA, adiante).
amniocentese ou coletado da vagina (em caso de
O pneumotórax hipertensivo (ver adiante) é outra membranas rotas). A maturidade pulmonar fetal é
complicação potencial da SAR. indicada por uma relação lecitina/esfingomielina
Diagnóstico > 2 juntamente com a presença de fos-
fatidilglicerol.
O diagnóstico de SAR em um lactente > 37 se- Quando um feto precisa ser retirado prematura-
manas de gestação é raro e deve levantar a suspeita mente, a administração sistêmica de betametasona
de que a mãe pode ser portadora de diabetes não para a mãe durante pelo menos 24h antes do parto
diagnosticado ou que o diagnóstico esteja incorre- induz a produção fetal de surfactante e geralmente
to. O diagnóstico é baseado na anamnese (por exem- reduz o risco de SAR ou a sua gravidade (ver também
plo parto prematuro, diabetes materno, avaliação TRABALHO DE PARTO PRÉ-TERMO no Cap. 253).
da maturidade pulmonar fetal [ver adiante]), exa-
me físico (por exemplo, angústia respiratória, cia- Prognóstico e tratamento
nose) e avaliação laboratorial. A gasometria mos- Se não tratada, a hipoxemia grave pode resultar
tra graus variáveis de hipoxemia e hipercarbia. em falência de múltiplos órgãos e óbito. No entan-
O raio X de tórax mostra atelectasia difusa (classi-
camente descrita como aspecto de vidro moído, com to, se a ventilação do recém-nascido for mantida
broncogramas aéreos visíveis) que, de maneira ge- adequadamente, a produção de surfactante come-
ral, se correlaciona com a gravidade clínica da SAR çará e a SAR estará resolvida em 4 ou 5 dias.
(ver TABELA 260.1). A recuperação é acelerada pelo tratamento com
A SAR deve ser diferenciada de pneumonia ini- surfactante pulmonar.
cial por estreptococo do Grupo B e sepse, que po- Surfactante pulmonar instilado dentro da tra-
dem parecer semelhantes radiológica e clinicamen- quéia diminui a gravidade da SAR, como é verifi-
te. A pneumonia estreptocócica do Grupo B é mui- cado pela melhora da gasometria, capacidade de
to difícil de excluir completamente, de forma que redução rápida de suporte ventilatório e melhora
geralmente são introduzidos antibióticos enquanto no raio X de tórax.
se aguardam culturas. O surfactante pode ser administrado profi-
laticamente imediatamente, após o parto, a prematu-
ros considerados de risco muito elevado para desen-
TABELA 260.1 – ALTERAÇÕES volvimento de SAR. Também pode ser administrado
RADIOGRÁFICAS NA SÍNDROME DA como tratamento de resgate a pacientes com diag-
ANGÚSTIA RESPIRATÓRIA nóstico de SAR assim que sua condição estiver está-
vel. Doses repetidas de Survanta (extrato natural de
SAR Grau I Padrão reticulogranular de parên-
pulmão bovino, que inclui proteínas B e C, palmitato
quima pulmonar com áreas
de colfosceril, ácido palmítico e tripalmitina) podem
aeradas (pontos negros) exce-
ser administradas a cada 6h (até 4 doses) ou as doses
dendo as áreas atelectásicas (pon-
de Exosurf (um surfactante sem proteínas contendo
tos brancos)
palmitato de colfosceril, álcool cetílico e tiloxapol)
SAR Grau II Áreas reticulogranulares de parên- podem ser repetidas se necessário a intervalos de 12h
quima pulmonar com áreas pul- (até 3 doses). O paciente precisa ser acompanhado
monares atelectásicas de áreas cuidadosamente durante e após a terapia com
pulmonares aeradas (mais pon- surfactante, para garantir que a terapia seja tolerada e
tos brancos que negros) as respostas a alterações na oxigenação, ventilação
SAR Grau III O mesmo que no Grau II mais ou PA sistêmica sejam rápidas. Depois da adminis-
broncogramas aéreos proemi- tração de surfactante, a complacência pulmonar pode
nentes melhorar rapidamente, de forma que pode ser neces-
SAR Grau IV Perda quase total de bordas car-
sário reduzir rapidamente a pressão inspiratória má-
díacas devido a atelectasia di-
xima do ventilador para evitar o risco de um extrava-
fusa grave
samento de ar pulmonar. Outros parâmetros do venti-
lador (por exemplo, FiO2, freqüência) podem também
SAR = síndrome da angústia respiratória. ser reduzidos.

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2123

O surfactante não elimina o risco de compli- do rapidamente. A pressão positiva mantém os al-
cações por SAR ou outros problemas da prema- véolos abertos durante todo o ciclo respiratório e
turidade nem garante uma boa evolução; os tra- melhora a oxigenação reduzindo a quantidade de
tados deve ainda ser mantidos em UTI neonatal. sangue desviada pelas áreas com atelectasia.
O surfactante melhora a sobrevida porque o ris-
co de desenvolver extravasamentos de ar pulmo- DISPLASIA BRONCOPULMONAR
nar (por exemplo, tensão de pneumotórax, enfi-
sema intersticial pulmonar) e a incidência e gra- É um distúrbio pulmonar crônico provocando an-
vidade da displasia broncopulmonar são reduzi- gústia respiratória persistente, alterações radio-
dos (ver adiante). lógicas características com faixas de pa-
O estado respiratório e circulatório devem ser rênquima e hiperexpansão e a necessidade con-
cuidadosamente monitorados para garantir que o tínua de ventilação mecânica em 36 semanas
tratamento continua apropriado de acordo com as de idade gestacional corrigida, em neonatos que
alterações da função pulmonar. Oxímetros emitem foram tratados por angústia respiratória de
uma luz através de um dígito e podem monitorar qualquer causa, com ventilação mandatória in-
continuamente a saturação de O2 da hemoglobina. termitente.
Aparelhos que podem monitorar de forma contí-
nua e não invasiva a tensão de O2 e CO2 por via Etiologia e fisiopatologia
transcutânea também podem reduzir a necessidade A lesão pulmonar resulta da repetida hiper-
de amostras de sangue freqüentes. Um cateter de distensão de alvéolos e ductos alveolares pela venti-
artéria umbilical é geralmente instalado em pa- lação mecânica (volutrauma), altas concentrações de
cientes com doença respiratória moderada a grave; O2 inspirado e intubação endotraqueal; é mais co-
ou seja, os que precisam de O2 inspirado (FiO2) mum entre lactentes de baixa idade gestacional. Fre-
≥ 40%. Se não se puder instalar o cateter de artéria qüentemente é uma seqüela da SAR e de seu trata-
umbilical, um cateter percutâneo em artéria radial mento e sua ocorrência é mais provável quando ocor-
pode ser usado para monitoração contínua de PA e re enfisema intersticial pulmonar (ver adiante).
para amostra de sangue para gasometria arterial. A transição da SAR para displasia bronco-
A PaO2 aceitável em lactentes prematuros varia pulmonar (DBP) é gradual. Nos estágios iniciais
de 50 a 70mmHg; estas tensões de O2 promovem de DBP, há inflamação e exsudato pulmonares.
saturação quase completa de Hb, porque esses re- Mais tarde, ocorrem a lise das paredes alveolares e
cém-nascidos apresentam Hb fetal, que tem uma cicatrização. Áreas alternadas de enfisema com
afinidade elevada para O2. Uma PaO2 mais alta pode
aumentar o risco de retinopatia da prematuridade. hiperaeração e cicatrizes e atelectasias pulmonares
Como nos adultos, a PaCO2 normal é 40 a 50mmHg. levam a um aspecto patológico de “tachas”, e as-
Os lactentes com SAR leve podem evoluir bem pecto cístico hiperinsuflado em radiografia de tó-
com O2 suplementar administrado através de rax. A hipertrofia muscular da musculatura lisa
capacete; SAR mais grave responde à adminis- peribrônquica e arteriolar e a metaplasia escamosa
tração de pressão positiva contínua das vias aé- de brônquios também ocorrem.
reas (PPCA), com o lactente respirando esponta- Sintomas, sinais e complicações
neamente; os lactentes mais graves necessitam
de suporte ventilatório (ver uso de Ventilação Com freqüência, o lactente simplesmente não
Mecânica, anteriormente). consegue deixar a ventilação mandatória intermi-
Quando se usa um capacete de O2 ou o O2 é admi- tente (VMI) ou o O2.
nistrado por cânula nasal, este é misturado com ar O epitélio alveolar pode descolar e macrófagos,
usando-se um misturador; a porcentagem de O2 ad- neutrófilos e mediadores inflamatórios podem ser
ministrada deve ser medida com um analisador de O2 encontrados no aspirado traqueal. A radiografia de
e registrada regularmente. A administração de oxigê- tórax pode mostrar opacidades difusas em campos
nio não pode ser medida com precisão nem assumida pulmonares pelo acúmulo de fluido exsudativo.
como proporção direta do fluxo em L/min. O O2 deve Mais tarde, ocorre aparência multicística com tra-
ser aquecido (36 a 37oC [96,8 a 98,6oF]) e umidificado ma grosseira e hiperinsuflação.
para impedir que as secreções se resfriem e sequem e Esses lactentes apresentam risco aumentado de
para evitar broncospasmo. infecções do trato respiratório inferior, especial-
PPCA está indicada para lactente respirando es- mente virais, durante os primeiros anos e podem
pontaneamente com SAR que exija FiO2 ≥ 40% para desenvolver rapidamente descompensação respira-
manter PaO2 de 50 a 70mmHg. PPCA pode ser in- tória se houver infecção pulmonar sobreposta.
troduzida mais cedo, se o paciente estiver pioran- O lactente tem grande probabilidade de necessitar

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2124 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

reinternação, se houver sinais de infecção respira- A boa nutrição é essencial para a cura pulmonar
tória ou se a angústia respiratória aumentar. Os lac- e para o crescimento destes lactentes cronicamente
tentes com DBP devem ser considerados candida- enfermos, que apresentam freqüentemente neces-
tos a imunização passiva contra infecções do trato sidades calóricas elevadas devido ao trabalho res-
respiratório inferior provocadas por vírus sincicial piratório aumentado.
respiratório (RSV). Um anticorpo monoclonal, Podem se desenvolver congestão e edema pul-
palivizumab, e imunoglobulina contra vírus sin- monares se forem administrados líquidos excessi-
cicial respiratório IV mostraram reduzir a porcen- vos. Freqüentemente é necessário restringir a in-
tagem de internação com pneumonia por RSV e gestão diária de líquido para 100 a 120mL/kg ao
bronquiolite e reduzir o número de dias na UTI e dia; para isso, é necessário aumentar o conteúdo
com ventilador provocados por esta infecção. As nutricional da alimentação.
imunizações são repetidas mensalmente durante a Utiliza-se costumeiramente a terapia diurética
estação do RSV. crônica para tratar estes lactentes, devido à ten-
dência dos mesmos a desenvolver congestão e ede-
Prevenção e tratamento ma pulmonar. A terapia diurética a longo prazo é
Uma vez que a DBP é causada, pelo menos em às vezes utilizada administrando-se clorotiazida 10
parte, pelo uso de ventilador, é importante deixar a 20mg/kg ao dia e espironolactona 1 a 2mg/kg ao
os lactentes com os menores ajustes tolerados do dia VO 2 vezes ao dia. Furosemida (1mg/kg IV ou
suporte ventilatório e retirar da VMI tão logo seja IM ou 2mg/kg VO), 1 a 3 vezes ao dia por períodos
possível (ver Uso de Ventilação Mecânica, ante- curtos, pois o uso prolongado causa hipercalciúria
riormente). Se um lactente com SAR que não pode resultando em osteoporose, fraturas e cálculos re-
ser retirado da VMI no tempo esperado, deve-se nais. Deve-se monitorar cuidadosamente o estado
pensar em possíveis problemas de base (por exem- de hidratação e os eletrólitos séricos durante a te-
plo, ducto arterioso patente e pneumonia adquirida rapia dietética.
no berçário) devem ser pesquisados e tratados, se Quando a acidose respiratória compensada apa-
presentes. O uso precoce de aminofilina como es- rece devido a doença pulmonar crônica, é apropria-
timulante respiratório pode ajudar prematuros no do deixar a PCO2 elevar-se acima do normal duran-
desmame da VMI. te o desmame do ventilador, enquanto o pH per-
Estudos recentes mostraram que o uso inicial de maneça normal (pH > 7,25) e o lactente não de-
dexametasona ajuda crianças com peso muito bai- senvolva angústia respiratória grave.
xo ao nascimento com SAR a tolerar ajustes me- Depois que o lactente se afasta do ventilador,
nores de VMI, tolerar extubação mais precoce e ter pode ser necessário O2 suplementar por um perío-
menor risco de desenvolver DBP. Cada estudo usou do adicional de várias semanas a meses. Este pode
um esquema diferente, mas devem ser usadas a ser administrado por cânula nasal com redução gra-
menor dose eficaz e a menor duração de tratamen- dual na porcentagem de O2 inspirado e de fluxo de
to possíveis porque a dexametasona impede tem- O2. Nos lactentes que sobrevivem, a insuficiência
porariamente o crescimento dos prematuros. A de- respiratória resolve-se gradualmente, embora possa
xametasona pode também levar a outras complica- persistir a complacência pulmonar reduzida e resis-
ções, inclusive sepse bacteriana e fúngica, hi- tência de vias aéreas aumentada por vários anos.
pertrofia miocárdica reversível e, raramente, san-
gramento ou perfuração gastroduodenal. O trata- TAQUIPNÉIA TRANSITÓRIA DO
mento com dexametasona de crianças com DBP RECÉM-NASCIDO
estabelecida freqüentemente ajuda no desmame do
respirador e extubação mais precoce. Seus meca- (Síndrome do Pulmão Neonatal Úmido)
nismos são ignorados, mas provavelmente a pre- É a angústia respiratória com taquipnéia e hipo-
venção da inflamação é importante. xemia, necessitando de suplementação de O2 ,
A criança com DBP avançada pode precisar de uma condição causada pelo retardo da reabsor-
semanas ou meses de suporte ventilatório adicio- ção do fluido pulmonar fetal.
nal e/ou O2 suplementar. Deve-se reduzir as pres- Os recém-nascidos com taquipnéia transitória do
sões ventilatórias e FIO2 até o mínimo tolerado, recém-nascido nascem geralmente a termo ou um
porém não se deve permitir que o lactente perma- pouco antes. O parto foi mais provavelmente atra-
neça hipoxêmico. Pode-se monitorar a oxigenação vés de cesariana e têm maior probabilidade de apre-
arterial continuamente com um oxímetro de pulso sentar distúrbios perinatais. O distúrbio também
e deve ser mantida com uma saturação igual ou pode ocorrer em prematuros com SAR. Taquipnéia,
maior que 88 a 90%. gemido e retrações ocorrem logo após o nascimen-

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2125

to e pode haver o aparecimento de cianose. O raio Portanto, lactentes com baixo peso ao nascimen-
X de tórax mostra pulmões hiperinfiltrados, com to com risco de apresentarem apnéia devem per-
acentuação da trama peri-hilar, dando a impressão manecer num monitor de freqüência cardíaca e res-
de um coração com bordas peludas, enquanto a piratória. Muitos são também acompanhados com
periferia pulmonar está livre. Freqüentemente, há um oxímetro de pulso para detectar episódios de
presença de fluido nas fissuras. O mecanismo para dessaturação de O2. As enfermeiras devem intervir
a reabsorção do fluido pulmonar fetal é descrito rapidamente se ocorrer apnéia, taquicardia ou des-
em FISIOLOGIA PERINATAL no Capítulo 256. saturação.
A recuperação geralmente ocorre em 2 a 3 dias.
O tratamento envolve a administração de O2 atra- Tratamento
vés de capacete e monitoração da gasometria O lactente deve se deitar com a cabeça em linha
através de amostras arteriais ou por monitoração média e o pescoço numa posição neutra ou ligeira-
transcutânea e oximetria de pulso. Alguns lacten- mente estendida para evitar obstrução das vias aé-
tes podem necessitar de suporte com PPCA e, ra- reas superiores. Se os episódios de apnéia persisti-
ramente, podem necessitar de VMI (ver Uso de Ven- rem, especialmente se estiverem associados a cia-
tilação Mecânica, anteriormente). nose ou bradicardia, o lactente deve ser tratado com
aminofilina (ver Prognóstico e Tratamento da SÍN-
DROME DA ANGÚSTIA RESPIRATÓRIA, anteriormen-
APNÉIA DA PREMATURIDADE te). Se o lactente estiver recebendo alimentação
Muitos neonatos com ≤ 34 semanas de gestação parenteral, a teofilina pode ser administrada VO ou
apresentam episódios de apnéia, que geralmente co- através de uma sonda gástrica utilizando-se a mes-
meçam após 2 a 3 dias de vida. A maior incidência ma dose. Pode-se também trocar para solução oral
ocorre nas idades gestacionais menores. Condições de cafeína (ataque com 10mg/kg e manutenção com
patológicas, inclusive hipoglicemia, hipocalcemia, 5mg/kg VO a cada 24h). A cafeína apresenta maior
sepse, hemorragia intracraniana e, ocasionalmente, índice terapêutico e menos efeitos colaterais que a
refluxo gastroesofágico, podem também provocar teofilina. Outro estimulante respiratório, doxapram,
apnéia; portanto, prematuros que desenvolvem apnéia pode ser acrescentado por infusão IV contínua em
devem ser avaliados para excluir essas outras condi- doses de 0,5 a 2,0mg/kg/h, mas há menos expe-
ções com possibilidade de tratamento. riência com seu uso em prematuros.
Respirações periódicas (respirações rápidas Se, apesar do tratamento com estimulantes res-
com pequenas pausas) são provocadas pela imatu- piratórios, a apnéia persistir, deve-se tratar o lac-
ridade do controle feito pelo centro respiratório tente com pressão positiva contínua das vias aé-
medular. Pausas respiratórias com duração > 20 reas (PPCA), que pode ser administrada por cate-
segundos são denominadas apnéia. Podem resultar ter nasal ou tubo endotraqueal iniciando com uma
em hipoxemia e bradicardia e ser necessária uma pressão de 5 a 8cm de H2O. Períodos de apnéia
intervenção ativa para estimular as respirações. A intratáveis requerem assistência ventilatória (ver
hipoxemia estimula os esforços respiratórios no Uso de Ventilação Mecânica, anteriormente).
O tratamento com metilxantina (aminofilina,
recém-nascido durante um breve período, mas, após teofilina ou cafeína) é interrompido, após o lacten-
poucos segundos, atua suprimindo as respirações. te estar sem apnéia cerca de 7 dias, e pode-se man-
É feita uma distinção entre apnéia central e dar o lactente para casa após outros 7 dias, se não
apnéia obstrutiva. Apnéia central decorre da falta houver recorrência da apnéia ou bradicardia depois
de impulsos neurais suficientes do centro respira- da interrupção do tratamento com xantinas. A maio-
tório da medula para os músculos respiratórios; o ria dos lactentes prematuros deixa de apresentar
lactente pára de respirar. períodos de apnéia quando atinge cerca de 37 se-
A obstrução das vias aéreas superiores (apnéia manas de idade gestacional. No entanto, episódios
obstrutiva), provoca interrupção do fluxo de ar res- de apnéia e bradicardia podem continuar por vá-
piratório por causa da oposição dos tecidos moles rias semanas em prematuro nascido em idade ges-
da hipofaringe: a criança faz esforços respiratórios, tacional extremamente precoce (por exemplo, 23 a
mas não consegue inalar o ar para os pulmões por 27 semanas de idade gestacional). Um pneu-
causa da obstrução e logo fica hipoxêmica e mograma de 24h pode auxiliar na avaliação de
bradicárdica. Como existem movimentos da pare- apnéia, bradicardia e episódios de dessaturação.
de torácica, a apnéia obstrutiva não é detectada por Os pais devem ser completamente orientados
um monitor de apnéia tipo impedância, mas é de- (inclusive instruções de ressuscitação cardio-
tectada como a ausência de fluxo aéreo se for mo- pulmonar e planos para avaliação contínua e su-
nitorado o fluxo aéreo nasal. porte para os pais). Se uma criança for considerada

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2126 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

em risco aumentado de apnéia potencialmente fa- têmica ou supra-sistêmica nas artérias pulmonares,
tal, mas não estiver apresentando realmente apnéia ocorre “shunt” do sangue da direita para a esquer-
ou bradicardia, pode receber alta recebendo me- da através do ducto arterioso patente (da artéria
tilxantina e com monitoração domiciliar. pulmonar principal para a aorta) ou através do fo-
Os monitores domiciliares disparam um alar- rame oval patente (do átrio direito para o esquer-
me se a duração da apnéia exceder um limite de do); o resultado é hipoxemia sistêmica que não res-
tempo estabelecido (geralmente 15 ou 20 segun- ponde a tratamento.
dos) ou se a freqüência cardíaca cair abaixo de Em muitos lactentes que morreram por HPPRN,
determinado limite inferior estabelecido (geral- o exame patológico dos pulmões revelou desenvol-
mente 80 ou 100bpm). Uma bateria mantém o vimento muscular anormal e hipertrofia das pare-
funcionamento em caso de falta de energia elé- des das arteríolas pulmonares pequenas, o que pos-
trica. Muitos monitores podem armazenar infor- sivelmente pode ter sido resultado de hipoxemia
mação que podem ser registradas e analisadas crônica in utero. Os mesmos achados podem ocor-
mais tarde, permitindo assim que o médico de- rer se a mãe recebe grandes doses de inibidores de
termine o tipo e freqüência de eventos e os com- prostaglandina sintetase (por exemplo, aspirina ou
pare com os eventos descritos e anotados pelos indometacina) durante a gravidez; presumivelmente
pais. Este processo ajuda a determinar se são tais drogas podem ter produzido constrição do ducto
necessários outros tratamentos ou se a monitora- arterioso fetal in utero, levando a um fluxo san-
ção pode ser interrompida. güíneo pulmonar anormalmente elevado com hi-
A monitoração domiciliar é freqüentemente usa- pertrofia “protetora” secundária das paredes das
da para lactentes considerados sob maior risco de arteríolas pulmonares.
síndrome de morte súbita do lactente (SIDS). Even- A hérnia diafragmática congênita também está
tos agudos potencialmente fatais foram detectados freqüentemente associada à hipertrofia muscular
em alguns lactentes e eles foram ressuscitados com das arteríolas pulmonares, também presumi-
sucesso, mas outros evoluíram para óbito apesar velmente secundária ao fluxo sangüíneo pulmonar
dos monitores domiciliares. A “American Academy anormalmente elevado in utero (visto que o pul-
of Pediatrics” concluiu que a monitoração domici- mão esquerdo em geral está gravemente hipoplási-
liar não evita a SIDS (ver também SÍNDROME DA co e todo o fluxo sangüíneo pulmonar passa atra-
MORTE SÚBITA DO LACTENTE, adiante). vés do pulmão direito).
Diagnóstico
HIPERTENSÃO PULMONAR
O diagnóstico geralmente é baseado na histó-
PERSISTENTE DO RECÉM-NASCIDO ria, achados físicos e dados radiológicos e labo-
(Circulação Fetal Persistente) ratoriais. O lactente pode permanecer hipoxêmico
mesmo quando respira ou é ventilado com 100%
É o retorno à circulação tipo fetal, com redução de O2. Os pulmões podem estar inteiramente
intensa do fluxo sangüíneo pulmonar por causa normais na radiografia torácica se a criança apre-
de constrição das arteríolas pulmonares. senta hipertensão pulmonar primária, porém pode
Como no estado fetal, quando a criança de- haver doença pulmonar parenquimatosa (por
senvolve hipertensão pulmonar persistente do exemplo, síndrome da aspiração do mecônio ou
recém-nascido (HPPRN), o sangue é desviado pneumonia neonatal) ou hérnia diafragmática
da direita para a esquerda, tanto através do fora- congênita. Uma avaliação cardíaca com ecocar-
me oval como através do ducto arterioso persis- diograma pode afastar cardiopatia congênita e
tente. (Para a descrição de circulação perinatal e confirmar a presença de pressão supra-sistêmica
desenvolvimento de HPPRN, ver FISIOLOGIA na artéria pulmonar.
PERINATAL no Cap. 256). O “shunt” da direita A resistência vascular pulmonar aumentada que
para a esquerda leva à hipoxemia profunda, mes- leva à hipertensão pulmonar e ao “shunt” da direita
mo quando o lactente está respirando O2 a 100%. para a esquerda piora com hipoxemia e acidose e
melhorada pela elevação da tensão de O2 e do pH.
Fisiopatologia, sintomas e sinais Portanto, deve-se suspeitar de HPPRN em qual-
A HPPRN ocorre mais freqüentemente em lac- quer lactente próximo ao termo com hipoxemia
tentes a termo ou pós-termo que tenham sofrido arterial, pois é importante iniciar o tratamento o
asfixia ou hipoxia perinatal ou pós-natal. A hipo- mais rapidamente possível para evitar progressão.
xia desencadeia a reversão (ou persistência para Como alguns desses pacientes apresentam um
constrição arteriolar pulmonar intensa, um estado grande “shunt” da direita para a esquerda através
normal no feto. Como conseqüência da pressão sis- de um ducto arterioso patente, a PaO2 pode ser sig-

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2127

nificativamente mais alta na artéria braquial direi- gico). Se a PA ou a perfusão permanecerem dimi-
ta que na aorta descendente; se oxímetros de pulso nuídas, o recém-nascido deverá receber dopamina 5
forem colocados simultaneamente na mão direita e a 20µg/kg/min IV e/ou dobutamina 5 a 20µg/kg/min
um membro inferior e mostrarem saturação de O2 IV (nunca administrar através de uma via arte-
mais baixa no pé, está indicado um “shunt” da di- rial). Freqüentemente, no entanto, a hipotensão
reita para a esquerda em ducto arterioso. provocada por tolazolina é refratária a tratamen-
to, limitando assim a utilidade desta droga. A to-
Tratamento lazolina também causa a liberação de histamina, e
O tratamento envolve primariamente a ventila- sangramento pelo trato GI alto tem sido associado
ção mecânica do recém-nascido (ver Uso de Venti- ao seu uso; pode-se administrar um bloqueador
lação Mecânica anteriormente) com pressão posi- de receptor H2 profilaticamente.
tiva e 100% de O2 , pois este é o vasodilatador pul- A oxigenação extracorpórea por membrana
monar mais potente. A alcalinização também auxi- (ECMO) pode ser usada para lactentes > 34 sema-
lia a dilatar as arteríolas pulmonares. A alca- nas de gestação que, apesar do tratamento clínico,
linização pode ser conseguida por meio da infusão não possam ser adequadamente oxigenados e não
IV lenta de bicarbonato de sódio, entre 0,5 e 2mEq/ poderiam sobreviver de outra forma (ver Uso de
kg/h. A dose é ajustada para manter o pH ≥ 7,45 a Ventilação Mecânica, anteriormente).
7,5. A ventilação com máscara e ambu com O2 a Uma atenção especial deve ser dada para a ma-
100% durante 10 a 15min também pode auxiliar, nutenção de homeostasia hidroeletrolítica, glicose
porque a expansão mecânica dos alvéolos também e Ca. Os recém-nascidos devem ser mantidos em
causa vasodilatação. um ambiente termoneutro e tratados com antibióti-
Em muitos pacientes, a inalação de óxido cos se houver a possibilidade de sepse até que se
nítrico melhora rapidamente a oxigenação indu- conheçam os resultados das culturas.
zindo vasodilatação arteriolar pulmonar. O óxido Quando a PaO2 estiver estabilizada em ≥ 100mmHg,
nítrico é “fator de relaxamento endotelial”, normal- o desmame do ventilador é iniciado, em primeiro
mente produzido pelas células endoteliais, induzin- lugar pela redução da FIO2 em alíquotas bem pe-
do relaxamento da musculatura arteriolar lisa; con- quenas de 2 a 3%. Depois, FIO2 e a pressão do
sidera-se que a síntese seja anormalmente baixa em respirador podem ser reduzidas alternadamente.
lactentes com HPPRN. Quando os pacientes respi- O objetivo é evitar alterações amplas, pois uma que-
ram baixas concentrações de óxido nítrico através da súbita na PaO2 pode levar a recorrência da vaso-
do circuito do ventilador, o óxido nítrico se difun- constrição pulmonar e da HPP.
de nas paredes arteriolares pulmonares, onde pro-
voca relaxamento da musculatura lisa e aumenta o
fluxo sangüíneo pulmonar. O óxido nítrico é fir- SÍNDROME DA
memente ligado à Hb (e portanto inativado); as- ASPIRAÇÃO DE MECÔNIO
sim, a circulação sistêmica não é afetada e não ocor- É a aspiração de mecônio pelo feto, levando à pneu-
re hipotensão sistêmica. monite química e obstrução mecânica dos brôn-
A tolazolina, (um α-bloqueador), pode ser ad- quios depois do parto.
ministrada em uma dose de ataque de 1 a 2mg/kg
IV durante 5 a 10min e depois 0,5 a 2mg/kg/h IV A síndrome da aspiração de mecônio (SAM) é
para ajudar a provocar vasodilatação pulmonar e geralmente uma complicação da insuficiência
melhorar a oxigenação. A tolazolina deve ser ad- placentária (por exemplo, pré-eclâmpsia materna,
ministrada por uma via que forneça o máximo de hipertensão ou pós-maturidade). O feto elimina
aporte ao circuito pulmonar, pois também pode fezes meconiais em resposta ao estresse; faz movi-
induzir vasodilatação sistêmica e hipotensão; na mentos respiratórios forçados, aspirando o me-
HPPRN, com um “shunt” da direita para a es- cônio misturado com líquido amniótico para den-
querda ao nível atrial, isto é conseguido pela ad- tro dos pulmões. A SAM é freqüentemente mais
ministração em uma veia na parte superior do grave em lactentes pós-termo, que apresentam
corpo (veia do membro superior ou do couro volume de líquido amniótico reduzido, pois o
cabeludo) ou diretamente através de um cateter mecônio encontra-se menos diluído e, sendo mais
colocado na artéria pulmonar. A hipotensão sistê- espesso, tem maior probabilidade de provocar
mica, se ocorrer, deve ser tratada imediatamente obstrução de vias aéreas.
porque ela aumentará a hipoxia sistêmica, mas de
início, pode ser usado um expansor de volume (por Sintomas, sinais e diagnóstico
exemplo, albumina humana ou solução salina a Pode ocorrer insuficiência respiratória leve a
5%, 10 a 15mL/kg durante 10min ou soro fisioló- extremamente grave. Se ocorrer obstrução brôn-

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2128 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

quica completa, ocorre atelectasia; o bloqueio par- tubo endotraqueal é retirado. Depois de termi-
cial leva à retenção de ar na expiração, resultando nada a aspiração, é iniciada ventilação com pres-
em hiperexpansão dos pulmões e vazamento de ar são positiva se as respirações do neonato estive-
(por exemplo, pneumomediastino, pneumotórax). rem deprimidas. Se não for obtido mecônio pela
A retenção de ar provocada por obstrução brônqui- aspiração e o neonato parecer vigoroso, extubação
ca parcial com mecônio ou secundária a tensão do e observação são apropriadas. Se há suspeita de
pneumotórax pode, por sua vez, aumentar o diâ- SAM significativa, o recém-nascido é internado
metro ântero-posterior do tórax, dando uma apa- na UTI neonatal para tratamento.
rência de barril. O recém-nascido pode parecer pós- A tapotagem torácica intermitente, seguida por
maturo e o cordão umbilical e as unhas podem es- aspiração endotraqueal e administração de ar
tar manchados de mecônio. umidificado ou O2 podem também ajudar a diluir
As radiografias torácicas mostram hiperinsuflação e remover mecônio adicional das vias aéreas.
enfisematosa com áreas variáveis de atelectasia. A monitoração cuidadosa em relação à insuficiên-
A retenção progressiva de ar leva a enfisema inters- cia respiratória e hipoxia é necessária.
ticial pulmonar ou cistos, pneumomediastino ou O suporte respiratório é fornecido de acordo
pneumotórax. Ocasionalmente, observa-se líquido com a gravidade da pneumonite, variando desde o
nas fissuras principais ou nos espaços pleurais. cuidado de suporte e fisioterapia torácica, até o for-
necimento suplementar de O2 por capacete ou ven-
Complicações tilação com pressão positiva (ver uso de Ventilação
Recém-nascidos com SAM, especialmente se Mecânica, anteriormente).
pós-termo, são suscetíveis ao desenvolvimento de Recém-nascidos com SAM retêm ar além dos
hipertensão pulmonar persistente do recém-nasci- brônquios, os quais são parcialmente bloqueados
do (ver anteriormente). Se a gasometria da criança com mecônio aspirado. Durante os primeiros dias,
estiver apenas no limite do satisfatório com capa- podem desenvolver síndrome de extravasamento de
cete de O2 ou estiver piorando com o tempo, pode ar (pneumomediastino ou pneumotórax). Avalia-
ser mais seguro iniciar ventilação mecânica para ções regulares por auscultação do murmúrio vesi-
evitar hipoxemia ou hipercarbia, que poderiam le- cular, transiluminação do tórax e radiografias são
var à HPPRN. importantes para detectar essas complicações. Ava-
Prevenção e tratamento liação e tratamento para tensão do pneumotórax ou
para tampão de mecônio no tubo endotraqueal de-
O passo mais importante para evitar a SAM é vem ser instituídos imediatamente se a PA, perfu-
aspirar imediatamente o mecônio e o líquido da são ou gasometria do paciente piorarem subitamen-
boca e nasofaringe usando um aparelho de aspi- te (ver SÍNDROME DE EXTRAVASAMENTO DE AR
ração de De Lee, logo que a cabeça do recém- PULMONAR, adiante).
nascido apresentar-se. Até recentemente, acre- Visto que o mecônio pode aumentar o cresci-
ditava-se que todos os recém-nascidos com pre- mento bacteriano e a dificuldade em descartar pneu-
sença de mecônio no líquido amniótico deve- monia bacteriana nas radiografias, é de costume
riam ser intubados imediatamente para permitir obter culturas de sangue e de aspirado traqueal e
a aspiração de mecônio da traquéia. No entanto, iniciar antibioticoterapia (ampicilina e um ami-
a intubação e aspiração traqueal podem não ser noglicosídeo).
necessárias para recém-nascidos vigorosos, es- Síndromes relacionadas – Durante o nascimen-
pecialmente se o mecônio não for espesso. Esta to, os lactentes também podem aspirar verniz
orientação ainda é discutível. caseoso, líquido amniótico e sangue materno ou
É consenso que uma equipe capacitada deve fetal. Podem desenvolver angústia respiratória e
estar disponível imediatamente para intubar e mostrar sinais de pneumonia aspirativa na radio-
iniciar a aspiração traqueal, pelo menos, em to- grafia torácica. Como na aspiração de mecônio, o
dos os recém-nascidos deprimidos quando o tratamento é de suporte; se há suspeita de infecção
mecônio estiver presente. A aspiração será mais bacteriana, deve-se coletar culturas e iniciar a anti-
eficaz se for realizada antes do recém-nascido
respirar e chorar, o que irá distribuir o mecônio bioticoterapia.
pela árvore pulmonar. Um tubo endotraqueal de
3,5 a 4,0mm é colocado na traquéia na criança e SÍNDROME DE EXTRAVASAMENTO
um aspirador de mecônio é conectado a um apa- DE AR PULMONAR
relho de aspiração conectado diretamente à son-
da endotraqueal, que depois serve como cateter É a dissecção de ar para fora dos espaços aéreos
de aspiração. A aspiração é mantida enquanto o pulmonares normais.

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2129

O extravasamento de ar após o parto ocorre em Ventiladores de alta freqüência de diversos ti-


1 a 2% dos lactentes normais, provavelmente como pos têm sido usados para lactentes com extravasa-
resultado de grandes forças intratorácicas negati- mentos de ar potencialmente fatais ou que não res-
vas das primeiras respirações. Muitos destes lac- pondem ao tratamento (ver Uso de Ventilação Me-
tentes são assintomáticos ou apresentam somente cânica, anteriormente).
taquipnéia. O tipo de extravasamento de ar depen- Se o enfisema intersticial pulmonar for signifi-
de da localização do ar que dissecou para fora dos cativamente mais intenso em um dos pulmões, o
espaços de ar normais do pulmão e incluem enfise- lactente deve ser deitado sobre o lado deste pul-
ma intersticial pulmonar, pneumomediastino, pneu- mão, para ajudar a comprimi-lo. Esta posição pode
motórax, pneumopericárdio, pneumoperitônio e melhorar a ventilação no outro pulmão (elevado).
enfisema subcutâneo. Pode-se tentar a intubação brônquica seletiva se um
Geralmente, entretanto, ocorre extravasamento dos pulmões for muito afetado e leve ou ausente
de ar pulmonar clinicamente significante ocorre no outro. Coloca-se uma cânula endotraqueal no
em lactentes com doenças pulmonares parenqui- brônquio principal do lado normal ou menos en-
matosas e predispostos devido a complacência pul- volvido; isto pode ser facilitado pelo avanço da
monar precária e necessidade pressões de disten- cânula endotraqueal, enquanto vira-se a cabeça e o
são altas (por exemplo, um bebê com SAR ou em pescoço para o lado oposto ao brônquio que será
respirador) ou devido à resistência elevada das vias intubado. Quando se completar a intubação brôn-
aéreas (por exemplo, brônquios parcialmente obs- quica seletiva, não se ouvem mais os murmúrios
truídos com mecônio na SAM). sobre o pulmão com enfisema pulmonar intersticial.
A posição da cânula endotraqueal é confirmada no
Enfisema intersticial pulmonar raio X, que mostrará rapidamente atelectasia total
do pulmão com enfisema pulmonar intersticial.
É o extravasamento de ar dos alvéolos para o Uma vez que somente um pulmão está sendo ven-
interstício pulmonar, linfáticos ou espaço tilado agora, pode ser necessário alterar os parâ-
subpleural. metros do ventilador e FIO2 simultaneamente. Após
Geralmente ocorre enfisema intersticial pulmo- 24 a 48h, o tubo endotraqueal é retirado da traquéia,
nar em lactentes com baixa complacência pul- na expectativa de que nesse tempo o extravasamento
monar, como aqueles com SAR, sendo tratados de ar tenha cessado.
com ventilação mecânica, porém pode ocorrer es-
pontaneamente. Pode envolver um ou ambos os pul- Pneumomediastino
mões ou ser focal ou generalizado dentro de cada
pulmão. Se a dissecção de ar for generalizada, o É a dissecção de ar para o tecido conjuntivo frou-
estado respiratório pode piorar agudamente porque xo do mediastino.
a complacência pulmonar é reduzida subitamente. Geralmente, o lactente não desenvolve sinais
A radiografia torácica mostra várias transparên- adicionais de insuficiência respiratória, porém o
cias císticas ou lineares nos campos pulmonares. tórax pode ser transiluminado positivamente e
Algumas transparências estão alongadas, enquan- ao raio X (preferivelmente de perfil), pode-se
to outras aparecem como cistos subpleurais alar- ver o ar no mediastino levantando os lobos do
gados e podem ter de poucos milímetros a vários timo para fora da silhueta cardíaca. O ar também
centímetros de diâmetro. pode dissecar os tecidos subcutâneos do pescoço
O enfisema pulmonar intersticial pode regredir e couro cabeludo; o enfisema subcutâneo é tam-
acentuadamente em 1 ou 2 dias ou persistir na ra- bém assintomático e cede espontaneamente. Não
diografia por semanas ou meses. Alguns pacientes é necessário tratamento específico. Entretanto
com doença respiratória grave desenvolvem displa- pode ser vantajoso tentar baixar as pressões
sia broncopulmonar (DBP) e as alterações císticas ventilatórias, para ajudar na cicatrização pulmo-
do enfisema pulmonar intersticial parecem juntar- nar e evitar pneumotórax.
se então no quadro radiológico da DBP.
O objetivo do tratamento é diminuir a pressão ins- Pneumopericárdio
piratória do ventilador tanto quanto possível para
permitir a recuperação do pulmão. Freqüentemente é A ventilação mecânica pode fazer com que o ar
possível atingir oxigenação adequada aumentando a disseque para o saco pericárdico e provoque
FIO2 , reduzindo o mais possível a pressão inspirató- pneumopericárdio. Se o ar estiver sob pressão, re-
ria, porém isto pode ser difícil ou impossível porque sulta tamponamento cardíaco e colapso circulató-
os pulmões com enfisema pulmonar intersticial difu- rio agudo, com súbita redução de pulsos, redução
so se tornam muito pouco complacentes. da pressão de pulso e baixa perfusão periférica.

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2130 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

A rápida drenagem do ar usando uma agulha para gue deve ser obtido por venopunção ou por um ca-
veia de couro cabeludo seguida pela inserção ci- teter central; o Ht obtido por picada no calcanhar
rúrgica de um tubo pericárdico pode salvar a vida. podem ser até 15% mais altos devido à concentra-
ção do sangue nos capilares cutâneos.
Pneumoperitônio A pressão parcial de oxigênio no sangue arterial
é consideravelmente mais alta depois do parto do
Ocasionalmente, o extravasamento pulmonar que era no feto. Como resultado, a produção de
pode resultar em ar livre dissecando o retroperi- eritropoietina é reduzida e praticamente cessa.
tônio e depois para a cavidade peritoneal, produ- Durante os primeiros 2 a 3 meses, a concentração
zindo pneumoperitônio. Esta complicação geral- de Hb do lactente cai gradualmente; esta queda é
mente não é grave e se resolve espontaneamente, um pouco exagerada pela sobrevida mais curta dos
mas é necessário diferenciar de um pneumoperitô- eritrócitos neonatais (90 dias versus 120 dias no
nio devido a ruptura de víscera abdominal, que é adulto). Este declínio normal de Hb é chamado de
uma emergência cirúrgica. Um pneumoperitônio anemia fisiológica da infância, e não requer tra-
que ocorre em uma criança em ventilação com pres- tamento. Quando a tensão de oxigênio nos tecidos
são positiva que apresente outra evidência de cai até determinado ponto, a produção de eritro-
extravasamentos de ar pulmonar provavelmente se poietina recomeça, como também a produção de
deve a extravasamento de ar a partir do pulmão. eritrócitos.
A taxa de queda da Hb e o nadir desta queda são
Pneumotórax maiores em prematuros – a anemia da prema-
turidade. Esta condição se deve principalmente à
É a dissecção de ar para o espaço pleural a partir velocidade de crescimento muito rápida dos pre-
da ruptura de bolha subpleural ou de um maturos, cujo volume de sangue em expansão ra-
pneumomediastino. pidamente supera sua massa eritrocitária em con-
Embora às vezes assintomático, um pneumo- tração. Além disso, a coleta de sangue para exames
tórax hipertensivo (ver também Cap. 80) pode ser de laboratório de prematuros doentes exagera mui-
potencialmente fatal em criança com doença pa- to a redução, o que é mais acentuado nos mais pre-
renquimatosa pulmonar grave (por exemplo, SAR, maturos. O nadir para concentração de Hb é fre-
SAM) e em ventilação mecânica. qüentemente atingido em torno de 6 semanas em
A transiluminação positiva de um hemitórax com prematuros, metade do tempo em que é atingido
fonte de luz de fibra óptica em quarto escuro suge- nos lactentes a termo.
re fortemente a existência de ar livre no tórax. A anemia tem sido responsabilizada por alguns
A radiografia torácica confirma o diagnóstico an- problemas comuns que ocorrem em prematuros,
tes do tratamento ser iniciado, se as condições do inclusive taquipnéia, taquicardia, acidose metabó-
lactente permitirem. lica, respiração periódica, apnéia e insuficiência de
É necessário drenar imediatamente o pneumo-
tórax num lactente com doença pulmonar ou sob ganho de peso. No entanto, faltam estudos mos-
ventilação mecânica. Em uma emergência, uma trando quando a transfusão é benéfica e critérios
agulha e seringa de injeção do couro cabeludo po- específicos para transfusão não podem ser ofereci-
dem ser usadas temporariamente para evacuar o ar dos, exceto no sentido de que crianças mais doen-
livre. A inserção de um dreno torácico (French nº 8 tes, com doenças cardiorrespiratórias, geralmente
ou 10) é o tratamento definitivo. A ausculta, transi- recebem mais transfusões para manter os níveis de
luminação e raio X torácico confirmarão que o dre- Hb. Em anos recentes, foi demonstrado que pre-
no está funcionando apropriadamente. maturos estáveis evoluem bem com concentrações
Em lactente sem doença pulmonar de base, um de Hb de apenas 8 a 10mg/dL e menos transfusões
pneumotórax pode produzir somente taquipnéia têm sido administradas para reduzir o risco de in-
leve ou até mesmo ser assintomático. Se o lactente fecções virais relacionadas a transfusões. Recente-
não apresenta insuficiência respiratória, pode ser mente, foi demonstrado que eritropoietina admi-
obsevado criteriosamente enquanto se aguarda a nistrada a prematuros anêmicos produz uma res-
resolução espontânea. posta normal de medula óssea, mas seu uso ainda
não é rotineiro.
Nem a anemia fisiológica da infância nem a ane-
DISTÚRBIOS mia da prematuridade são provocadas por defi-
ciência de ferro e nenhuma responde à administra-
HEMATOLÓGICOS ção de ferro. No entanto, os neonatos devem rece-
Para avaliar distúrbios hematológicos em recém- ber ferro suplementar se forem alimentados com
nascidos durante a primeira semana de vida, o san- mamadeira. Devem receber 2mg de ferro elemen-

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2131

tar/kg ao dia em sua mamadeira. Caso contrário, aguda, pois pode não ter havido tempo para equili-
os prematuros depletam seus depósitos de ferro em brar o declínio. Em contraste, um lactente com he-
10 a 14 semanas e os lactentes a termo, em 5 me- morragia fetomaterna é pálido com Ht baixo, mas
ses. A menos que tenham recebido ferro na dieta, apresenta pulso e perfusão mantidos.
desenvolvem depois anemia ferropriva típica, Em uma transfusão entre gêmeos, o doador é
hipocrômica e microcítica (ver também Cap. 127). geralmente pequeno para a idade gestacional e anê-
mico e apresenta um bom débito urinário que re-
ANEMIA AGUDA NEONATAL sulta em oligoidrâmnio. O receptor é significativa-
mente maior e pletórico, com um alto débito uriná-
POR PERDA SANGÜÍNEA rio, que resulta em poliidrâmnio.
Etiologia e fisiopatologia Tratamento
A perda sangüínea perinatal maciça pode resul- Deve-se corrigir a perda sangüínea aguda com
tar de separação placentária anormal (descolamen- choque hipovolêmico através de transfusão imedia-
to prematuro de placenta) ou placenta prévia, de ta de sangue total ou concentrado de hemácias por
uma laceração traumática do cordão umbilical ou um cateter na veia umbilical; deve-se administrar
de torção um vaso se houver inserção velamentosa 15mL/kg em 5 a 10min e depois várias alíquotas
do cordão na placenta, de uma incisão em placen- repetidas até que seja restaurada uma circulação
ta anterior durante a cesariana. Se o cordão umbi- adequada. Se o sangue não estiver disponível no
lical estiver enrolado fortemente no pescoço ou momento, pode-se iniciar o suporte circulatório por
corpo do recém-nascido, o sangue arterial deste infusão do mesmo volume de colóide (albumina
pode ser bombeado para a placenta enquanto a humana a 5% ou plasma fresco congelado) ou soro
compressão do cordão impede que o sangue re- fisiológico. Se o choque persistir, deve-se adminis-
torne para o lactente pela veia umbilical; o clam- trar mais sangue, colóide ou solução salina. Pode-
peamento imediato do cordão logo após o parto se monitorar a pressão venosa central por um cate-
pode resultar em perda sangüínea oculta aguda ter na veia umbilical (depois de confirmar radiolo-
significativa (para a placenta). gicamente que a extremidade do cateter está acima
A perda oculta de sangue de intensidade variá- do diafragma) para ajudar a determinar quando o
vel pode ocorrer in utero como resultado de he- déficit sangüíneo foi recuperado.
morragia fetomaterna. A hemorragia pode ser agu- Em caso de transfusão de um gêmeo para outro,
da ou prolongada e lenta e pode recorrer. Se o feto o doador pode precisar de transfusão sangüínea sim-
compensar a hemorragia, seu Ht terá tempo para ples ou de uma exsangüineotransfusão para elevar
diminuir (quando o volume sangüíneo se reex- o Ht rapidamente a um nível seguro, enquanto o
pande). A hemorragia pré-natal aguda leva ao cho- receptor, que pode sofrer de policitemia (ver adi-
que fetal ou neonatal e haverá uma demora de vá- ante), pode necessitar de exsangüineotransfusão
rias horas até que o Ht fique diminuído. A hemor- parcial (flebotomia de troca) com colóide para bai-
ragia fetomaterna é confirmada por um teste de xar o Ht a um nível seguro (geralmente < 65%).
Kleihauer positivo no sangue materno, no qual eri-
trócitos fetais na circulação da mãe são resistentes
à eluição ácida e podem ser identificados em esfre- ANEMIAS HEMOLÍTICAS
gaço de sangue. DO RECÉM-NASCIDO
Uma transfusão crônica de um gêmeo para ou-
tro pode ocorrer em gêmeos idênticos que tenham São anemias provocadas por lise de hemácias.
um vaso anastomótico entre suas porções de pla- Incompatibilidade Rhesus
centa compartilhada. É outra causa de perda de san-
gue oculta in utero (no gêmeo doador). Pode ocorrer incompatibilidade Rhesus (Rh)
quando uma mulher Rh-negativa tem um feto Rh-
Sintomas e sinais positivo. Ocorre isoimunização da mãe após algu-
Podem ocorrer choque hipovolêmico e asfixia mas hemácias fetais (incompatíveis) atravessarem
grave antes do parto ou no nascimento se houver a placenta e induzirem uma resposta imunológica
uma hemorragia pré-natal maciça. O lactente é com anticorpos maternos específicos contra Rh,
hipotenso e extremamente pálido, tem pulso fraco alguns dos quais subseqüentemente atravessam a
ou ausente, apresenta poucos esforços respiratórios placenta até o feto e levam à hemólise.
e não responde às etapas comuns da ressuscitação A primeira isoimunização pode ocorrer em um
cardiopulmonar. Um Ht normal ao nascimento não aborto ou numa gravidez com um feto Rh-positi-
afasta a possibilidade de perda sangüínea maciça vo. A gravidade da isoimunização aumenta nas

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2132 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

gestações subseqüentes e cada recém-nascido sub- do enxerto versus hospedeiro. Esses procedimen-
seqüente tem mais probabilidade de ser afetado. tos são realizados com orientação de ultra-sono-
A incompatibilidade Rh indica geralmente que o grafia em uma UTI perinatal.
Ac do antígeno de superfície do Grupo D está pre- Durante o parto – A freqüência cardíaca fe-
sente nas hemácias, embora também possam ocor- tal deve ser monitorada; se ocorrerem sinais de
rer incompatibilidades dos fatores C e E do siste- sofrimento fetal ou a criança estiver gravemen-
ma Rh. (Ver também Cap. 252.) te afetada, está indicada a cesariana. Um recém-
nascido com hidropsia fetal ou eritroblastose fetal
Sintomas e sinais grave sem hidropsia é um doente grave e deve
Os fetos afetados mais gravemente desenvolvem ser levado a uma UTI perinatal.
anemia profunda in utero (eritroblastose fetal – ver Depois do parto – Em caso de hidropsia fetal, a
Cap. 252) com morte intra-uterina fetal ou nas- anemia profunda deve ser tratada imediatamente
cem com hidropsia fetal, que pode ser diagnostica- com uma exsangüineotransfusão parcial usando
da antes do parto no ultra-som fetal, que mostra concentrado de hemácias Rh-negativas. Depois que
edema do couro cabeludo, cardiomegalia, hepato- a condição do recém-nascido se estabiliza, uma ex-
megalia, derrame pleural ou ascite. Também pode sangüineotransfusão de duplo volume (isto é, usan-
estar presente poliidrâmnio. Estes recém-nascidos do duas vezes o volume sangüíneo calculado para
são extremamente pálidos e podem apresentar ede- o neonato, removendo assim 85% do sangue da
ma grave generalizado, inclusive derrames pleurais criança, inclusive anticorpos circulantes, hemácias
e ascite. O fígado e o baço estão aumentados devi- sensibilizadas e bilirrubina acumulada) deve ser
do a hematopoiese extramedular. Pode ocorrer in- realizada com sangue Rh-negativo. Digoxina e
suficiência cardíaca. A asfixia é mais provável du- diuréticos para insuficiência cardíaca, alcalinos para
rante o trabalho de parto, em virtude de anemia e tratamento de acidose metabólica e suporte respi-
prematuridade, e geralmente é indicação de cesa- ratório para síndrome da angústia respiratória po-
riana. Prematuridade e asfixia, juntamente com hi- dem ser necessários.
poproteinemia, predispõem estes lactentes à sín- Todos os recém-nascidos com mãe Rh-negati-
drome da angústia respiratória, cujos sinais podem va devem ser submetidos a exames de sangue do
ser difíceis de distinguir daqueles de insuficiência cordão imediatamente para determinar tipo san-
cardíaca. Os neonatos afetados menos gravemente güíneo e realização de teste de Coombs. Se o
podem ser anêmicos, porém não apresentam ede- neonato for Rh-positivo e o teste de Coombs direto
ma ou outros sinais de hidropsia, outros podem for positivo, Ht e número de reticulócitos do
apresentar pouca ou nenhuma anemia ao nascerem. recém-nascidos devem ser determinados e exa-
Os lactentes afetados geralmente desenvolvem hi- minado um esfregaço de sangue para pesquisa
perbilirrubinemia grave logo após o parto devido ao de reticulócitos e hemácias nucleadas. Também
efeito hemolítico contínuo dos anticorpos anti-Rh deve-se determinar o nível de bilirrubina no san-
(D) que atravessaram a placenta. gue do cordão. O Ht de sangue de cordão < 40%
e bilirrubina de cordão > 5mg/dL (86µmol/L)
Diagnóstico e tratamento são indicações de hemólise grave.
A gravidade do processo hemolítico in utero Se as condições do lactente forem estáveis, uma
pode ser avaliado medindo-se a bilirrubina no lí- exsangüineotransfusão precoce removerá hemácias
quido amniótico (medido como densidade óptica a sensibilizadas e anticorpos antes que a hemólise
450nm [OD 450] e corrigida para a idade gestacio- produza grandes quantidades de bilirrubina e pode-
nal) através de amniocentese seqüencial (ver TA- se evitar a necessidade de múltiplas exsangüineo-
BELA 252.2). Para a profilaxia de mulheres transfusões posteriores. Se a hemólise for particu-
insensibilizadas ao Rh, ver Capítulo 252. larmente grave, exsangüineotransfusão por hiperbi-
lirrubinemia será quase certamente necessária.
Tratamento Os critérios que sugerem a necessidade de exsan-
Antes do parto – É possível coletar amostras güineotransfusão precoce, mas não de emergência,
de sangue fetal (para análise de Ht, tipo sangüíneo são Ht < 40%, reticulócitos > 15% e concentração
e teste de Coombs direto) e transfusões de concen- de bilirrubina > 5mg/dL (> 86µmol/L) ao nascimen-
trados de hemácias são administradas a fetos gra- to; obtém-se a informação mais útil através da obser-
vemente afetados através de cardiocentese in utero. vação da elevação da taxa de bilirrubina sérica por
O concentrado de hemácias pode ser administrado várias horas. Se o nível de bilirrubina elevar-se a
por transfusão intraperitoneal de hemácias tipo O ≥ 1mg/dL/h (> 17µmol/L/h), o lactente provavelmen-
Rh-negativas, que devem ser antes irradiadas, para te necessitará de exsangüineotransfusão, embora o
matar os linfócitos que poderiam provocar doença tratamento com a fototerapia possa diminuir a velo-

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2133

cidade de elevação da bilirrubina e evitar que se faça desenvolvimento de hemólise, ocorre anemia e hi-
a exsangüineotransfusão. perbilirrubinemia, como nas incompatibilidades Rh
Se a exsangüineotransfusão não for indicada ou ABO. Como o diagnóstico para essas incompa-
imediatamente, pode-se seguir o lactente por ava- tibilidades pode ser demorado, muitos pesquisado-
liações clínicas e por determinações seriadas de res aconselham a triagem do sangue materno para
bilirrubina sérica e Ht. A exsangüineotransfusão é anticorpos atípicos ou raros durante a gravidez.
indicada quando os níveis de bilirrubina se torna- O tratamento é semelhante ao da incompatibilida-
rem acentuadamente elevados (ver hiperbilirru- de Rh; o sangue usado para exsangüineotransfusão
binemia em LACTENTE PREMATURO, anteriormen- deve estar isento de antígeno sensibilizante.
te e PROBLEMAS METABÓLICOS NO RECÉM-NAS-
CIDO, adiante) ou quando se desenvolver anemia Anemia devido à
significativa.
Muitos lactentes Rh-positivos afetados não ne- esferocitose congênita
cessitam de exsangüineotransfusão no período (Ver também ANEMIAS CAUSADAS POR HEMÓLISE
neonatal; entretanto, o Ht deve ser seguido se- EXCESSIVA no Cap. 127.)
riadamente por vários meses, quando pode se A hemólise nos lactentes nascidos com esfe-
desenvolver anemia grave devido à hemólise lenta rocitose congênita causa freqüentemente hiperbi-
e contínua. Estes lactentes necessitam de uma lirrubinemia significativa e possivelmente anemia.
transfusão simples com concentrado de hemá- Geralmente, não ocorre esplenomegalia significa-
cias Rh-negativas. tiva nos neonatos. Observam-se esferócitos no es-
fregaço sangüíneo e as hemácias apresentam fragi-
Incompatibilidade do lidade osmótica aumentada. Este distúrbio pode
grupo sangüíneo ABO ser herdado como um caráter dominante.
Entretanto, em muitos casos, a história familiar
Em quase todos os casos de incompatibilidade para esferocitose é negativa. Trata-se a hiperbilirru-
ABO, o tipo sangüíneo materno é O e o do recém- binemia precoce, se for grave, por exsangüineo-
nascido é A ou B. É mais comum a sensibilização transfusão. Pode ser necessária a esplenectomia mais
anti-A, porém a sensibilização anti-B produz doen- tarde, para controlar a anemia hemolítica crônica.
ça hemolítica mais grave. Embora o lactente possa
desenvolver anemia in utero, quase nunca é grave
o suficiente para causar hidropsia fetal ou morte Anemias hemolíticas
intra-uterina. O principal problema clínico é o de- não esferocíticas
senvolvimento de hiperbilirrubinemia significati- Ocasionalmente, os neonatos desenvolvem ane-
va após o nascimento. mia hemolítica secundária a defeitos enzimáticos
Os estudos laboratoriais necessários são semelhan- das hemácias, tais como deficiência de piruvato
tes àqueles da doença Rh. Geralmente, o teste de cinase ou deficiência de G6PD (ver ANEMIAS CAU-
Coombs direto é em geral fracamente positivo, po- SADAS POR ALTERAÇÕES DA MEMBRANA DAS HE-
dendo ocasionalmente ser negativo; isto não descarta MÁCIAS no Cap. 127). Se uma preparação para
a incompatibilidade ABO se outros critérios para observação de corpúsculos de Heinz for positiva
diagnóstico forem preenchidos. Geralmente os Ac num lactente com anemia hemolítica, sugerem es-
anti-A ou anti-B podem ser encontrados no soro do tes distúrbios e realizam-se testes específicos para
lactente (teste de Coombs indireto positivo) ou após atividade enzimática. Pode ser difícil fazer um
eluição do Ac nas hemácias do lactente. diagnóstico definitivo num neonato. Deve-se ob-
Ademais, microsferócitos numerosos no sangue servar a evolução da anemia hemolítica por tem-
do lactente e reticulocitose sugerem incompatibili- po prolongado. É mais fácil obter quantidades su-
dade ABO. Os princípios de supervisão e tratamen- ficientes de sangue para diagnosticar defeitos enzi-
to destes lactentes são idênticos aos de incompatibi- máticos específicos nas hemácias quando o lac-
lidade Rh. tente for maior.

Incompatibilidades de Anemia hemolítica


grupos sangüíneos raros por infecções
Existem muitas incompatibilidades de grupos A hemólise é encontrada em muitas infecções
sangüíneos raros (por exemplo, Kell, Duffy). Ape- congênitas (por exemplo, toxoplasmose, rubéola,
sar de infreqüentes, podem ser graves e, devido ao citomegalovírus, herpes simples e sífilis) e em in-

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2134 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

fecções por a bactérias hemolíticas (por exemplo, adrenal congênita, hemoglobinopatias e fenil-
Escherichia coli ou estreptococos β-hemolíticos). cetonúria são discutidas em outro capítulo deste
Sepse ou ITU podem provocar hiperbilirrubinemia MANUAL.)
grave ou precoce.

HEMOGLOBINOPATIAS HIPOTERMIA
É uma temperatura corpórea anormalmente baixa.
São anormalidades genéticas da molécula de Hb
mostradas por alterações nas características Etiologia e fisiopatologia
químicas, mobilidade eletroforética ou outras
propriedades físicas. O ambiente térmico do recém-nascido é afe-
tado pela umidade relativa, fluxo de ar, proximi-
(Ver também ANEMIAS CAUSADAS POR SÍNTESE dade de superfícies frias (para as quais o calor é
DEFEITUOSA DE HEMOGLOBINA no Cap. 127.) perdido por radiação) e a temperatura do ar
A maioria das hemoglobinopatias envolve anor- ambiente. Recém-nascidos são propensos a se
malidades da cadeia β da Hb (doença de célula fal- tornarem hipotérmicos em exposição a ambiente
ciforme, β-talassemia). Visto que o recém-nascido frio, que pode resultar em hipoglicemia, acidose
tem uma grande quantidade de Hb fetal (α-2, γ-2), metabólica e morte. A perda de calor por radia-
estes distúrbios não são clinicamente evidentes ao ção ocorre rapidamente por causa de uma eleva-
nascimento, porém a maioria se manifesta mais tar-
de, geralmente nos primeiros 6 meses de vida. En- da relação entre superfície e peso corpóreo, que
tretanto, a rara α-talassemia resulta em hidropsia fetal é mais acentuada em neonatos de baixo peso,
com morte fetal ou neonatal precoce por anemia pro- fazendo com que sejam particularmente vulne-
funda que não responde a tratamento. A triagem neo- ráveis. A perda de calor por evaporação (por
natal de rotina para hemoglobinopatias é realizada exemplo, um recém-nascido molhado com líqui-
em muitos estados dos EUA. do amniótico na sala de parto) e por condução e
convexão podem contribuir para grandes perdas
de calor e levar à hipotermia, mesmo em quarto
HIPERVISCOSIDADE razoavelmente quente.
POR POLICITEMIA Uma vez que a necessidade de O2 (taxa meta-
É uma viscosidade aumentada por um Ht elevado (ge- bólica) aumenta com estresse do frio, a hipoter-
ralmente ≥ 70%), que pode resultar em estase do mia também pode resultar em hipoxia tecidual e
sangue dentro dos vasos, congestão pulmonar, car- lesão neurológica em neonatos com insuficiência
diomegalia e, possivelmente, trombose vascular. respiratória (por exemplo neonato prematuro com
síndrome da angústia respiratória). O estresse pro-
O recém-nascido afetado pode parecer pletórico longado pelo frio não reconhecido pode desviar
ou apresentar sinais neurológicos (por exemplo, con- calorias para a produção do calor e prejudicar o
vulsões, letargia, alimentação precária) ou insufi-
ciência cardiorrespiratória (por exemplo, taquipnéia, crescimento.
taquicardia, cianose). Recém-nascidos sintomáticos Os recém-nascidos respondem ao resfriamen-
com Ht venoso central > 65% devem ser submetidos to através de uma descarga de noradrenalina na
a exsangüineotransfusão parcial, na qual são retira- “gordura castanha”. Este órgão especializado do
das alíquotas de sangue sendo substituídas por volu- recém-nascido, localizado na nuca, entre as es-
mes iguais de plasma para reduzir o Ht a níveis segu- cápulas e ao redor dos rins e glândulas supra-
ros. PRECAUÇÃO – Não se deve usar flebotomia sim- renais, responde pela lipólise seguida de oxidação
ples isolada, pois resulta em hipovolemia e os sinto- ou reesterificação dos ácidos graxos que são libe-
mas podem piorar. A possível associação sugerida rados. Estas reações produzem calor local e um
entre policitemia neonatal e retardo de desenvolvi- rico suprimento sangüíneo para a gordura casta-
mento subseqüente ainda não foi comprovada. nha ajuda a transferir o calor produzido para o
resto do corpo do recém-nascido. Esta reação pode
aumentar 2 a 3 vezes a taxa metabólica basal e a
utilização de O2.
PROBLEMAS
METABÓLICOS NO Profilaxia e tratamento
Pode-se evitar a hipotermia secando o recém-
RECÉM-NASCIDO nascido rapidamente na sala de parto (para evitar
(Erros inatos de metabolismo, incluindo hipoti- a perda de calor por evaporação) e enrolando-o
reoidismo congênito, galactosemia, hiperplasia (inclusive a cabeça) numa manta quente. Se o

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2135

neonato for exposto para ressuscitação ou obser- tiva para obter um ambiente térmico neutro é o
vação cuidadosa, ou para fornecer contato de pele fornecimento de calor por meio de uma incuba-
com a mãe, ele deve ser aquecido sob um aque- dora ou aquecedor radiante com um mecanismo
cedor radiante. de servocontrole ajustado para manter a tempe-
Deve-se manter os recém-nascidos enfermos ratura cutânea em 36,5°C (97,7°F).
num ambiente térmico neutro – as condições A hipotermia é tratada pelo reaquecimento do
ambientais sob as quais a taxa metabólica seja neonato em incubadora ou sob um aquecedor
mínima enquanto mantém uma temperatura in- radiante. O recém-nascido deve ser monitorado
terna normal (37°C ou 98,6°F). Isto pode ser em relação a hipoglicemia e apnéia. A hipoter-
aproximado ajustando a temperatura da incuba- mia que não é provocada por um ambiente frio
dora conforme indicado na TABELA 260.2, de pode ser decorrente de condições patológicas
acordo com o peso do recém-nascido ao nasci- como sepse ou hemorragia intracraniana, que
mento e a idade pós-natal. Uma conduta alterna- exigem tratamento específico.

TABELA 260.2 – TEMPERATURAS TÉRMICAS AMBIENTAIS NEUTRAS*


Temperatura Variação de Temperatura Variação de
inicial temperatura inicial temperatura
Idade e peso (°C) (°C) Idade e peso (°C) (°C)

0 – 6h 72 – 96h
<1.200g 35,0 34,0 – 35,4 < 1.200g 34,0 34,0 – 35,0
1.200 – 1.500g 34,1 33,9 – 34,4 1.200 – 1.500g 33,5 33,0 – 34,0
1.501 – 2.500g 33,4 32,8 – 33,8 1.501 – 2.500g 32,2 31,1 – 33,2
>2.500g (e > 36 sem) 32,9 32,0 – 33,8 >2.500g (e > 36 sem) 31,3 29,8 – 32,8
6 – 12h 4 – 12 dias
< 1.200g 35,0 34,0 – 35,4 < 1.500g 33,5 33,0 – 34,0
1.200 – 1.500g 34,0 33,5 – 34,4 1.501 – 2.500g 32,1 31,0 – 33,2
1.501 – 2.500g 33,1 32,2 – 33,8 > 2.500g (e > 36 sem)
>2.500g (e > 36 sem) 32,8 31,4 – 33,8 04 – 5 dias 31,0 29,5 – 32,6
12 – 24h 05 – 6 dias 30,9 29,4 – 32,3
< 1.200g 34,0 34,0 – 35,4 06 – 8 dias 30,6 29,0 – 32,2
1.200 – 1.500g 33,8 33,3 – 34,3 08 – 10 dias 30,3 29,0 – 31,8
1.501 – 2.500g 32,8 31,8 – 33,8 10 – 12 dias 30,1 29,0 – 31,4
>2.500g (e > 36 sem) 32,4 31,0 – 33,7 12 – 14 dias
24 – 36h < 1.500g 33,5 32,6 – 34,0
< 1.200g 34,0 34,0 – 35,0 1.501 – 2.500g 32,1 31,0 – 33,2
1.200 – 1.500g 33,6 33,1 – 34,2 <2.500g (e > 36 sem) 29,8 29,0 – 30,8
1.501 – 2.500g 32,6 31,6 – 33,6 2 – 3 semanas
> 2.500g (e > 36 sem) 32,1 30,7 – 33,5 < 1.500g 33,1 32,2 – 34,0
36 – 48h 1.501 – 2.500g 31,7 30,0 – 33,0
< 1.200g 34,0 34,0 – 35,0 3 – 4 semanas
1.200 – 1.500g 33,5 33,1 – 34,1 < 1.500g 32,6 31,6 – 33,6
1.501 – 2.500g 32,5 31,4 – 33,5 1.501 – 2.500g 31,4 30,0 – 32,7
>2.500g (e > 36 sem) 31,9 30,5 – 33,3 4 – 5 semanas
48 – 72h < 1.500g 32,0 31,2 – 33,0
< 1.200g 34,0 34,0 – 35,0 1.501 – 2.500g 30,9 29,5 – 32,3
1.200 – 1.500g 33,5 33,0 – 34,0 5 – 6 semanas
1.501 – 2.500g 32,3 31,2 – 33,4 < 1.500g 31,4 30,6 – 32,3
<2.500g (e > 36 sem) 31,7 30,1 – 33,2 1.501 – 2.500g 30,4 29,0 – 31,8

* Estas são temperaturas apropriadas nas incubadoras se o quarto for quente e a temperatura da parede da incubadora estiver
dentro de um grau na temperatura do ar da mesma. Num quarto frio, adicionar 1°C na temperatura dada na tabela para cada 7°C
que o quarto estiver abaixo da temperatura isolante.
Modificado a partir de Klaus MH, Fanaroff AA: “The physical environment”, in Care of High-Risk Neonate, 3ª ed., editado
por MH Klaus e A A Fanaroff. Philadelphia, WB Saunders Company, 1986; usado com permissão.

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2136 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

HIPOGLICEMIA Como freqüentemente desenvolvem hipoglicemia


precoce e se alimentam mal, neonatos de mães dia-
É uma glicemia < 40 mg/dL (< 2,2mmol/L) no re- béticas insulino-dependentes geralmente recebem
cém-nascido a termo ou < 30mg/dL (< 1,7mmol/L) uma infusão de glicose a 10% IV ao nascimento, as-
no prematuro. sim como os neonatos doentes, extremamente pre-
(Ver também Cap. 13.) maturos ou com angústia respiratória. Outros recém-
nascidos com maior risco que não estiverem doentes
Etiologia devem iniciar logo a alimentação com fórmula fre-
Geralmente ocorre hipoglicemia devido ao ar- qüente, para fornecer uma fonte de carboidratos e
mazenamento deficiente de glicogênio ao nasci- outros nutrientes. Além disso, em todos os recém-
mento ou secundária ao hiperinsulinismo. Como nascidos deve se verificar a glicose sangüínea em in-
os depósitos de glicogênio podem ser deficientes tervalos freqüentes. Isto pode ser realizado à beira do
em muitos lactentes com peso muito baixo ao nas- leito, utilizando-se fitas diagnósticas para teste de gli-
cimento, estes lactentes são predispostos à hipo- cose (por exemplo, Chemstrip bG). Entretanto, a de-
glicemia se não receberem um suprimento de gli- terminação da glicemia capilar nos neonatos com o
cose exógena. As reservas de glicogênio também uso de fitas para teste de glicose oxidase é inexata.
estão depletadas em recém-nascidos com desnutri- Qualquer valor que esteja no limite inferior ou qual-
ção intra-uterina por causa de insuficiência placen- quer recém-nascido com sintomas sugestivos de hipo-
tária (presentes em neonatos pequenos para a ida- glicemia deve ser submetido à determinação de sua gli-
de gestacional). Se eles sofrem também de asfixia cemia real no laboratório.
perinatal com hipoxia, todo o depósito de glicose Se o recém-nascido desenvolver hipoglicemia com
(como o glicogênio) será consumido rapidamente sintomas ou cuja glicemia não melhorar rapidamente
durante a glicólise anaeróbica. Neonatos com defi- depois de alimentação enteral deve ser tratado ime-
ciência de armazenamento de glicogênio podem se diatamente com infusão IV de glicose a 10% em água,
tornar hipoglicêmicos em algum momento nos 5mL/kg durante 10min. Depois deve-se continuar com
primeiros dias, especialmente se houver um inter- a infusão em uma velocidade que forneça cerca de 4
valo prolongado entre as alimentações ou se a in- a 8mg/kg/min de glicose (ou seja, glicose em água a
gestão nutricional for pequena. 10%, cerca de 60 a 120mL/kg ao dia). Deve-se mo-
O hiperinsulinismo é observado em recém-nas- nitorar os valores de glicose sangüínea para que se
cidos de mães diabéticas (inversamente relacionado possa fornecer ajustes posteriores na taxa de infu-
ao grau de controle do diabetes), na eritroblastose são. Assim que as condições do recém-nascido me-
fetal grave e na síndrome de Beckwith-Wiedmann lhorarem, a alimentação enteral poderá substituir
(caracterizada por macroglossia, hérnia umbilical e gradualmente a infusão IV, enquanto a glicose san-
hipoglicemia). Os níveis neonatais elevados de in- güínea é monitorada. A infusão de glicose IV deve
sulina resultam, caracteristicamente, em queda rá- sempre ser diminuída gradualmente, pois a parada
pida de glicose sangüínea nas primeiras 1 a 2h após repentina pode resultar em hipoglicemia.
o nascimento, quando se interrompe o suprimento Se houver dificuldade em iniciar infusão IV
contínuo de glicose da placenta. Também pode prontamente num neonato hipoglicêmico, a admi-
ocorrer hipoglicemia se a infusão IV de glicose em nistração de glucagon, 100 a 300µg/kg IM (no
água for interrompida abruptamente. máximo 1mg), aumenta rapidamente a glicose san-
Sintomas, sinais e diagnóstico güínea; efeito que dura 2 a 3h, exceto em neonatos
cujas reservas de glicogênio estejam depletadas.
Embora muitos recém-nascidos permaneçam Pode-se tratar a hipoglicemia refratária a altas
assintomáticos, podem ocorrer indiferença, alimen- taxas de infusão de glicose, com hidrocortisona
tação precária, hipotonia, agitação, períodos de 5mg/kg ao dia IM divididas em 2 doses. Se a hipo-
apnéia, taquipnéia e convulsões. Estes sinais são glicemia for refratária ao tratamento, deve-se con-
inespecíficos e podem ser vistos também em re- siderar uma avaliação endócrina e pesquisa de ou-
cém-nascidos que sofreram asfixia, com hipocal- tras etiologias (por exemplo, sepse).
cemia ou síndrome de abstinência de drogas (por
exemplo, abstinência de narcóticos).
As correlações entre sintomas de hipoglicemia HIPERGLICEMIA
e subseqüente lesão neurológica não são exatas.
É a glicose sangüínea > 120mg/dL (6,7mmol/L)
Profilaxia e tratamento em recém-nascidos.
Como a hipoglicemia neonatal pode levar a le- Esta condição ocorre menos freqüentemente do
são neurológica, deve ser evitada ou tratada ime- que a hipoglicemia. Entretanto, recém-nascidos
diatamente. com peso muito baixo ao nascimento (< 1,5kg) não

Merck_19B.p65 2136 02/02/01, 14:29


CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2137

podem tolerar infusões rápidas de glicose IV du- Etiologia


rante os primeiros dias de vida e podem se tornar A etiologia da hipocalcemia de início precoce
significativamente hiperglicêmicos. Os recém-nas- (que ocorre nas primeiras horas de vida) não é bem
cidos gravemente estressados ou sépticos também entendida. Parece que alguns recém-nascidos pre-
podem desenvolver hiperglicemia. maturos ou doentes apresentam um período transi-
O diabetes melito neonatal transitório é uma tório de hipoparatireoidismo relativo após o nasci-
entidade rara e autolimitada que ocorre geralmente mento; quando se interrompe a infusão constante
em neonatos pequenos para a idade gestacional. de Ca ionizado da placenta, o Ca sérico cai. Isto
A hiperglicemia pode provocar glicosúria com pode ser exagerado em recém-nascidos de mães
diurese osmótica e desidratação e a hiperglicemia diabéticas ou com hiperparatireoidismo, pois estas
grave, com acentuada hiperosmolaridade sérica mulheres apresentam níveis de Ca ionizado mais
pode provocar lesão neurológica. altos do que o normal durante a gestação e, após o
Tratamento nascimento, as glândulas paratireóides do neonato
ainda não funcionam o suficiente para manter o
Se a condição for iatrogênica, o tratamento ini- nível de Ca sérico normal. Em outros neonatos,
cialmente envolve a redução da infusão de glicose parece haver falta de resposta fosfatúrica renal nor-
(alterando a concentração da glicose de 10 para 5% mal ao hormônio da paratireóide.
ou reduzindo a velocidade de infusão IV). As per- A asfixia perinatal pode produzir calcitonina
das hidroeletrolíticas resultantes da diurese osmó- sérica elevada, que inibe a liberação de Ca da me-
tica são repostas por via intravenosa. Se a hipergli- dula e leva à hipocalcemia.
cemia persistir na vigência de infusão menor de A hipocalcemia tardia (que ocorre os 3 dias
glicose (por exemplo, 4mg/kg/min) pode ser indi- de idade), e é rara, geralmente é causada pela ali-
cação de deficiência relativa de insulina ou de re- mentação com leite de vaca ou preparações de fór-
sistência à insulina. Pode-se adicionar insulina hu- mulas com grande quantidade de fosfato (PO4); o
mana à infusão de glicose a 10% IV na velocidade PO4 sérico elevado leva à hipocalcemia.
uniforme de 0,01 a 0,1U/kg/h e depois a velocida- Finalmente, raros recém-nascidos que apresen-
de é ajustada até que se normalize a glicemia. É tam hipoparatireoidismo também apresentam hipo-
conveniente colocar a insulina em um frasco sepa- calcemia prolongada. Isto é observado especialmen-
rado de soro glicosado IV a 10%, pois desse modo te na síndrome de DiGeorge (ver SÍNDROME DE
a velocidade de infusão da insulina pode ser ajus- DIGEORGE no Cap. 147) na qual os lactentes po-
tada sem que se altere a velocidade de infusão do dem apresentar defeitos cardíacos, fácies caracte-
soro total de manutenção IV. A resposta à insulino- rística, imunidade celular comprometida e hipopa-
terapia é imprevisível no recém-nascido, e é extre- ratireoidismo.
mamente importante monitorar os níveis de glico-
se sangüínea cuidadosamente. Sintomas, sinais e diagnóstico
No diabetes melito neonatal transitório a Os recém-nascidos com hipocalcemia freqüen-
homeostasia da glicose e a hidratação devem ser temente são assintomáticos, porém podem se apre-
cuidadosamente mantidas até que a hiperglicemia sentar com hipotonia, apnéia, alimentação precá-
se resolva espontaneamente, em geral em algu- ria, tremores, tetania ou convulsões. Sintomas si-
mas semanas. milares podem ocorrer com hipoglicemia ou absti-
nência de drogas. Um intervalo prolongado Q-T cor-
HIPOCALCEMIA rigido (QTc) ao ECG sugere hipocalcemia. Raramen-
te ocorrem sinais de hipocalcemia, exceto quando o
É uma concentração sérica de cálcio total (Ca) < Ca sérico total for < 7mg/dL (< 1,75mmol/L) ou o
8mg/dL (< 2mmol/L) em neonatos a termo ou < Ca ionizado é < 3,0mg/dL. Em hipocalcemia de iní-
7mg/dL (< 1,75mmol/L) em prematuros; tam- cio tardio, recém-nascidos > 3 dias de vida podem
bém definida como um Ca++ ionizado < 3,0 a se apresentar com tetania ou convulsões.
4,4mg/dL (< 0,75 a 1,10mmol/dL), dependendo
do método (tipo de eletrodo) usado. Tratamento
(Ver também Cap. 12.) A hipocalcemia de início precoce se resolve or-
A hipocalcemia neonatal ocorre freqüentemen- dinariamente em poucos dias e, se o lactente estiver
te em UTI neonatal. Os grupos de alto risco in- assintomático, geralmente não requer tratamento.
cluem recém-nascidos prematuros ou pequenos Neonatos com níveis de Ca sérico > 7mg/dL
para a idade gestacional, de mães diabéticas e os (> 1,75mmol/L) ou Ca ionizado > 3,5 mg/dL rara-
que sofreram asfixia perinatal. mente necessitam de tratamento. Aqueles com ní-

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2138 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

veis < 7mg/dL (< 1,75mmol/L) devem ser trata- mento com 24 a 28 semanas de gestação não apre-
dos com solução de gliconato de cálcio a 10%, senta extrato córneo maduro e é extremamente per-
200mg/kg (2mL/kg de solução a 10%) por infusão meável à água. Se o recém-nascido for mantido sob
IV lenta durante 30min. A solução de gliconato de um aquecedor radiante ou estiver sob fototerapia,
cálcio a 10% contém 100mg de gliconato de cál- o fluxo sangüíneo cutâneo e a perda de água exces-
cio/mL e 9mg de cálcio natural/mL. Deve-se mo- siva ficarão muito elevados; estes recém-nascidos
nitorar a freqüência cardíaca durante a infusão, podem necessitar de 200 a 250mL/kg ao dia de
pois uma infusão muito rápida pode causar bradi- água IV nos primeiros dias, quando o estrato cór-
cardia. Também deve-se observar atentamente o neo se desenvolve e a perda de água diminui. Du-
local de infusão, porque a infiltração tecidual da rante os primeiros dias de vida, o peso corpóreo,
solução de Ca é muito irritante e pode causar lesão eletrólitos séricos, volume urinário e densidade
tecidual local. específica devem ser avaliados periodicamente de
Após correção aguda de hipocalcemia, pode- forma que a administração de líquidos possa ser
se misturar gliconato de cálcio no líquido IV ajustada de acordo.
e administrá-lo continuamente. Inicia-se com A sobrecarga de solutos resulta mais comumen-
400mg/kg ao dia de gliconato de cálcio, se ne- te da adição de excesso de sal às fórmulas adminis-
cessário, pode-se aumentar a dose gradualmente tradas ao neonato ou da administração de soluções
para 800mg/kg ao dia, para evitar e recorrência hiperosmolares. Quando administrados repetida-
da hipocalcemia. Quando se iniciar alimentação mente a neonatos muito prematuros, a quantidade
oral, esta pode ser suplementada com a mesma de Na presente em plasma fresco congelado ou al-
dose diária de gliconato de cálcio, se necessário, bumina humana (ambos isotônicos) pode contri-
através da adição de uma solução a 10% na fór- buir para a hipernatremia se o aporte de Na resul-
mula do dia. Isto é geralmente necessário apenas tante exceder as perdas urinárias de Na.
por alguns dias.
O objetivo do tratamento da hipocalcemia de Fisiopatologia
início tardio é adicionar Ca suficiente à fórmula Quando se desenvolve hipernatremia, o Na extra
para fornecer uma relação molar de 4:1 de Ca:PO4. não se difunde para dentro da célula, mas permanece
Isto precipitará o fosfato de cálcio no trato GI, um íon extracelular obrigatório. A água então deixa e
evitando assim, a absorção de PO4 e aumentando a célula e entra no espaço extracelular por causa da ele-
absorção de Ca pelo trato GI. vada osmolaridade do FEC. Este movimento de água
reforça o volume intravascular – mas à custa de ta-
HIPERNATREMIA manho e função celulares.

É uma concentração sérica de sódio > 150mEq/L. Sintomas, sinais e complicações


(Ver também Caps. 12 e 259.) Como o volume intravascular é relativamente
preservado, os achados físicos podem subestimar
A hipernatremia resulta de perda de água des- o grau de desidratação. Uma sensação pastosa na
proporcional à perda de solutos (desidratação pele e tecido subcutâneo é sugestiva de desidrata-
hipernatrêmica), sobrecarga de solutos (intoxica- ção hiponatrêmica, porque é uma dissociação en-
ção por sal) ou ambos. tre desidratação grave (de acordo com a perda de
Etiologia peso e a secura das membranas mucosas) e o com-
prometimento circulatório relativamente leve. He-
A perda de água desproporcional à perda de morragia intracraniana e necrose tubular aguda re-
solutos ocorre comumente em distúrbios como nal são as principais complicações da desidratação
diarréia, vômito ou febre alta, mas a desidrata- hipernatrêmica.
ção hipernatrêmica ocorre apenas quando a in-
gestão hídrica é insuficiente para compensar a Diagnóstico e profilaxia
perda. Além disso, a perda hídrica pode ser su- O diagnóstico é estabelecido pela dosagem da
perestimada ou desprezada. concentração sérica de Na. Achados laboratoriais
A perda excessiva de água livre (desidratação adicionais podem incluir aumento de uréia, aumen-
hipertônica) ocorre comumente em neonatos de to moderado de glicemia e, se o K sérico estiver
peso muito baixo ao nascimento através da evapo- baixo, depressão do nível de Ca.
ração cutânea da água (perdas de água insensíveis) A profilaxia requer atenção ao volume e composi-
em associação com função renal imatura e capaci- ção das perdas hídricas não habituais e de soluções
dade reduzida em produzir urina concentrada. A usadas para manter a homeostasia. Em recém-nasci-
pele dos neonatos de peso muito baixo ao nasci- dos e lactentes pequenos, que não conseguem expres-

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2139

sar a sede de forma eficaz nem repor perdas volunta- hepática da bilirrubina (ver também excreção da
riamente, o risco de desidratação é maior; fatores que bilirrubina em FISIOLOGIA PERINATAL, no Cap.
aumentam a perda de água insensível (inclusive aque- 256). O atraso no início das alimentações e circuns-
cedores radiantes e luzes de fototerapia) aumentam o tâncias que impeçam alimentações parenterais (por
risco de hipernatremia. A composição das refeições, exemplo, atresia intestinal) são freqüentemente
sempre que estiver envolvida mistura (por exemplo, complicadas pela hiperbilirrubinemia não conju-
algumas fórmulas para lactentes e preparados con- gada, porque a β-glucuronidase presente no trato
centrados para alimentação por sonda) requer aten- GI do recém-nascido resulta em desconjugação do
ção particular, especialmente quando o potencial para diglucuronídeo de bilirrubina, levando à circula-
desenvolver desidratação for elevado, como durante ção êntero-hepática de bilirrubina quando o tempo
episódios de diarréia, pouca ingestão hídrica, vômi- de trânsito GI está prolongado.
tos ou febre alta. A hiperbilirrubinemia neonatal pode resultar de
aumento na produção de bilirrubina (por exemplo, pela
Tratamento Hb elevada por hipertransfusão, doenças hemolíticas,
A correção da hipernatremia deve ser realizada hematomas), excreção diminuída de bilirrubina (por
em 2 a 3 dias, para evitar uma rápida redução da exemplo, pela glucuronil transferase diminuída no
osmolalidade sérica, o que resulta em rápido mo- prematuro, hepatite, atresia biliar) ou ambos.
vimento de água para dentro das células e pode A hiperbilirrubinemia neonatal é mais fre-
provocar edema cerebral. Um volume hídrico igual qüentemente do tipo não conjugada e o acúmulo
ao déficit calculado é administrado lentamente em excessivo de bilirrubina não conjugada pode levar
2 a 3 dias enquanto fluidos de manutenção são ad- a kernicterus. A hiperbilirrubinemia conjugada (hi-
ministrados concomitantemente. A composição do perbilirrubinemia direta) pode ocorrer ocasional-
líquido administrado é dextrose a 5% com aproxi- mente por causa de colestasia complicando a ali-
madamente 70mEq/L de Na. Inicialmente, o cátion mentação parenteral. Uma relação completa das
é o Na; depois que se demonstra um débito uriná- causas de hiperbilirrubinemia neonatal é fornecida
rio adequado, o K pode ser adicionado. Hiperna- na TABELA 260.3. Os distúrbios obstrutivos se
tremia extrema (Na > 200mEq/L) provocada por apresentam com hiperbilirrubinemia conjugada,
intoxicação por sal deve ser tratada com diálise mas a sepse neonatal e eritroblastose fetal grave
peritoneal. podem se apresentar também com hiperbilirru-
binemia conjugada.
A icterícia por leite materno é uma forma de
HIPERBILIRRUBINEMIA hiperbilirrubinemia neonatal não conjugada cujo
É uma concentração sérica de bilirrubina mecanismo não está esclarecido. Alguns recém-
> 10mg/dL em prematuros ou > 15mg/dL em nascidos a termo amamentados com leite materno
recém-nascidos a termo. desenvolvem hiperbilirrubinemia não conjugada
progressiva durante a primeira semana; tende a re-
(Ver também Cap. 38.) correr em gestações subseqüentes.
A hiperbilirrubinemia pode ser fisiológica ou
devida a distúrbio específico de base. Uma causa Diagnóstico e complicações
específica para hiperbilirrubinemia neonatal sem- Deve-se investigar icterícia que aparece no primeiro
pre deve ser investigada, por exemplo, sepse ou atre- dia em qualquer recém-nascido e uma concentração
sia biliar extra-hepática, porque estas exigirão tra- de bilirrubina > 10mg/dL (> 170µmol/L) em lacten-
tamento específico. tes prematuros ou > 15mg/dL (> 256µmol/L) em lac-
Epidemiologia, etiologia tentes a termo merece investigação. Quando a icterí-
cia se torna visível, o nível sangüíneo de bilirrubina é
e fisiopatologia cerca de 4 a 5mg/dL (68 a 86µmol/L). Com o aumen-
A hiperbilirrubinemia fisiológica suficiente to dos níveis de bilirrubina, a icterícia visível avança
para provocar icterícia leve aparece depois de 24h em direção craniocaudal.
em aproximadamente 50% dos recém-nascidos Além de história completa e exame físico, a
a termo e em uma porcentagem mais elevada de avaliação deve incluir teste de Coombs direto,
prematuros. Ht, esfregaço de sangue, contagem de reti-
É desconhecida a causa exata da hiperbi- culócitos e dosagem de bilirrubina sérica total e
lirrubinemia fisiológica; estão implicadas as taxas- direta e do tipo sangüíneo e grupo Rh do recém-
limite na ligação de bilirrubina nos hepatócitos, na nascido e da mãe. Pode-se indicar outros estu-
conjugação da bilirrubina com o ácido glucurônico dos, tais como culturas de sangue, urina e LCR
e na secreção de bile, bem como a circulação êntero- ou determinação dos níveis enzimáticos dos eri-

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2140 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

T ABELA 260.3 – CAUSAS DE HIPERBILIRRUBINEMIA NEONATAL


Superprodução Baixa secreção
Incompatibilidade maternofetal de grupo sangüíneo – Metabólica-endócrina
Rh, ABO, outros Icterícia não hemolítica familiar Tipos 1 e 2
Esferocitose hereditária (eliptocitose) (síndrome de Crigler-Najjar)
Anemias hemolíticas não esferocíticas Doença de Gilbert
Deficiência de G6PD e drogas Hipotireoidismo
Deficiência de piruvato cinase Tirosinose
Outras deficiências enzimáticas de eritrócitos Hipermetioninemia
α-talassemia Drogas e hormônios
δ-β-talassemia Novobiocina
Hemólise adquirida devido à vitamina K3, nitrofurantoína, Pregnanediol
sulfonamidas, antimaláricos, penicilina, oxitocina?, Síndrome de Lucey-Driscoll
bupivacaína ou infecção Diabetes materno
Sangue extravascular – petéquias; hematomas; hemorra- Prematuridade
gia pulmonar, cerebral ou oculta Hipopituitarismo e anencefalia
Policitemia Distúrbios obstrutivos
Transfusão maternofetal ou feto-fetal Atresia biliar*
Clampeamento tardio do cordão umbilical Síndromes de Dubin-Johnson e Rotor*
Circulação êntero-hepática aumentada Cisto do colédoco*
Estenose pilórica* Fibrose cística* (bile espessa)
Atresia ou estenose intestinal, inclusive pâncreas Tumor ou brida* (obstrução extrínseca)
anular Deficiência de α1-antitripsina
Doença de Hirschsprung Nutrição parenteral
Íleo de mecônio ou síndrome do tampão de
mecônio Mista
Jejum ou outra causa de hipoperistaltismo Sepse
Íleo paralítico induzido por droga (hexametônio) Infecções intra-uterinas
Sangue deglutido Toxoplasmose
Rubéola
Doença de inclusão por citomegalovírus
Herpes simples
Sífilis
Hepatite

Síndrome da angústia respiratória


Asfixia
Recém-nascido de mãe diabética
Eritroblastose fetal grave

* A icterícia pode não ser vista no período neonatal.


Adaptado de Poland RL, Ostrea EM Jr – “Neonatal hyperbilirrubinemia”, in Klauss, MH e Fanaroff, AA, Care of the High-
Risk Neonate, 3ª ed. Philadelphia, WB Saunders Company, 1986; usado com permissão).

trócitos, conforme indicado pela história, exame O acúmulo excessivo de bilirrubina, indepen-
físico ou achados laboratoriais. dente da causa, pode provocar kernicterus (ver adi-
A icterícia do leite materno é diagnosticada por ante), especialmente no prematuro ou no recém-
exclusão. Deste modo, é importante que o médico nascido doente.
avalie o recém-nascido e exclua outras causas pos-
síveis de hiperbilirrubinemia que possam requerer Profilaxia
tratamento específico (ver também LACTENTE PRE- Alimentações freqüentes precoces reduzirão a
MATURO, anteriormente). incidência e intensidade da hiperbilirrubinemia

Merck_19B.p65 2140 02/02/01, 14:29


CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2141

aumentando a motilidade GI e a freqüência de eli- rante as alimentações. Uma vez que a icterícia
minação de fezes, reduzindo assim a circulação visível pode desaparecer durante a fototerapia,
êntero-hepática de bilirrubina. O tipo de alimenta- enquanto a bilirrubina sérica permanece eleva-
ção não parece ser importante no aumento de ex- da, a cor da pele não pode ser usada para avaliar
creção de bilirrubina. a gravidade da icterícia. O sangue coletado para
determinação de bilirrubina deve ser protegido
Tratamento da luz, porque a bilirrubina nos tubos de coleta
A icterícia fisiológica geralmente não é clini- pode sofrer fotoxidação rapidamente.
camente significativa e cede em 1 semana. Na Exsangüineotransfusão – Tradicionalmente,
icterícia do leite materno, se o nível de bilirrubi- níveis perigosos de bilirrubina são tratados por ex-
na continuar a aumentar para 17 a 18mg/dL, sangüineotransfusão através de um cateter na veia
pode-se precisar trocar o leite materno por ali- umbilical. Quando este procedimento é realizado
mentação formulada podendo-se indicar fotote- por equipe experiente, a mortalidade global é < 1%
rapia (ver adiante). e deve ser ainda menor quando o procedimento é
É necessário interromper a amamentação somen- realizado em recém-nascidos a termo saudáveis sob
te por 1 ou 2 dias e deve-se encorajar a mãe a reti- outros aspectos.
rar o leite materno regularmente, assim será capaz Visto não haver nenhum teste para determinar o
de começar a amamentar a criança tão logo o nível risco de kernicterus e portanto o nível no qual a
de bilirrubina desta começar a diminuir. É neces- exsangüineotransfusão é necessária, o acompanha-
sário também esclarecer a mãe de que a hiper- mento tem se provado útil como orientação. O ní-
bilirrubinemia não provocou nenhum dano e pode vel de bilirrubina (mg/dL) em que a exsangüineo-
amamentar novamente sem qualquer risco. transfusão é aconselhável em prematuros corres-
Fototerapia – A fototerapia mostrou-se segura ponde ao seu peso em gramas dividido por 100.
e eficaz no tratamento de hiperbilirrubinemia e re- Portanto, um recém-nascido com 1.000g seria sub-
duziu muito a necessidade de exsangüineo- metido a uma exsangüineotransfusão ao nível de
transfusão (ver adiante). O efeito máximo é obtido bilirrubina de 10mg/dL e um recém-nascido de
pela exposição do recém-nascido à luz visível na 2.000g, com 20mg/dL. Raramente é necessário fa-
faixa azul. No entanto, a luz azul impede a detec- zer uma exsangüineotransfusão se a bilirrubina sé-
ção de cianose e por isso se prefere a fototerapia rica total é < 10mg/dL. Tradicionalmente, é reali-
usando luz branca de amplo espectro. Como a luz zada exsangüineotransfusão em recém-nascidos a
brilhante pode provocar muitos efeitos biológicos, termo se a bilirrubina sérica total alcançar 20mg/
a fototerapia deve ser usada apenas quando especi- dL. Entretanto, na ausência de sintomas ou evidên-
ficamente indicada. cia de doença hemolítica, acredita-se que seja se-
A fototerapia produz fotoisômeros de configu- guro permitir que a bilirrubina chegue até aproxi-
ração da bilirrubina na pele e nos tecidos subcutâ- madamente 25mg/dL antes que seja necessária uma
neos; estas configurações mais hidrossolúveis po-
dem ser excretadas rapidamente pelo fígado sem a exsangüineotransfusão. Normalmente se reduz o
necessidade da glucuronidação prévia. nível a 1 a 2mg/dL se o recém-nascido apresentar
A fototerapia não está indicada se houver obs- condições que possam aumentar o risco de
trução das vias biliares ou do intestino, pois os kernicterus (por exemplo, jejum, sepse, acidose).
fotoisômeros não podem ser excretados. Nestas cir- Como apenas a hiperbilirrubinemia não conjugada
cunstâncias, pode aparecer uma coloração acasta- por provocar kernicterus, se a bilirrubina conjuga-
nhada no soro e na pele (síndrome do bebê de da estiver significativamente elevada, o nível de
bronze), mas não se sabe se esta situação é lesiva bilirrubina não conjugada em vez do nível de bilir-
para o recém-nascido. rubina total é usado para determinar a necessidade
A fototerapia pode ser iniciada quando a bilir- de exsangüineotransfusão.
rubina sérica atingir 3 ou 4mg/dL (aproximada-
mente 55 a 65µmol/L) abaixo da concentração KERNICTERUS
sérica na qual seria realizada exsangüineotrans-
fusão (ver adiante). Deve-se colocar uma prote- É a lesão cerebral decorrente de depósito de bilir-
ção de Plexiglas entre as luzes de fototerapia e o rubina nos gânglios da base e nos núcleos do
lactente para evitar a radiação ultravioleta, e os tronco cerebral.
olhos do recém-nascidos devem ser bem venda- A bilirrubina é firmemente ligada à albumina
dos para evitar lesões oculares durante a fotote- sérica e não é livre para atravessar a barreira hema-
rapia (com cuidado para evitar obstrução nasal). toliquórica e provocar kernicterus enquanto hou-
A luz deve ser desligada e a venda retirada du- ver sítios de ligação de bilirrubinas livres na albu-

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2142 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

mina sérica. O risco de kernicterus é, portanto, rante a gravidez. A conseqüência mais significati-
maior em recém-nascidos que apresentem uma con- va é o retardo mental grave, devido ao comprome-
centração de bilirrubina sérica acentuadamente ele- timento do desenvolvimento cerebral, que é consi-
vada, uma baixa concentração sérica de albumina derado parte de teratogênese pelo álcool, dado o
ou substâncias no soro que possam competir pelos número de filhos de mulheres etilistas que apre-
sítios de ligação da bilirrubina na albumina, inclu- sentam retardo. Os recém-nascidos gravemente afe-
sive ácidos graxos livres, íons de hidrogênio e de- tados apresentam retardo de crescimento e micro-
terminadas drogas, como sulfisoxazol, ceftriaxona cefalia. Podem ocorrer malformações múltiplas –
e aspirina. As concentrações séricas de albumina microftalmia, fissuras palpebrais pequenas, hipo-
são mais baixas em prematuros, fazendo com que plasia mesofacial, linhas palmares anormais, de-
apresentem maior risco. As moléculas competido- feitos cardíacos e contraturas articulares; nenhum
ras (por exemplo, ácidos graxos livres e íons de achado isoladamente é patognomônico e o diag-
hidrogênio) estão provavelmente elevadas no soro nóstico de casos leves pode ser difícil porque pode
de recém-nascidos que sofrem jejum, sepse ou apre- ocorrer expressão parcial.
sentam acidose respiratória ou metabólica. Essas O diagnóstico geralmente é feito em recém-nas-
condições devem, portanto, deixar o recém-nasci- cidos filhos de etilistas crônicas que beberam mui-
do com um risco aumentado em qualquer concen- to durante a gravidez. Graus menores de abuso de
tração sérica de bilirrubina. álcool podem resultar em manifestações menos in-
tensas do distúrbio.
Sintomas, sinais e diagnóstico Como não se sabe em que período da gravidez o
Os sinais iniciais do kernicterus nos recém-nasci- etanol é mais propenso a prejudicar o feto ou se
dos a termo são letargia, recusa alimentar e vômitos. existe um limite inferior do uso do etanol que pode
A seguir, podem ocorrer opistótono, crises oculo- ser considerado completamente seguro, a gestante
gíricas, convulsões e óbito. Nos recém-nascidos pre- deve ser orientada a evitar qualquer ingestão de
maturos, o kernicterus pode não estar associado a si- bebida alcoólica. Quando uma criança estiver afe-
nais clínicos evidentes. Durante a infância, os sinais tada, deve-se examinar cuidadosamente os irmãos,
tardios do kernicterus podem manifestar-se por re- pesquisando manifestações discretas de síndrome
tardo mental, paralisia cerebral coreoatetóide, hipoa- do alcoolismo fetal.
cusia sensorineural e paralisia do olhar para cima. Não
se sabe se graus menores de encefalopatia bilirrubínica
podem resultar em comprometimento neurológico ABSTINÊNCIA DE COCAÍNA
mais leve (por exemplo, problemas de percepção e (Ver também Caps. 195 e 250.)
motores e dificuldades no aprendizado escolar). Não
há teste clinicamente provado e disponível que indi- A cocaína inibe a recaptação de neurotrans-
que o risco de kernicterus em um recém-nascido em missores como a noradrenalina e adrenalina. Na mãe,
particular. Um diagnóstico definitivo pode ser feito além de produzir uma sensação de euforia, também
na necropsia. ocasiona um efeito simpatomimético muito intenso
que inclui vasoconstrição e hipertensão.
Profilaxia e tratamento No feto, a cocaína atravessa a placenta e acredi-
A prevenção envolve evitar níveis perigosamente ta-se que os mesmos efeitos simpatomiméticos
elevados de bilirrubinas, conforme descrito no tra- ocorram no feto. O abuso de cocaína na gravidez
tamento de hiperbilirrubinemia, anteriormente. está associado a uma taxa maior de abortamento
A exsangüineotransfusão é realizada nos níveis cli- espontâneo, de óbito fetal e descolamento prema-
nicamente estabelecidos de bilirrubina sérica (ver turo de placenta; este último pode levar a óbito fe-
anteriormente) ou antes, se algum sinal clínico pa- tal intra-uterino ou lesão neurológica se a criança
rece sugerir kernicterus inicial. Não existe nenhum sobreviver. O descolamento pode ser causado pela
tratamento curativo para kernicterus; o tratamento redução do fluxo sangüíneo materno para o leito
é sintomático. vascular placentário. Os recém-nascidos de mães
viciadas apresentam baixo peso, diminuição da es-
tatura e perímetro cefálico e apresentam valores de
SÍNDROME DO Apgar baixos ao nascimento.
ALCOOLISMO FETAL Várias anomalias foram associadas (raramente)
ao uso de cocaína no início da gravidez e todas
(Ver também Cap. 250.) parecem ser o resultado da ruptura vascular, prova-
A causa mais importante de teratogênese indu- velmente secundária à vasoconstrição intensa das
zida por drogas é o abuso alcoólico materno du- artérias fetais, produzida pela cocaína. Estas mal-

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2143

formações incluem redução dos membros, mal- que freqüentemente não se desenvolve até 7 a 10
formações genitourinárias, incluindo a síndrome do dias pós-parto, quando o neonato já foi retirado do
ventre em ameixa (“prune belly”) e atresia ou ne- berçário. Pode ser necessária a sedação com feno-
crose intestinal. Alguns recém-nascidos com infartos barbital 5 a 7mg/kg ao dia VO ou IM divididas em
cerebrais observados ao nascimento podem ter tido 3 doses e depois reduzido durante poucos dias ou
o suprimento sangüíneo cerebral prejudicado, secun- semanas, dependendo da duração dos sintomas.
dariamente aos efeitos da cocaína in utero.
Alguns neonatos podem apresentar sintomas
de abstinência se sua mãe usou cocaína até pou-
co antes do parto, mas os sintomas são menos DISTÚRBIOS
comuns e menos intensos do que para abstinên- CONVULSIVOS NO
cia de narcóticos. Os sinais de abstinência e o
tratamento são os mesmos que para abstinência RECÉM-NASCIDO
de opióides (ver adiante). São descargas elétricas anormais do SNC que ocor-
O prognóstico dos recém-nascidos de mães vi- rem em recém-nascidos, geralmente expressas
ciadas em cocaína em termos de crescimento e de- por atividade muscular estereotipada ou alte-
senvolvimento a longo prazo ainda é desconheci- rações autônomas.
do, mas a maioria parece evoluir razoavelmente
bem nos primeiros anos. (Ver também Cap. 172.)
As convulsões são um problema neonatal fre-
ABSTINÊNCIA DE OUTRAS DROGAS qüente e às vezes grave. Podem ocorrer em qual-
quer distúrbio que afete direta ou indiretamente o
Opióides – O recém-nascido de uma mulher SNC e requerem uma avaliação imediata para de-
viciada em opióides (por exemplo heroína, mor- terminar sua causa e tratamento.
fina e metadona) deve ser observado quanto ao O tipo de convulsão que ocorre no neonato não
desenvolvimento de sintomas de abstinência nas ajuda a diferenciar lesões focais de SNC de pro-
72h após o parto. Os sinais característicos de blemas metabólicos. A natureza focal típica da
abstinência incluem irritabilidade, agitação, maioria das convulsões neonatais pode ser decor-
hipertonicidade, vômitos, diarréia, sudorese, rente da falta de mielinização, natureza primaria-
convulsões e hiperventilação que produz alcalose mente inibitória do córtex do neonato ou formação
respiratória. Sintomas leves de abstinência são incompleta de dendritos e sinapses no cérebro nes-
tratados com enfaixamento e alimentações fre- ta idade.
qüentes, para reduzir a agitação. Os sintomas
graves podem ser controlados com uma diluição Etiologia
1:25 de tintura de ópio, que contém 10mg de As convulsões podem surgir apenas de uma des-
morfina/mL, em água administrada na dose de carga anormal do SNC, mas isto pode ser decor-
2 gotas/kg VO cada 4 a 6h, se necessário. Tam- rente de um processo intracraniano primário (me-
bém se pode controlar os sintomas da abstinên- ningite, acidente vascular cerebral, tumor) ou se-
cia com fenobarbital 5 a 7mg/kg ao dia VO ou cundário a um problema sistêmico ou metabólico
IM, dividido em 3 doses. O tratamento é reduzi- (por exemplo, hipoxia-isquemia, hipoglicemia, hi-
do e suspenso após vários dias ou semanas ou pocalcemia, hiponatremia).
quando os sintomas desaparecerem. Infecções podem provocar convulsões. Convul-
A situação domiciliar deve ser avaliada para de- sões são freqüentes com meningite e também ocor-
terminar se o recém-nascido pode ser cuidado com rem na sepse, mas geralmente não são um sinal de
segurança depois da alta. Com a ajuda de parentes, apresentação. Os microrganismos Gram-negativos
amigos, visitantes, a mãe pode ser capaz de cuidar freqüentemente provocam infecções intracranianas
de seu filho. Se não, um lar adotivo ou plano de e sistêmicas em recém-nascidos. Infecções do SNC
assistência alternativo podem ser melhores. devidas a citomegalovírus, herpes simples, vírus do
A incidência de SIDS é maior em lactentes fi- sarampo, Treponema pallidum e Toxoplasma gondii
lhos de viciadas em narcóticos, mas ainda é também podem provocar convulsões.
< 10/1.000 crianças, de forma que o uso rotineiro Hipoxia-isquemia podem ocorrer antes, durante
de monitores cardiorrespiratórios não é recomen- ou depois do parto e freqüentemente ocorrem em pre-
dado para esses lactentes. maturos com síndrome da angústia respiratória (ver
Barbitúricos – O abuso materno prolongado de em DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS, anteriormente).
barbitúricos pode causar a abstinência neonatal de Hipoglicemia é comum em recém-nascidos de
drogas, com agitação, irritabilidade e nervosismo, mães diabéticas, lactentes pequenos para a idade

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2144 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

gestacional e aqueles com hipoxia-isquemia ou convulsões ocorrem espontaneamente e sua ativi-


outros estresses. Nos lactentes a termo, os níveis dade motora ainda pode ser sentida quando se se-
sangüíneos de glicose < 40mg/dL (< 2,2mmol/L) gura o membro.
são considerados hipoglicêmicos, como também
lactentes com baixo peso ao nascimento e glice- Diagnóstico
mia < 30mg/dL (< 1,7mmol/L). Nem todos os lac- Deve-se iniciar a avaliação das convulsões
tentes apresentam sintomas nestes níveis. A hipo- neonatais com as determinações de glicose, Na,
glicemia prolongada ou recorrente pode afetar per- K, Cl, bicarbonato, Ca e Mg. As fitas de testes
manentemente o SNC. disponíveis comercialmente fornecem uma de-
Hipocalcemia, definida pelo nível de Ca sérico terminação rápida da glicose sangüínea, porém
< 7,5mg/dL (< 1,87mmol/L) geralmente é acom- deve-se obter também uma glicose sangüínea
panhada por um nível sérico de P > 3mg/dL verdadeira concomitantemente. Devem ser obti-
(> 0,95mmol/L) e, como a hipoglicemia, pode ser das culturas de locais periféricos, sangue e LCR.
assintomática. Freqüentemente está associada a Também deve ser realizado o exame microscópi-
prematuridade ou partos difíceis. co do LCR para hemácias, leucócitos e micror-
Hipomagnesemia é rara, mas pode produ- ganismos e a dosagem de conteúdo de glicose e
zir convulsões quando o nível de Mg sérico é proteína. A necessidade de testes metabólicos
< 1,4mEq/L (< 0,70mmol/L). A hipomagnesemia adicionais, (por exemplo, pH arterial, gasome-
freqüentemente está associada à hipocalcemia e tria sangüínea, bilirrubina sérica e aminoácidos
deve ser considerada num lactente hipocalcêmico ou ácidos orgânicos urinários) depende da situa-
quando as convulsões continuarem após terapia ção clínica. O raio X de crânio pode revelar calci-
por Ca adequada. ficações intracranianas e radiografias de ossos
Hiper ou hiponatremia podem causar convul- longos podem mostrar alterações devido a doen-
sões. A hipernatremia pode resultar de sobrecarga ças infecciosas congênitas (por exemplo, rubéola
acidental de NaCl, VO ou IV. A hiponatremia pode e sífilis). É útil o EEG se houver dificuldade em
ser dilucional, quando se administra água demais decidir se a criança está apresentando convulsões.
por via oral ou IV ou pode ser decorrente de perda Um EEG normal ou com anormalidades focais
de Na nas fezes ou urina. durante uma convulsão é sinal de bom prognósti-
Erros congênitos do metabolismo, como co; um EEG com anormalidades difusas é sinal de
aminoacidúria ou acidúria orgânica também podem mau prognóstico. Ultra-som ou TC de crânio po-
se apresentar como convulsões neonatais. A defi- dem documentar hemorragia intracraniana. O abu-
ciência ou a dependência de piridoxina são causas so de substância materna deve ser considerado.
raras de convulsões, mas seu tratamento é fácil.
Outras causas de convulsões nos recém-nasci- Prognóstico
dos são mais difíceis de diagnosticar e tratar, e in- O prognóstico a longo prazo depois das convul-
cluem a seqüela de hemorragia intraventricular, trau- sões neonatais está diretamente relacionado à cau-
ma de parto, abstinência de drogas e malformações sa. Neonatos com convulsões depois de hemorra-
do SNC. Abuso materno de substâncias (por exem- gia subaracnóide geralmente evoluem bem, enquan-
plo, cocaína, heroína, diazepam) é um problema cres- to aqueles com hemorragia intraventricular Graus
cente e as convulsões podem ocorrer com abstinên- III ou IV apresentam alto índice de morbidade.
cia aguda depois do nascimento. Aproximadamente 50% dos neonatos com convul-
sões relacionadas a hipoxia-isquemia se desenvol-
Sintomas e sinais vem normalmente. Convulsões de início precoce
Convulsões neonatais são geralmente focais e estão associadas com as taxas mais elevadas de
podem ser difíceis de reconhecer. Abalos clônicos morbimortalidade. Quanto mais prolongada for a
migratórios de extremidades, hemiconvulsões al- atividade convulsiva, maior a possibilidade do re-
ternadas ou convulsões subcorticais primitivas (pa- cém-nascido apresentar um comprometimento neu-
rada respiratória, movimentos de mastigação, des- rológico posteriormente (por exemplo paralisia ce-
vios persistentes dos olhos, alterações episódicas rebral e retardo mental).
de tônus muscular) são comuns. É infreqüente uma
convulsão do tipo grande mal. Tratamento
A atividade clônica muscular observada com A terapia deve ser dirigida primariamente para
hipertonicidade e abalos devem ser diferenciadas a patologia de base e secundariamente a convul-
de verdadeira atividade convulsiva. Os abalos pro- sões. Exceto para as convulsões que se apresentam
duzem clônus apenas com estimulação e manter a como apnéia, geralmente não é necessário inter-
extremidade parada interrompe o fenômeno. As romper uma convulsão em progressão, visto que

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2145

em geral são autolimitadas e raramente compro- DEFICIÊNCIAS AUDITIVAS


metem as funções vitais do recém-nascido.
Se a glicose sangüínea estiver baixa, admi- EM CRIANÇAS
nistra-se dextrose a 10%, 2mL/kg IV. Se a hipo- A perda auditiva pode ocorrer em qualquer ida-
calcemia estiver presente, pode-se administrar de. Aproximadamente 1/800 a 1/1.000 recém-nas-
gliconato de cálcio a 5% na dose de 2mL/kg IV cidos apresentam perda auditiva intensa a profun-
(18mg/kg de cálcio elementar). (PRECAUÇÃO – da ao nascimento. Duas a três vezes mais nascem
Não se deve administrar gliconato de cálcio a com deficiências auditivas menores, inclusive per-
5% em velocidade acima de 50mg/min e deve das leves a moderadas e uni ou bilaterais. Durante
ser feita monitoração cardíaca concomitante). a infância, mais 2 a 3/1.000 crianças adquirem per-
Deve-se evitar o extravasamento, porque pode da auditiva moderada a intensa, progressiva ou
resultar em lesão cutânea. Se for diagnosticada permanente. Muitos adolescentes apresentam ris-
deficiência de Mg, administra-se 0,2mL/kg de co de perda auditiva sensorineural por exposição
solução de sulfato de magnésio a 50% IM. excessiva a ruídos e traumatismo craniano.
As infecções devem ser tratadas com os anti- Deficiências auditivas na infância podem resul-
bióticos apropriados. tar em comprometimentos por toda a vida nas habi-
O tratamento sintomático das convulsões deve lidades de linguagem de recepção e expressão. A
começar imediatamente após as tentativas ini- intensidade da limitação é determinada por vários
ciais para identificar sua causa. A droga de esco- fatores: a idade em que a perda ocorreu, a natureza
lha é o fenobarbital e deve ser administrada em da perda – duração, freqüências afetadas, grau de
dose de ataque de 20mg/kg IV. Se as convulsões perda e a suscetibilidade de cada criança (por exem-
persistirem, pode-se administrar 5mg/kg a cada plo, comprometimento visual concomitante, retar-
15min, até que elas sejam interrompidas ou até o do mental, déficits primários de linguagem). Uma
máximo de 40mg/kg. Deve-se iniciar a terapia avaliação precisa da audição – freqüências afetadas
de manutenção 12h mais tarde, consistindo de e perda de condução aérea e óssea – pode ser obtida
5mg/kg ao dia divididas em 2 doses. Deve-se independente da idade ou grau de incapacidade (ver
administrar fenobarbital IV, especialmente se as AFERIÇÃO DA AUDIÇÃO EM CRIANÇAS no Cap. 256).
convulsões forem freqüentes ou prolongadas. Para uma criança com perda sensorineural, a
Quando as convulsões estiverem controladas, carga adicional de uma perda auditiva de condução
pode reduzir muito a discriminação da fala. Crian-
pode-se utilizar VO. Os níveis sangüíneos tera- ças que apresentam outras deficiências cognitivas
pêuticos de fenobarbital são de 15 a 40µg/mL são afetadas mais intensamente pela perda auditi-
(65 a 170µmol/L). va do que crianças normais sob outros aspectos.
Se for necessária uma segunda droga, deve ser
usada a fenitoína em dose de ataque de 20mg/kg. Etiologia e patogênese
Ela só é eficaz nos neonatos quando IV e deve ser Perda auditiva de condução – As deficiên-
aplicada lentamente em 2 incrementos de 10mg/kg cias auditivas mais comuns são perdas adquiri-
para evitar hipotensão ou arritmias. Pode ser difí- das associadas com otite média e suas seqüelas.
cil detectar sinais de toxicidade da fenitoína nos Quase todas as crianças apresentam perda audi-
recém-nascidos, e níveis altos prolongados podem tiva leve a moderada, intermitente ou contínua
ser prejudiciais. Se for possível monitorar os ní- por otite média. Infecções recorrentes ou graves
veis sangüíneos, o risco é menor. A dose de manu- podem levar a surdez permanente. As crianças
tenção inicial de fenitoína é de 5mg/kg ao dia mais afetadas pela otite média são aquelas com
fracionadas em 2 doses e ajustada com base na anormalidades craniofaciais (por exemplo, fen-
resposta clínica ou níveis sangüíneos. Os níveis da palatina), deficiências imunológicas (por exem-
sangüíneos terapêuticos para fenitoína são 10 a plo, hipogamaglobulinemia transitória da infân-
20µg/mL (40 a 80µmol/L). cia) e exposição a fatores de risco ambientais
Os lactentes que recebem anticonvulsivantes (por exemplo, fumo, creches). Os meninos são
precisam de observação cuidadosa, visto que a mais afetados do que as meninas.
supermedicação com depressão respiratória re- Doença em qualquer porção do mecanismo de
sultante e até parada cardíaca, pode ser mais audição pode provocar perda auditiva da infância.
perigosa do que as próprias convulsões. A medi- Malformações do canal auditivo externo e do ou-
cação deve ser mantida até que as convulsões vido médio, ocorrendo isoladamente ou como par-
estejam controladas e o risco de novas convul- te de uma síndrome (por exemplo, síndrome de
sões seja pequeno. Treacher Collins) resultam em perdas de condu-

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2146 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

ção. Perdas sensorineurais congênitas também ocor- A perda auditiva sensorineural adquirida pode
rem em crianças com anormalidades isoladas do ser provocada por doenças auto-imunes, substân-
ouvido médio. cias ototóxicas, como aminoglicosídeos, cisplatina
Colesteatoma, um tumor benigno, surge mais e aspirina (cujo efeito é reversível), meningite bac-
comumente por otite média não tratada, mas pode teriana, infecções virais congênitas ou adquiridas,
ocorrer congenitamente. Colesteatomas adquiridos como rubéola, citomegalovírus e caxumba congê-
ocorrem tipicamente na porção cefálica dorsal da nitas, endotoxinas e exotoxinas bacterianas, trau-
fenda do ouvido médio, enquanto colesteatomas matismos sonoros, que podem resultar de exposi-
congênitos se originam primariamente na porção ção à música alta, armas de fogo, ruídos de moto-
cefálica ventral. O colesteatoma pode provocar ero- res ou brinquedos barulhentos ou traumatismo de
são da cadeia ossicular e perda auditiva condutiva. crânio resultando em concussão ou fratura de osso
A destruição dos ossículos também ocorre como temporal (a fratura pode acrescentar um compo-
resultado de infecção e atelectasia da fenda do ou- nente condutivo à perda auditiva, por causa da rup-
vido médio; o processo longo da bigorna é mais tura traumática no ouvido médio).
comumente afetado, resultando em perda auditiva Várias condições patológicas afetam o ouvido
condutiva significativa. interno. A mais comum é a perda de células cilia-
Perda auditiva sensorineural – Quando per- das da cóclea, freqüentemente incluindo as do sis-
das sensoriais (células ciliadas) e neurais (célula tema vestibular. As células nervosas da cóclea – as
do gânglio espiral) ocorrem no pré-natal, a condi- células do gânglio espiral – são freqüentemente pre-
ção é denominada perda auditiva sensorineural con- servadas durante algum tempo, mas depois dege-
gênita. Quando ocorrem nos primeiros um ou dois neram por falta de fatores trópico, como fator
anos de vida, a condição é denominada perda audi- neurotrópico derivado do cérebro proveniente das
tiva sensorineural progressiva de início precoce. células ciliadas. Além disso, pode ocorrer a perda
Quando as perdas ocorrem mais tarde, a condição de células do gânglio espiral, com perda mínima
é denominada perda auditiva sensorineural progres- ou ausente de células ciliadas.
siva da infância. A perda auditiva sensorineural con- Malformações do labirinto ósseo também podem
gênita pode surgir a partir de causas exógenas ou provocar perda auditiva sensorineural. Essas con-
endógenas (ver TABELAS 260.4 e 260.5). dições são diagnosticadas por TC. A perda auditi-
va associada com malformações de labirinto varia
de nenhuma a total e pode ser estacionária, variá-
TABELA 260.4 – CAUSAS DE PERDA vel ou progressiva. A perda auditiva pode também
AUDITIVA SENSORINEURAL EXÓGENA ter um componente condutivo. Um grupo de mal-
CONGÊNITA formações de labirinto ligado ao X envolve uma
Anoxia durante parto lesão da janela oval; os pacientes apresentam per-
Rubéola congênita da de condução congênita. A cirurgia para abrir a
Doença de inclusão citomegálica congênita janela oval pode provocar perda maciça de LCR,
Toxoplasmose congênita freqüentemente destrói permanentemente a audi-
Sífilis congênita ção naquele ouvido.
Infecção neonatal por herpes simples Fístulas perilinfáticas podem provocar perda sen-
Incompatibilidade de fator Rh sorineural progressiva e estão freqüentemente asso-
Drogas ototóxicas administradas à mãe ciadas com malformações do labirinto. Fístulas peri-
linfáticas traumáticas são encontradas em crianças

T ABELA 260.5 – CAUSAS DE PERDAS AUDITIVAS ENDÓGENA


CONGÊNITA E DE INÍCIO PRECOCE
Tipo Lateralidade Quantidade Etiologia Momento do início
Malformações ósseas Unilateral e/ou Leve a profunda Genética, teratológica; Primariamente con-
do ouvido interno bilateral associada a mal- gênita mas pode
formações do SNC ser progressiva e
repentina
Morte celular pre- Unilateral ou bilateral Leve a profunda Genética; dominante, Congênita e/ou pro-
coce de células recessiva, ligada gressiva
neurais e sensórias ao X, mitocondrial
do ouvido interno

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2147

com traumatismo cefálico. Ocasionalmente, um trau- tor. O desenvolvimento motor anormal é às vezes
matismo cefálico pequeno em neonato ou lactente erroneamente ligado a retardo mais geral do de-
resulta em fístulas bilaterais, provocando perda sen- senvolvimento, como retardo mental, o que pode
sorineural rapidamente progressiva. Elas devem ser levar a cuidados inadequados.
identificadas imediatamente, porque a intervenção
neurocirúrgica pode evitar posterior perda auditiva, Tratamento
bem como possível meningite. O objetivo é apoiar o desenvolvimento ideal da
Doenças primárias do nervo estatoacústico linguagem. A função da linguagem deve ser avalia-
(VIII) na infância são raras. As mais comuns são da em todas as crianças com perda auditiva e os
schwannomas encontrados em pacientes com neu- déficits de linguagem devem ser corrigidos por te-
rofibromatose II. Outras causas raras são meningio- rapia apropriada. O primeiro ano de vida é o perío-
ma e tumores metastáticos. Ocasionalmente, um do crítico para desenvolvimento da linguagem.
lactente com kernicterus intenso desenvolve uma Como as crianças precisam ouvir a linguagem para
perda auditiva sensorineural moderada e outros si- aprender espontaneamente, crianças surdas desen-
nais de lesão de tronco cerebral, como comprome- volverão linguagem apenas com treinamento espe-
timento de função motora. cial, começando logo que for identificada a defi-
Perdas auditivas unilaterais podem ocorrer por ciência auditiva. Lactentes surdos devem receber
qualquer uma dessas condições, sendo caxumba a alguma forma de aporte de linguagem. Por exem-
causa mais freqüentemente identificada. O efeito plo, linguagem de sinais visuais pode oferecer fun-
de perdas auditivas unilaterais é freqüentemente damento para o desenvolvimento posterior da lin-
subestimado. Uma criança pode apresentar déficits guagem oral.
de linguagem significativos por causa da dificul- Perdas condutivas por otite média podem ser
dade de identificar a fala em ambientes moderada- melhoradas por prótese auditiva ou cirurgia (mi-
mente ruidosos. ringotomia com ou sem adenoidectomia, dependen-
do das características da criança; por exemplo, fen-
Diagnóstico das submucosas do palato são uma contra-indica-
O diagnóstico geralmente é significativamente ção relativa para adenoidectomia). Desconges-
retardado porque os sintomas não são reconheci- tionantes e antibióticos não melhoram a perda au-
dos ou são ignorados. Perdas graves geralmente são ditiva dessas crianças.
diagnosticadas aos 2 anos, enquanto que perdas Perdas sensorineurais podem ser minoradas
leves a moderadas e perdas unilaterais tipicamente com vários tipos de próteses auditivas. A amplifi-
não são identificadas até a idade escolar. Com per- cação com prótese auditiva deve ser iniciada o mais
da auditiva sensorineural congênita bilateral, os pais precocemente possível depois do diagnóstico (mes-
podem notar na primeira semana de vida aproxi- mo com apenas 6 meses de idade). Na perda audi-
madamente que o neonato não responde às suas tiva sensorineural bilateral, a amplificação binaural
vozes ou outros sons. usando próteses pós-auriculares ou dentro do ou-
Todos os lactentes e crianças devem ser exami- vido maximiza a audição e permite o desenvolvi-
nados em relação a perda auditiva (ver AFERIÇÃO mento de localização auditiva. Crianças com ≥ 2
DA AUDIÇÃO EM CRIANÇAS no Cap. 256). O diag- anos ou mais com perda auditiva bilateral profun-
nóstico de deficiência auditiva precisa ser feito o da, que não se beneficiam plenamente da amplifi-
mais precocemente possível de forma que o aporte cação, podem ser candidatas a implante coclear.
lingüístico adequado possa permitir o desenvolvi- Implantes cocleares permitem comunicação audi-
mento ideal da linguagem. O maior empecilho para tiva em muitas crianças com surdez profunda, seja
diagnóstico precoce é o retardo no encaminhamento a surdez congênita ou adquirida, mas parecem ser
a especialistas, apesar do conhecimento ou suspei- mais eficazes nas que já desenvolveram a lingua-
ta de deficiência auditiva geralmente por causa de gem. Crianças com surdez pós-meningite desen-
retardo no desenvolvimento da fala ou linguagem. volvem um ouvido interno ossificado; devem rece-
Se uma criança não desenvolver a fala normalmen- ber implantes cocleares precocemente para
te, deve-se considerar um diagnóstico diferencial maximizar a eficácia. Crianças cujos nervos acús-
de surdez, retardo mental, afasia e autismo. ticos tenham sido destruídos por tumor podem ser
Muitas crianças com perda auditiva sensorineu- auxiliadas por um implante de eletrodos de esti-
ral apresentam deficiências vestibulares manifes- mulação auditiva no tronco cerebral.
tas por desenvolvimento motor retardado ou regres- O fechamento de fístulas perilinfáticas, congê-
sivo. Além disso, lactentes e crianças com 1 a 3 nitas ou adquiridas, pode restaurar parte da audi-
anos com otite média podem apresentar distúrbios ção e evitar perda posterior. Corticosteróides e ou-
vestibulares que se manifestam como desvio mo- tros imunossupressores podem ser úteis em algu-

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2148 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

mas crianças com doença de ouvido interno pro- das adequadamente com peso > 1.500g ao nasci-
vocada por distúrbios auto-imunes. mento, devem ser considerados diagnósticos alter-
Crianças com surdez unilateral devem receber um nativos (por exemplo, retinopatia exsudativa fami-
sistema na escola que permita que o professor fale em liar, doença de Norrie).
um microfone que envie sinais para uma prótese audi- A prevenção do nascimento prematuro é a me-
tiva no ouvido bom da criança, melhorando a capaci- lhor prevenção de ROP. Depois de um parto pre-
dade de ouvir a fala em ambiente barulhento. maturo, o O2 deve ser usado apenas em quantida-
des suficientes para evitar hipoxia. Vitamina E pro-
filática (um antioxidante) e restrição da exposição
RETINOPATIA DA à luz (um pró-oxidante) estão sendo investigados.
PREMATURIDADE A melhora da prevenção de ROP continua sendo
alvo de pesquisa intensa em todo o mundo.
(Fibroplasia Retrolenticular) Na ROP grave, crioterapia ou fotocoagulação a
É um distúrbio ocular bilateral da vascularização laser para destruir a retina avascular periférica pode
anormal da retina em prematuros, especialmente reduzir à metade a incidência de pregas ou desco-
aqueles com peso mais baixo ao nascer, cuja evo- lamento da retina. Portanto, todas as crianças de
lução varia de visão normal a amaurose. alto risco devem ser submetidas a exame oftalmo-
Como os vasos sangüíneos da retina interna co- lógico 4 a 6 semanas após o nascimento. A vascu-
meçam a crescer na metade da gravidez e vas- larização da retina precisa ser acompanhada cuida-
cularizaram completamente a retina no termo, seu dosamente a intervalos de 1 a 2 semanas até que os
crescimento é incompleto em prematuros. A retino- vasos estejam amadurecidos o suficiente sem atin-
patia da prematuridade (ROP) ocorre se estes va- gir a pré-condição para crioterapia ou terapia a la-
sos continuarem seu crescimento em padrão anor- ser. Se os descolamentos da retina ocorrerem na
mal. A suscetibilidade a ROP varia, mas se corre- infância, a cirurgia de ligação escleral ou vitrec-
laciona com a proporção da retina que permanece tomia com retirada do cristalino pode ser conside-
rada, mas esses procedimentos são tentativas tar-
avascular ao nascimento. dias de resgate, com pouco benefício.
Mais de 80% dos lactentes pesando < 1 kg ao nas- Pacientes com cicatrizes residuais de ROP de-
cimento desenvolvem ROP. A porcentagem é maior vem ser acompanhados pelo menos anualmente
quando existem muitas complicações clínicas. A ad- durante toda a vida; cicatrizes e orifícios na retina
ministração excessiva de O2 (especialmente se pro- podem levar a descolamentos da retina tardios que
longada) aumenta o risco de ROP, mas o nível ou a freqüentemente podem ser tratados com sucesso
duração seguros de PaO2 elevada não são conhecidos. se detectados antes que progridam. Glaucoma e ca-
Sintomas, sinais e prognóstico taratas também podem ocorrer raramente nesses
pacientes e necessitam tratamento para preservar a
Forma-se um sulco de tecido entre a retina cen- visão. O tratamento de ambliopia e erros de refração
tral vascularizada e a retina periférica, não vascula- no primeiro ano vão otimizar a visão. Lactentes com
rizada. Em ROP grave, esses novos vasos invadem descolamentos da retina totais devem ser moni-
o vítreo e às vezes toda a vasculatura do olho fica torados para glaucoma secundário e pouco cresci-
ingurgitada (doença “mais”). O crescimento anor- mento ocular e encaminhados para programas de
mal dos vasos freqüentemente cede espontanea- intervenção a portadores de deficiência visual.
mente mas, em aproximadamente 4% dos sobrevi-
ventes com < 1kg ao nascimento, progride provo-
cando descolamentos da retina e perda de visão 2 a INFECÇÕES NEONATAIS
12 meses pós-parto. Crianças com ROP cicatriza-
da apresentam maior incidência de miopia, estra- Terapia antibacteriana
bismo e ambliopia. Algumas crianças com ROP (Ver também Cap. 258.)
moderada cicatrizada ficam com cicatrizes (por Alterações fisiológicas rápidas durante o perío-
exemplo, retrações ou pregas na retina) mas sem do neonatal afetam significativamente as proprie-
descolamentos da retina iniciais e estão sob risco dades farmacocinéticas e toxicológicas dos agen-
de descolamentos da retina mais tarde. tes antimicrobianos, exigindo complexos cálculos
posológicos (ver TABELAS 260.6 e 260.7). O trata-
Diagnóstico, prevenção mento empírico, geralmente uma combinação de
e tratamento ampicilina e um aminoglicosídeo ou, quando apro-
O diagnóstico é feito por exame oftalmológico. priado, ampicilina e uma cefalosporina de amplo
Como ROP significativa é rara em crianças trata- espectro com boa penetração no LCR, freqüen-

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2149

temente são introduzidos enquanto se aguardam os INFECÇÕES HOSPITALARES NO


resultados de culturas e antibiogramas (ver tam-
bém em SEPSE NEONATAL, adiante). Dados de pre- RECÉM-NASCIDO
valência sobre resistência a antibióticos na enfer- É a infecção adquirida da mãe durante o parto (in-
maria ajudam a escolher o tratamento. Na presen- fecção adquirida da mãe) ou adquirida depois
ça de lesões cutâneas ou suspeita de infecções da internação no berçário (infecção adquirida
hospitalares, recomenda-se cobertura adicional em hospital).
antiestafilococos. No entanto, antibióticos poten- Os índices de infecção hospitalar variam por tipo
tes de amplo espectro, como as novas cefalospo- de berçário e por peso ao nascimento da criança.
rinas, podem induzir alterações drásticas de flora Os índices de infecção em berçários a termo são
intestinal, distúrbios hemorrágicos, emergência de geralmente < 1%, enquanto os descritos em berçá-
microrganismos resistentes e superinfecções com rios de cuidados especiais variam de 1,4 a 56%.
fungos ou enterococos. Sepse e pneumonia são as mais comuns. Os índi-
As doses das drogas durante este capítulo são ces de mortalidade global são aproximadamente
para recém-nascidos a termo e lactentes. 33%: para recém-nascidos com peso ao nascimen-
Absorção de antibióticos – A instabilidade to < 1.000g, 18 a 45% e 2 a 12% para aqueles com
vasomotora de recém-nascidos com infecção bac- peso > 2.000g.
teriana grave resulta em absorção imprevisível
quando as drogas são administradas por via subcu-
tânea ou intramuscular. Portanto, se possível, os Infecções em berçários de
antibióticos para infecções graves devem ser ad- recém-nascidos a termo
ministrados IV. Antibióticos orais podem ser usa-
dos para pacientes que não estão em estado grave Embora muitas bactérias possam colonizar neo-
(ver TABELA 260.7). natos e provocar infecções em berçários, Staphylo-
Distribuição dos antibióticos – O FEC com- coccus aureus representa um problema comum e
preende mais de 45% do peso corpóreo total nos particularmente grave.
neonatos, requerendo doses maiores de certos an- A colonização por S. aureus no berçário varia
tibióticos (por exemplo, aminoglicosídeos) em de < 10% a ≥ 70%. Como diferentes cepas apre-
relação ao peso do que aquelas utilizadas em adul- sentam virulência acentuadamente diferente, a pro-
tos. Concentrações de albumina sérica mais baixas babilidade de doença também varia muito e a colo-
nos lactentes prematuros podem afetar a distribui- nização por cepa não invasiva pode interferir na
ção através da redução da ligação proteica dos an- colonização por cepas produtoras de doença. Como
tibióticos. As drogas que deslocam a bilirrubina da a maioria dessas infecções aparece depois da crian-
albumina (por exemplo, sulfonamidas, ceftriaxo- ça deixar o berçário, os pediatras devem avisar aos
na) podem aumentar o risco de kernicterus. berçários de sua comunidade sobre quaisquer in-
Metabolismo e excreção dos antibióticos – fecções ocorrendo no primeiro mês de vida.
Ausência ou deficiência de certas enzimas em re- A infecção hospitalar mais freqüente em lacten-
cém-nascidos pode prolongar a meia-vida de cer- tes a termo é a infecção cutânea por S. aureus sen-
tas drogas e aumentar o risco de toxicidade. Por sível à meticilina adquirida no berçário. Entretan-
exemplo, a imaturidade da atividade da glucuronil to, as infecções por S. aureus meticilina-resistente
transferase hepática nos neonatos diminui a conju- também foram descritas.
gação de cloranfenicol para a forma inativa, que Embora profissionais do berçário portadores
pode resultar em níveis sangüíneos elevados e mais nasais de S. aureus sejam fontes potenciais de in-
prolongados; isto pode causar colapso cardiovascu- fecção neonatal, neonatos colonizados são às ve-
lar e morte (síndrome do bebê cinzento). O cloran- zes o reservatório. O coto umbilical e virilha são
fenicol deve ser evitado se possível; caso contrá- mais freqüentemente colonizados durante os pri-
rio, os níveis da droga devem ser monitorados, es- meiros dias de vida, enquanto as narinas são co-
pecialmente quando usada concomitantemente com lonizadas mais tarde.
rifampicina, fenobarbital ou acetaminofenol, por A infecção por S. aureus mais freqüentemente se
causa da interferência no metabolismo hepático. A manifesta como lesões cutâneas pustulares na área
TFG e a secreção tubular renal diminuídas nos neo- periumbilical ou da fralda, embora infecções compli-
natos aumentam os valores da meia-vida das peni- cadas e disseminadas (inclusive osteomielite, pneu-
cilinas e aminoglicosídeos. Com alteração da fun- monia e meningite) também ocorram. A síndrome
ção renal durante o primeiro mês de vida, deve-se da pele escaldada estafilocócica, variando em inten-
ajustar a posologia e a freqüência de administra- sidade de eritema escarlatiniforme a lesões bolhosas
ção desses antibióticos. a doença esfoliativa generalizada (doença de Ritter),

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Merck_19B.p65

2150
TABELA 260.6 – DOSES RECOMENDADAS DE ANTIBIÓTICOS PARENTERAIS SELECIONADOS PARA RECÉM-NASCIDOS
Intervalo de administração
Peso corpóreo Peso corpóreo Peso corpóreo
< 1.200g 1.200 – < 2.000g ≥ 2.000g
Via de Dose Idade Idade Idade
Antibiótico administração individual 0 – 28 dias 0 – 7 dias ≥ 8 dias 0 – 7 dias ≥ 8 dias Comentários

Penicilina G aquosa Máximo para meningite estrepto-


Meningite IV 50.000U/kg cada 12h cada 12h cada 8h cada 8h cada 6h cócica do Grupo B, 250.000U/kg
Outras doenças IV, IM 25.000U/kg cada 12h cada 12h cada 8h cada 8h cada 6h ao dia
Penicilina G PRECAUÇÕES – Abscesso estéril e
2150

Procaína IM 50.000U/kg Não recomendado cada 24h cada 24h cada 24h cada 24h toxicidade por procaína
Ampicilina
Meningite IV 50mg/kg cada 12h cada 12h cada 8h cada 8h cada 6h Infusão IV durante 15 a 30min
Outras doenças IV, IM, 25mg/kg cada 12h cada 12h cada 8h cada 8h cada 6h
Ticarcilina IM, IV 75mg/kg cada 12h — cada 8h cada 8h cada 6h Nenhuma indicação primária. Uso
em combinação com aminogli-
cosídeo contra P. aeruginosa.
Sangramento potencial com in-
suficiência renal
Mezlocilina IM, IV 75mg/kg cada 12h cada 12h cada 8h cada 12h cada 8h Dados limitados
Meticilina, nafcilina,
oxacilina Monitorar a função renal , se usar
Meningite IV 50mg/kg cada 12h cada 12h cada 8h cada 8h cada 6h a meticilina; monitorar o hemo-
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Outras doenças IM, IV 25mg/kg cada 12h cada 12h cada 8h cada 8h cada 6h grama e a função hepática, quando
usar a nafcilina
Cefazolina1 IM, IV 20mg/kg cada 12h cada 12h cada 12h cada 12h cada 8h Nenhuma indicação primária. Da-
dos limitados. Não usar para te-
rapia inicial de sepse ou menin-
gite
Cefotaxima IM, IV 50mg/kg cada 12h cada 12h cada 8h cada 12h cada 8h —
Ceftazidima IV, IM 50mg/kg cada 12h cada 12h cada 8h cada 8h cada 8h —
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Ceftriaxona Dados limitados. Pode causar


Meningite IM, IV 50 – 75mg/kg cada 24h cada 12h cada 12h cada 12h cada 12h–24h pseudolitíase biliar. Pode au-
Outras doenças IV, IM 50mg/kg cada 24h cada 24h cada 24h cada 24h cada 24h mentar o risco de encefa-
lopatia bilirrubínica em re-
cém-nascidos prematuros e
ictéricos
Aztreonam IV, IM 30mg/kg cada 12h cada 12h cada 8h cada 8h cada 6h Dados limitados. Somente para
bacilos Gram-negativos
Clindamicina IV, IM 5mg/kg cada 12h cada 12h cada 8h cada 8h cada 6h Para anaeróbios e cocos Gram-
positivos (não enterococos)
2151

Canamicina2, amicacina2 IV, IM 7,5–10mg/kg cada 18 – 24h cada 12 – 18h cada 8 – 12h cada 12h cada 8h Monitorar os níveis séricos dos
Gentamicina2, tobra- IM, IV 2,5mg/kg cada 18 – 24h cada 12 – 18h cada 8 – 12h cada 12h cada 8h níveis das drogas (canamicina
micina2, netilmicina2 ou amicacina = 20 – 30µg/mL
[31 – 52µmol/L ou 34 – 43µmol/L,
respectivamente; gentamicina
ou tobramicina = 5 – 10µ/mL
[10,4 – 20,9µmol/L ou 11 –
21µmol/L, respectivamente]).
A depressão da concentra-
ção sérica deve ser < 10µg/mL
para a amicacina e canamicina
e < 2µg/mL para a gentamicina
e tobramicina. Reduzir a dose
02/02/01, 14:29

em caso de insuficiência renal.


Reduzir a freqüência em lac-
tentes prematuros muito peque-
nos (cada 18 – 24h)
Cloranfenicol IV 25mg/kg cada 24h cada 24h cada 24h cada 24h cada 12h Doses ajustadas monitorando os
níveis séricos da droga (pico =
15 – 25µg/mL [46 – 77µ/L]) e
parâmetros hematológicos
2151

Continua
2152

TABELA 260.6 – DOSES RECOMENDADAS DE ANTIBIÓTICOS PARENTERAIS SELECIONADOS PARA RECÉM-NASCIDOS


Intervalo de administração
Peso corpóreo Peso corpóreo Peso corpóreo
< 1.200g 1.200 – < 2.000g ≥ 2.000g
Via de Dose Idade Idade Idade
Antibiótico administração individual 0 – 28 dias 0 – 7 dias ≥ 8 dias 0 – 7 dias ≥ 8 dias Comentários

Vancomicina IV 15mg/kg cada 24h cada 12 – 18h cada 8 – 12h cada 12h cada 8h Dados limitados. Administrar por
dose de ataque, infusão IV lenta, não menos que
então 10 – 60min. A monitoração das con-
15mg/kg centrações séricas da vancomicina
é controversa (pico = 25 – 40µg/mL
[7 – 12,1µmol/L]; depressão =
< 15µg/mL [< 3µmol/L]), ajus-
tar doses na insuficiência re-
nal. Para lactentes prematuros
< 1.000g, administrar 15mg/kg
a cada 24 – 36h
Metronidazol IV 7,5mg/kg cada 48h cada 24h cada 12h cada 12h cada 12h Dados limitados. Administrar dose
de ataque de 15mg/kg. Segue-
se a dose de manutenção após
48h no prematuro e 24h após
no lactente a termo; depois a
cada 12h
Imipenema IV 20mg cada 18 – 24h cada 12h cada 12h cada 12h cada 8h Dados limitados
Anfotericina B IV 0,25 – 1mg/kg Diluir em D/A a 5 ou 10% (não usar solução salina). Iniciar com dose-teste de 0,1mg (máximo de 1mg) em infusão
durante 1h para avaliar a resposta febril e hemodinâmica do paciente.3 Se não forem observados efeitos colaterais
graves, pode ser administrada uma dose terapêutica de 0,4mg/kg no mesmo dia da dose-teste. Infundir a dose em 2
a 4h. A dose deve ser aumentada para um máximo de 1mg/kg ao dia. Doses de até 1,5mg/kg ao dia podem ser
necessários em situações selecionadas. Após a melhora do paciente pode-se administrar uma dose em dias alternados
até completar a terapia. Monitorar níveis de potássio e funcões renal e hematológica.
1 Não atravessa a barreira hematoencefálica.
2 Amostra a ser obtida após o término da infusão IV ou 30min após infusão IV.
3 A necessidade de administrar uma dose-teste de anfotericina B é controversa.
CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2153

TABELA 260.7 – DOSES RECOMENDADAS E ANTIBIÓTICOS ORAIS SELECIONADOS


PARA RECÉM-NASCIDOS
Dose
Antibiótico (mg/kg/dose) Intervalo Comentários

Amoxicilina 15 cada 8h Dados limitados


Estolato de eritromicina 10 cada 8h Para infecção por Chlamydia ou coqueluche
Etilsuccinato de
eritromicina 10 cada 6h
Neomicina 30 – 35 cada 8h Para gastroenterite causada por cepas enteropatogênicas
Colistina 3–5 cada 8h de E. coli e para profilaxia de neonatos com alto risco
de enterocolite necrosante, durante 5 dias. Podem ser
absorvidas sistematicamente na presença de diarréia
significativa. Eficácia e segurança não comprovadas
Rifampicina1 10 cada 24h Para tuberculose
5 cada 12h Para profilaxia meningocócica por 2 dias
10 cada 24h Para profilaxia de H. influenzae por 4 dias
Flucitosina 12,5 – 37,5 cada 6h Dados limitados. Usar somente em combinação com
anfotericina B, para retardar emergência de resis-
tência
Clindamicina 5 cada 6 – 8h Dados limitados
1 Os níveis séricos devem ser monitorados.
2 A dose para recém-nascidos < de 7 dias com > 2.000g é de 5mg/kg a cada 12h.

é provocada por S. aureus que provoca toxina exfo- enterotoxigênica ou enteropatogênica, Salmonella ou
liativa (ver também Cap. 112). O início clínico da rotavírus; doença decorrente de HIV; doença por ví-
infecção por S. aureus varia de alguns dias a vários rus do herpes simples, enterovírus ou vírus sincicial
meses de idade, mas geralmente ocorre com 2 a 3 respiratório; oftalmite ou infecção complicada por
semanas. S. aureus resistente à penicilina penicilina- Neisseria gonorrhoeae, conjuntivite ou pneumonite
se-resistente (por exemplo, meticilina, oxacilina, causadas por Chlamydia trachomatis. É incomum a
nafcilina), gentamicina e outros antibióticos vêm se sepse por E. coli ou outros patógenos Gram-negati-
tornando mais comum nos berçários. vos em lactentes a termo sadios, porém ocorrem sur-
Banhar as crianças com hexaclorofeno a 3% re- tos de infecção por cepas virulentas. A maioria des-
duz a freqüência de colonização por S. aureus, mas sas infecções é transmitida da mãe para a criança du-
este produto pode provocar neurotoxicidade, parti- rante o período perinatal, embora seja possível a trans-
cularmente em recém-nascidos de baixo peso. missão entre as crianças no berçário, se não forem
A “American Academy of Pediatrics” recomenda adotadas as medidas necessárias de controle de in-
cuidar da pele dos recém-nascidos a seco, mas isto fecção. Exceto para a infecção estreptocócica do Gru-
resulta em altos índices de colonização por S. aureus po A, a maioria das infecções genitais maternas pós-
e epidemias da doença em alguns hospitais. Du- parto não tende a ser transmitida ao recém-nascido.
rante surtos da doença, a aplicação de corante tri- Conseqüentemente, uma mulher febril no pós-parto,
plo na área do cordão ou pomada de bacitracina ou mas que se sente suficientemente bem e não apresen-
mupirocina no cordão, narinas e local da circunci- ta infecção que ponha em risco o seu bebê, pode cui-
são ajudam a reduzir a colonização. Os hospitais dar e alimentar seu filho se lavar bem as mãos, usar
podem instituir temporariamente o banho diário da uma roupa hospitalar limpa e evitar que o bebê entre
área das fraldas de todo recém-nascido a termo com em contato com qualquer item contaminado.
emulsão de hexaclorofeno a 3%, que depois pode
ser enxaguada. Não são recomendadas culturas de Infecção em berçários
rotina da equipe ou do ambiente. especializados
Outras infecções incluem meningite ou sepse por
estreptococos do Grupo B, Citrobacter ou Listeria As porcentagens de infecções hospitalares va-
monocytogenes, diarréia causada por Escherichia coli riam acentuadamente com o peso ao nascer. O tem-

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2154 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

po de internação em berçários especializados fre- cimento de uma coorte estrita de crianças infecta-
qüentemente é um bom fator de previsão para in- das ou colonizadas pode ser necessária durante sur-
fecção (por exemplo, número de infecções/1.000 tos, mas é impraticável como medida de rotina na
neonatos-dias na unidade). Como muitas infecções maioria dos berçários especializados. Precauções
resultam de procedimentos invasivos, o cálculo de universais com sangue e fluidos orgânicos (como
porcentagens específicas por procedimento (por as usadas para evitar disseminação do HIV) confe-
exemplo, porcentagem de infecção de corrente san- rem proteção adicional.
güínea/1.000 cateteres vasculares-dias ou porcen- Em uma epidemia, o estabelecimento de coortes
tagem de pneumonia/1.000 ventilador-dias) podem de crianças doentes ou colonizadas e a designação de
identificar alteração de porcentagens e áreas em que enfermagem separada para cuidar delas pode ser útil,
são necessárias investigação mais intensa ou tenta- crianças não expostas devem ter alta precocemente
tivas de prevenção. ou podem ficar em alojamento conjunto com suas
A transmissão de colonização ou infecção ocor- mães em vez de permanecerem no berçário. O acom-
re através das mãos da equipe e material usado nos panhamento contínuo das crianças durante 1 mês
múltiplos procedimentos invasivos que estas crian- depois da alta é necessário para avaliar a adequação
ças sofrem; por exemplo, cateteres intra-arteriais dos controles instituídos para eliminar a epidemia.
ou intravasculares para monitoração de pressão, Embora freqüentemente utilizada, a terapia anti-
nutrição parenteral, acesso para hidratação, me- microbiana profilática não é eficaz, acelera o de-
dicamentos ou coleta de sangue, intubação en- senvolvimento de bactérias resistentes no berçário,
dotraqueal com assistência ventilatória ou pres- altera o equilíbrio da flora normal no lactente e pre-
são positiva contínua das vias aéreas e sondas de dispõe o lactente à colonização com cepas mais re-
alimentação nasogástricas ou nasojejunais. To- sistentes. Recomenda-se terapia profilática de rotina
dos esses procedimentos estão implicados como somente para evitar oftalmia gonocócica neonatal (ver
causas de infecções hospitalares epidêmicas ou CONJUNTIVITE NEONATAL, adiante) ou infecção go-
endêmicas. nocócica complicada nos lactentes expostos. Os anti-
Os recém-nascidos nos berçários especializados bióticos contra patógenos específicos podem ser con-
freqüentemente estão doentes ou são prematuros e siderados sob circunstâncias especiais; por exemplo
de baixo peso ao nascimento. Eles requerem nu- penicilina G para profilaxia contra infecção estrepto-
merosos procedimentos invasivos de suporte e fre- cócica do Grupo A ou colistina ou neomicina oral
qüentemente recebem terapia antimicrobiana. A flo- contra E. coli enterotoxigênica ou enteropatogênica
ra colonizante tende a apresentar prevalência de durante epidemia confirmada do berçário.
microrganismos Gram-negativos (por exemplo A imunização contra difteria, tétano e coquelu-
Klebsiella, Enterobacter, Pseudomonas e Proteus), che, de acordo com o quadro de rotina para a idade
bem como estafilococos coagulase-negativos, que deve ser administrada a um lactente que permanece
são resistentes a antibióticos múltiplos. Também é no hospital > 2 meses ser (ver IMUNIZAÇÕES NA
comum a colonização por fungos (Candida sp.). INFÂNCIA no Cap. 256). Para evitar infecção cruzada
A prevenção de colonização e infecção requer o com outros lactentes no berçário, não se deve admi-
fornecimento suficiente de espaço (80 a 100sq ft/ nistrar vacina oral da pólio (vírus vivo) no hospital.
lactente no cuidado intensivo; 50sq ft/lactente no Para evitar infecção cruzada com outras crianças no
cuidado intermediário; 6ft (182,88cm) entre incu- berçário, a vacina oral (de vírus inativado) contra
badoras ou aquecedores, de uma extremidade a poliomielite não deve ser administrada no hospital.
outra em cada direção) e de pessoal (relação A vacina de vírus inativado contra pólio pode ser ad-
enfermeira:paciente 1:1 a 1:2 na terapia intensiva, ministrada IM no berçário e faz parte de um esquema
1:3 a 1:4 na terapia semi-intensiva). Técnicas apro- ideal de imunização de rotina na infância. A profila-
priadas incluindo a colocação e cuidado com os xia de hepatite B neonatal é discutida adiante em IN-
dispositivos invasivos; limpeza e desinfecção me- FECÇÃO NEONATAL PELO VÍRUS DA HEPATITE B.
ticulosa ou esterilização do equipamento após o uso
entre lactentes. São essenciais a vigilância ativa para
infecções (não colonização) e monitoração da me- CONJUNTIVITE NEONATAL
todologia do procedimento.
Outras medidas preventivas incluem o uso de (Conjuntivite dos Neonatos; Oftalmia Neonatorum)
aventais e luvas. Incubadoras com pressão positiva É a secreção ocular purulenta em recém-nascidos.
oferecem isolamento protetor limitado; os exterio-
res e interiores das unidades rapidamente ficam Etiologia e epidemiologia
muito contaminadas e a equipe tem probabilidade As causas principais são, em ordem decrescente
de contaminar suas mãos e antebraços. O estabele- de freqüência, lesões químicas, infecções por bac-

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2155

térias (inclusive clamídias) e por vírus. A con- Diagnóstico


juntivite química é geralmente secundária à ins- O método mais sensível para o diagnóstico de
tilação de nitrato de prata para a profilaxia ocular. oftalmia por clamídia é o isolamento de C. tra-
A oftalmia por clamídia é provocada por Chlamydia
trachomatis adquirida durante o parto. Ocorre em chomatis na cultura de tecidos. Pode-se obter cul-
2 a 4% de nascidos vivos e pode ser responsável tura de conjuntiva através do pincelamento da pál-
por 30 a 50% de todos os casos de conjuntivite em pebra inferior evertida com um “swab” de algodão
lactentes < 4 semanas de idade. A prevalência de ou Dacron. Os testes de anticorpos monoclonais
infecção materna por clamídia varia entre 2 a 20%. diretos, que detectam clamídias em esfregaços de
Aproximadamente 30 a 40% dos lactentes nasci- exsudato purulento e ensaio imunoabsorvente li-
dos de mulheres afetadas desenvolverão conjun- gado à enzima (ELISA) parecem ser muito sensí-
tivite e 10 a 20%, pneumonia. Outras bactérias, in- veis e específicos para a detecção de clamídias em
cluindo Streptococcus pneumoniae e Haemophilus culturas de tecidos.
influenzae são responsáveis por outros 15% de to- A oftalmia gonorréica precisa ser descartada.
dos os casos de conjuntivite neonatal. A freqüên- O primeiro procedimento diagnóstico deve ser a
cia de oftalmia dos neonatos, nos EUA, devido à cultura e coloração de Gram de uma amostra da
Neisseria gonorrhoeae é de 2 a 3/10.000 nascidos conjuntiva. As culturas devem ser colocadas num
vivos. O isolamento de outra bactéria, exceto H. meio apropriado (por exemplo Thayer-Martin) para
influenzae e N. gonorrhoeae, incluindo S. aureus, o isolamento de N. gonorrhoeae. O exame micros-
em geral pode representar colonização e não infec- cópico pode sugerir infecção gonocócica mostran-
ção. O principal agente viral que causa conjuntivi- do diplococos Gram-negativos no formato de grãos
te neonatal é o vírus do herpes simples (HSV), Ti- de café. O exame por coloração de Gram também
pos 1 e 2 (ceratoconjuntivite herpética). ajuda a sugerir outras bactérias patogênicas. Na
infecção por clamídia, um esfregaço da conjuntiva
Sintomas e sinais deve mostrar uma reação predominantemente mo-
As diferentes causas de conjuntivite neonatal nonuclear sem microrganismos.
são difíceis de serem diferenciadas somente so- O diagnóstico de ceratoconjuntivite herpé-
bre bases clínicas porque sua apresentação e iní- tica pode ser confirmado com o isolamento do
cio se sobrepõem. vírus, pela detecção de antígenos HSV-1 ou HSV-
A conjuntivite química secundária ao nitrato 2, pela imunofluorescência em fragmentos de
de prata, geralmente, aparece em 6 a 8h após insti- conjuntiva, ou pela identificação de partículas de
lação e desaparece espontaneamente dentro de 24 HSV através de avaliação por microscopia ele-
a 48h. trônica. O diagnóstico específico é crucial, por-
A conjuntivite clamidial geralmente ocorre 5 a que a doença pode disseminar-se para o SNC ou
14 dias após o nascimento. Pode variar de uma con- outros órgãos.
juntivite leve, com secreção mucopurulenta míni-
ma, até edema intenso de pálpebras, com drena- Profilaxia
gem abundante e formação de pseudomembrana. O “Centers for Disease Control and Prevention”
Ao contrário do que ocorre com crianças mais ve- recomenda o uso rotineiro de nitrato de prata a 1% ,
lhas e adultos, não há presença de folículos na con- pomadas ou colírios oftálmicos de tetraciclina ou eri-
juntiva de neonatos com esta infecção.
A oftalmia gonorréica produz uma conjuntivite tromicina aplicados nos dois olhos após o parto, para
purulenta aguda, que aparece 2 a 5 dias após o nas- a prevenção de conjuntivite gonocócica neonatal. No
cimento, ou mais cedo, em caso de ruptura de mem- entanto, nenhum desses agentes previne a conjunti-
branas. O lactente apresenta edema intenso de pál- vite por clamídia. Uma vez que lactentes nascidos de
pebras, seguido por quemose e exsudado purulento mães com gonorréia não tratada correm altos riscos
profuso, que pode estar sob pressão. Se o tratamen- de infecções em outras regiões, os lactentes expostos
to for adiado, podem ocorrer ulcerações da córnea. devem ser tratados profilaticamente com uma única
A conjuntivite provocada por outras bacté- injeção IM ou IV de ceftriaxona, 50mg/kg até 125mg.
rias apresenta um início extremamente variável de A penicilina não é mais a droga de escolha no trata-
4 dias a 3 semanas. mento das infecções gonocócicas, porque são encon-
Pode ocorrer ceratoconjuntivite herpética tradas em várias localidades, taxas elevadas de cepas
como uma infecção isolada ou em associação com de N. gonorrhoeae produtoras de penicilinase.
infecção disseminada do SNC. A conjuntivite her-
pética pode ser confundida com a conjuntivite quí- Tratamento
mica ou bacteriana, mas a presença de ceratite Uma vez que pelo menos metade dos bebês com
dendrítica é patognomônica. oftalmia por clamídia também apresentam infec-

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2156 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

ção nasofaríngea e alguns desenvolvem pneumo- quadas de higiene, ou em famílias pobres ou em


nia por clamídia, prefere-se a terapia sistêmica à locais com aglomeração, a diarréia pode ser encon-
terapia tópica. Recomenda-se o etilsuccinato de trada com maior freqüência.
eritromicina 50mg/kg ao dia, VO, em doses fra- Podem ocorrer surtos hospitalares, especialmen-
cionadas a cada 6 ou 8h por um período de 2 te em berçários superlotados. A transmissão é qua-
semanas. se exclusivamente fecal-oral. Os recém-nascidos
Para a oftalmia gonocócica, o lactente deve ser são infectados principalmente por patógenos inge-
hospitalizado e receber ceftriaxona 25 a 50mg/kg ridos durante a passagem por um canal de parto
até uma dose máxima de 125mg IM (também se contaminado ou adquiridos das mãos contamina-
usa 100mg/kg). A irrigação freqüente dos olhos com das dos pacientes, pais, irmãos ou equipe do berçá-
solução salina evitará a aderência das secreções. rio. Outras fontes menos comuns são fomitos e
Preparações tópicas antimicrobianas, administra- leite contaminado.
das isoladamente, não são suficientes nem neces- Os casos mais comumente descritos incluem
sárias, se estiver sendo usada terapia antibiótica sis- certas bactérias (por exemplo Escherichia coli,
têmica apropriada. Salmonella sp., Campylobacter jejuni) e vírus,
A conjuntivite por outras bactérias geralmen- especialmente rotavírus (embora rotavírus sejam
te responde a pomadas tópicas que contenham freqüentemente encontrados também em recém-
polimixina mais bacitracina, eritromicina ou te- nascidos assintomáticos. Outros agentes descri-
traciclina. tos mais raramente são bactérias como Shigella
A ceratoconjuntivite herpética deve ser trata- sp., Yersinia enterocolitica, Aeromonas hydrophi-
da (em associação com um oftalmologista) com la) e vírus como adenovírus entérico, enterovírus
aciclovir sistêmico (30mg/kg ao dia fracionadas em e coronavírus. O papel dos vírus tipo Norwalk e
3 aplicações durante 14 a 21 dias; os prematuros dos astrovírus e calicivírus na diarréia neonatal
recebem 20mg/kg ao dia fracionadas em 2 doses) e ainda não está estabelecido. Embora Clostridium
colírio ou pomada oftálmica de trifluridina tópica difficile e sua toxina sejam isoladas freqüente-
ou pomada de vidarabina a 3% a cada 2 a 3h en- mente de lactentes nas primeiras semanas de vida,
quanto a criança estiver acordada e em combina- o microrganismo raramente está associado à diar-
ção com idoxuridina pomada ao deitar. A terapia réia após o uso de antibióticos (enterocolite
sistêmica é importante no recém-nascido, porque a pseudomembranosa) no recém-nascido (ver tam-
doença pode se disseminar para o SNC ou qual- bém Diarréia induzida por Clostridium difficile
quer outro órgão. no Cap. 157). Parasitas (por exemplo, Giardia
Uma vez que pomadas contendo corticóides lamblia, Entamoeba histolytica) raramente pro-
podem exacerbar seriamente infecções oculares vocam diarréia em neonatos.
por C. trachomatis ou HSV, devem ser evitadas
em neonatos. Sintomas e sinais
As infecções GI manifestam-se clinicamente por
diarréia, com freqüência acompanhada de vômitos
DIARRÉIA INFECCIOSA e podem causar uma doença grave e rapidamente
AGUDA NEONATAL progressiva nos recém-nascidos.
O aspecto macroscópico das fezes sugere os mi-
É uma síndrome, geralmente provocada por bac- crorganismos causais (no entanto, fezes normais dos
térias ou vírus, caracterizada pela eliminação recém-nascidos em aleitamento materno são seme-
de fezes não formadas, com freqüência aumen- lhantes àquelas que ocorrem na diarréia). Fezes san-
tada e geralmente associada a vômitos. guinolentas e com muco sugerem colite, geralmente
(Ver também Cap. 28 e GASTROENTERITE INFEC- provocada por E. coli enteroinvasiva (ECEI), Sal-
CIOSA AGUDA no Cap. 265.) monella sp., Shigella sp. ou C. jejuni. Em contraste,
fezes aquosas e volumosas que continuam mesmo
Etiologia e epidemiologia quando a criança está em jejum sugerem diarréia
Diarréia e vômitos neonatais apresentam muitas secretória, provocada por bactérias enterotoxigênicas
causas não infecciosas (por exemplo, anatômicas, (por exemplo, E. coli enterotoxigênica – ECET) ou
metabólicas e enzimáticas, inflamatórias), mas a in- por vírus (por exemplo, rotavírus).
fecção é a causa neonatal mais comum.
Os recém-nascidos geralmente merecem melho- Complicações
res cuidados higiênicos do que outros lactentes e A desidratação pode ser leve (≤ 5%), manifes-
crianças. O aleitamento materno também é prote- tando-se apenas por mucosas orais secas. A desi-
tor. Entretanto, onde prevalecem as práticas inade- dratação moderada (7 a 10% dos casos) pode se

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2157

manifestar por fontanelas e olhos fundos e dimi- Causas primárias e secundárias de diarréia pro-
nuição do turgor da pele. A desidratação grave (>10% longada não infecciosa (por exemplo, fibrose císti-
dos casos) habitualmente é acompanhada por cho- ca, enteropatia alérgica, intolerância a proteínas)
que hipovolêmico. Habitualmente, a oligúria não precisam ser pesquisadas ao mesmo tempo que se
aparece até uma fase tardia da desidratação, pois os restaura a alimentação.
mecanismos de concentração renal são imaturos no Outros testes incluem imunoensaios (por exem-
recém-nascido (ver também Cap. 259). plo, ELISA aglutinação do látex) podem fornecer
Desequilíbrios eletrolíticos e acidose meta- vários diagnósticos (por exemplo, rotavírus, outros
bólica podem causar alterações no comportamen- antígenos virais e enterotoxinas). A sorotipagem da
to do recém-nascido (letargia ou irritabilidade) E. coli pode auxiliar na caracterização da ECET, ECEI
ou outras complicações mais raras (por exem- e E. coli enteropatogênica (ECEP), E. coli êntero-
plo, arritmias, hemorragia intracraniana e trom- hemorrágica (ECEH) e citotoxicidade em cultura de
bose de veias renais). células para toxina de C. difficile. Os testes em ca-
Bacteremia secundária a gastroenterite provoca- mundongos recém-nascidos, hibridização com son-
da por patógenos entéricos (por exemplo, Salmo- das genéticas microscopia eletrônica, entre outros,
nella sp., Shigella sp., Campylobacter) ou por ha- auxiliam a caracterizar vários enteropatógenos e
bitantes entéricos normais podem ocorrer e provo- enterotoxinas, mas não são amplamente disponíveis.
car sepse ou infecções focais. Sintomas de sepse A protossigmoidoscopia pode auxiliar no diagnósti-
são freqüentemente sutis e inespecíficos (ver SEPSE co da enterocolite pseudomembranosa.
NEONATAL, adiante).
Enterocolite necrosante (ver adiante) também Prevenção e tratamento
pode ocorrer como complicação de gastroenterite A etapa primordial e mais urgente é a terapia
bacteriana ou viral. hidroeletrolítica. Os recém-nascidos que estão
toxemiados ou apresentam diarréia profusa e vô-
Diagnóstico mitos persistentes, recusam-se a ingerir líquidos,
Para exame microscópico a fresco de amostras têm pais ou responsáveis pouco confiáveis ou ou-
de fezes mistura-se o muco das fezes com soro fi- tras doenças concomitantes, devem ser hospitali-
siológico e azul de metileno. Os leucócitos fecais zados e freqüentemente necessitam de hidratação
são produzidos em resposta às bactérias que inva- parenteral. A reposição líquida de emergência, em
dem a mucosa do cólon (por exemplo Shigella, alguns casos, pode ser administrada pela medula
Salmonella, ECEI, Campylobacter ou Y. entero- óssea ou peritônio, quando for impossível um aces-
colitica); também podem ser vistos os cistos e os so IV periférico ou central. Em crianças sem estes
trofozoítas de G. lamblia. problemas, a reidratação rápida para repor perdas
As coproculturas devem ser coletadas do pa- contínuas é administrada em hospital ou em casa
ciente, equipe médica e outros comunicantes, in- durante os primeiros um ou dois dias com uma so-
cluindo os pais. Culturas especiais são úteis para lução para reidratação oral (SRO) ou glicoele-
isolar Y. enterocolitica, Vibrio cholerae, C. difficile, trolítica. As SRO disponíveis comercialmente são
Aeromonas e outros. preferíveis àquelas preparadas em casa.
Devem ser obtidas culturas de LCR, sangue e A solução para reidratação oral da Organização
urina de neonatos em estado grave para avaliar a Mundial da Saúde (OMS-SRO) contém 90mEq/L
presença de infecções sistêmicas. de sódio, 20mEq/L de potássio e uma concentra-
O pH fecal e as substâncias redutoras devem ção de glicose a 2% (ver em GASTROENTERITE IN-
ser testados nas fezes aquosas recém-elimina- FECCIOSA AGUDA no Cap. 265). Outras SRO dis-
das; o pH < 6 e a presença de substâncias redu- poníveis comercialmente (por exemplo, Pedialyte,
toras podem ser úteis para diagnosticar malab- Ricelyte, Infalyte e outros), em geral, contêm me-
sorção em decorrência de lesões da mucosa e, nos sódio do que a SRO-OMS, mas quantidades
muito raramente, uma deficiência primária de equivalentes de potássio e carboidratos e, em con-
lactase. Entretanto, algumas condições como o seqüência, têm menor osmolaridade. Estas soluções
aleitamento materno e a antibioticoterapia po- podem ser preferíveis para o recém-nascido, em
dem levar à diminuição do pH ou à presença de particular durante as primeiras 2 semanas de vida.
substâncias redutoras nas fezes. O aleitamento materno pode ser mantido durante
O número de leucócitos e o diferencial podem administração de SRO. Quando houver uma desi-
sugerir um processo invasivo, mas não diferen- dratação moderada a grave ou nos recém-nascidos
ciam os patógenos entéricos. Eletrólitos séricos, com eletrólitos séricos anormais no início do trata-
uréia e creatinina são importantes para terapia mento (especialmente na desidratação hiperna-
hidroeletrolítica. trêmica), o pH sérico, os eletrólitos e o nitrogênio

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2158 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

da uréia sangüínea (BUN) devem ser monitorados seja conhecido o antibiograma (para doses, ver TA-
a cada 12 a 24h durante a reidratação. BELA 260.6). O cloranfenicol deve ser evitado no
O restabelecimento precoce da alimentação é recém-nascido. As cefalosporinas de terceira ge-
importante para se evitar a desnutrição aguda. O ração são eficazes no tratamento das infecções sis-
recém-nascido que não recebe leite materno deve têmicas causadas por Salmonella. O tratamento da
ser alimentado com uma fórmula sem lactose. Se gastroenterite deve ser mantido por 3 a 5 dias; para
ocorrer diarréia persistente (com duração > 2 se- infecções sistêmicas, 10 a 14 dias. Muitos recém-
manas), dietas naturais ou hidrolisados proteicos, nascidos se tornam portadores assintomáticos após
algumas vezes com a adição de alimentação IV, fre- o tratamento. Entretanto, devem ser empregadas
qüentemente são necessários. precauções entéricas (ver anteriormente) durante a
Os antibióticos habitualmente não são necessá- internação.
rios no tratamento da gastroenterite bacteriana agu- A gastroenterite por Campylobacter habitual-
da, pois a doença é autolimitada. Entretanto, no mente responde ao estolato de eritromicina VO, 30
recém-nascido, um objetivo importante é prevenir a 40mg/kg ao dia, divididas em 3 doses diárias,
a disseminação sistêmica dos patógenos entéricos durante 5 dias, mas somente se for administrada
e a invasão secundária dos habitantes da flora no início da doença. Quando houver suspeita de
entérica normal. A sensibilidade dos patógenos bacteremia, recomenda-se a adição de gentamici-
entéricos às drogas varia entre as diferentes regiões na por via parenteral, 5 a 7,5mg/kg ao dia. Não há
geográficas e, mesmo durante períodos diferentes, dados disponíveis sobre a eficácia da antibio-
na mesma região. ticoterapia em outras diarréias causadas por bacté-
Agentes antiperistálticos ou antidiarréicos são rias invasivas (por exemplo, Yersinia ou ECEI) no
contra-indicados em gastroenterite neonatal. O com- recém-nascido. Entretanto, habitualmente estes
prometimento da motilidade intestinal não apenas microrganismos são sensíveis aos aminoglicosídeos
potencializa colonização persistente do hospedei- e às cefalosporinas de terceira geração, e os recém-
ro com patógenos entéricos, mas também permite nascidos afetados devem receber antibióticos por
seqüestro significativo de líquido no intestino, mas- via parenteral.
carando a gravidade da desidratação reduzindo o Na diarréia bacteriana não invasiva, como
número de evacuações e impedindo a monitoração aquela causada pela ECEP ou ECET, pode-se ad-
precisa do peso. ministrar sulfato de colistina oral, 10 a 15mg/kg ao
Precauções entéricas devem ser seguidas cuida- dia divididas em 3 doses diárias, ou a gentamicina
dosamente, particularmente lavar as mãos e esta- oral, 5 a 7,5mg/kg ao dia divididas em 3 doses
belecimento de grupos de comunicantes. Essas pre- (5mg/kg ao dia fracionadas em 2 doses para lac-
cauções devem ser seguidas até mesmo por casos tentes < 7 dias) podem ser administradas durante
com culturas negativas, porque uma minoria de surtos. O tratamento é mantido até que as copro-
patógenos é identificada por procedimentos labo- culturas fiquem negativas para ECEP ou ECET (ge-
ratoriais de rotina. Um surto em berçário requer ralmente 3 a 5 dias). No entanto, os benefícios de-
uma investigação epidemiológica. vem ser ponderados em relação à potencial toxici-
As infecções por Shigella no recém-nascido de- dade provocada pela absorção para a corrente san-
vem ser tratadas com ampicilina por via parenteral, güínea quando essas drogas são usadas em lacten-
50 a 100mg/kg ao dia, durante 5 a 7 dias. Se for iso- tes com diarréia inflamatória ou sanguinolenta.
lada ou houver suspeita de uma cepa resistente à
ampicilina e for necessário tratar antes da disponibi-
lidade do antibiograma, deve-se administrar uma SEPSE NEONATAL
cefalosporina de terceira geração (por exemplo cefo- (Sepse dos Neonatos)
taxima). Em recém-nascidos muito graves com sus-
peita de sepse, estão indicadas cefalosporinas É uma infecção bacteriana invasiva que ocorre nas
parenterais de terceira geração. Durante os primeiros primeiras 4 semanas de vida.
dias de vida, as sulfas podem estar contra-indicadas A sepse neonatal ocorre em 0,5 a 8,0/1.000 nas-
porque podem provocar icterícia. cidos vivos; as proporções mais altas ocorrem em
Habitualmente, os antibióticos não são úteis no recém-nascidos de baixo peso ao nascimento, na-
tratamento da gastroenterite por Salmonella. En- queles com depressão da função respiratória ao
tretanto, como a Salmonella tende a causar bac- nascimento e naqueles com fatores de risco
teremia, devido a suas propriedades invasivas, to- perinatais maternos. O risco é maior para recém-
dos os recém-nascidos com gastroenterite por Sal- nascidos masculinos (2:1) e em neonatos com mal-
monella devem receber terapia antimicrobiana. formações congênitas, particularmente aquelas do
Cefotaxima administrada IV pode ser usada até que trato genitourinário.

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2159

O recém-nascido pode estar predisposto à sepse Enterobacter cloacae, S. aureus). O isolamento de


neonatal por complicações obstétricas, por exem- E. cloacae ou E. sakazakii a partir do sangue ou
plo na ruptura prematura das membranas (RPM) LCR devem sugerir alimento contaminado. Deve-
12 a ≥ 24h antes do nascimento, hemorragia ma- se suspeitar de equipamento respiratório contami-
terna (placenta prévia, descolamento prematuro da nado em surtos de pneumonia ou sepse hospitala-
placenta), toxemia, parto prematuro, infecção ma- res por P. aeruginosa.
terna (particularmente no trato urinário ou no en- É desconhecida a participação de anaeróbios
dométrio que se manifestam mais comumente por (particularmente Bacteroides fragilis, que necessi-
febre materna pouco antes ou durante o parto). tam de culturas especiais para identificação) na
sepse neonatal, embora se tenha atribuído mortes
Etiologia de recém-nascidos a bacteremia por Bacteroides.
Os estreptococos do Grupo B (EGB) e os Gram- Os anaeróbios devem justificar alguns casos de
negativos entéricos são as causas mais comuns de culturas negativas, nos quais os achados de necrop-
infecções neonatais nos primeiros dias de vida, sen- sia indicam sepse.
do responsáveis por 70% dos casos de sepse de iní- Candida sp. tornou-se cada vez mais importan-
cio precoce. Culturas vaginais ou retais de mulhe- te como agente causador de sepse de início tardio,
res no fim da gravidez podem mostrar porcenta- ocorrendo em 3 a 4% dos neonatos com peso mui-
gens de colonização por EGB de até 30%. Pelo to baixo ao nascimento (até 10% ou mais em al-
menos 50% de seus recém-nascidos também fica- guns berçários de alto risco).
rão colonizados. A densidade da colonização da E em outras áreas do mundo podem predominar
criança é um risco para doença invasiva (o risco é diferentes patógenos (L. monocytogenes na Espanha
40 vezes maior com colonização intensa). Embora e Salmonella sp. na América Latina).
apenas 1/100 dos colonizados desenvolvam doen-
ça invasiva por EGB, > 50% desses lactentes apre- Patogênese
sentarão doença nas primeiras 6 horas de vida. O fator de risco mais importante para sepse de
Sepse por Haemophilus influenzae não tipável tem origem hospitalar é o uso prolongado de cateteres
sido cada vez mais identificada em prematuros. intravasculares plásticos. Outros incluem doenças
Outros bacilos entéricos Gram-negativos (por associadas (o que pode ser apenas um marcador
exemplo, Klebsiella sp.) e outros microrganismos para uso de procedimentos invasivos), exposição a
Gram-positivos – Listeria monocytogenes, estrep- antibióticos (que “selecionam” cepas bacterianas
tococos do Grupo D (enterococos, por exemplo En- resistentes), internação prolongada, equipamento de
terococcus faecalis e E. faecium e não enteroco- suporte laboratorial contaminado e soluções IV ou
cos, por exemplo S. bovis e S. mitis) e os estreptoco- parenterais. Microrganismos Gram-positivos (por
cos α-hemolíticos de origem respiratória – respon- exemplo, S. epidermidis e S. aureus) podem ser
dem pela maioria das outras infecções bacterianas introduzidos a partir do ambiente ou da pele do
invasivas que levam à sepse. S. pneumoniae, H. paciente. Bactérias entéricas Gram-negativas são
influenzae do Tipo b e, com menor freqüência, quase sempre derivadas da flora endógena do pa-
Neisseria meningitidis têm sido isoladas. ciente, que pode ter sido alterada por antibiotico-
Deve-se considerar N. gonorrhoeae na avalia- terapia prévia ou substituída por microrganismos
ção de um recém-nascido séptico, uma vez que resistentes transferidos das mãos da equipe (a prin-
ocorre gonorréia assintomática em 5 a 10% das cipal forma de disseminação) ou equipamento con-
gestações. taminado. Portanto, situações que aumentam a ex-
E. coli é o microrganismo Gram-negativo en- posição do neonato a essas bactérias (por exemplo,
térico mais comum que provoca sepse neonatal de aglomeração, relação entre enfermagem: neonatos
início precoce. Quarenta por cento dos microrga- > 1:1, lavagem inadequada das mãos) resultam em
nismos da E. coli que provocam sepse e 80% dos porcentagens mais elevadas de infecção hospitalar
que provocam meningite possuem o antígeno no berçário. Fatores de risco para sepse por Candida
capsular K1, um fator de virulência. sp. incluem instalação prolongada (> 10 dias) de
Staphylococcus sp. são responsáveis por 30 a cateter venoso central, hiperalimentação, uso pré-
50% dos casos de início tardio e são mais freqüen- vio de antibióticos, enterocolite necrosante e cirur-
temente associados com cateteres intravasculares gia prévia.
plásticos (por exemplo, cateteres de artéria ou veia O padrão epidemiológico de infecções bac-
umbilical, cateteres de Broviac). Geralmente, in- terianas neonatais no período perinatal sugere que
fecções hospitalares são esporádicas, mas ocorrem os patógenos são geralmente adquiridos durante o
epidemias e podem ser devidas a microrganismos trabalho de parto e o parto propriamente dito. Ocor-
multirresistentes (por exemplo, K. pneumoniae, re disseminação hematogênica e transplacentária

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2160 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

de infecção materna na transmissão de agentes vi- peso ao nascimento, relacionadas a opsoninas


rais (por exemplo, rubéola, citomegalovírus), pro- termoestáveis (anticorpos tipo-específicos) e
tozoários (por exemplo, Toxoplasma gondii) e termolábeis (complemento), que produzem um de-
treponemas (por exemplo Treponema pallidum). feito na eficiência da opsonização. Além disso, leu-
Poucos patógenos bacterianos (por exemplo, L. cócitos polimorfonucleares (PMN) neonatais de-
monocytogenes, Mycobacterium tuberculosis) atin- monstram diminuição de quimiotaxia, opsonização,
gem o feto por via transplacentária, mas a maioria fagocitose, capacidade de deformação e destruição
é adquirida por via ascendente in utero ou quando bacteriana intracelular, bem como respostas
o feto passa pelo canal de parto. oxidativas deprimidas; monócitos neonatais apre-
A intensidade da colonização materna está dire- sentam quimiotaxia e função citotóxica diminuí-
tamente relacionada ao risco de doença invasiva no das (ver também Estado Imunológico do Feto e
recém-nascido. Entretanto, um número significati- Recém Nascido no Cap. 256).
vo de mães com densidade baixa de colonização
dão à luz a recém-nascidos colonizados com gran- Sintomas e sinais
de intensidade e que, conseqüentemente, estão em A sepse neonatal de início precoce fica clinica-
risco. O crescimento do EGB e de E.coli é facilita- mente aparente em 6 h do nascimento em > 50%
do no líquido amniótico contaminado com mecônio dos casos; a grande maioria se apresenta nas pri-
ou verniz, permitindo que um número pequeno de meiras 72h de vida. A sepse neonatal de início tar-
microrganismos no fórnice vaginal prolifere rapi- dio geralmente se apresenta depois de 4 dias de vida
damente quando ocorrer a RPM, e pode contribuir e inclui infecções hospitalares.
para este paradoxo. Os microrganismos podem in- Os sinais iniciais são freqüentemente inespe-
vadir a circulação fetal através da contaminação dos cíficos e sutis. Diminuição de atividade espontâ-
vasos coriônicos superficiais, mas mais comumen- nea, sucção menos vigorosa, apnéia, bradicardia e
te atingem a circulação sangüínea por aspiração instabilidade térmica (hipo ou hipertermia) são par-
fetal ou deglutição de líquido amniótico contami- ticularmente comuns. Outros sintomas e sinais in-
nado e subseqüente bacteremia. A via ascendente cluem angústia respiratória, achados neurológicos
de infecção ajuda a explicar a alta incidência de RPM (por exemplo, convulsões, agitação), icterícia (es-
em infecções neonatais, o significado da inflama- pecialmente nas primeiras 24h de vida sem incom-
ção dos anexos (amnionite é mais comumente asso- patibilidade Rh ou ABO e com concentração maior
ciada à sepse neonatal do que a placentite central), o que o esperado de bilirrubina direta), vômitos, diar-
risco aumentado de infecção para o gêmeo próximo réia e distensão abdominal. Infecção anaeróbica está
ao canal do parto e a bacteriologia da sepse neona- freqüentemente associada a líquido amniótico féti-
tal, que reflete a flora do fórnice vaginal materno. do ao nascimento.
Estabelecem-se focos de infecção nos seios Sinais específicos de um órgão infectado podem
paranasais, ouvido médio, pulmões, ou no trato apontar o sítio primário ou metastático. A maioria
gastrointestinal, que podem se disseminar para as dos neonatos com infecção por EGB de início pre-
meninges, rins, ossos, articulações, peritônio e pele. coce se apresenta com angústia respiratória difícil
A pneumonia é a infecção bacteriana invasiva neo- de diferenciar da doença da membrana hialina. Eri-
natal mais comum. tema, secreção ou sangramento periumbilicais em
Os recém-nascidos (particularmente aqueles que neonato sem diátese hemorrágica sugerem onfalite
apresentam baixo peso ao nascimento) são imuno- (infecção impede a obliteração dos vasos umbili-
logicamente imaturos e não apresentam capacida- cais). Coma, convulsões, opistótono ou fontanela
de para se defender da flora polimicrobiana, à qual abaulada sugerem meningite ou abscesso cerebral.
eles estão expostos durante e após o parto. A ação Redução da movimentação espontânea de uma ex-
dos anticorpos IgG, adquiridos passivamente, na tremidade e edema, calor, eritema ou dor em articu-
proteção do feto, é bem demonstrada pelas infec- lação indicam osteomielite ou artrite piogênica. Dis-
ções por EGB. Virtualmente, todos os neonatos com tensão abdominal inexplicada pode indicar perito-
infecção por EGB apresentam baixos níveis de an- nite ou enterocolite necrosante (particularmente
ticorpos IgG do tipo específico adquiridos por via quando acompanhada por diarréia sanguinolenta e
transplacentária porque suas mães não possuem tais leucócitos fecais). Vesículas cutâneas, úlceras orais
anticorpos. Alguns fatores de “virulência” bacte- e hepatosplenomegalia (particularmente coagulação
riana (por exemplo, polissacarídeos de EGB, soro intravascular disseminada – CID) podem identificar
Tipo III e o antígeno K1 de E. coli) parecem exer- herpes simples disseminado.
cer um papel particularmente na meningite. Talvez A infecção por EGB de início precoce pode se
sejam ainda mais importantes certas deficiências apresentar sob a forma fulminante, primariamente
na defesa do hospedeiro neonatal relacionadas ao bacterêmica e pulmonar, que pode ser causada pe-

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2161

los sorotipos Ia, Ib, Ic, II ou III. Há alta incidência Döhle e vacuolizações intracitoplasmáticas em san-
de complicações obstétricas associadas (particular- gue não citratado ou ácido etilenodiaminetetracéti-
mente prematuridade, ruptura prolongada das mem- co) podem sugerir sepse.
branas e corioamnionite). Em > 50% dos recém- Número de plaquetas – O número de plaque-
nascidos, a infecção por EGB começa dentro de 6h tas pode cair horas ou dias antes do início das ma-
após o nascimento; 45% apresenta um escore Apgar nifestações clínicas da sepse mas, com maior fre-
de < 5. A meningite está quase sempre ausente. A qüência, permanece elevado até mais ou menos um
forma tardia ocorre em 1 a 12 semanas (às vezes dia após o aparecimento da doença no recém-nas-
mais tarde) e é causada quase que exclusivamente cido. Algumas vezes, a queda das plaquetas acom-
pelo sorotipo III. Ela comumente está associada à panha-se por outros achados laboratoriais de CID
meningite. Esta forma nem sempre está associada (por exemplo, aumento dos produtos de degrada-
a fatores de risco perinatais e à colonização cervi- ção da fibrina, diminuição do fibrinogênio e tempo
cal materna demonstrável, mesmo quando a mãe de protrombina prolongado).
estiver colonizada, pode não ser pelo mesmo Exame de esfregaço sangüíneo com sobre-
sorotipo que acometeu o recém-nascido. Deste nadante amarelo – Devido ao grande número
modo, a aquisição pós-natal do microrganismo pode de bactérias circulantes na sepse neonatal, fre-
ser responsável por muitos destes casos. qüentemente, os microrganismos podem ser vis-
A infecção de início precoce por L. monocyto- tos dentro ou próximos aos neutrófilos, quando
genes também pode se apresentar com insuficiên- se utiliza a coloração de Gram, azul de metileno
cia respiratória e choque, com evolução fulminan- ou acridina laranja no esfregaço sangüíneo com
te nos primeiros dias de vida e primariamente en- sobrenadante amarelo.
volvendo pulmões, mas pode ser disseminada, com Punção lombar – Existe o risco de aumentar a
a formação de granulomas no fígado (granulo- hipoxia durante uma punção lombar em um neonato
matose infantisséptica). A forma tardia, como no já hipoxêmico. Portanto, a punção lombar de roti-
casos de infecção pelo EGB, freqüentemente está na em neonatos com suspeita muito remota de sepse
associada à meningite. deve ser desencorajada. No entanto, deve ser reali-
Além disso, determinadas infecções virais (por zada em todo recém-nascido com suspeita de sepse,
exemplo, herpes simples disseminado, enterovírus, assim que este esteja suficientemente estável para
adenovírus e vírus sincicial respiratório) podem tolerar o procedimento (ver MENINGITE NEONATAL,
manifestar-se como sepse de início precoce ou tar- adiante). Como a pneumonia causada por EGB, que
dio, com sinais e sintomas indistinguíveis daque- se manifesta no primeiro dia de vida, pode ser con-
les produzidos pela sepse de etiologia bacteriana. fundida com a doença de membranas hialinas, a
punção lombar freqüentemente é realizada com
Diagnóstico rotina, em recém-nascidos com suspeita de estar
O diagnóstico precoce é importante e requer apresentando estas doenças.
conhecimento dos fatores de riscos (particularmente Hemocultura – Os vasos umbilicais freqüen-
em recém-nascidos de baixo peso ao nascimento) temente estão contaminados por microrganismos
e um alto índice de suspeita quando qualquer re- do coto umbilical especialmente após algumas ho-
cém-nascido se desvia do padrão normal nas pri- ras, de modo que utilizar acessos umbilicais para
meiras semanas de vida. Observações dos pais ou obtenção de sangue para cultura pode não produzir
de enfermeiras de que o recém-nascido “não está culturas confiáveis. Portanto, o sangue para as cul-
passando bem”, ou qualquer sinal de sepse, reque- turas deve ser obtido por meio de venopunção, de
rem pronta investigação. Os seguintes testes labo- preferência em 2 locais periféricos, cada um deles
ratoriais podem mais provavelmente oferecer in- preparado meticulosamente com a aplicação de um
formações diagnósticas úteis. derivado do iodo, depois álcool a 95% e finalmen-
Esfregaço, contagem diferencial e contagem te deixado para secar. O sangue deve ser cultivado
de leucócitos – A contagem de leucócitos normal para a pesquisa de microrganismos aeróbios e anae-
nos recém-nascidos varia, mas valores < 4.000 ou róbios (Bacteroides fragilis requer condições es-
> 25.000µL são anormais. O número absoluto de peciais de cultura para identificação). Se houver
bastonetes não é sensível o suficiente para ser um suspeita de sepse associada ao cateter, deve-se ob-
índice preditivo útil na sepse neonatal. A relação ter uma cultura através do cateter, bem como de
entre os neutrófilos imaturos/total de PMN < 0,2 sangue periférico. Em > 90% das hemoculturas
prediz com acurácia a ausência de sepse bacteria- bacterianas positivas, o crescimento é visto dentro
na. Uma queda súbita no número absoluto de eosi- de 48h após a incubação; 50% das hemoculturas
nófilos, bem como as alterações morfológicas nos positivas contêm > 50 unidades formadoras de co-
neutrófilos (granulações tóxicas, corpúsculos de lônias (UFC)/mL, mas somente aquelas com

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2162 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

> 1.000 UFC/mL indicam um risco para o desen- Painéis de triagem – Vários pesquisadores re-
volvimento de meningite. Uma pequena quantida- comendam o uso de uma associação de alguns dos
de de sangue (por exemplo, 1mL) habitualmente é testes anteriores para identificar o recém-nascido
suficiente para detectar os microrganismos, devido com sepse e, conseqüentemente, determinar a ne-
ao número elevado de bactérias presentes. Os da- cessidade de tratamento. Em geral, a relação entre
dos sobre a hemocultura capilar são insuficientes os PMN imaturos/totais (> 0,2 sendo anormal) junto
para que se indique o seu uso. com as culturas de sangue, LCR e urina é um indi-
Candida sp. cresce em hemoculturas e em placas cador tão útil quanto as outras múltiplas combina-
de ágar-sangue; no entanto, se houver suspeita de ções; os resultados negativos identificam com
outros fungos, um meio especial de cultura deve ser acurácia 97% dos recém-nascidos não infectados.
utilizado. As hemoculturas para fungos levam cerca Exame de neonatos nascidos de mães em uso
de 4 a 5 dias de incubação para ficar positivas e po- de profilaxia intra-parto (ver Profilaxia) – A ava-
dem ser negativas mesmo na presença de doença liação requer uma exames diagnósticos completos,
disseminada. Antes dos resultados das culturas, pode inclusive hemograma com diferencial, hemocultura,
ser útil uma prova de colonização (na boca ou fezes, radiografia de tórax (se houver sinais respiratórios)
ou na pele). Se houver suspeita de candidíase disse- e punção lombar (a critério do médico) com intro-
minada, deve ser realizada uma oftalmoscopia indi- dução de terapia empírica se houver evidência ou
reta com dilatação de pupilas para verificar lesões suspeita de infecção. Uma avaliação limitada (he-
de retina compatíveis com candidíase disseminada. mograma e hemocultura com observação de pelo
A ultra-sonografia renal deve ser realizada para pes- menos 48h) é recomendada pela “American
quisa de micetoma renal. Academy of Pediatrics” se o neonato não apresen-
Exame de urina e urocultura – Deve-se obter tar nenhum sinal de sepse, mas tiver < 35 semanas
a urina por aspiração suprapubiana e não por bol-
sas de coleta de urina. O achado de > 5 leucócitos ou se a mãe receber < 2 doses de antibióticos
por campo de urina eliminada, ou quaisquer mi- intraparto antes do parto.
crorganismos em amostras recentes de urina cora- Prognóstico
da por Gram é uma importante evidência de ITU
que, em recém-nascidos, sugere bacteremia ante- A letalidade de sepse neonatal é 2 a 4 vezes
cedente (sepse neonatal). A ausência de piúria não maior em neonatos de baixo peso ao nascimento
descarta ITU. do que nos neonatos a termo. A letalidade geral
Contra-imunoeletroforese e teste de agluti- da sepse de início precoce é de 15 a 50% (a da
nação do látex – Estes testes detectam antígenos infecção EGB de início precoce é de 50 a 85%) e
nos fluidos corpóreos (por exemplo LCR, urina a da sepse de início tardio é de 10 a 20% (a de
concentrada). EGB de início tardio é de aproximadamente 20%).
Podem oferecer informações adicionais para a Recém-nascidos sépticos e granulocitopênicos têm
detecção de antígeno polissacarídico capsular de menos probabilidade de sobreviver, particularmente
EGB, E. coli K1 (N. meningitidis Tipo B), S. se o “pool” de armazenamento de neutrófilos na me-
pneumoniae e H. influenzae do Tipo B . dula óssea estiver depletado a < 7% do total de célu-
Reagentes de fase aguda – Estas proteínas são las nucleadas (taxa de mortalidade de 90%). Como
produzidas pelo fígado, sob influência da inter- os níveis de NSP podem não estar prontamente dis-
leucina-1, quando ocorrer inflamação de qualquer poníveis, a relação entre neutrófilos imaturos:totais
etiologia. A mais valiosa dentre elas é a dosagem (I:T) no sangue periférico pode ser usada para apro-
quantitativa da proteína C-reativa. Uma concen- ximar os níveis de NSP na medula. Relações I:T > 0,80
tração de 1mg/dL (dosada por nefelometria) apre- se correlacionam com depleção de NSP e óbito. Por-
senta taxas de falsos-positivos e falsos-negativos tanto, esta razão pode ajudar a identificar pacientes
ao redor de 10%. A elevação dos níveis ocorre que podem se beneficiar de transfusão de granulóci-
dentro de um dia, o pico em 2 a 3 dias e a queda tos (ver Tratamento, adiante).
ao normal em 5 a 10 dias em recém-nascidos que
melhoram clinicamente. Profilaxia
Outros testes de inflamação – A micro VHS Como a doença invasiva por EGB freqüen-
correlaciona-se bem com o método padrão de temente se apresenta nas primeiras 6h de vida, qual-
Wintrobe, mas apresenta uma taxa mais elevada de quer estratégia para combatê-la precisa considerar
falsos-negativos (em particular no início da doen- seu início muito precoce. A terapia antimicrobiana
ça e com CID) e um retorno mais lento à normali- administrada no período pré-natal não erradica a
dade, bem após a época da cura clínica. A interleu- colonização materna nem reduz a incidência de
cina-6 e outras citocinas inflamatórias estão sendo colonização neonatal ou doença invasiva. Os resul-
investigadas como marcadores de sepse. tados de culturas pós-natais de neonatos e o diag-

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2163

nóstico rápido podem estar disponíveis tarde de- Os antibióticos devem ser usados criterio-
mais para que o tratamento seja eficaz. Penicilina samente, porque são prejudiciais à flora do lacten-
intraparto mostrou reduzir a incidência de doença te e para o berçário. Dependendo do laboratório,
por EGB de início precoce quando administrada a métodos de cultura e rapidez dos resultados, quase
mães colonizadas com EGB e cujos filhos apre- todas as culturas para bactérias ficam prontas em
sentam fatores de risco para doença por EGB. 72h. Se culturas negativas de fluidos orgânicos fo-
Portanto, duas estratégias preventivas foram de- rem compatíveis com a evolução clínica, os anti-
senvolvidas: uma se baseia unicamente em fatores bióticos podem ser interrompidos depois de 72h.
de risco para doença EGB. A outra em culturas pré-
natais de triagem com 35 a 37 semanas de gestação, Os recém-nascidos com sepse de início preco-
bem como em fatores de risco. Em qualquer caso, ce devem receber ampicilina ou penicilina G mais
mulheres que deram à luz anteriormente um neonato um aminoglicosídeo. Em casos resistentes, a cefo-
com doença EGB devem receber antibióticos taxima pode ser usada em vez do aminoglicosídeo.
intraparto e mulheres com bacteriúria sintomática Quando o microrganismo for identificado, o trata-
ou assintomática por EGB durante a gravidez de- mento antibiótico deve ser ajustado de acordo com
vem receber antibióticos por ocasião do diagnóstico as sensibilidades e o local da infecção. Se o líquido
e intraparto (ver FIGS. 260.3 e 260.4). amniótico apresentar mau cheiro na hora do nasci-
mento, deve-se considerar a possibilidade de intro-
Tratamento duzir a terapia por anaeróbios em uma cobertura
Como a sepse neonatal pode se apresentar com antibiótica inicial (por exemplo, clindamicina, me-
sinais clínicos inespecíficos e seus efeitos podem tronidazol).
ser devastadores, recomenda-se avaliação diag- A terapia inicial de pacientes com sepse de iní-
nóstica agressiva e instituição rápida do tratamen- cio tardio deve incluir nafcilina mais um amino-
to. O valor desta prática se reflete em uma razão glicosídeo. Se P. aeruginosa for prevalente no ber-
tratado:comprovado de 15:1 e 8:1 em hospitais de çário, deve-se utilizar a ceftazidima ao invés de um
comunidade e privados, respectivamente. aminoglicosídeo. Os recém-nascidos que tenham

Um ou mais dentre os seguintes itens:


Bebê anterior com doença EGB invasiva? Sim Administrar penicilina intraparto
Bacteriúria por EGB durante esta gravidez?
Parto antes da 37ª semana de gestação?
Não
Positiva para
Coleta com “swabs” vaginal e retal para detecção de EGB
cultura de EGB nas 35ª a 37ª semanas de gestação Oferecer penicilina intraparto

Não realizada, incompleta ou


resultados desconhecidos
Negativa
para EGB Fatores de risco:
Temperatura intraparto ≥ 38°C Administrar penicilina intraparto
(≥ 100,4°F)? Sim (podem ser considerados antibióticos de am-
plo espectro a critério médico com base em in-
Duração da ruptura das membranas dicações clínicas)
≥ 18h?
Não

Sem profilaxia intraparto

FIGURA 260.3 – Estratégia de prevenção para doença por estreptococos do Grupo B (EGB) de início precoce
utilizando cultura de triagem pré-natal na 35ªª a 37ªª semanas de gestação. Adaptado a partir de “Group B streptococcal
infections”, in 1997 Red Book: Report of the Committee on Infectious Diseases, 24ª ed., publicado por G Peter, Elk Grove
Village, IL, American Academy of Pediatrics, 1997, pp. 498–499. EGB = estreptococos do Grupo B.

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2164 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Um ou mais dentre os seguintes itens:


Bebê anterior com doença EGB invasiva?
Administrar penicilina intraparto (podem
Bacteriúria por EGB durante esta gravidez? Sim ser considerados antibióticos de amplo espectro a
critério médico com base em indicações clínicas)
Parto antes da 37ª de gestação?
Duração da ruptura de membranas ≥ 18h?
Temperatura intraparto ≥ 38°C (≥ 100,4°F)?

Não

Sem profilaxia intraparto

FIGURA 260.4 – Estratégia de prevenção para doença por estreptococos do Grupo B (EGB) de início precoce
utilizando fatores de risco sem cultura de triagem pré-natal. Adaptado a partir de “Group B streptococcal
infections”, in 1997 Red Book: Report of the Committee on Infectious Diseases, 24ª ed., publicado por G Peter, Elk
Grove Village, IL, American Academy of Pediatrics, 1997, pp. 498–499. EGB = estreptococos do Grupo B.

sido previamente tratados durante 7 a 14 dias com a perfusão. Entretanto, não há estudos prospecti-
um aminoglicosídeo e necessitem de novo trata- vos e controlados sobre o seu uso.
mento devem receber um aminoglicosídeo diferente A administração de plasma fresco congelado
ou uma cefalosporina de terceira geração. pode ser útil para corrigir a deficiência de opsoninas
Se houver suspeita de infecção por estafilococo termolábeis e termoestáveis, encontrada nos recém-
coagulase-negativo (por exemplo, um cateter colo- nascidos de baixo peso ao nascimento, mas não há
cado há > 72h) ou este microrganismo for isolado estudos controlados sobre o seu uso e os riscos as-
do sangue ou de outro fluido normalmente estéril e sociados à transfusão devem ser considerados.
for considerado um patógeno, recomenda-se uma As imunoglobulinas IV, quando administradas
terapia inicial para sepse tardia com vancomicina ao nascimento podem ser úteis na prevenção da
em lugar de nafcilina, uma vez que 80% dos estafi- sepse neonatal em determinados recém-nascidos de
lococos coagulase-negativos em pacientes interna- baixo peso e alto risco. No entanto, não foi demons-
dos são resistentes às penicilinas semi-sintéticas. trada redução de incidência ou gravidade de infec-
No entanto, se for determinado que o microrganis- ção de início tardio para infecção estabelecida.
mo é sensível a esta classe de antibióticos, a Transfusões de granulócitos podem ser indicadas
vancomicina deve ser interrompida e substituída por em recém-nascidos sépticos e granulocitopênicos (ver
nafcilina. Pode ser necessária a remoção da fonte Prognóstico, anteriormente). Granulócitos são geral-
presumida deste microrganismo (geralmente um mente coletados por leucaferese por centrifugação de
cateter intravascular contaminado) para tratar a in- fluxo intermitente usando hidroxietil amido e são
fecção, pois o estafilococo coagulase-negativo pode obtidos de adultos negativos para anticorpos contra
estar protegido por uma cobertura de muco antígeno superficial da hepatite B, citomegalovírus e
(glicocálice) que aumenta a aderência do microrga- HIV e cujos antígenos das hemácias sejam compatí-
nismo ao cateter plástico. veis com os do recém-nascido receptor. Para evitar
Como a Candida pode levar de 2 a 5 dias para se doença do enxerto versus hospedeiro, cada bolsa de
desenvolver na hemocultura, pode ser necessário granulócitos precisa ser tratada com 15Gy antes da
iniciar a terapia com anfotericina B e remoção do transfusão. Devem ser administradas transfusões de
cateter infectado sem culturas de sangue ou LCR 15mL/kg de uma suspensão contendo 0,2 a 1,0 × 109
positivas para salvar a vida da criança. granulócitos/15mL da suspensão com < 10% de linfó-
As exsangüineotransfusões têm sido utilizadas citos. As infusões são administradas 1 ou 2 vezes ao
nos recém-nascidos gravemente doentes (em parti- dia durante até 5 dias.
cular, aqueles hipotensos e com acidose metabóli- O fator estimulante de colônias de granu-
ca); seus objetivos são aumentar os níveis de imu- lócitos recombinante é usado para aumentar o
noglobulinas circulantes, diminuir as endotoxinas número e a função dos neutrófilos em lactentes com
circulantes, aumentar o nível de Hb (com níveis sepse presumida; o benefício desta terapia ainda
mais elevados de 2,3-difosfoglicerato) e melhorar requer investigação.

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2165

PNEUMONIA NEONATAL Pneumonia de início tardio


Pneumonia de início precoce É a pneumonia ocorrendo geralmente após os 7
É a pneumonia como parte de sepse generalizada dias de vida e mais comumente em UTI neona-
tais, em lactentes que necessitam de intubação
e presente ao nascimento ou algumas horas após endotraqueal por tempo prolongado por causa
o parto. de doença pulmonar crônica.
Etiologia e patogênese Estafilococos coagulase-negativos resistentes à
Os estreptococos do Grupo B são a causa mais oxacilina são a causa mais comum da pneumonia
comum de pneumonia de início precoce mas, oca- de início tardio. Em lactentes com probabilidade
de terem recebido diversos antibióticos de amplo
sionalmente, Listeria monocytogenes, Haemophilus espectro, muitos outros patógenos podem ser en-
influenzae, Escherichia coli, Klebsiella e outros contrados, inclusive estafilococos coagulase-posi-
microrganismos Gram-positivos e Gram-negativos tivos, E. coli, Klebsiella, Pseudomonas, Proteus e
são responsáveis. Serratia, bem como Candida albicans e outros fun-
A pneumonia de início precoce freqüentemente gos (ver SEPSE NEONATAL, anteriormente).
ocorre em associação à amnionite após ruptura
precoce das membranas amnióticas. O feto é en- Sintomas e sinais
volvido por líquido amniótico infectado e os esfor- A pneumonia de início tardio pode começar gra-
ços respiratórios levam à aspiração de microrga- dualmente, com mais secreções sendo aspiradas do
nismos pulmonares, o que causa pneumonia e tubo endotraqueal e maiores ajustes ventilatórios.
sepse. Também se tem associado pneumonia Outros lactentes podem ficar doentes agudamente e
neonatal com baixos escores de Apgar e compli- apresentarem instabilidade térmica e neutropenia. O
cações perinatais, como, por exemplo, trabalho raio X de tórax pode mostrar infiltrados novos, mas
de parto prematuro, descolamento prematuro da estes podem ser de difícil reconhecimento se o lac-
placenta e parto difícil a fórceps. tente apresentar displasia broncopulmonar grave.
Sintomas e sinais Diagnóstico e tratamento
O estado do lactente depende da gravidade da A avaliação inclui hemoculturas e aspirados
sepse e da pneumonia, variando de taquipnéia traqueais. A vancomicina é a droga de escolha, mas
até insuficiência respiratória e choque séptico ao deve ser substituída por um antibiótico menos
nascimento. nefrotóxico depois dos resultados de sensibilida-
de. O tratamento é o mesmo que para SEPSE NEO-
Diagnóstico e tratamento NATAL, anteriormente.
A história do parto (por exemplo, amnionite)
pode sugerir o diagnóstico, mas não se distingue Pneumonia por Chlamydia
clinicamente e radiologicamente de pneumonia
bacteriana de outras causas de insuficiência res- A contaminação perinatal por Chlamydia durante
piratória neonatal, tais como síndrome de angús- o parto pode resultar no desenvolvimento de pneu-
tia respiratória (SAR), taquipnéia transitória do monia por Chlamydia entre 2 a 6 semanas de vida.
recém-nascido (TTRN), aspiração de mecônio Estes lactentes apresentam-se taquipnéicos, mas em
ou hipertensão pulmonar persistente. A radio- bom estado geral e podem apresentar uma conjunti-
grafia da pneumonia neonatal pode mostrar in- vite associada e causada pelo mesmo microrganis-
filtrados esparsos, fluido intersticial ou, raramen- mo. Pode-se observar eosinofilia e a radiografia de
te, condensação lobar; pode ser semelhante àque- tórax mostra infiltrados intersticiais. O tratamento com
las encontradas em SAR, TTRN ou aspiração de eritromicina promove melhora rápida.
mecônio.
A avaliação de suspeita de pneumonia é a mes- MENINGITE NEONATAL
ma da sepse (ver SEPSE NEONATAL, anteriormen-
te). Culturas de sangue, aspirados traqueais e do É uma inflamação das meninges provocada por in-
LCR são as mais importantes. São úteis também vasão bacteriana nas primeiras 4 semanas de vida.
o hemograma completo com contagem de pla- Ocorre em 2/10.000 lactentes a termo e em
quetas e um exame de urina com aglutinação do 2/1.000 lactentes que apresentam baixo peso ao nas-
látex para os estreptococos do Grupo B. O trata- cimento; há predominância nos meninos. Ocorre
mento é o mesmo utilizado para SEPSE NEONA- em aproximadamente 25% dos recém-nascidos com
TAL, anteriormente. sepse (ver anteriormente).

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2166 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Etiologia vel nos outros aspectos, sugere hidrocefalia pro-


Estreptococos do Grupo B (EGB, predominan- gressiva ou ruptura de um abscesso para dentro
temente do Tipo III), Escherichia coli contendo o do sistema ventricular.
polissacarídeo K1 e Listeria monocytogenes con- A meningite por EGB pode ocorrer na primeira
tribuem para 75% dos casos de meningites em re- semana de vida, acompanhando sepse neonatal de
cém-nascidos. início precoce e freqüentemente apresentando-se
Os enterococos, os estreptococos do Grupo D como pneumonia. Geralmente, no entanto, ocorre
não enterococos, os estreptococos α-hemolíticos e depois deste período (mais comumente nos primei-
outros bacilos Gram-negativos entéricos (por exem- ros três meses de vida) como doença isolada carac-
plo, Klebsiella sp., Enterobacter sp. e Citrobacter terizada pela ausência de antecedentes obstétricos
diversus) também são considerados patógenos im- ou complicações perinatais e presença de sinais
portantes. Além destes, Haemophilus influenzae do mais específicos de meningite (por exemplo, febre,
Tipo B, Neisseria meningitidis e Streptococcus letargia, convulsões).
pneumoniae têm sido descritos com freqüência cada A ventriculite freqüentemente acompanha a
vez maior como causa de meningite bacteriana no meningite neonatal, particularmente quando cau-
período neonatal. sada por bacilos entéricos Gram-negativos. Micror-
ganismos que provocam meningite juntamente com
Patogênese vasculite grave, particularmente C. diversus e
Enterobacter sakazakii, apresentam grande proba-
A meningite neonatal resulta com maior fre- bilidade de provocarem cistos e abscessos e Pseu-
qüência de uma bacteremia prévia associada à domonas aeruginosa, E. coli K1 e Serratia sp. tam-
sepse neonatal. As hemoculturas são positivas bém podem provocar abscessos cerebrais nos re-
em 70% dos recém-nascidos com meningite neo- cém-nascidos.
natal; quanto mais elevado for o número de co-
lônias (densidade bacteriana) na hemocultura, Diagnóstico
maior será o risco de meningite. A meningite O diagnóstico definitivo de meningite somente
também pode resultar de lesões cutâneas no cou- pode ser feito pelo exame de LCR através de pun-
ro cabeludo (por exemplo, de uma tromboflebite ção lombar (PL), que deve ser realizada em qual-
diplóica) que, junto com defeitos de desenvolvi- quer recém-nascido com suspeita de sepse. No en-
mento, levam à comunicação da superfície da tanto, pode ser difícil a realização da PL no re-
pele com o espaço subaracnóide. Também pode cém-nascido, com risco de hipoxia; o estado geral
ocorrer a extensão direta para o SNC de um foco precário (por exemplo, insuficiência respiratória,
contíguo no ouvido (otite média). A profilaxia choque, trombocitopenia) estabelece um risco ex-
para EGB durante o parto não evita a infecção cessivo para o procedimento. Se a PL for posterga-
por EGB de início tardio. da, o recém-nascido deve ser tratado como se a
meningite estivesse presente. Mesmo quando as
Sintomas e sinais condições clínicas melhorarem, a presença de cé-
Os recém-nascidos com meningite freqüente- lulas inflamatórias no LCR e de anormalidades bio-
mente manifestam somente aqueles achados as- químicas, dias após o início da doença, pode ainda
sociados à sepse neonatal (por exemplo, instabili- fornecer informações valiosas sobre a presença ou
dade térmica, insuficiência respiratória, icterícia, ausência de meningite.
apnéia). Os sinais de comprometimento do SNC Uma agulha com um trocarte deve ser utilizada
(por exemplo, letargia, convulsões [particularmen- na PL, para impedir a introdução de restos epite-
te focais], vômitos, irritabilidade) sugerem mais liais e o desenvolvimento posterior de epiteliomas.
especificamente a meningite. Uma fontanela cheia O LCR, mesmo sanguinolento e acelular, deve ser
ou abaulada ocorre em cerca de 25% e a rigidez cultivado. Cerca de 15% dos recém-nascidos com
da nuca em somente 15%; a ausência destes si- hemoculturas negativas podem apresentar culturas
nais, entretanto, não exclui o diagnóstico de me- positivas no LCR. A PL deve ser repetida em 72h
ningite neonatal. As anormalidades dos nervos para microrganismos Gram-negativos para garan-
cranianos (em especial, envolvendo os III, VI e tir esterilização. Alguns especialistas consideram
VII pares de nervos) também podem ser vistas. que a PL repetida em 24h em pacientes com me-
Um sinal precoce de abscesso cerebral é o aumento ningite por EGB tem valor prognóstico. Uma nova
da pressão intracraniana, que se manifesta comu- punção deve ser realizada em qualquer paciente
mente por vômitos, uma fontanela abaulada, e um com resposta clínica questionável. Não deve ser
aumento do perímetro cefálico. A deterioração de repetida rotineiramente ao final da terapia para um
um recém-nascido com meningite neonatal, está- lactente que esteja evoluindo bem.

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2167

Os valores normais do LCR no recém-nascido microbiana; aquelas de recém-nascidos com me-


são controversos e relacionados à idade. Em geral, ningite por bacilos Gram-negativos permanecem
para os recém-nascidos de baixo peso ao nascimen- positivas, em média, por 3 dias e meio.
to até 4 semanas de idade, 20 leucócitos/µL leucó- A meningite por EGB apresenta uma taxa de
citos (metade dos quais pode ser polimor- mortalidade significativamente menor que a da
fonucleares – PMN), um nível de proteína de sepse por EGB de início precoce.
160mg/dL e um nível de glicose de 50mg/dL
(2,8mmol/L) podem ser considerados os limites Tratamento
superiores da normalidade. Para os recém-nasci- O principal objetivo da terapia antimicrobia-
dos a termo, estes limites são 10 leucócitos (com na é conseguir a esterilização rápida do LCR.
metade de PMN), um nível de proteína de 80mg/dL A velocidade de desaparecimento das bactérias
e um nível de glicose de 50mg/dL (2,8mmol/L). está correlacionada com os títulos bactericidas
Como concentração de glicose no LCR depende no LCR contra o microrganismo infectante; tí-
muito da concentração sérica da glicose e esta pode tulos ao redor de 10 vezes a concentração bacte-
ser de apenas 20 a 30mg/dL (1,1 a 1,7mmol/L), ricida mínima (CBM) são necessários para que
deve-se obter uma dosagem da glicose sérica antes se consiga a esterilização. As porcentagens dos
da PL ser realizada, pois deste modo, é possível níveis de LCR em relação aos níveis séricos
determinar a relação entre os níveis de glicose no concomitantes para os antibióticos habitualmente
LCR/sangue (< 50% é anormal). utilizados na meningite neonatal são apresenta-
Pode-se suspeitar de ventriculite em qualquer das na TABELA 260.8.
recém-nascido que não esteja respondendo adequa- O tratamento da meningite por EGB ainda é
damente à terapia antimicrobiana. O diagnóstico é controverso.
realizado quando a punção ventricular revelar um Alguns casos com recidivas e recorrências ou
número de leucócitos > 100/µL; o esfregaço cora- ambos foram descritos tanto para a infecção por
do por Gram e/ou a cultura são positivos, a pressão EGB de início precoce como para o tardio; a
ventricular está aumentada e os ventrículos estão maioria foi atribuída à administração de uma dose
dilatados. Quando o recém-nascido não está res- relativamente baixa de penicilina ou ampicilina.
pondendo bem ao tratamento e houver suspeita de Além disso, cerca de 4% das cepas de EGB de-
abscesso cerebral ou ventriculite, a IRM e a TC monstram uma tolerância à penicilina (CBM > 32
com contraste podem auxiliar o diagnóstico. vezes a concentração inibitória mínima [CIM]),
mas o significado clínico deste fenômeno ainda
Prognóstico não está totalmente demonstrado.
Estudos em animais, in vitro ou in vivo, de-
O prognóstico é determinado pelo peso ao nas- monstraram uma atividade bactericida sinérgica,
cimento, etiologia e quadro clínico. Sem tratamen- quando a ampicilina e a gentamicina são utiliza-
to, a letalidade por meningite neonatal se aproxi- das em associação, mas o significado clínico desta
ma de 100%. Mesmo com o suporte sofisticado e observação ainda não foi estabelecido claramen-
moderno para o recém-nascido doente, a mortali- te no recém-nascido humano. O tratamento ini-
dade na meningite neonatal por Gram-negativos cial recomendado na suspeita de meningite por
situa-se ao redor de 20 a 30% e para os Gram-posi- EGB é a penicilina G 200.000U/kg ao dia IV ou
tivos (por exemplo, EGB) entre 10 e 20%. A mor- ampicilina 300 a 400mg/kg ao dia associadas à
talidade aproxima-se de 75% para os microrganis- gentamicina 7,5mg/kg ao dia IV. Se ocorrer me-
mos que produzem meningite necrosante e absces-
so cerebral. As seqüelas neurológicas (por exem-
plo, hidrocefalia, perda da audição, retardo men- TABELA 260.8 – PROPORÇÃO ENTRE OS
tal) desenvolvem-se em 20 a 50% dos recém-nas- NÍVEIS DE LCR E NÍVEIS SÉRICOS * (EM
cidos que sobrevivem à meningite neonatal, com PORCENTAGEM)
um prognóstico pior quando a etiologia for um ba- Antibiótico Proporção entre LCR e soro
cilo entérico Gram-negativo.
O prognóstico depende parcialmente do núme-
Penicilina G 2a 5
ro de microrganismos presentes no LCR na época
do diagnóstico, determinado pela contagem das Ampicilina 15 a 20
colônias. A duração das culturas positivas no LCR Cefotaxima 27 a 63
correlaciona-se diretamente com a incidência de Nafcilina 10 a 15
complicações. Em geral, as culturas do LCR de Vancomicina 10 a 15
recém-nascidos com EGB tornam-se estéreis den-
tro das primeiras 24h após o início da terapia anti- * Os dados da tobramicina e amicacina são insuficientes.

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2168 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

lhora clínica ou esterilização do LCR, a genta- O tratamento parenteral é administrado, no míni-


micina pode ser interrompida. mo, durante 14 dias para a meningite causada por
A meningite causada por enterococos ou L. Gram-positivos e no mínimo 21 dias para a menin-
monocytogenes, tanto na apresentação precoce gite por Gram-negativos.
como na tardia, deve ser tratada com a associação Como a meningite neonatal pode ser considerada
de ampicilina e gentamicina. como parte integrante da sepse neonatal, as medidas
O tratamento da meningite causada por baci- de apoio usadas no tratamento da sepse neonatal tam-
los Gram-negativos é difícil. O esquema clássico bém devem ser utilizadas na meningite neonatal (ver
de ampicilina mais um aminoglicosídeo resulta em SEPSE NEONATAL, anteriormente). Deve-se dar aten-
20 a 30% de letalidade e em mau prognóstico para ção especial às complicações neurológicas que po-
os sobreviventes. Os esforços para tratar a menin- dem ocorrer durante os primeiros 2 anos de vida.
gite e a ventriculite freqüentemente associada com
a instilação do aminoglicosídeo no espaço subarac- LISTERIOSE NEONATAL
nóide lombar ou por IV não mostraram uma van-
tagem significativa sobre o tratamento sistêmico É a infecção bacteriana provocada por Listeria
isolado. A atividade excelente das cefalosporinas monocytogenes, adquirida por via transplacen-
de terceira geração contra a maioria dos bacilos tária ou durante ou depois do parto.
Gram-negativos (CBM baixa) e sua penetração (Ver também LISTERIOSE em DOENÇAS BACTERIA-
substancial no LCR (fornecendo picos de títulos NAS e CAUSADAS POR BACILOS GRAM-POSITIVOS
bactericidas no LCR) e baixa toxicidade não mos- no Cap. 157.)
traram uma vantagem em rapidez de esterilização A infecção transplacentária por Listeria mono-
do LCR ou evolução final, mas demonstraram que cytogenes pode resultar em disseminação fetal, com
o moxalactam (não mais utilizado no recém-nasci- formação de granuloma em muitos órgãos (por
do por causa de problemas hemorrágicos) é pelo exemplo, fígado, glândulas supra-renais, tecido lin-
menos tão eficaz quanto a ampicilina associada a fático, pulmões e cérebro) – a granulomatose
um aminoglicosídeo. Em conseqüência, as cefalos- infantisséptica. A aspiração ou deglutição de líqui-
porinas de terceira geração (por exemplo, cefota- do amniótico ou de secreções vaginais pode levar à
xima) devem ser consideradas no tratamento de re- infecção perinatal. Também já foi descrita a aqui-
cém-nascidos com meningite comprovada por ba- sição hospitalar.
cilos Gram-negativos (ou sepse) ou naqueles com-
provadamente sépticos. Se houver preocupação com Sintomas e sinais
resistência a antibióticos, podem ser usados um ami- As infecções em gestantes podem ser assin-
noglicosídeo e uma cefalosporina de terceira gera- tomáticas e se caracterizam por bacteremia primá-
ção até que seja conhecida a suscetibilidade anti- ria, que se apresenta como uma doença inespecífi-
biótica. No entanto, as cefalosporinas de terceira ge- ca, semelhante à gripe. A apresentação clínica, no
ração não devem ser usadas rotineiramente, porque feto e no recém-nascido, depende da época e da
determinados microrganismos Gram-negativos in- via de infecção. Ocorrem, comumente, aborto, parto
duzem a produção de β-lactamases com cefa- prematuro com amnionite (como fluido amniótico
losporinas de terceira geração, resultando em rápi- escuro característico), natimorto ou sepse neona-
do desenvolvimento de resistência. tal. A infecção pode ser aparente em algumas ho-
O tratamento pode ser modificado em situações ras ou dias após o nascimento, ou pode ocorrer ape-
clínicas específicas. Por exemplo, em um recém- nas depois de até várias semanas. Freqüentemente,
nascido que recebeu ampicilina e gentamicina por lactentes com a doença de início precoce são de
suspeita de sepse neonatal na primeira semana de baixo peso ao nascimento, apresentam complica-
vida e, algumas semanas depois, desenvolve sepse ções obstétricas e mostram evidências de sepse com
e meningite, o microrganismo infectante pode ser insuficiência circulatória e/ou respiratória. A for-
uma bactéria Gram-negativa multirresistente, Sta- ma tardia se apresenta sob a forma de meningite
phylococcus aureus ou um estafilococo coagulase- ou de sepse num feto a termo, previamente bem.
negativo. Também deve ser considerada a possibi-
lidade de infecção fúngica. Este recém-nascido deve Diagnóstico e prognóstico
receber inicialmente uma associação de vanco- Na listeriose neonatal, o microrganismo pode ser
micina e um aminoglicosídeo diferente daquele cultivado de amostras coletadas de vasos san-
usado anteriormente ou uma cefalosporina de ter- güíneos periféricos ou do cordão umbilical, do as-
ceira geração (por exemplo, cefotaxima). Quando pirado gástrico, do mecônio LCR do lactente, dos
o patógeno for isolado, os esquemas antibióticos lóquios e exsudatos cervicais e vaginais da mãe e
devem ser adequados às sensibilidades in vitro. de partes gravemente infectadas da placenta.

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2169

Deve-se obter hemoculturas e cervicoculturas de Etiologia, epidemiologia


qualquer gestante que apresente doença febril, para e patogênese
a pesquisa de L. monocytogenes. Deve-se avaliar a
presença de sepse num recém-nascido doente ou A rubéola é causada por um vírus do RNA da
naqueles nascidos de mães que tiveram listeriose família Togaviridae do gênero Rubivirus. A rubéo-
durante a gravidez (ver anteriormente). O exame la congênita resulta habitualmente da infecção pri-
de LCR pode mostrar predominância de células mo- mária materna. Apesar da vacinação disseminada,
nonucleares. As colorações de Gram são freqüen- a rubéola ainda ocorre, primariamente naqueles
temente negativas ou apresentam formas pleomórfi- > 15 anos de idade, e estudos recentes mostram que
cas e cocobacilos com coloração variável de Gram. O 10 a 20% dos indivíduos pós-púberes não apresen-
médico deve ter cuidado para não desprezar estas for- tam anticorpos contra a rubéola.
mas encontradas, confundindo-as com contaminan- Para que a rubéola congênita seja eliminada,
tes “difteróides”. Os testes sorológicos não auxiliam deve-se conseguir a proteção contra a doença neste
no estabelecimento do diagnóstico. grupo etário.
A letalidade neonatal, de 10 a 50%, é mais ele- Acredita-se que o vírus da rubéola invada o tra-
vada em lactentes com doença de início precoce. to respiratório superior, com viremia subseqüente
e disseminação do vírus para vários locais, in-
Profilaxia cluindo a placenta. O feto apresenta o risco mais
É importante evitar a utilização de alimentos con- elevado para desenvolver anormalidades associa-
taminados por L. monocytogenes (por exemplo, pro- das à rubéola congênita durante as primeiras 16 se-
dutos lácteos não pasteurizados ou vegetais crus, manas de gestação, particularmente nas primeiras
expostos ao esterco de gado bovino ou de carnei- 8 a 10 semanas. No início da gestação, o vírus pa-
ros), uma vez que são causadores de infecção ma- rece estabelecer uma infecção intra-uterina crôni-
terna e fetal. Mulheres que anteriormente tenham ca; seus efeitos incluem a lesão do endotélio dos
dado à luz a bebês infectados devem realizar cultura vasos sangüíneos, citólise direta das células e in-
cervical e de fezes durante o terceiro trimestre para terrupção da mitose celular.
identificar um estado portador de L. monocytogenes.
O tratamento profilático pode ser então administra- Sintomas e sinais
do previamente ao parto ou intraparto evitando a A rubéola na gestante pode ser assintomática ou
transmissão vertical ao recém-nascido; entretanto, a ser caracterizada por sintomas do trato respiratório
utilidade destas medidas não está comprovada. superior, febre, linfadenopatia (em particular nas
Tratamento regiões suboccipital e auricular posterior) e uma
erupção cutânea maculopapular. Esta doença pode
O tratamento inicial preferido é a associação de ser seguida por sintomas articulares.
ampicilina e um aminoglicosídeo. Foi demonstra- Os efeitos fetais variam desde o óbito in utero,
da a sinergia de ampicilina ou penicilina com um até anomalias múltiplas e perda isolada da audi-
aminoglicosídeo ou rifampicina; trimetoprim-sul- ção. Os recém-nascidos podem ser assintomáticos
fametoxazol e imipenema são antibióticos ativos
contra a L. monocytogenes, mas estas terapias ain- ao nascimento. As anormalidades vistas com mai-
da não foram bem avaliadas no recém-nascido. or freqüência incluem retardo de crescimento in-
Depois de observada resposta clínica, pode ser ad- tra-uterino, meningoencefalite, catarata, retinopa-
ministrada apenas ampicilina. Um esquema com tia, perda da audição, defeitos cardíacos (ducto arte-
14 dias de duração habitualmente é satisfatório, mas rioso patente e hipoplasia da artéria pulmonar), he-
não se conhece a duração de tratamento ideal. Ou- patosplenomegalia e radiolucência ósseas. Outras
tros adjuvantes devem também ser administrados manifestações são a trombocitopenia com púrpu-
ao recém nascido com sepse bacteriana (ver SEPSE ra, eritropoiese dérmica com lesões azul-averme-
NEONATAL, anteriormente). lhadas na pele, adenopatia e pneumonia intersti-
Precauções de drenagem/secreção devem ser con- cial. Estes recém-nascidos também necessitam de
sideradas para os lactentes gravemente infectados. observação cuidadosa para o diagnóstico de uma
perda auditiva subseqüente, retardo mental, com-
RUBÉOLA CONGÊNITA portamentos anormais, endocrinopatias e encefali-
te progressiva e rara.
É uma infecção viral adquirida da mãe durante a
gravidez que pode resultar em óbito fetal ou de- Diagnóstico
feitos congênitos. Os testes sorológicos e a cultura viral podem ser
(Ver também RUBÉOLA em INFECÇÕES VIRAIS no úteis no diagnóstico de infecção materna e infec-
Cap. 265.) ção congênita. No adulto, os vírus podem ser iso-

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2170 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

lados em “swabs” nasais ou da garganta. No re- INFECÇÃO NEONATAL POR


cém-nascido, amostras coletadas da nasofaringe,
urina, LCR, esfregaço sangüíneo com sobrenadante VÍRUS DO HERPES SIMPLES
amarelo e conjuntivite podem desenvolver o ví- É a infecção por vírus herpes simples, que geral-
rus. O laboratório deve ser notificado de que a sus- mente é transmitido durante o parto, tipicamen-
peita é de rubéola, para facilitar a identificação. te provocando erupção vesicular e doença dis-
Os testes sorológicos utilizados para detectar IgG seminada subseqüente.
e IgM incluem a inibição da hemaglutinação, a (Ver também HERPES SIMPLES em INFECÇÕES POR
imunofluorescência, o radioimunoensaio e ELISA. HERPESVÍRUS no Cap. 162.)
A infecção materna é sugerida pelo aumento de
quatro vezes ou mais nos níveis específicos de IgG A infecção neonatal por vírus do herpes simples
contra a rubéola entre as amostras coletadas na fase (HSV) resulta em doença grave com alta mortali-
aguda e de convalescença. A persistência de IgG dade e morbidade significativa. Estima-se a inci-
específica contra a rubéola, no lactente após 6 a 12 dência entre 1/3.000 a 1/20.000 nascidos vivos. O
meses de idade sugere a infecção fetal. O aumento HSV do Tipo 2 causa aproximadamente 80% dos
de anticorpos específicos contra a rubéola, da clas- casos; os outros são causados por HSV do Tipo 1.
se IgM, também pode auxiliar o diagnóstico de ru- O HSV Tipo 2 geralmente é transmitido ao recém-
béola na gestante ou no recém-nascido. Em alguns nascido durante o parto pela passagem através do
centros, o feto pode ter um diagnóstico de rubéola trato genital materno infectado. A transmissão trans-
no pré-natal pelo isolamento do vírus do líquido placentária do vírus e a disseminação hospitalar de
amniótico, detecção de IgM específica no sangue um recém-nascido para outro pela equipe hospita-
fetal ou aplicação de técnicas de biologia molecular lar ou pela família tem sido considerada como fon-
em amostras de biópsia de vilosidades coriônicas. te de infecção em cerca de 15% dos casos. As mães
Outros procedimentos de laboratório que podem de recém-nascidos com infecção por HSV tendem
ser realizados no recém-nascido com suspeita de a não apresentar história ou sintomas de infecção
rubéola congênita incluem o hemograma com di- genital no momento do parto.
ferencial, o exame do LCR e a radiografia dos os-
sos; uma avaliação oftalmológica e cardiológica Sintomas e sinais
completa também pode ser útil. As manifestações da doença geralmente ocor-
rem entre a primeira e a segunda semanas de vida;
Profilaxia e tratamento no entanto, os sintomas podem não aparecer até 4
Ao contrário de várias outras infecções congê- semanas de idade. Os sinais característicos de in-
nitas, a rubéola pode ser prevenida facilmente de- fecção são vesículas na pele, que freqüentemente
vido à disponibilidade de uma vacina eficaz. Nos levam à forma progressiva ou mais grave da doen-
EUA, recomenda-se que os lactentes recebam a ça por um período de 7 a 10 dias, se não for insti-
vacina contra a rubéola junto com as vacinas con- tuída a terapia. Entretanto, até 45% dos bebês não
tra a caxumba e o sarampo aos 15 meses de idade e apresentarão vesículas cutâneas; geralmente estes
novamente na época da entrada na escola (ver IMU- bebês apresentam infecção cerebral. Outros sinais
NIZAÇÕES NA INFÂNCIA no Cap. 256). As mulheres de infecção, que podem estar presentes isoladamen-
após a puberdade, não imunes à rubéola, devem te ou em combinação, incluem instabilidade térmi-
ser vacinadas. PRECAUÇÃO – A vacina contra a ru- ca, letargia, hipotonia, dificuldade respiratória
béola é contra-indicada em imunodeficientes e ges- (apnéia ou pneumonia), convulsões, hepatite, e/ou
tantes. Após a vacinação, as mulheres devem ser coagulação intravascular disseminada (CID).
advertidas para não engravidar durante 3 meses. Recém-nascidos com doença disseminada, com
Devem ser feitos esforços também para triar e va- envolvimento orgânico visceral, apresentam hepa-
cinar os membros dos grupos de alto risco como os tite, pneumonite e/ou CID, com ou sem encefalite
funcionários dos hospitais, recrutas militares e os ou doença de pele.
estudantes secundários. Recém-nascidos com doença localizada podem
Não há tratamento disponível para a infecção pelo ser subdivididos em dois grupos. O primeiro grupo
vírus da rubéola na mãe ou para a infecção congênita. tem encefalite, que se manifesta por achados neu-
As mulheres expostas ao vírus da rubéola na gesta- rológicos, pleocitose do LCR e elevada concentra-
ção devem ser informadas sobre os riscos potenciais ção de proteína, com ou sem envolvimento con-
para o feto e a interrupção da gravidez deve ser con- comitante de pele, olhos e boca.
siderada. Alguns especialistas recomendam a admi-
nistração de imunoglobulina (0,55mL/kg IM) para a Diagnóstico
gestante exposta no início da gravidez. No entanto, O diagnóstico rápido e específico de infecção
isto não garante a prevenção. neonatal por HSV é essencial. A infecção pode ser

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2171

confirmada pelo isolamento do vírus em cultura de INFECÇÃO NEONATAL POR


tecido, com a utilização de várias linhagens celula-
res de origem humana ou não humana. O local mais VÍRUS DA HEPATITE B
comum para se encontrar o vírus é a vesícula de É a doença inflamatória hepatocelular difusa cau-
pele; a boca, olhos e LCR são também bons locais. sada pela infecção por vírus da hepatite B (HBV)
Em alguns recém-nascidos que apresentam ence- geralmente adquirido durante o parto.
falite, o vírus só é encontrado no cérebro. No en- (Ver também Cap. 42.)
tanto, testes precisos (como a reação em cadeia da
polimerase para HSV) estão disponíveis em alguns Das formas reconhecidas de hepatite por vírus
laboratórios de pesquisa e especializados. Os efei- (hepatite A, B, delta e C), somente o vírus da hepa-
tos citopatológicos podem, geralmente, ser demons- tite B (HBV) é a única forma reconhecida como
trados na cultura de tecido dentro de 24 a 48h após uma causa importante de hepatite neonatal. É uma
inoculação. O diagnóstico também pode ser con- doença com manifestações de amplo espectro, com
firmado pela neutralização com anti-soro apro- a maioria dos recém-nascidos desenvolvendo he-
priado, com títulos elevados; imunofluorescência patite subclínica crônica.
do raspado das lesões em particular com o uso de Etiologia e epidemiologia
anticorpos monoclonais; e pela microscopia ele-
trônica. Se não for disponível a diagnóstico viro- O HBV apresenta duplo filamento de DNA.
lógico, um esfregaço de Papanicolaou da base da O antígeno superficial da hepatite B (AgsHB) é
lesão pode ser obtido para mostrar evidência de encontrado na superfície do vírus e em união de
histopatologia característica (células gigantes formas esféricas e tubulares que representam ex-
multinucleadas e inclusões intranucleares), mas é cesso de material que recobre o vírus.
menos sensível do que a cultura e podem ocorrer Nos EUA, onde a prevalência de portadores
resultados falsos-positivos. de AgsHB na população geral é muito baixa (cerca
de 0,1%), a principal fonte de infecção neonatal
Prognóstico por HBV são mães infectadas, durante o parto.
Na ausência de terapia, a encefalite do recém-nas- (A exposição a hemoderivados contaminados tem
cido tem mortalidade de aproximadamente 50% e pelo sido virtualmente eliminada pela triagem de doa-
menos 95% dos sobreviventes apresentam seqüelas dores sangüíneos para o AgsHB). A hepatite B
neurológicas graves. O óbito é incomum nos neona- materna aguda durante o terceiro trimestre de
tos com doença local (pele, olhos, boca) mas sem gravidez ou nos 2 meses após o parto está asso-
doença de SNC ou de outro órgão, exceto por pro- ciada com risco de 70% de transmissão; em con-
blemas médicos concomitantes, mas aproximadamen- traste, somente 5% dos bebês nascidos de mães
te 30% desenvolvem problemas neurológicos, que po- com hepatite B aguda durante o primeiro ou se-
dem não se manifestar até os 2 ou 3 anos de idade. gundo trimestres desenvolvem a doença. Há tam-
A morbidade está associada paralelamente à mor- bém elevado risco de transmissão maternofetal
talidade e é diretamente proporcional à extensão da de HBV de portadoras assintomáticas de AgsHB-
doença. Cerca de 90% dos lactentes com infecção positivas que possuem antígeno E. As portado-
neonatal disseminada por HSV apresentam seqüelas ras que não apresentam o antígeno E ou possuem
subseqüentes. Apenas 5% destes lactentes com in- anti-HBe apresentam menor probabilidade de
fecção no SNC retornam ao normal. transmitir a doença (ver Cap. 42).
A transmissão maternofetal de HBV ocorre pri-
Tratamento mariamente como um resultado de microtrans-
O tratamento com aciclovir diminui a mortali- fusões maternofetais durante o trabalho de parto
dade em 50% e aumenta o número de recém-nasci- e/ou do contato com secreções maternas no canal
dos com desenvolvimento normal de 10 para 50%. de parto. A transmissão placentária é incomum.
O aciclovir, 30mg/kg ao dia, em fluido IV, é dividi- A transmissão pós-parto ocorre raramente, pela ex-
do em doses iguais e administrado a cada 8h, du- posição neonatal a sangue materno, saliva, fezes,
rante 10 a 14 dias. É necessário terapia vigorosa de urina ou leite materno contaminados. A infecção
suporte, incluindo fluidos apropriados, IV, alimen- neonatal por HBV pode ser um importante reser-
tação, auxílio respiratório, correção de distúrbios vatório deste vírus em certas comunidades.
de coagulação e controle de distúrbios convulsi-
vos. A ceratoconjuntivite por herpes requer terapia Sintomas, sinais e diagnóstico
concomitante com aciclovir sistêmico e terapia tó- A maioria dos recém-nascidos infectados com
pica com um agente como a trifluridina (ver tam- HBV desenvolve hepatite crônica subclínica, ca-
bém CONJUNTIVITE NEONATAL, anteriormente). racterizada por antigenemia persistente por AgsHB

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2172 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

e atividade de transaminase elevada de forma variá- parece não aumentar o risco de transmissão pós-
vel. Histologicamente, esta doença parece a hepa- parto de HBV, particularmente se foi administrada
tite crônica do adulto com HBV (ver no Cap. 42). IgHB e a vacina contra o vírus da hepatite B. Po-
Muitas crianças nascidas de mulheres com hepati- rém, se a mãe apresentar fissuras nos mamilos, abs-
te B aguda durante a gravidez apresentam baixo cessos ou outra patologia da mama, a amamenta-
peso ao nascer, independente de estarem ou não ção pode transmitir o HBV para o filho.
infectadas por HBV. O diagnóstico é discutido no
Capítulo 42. Tratamento
O prognóstico a longo prazo é ignorado, em- Recém-nascidos com hepatite B aguda devem
bora haja evidência que o estado de portador receber cuidados sintomáticos e nutrição adequada;
crônico de AgsHB precocemente na vida aumenta nem esteróides, nem IgHB tem demonstrado valor
o risco de doença hepática subseqüente (por exem- nesta situação. Não há qualquer tratamento especí-
plo, hepatite crônica, cirrose e carcinoma hepa- fico para os recém-nascidos com hepatite crônica
tocelular). Pouco freqüentemente, os recém-nas- subclínica, mas são necessários testes periódicos de
cidos infectados por HBV podem desenvolver função hepática por causa do risco potencial do de-
hepatite B aguda, que geralmente é intensa e senvolvimento de doença significativa.
autolimitada, com icterícia, letargia, atraso do
desenvolvimento, distensão abdominal e fezes INFECÇÃO CONGÊNITA E
claras. Ocasionalmente, os lactentes podem ser
gravemente afetados com hepatomegalia, ascite PERINATAL POR
e hiperbilirrubinemia (primariamente bilirrubi- CITOMEGALOVÍRUS
na conjugada); em raras ocasiões, a doença pode
ser fulminante e mesmo fatal. A doença fulmi- É a infecção pelo citomegalovírus adquirida no
nante é mais freqüentemente vista em lactentes período pré-natal ou perinatal.
nascidos de portadoras crônicas, mais do que de (Ver também INFECÇÃO POR CITOMEGALOVÍRUS em
mães com hepatite B aguda. INFECÇÕES POR HERPESVÍRUS no Cap. 162.)
Profilaxia O citomegalovírus (CMV) é isolado freqüen-
temente de recém-nascidos ao nascimento. Embo-
Todas as gestantes devem ser testadas rotinei- ra a maioria dos recém-nascidos que excreta este
ramente para o AgsHB durante uma consulta no vírus seja assintomática, outros apresentam doen-
início do pré-natal e em todas as gestações; caso ça potencialmente fatal e seqüelas devastadoras a
contrário, devem ser testadas quando internadas longo prazo.
para o parto. Muitas dúvidas relativas à transmissão de CMV
Os recém-nascidos de mães positivas para o e risco para o feto continuam sem resposta. Por
AgsHB devem receber 1 dose de 0,5mL de imu- exemplo, não se sabe quando uma mulher com
noglobulina contra a hepatite B (IgHB) IM, nas CMV primário pode engravidar com segurança.
primeiras 12h após o nascimento. A vacina recom- Como o risco para o feto é difícil de avaliar, as
binante contra hepatite B (5µg/0,5mL de Recom- mulheres que desenvolverem CMV primário du-
bivax ou 10µg/0,5mL de Engerix B) deve ser ad- rante a gravidez devem ser orientadas. Muitos es-
ministrada IM em 3 doses. A primeira dose deve pecialistas não recomendam sorologia de rotina
ser administrada simultaneamente com IgHB, mas para CMV antes ou durante a gravidez em mulhe-
num local diferente; no entanto, esta dose pode ser res saudáveis.
administrada até 7 dias após o nascimento. As se-
gunda e terceira doses devem ser administradas 1 e Etiologia, epidemiologia
6 meses, respectivamente, depois da primeira. Re- e patogênese
comenda-se o teste para o AgsHB e anti-HB aos
12 e 15 meses. O CMV, um vírus do DNA pertencente à fa-
Particularmente nas localidades onde a infec- mília Herpesviridae, tem esse nome devido às
ção por hepatite B é altamente endêmica ou onde células grandes e características, contendo in-
a triagem do AgsHB das mães for impraticável, clusões intranucleares e citoplasmáticas freqüen-
a vacinação de todos os recém-nascidos (usando temente observadas nas amostras histológicas.
5µg/0,5mL de Recombivax ou 10mg/0,5mL de As semelhanças no genoma das várias cepas são
Engerix-B) é a estratégia mais eficaz para con- grandes, embora possam ser detectadas diferen-
trolar esta infecção. ças entre as cepas de CMV com o uso de análise
Não se recomenda a separação de um lactente de restrição do DNA viral com endonuclease;
da mãe positiva para o AgsHB e a amamentação como resultado, somente um sorotipo de CMV é

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2173

reconhecido. Como os outros herpesvírus, o CMV Diagnóstico


é capaz de latência e reativação. O CMV tem O diagnóstico laboratorial da infecção por CMV
sido isolado de vários locais incluindo saliva, é feito pelo isolamento do vírus ou por testes soro-
urina, leite materno, sêmen, secreções cervicais, lógicos.
líquido amniótico e esfregaço espesso do sangue Uma infecção primária na mãe é diagnosticada
com sobrenadante amarelo. A aquisição inicial mais freqüentemente por testes sorológicos do que
do CMV em uma idade precoce parece estar re- pela cultura; uma cultura positiva pode ser decor-
lacionada a vários fatores; por exemplo, baixo rente da reativação do vírus. A soroconversão dos
nível socioeconômico, taxas elevadas de aleita- anticorpos específicos contra o CMV de títulos
mento materno, e muita exposição a outras crian- negativos para positivos sugere fortemente a infec-
ças pequenas (por exemplo, em creches). O CMV ção. Um aumento de quatro vezes ou mais nos ní-
também parece ser transmitido sexualmente. veis de IgG específica contra o CMV entre as amos-
A infecção congênita por CMV, que ocorre em tras da fase aguda para a convalescente e um au-
0,2 a 2,2% de todos os nascimentos de crianças mento dos níveis de IgM específica em testes rea-
vivas, parece resultar da aquisição transplacentária lizados em um laboratório confiável também po-
da infecção materna primária ou recorrente. A in- dem indicar uma infecção adquirida recentemente.
fecção sintomática no recém-nascido tem maior No entanto, os resultados devem ser interpretados
possibilidade de ocorrer após a exposição materna com cuidado porque a IgM pode ser produzida du-
primária, em particular na primeira metade da ges- rante a reativação, pode persistir por tempo pro-
tação. Em alguns grupos de nível socioeconômico longado ou não ser detectável em infecção primá-
elevado, nos EUA, 50% das mulheres jovens não ria. Os níveis de IgG podem ser medidos pela fixa-
possuem anticorpos contra o CMV, tornando-as ção de complemento, imunofluorescência, hema-
suscetíveis à infecção primária. glutinação indireta, radioimunoensaio ou ELISA.
A infecção perinatal por CMV é adquirida Os níveis de IgM são mais facilmente medidos por
pela exposição às secreções cervicais infectadas, radioimunoensaio ou ELISA.
leite materno ou derivados de sangue. Os anticor- Nos recém-nascidos, a cultura do vírus é a prin-
pos maternos parecem ser protetores e a maioria cipal ferramenta diagnóstica. As amostras para
destes recém-nascidos a termo é assintomática cultura devem ser mantidas sob refrigeração, antes
ou não é afetada pelo contato com o vírus. Ao da inoculação em fibroblastos. A infecção congê-
contrário, recém-nascidos prematuros, que não nita por CMV pode ser diagnosticada se o vírus for
possuem anticorpos contra o CMV, podem desen- isolado das amostras de urina ou outros fluidos
volver doença significativa se receberem sangue corpóreos obtidos nas 2 primeiras semanas de vida.
soro positivo. Após 2 semanas, as culturas positivas podem re-
A transfusão de sangue CMV-positivo pode re- presentar infecções perinatais ou congênitas.
sultar em infecção grave ou óbito em prematuros Os lactentes podem eliminar o CMV durante vá-
nascidos de mães CMV-negativas. Devem ser evi- rios anos após ambos os tipos de infecção.
tados todos os esforços para transfundir esses re- Um hemograma com contagem diferencial e pro-
cém-nascidos apenas com sangue ou hemo- vas de função hepática podem ser úteis. Devem tam-
derivados CMV-negativos (ver Profilaxia e Trata- bém ser realizados um exame radiológico do crânio
mento, adiante). do recém-nascido e avaliação oftalmológica.
Sintomas e sinais A infecção congênita sintomática por CMV deve
ser diferenciada de outras infecções congênitas, inclu-
Muitas mulheres que se infectam com o CMV sive toxoplasmose, rubéola, herpes simples e sífilis.
durante a gravidez são assintomáticas, mas al- Recém-nascidos sintomáticos apresentam
gumas desenvolvem uma doença semelhante à letalidade de até 30% e 70 a 90% dos sobreviven-
mononucleose. Cerca de 10% dos recém-nasci- tes apresentam algum comprometimento neuroló-
dos com infecção congênita por CMV são sin- gico, inclusive deficiência auditiva, retardo mental
tomáticos ao nascimento; as manifestações in- e distúrbios visuais. Além disso, 10% dos lactentes
cluem retardo de crescimento intra-uterino, pre- assintomáticos também desenvolvem seqüelas neu-
maturidade, microcefalia, icterícia, petéquias, rológicas. Como as deficiências auditivas são uma
hepatosplenomegalia, calcificações periventri- preocupação, é necessário acompanhamento cui-
culares, coriorretinite e pneumonite. Os recém- dadoso depois do período neonatal.
nascidos que adquirem o CMV após o nasci-
mento podem desenvolver pneumonia, hepatos- Profilaxia e tratamento
plenomegalia, hepatite, trombocitopenia e lin- Embora o CMV seja ubíquo e a reativação seja
focitose atípica. comum, a gestante não imune pode ser capaz de

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2174 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

limitar sua exposição ao vírus. Por exemplo, como citose, monocitose, eosinofilia, e anormalidades do
a infecção por CMV é comum em crianças que fre- LCR (xantocromia, pleocitose ou aumento da con-
qüentam creches, as gestantes devem sempre lavar centração proteica).
muito bem as mãos depois da exposição à urina e
secreções respiratórias dessas crianças. A doença Diagnóstico e evolução
por CMV perinatal associada a transfusão pode ser Os testes sorológicos são importantes no diag-
evitada administrando-se hemoderivados de doa- nóstico tanto da infecção congênita como da infec-
dores soronegativos para CMV ou produtos trata- ção materna, mas é necessário que o médico esteja
dos para que se tornem não infectantes a lactentes familiarizado com as características de determina-
prematuros soronegativos. O desenvolvimento de dos testes e com os métodos de padronização do
uma vacina contra CMV está em investigação. laboratório; alguns testes somente são realizados
Não há tratamento específico para a infecção con- em laboratórios de referência.
gênita ou perinatal pelo CMV. O ganciclovir demons- Os exames mais confiáveis para medir os anti-
trou reduzir a disseminação viral em lactentes com corpos contra T. gondii incluem o teste do corante
CMV congênito. No entanto, seu papel no tratamen- de Sabin-Feldman, o teste de imunofluorescência
to dos recém-nascidos com infecção congênita por indireta (IFA) e o teste de aglutinação direta. A in-
CMV ainda não está estabelecido. fecção aguda materna é sugerida por soroconver-
são ou aumento de quatro vezes ou mais nos níveis
TOXOPLASMOSE CONGÊNITA de IgG entre amostras coletadas na fase aguda e na
convalescença. A interpretação dos anticorpos do
É uma infecção causada pela aquisição trans- Tipo IgG no recém-nascido é freqüentemente difí-
placentária do protozoário Toxoplasma gondii. cil, porque os anticorpos de IgG maternos podem
(Ver também TOXOPLASMOSE no Cap. 161.) ser detectados durante todo o primeiro ano de vida.
O parasita, encontrado em todo o mundo, pro- Os anticorpos do Tipo IgM contra T. gondii po-
dem ser detectados pelo teste ELISA do anticorpo
voca infecção congênita em aproximadamente duplo em sanduíche, que é o teste preferido, teste
1/10.000 a 8/1.000 nascidos vivos. do anticorpo fluorescente indireto IgM (IgM-IFA)
Etiologia e patogênese e outros testes de imunoabsorção. Foram feitas ten-
tativas para diagnóstico pré-natal em países com
Considera-se que a infecção por T. gondii ocor- alta prevalência de toxoplasmose. São coletadas
ra principalmente pela ingestão de carne mal cozi- amostras de sangue fetal e de líquido amniótico para
da contendo cistos ou ingestão de oocistos deriva- pesquisa de DNA de Toxoplasma por análise de
dos de fezes de gato. reação em cadeia da polimerase e inoculação em
Com raras exceções, a toxoplasmose congênita camundongos ou culturas de tecidos para isolar o
é secundária à infecção primária materna adquiri- microrganismo.
da durante a gestação. A taxa de transmissão ao Quando se suspeita clinicamente de toxoplas-
lactente é mais elevada do que em mulheres infec- mose congênita, devem ser realizados testes soro-
tadas durante a gravidez. Contudo, em lactentes lógicos, além de exames do cérebro por imagem
infectados no início da gestação, a doença é geral- (IRM e TC), análise do LCR e um exame oftalmo-
mente mais grave. Em geral, 30 a 40% das mulhe- lógico completo. O exame da placenta para se ve-
res infectadas durante a gravidez terão um filho com rificar evidências de infecção pelo T. gondii tam-
infecção congênita. bém pode ser útil.
O prognóstico nos recém-nascidos é variável. Al-
Sintomas e sinais guns apresentam uma evolução fulminante com óbi-
As gestantes infectadas por T. gondii habitual- to precoce, enquanto outros exibem seqüelas neuro-
mente não apresentam manifestações clínicas. Do lógicas a longo prazo. Os estudos sugerem que as
mesmo modo, os recém-nascidos infectados habi- manifestações neurológicas (por exemplo, coriorre-
tualmente são assintomáticos ao nascimento, mas tinite, retardo mental, surdez e convulsões) possam
as manifestações podem incluir prematuridade, re- ocorrer, anos mais tarde, em crianças que parecem
tardo de crescimento intra-uterino, icterícia, he- normais ao nascimento. Em conseqüência, as crian-
patosplenomegalia, miocardite, pneumonite e erup- ças com toxoplasmose congênita devem ser acompa-
ções cutâneas variadas. O comprometimento neu- nhadas de perto após o período neonatal.
rológico, freqüentemente proeminente, inclui co-
riorretinite, hidrocefalia, calcificações intracra- Profilaxia e tratamento
nianas, microcefalia e convulsões. Os achados la- A educação de todas as mulheres em idade de
boratoriais associados são trombocitopenia, linfo- procriação e a identificação das gestantes infec-

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2175

tadas, recentemente são as melhores maneiras de riz e boca e na área das fraldas são as mais caracte-
prevenir a toxoplasmose congênita. As mulheres rísticas. Também estão quase sempre presentes, com
devem ser instruídas a evitar contato com caixas freqüência, linfadenopatia generalizada e hepa-
de areia com excrementos de gatos e outras áreas tosplenomegalia. O lactente pode apresentar défi-
contaminadas com fezes de gatos. A carne deve ser cit de crescimento, ter uma aparência característi-
bem cozida antes do consumo e as mãos devem ser ca de “velhinho”, pode desenvolver lesões em fis-
lavadas após a manipulação de carne crua ou de sura ao redor da boca (rágades), apresentar uma
produtos não lavados. As mulheres de risco para a secreção nasal mucopurulenta ou sanguinolenta,
infecção primária devem ser triadas durante a gra- causando obstrução da respiração nasal. Alguns
videz. Aquelas infectadas durante o primeiro e o lactentes podem desenvolver meningite, coroidite,
segundo trimestre devem ser aconselhadas a res- hidrocefalia ou convulsões e outros podem apre-
peito do tratamento disponível, bem como sobre sentar retardo mental. Nos primeiros 3 meses de
uma possível interrupção da gravidez. vida, a osteocondrite (condroepifisite) especialmen-
Dados limitados sugerem que o tratamento da te dos ossos longos e quadril, pode resultar em
mulher infectada durante a gestação pode ser bené- pseudoparalisia dos membros, com alterações ra-
fico para o feto. A espiramicina (disponível nos EUA diológicas características nos ossos.
através da FDA) tem sido usada para impedir a trans- Muitos pacientes com sífilis congênita permane-
missão da infecção materna para o feto. A pirime- cem no estágio latente da doença por toda a vida e
tamina e as sulfonamidas devem ser utilizadas no nunca apresentam quaisquer manifestações ativas.
final da gravidez para tratar o feto já infectado. Na sífilis congênita tardia, úlceras gomosas
Os estudos sugerem que o tratamento de lacten- tendem a envolver o nariz, septo nasal e o palato
tes sintomáticos e assintomáticos pode melhorar a duro, enquanto lesões do periósteo resultam em tí-
evolução em comparação com controles históricos. bia em sabre e abaulamento dos ossos frontal e
Portanto, o tratamento com pirimetamina (1mg/kg parietal. A neurossífilis habitualmente é assin-
ao dia VO, máximo 25mg), sulfadiazina (85 a tomática, mas pode apresentar paresia juvenil e
100mg/kg ao dia VO, máximo de 4g fracionadas tabes. Pode ocorrer atrofia óptica, algumas vezes
em 2 doses ) mais leucovorina (10mg VO 3 vezes levando à cegueira. A ceratite intersticial é a le-
por semana) é recomendado em consulta com es- são ocular mais comum e, em geral, recidiva,
pecialista. O uso de corticosteróides na presença freqüentemente resultando em cicatrizes da cór-
de inflamação é discutível e deve ser determinado nea. Surdez sensorineural, que freqüentemente é
caso a caso. progressiva, pode aparecer em qualquer idade. Os
incisivos de Hutchinson, os molares de Mulberry
SÍFILIS CONGÊNITA e desenvolvimento alterado do maxilar, resultan-
do em “fácies de buldogue”; embora típicos, são
É uma infecção multissistêmica causada por Tre- seqüelas raras.
ponema pallidum e transmitida ao feto através
da placenta. Diagnóstico
(Ver também SÍFILIS no Cap. 164.) A sífilis congênita precoce é confirmada pela
demonstração de T. pallidum pela microscopia de
O risco de infecção transplacentária do feto (to- campo escuro. Se isto não resultar em um diagnós-
tal, cerca de 60 a 80%) está relacionado ao estágio tico definitivo, os TSS devem ser realizados, em
de infecção da mãe e ao estágio da gravidez; isto é, conjunto com um exame do LCR que inclui a con-
sífilis precoce ou secundária não tratada é quase tagem das células, o nível de proteínas e o teste do
que invariavelmente transmitida, enquanto a fre- “Venereal Disease Research Laboratory” (VDRL )
qüência é muito menor para os estágios latente e juntamente com radiografia dos ossos longos.
terciário. Mães com sífilis tardia não tratada po- Uma vez que os recém-nascidos não apresen-
dem ter um filho saudável para outros dois que tam sinais de doença durante sua passagem pelo
apresentem sífilis congênita. Apesar disso, a sífilis berçário, o recém-nascido, cuja mãe tenha história
congênita pode ser evitada e só ocorre em mulhe- de qualquer doença sexualmente transmissível an-
res grávidas não tratadas. tes ou especialmente durante a gravidez, deve ser
investigado sorologicamente. Resultados soro-
Sintomas e sinais lógicos positivos inespecíficos (reagina) e especí-
Na sífilis congênita precoce, encontram-se le- ficos (treponêmicos) podem ser devidos à transfe-
sões de pele no lactente, erupções bolhosas ou rência passiva de IgG materna através da placenta.
máculas acobreadas sobre as palmas das mãos e O CDC elaborou um esquema para a interpretação
plantas dos pés e lesões papulares ao redor do na- dos dados clínicos e sorológicos da sífilis congênita

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2176 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 260.9 – CLASSIFICAÇÃO DIAGNÓSTICA DA SÍFILIS CONGÊNITA


Critérios laboratoriais para diagnóstico
Demonstração de Treponema pallidum por microscopia de campo escuro, imunofluorescência ou outra coloração
específica em amostras de lesões, material de necropsia, placenta ou cordão umbilical
Classificação de caso
Provável: Uma condição que afeta um lactente no parto, cuja mãe não tratou ou tratou inadequadamente a sífilis,
independente de sinais no recém-nascido, ou um recém-nascido ou criança com um teste treponêmico reativo para
sífilis e um dos seguintes itens:
Evidência de sífilis congênita ao exame físico
Evidência de sífilis congênita em radiografias de ossos longos
Teste do VDRL reativo no LCR
Proteínas ou contagem celular no LCR elevadas (sem outra causa)
Testes de anticorpos absorvidos 19S-IgM dos anticorpos treponêmicos fluorescentes ou IgM reativos
Confirmado: Um caso confirmado por laboratório
* Também inclui mãe com evidência sorológica de recidiva ou reinfecção após tratamento ou com história documentada de
tratamento ou acompanhamento sorológico insuficiente após tratamento apropriado.
A partir de “Case Definitions for Infectious Conditions Under Public Health Surveillance,” Morbidity and Mortality Weekly
Report, Vol. 46, No RR-10. pp. 37 – 38, Centers for Disease Control, U.S. Public Health Service, U.S. Department of Health
and Human Services, 1997. VDRL = “Venereal Disease Research Laboratories”.

precoce e para classificar os casos em confirmados da família devem ser examinados para evidência
ou presuntivos (ver TABELA 260.9). O valor do tes- sorológica e física de infecção periodicamente.
te de absorção de anticorpos treponêmicos fluo- É necessário o retratamento da mãe em gestações
rescentes (FTA-ABS) da imunoglobulina (IgM) é subseqüentes somente se o título dos testes soroló-
controvertido, mas tem sido usado para detectar a gicos permanecer positivo. As mulheres que per-
infecção no recém-nascido. manecem soropositivas após o tratamento adequa-
A sífilis congênita tardia é diagnosticada pela do podem ter sido reinfectadas e devem ser retrata-
história clínica, pelos sinais físicos característicos das. Mulheres sem lesões, com sorologia negativa,
e pelos testes sorológicos positivos (ver também a mas com exposição venérea a um paciente com
discussão nos testes de avaliação para sífilis no Cap. diagnóstico conhecido de sífilis devem ser trata-
164). A tríade de Hutchinson, constituída pela das, pois há uma chance de 25 a 50% de ter adqui-
ceratite intersticial, pelos incisivos de Hutchinson rido sífilis sem ainda a sorologia ser positiva.
e surdez de VIII nervo, é diagnóstica. Algumas ve-
zes, os padrões de TSS são negativos e o teste de Tratamento
imobilização de T. pallidum é negativo, mas o FTA- Para gestantes nas fases iniciais da sífilis, reco-
ABS geralmente é positivo. Deve-se considerar este menda-se a penicilina G benzatina na dose de 2,4
diagnóstico em casos de surdez inexplicada, dete- milhões de unidades IM (1,2 milhões de unidades
rioração intelectual progressiva ou ceratite. em cada nádega administradas com o intervalo de
1 semana). Para as fases mais tardias da sífilis ou
Profilaxia neurossífilis, o esquema apropriado para as pa-
O tratamento adequado dado à mãe durante a cientes não grávidas deve ser seguido (ver no Cap.
gravidez, geralmente (99% dos casos) cura tanto a 164). Às vezes, ocorre uma reação de Jarisch-
mãe como o feto. Todavia, em alguns casos, o tra- Herxheimer grave após este tratamento, levando ao
tamento tardio na gravidez elimina a infecção, mas aborto espontâneo. Gestantes alérgicas à penicili-
pode ter sido dado tarde demais para prevenir o na devem ser dessensibilizadas e depois tratadas
desenvolvimento de alguns sinais de sífilis que se- com penicilina. Os testes de reagina tornam-se ne-
rão aparentes após o nascimento. gativos 3 meses após o tratamento adequado na
A incidência de sífilis congênita pode ser muito maioria das pacientes e em quase todas as pacien-
reduzida pela realização rotineira de TSS no pré- tes 6 meses após a terapia. O tratamento com eri-
natal (ver Cap. 164), testes repetidos de mulheres tromicina não é recomendado, pois é inadequado
que adquirem outras doenças sexualmente trans- para a mãe e o recém-nascido. A tetraciclina está
missíveis durante a gravidez e pelo tratamento ade- contra-indicada.
quado das gestantes infectadas. Quando se faz o Para os casos de sífilis congênita precoce, em
diagnóstico de sífilis congênita, os outros membros casos confirmados ou presuntivos, as orientações

Merck_19C.p65 2176 02/02/01, 14:30


CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2177

de 1998 do CDC recomendam a penicilina G pro- Os lactentes podem adquirir TB através da difu-
caína cristalina aquosa, 50.000U/kg/dose a cada 12h são transplacentária pela veia umbilical para o fí-
IV durante os primeiros 7 dias de vida, depois (quan- gado fetal, pela aspiração ou ingestão de líquido
do a função renal melhorar) aumentando para amniótico infectado ou por inoculação veiculada
50.000U/kg por dose a cada 8h durante os 3 dias pelo ar a partir de comunicantes íntimos (familiar
seguintes, com um total de 10 dias de tratamento. ou equipe do berçário). Aproximadamente 50% das
Quando a via IV não é possível, pode ser adminis- crianças nascidas de mães com TB pulmonar ativa
trada penicilina G procaína, 50.000U/kg/dose IM 1 desenvolvem a doença durante o primeiro ano de
vez ao dia durante 10 dias; no entanto, o esquema vida, se não for administrada quimioprofilaxia ou
IM pode promover níveis sangüíneos insuficientes a vacina de bacilo Calmette-Guérin (BCG).
para tratar infecção de SNC, é dolorosa e difícil (por Sintomas, sinais e diagnóstico
causa da pequena massa muscular) e pode provocar
abscesso estéril e/ou toxicidade pela procaína. Crian- A apresentação clínica da TB neonatal é inespe-
ças com LCR normal e sem outros sinais de doença cífica, mas geralmente ocorre envolvimento de vá-
ativa (isto é, radiografias de ossos longos negati- rios órgãos. O lactente pode parecer aguda ou croni-
vas, hemograma normal) e que possam ter ou não camente doente. Febre, letargia, insuficiência respi-
recebido terapia padrão com penicilina in utero ratória, hepatosplenomegalia ou falta de crescimento
podem receber penicilina G benzatina 50.000 U/kg devem alertar o médico para a possibilidade de TB
IM em dose única ou fracionada em uma sessão, em um lactente com história de exposição à TB.
desde que o acompanhamento seja garantido. Mui- O resultado dos testes cutâneos pode ser negati-
tos especialistas ainda preferem 10 dias de terapia vo no recém-nascido com TB ativa. A cultura de
parenteral se a mãe não recebeu tratamento. O aspirados traqueais, urina, lavado gástrico e LCR
prognóstico é geralmente favorável se já não hou- para bacilos ácido-resistentes pode ser útil. O raio
ver danos graves. A mãe e outros membros infec- X de tórax geralmente mostra infiltrados miliares.
tados da família também devem ser tratados. Pode ser necessária, para a confirmação do diag-
Em lactentes e crianças maiores com sífilis nóstico, a realização de biópsia de fígado, linfo-
congênita recém-diagnosticada, o LCR deve nodos ou de pulmão e pleura.
ser examinado antes do início do tratamento. Profilaxia e tratamento
O CDC recomenda que qualquer criança com sí-
filis congênita seja tratada com penicilina G cris- A vacinação neonatal de rotina com BCG não
talina aquosa, 200.000 a 300.000U/kg ao dia IV está indicada em países desenvolvidos, mas pode
conter a incidência de TB infantil ou reduzir sua
(até a dose do adulto), divididas em 4 doses, gravidade em populações com risco aumentado
durante 10 dias, pois a adequação dos esquemas de infecção.
menos agressivos não está estabelecida. Muitos Em gestantes com teste tuberculínico positi-
pacientes não revertem para a soronegatividade, vo – O risco de contrair TB de uma mãe com teste
mas apresentam uma queda de quatro vezes nos tuberculínico positivo é maior para o recém-nasci-
títulos de anticorpos de reagina (por exemplo, do no período pós-parto do que para o feto durante
VDRL). A ceratite intersticial habitualmente é a gravidez. Como a potencial hepatotoxicidade da
tratada com corticosteróides e colírio de atropi- isoniazida (INH) está aumentada durante a gravi-
na; um oftalmologista deve ser consultado. Os pa- dez, seu uso em mulheres que não apresentam TB
cientes com surdez sensorineural podem benefi- aguda pode ser postergado até o terceiro trimestre.
ciar-se da associação do tratamento com penici- A terapia com INH por 6 meses é recomendada.
lina e um corticosteróide, como a prednisona No entanto, gestantes com infecção por HIV de-
0,5mg/kg ao dia, em doses divididas, VO, duran- vem receber terapia profilática com INH por 12
te 1 semana, seguidas por 0,3mg/kg ao dia por 4 meses e devem ser avaliadas para TB ativa. O re-
semanas, após o que a dose é gradualmente redu- cém-nascido cuja mãe apresente um teste tuber-
zida durante um período de 2 a 3 meses. (Os cor- culínico positivo, mas sem evidência clínica ou ra-
ticosteróides não tiveram uma avaliação crítica diológica de infecção não precisa de profilaxia, mas
nessas situações.) Os contatos familiares devem deve ser submetido a teste cutâneo a cada 3 meses
ser procurados, e os pacientes devem ser manti- por 1 ano; a família do lactente também deve ser
dos em observação por períodos prolongados. investigada. Se a reação for positiva, ou se a famí-
lia não puder ser examinada imediatamente ou se-
TUBERCULOSE PERINATAL guir o acompanhamento, a criança deve receber
INH, 10mg/kg ao dia, VO em dose única diária,
É a TB adquirida no período perinatal. durante pelo menos 6 meses e deve ser acompa-
(Ver também TUBERCULOSE no Cap. 157.) nhada cuidadosamente.

Merck_19C.p65 2177 02/02/01, 14:30


2178 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Em gestantes com TB ativa – INH, etambutol mento da doença tuberculosa, mas oferece ao lac-
e rifampicina usados nas doses recomendadas du- tente proteção significativa contra doença grave e
rante a gravidez não se mostraram teratogênicos disseminada (por exemplo, meningite tuberculosa).
para o feto humano. Se a doença não for extensa, Portanto, estes lactentes devem ser acompanhados
as gestantes podem ser tratadas com uma combi- de perto para se evitar o desenvolvimento da doen-
nação de INH (300mg VO), piridoxina (50mg VO) ça tuberculosa, particularmente no primeiro ano
e rifampicina (600mg VO). O etambutol (15 a de vida. (PRECAUÇÃO – A vacina BCG está con-
25mg/kg) VO pode ser adicionado, inicialmente, tra-indicada em pacientes imunossuprimidos e em
se houver uma possibilidade de resistência à INH. lactentes com suspeita de infecção pelo HIV.) En-
Todas estas drogas podem ser administradas em tretanto, em populações com risco elevado de TB,
dose única diária. A duração recomendada para o a OMS recomenda que os recém-nascidos assinto-
tratamento é 6 meses, a menos que o microrganis- máticos, infectados por HIV recebam a vacina BCG
mo seja resistente a drogas; nesse caso, um infec- ao nascimento ou logo após.
tologista deve ser consultado e o tratamento pode Se a criança nascida de mãe com TB ativa
ser ampliado por 18 meses. A estreptomicina é po- apresentar teste cutâneo positivo, é necessário
tencialmente ototóxica para o feto em desenvolvi- afastar a doença tuberculosa através de exame
mento e não deve ser utilizada no começo da gravi- completo. Se a doença não estiver presente, deve-
dez, a menos que esteja contra-indicado o uso de se manter INH durante pelo menos 6 meses; crian-
rifampicina. Se possível, deve-se evitar outros agen- ças infectadas por HIV devem ser tratadas du-
tes tuberculostáticos, por causa da teratogenicidade rante 12 meses.
(por exemplo, etionamida) ou mesmo por falta de Recém-nascidos com TB ativa – A “American
experiência clínica durante a gravidez. O aleitamen- Academy of Pediatrics” recomenda tratamento de
to materno não é contra-indicado para as mães que TB congênita com INH (10 a 15mg/kg VO),
estão sob terapia e que não são contagiosas. rifampicina (10 a 20mg/kg VO) e pirazinamida (20
Em lactentes assintomáticos e mãe com TB a 40mg/kg VO) e estreptomicina (20 a 40mg/kg
ativa – O lactente geralmente deve ser separado da IM) em uma única dose diária, durante 2 meses,
mãe até que ela esteja sob tratamento eficaz e as seguidas por INH e rifampicina por mais 10 me-
pesquisas de bacilos álcool-ácido-resistentes no ses. De modo alternativo, um esquema de 10 me-
escarro sejam negativas (geralmente de 2 a 12 se- ses de INH e rifampicina 2 vezes por semana pode
manas). Antes de mandar o lactente para casa, é ser administrado após 2 meses da terapia inicial.
necessário investigar os comunicantes familiares Dependendo dos resultados de resistência antibió-
para detectar TB não diagnosticada. Se for assegu- tica, capreomicina ou canamicina podem ser usa-
rada adesão razoável e o ambiente familiar não apre-
sentar TB, o lactente deve ser tratado com INH e das em vez da estreptomicina.
pode ser mandado para casa no prazo habitual. Os Quando o SNC está afetado, a terapia inicial deve
testes cutâneos devem ser realizados com 3 e 6 me- incluir corticosteróides (prednisona 1mg/kg VO ao
ses de idade. Se o lactente permanecer negativo ao dia, por 6 a 8 semanas, depois gradualmente redu-
teste de tuberculina, nesse período, a administração zida). A terapia deve continuar até que todos os si-
de INH pode ser interrompida e o lactente submeti- nais de meningite tenham desaparecido e as cultu-
do a testes cutâneos aos 9 e 12 meses de idade. ras sejam negativas em duas punções lombares su-
Se, pelo contrário, não se puder assegurar ade- cessivas com um intervalo de pelo menos 1 sema-
são num ambiente sem tuberculose, o lactente deve na entre si. A terapia pode então ser mantida com
receber a vacina BCG e tratamento com INH, tão INH e rifampicina diariamente ou 2 vezes por se-
logo seja possível. (Embora a INH iniba a multi- mana por mais 10 meses.
plicação de microrganismos BCG, a combinação Dados recentes sugerem que a TB de aquisi-
de INH e vacina BCG é apoiada por estudos clíni- ção congênita em lactentes e crianças que não
cos e relatos de caso). O lactente é separado de sua seja disseminada e não envolva SNC, ossos ou
mãe até que ela tenha recebido terapia antituber- articulações pode ser tratada com sucesso com
culose e seu escarro esteja negativo para o bacilo uma terapia de 6 a 9 meses no total. O organismo
álcool-ácido resistente. O lactente pode, então, ser recuperado do lactente ou da mãe deve ser testa-
enviado para casa em um esquema de INH e ser do para sensibilidade a drogas. Sintomas hema-
submetido ao teste tuberculínico com 8 a 12 sema- tológicos, hepáticos e otológicos devem ser acom-
nas de idade. panhados freqüentemente para determinar a res-
Se o teste do lactente ainda for negativo, a vaci- posta ao tratamento e a toxicidade pelas drogas.
na BCG deve ser repetida. A vacinação com BCG Geralmente não são necessários exames labo-
não assegura ausência de exposição e desenvolvi- ratoriais freqüentes.

Merck_19C.p65 2178 02/02/01, 14:30


CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2179

ENTEROCOLITE produzido por uma agressão anóxica, desencadean-


do um intenso reflexo primitivo, que diminui acen-
NECROSANTE tuadamente o fluxo sangüíneo intestinal. A agressão
É uma doença adquirida, principalmente de recém- isquêmica intestinal pode resultar também de esta-
nascidos prematuros ou doentes, caracterizada dos de fluxo sangüíneo baixo encontrado durante
por necrose intestinal de mucosa ou mesmo mais uma exsangüineotransfusão ou em sepse ou com o
profunda, mais comumente no íleo terminal, com uso de fórmulas hiperosmolares. Igualmente, car-
o cólon e o intestino delgado proximal envolvi- diopatia congênita com fluxo sangüíneo sistêmico
dos com menor freqüência. reduzido ou dessaturação arterial de O2 podem levar
Certos recém-nascidos apresentam risco espe- à hipoxia intestinal e isquemia e predispor à NEC. A
cial; 75% dos casos ocorrem em prematuros, parti- sugestão de que o leite materno poderia oferecer
cularmente quando houve ruptura prolongada da proteção contra a NEC não foi comprovada.
bolsa com amnionite ou asfixia durante o parto. A necrose começa na mucosa e pode progredir
A incidência pode também ser mais elevada em lac- envolvendo toda a espessura da parede intestinal,
tentes alimentados com fórmulas hipertônicas ou resultando em perfuração. Ocorre septicemia em
nos que foram submetidos a exsangüineotrans- um terço dos lactentes.
fusões. Acredita-se que retardar as alimentações Sintomas, sinais e diagnóstico
durante muitos dias a semanas em prematuros de-
licados ou doentes enquanto se fornece nutrição Os recém-nascidos com NEC podem iniciar a
parenteral total e depois aumentar lentamente as doença com íleo paralítico, que se manifesta por
alimentações parenterais em um período de sema- distensão abdominal, resíduos gástricos biliosos
nas, reduz o risco de desenvolver enterocolite ne- (após alimentações), que podem evoluir para vô-
crosante (NEC). No entanto, outros estudos não mitos biliosos e/ou sangue macro ou microscópico
determinaram que esta abordagem fosse benéfica. nas fezes. A sepse associada pode se manifestar por
A NEC pode ocorrer em grupos de casos ou sur- letargia, instabilidade térmica, aumento dos perío-
tos em UTI neonatais; estudos epidemiológicos dos de apnéia e acidose metabólica.
identificaram alguns grupos de casos associados Exames de fezes de prematuros (que estejam sen-
com organismos específicos (por exemplo, do alimentados) para sangue oculto ou substâncias
Klebsiella, Escherichia coli, estafilococos coagu- redutoras podem ajudar no diagnóstico de NEC.
lase-negativos), mas freqüentemente não se identi- Raios X precoces podem ser inespecíficos e revelar
fica nenhum patógeno específico. somente íleo paralítico. No entanto, uma alça intes-
tinal fixa, dilatada, que não se altera aos raios X re-
Etiologia e patogênese petidos indica NEC. Sinais radiológicos específicos
de NEC são a pneumatose intestinal e gás venoso
Em lactentes que desenvolvem NEC, três fato- portal. O pneumoperitônio indica perfuração intes-
res geralmente estão presentes no intestino: agres- tinal, e necessidade de uma cirurgia de urgência.
são isquêmica precedente, colonização bacteriana
e substrato intraluminal (por exemplo, alimentações Prognóstico e tratamento
parenterais). Aproximadamente dois terços das crianças com
A etiologia da NEC é desconhecida. Acredita-se NEC sobrevivem; a evolução melhorou com suporte
que a agressão isquêmica lese o revestimento do in- agressivo e indicação criteriosa do momento da
testino, determinando que a mucosa não produza intervenção cirúrgica.
muco, o que leva a um aumento da suscetibilidade O tratamento não cirúrgico de suporte na NEC
do intestino à invasão bacteriana. Uma vez que se está indicado em aproximadamente 70% dos casos.
inicia a alimentação, há amplo substrato para a pro- As alimentações devem ser interrompidas imediata-
liferação de bactérias luminais, que podem penetrar mente se houver suspeita de NEC e o intestino deve
na parede intestinal, produzindo gás hidrogênio que ser descomprimido com uma sonda nasogástrica de
se concentra, o que produz a aparência característi- duplo lúmen conectada a um aspirador. Devem ser
ca de pneumatose intestinal ao raio X. O gás pode administrados líquidos colóides apropriados e cris-
também entrar pela veia porta e o gás intraportal pode talóides parenterais para manter a circulação, uma
ser observado em radiografias simples do abdome vez que uma inflamação extensa do intestino e/ou
ou pela ultra-sonografia do fígado. A progressão da peritonite podem levar a perdas líquidas considerá-
doença pode levar à necrose de todo o intestino, pe- veis para o terceiro espaço. É necessária nutrição
ritonite, perfuração, sepse e morte. parenteral total por um período de 14 a 21 dias, en-
A agressão isquêmica pode resultar de um quanto o intestino se cura. Os antibióticos sistêmi-
vasospasmo das artérias mesentéricas, que pode ser cos devem ser introduzidos imediatamente, com um

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2180 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

antibiótico β-lactâmico (ampicilina, ticarcilina) e ros, em irmãos ou irmãs de vítima de SIDS e em


um aminoglicosídeo. A cobertura adicional para lactentes que tiveram episódios de apnéia grave,
anaeróbios (por exemplo, clindamicina, metronida- com necessidade de reanimação e em lactentes nas-
zol) também pode ser considerada e o tratamento cidos de mães que fumaram durante a gravidez.
deve ser mantido por um período de 10 dias. (Para Muitos fatores de risco para SIDS se aplicam tam-
posologia, ver TABELA 260.6). O mais importante é bém a mortes de lactentes por outras causas. Qua-
que o recém-nascido com NEC necessita de reava- se todas as mortes por SIDS ocorrem quando se
liação clínica constante (por exemplo, a cada 6h), acredita que o lactente está dormindo.
com raios X abdominais seqüenciais, hemogramas,
contagem de plaquetas e gasometria. Etiologia, diagnóstico e prevenção
A intervenção cirúrgica é necessária em até A causa é desconhecida, embora seja mais pro-
um terço dos recém-nascidos com NEC. As indi- vavelmente devido à disfunção dos mecanismos
cações absolutas para intervenção cirúrgica são neurais de controle do sistema cardiorrespiratório.
perfuração intestinal (pneumoperitônio), sinais A disfunção que causa a morte, pode ser intermi-
de peritonite (ausência de ruídos intestinais, de- tente ou transitória e é provável que múltiplos me-
fesa difusa e sensibilidade e edema ou eritema canismos estejam envolvidos. Nota-se que menos
da parede abdominal), ou aspiração de material de 5% das vítimas de SIDS apresentam episódios
purulento da cavidade peritoneal através de pa- de apnéia prolongada, anteriormente à morte; por-
racentese. Deve-se considerar a cirurgia para tanto, a sobreposição entre a população com SIDS
lactente com NEC cujas condições clínica e la- e os lactentes com apnéia prolongada recorrente é
boratorial piorem com o tempo, apesar do supor- muito pequena. Muitos estudos ligam o fato de
te não cirúrgico (ver anteriormente). Na cirur- dormir em decúbito ventral com aumento de risco.
gia, resseca-se a alça que sofreu gangrena e cri- Outros fatores de risco incluem cobertas muito es-
am-se ostomias. (Reanastomose primária pode pessas (lã de carneiro), colchões de água, fumar
ser feita se o intestino restante não mostrar si- em casa e ambiente demasiadamente aquecido.
nais de isquemia.) Com a resolução da sepse e O diagnóstico, embora seja de exclusão, não
da peritonite, o trânsito intestinal pode ser resta- pode ser feito sem uma necropsia adequada, que
belecido algumas semanas ou meses mais tarde. elimine outras causas de morte súbita, inesperada
Raramente, lactentes não tratados cirurgica- (por exemplo, hemorragia intracraniana, meningi-
mente desenvolverão estenose intestinal nas se- te e miocardite).
manas ou meses seguintes, geralmente, na flexura A “American Academy of Pediatrics” recomenda
esplênica do cólon. Estes lactentes necessitam, que os lactentes fiquem em decúbito dorsal para dor-
então, de ressecção da constrição para aliviar a mir, a menos que outras condições clínicas (por exem-
obstrução intestinal. plo, refluxo GI) impeçam esta posição. Além disso,
Como alguns surtos podem ser infecciosos, re- devem ser feitos todos os esforços para evitar um
comenda-se o isolamento de lactentes com NEC e ambiente demasiadamente aquecido, evitar agasalhar
o estabelecimento de coortes de neonatos possivel- demais a criança, retirar cobertas muito macias, como
mente expostos se ocorrerem muitos casos de NEC pele de carneiro, travesseiros, almofadas do berço e
em um período breve de tempo. evitar fumar durante e depois da gravidez.
Tratamento
SÍNDROME DA MORTE Pais que perderam uma criança devido à SIDS
SÚBITA DO LACTENTE estão muito magoados, não estão preparados para
a tragédia e, uma vez que não se encontra uma cau-
É o óbito súbito e inesperado de um lactente ou sa definitiva para a morte de seu bebê, geralmente,
criança pequena em que um exame postmortem apresentam excessivo sentimento de culpa, o que
completo não determina uma causa adequada. pode ser agravado em função da natureza das in-
A síndrome da morte súbita do lactente (SIDS) vestigações conduzidas pela polícia, assistentes
é a causa mais comum de morte entre 2 semanas e sociais ou outros. Os membros da família neces-
1 ano de idade, contribuindo para 30% de todas as sitam de apoio não somente nos dias subseqüentes
mortes nesta faixa etária. A distribuição de SIDS à morte do bebê, mas por vários meses, para ajudá-
em todo o mundo, ocorre em 1,5/1.000 nascidos los a lidar com sua tristeza e mágoa e dissipar suas
vivos nos EUA. O pico de incidência ocorre entre reações de culpa. Este suporte inclui, sempre que
o segundo e quarto meses de vida. Há aumento de possível, uma visita imediata para ajudar os pais a
incidência nos meses frios, em grupos de baixa controlar o pânico inicial e evitar que corram de-
condição socioeconômica, em lactentes prematu- sesperadamente para o hospital com os outros fi-

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CAPÍTULO 260 – DISTÚRBIOS EM RECÉM-NASCIDOS E LACTENTES / 2181

lhos, colocando suas próprias vidas e a de outros cas e redução dos inibidores de protease no plas-
em risco, observar as circunstâncias nas quais ocor- ma. Não se sabe se a redução é primária (um
reu a SIDS e informar e aconselhar os pais a res- defeito na síntese ou liberação) ou secundária
peito da causa da morte. (por aumento da utilização ou desativação).
Deve-se realizar a necropsia rapidamente, tão Edema cerebral difuso com herniação e hemor-
logo sejam conhecidos os resultados da necrop- ragias focais e infartos na córtex cerebral e outros
sia preliminar (geralmente dentro de 8 a 12h), órgãos são constantemente notados na necropsia.
deve-se fazer uma segunda visita à família, para Outros achados inespecíficos são descritos, inclu-
continuar as explicações iniciais com a mesma indo edema esparso e degeneração de hepatócitos,
sobre a SIDS. Um terceiro encontro com os pais, mas sem degeneração gordurosa compatível com
2 ou 3 dias mais tarde, reforça as informações síndrome de Reye.
iniciais e responde a várias novas dúvidas que
surgirem. Em um mês ou mais, deve-se procu- Sintomas e sinais
rar um quarto encontro, para fornecer à família Na maioria dos pacientes há pródromos de
os resultados da necropsia final (microscópica) febre, sintomatologia de vias aéreas superiores
e discutir sua adaptação, especialmente sua ati- ou vômitos e diarréia. Os principais sinais in-
tude no tocante a ter outras crianças. Todo o cluem início agudo de encefalopatia (manifesta-
aconselhamento e apoio pode ser complemen- da como convulsões, coma e hipotonia) e cho-
tado por enfermeiras especialmente treinadas que grave. Outras manifestações comuns incluem
ou mesmo por pessoas que tenham vivido a hiperpirexia (até 43,9°C [111°F] retal), coagu-
experiência e passaram pelo período de adapta- lação intravascular disseminada (CID), edema
ção a SIDS (por exemplo, um membro de um cerebral, diarréia sanguinolenta, acidose meta-
escritório local da “National Foundation for bólica, elevação das transaminases hepáticas,
Sudden Infant Death Syndrome” [ou da “Interna- insuficiência renal aguda, trombocitopenia e
tional Guild for Infant Survival”. redução do Ht. O comprometimento primário
pulmonar ou miocárdico é pouco usual. A ava-
liação laboratorial freqüentemente revela leu-
SÍNDROME DO CHOQUE cocitose, hipoglicemia, hipercalemia e amônia
sérica normal. As culturas para vírus e bacté-
HEMORRÁGICO E rias são negativas.
ENCEFALOPATIA Diagnóstico e prognóstico
(Síndrome de Newcastle) O diagnóstico é confirmado pelos achados clí-
É uma doença extremamente rara caracterizada nicos e laboratoriais descritos anteriormente. O
por início agudo de choque grave, encefalopa- diagnóstico diferencial inclui o choque séptico, sín-
tia e outros sintomas em crianças previamente drome de Reye, síndrome do choque tóxico,
normais, resultando em óbito ou evolução neu- síndrome hemoliticourêmica, intermação e febres
rológica desastrosa. hemorrágicas de etiologia viral. Estas condições são
A síndrome do choque hemorrágico e encefalo- excluídas pela sua evolução clínica ou pelos acha-
patia (SCHE) ocorre predominantemente em lac- dos laboratoriais.
tentes entre 3 a 8 meses de idade (média de idade Em todas as séries descritas, a maioria dos
de 5 meses), mas foi descrito em um jovem de pacientes morreu (> 60%), e cerca de 70% ou
15 anos de idade. mais dos sobreviventes apresentaram seqüelas
neurológicas graves.
Etiologia e patologia
Tratamento
A causa é ignorada. Foi sugerido que a SCHE
seria uma forma de insolação decorrente de aga- O tratamento é apenas de suporte. A infusão
salhamento excessivo de crianças com doença de soluções isotônicas e de derivados de sangue
febril. No entanto, a SCHE raramente é observa- (até 300mL/kg) e também um suporte inotrópico
da no período neonatal e o agasalhamento exces- (dopamina, adrenalina, etc.) são necessários para
sivo não é descrito de forma consistente. Outras manter a circulação. A intubação e hiperventila-
teorias incluem reação a toxinas intestinais, to- ção podem ser de alguma ajuda na diminuição
xina ambiental, liberação pancreática de tripsina da pressão intracraniana decorrente do edema
ou um vírus ou bactéria não identificado. Exis- cerebral. A CID freqüentemente progride apesar
tem relatos de aumento em proteases plasmáti- da administração de plasma fresco congelado.

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2182 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

261␣ /␣ ANOMALIAS
CONGÊNITAS
São defeitos estruturais presentes ao nascimento.

As anomalias congênitas podem ser isoladas não interromper a gravidez. A terapia pré-natal é
ou múltiplas, herdadas ou esporádicas, aparentes ou teoricamente possível para distúrbios obstrutivos
ocultas, macroscópicas ou microscópicas. Elas cau- (uropatia e hidrocefalia), mas é experimental.
sam cerca de metade de todos os óbitos em recém- Quando uma anomalia é identificada no parto
nascidos a termo. Uma anomalia maior está presente ou logo depois do nascimento, os pais devem ser
(aparente) ao nascimento em 3 a 4% dos recém-nas- informados imediatamente, embora uma discussão
cidos; até os 5 anos de idade, mais de 7,5% das crian- mais profunda possa ser postergada até que especia-
ças manifestam um defeito congênito. listas sejam consultados. A família deve receber
A incidência de anomalias congênitas específi- uma avaliação realista da gravidade da condição,
cas varia com o tipo de defeito, a área geográfica seu prognóstico e a assistência médica disponível
e/ou fatores tais como diferenças em fatores gené- e devem participar ativamente das decisões (ver
ticos ou ambientais (a ocorrência de espinha bífida também Cap. 257).
é de 3 a 4/1.000 nascimentos em áreas da Irlanda e Se houver suspeita de fatores genéticos, os pais de-
cerca de 1/1.000 nos EUA) e práticas culturais (ca- vem receber aconselhamento genético (ver Cap. 247).
samentos entre parentes aumentam o risco de anor-
malidades genéticas). O aumento da idade da mãe
(e, em menor extensão, do pai) pode aumentar o CARDIOPATIA
risco de defeitos cromossômicos, especialmente
síndrome de Down (ver TABELA 247.1). CONGÊNITA
A etiologia pode envolver diversos fatores ge- São defeitos anatômicos do coração e grandes va-
néticos e/ou teratogênicos. Diferentes fatores atual- sos produzidos em diversos estágios de desen-
mente no mesmo período da organogênese podem volvimento fetal e presentes ao nascimento.
produzir defeitos idênticos. Fatores genéticos po-
dem provocar muitas anomalias isoladas e síndro- Epidemiologia e etiologia
mes. Podem operar através de herança mendeliana A incidência é de 1/120 nascidos vivos. O risco
simples ou multifatorial. Algumas síndromes, como é estimado em 2 a 3% para crianças com um pa-
a síndrome de Down, resultam de anormalidades rente de primeiro grau afetado (maior se o familiar
cromossômicas (ver adiante em ANORMALIDADES afetado for um dos pais).
CROMOSSÔMICAS). Fatores teratogênicos incluem Em alguns casos, a etiologia específica pode ser
toxinas ambientais, radiação, dieta, drogas, infec- definida. Defeitos cromossômicos (por exemplo,
ção e distúrbios metabólicos. trissomia do 13 ou 18) podem provocar anomalias
cardíacas congênitas graves, enquanto outras (por
Diagnóstico exemplo, trissomia do 21, síndrome de Turner
O diagnóstico pré-natal pode ser possível por [XO]), e distúrbios genéticos (por exemplo, sín-
ultra-sonografia, amniocentese ou amostragem de drome de Holt-Oram) podem provocar anomalias
vilosidade coriônica (ver Cap. 247). Fatores obsté- menos graves.
tricos que podem sugerir uma anomalia incluem Doenças maternas (por exemplo, diabetes
apresentação pélvica, poliidrâmnio, que pode re- melito, lúpus eritematoso sistêmico – LES), ex-
sultar da dificuldade de deglutição (por exemplo, posição ambiental (por exemplo, à talidomida,
por distúrbios graves de SNC como anencefalia) isotretinoína ou álcool [síndrome do alcoolismo
ou bloqueio do trato GI (por exemplo, por atresia fetal]), bem como combinações dos fatores ante-
de esôfago) e oligoidrâmnio, que pode ser provo- riores podem estar implicados.
cado por baixo débito urinário por anomalias GU.
Fisiologia e fisiopatologia
Tratamento Em corações normais, as alterações cardio-
Quando se identifica um defeito grave no perío- vasculares após o nascimento (fechamento do fo-
do pré-natal, os pais podem decidir se desejam ou rame oval e ducto arterioso, redução da resistência

Merck_19C.p65 2182 02/02/01, 14:30


CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2183

vascular pulmonar) separam os circuitos sistêmico VCS VP


do pulmonar (ver FIG. 261.1 e FISIOLOGIA
PERINATAL no Cap. 256). As pressões cardíacas são
mais baixas à direita que à esquerda. As conseqüên- 75% 95%
AD AE
cias da cardiopatia congênita dependem dessas di-
ferenças de pressão. 4 6
Muitos defeitos congênitos não provocam alte- VCI
ração hemodinâmica significativa. Outras provo-
VD VE
cam volume ventricular, pressão ventricular e es-
vaziamento atrial anormais, mistura de sangue não 20 100


oxigenado com sangue oxigenado ou débito car- 75% 0 0 95%
díaco sistêmico inadequado.
Defeitos que obstruem o fluxo sangüíneo (por
exemplo, estenose aórtica ou pulmonar) provocam
sopros independentes de uma queda na resistência 75% AP 20 100 Ao 95%
vascular pulmonar. Geralmente audível ao nasci-  
10 70
mento, esses sopros ejetivos apresentam uma qua-
lidade de crescendo/decrescendo, à medida que a FIGURA 261.1 – Circulação normal com representação
pressão ventricular sobe na sístole para superar a das pressões nos lados direito e esquerdo do coração
obstrução. A hipertrofia ventricular, detectável por (em mmHg). Saturações de O2 arterial em câmara repre-
ECG, mas geralmente não pela radiografia, reflete sentativa indicadas por porcentagens. Ao = aorta; VCI = veia
o aumento resultante da sobrecarga. cava inferior; AE = átrio esquerdo; VE = ventrículo es-
Os “shunts” da esquerda para a direita depen- querdo; AP = artéria pulmonar; VP = veias pulmonares;
dem da baixa resistência pulmonar e geralmente AD = átrio direito; VD = ventrículo direito; VCS = veia
não ficam aparentes até vários dias ou algumas se- cava superior.
manas depois do nascimento para “shunts” de alta
pressão (ou seja, nível ventricular ou de grandes
vasos) e consideravelmente mais tarde para de fechamento arterial. Um estalido ejetivo pode
“shunts” de baixa pressão (isto é, nível atrial). ser facilmente auscultado após a primeira bulha
A dilatação ventricular, resultado de “shunt” da es- (B1), quando a abertura da válvula está limitada.
querda para a direita, é bem demonstrado em ra- Os sinais de insuficiência cardíaca podem in-
diografias, mas menos evidente em ECG. cluir angústia respiratória com taquipnéia e
A insuficiência cardíaca (ver adiante) pode re- dispnéia; taquicardia e hepatomegalia. A ciano-
sultar de fluxo sangüíneo pulmonar aumentado (fa- se pode ser um sintoma de apresentação no re-
cilmente detectado por radiografia de tórax), que cém-nascido. Baqueteamento dos dedos e ex-
pode aumentar a pressão venosa pulmonar. tremidades e policitemia resultam de insatura-
Sintomas e sinais ção arterial prolongada.
A perfusão sistêmica inadequada se apresenta
Sopros cardíacos e frêmitos são o resultado como pulsos diminuídos ou impalpáveis, extre-
do fluxo turbulento dentro do coração ou dos midades frias, enchimento capilar deficiente e,
grande vasos e são mais audíveis na superfície se prolongada, evidência de disfunção orgânica
mais próxima do ponto onde são gerados, fazen- (por exemplo, diminuição do débito urinário e
do com que sua localização seja útil para o diag- insuficiência renal). Dilatação e hipertrofia de
nóstico. O fluxo aumentado através das válvulas câmaras cardíacas podem resultar do aumento
pulmonares produz um sopro suave, com carac- do trabalho cardíaco.
terísticas semelhantes às do sopro ejetivo aórtico
ou pulmonar, mas menos rude. O fluxo regur- Diagnóstico
gitante de uma válvula atrioventricular ou fluxo O diagnóstico depende do reconhecimento da
através do septo ventricular produz um sopro função cardíaca anormal (descrita anteriormente).
pansistólico, possivelmente ocultando os sons História, exame físico, ECG e radiografia de tórax
cardíacos à medida que sua intensidade aumen- de rotina são geralmente adequados para diagnós-
ta. O fluxo nos grandes vasos é contínuo, portan- tico anatômico específico; ecocardiografia, cate-
to, um sopro originado do fluxo aorticopulmonar terização, angiocardiografia e outros estudos labo-
é contínuo e não interrompido pelas bulhas cardía- ratoriais podem ser necessários para confirmar o
cas. A qualidade das bulhas cardíacas reflete a diagnóstico e o grau de comprometimento mais
adequação da função ventricular e das pressões especificamente.

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2184 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

A cianose requer uma pesquisa completa de Sintomas, sinais e diagnóstico


causas não cardíacas. Muitos problemas respira-
O sopro típico de Graus 2 a 3/6 é audível na
tórios neonatais são acompanhados de cianose
borda superior esquerda do esterno, com desdo-
quando o fluxo aéreo está obstruído dentro da
bramento da segunda bulha (B2) durante a respi-
árvore brônquica, quando grandes massas ocu-
ração. O sopro geralmente está presente > 1 ano
pam espaço que deveria ser ocupado pelo pul-
de idade, quando o fluxo sangüíneo pulmonar
mão ou quando uma doença alveolar impede a
aumenta significativamente. Na presença de um
troca adequada dos gases. Hipotermia, hipo-
grande “shunt” da esquerda para a direita (no
glicemia, hipocalcemia, sepse e disfunção do SNC
qual a relação de fluxo sangüíneo pulmonar sis-
também estão habitualmente presentes com a
têmico é ≥ 2:1), pode haver sopro diastólico baixo
cianose no recém-nascido. O reconhecimento da
do fluxo tricúspide. Pelo raio X, há dilatação do
cianose depende da quantidade absoluta de Hb
átrio direito e do ventrículo direito (VD) e um
não saturada; a cianose pode, portanto, ser mas-
aumento do fluxo arterial pulmonar. O ECG
carada pela anemia. Arlequinismo (eritema tran-
mostra desvio moderado do eixo para a direita,
sitório afetando um lado do corpo com palidez
moderada sobrecarga de volume VD, força ven-
do outro lado e uma demarcação nítida na linha
tricular esquerda (VE) normal e, algumas vezes,
média) simulando cianose não é raro no recém-
intervalo P-R um pouco prolongado e/ou anor-
nascido e na criança pequena.
malidades da onda P. Podem ocorrer arritmias
atriais. É comum a conexão venosa pulmonar
DEFEITO SEPTAL ATRIAL parcialmente anômala com um defeito atrial de
seio venoso e não pode ocorrer persistência da
É uma abertura no septo interatrial. veia cava superior esquerda. Possíveis compli-
O defeito septal atrial constitui aproximadamente cações incluem hipertensão pulmonar do adulto
6 a 10% das cardiopatias congênitas, mais fre- e formação de trombos atriais, com risco de
qüentemente nas meninas (2:1) e em aproximada- embolização sistêmica, bem como potencial
mente 1 a cada 1.500 nascidos vivos. Os tipos de “shunt” da direita para esquerda com possível
defeitos septais atriais (ver FIG. 261.2) incluem óstio embolização sistêmica.
secundário e defeitos do seio venoso. O diagnóstico em geral é aparente com os
achados clínicos e o defeito geralmente é detec-
VCS tado em um ecocardiograma bidimensional.
VP Todavia, a cateterização é feita ocasionalmente
no pré-operatório, para avaliar o tamanho do
75% “shunt” e determinar a presença de veias sistê-
AD AE micas ou pulmonares anômalas, e também ava-
95%
liar a função VE.
VCI
Tratamento
VD VE Recomenda-se o reparo cirúrgico eletivo na
idade de 2 a 6 anos, em crianças nas quais a
85% 95% relação de fluxo pulmonar a sistêmico é > 1,5:1,
embora a maioria dos pacientes submetidos ao
fechamento cirúrgico do defeito atrial tenha uma
relação de 2,5 a 3:1. A cirurgia pode ser feita
85% AP Ao 95% antes na presença de “shunts” muito grandes ou
arritmias atriais. Justifica-se a observação clíni-
ca contínua em crianças com “shunts” menores
FIGURA 261.2 – Defeito septal atrial é caracterizado por se elas não apresentarem cardiomegalia ou sin-
aumento do fluxo sangüíneo pulmonar e aumento do tomas. No entanto, uma razão para se fazer o
volume do AD e VD. Saturações de O2 arterial em câmara reparo de pequenos defeitos septais atriais em
representativa indicadas por porcentagens. Ao = aorta; crianças é que ainda não é possível predizer, por
VCI = veia cava inferior; AE = átrio esquerdo; VE = ventrí- outro lado, quais crianças desenvolverão hiper-
culo esquerdo; AP = artéria pulmonar; VP = veias pulmona- tensão pulmonar na idade adulta. Outra razão é
res; AD = átrio direito; VD = ventrículo direito; VCS = veia evitar “shunt” da direita para esquerda com pos-
cava superior. sível embolização sistêmica.

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2185

DEFEITO COMPLETO DO VCS VP


CANAL ATRIOVENTRICULAR 75%
É uma abertura no septo atrial e/ou ventricular ao AD AE 95%
nível das válvulas atrioventriculares, geralmente VCI 4 4
acompanhada por anormalidades de válvula
mitral ou tricúspide.
Defeitos completos do septo atrioventricular 100
constituem aproximadamente 5% das cardiopatias VD  VE 95%
85% 100 0
congênitas. Os tipos incluem defeito septal atrial 
óstio primário e defeito do canal atrioventricular 0
100
completo (defeito do coxim endocárdico, defeito  100

do septo atrioventricular); o último ocorre comu- 0 70
mente em lactentes com síndrome de Down. 85% AP Ao 95%
Defeitos completos do canal atrioventricular (ver
FIG. 261.3) podem se apresentar com cianose ao nas- FIGURA 261.3 – Defeito do canal atrioventricular é
cimento decorrente de “shunt” da direita para esquer- caracterizado pelo aumento do fluxo sangüíneo, au-
da, possivelmente com sopros sistólicos regurgitan- mento de volume da câmara, e, com freqüência, aumen-
tes de insuficiência mitral ou tricúspide. A insuficiência to da resistência vascular pulmonar. Saturações de O2
cardíaca pode ocorrer precocemente por causa dos arterial em câmara representativa e indicadas por porcenta-
“shunts” de grandes volumes, insuficiência de válvu- gens. Ao = aorta; VCI = veia cava inferior; AE = átrio
la atrioventricular ou ambos. Vasculopatia pulmonar esquerdo; VE = ventrículo esquerdo; AP = artéria pulmo-
fixa pode ocorrer se o reparo cirúrgico for adiado nar; VP = veias pulmonares; AD = átrio direito; VD =
depois dos primeiros 6 a 12 meses de vida. ventrículo direito; VCS = veia cava superior.
O diagnóstico pode ser feito com base no ECG
mostrando um desvio de eixo superior para a es-
querda e alça em sentido anti-horário, por causa da to do fluxo sangüíneo pulmonar, desdobramento
ausência congênita da divisão anterior do ramo es- persistente de B2 e freqüentemente um sopro asso-
querdo, prolongamento freqüente do intervalo P-R ciado de regurgitação mitral ou tricúspide. Acha-
e hipertrofia de VE ou VD. A radiografia mostra dos ECG mostram um eixo superior, alça anti-ho-
cardiomegalia com abaulamento típico superior da rária, volume ventricular direito ou esquerdo pro-
imagem do átrio direito, dilatação de VD e VE e porcional ao aumento do fluxo sangüíneo pulmo-
um segmento de artéria pulmonar principal proe- nar e regurgitação valvular. As radiografias de tó-
minente e aumento de fluxo da artéria pulmonar. O rax mostram cardiomegalia, átrio direito proemi-
diagnóstico pode ser confirmado pela ecocardio- nente, segmento de artéria pulmonar principal proe-
grafia bidimensional; cateterização e angiografia minente e fluxo sangüíneo aumentado. A ecocardio-
pré-operatórias raramente são necessários. grafia geralmente fornece informação adequada para
A necessidade de reparo cirúrgico depende do reparo cirúrgico, tornando a cateterização desneces-
estado clínico geral da criança. Defeitos comple- sária. O reparo cirúrgico do defeito septal atrial por
retalho, geralmente do pericárdio e, se necessário,
tos do canal atrioventricular devem ser reparados das válvulas átrioventriculares, é realizado na meta-
com idade < 2 anos (em muitos centros já com 3 a de da infância.
4 meses) para evitar doença vascular pulmonar fixa.
DEFEITO SEPTAL VENTRICULAR
DEFEITO PARCIAL DO CANAL
ATRIOVENTRICULAR É uma ou mais aberturas no septo interventricular
que podem apresentar fechamento espontâneo na
(Defeito Parcial do Septo Atrioventricular; Óstio infância, podem levar a insuficiência cardíaca,
Primário Persistente) necessitar de fechamento cirúrgico e/ou ser
É uma deficiência do septo atrial logo acima da acompanhadas por doença vascular pulmonar.
crista do septo ventricular. A incidência global é de 2 a 4/1.000 nascidos vivos.
O defeito parcial do canal atrioventricular inclui
as mesmas anormalidades das válvulas mitral e tri- Sintomas, sinais e diagnóstico
cúspide que ocorrem no defeito completo do septo Pequenos defeitos septais ventriculares (DSV –
atrioventricular. Existe evidência clínica de aumen- ver FIG. 261.4) freqüentemente são ouvidos como

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2186 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

VCS associadas, às vezes mascaradas, geralmente são des-


VP
necessários. A ecocardiografia, com fluxo colorido e
estudos de Doppler, pode fornecer informação pré-
75% AD AE operatória adequada.
95%
4 6 Tratamento
VCI Digitálicos, diurese, restrição de sal e/ou redução
VD VE de pós-carga e tratamento de infecções respiratórias
60
 100 podem controlar a insuficiência cardíaca e permitir à
85% 0  95% criança a manutenção de crescimento e desenvolvi-
0
mento normais. A insuficiência cardíaca geralmente
60 100 desaparece no primeiro ou segundo ano quando o
  defeito se torna menos significativo e pode não haver
30 70
Ao 95%
necessidade de cirurgia.
85% AP Em lactentes que respondem mal ou não respon-
dem às medidas de controle de insuficiência car-
FIGURA 261.4 – O defeito septal ventricular é caracte- díaca ou apresentam grandes “shunts”, considera-
rizado por um fluxo sangüíneo pulmonar aumentado se o reparo cirúrgico cada vez mais nos primeiros
e aumento dos volumes de AE e VE. Saturações de O2 meses de vida. DSV que permanecem significati-
arterial em câmara representativa e indicadas em porcen- vas, com cardiomegalia, atraso do crescimento ou
tagens. Ao = aorta, VCI = veia cava inferior, AE = átrio sintomas mas sem insuficiência cardíaca podem
esquerdo, VE = ventrículo esquerdo, AP = artéria pulmo- exigir fechamento mais tardiamente na infância.
nar; VP = veias pulmonares; AD = átrio direito; VD = Todas as crianças com DSV devem receber pro-
ventrículo direito, VCS = veia cava superior. filaxia contra endocardite infecciosa (ver TABELAS
270.1 e 270.2).
sopros pansistólicos altos rudes na borda inferior es-
querda do esterno durante os primeiros meses de vida SÍNDROME DO VENTRÍCULO
e não são acompanhadas por anormalidade hemo-
dinâmica. DSV mais significativos são ouvidos com ESQUERDO HIPOPLÁSICO
a idade de 2 a 3 semanas de idade, à medida que a É a hipoplasia grave do VE.
resistência vascular pulmonar decresce e aumenta o O aparecimento abrupto de insuficiência cardíaca
“shunt” da esquerda para a direita. Um sopro alto, grave, com perda dos pulsos periféricos e evidências
rude, pansistólico, Grau 3 a 4/6 é ouvido na borda de diminuição intensa da perfusão sistêmica num lac-
inferior esquerda do esterno, um sopro apical meso- tente de 2 ou 3 dias de idade considerado saudável,
diastólico de fluxo mitral é ouvido se estiver presente sugere fortemente a presença de atresia valvular aór-
um grande “shunt” (relação de fluxo pulmonar para tica e/ou mitral, com fluxo sangüíneo sistêmico de-
sistêmico ≥ 2:1) e o som de fechamento pulmonar é pendente do ducto e a ocorrência de colapso cardio-
acentuado quando a pressão de artéria pulmonar vascular quando do fechamento do ducto. Cardiome-
é elevada. Sinais de insuficiência cardíaca, se presen- galia, congestão venosa pulmonar e ECG sem evi-
tes, podem ficar aparentes com a idade de 6 a 8 sema- dências de atividade VE demonstrada pela ausência
nas, quando ocorre congestão pulmonar. de onda Q septal ou ondas R precordiais esquerdas
Lactentes com grandes “shunts” ou insuficiência positivas são fortemente sugestivos do diagnóstico,
cardíaca mal estabilizada apresentam risco conside- que pode ser confirmado pela demonstração de hipo-
ravelmente mais elevado de doença grave com pneu- plasia importante das estruturas esquerdas do cora-
monias virais ou bacterianas, freqüentemente com ção na ecocardiografia. Novas cirurgias, como o pro-
necessidade de suporte com ventilação mecânica. cedimento de Norwood (uma conversão em múlti-
Cardiomegalia, insuficiência cardíaca, atraso de cres-
cimento ou endocardite infecciosa podem ocorrer. plos estágios das estruturas do coração direito para
A radiografia mostra cardiomegalia, aumento de funcionar como estruturas do coração esquerdo) apre-
átrio esquerdo e VE e aumento do fluxo arterial pul- sentam eficácia crescente.
monar. Os achados ECG são inicialmente os de so-
brecarga de volume de VE, mas podem incluir hiper- TETRALOGIA DE FALLOT
trofia crescente de VD quando as pressões de VD e
artéria pulmonar aumentam. Cateterização cardíaca É uma anormalidade anatômica com grave ou total
e angiocardiografia para determinar a localização do obstrução da via de saída ventricular direita e co-
DSV, resistência pulmonar e a presença de anomalias municação interventricular, permitindo que san-

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2187

gue não oxigenado do VD desvie-se pela artéria VCS


pulmonar e entre diretamente no VE e na aorta. VP
Na tetralogia de Fallot (ver FIG. 261.5), ouve-se 60%
um sopro ejetivo na borda esternal superior esquerda AD AE 95%
decorrente de obstrução da via de saída do ventrículo 4 6
direito (VD), ao nascimento ou logo depois, com de- VCI
senvolvimento gradual de cianose. No entanto, lac-
tentes com tetralogia de Fallot e atresia de válvulas VD VE
pulmonares e fluxo sangüíneo pulmonar dependente 100
do ducto arterioso apresentarão cianose grave e um
100
 
60% 0 0 70%
sopro contínuo, decorrente do fluxo ductal. Lacten-
tes maiores apresentam um sopro ejetivo, desvio do
100
eixo para a direita e hipertrofia de VD no ECG; a 20
 
radiografia mostra um coração pequeno e um seg- 10 70
mento de artéria pulmonar principal côncavo com flu- 60% AP Ao 70%
xo sangüíneo pulmonar diminuído. O arco aórtico
direito está presente em 25%. Em alguns neonatos e
crianças maiores, crises de hipercianose com ansie- FIGURA 261.5 – Na tetralogia de Fallot, o fluxo sangüí-
dade, falta de ar, angústia respiratória, cianose cres- neo é diminuído, o VD é hipertrofiado e o sangue não
cente e alteração do nível de consciência podem ocor- oxigenado entra na Ao. Saturações de O2 arterial
rer, geralmente desencadeados pela atividade. em câmara representativa indicadas por porcentagens.
Em lactentes com cianose por fechamento do duc- Ao = aorta; VCI = veia cava inferior; AE = átrio esquer-
to, a infusão de prostaglandina E1 0,05 a 0,1mg/kg/min do; VE = ventrículo esquerdo; AP = artéria pulmonar;
geralmente manterá o fluxo ductal até que as medidas VP = veias pulmonares; AD = átrio direito; VD = ventrí-
paliativas cirúrgicas, através de anastomose sistêmico- culo direito; VCS = veia cava superior.
pulmonar (artéria subclávia para artéria pulmonar ou
uma modificação desta) possam ser executadas. A in-
fusão de prostaglandina pode levar a parada respirató-
ria, devendo estar disponível equipamento para venti-
lação mecânica (ver RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMO- VCS
NAR no Cap. 263). A infusão deve ser reduzida para a VP
menor dose eficaz o mais rapidamente possível.
O tratamento de crises de hipercianose consiste 40% AD AE
de suplementação com O2, colocando o lactente em 95%
posição genupeitoral e administrando-se morfina VCI 4 8
0,1 a 0,2mg/kg IM. Propranolol 0,25 a 1,0mg/kg
VO a cada 6h pode evitar crises futuras, mas cate-
terização, angiografia e intervenção cirúrgica palia- VD VE 30
100 
tivas ou de reparo são urgentes. O reparo cirúrgico
50%  0 85%
inicial é mais protetor da função de VD e apresenta 0
a melhor evolução. Alguns lactentes precisam de
aumentos paliativos do fluxo sangüíneo pulmonar
por anastomoses sistêmico-pulmonares. Ao AP
30 85%
50% 100
 
TRANSPOSIÇÃO DOS 70 10
GRANDES VASOS
FIGURA 261.6 – Na transposição das grandes arté-
É uma anormalidade anatômica na qual a aorta rias, o sangue não oxigenado entra na Ao, o VD é
sai diretamente do VD e a artéria pulmonar sai hipertrofiado e o forame oval permite uma mistura
do VE, produzindo hipoxemia sistêmica grave. mínima. Saturações de O2 arterial em câmara repre-
A transposição dos grandes vasos é responsável sentativa indicadas por porcentagens. Ao = aorta;
por 5 a 7% de todas as anomalias cardíacas congê- VCI = veia cava inferior; AE = átrio esquerdo; VE =
nitas. Os lactentes com transposição das grandes ventrículo esquerdo; AP = artéria pulmonar; VP = veia
artérias (ver Fig. 261.6), que geralmente são sau- pulmonar; AD = átrio direito; VD = ventrículo direito;
dáveis sob outros aspectos, apresentam-se com cia- VCS = veia cava superior.

Merck_19C.p65 2187 02/02/01, 14:30


2188 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

nose grave imediatamente após o nascimento, com ESTENOSE DA


progressão rápida para acidose metabólica secun-
dária à oxigenação tecidual deficiente e alcalose VÁLVULA AÓRTICA
respiratória compensatória. O raio X do tórax mos- É a estenose do orifício da válvula aórtica por
tra uma base estreita, já que os grandes vasos apre- anormalidades congênitas da mesma, geralmente
sentam-se com mais freqüência sobrepostos e não uma válvula bicúspide.
lado a lado; há ausência do segmento arterial pul- A estenose aórtica é responsável por aproxima-
monar principal no seu local usual e a imagem car- damente 5% das cardiopatias clinicamente aparen-
díaca lembra um ovo de lado. A congestão venosa tes, mas a verdadeira prevalência de válvula aórti-
pulmonar pode se desenvolver rapidamente. O ECG ca bicúspide não diagnosticada é provavelmente
neonatal é normal. muito maior e é provavelmente a anomalia congê-
O diagnóstico deve ser confirmado imediata- nita mais comum.
mente por ecocardiografia; medidas paliativas com A obstrução pode ser valvular, subvalvular (su-
septostomia atrial com balão, para melhorar a mis- baórtica) ou supravalvular. A obstrução aórtica
tura atrial e descomprimir o átrio, esquerdo po- supravalvular é incomum, mas freqüentemente
dem ser necessárias. Em lactentes com hipoxe- ocorre em associação com hipercalcemia (síndro-
mia potencialmente fatal, a prostaglandina E1 pro- me de Williams) e pode se acompanhar por esteno-
duzirá abertura do ducto, levando a aumento do se periférica de artéria pulmonar. Os sintomas são
fluxo sangüíneo pulmonar e melhora temporária principalmente os da doença de base, embora obs-
na oxigenação sistêmica, mas pode também ser trução grave possa se acompanhar de dor torácica,
necessária a septostomia atrial imediata. O repa- pré-síncope ou síncope com atividade.
ro cirúrgico pela técnica de troca arterial com reim- Válvulas aórticas bicúspides congênitas oca-
plante de artéria coronária é realizado nos primei- sionalmente produzem obstrução intensa na infân-
ros 7 a 10 dias de vida. cia, mas é mais comum que se tornem obstrutivas
na vida adulta.
CARDIOPATIA CONGÊNITA Sintomas, sinais e diagnóstico
CIANÓTICA COMPLEXA Raramente pode ocorrer estenose valvular sin-
São anomalias cardíacas complexas que produzem tomática na infância e produzir obstrução grave da
cianose. via da saída do VE, insuficiência cardíaca, com
Anomalias mais complexas (por exemplo, ven- grave disfunção VE, insuficiência cardíaca, evidên-
trículo único com ou sem estenose pulmonar, atre- cia de alterações isquêmicas no ECG e débito sis-
sia tricúspide com relação normal ou transposição têmico deficiente. Mais comumente, se apresenta
dos grandes vasos, atresia tricúspide e pulmonar, mais tardiamente na infância como válvula aórtica
atresia mitral e tronco arterial) são menos comuns. bicúspide com estenose e às vezes insuficiência.
O diagnóstico anatômico específico geralmente é Habitualmente não há sintomas e um sopro sistóli-
possível através dos métodos usuais de avaliação, co ejetivo é ouvido mais alto na borda esternal su-
mas deve ser confirmado por angiografia. perior direita, geralmente com clique de ejeção sis-
O tratamento inicial geralmente consiste em as- tólico proeminente; também se pode ouvir um som
segurar um fluxo sangüíneo pulmonar adequado de fechamento aórtico acentuado. Um supro suave
através de uma anastomose sistêmico-pulmonar ou no início da diástole, de insuficiência aórtica, pode
através de proteção do leito vascular pulmonar e estar presente. Endocardite infecciosa ou endarterite
controle do fluxo sangüíneo pulmonar aumentado são complicações da válvula aórtica bicúspide.
através da cerclagem da artéria pulmonar. É possí- A obstrução subvalvular por ponte fibrosa ou
vel a restauração do fluxo sangüíneo normal e se- hipertrofia muscular apresentam essencialmente os
paração do sangue oxigenado e não oxigenado, em mesmos achados, exceto que não se ouve o clique
alguns destes lactentes, através da técnica modifi- de ejeção, o sopro pode ser mais intenso na porção
cada de Fontan, na qual o fluxo sangüíneo é dirigi- média do esterno e a dilatação pós-estenótica não
do do átrio direito para a artéria pulmonar, ex- ocorre. Geralmente é assintomática.
cluindo o ventrículo da circulação do lado direito. O ECG mostra evidências crescentes de hiper-
Também é possível, para alguns lactentes, o reparo trofia VE e isquemia à medida que piora a disfun-
da passagem do tronco arterial, removendo a arté- ção de VE, mas esses achados não se correlacio-
ria pulmonar do tronco e inserindo um conduto com nam bem com o grau de obstrução. O raio X pode
válvula para direcionar o sangue do ventrículo di- refletir uma dilatação pós-estenótica da porção as-
reito para a árvore arterial pulmonar. cendente da aorta e, em obstruções de longa dura-

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2189

ção, pode mostrar hipertrofia VE. Pode ser neces- Sintomas, sinais e diagnóstico
sária uma avaliação completa através de ecocar- Em recém-nascidos, a estenose da válvula pul-
diografia, cateterização cardíaca e angio- monar com obstrução grave da saída do VD está as-
cardiografia em qualquer idade se houver evidên- sociada ao “shunt” atrial da direita para esquerda e se
cia de obstrução grave ou se ocorrerem sintomas apresenta como uma emergência. Requer diagnósti-
(por exemplo, dor torácica induzida por exercício co imediato através do ECG, que mostra diminuição
ou síncope). da força VD (quando o ventrículo direito está hipo-
Tratamento plásico, o que geralmente é grave) ou hipertrofia do
VD, raio X com diminuição do fluxo sangüíneo pul-
Uma insuficiência cardíaca potencialmente fa- monar, ecocardiografia, que pode identificar um gra-
tal no lactente requer valvotomia aórtica imediata, ve estreitamento da válvula com restrição de movi-
por valvuloplastia com balão ou valvotomia cirúr- mento e possivelmente cateterização e angiografia para
gica para evitar o óbito. Os resultados não são sem- avaliar a função potencial do VD.
pre bons e pode surgir insuficiência aórtica resi- Em crianças mais velhas não há cianose, embora
dual. Geralmente é necessária substituição da vál-
vula quando a criança cresce, às vezes na metade a palidez periférica possa ser o resultado de um tem-
ou final da infância. No entanto, às vezes pode ser po de circulação prolongado e ampla diferença de O2
adiada até a vida adulta. arteriovenoso. Há um sopro ejetivo, geralmente com
A correção cirúrgica paliativa através de valvu- proeminente “clique” ejetivo, na borda esternal supe-
lotomia aórtica baseia-se não somente em um rior esquerda com reforço final com graus crescentes
significativo gradiente aórtico VE (≥ 50mmHg) de obstrução. O componente pulmonar da B2 é pro-
mas também em evidências de disfunção VE e gressivamente retardado e diminuído. Observa-se ao
na presença de sintomas. A valvulotomia aórtica ECG hipertrofia do VD com graus crescentes de gra-
deve ser considerada mais paliativa que curativa vidade. O raio X mostra coração de tamanho normal
e freqüentemente a reestenose requer substitui- e proeminência do segmento arterial pulmonar prin-
ção da válvula aórtica. cipal com aumento da obstrução. As marcas vascula-
A insuficiência aórtica significativa pode tam- res pulmonares são estreitas.
bém exigir a substituição valvular. Em pacientes
com válvulas aórticas bicúspides congênitas que Tratamento
apresentam obstrução na vida adulta pode ser ne- Em recém-nascidos a criação imediata de uma
cessária a substituição da válvula. O reparo cirúr- anastomose sistêmico-pulmonar (por exemplo,
gico da obstrução aórtica supravalvular, embora “shunt” de Blalock-Taussig) é necessária para se ob-
possível, é difícil. O reparo da obstrução subval- ter um fluxo sangüíneo pulmonar adequado. Até que
vular, se for produzida por ponte fibrosa, requer isso seja feito, a manutenção temporária paliativa da
remoção completa do tecido anormal. No entan- permeabilidade do ducto com prostaglandina E1
to, o neocrescimento da ponte e a obstrução re- (alprostadil) 0,05 a 0,1µg/kg/min IV pode salvar a
corrente exigindo ressecção repetida são comuns. vida da criança. A valvulotomia pulmonar também
A obstrução subaórtica provocada por miocar- pode ser indicada. Esses procedimentos são paliati-
diopatia pode exigir o uso de β-bloqueadores, mio- vos; pode ser necessária cirurgia posterior, mais tarde
tomia ou miectomia. na infância, para melhorar o fluxo de saída do VD.
A profilaxia antibiótica adequada contra endo- Lactentes com VD normal ou quase normal podem
cardite infecciosa ou endarterite está indicada para se beneficiar de uma valvuloplastia com balão.
qualquer paciente com obstrução de via de saída Em crianças maiores, a abordagem preferida é
de ventrículo esquerdo em qualquer nível (ver TA- a valvuloplastia com balão, com cateterização para
BELAS 270.1 e 270.2). avaliar o septo atrial e obter medidas precisas de
pressão da válvula pulmonar. Algumas válvulas
ESTENOSE DA VÁLVULA muito displásicas podem exigir valvulotomia cirúr-
gica. Se a estenose não for importante, o tratamen-
PULMONAR to pode ser postergado até o período imediatamen-
É a estenose do orifício da válvula pulmonar por anor- te anterior à idade pré-escolar.
malidades congênitas da válvula pulmonar, mais
freqüentemente uma válvula com cúpula, ocasio- ESTENOSE PULMONAR
nalmente bicúspide, com abertura limitada.
PERIFÉRICA
A estenose de válvula pulmonar de diversos
graus constitui aproximadamente 10% das cardio- São múltiplas áreas de estenose do lúmen em ra-
patias congênitas. mos das artérias pulmonares.

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2190 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Muitos recém-nascidos apresentam um suave so- re com fluxo sangüíneo pulmonar aumentado e
pro sistólico na distribuição da raiz das artérias pul- posterior comprometimento dos processos de tro-
monares sem evidência de elevação significativa da ca gasosa, particularmente naqueles com síndro-
pressão no lado direito do coração. Estes sopros ge- me da angústia respiratória. O lactente apresenta-
ralmente desaparecem no final do primeiro ano, à rá pulsos em martelo, precórdio hiperdinâmico,
medida que ocorre o crescimento. Porém, em certas bulha de fechamento pulmonar aumentada e so-
condições (por exemplo, rubéola congênita, síndrome pro em área pulmonar, que poderá ser contínuo,
de hipercalcemia [síndrome de Williams]) e em algu- sistólico com pequeno componente diastólico ou
mas crianças, sob outros aspectos normais, ocorre obs- somente sistólico. Em alguns lactentes, não há so-
trução anatômica ao fluxo na raiz das artérias pulmo- pro, mas os outros achados estão presentes. Esses
nares, podendo haver então um sopro contínuo. lactentes apresentam ECG normais para o grau de
Raramente é curável através de medidas cirúr- prematuridade (ou seja, proeminência VE), mas po-
gicas, porque há múltiplas áreas de obstrução den- dem mostrar sobrecarga de volume VE. Ao raio X,
tro do pulmão e geralmente há hipoplasia associa- apresentarão cardiomegalia e, se os achados pulmo-
da da árvore arterial pulmonar distal à obstrução.
A aplicação de “stent” nessas artérias estenosadas nares da síndrome da angústia respiratória não fo-
pode trazer benefício para algumas crianças. rem graves, apresentarão aumento no fluxo arterial
pulmonar. A ecocardiografia pode revelar um diâ-
metro atrial esquerdo que excede o diâmetro da raiz
DUCTO ARTERIOSO PATENTE aórtica. A ecocardiografia colorida por Doppler ha-
bitualmente mostra reversão do fluxo arterial pul-
É a falha no fechamento do ducto fetal entre a ar- monar na diástole ou imagens de todo o ducto.
téria pulmonar e a aorta. DAP em lactentes a termo geralmente é iden-
O ducto arterioso patente é um achado comum tificado após 6 a 8 semanas de idade pela presen-
em prematuros, ocorrendo em até 80% das crian- ça de um sopro contínuo na borda esternal es-
ças que nascem com menos de 28 semanas de ges- querda superior. Os pulsos periféricos são cheios,
tação. Existe uma redução progressiva na freqüên- com amplitude de pulso alargada e o ECG pode
cia da persistência de um ducto com o aumento da refletir sobrecarga de volume VE. O raio X mos-
idade gestacional. A persistência do ducto arterio- trará a proeminência do átrio esquerdo e VE, da
so em neonatos a termo ocorre em aproximadamen- aorta ascendente e um aumento no fluxo sangüí-
te 1 a cada 2.000 nascidos vivos. neo pulmonar, se o ducto apresentar um fluxo
significativo. Deve-se tomar cuidado e assegu-
Sintomas, sinais e diagnóstico rar-se de que o ducto não esteja contribuindo
Em lactentes prematuros o ducto arterioso pa- para a atresia pulmonar e o sopro não esteja re-
tente (DAP – ver FIG. 261.7) freqüentemente ocor- presentando uma fístula arteriovenosa sistêmica,
estenose de ramificação pulmonar ou janela
aorticopulmonar. É necessária a avaliação dos
pulsos femorais e PA da perna para excluir a
existência de uma coarctação oculta.
Tratamento
Ao Se o estado respiratório do lactente prematu-
ro estiver comprometido, indica-se a tentativa de
AP
110 30 fechamento usando restrição hídrica (90 a
 85%  100mL/kg ao dia), diurese, manutenção de boa
60 10
95% oxigenação, drogas (por exemplo, indometaci-
na) ou ligação cirúrgica. A restrição hídrica mo-
derada durante 2 a 3 dias deve ser seguida por
75% 95% aumento gradual e constante do aporte hídrico.
20 110
  Na ausência de icterícia excessiva (bilirrubina
0 60
indireta > 10mg/dL [> 170µmol/L]), insuficiên-
cia renal (creatinina > 1,4mg/dL [> 120µmol/L],
FIGURA 261.7 – Ducto arterioso patente é caracterizado BUN > 35mg/dL [>12,5mmol de uréia/L])
por aumento do fluxo sangüíneo pulmonar, dos volumes ou trombocitopenia (número de plaquetas
do VD e atrial esquerdo e Ao ascendente. Saturações de O2 < 100.000/µL), a indometacina geralmente pro-
arterial em câmara representativa indicadas por porcenta- voca imediato fechamento do ducto depois de 1
gens. Ao = aorta; AP = artéria pulmonar. ou 2 doses de 0,2mg/kg IV com intervalo de 12h.

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2191

Embora um ducto menos significativo em pre- IV para reabrir o ducto arterioso. A resposta à infu-
maturos freqüentemente se feche espontaneamen- são de prostaglandina E1 será gradual, geralmente
te ou apenas com restrição hídrica, alguns per- levando um período de horas, mas é possível estabi-
manecem abertos e exigem ligadura cirúrgica com lizar a maioria dos lactentes com perfusão distal au-
idade de 1 ano e meio a 2 anos e meio de idade. mentada e melhora do fluxo sangüíneo renal, per-
Em lactentes a termo com DAP, indica-se a liga- mitindo então o reparo cirúrgico da coarctação e o
ção cirúrgica ou transecção, se ocorrer insuficiência fechamento do ducto patente.
cardíaca ou então para remover o risco de endarterite Em crianças maiores, recomenda-se o reparo
infecciosa, eletivamente dos 6 meses aos 3 anos. cirúrgico através de ressecção e anastomose direta,
técnicas de “recobrimento” com a artéria subclá-
COARCTAÇÃO DA AORTA via esquerda ou enxerto, se necessário, nas idades
de 4 a 6 anos, ou mais cedo, caso haja persistência
É o estreitamento localizado do lúmen da aorta. de hipertensão das extremidades superiores, insu-
A coarctação da aorta constitui 7 a 8% das car- ficiência cardíaca ou outras complicações. É ne-
diopatias congênitas. cessária a profilaxia contra endocardite (ver TABE-
LAS 270.1 e 270.2).
Sintomas, sinais e diagnóstico
Lactentes com coarctação da aorta podem apre- PERSISTÊNCIA DO
sentar início súbito de insuficiência cardíaca, colapso TRONCO ARTERIAL
cardiovascular e acidose metabólica grave quando o
ducto se fecha e a perfusão distal fica comprometida. É uma anomalia na qual o tronco primitivo deixa
Crianças maiores apresentam hipertensão em extre- de se dividir em dois vasos separados, de forma
midades superiores em relação às inferiores e podem que as artérias pulmonares nascem da aorta, e
apresentar hipertensão absoluta. Um sopro suave, não no ventrículo direito.
ouvido na área pulmonar, mas geralmente mais alto Achados clínicos geralmente ficam aparentes dias
no dorso, é freqüentemente ouvido sobre o local da a semanas após o nascimento, com insuficiência car-
coarctação. Pulsos femorais, embora freqüentemen- díaca e leve insaturação. Um precórdio hiperdinâmico,
te palpáveis, estão diminuídos e retardados em com- pressão de pulso aumentada, B1 normal com clique
paração com os braquiais. Incisura das costelas por de ejeção freqüente e uma B2 alta geralmente única
causa do fluxo sangüíneo aumentado e a dilatação são característicos. Sopros cardíacos variam e podem
das artérias mamárias internas podem ser detectados incluir um sopro de fluxo na base, sopro de insufi-
em radiografias, mas geralmente não são observados ciência alto na borda esternal esquerda inferior e um
antes dos 10 ou 12 anos. sopro de fluxo mitral mesodiastólico. Com insufi-
Em todas as crianças, os vasos arteriais colaterais ciência de válvula do tronco, está presente um sopro
dilatados geralmente são palpáveis na margem diastólico agudo sobre a porção média do esterno.
escapular. O ECG é geralmente normal, mas pode O ECG geralmente mostra hipertrofia ventricular
mostrar hipertrofia de VE e a radiografia mostra um combinada. A radiografia do tórax mostra cardiome-
coração de tamanho normal com a coarctação visível galia com aumento do fluxo sangüíneo pulmonar, do
em uma leve incidência oblíqua anterior esquerda. arco aórtico direito (em aproximadamente um terço
Cateterização e angiografia são desnecessárias, a dos casos) e artérias pulmonares em posição relativa-
menos que estejam presentes defeitos associados sig- mente alta. O diagnóstico é confirmado por ecocar-
nificativos (por exemplo, estenose aórtica, insufi- diografia e geralmente requer cateterização cardíaca
ciência aórtica, valvulopatia mitral, comunicação in- e angiografia antes do reparo cirúrgico. O tratamento
terventricular) ou se houver evidência de que o seg- é necessário para insuficiência cardíaca e o reparo ci-
mento estreito não está na localização habitual, ime- rúrgico precoce está indicado usando um conduto com
diatamente distal à artéria subclávia esquerda ou que válvula entre o ventrículo direito e as artérias pulmo-
é mais longo que o normal. nares que estão sendo removidas cirurgicamente do
tronco arterial. O reparo precisa ser realizado preco-
Tratamento cemente para evitar doença vascular pulmonar.
Os lactentes necessitam de tratamento imediato
com medicamentos de suporte (como dobutamina ANORMALIDADES
5 a 15µg/kg/min, furosemida 1 a 2mg/kg IV, me- MENOS COMUNS
nos freqüentemente adrenalina), intubação e suporte
ventilatório, se necessário, sendo também benéfica As anormalidades menos comuns (por exemplo,
a infusão de prostaglandina E1, 0,05 a 0,1µg/kg/min malformação de Ebstein da válvula tricúspide),

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2192 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

evidências de envolvimento cardíaco por doença ticos (por exemplo, fala empastada, problemas vi-
fetal (por exemplo, anemia prolongada in utero, suais, fadiga aumentada).
disritmia fetal), anomalias cardíacas graves asso- Não existem tratamentos específicos para doen-
ciadas com síndrome de asplenia e disfunção car- ça vascular pulmonar, embora existam pesquisas
díaca secundária à doença não cardíaca (por exem- em andamento sobre o uso de drogas como
plo, hipotireoidismo) necessitam de tratamento in- prostaciclina.
dividualizado.
Muitas outras anormalidades raras (por exem-
plo, bloqueio cardíaco congênito completo, erros INSUFICIÊNCIA
inatos de metabolismo geralmente levando a aci- CARDÍACA
dose grave e disfunção miocárdica secundária, sín-
drome do Q-T prolongado com riscos de disritmia É uma síndrome clínica que ocorre quando o cora-
grave possivelmente fatal) e defeitos raros (por ção, atuando como uma bomba, é incapaz de
exemplo, cor triatriatum) necessitam de diagnós- manter suficiente débito cardíaco (DC) para sa-
tico especializado e intervenção cirúrgica. tisfazer a demanda metabólica do organismo,
incluindo aquela necessária para possibilitar o
crescimento.
DOENÇA VASCULAR As causas de insuficiência cardíaca (IC) são apre-
PULMONAR sentadas na TABELA 261.1. Causas não cardíacas
incluem anemia crônica, obstrução das vias aéreas
(Reação de Eisenmenger) superiores, déficits nutricionais, asfixia, toxicida-
É a hipertensão pulmonar resultante de anormali- de por drogas (por exemplo, daunorrubicina) e al-
dades vasculares pulmonares decorrentes de gumas doenças sistêmicas (por exemplo, doenças
cardiopatia congênita de longa duração. de depósito, ataxia de Friedreich, hemodiluição
A doença vascular pulmonar pode ser um fator hematogênica). A síndrome de hipoplasia de VD
limitante no tratamento de lactentes e crianças com geralmente se manifesta em 48 a 72h como IC sú-
defeitos congênitos (por exemplo, defeito septal bita e acidose metabólica secundária à perfusão sis-
ventricular, defeito do canal atrioventricular, tron- têmica comprometida.
co arterial) onde ocorrem “shunts” de alta pressão
(ventricular, aorticopulmonar) e existir isoladamen- Sintomas, sinais e
te como hipertensão pulmonar primária. Nestas si- achados laboratoriais
tuações, a resistência vascular pulmonar está man- O início de IC em lactentes pode ser gradual,
tida num nível elevado com hipertrofia muscular mas geralmente é rápido, ocasionalmente, extre-
da média das arteríolas pulmonares e oclusão de mamente rápido. Taquicardia, com freqüências
muitos ramos menores. cardíacas > 120 a 140bpm até 200bpm, geral-
À medida que a resistência vascular pulmonar mente está presente. Sinais de insuficiência car-
se aproxima e se iguala à resistência vascular
sistêmica, diminui o “shunt” da esquerda para a díaca esquerda e direita geralmente ocorrem jun-
direita e ocorre o “shunt” da direita para a esquer- tos em lactentes.
da, levando à insaturação sistêmica e cianose vi- A insuficiência de VE se manifesta como difi-
sível. Os “shunts” da direita para a esquerda per- culdades respiratórias. Dispnéia e taquipnéia, com
sistentes e crescentes levam à hipoxemia periféri- freqüência respiratória > 60 a 100 respirações/min
ca e policitemia progressivas. A capacidade de na ausência de doença pulmonar primária, freqüen-
transporte de O2 está aumentada, o que se reflete temente resultam de congestão venosa pulmonar,
em Ht de até 65%, mas em níveis mais altos, a aumento da pressão capilar pulmonar e transuda-
viscosidade leva a uma redução de aporte de O2 ção de líquido para os espaços alveolar, intersticial
para os tecidos. e bronquiolar. Infecção sobreposta pode acentuar
A cirurgia geralmente está contra-indicada quan- estes problemas. Tosse e sibilos são comuns.
do a resistência vascular pulmonar calculada é > Estertores e roncos são variáveis, mas não raros e
metade da resistência vascular sistêmica calcula- edema pulmonar franco, com escarro espumoso
da. O reparo deve ser cuidadosamente avaliado se sanguinolento é raro. A respiração aumentada re-
a resistência vascular pulmonar estiver acima do sulta em fadiga e aumento das demandas metabó-
normal de qualquer maneira. Flebotomia cuidado- licas, levando a comprometimento da alimentação,
sa, com manutenção de volume sangüíneo total, ingestão inadequada e atraso no crescimento, em-
pode ser benéfica, reduzindo os níveis de Ht > 65% bora o perímetro cefálico e o crescimento em com-
para aproximadamente 60% em pacientes sintomá- primento geralmente não estejam comprometidos.

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2193

O atraso do crescimento pode ser parcialmente TABELA 261.1 – IDADE DE INÍCIO DA


mascarado pela retenção hídrica e o volume uriná- INSUFICIÊNCIA CARDÍACA COM CAUSAS
rio reduzido que leva a um ganho de peso inade- COMUNS NA INFÂNCIA
quado. Outros sintomas incluem agitação, irritabi- In utero (incomum)
lidade e sudorese excessiva. Compro metimento da função da bomba cardíaca e
Ocorre cardiomegalia, exceto com pericardite sua capacidade de manutenção de um fluxo ativo (e
constritiva e obstrução venosa pulmonar grave. O não “shunts” ou obstrução)
mau funcionamento miocárdico é refletido em bu- Taquicardia intra-uterina contínua
lhas cardíacas diminuídas, ritmo de galope, sinais Anemia crônica grave com subseqüente volume de
de baixa perfusão periférica com extremidades frias
carga
e com redução do volume de pulso e enchimento
Disfunção miocárdica secundária à miocardite
capilar e cor cinzenta em vez de azul. Cianose, um
indicador de “shunt” da direita para a esquerda in- Do nascimento às primeiras horas de vida
tracardíaco, pode refletir trocas gasosas inadequa- Qualquer das anteriormente mencionadas
das secundárias à congestão venosa pulmonar ou Anemia crônica grave (intra-uterina)
baixo débito cardíaco com aumento na diferença Taquicardia supraventricular paroxística intra-uteri-
arteriovenosa de O2. na ou neonatal
Na insuficiência de VD, hepatomegalia é um Asfixia perinatal com lesão miocárdica
sinal comum e confiável na infância e um indica- Insuficiência tricúspide ou pulmonar grave relacio-
dor sensível da eficácia do tratamento. Dor e sensi- nada à hipoxia
bilidade secundárias à congestão hepática e um Síndrome do ventrículo esquerdo hipoplásico
pulso venoso jugular anormal, embora sinais úteis Anormalidades metabólicas (por exemplo, hipoglice-
em crianças maiores, não são confiáveis em lac- mia, hipotermia, acidose metabólica grave)
tentes. O edema periférico ocorre ocasionalmente, Estenose pulmonar ou aórtica crítica
particularmente no dorso das mãos e pés e na área Malformações arteriovenosas sistêmicas ou placen-
periorbitária. tárias
Alguns achados laboratoriais na IC são espe- Defeitos valvulares estruturais
cíficos. Anemia dilucional e hiponatremia po-
dem ocorrer. O volume urinário reduzido e a Primeiro mês de vida
albuminúria podem estar presentes. Hipoglice- Qualquer das anteriormente mencionadas
mia secundária a depósitos depletados inadequa- Transposição dos grandes vasos
dos de glicogênio e a um estado hipermetabólico Coarctação da aorta, com ou sem anormalidades as-
é freqüente, particularmente em recém-nascidos. sociadas
O número de leucócitos pode refletir infecção Drenagem venosa pulmonar anômala, particularmente
associada e a dessaturação arterial sistêmica pro- com obstrução da veia pulmonar
longada geralmente resulta em policitemia e, mais Fístulas arteriovenosas sistêmicas
tarde, anemia ferropriva. “Shunts da esquerda para a direita em prematuros
(por exemplo, ducto arterioso patente)
Diagnóstico
A IC é diagnóstica por seus sinais e sintomas, Primeira infância (especialmente com 6 a 8 semanas)
refletindo congestão pulmonar ou sistêmica crôni- Defeito septal ventricular, ventrículo único
ca e os da anormalidade cardíaca de base; por exem- Tronco arterial
plo, a estenose pulmonar pode produzir IC sem Ducto arterioso patente
congestão pulmonar. Um diagnóstico anatômico Defeitos do canal atrioventricular
específico deve ser tentado pela avaliação da histó- Ventrículo único
ria, exame físico e resultados laboratoriais e radio- Retorno venoso pulmonar anômalo
lógicos básicos. Doença metabólica rara (doença do armazenamento
O precórdio deve ser palpado pra pesquisa de de glicogênio)
impulsos, abalos e localização do impulso máxi- Segunda infância
mo. As bulhas são avaliadas pela ausculta, identifi- Febre reumática aguda com cardite
cando qualidade, intensidade, dois fechamentos de Cardiopatia reumática
válvulas semilunares e momento de ocorrência re- Miocardite viral
lativo, duração, intensidade e qualidade. Os pul- Endocardite bacteriana
mões devem ser examinados para pesquisa de con- Sobrecarga de volume no curso de uma doença não
gestão ou infecção. A qualidade do pulso periféri- cardíaca
co e da PA precisa ser avaliada em todas as extre-

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2194 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

midades. O grau de dessaturação periférica de O2 e “cadeira cardíaca” (sentar na posição semi-ereta


a anemia podem ser determinados pelo exame das com as pernas elevadas), lactentes têm maior pro-
conjuntivas, mucosas, lábios e leitos ungueais. O ta- babilidade de apresentar comprometimento respi-
manho e congestão do fígado e edema periférico ratório quando órgãos abdominais são empurrados
devem ser notados. A retenção hídrica é melhor para cima na direção do tórax. A limitação de Na e,
determinada por registro seriado cuidadoso de au- em menor extensão, do ingestão hídrica para ní-
mentos de peso. Reavaliação freqüente desses acha- veis de manutenção diária ajuda a manter uma res-
dos clínicos oferece indicação da eficácia do trata- posta favorável ao tratamento, embora níveis séri-
mento e ajuda a fazer um diagnóstico específico. cos de Na < 130mEq/L devam ser evitados. Torni-
As mudanças no ECG são de pouca ajuda no quetes alternados, flebotomia e assistência ventila-
diagnóstico de insuficiência cardíaca, mas de gran- tória mecânica são necessários com menor freqüên-
de valor para se fazer um diagnóstico anatômico cia. Outras medidas gerais de suporte (por exem-
específico. A ecocardiografia com mapeamento de plo, uso de fórmulas com aumento da densidade
fluxo colorido e estudos Doppler, cateterização calórica, controle rigoroso de febre e tratamento
cardíaca e angiocardiografia são desnecessários de anemia) são valiosas.
para o diagnóstico de insuficiência cardíaca, mas A digoxina é a droga mais amplamente utiliza-
da para insuficiência cardíaca (ver TABELA 261.2).
às vezes são necessários para um diagnóstico ana- A dose de digitalização inicial pode ser adminis-
tômico completo. Eles raramente são feitos antes trada VO ou IV, dividida em 3 doses, com uma por-
que a insuficiência cardíaca e outros problemas ção inicial maior, ou num esquema de cada 4, 6 ou
agudos (por exemplo, anormalidade eletrolítica e 8h, dependendo da urgência. Raramente indica-se
infecção) sejam controlados. digoxina IM. A manutenção de digoxina dividida
Prognóstico e tratamento em 2 doses diárias geralmente oferece resposta mais
regular do que aquela obtida com 1 dose diária.
O prognóstico depende principalmente da doen- É necessário cuidado na prescrição de digoxina.
ça de base e seu tratamento. A concentração de digoxina para uso oral é de
Alguns casos de IC in utero podem ser tratados 50µg/mL (0,05mg/mL) na forma de elixir para uso
abordando a anormalidade de base; por exemplo, oral e 250µg/mL (0,25mg/mL) para uso IV. Os ní-
digitalização e diurese maternas podem tratar a ta- veis sangüíneos de digoxina em neonatos e lacten-
quicardia fetal. tes não é muito útil nem confiável.
O tratamento inicial da IC inclui O2 umidificado A diurese com furosemida ou ácido etacrínico,
administrado por cateter, máscara ou tenda com 1mg/kg IV ou 2mg/kg VO produz uma resposta
inspiração de O2 adequado (< 40% para evitar le- imediata. Qualquer dessas drogas pode ser repeti-
são epitelial pulmonar) para evitar cianose e ali- da em 4 a 6h e a dose dobrada se a resposta for
viar a angústia respiratória; a sedação com sulfato inadequada. Clorotiazida 20 a 40mg/kg ao dia VO
de morfina 0,2mg/kg s.c. a cada 4 a 6h conforme a fracionadas em 2 doses pode ser administrada no
necessidade e elevação da cabeça. Embora crian- tratamento diurético a longo prazo de lactentes e
ças maiores possam se beneficiar da posição de crianças. A interrupção da terapia (por exemplo,
por 3 ou 4 dias por semana) ajuda a evitar o dese-
quilíbrio eletrolítico, mas podem ser necessários
suplementos de K. É preciso ter cuidado para pres-
TABELA 261.2 – DOSES PEDIÁTRICAS DE crever diuréticos na presença de doença renal agu-
DIGOXINA (VO OU IV) CONFORME A da ou crônica.
IDADE DOPACIENTE Em IC muito grave, em que o débito cardíaco
Dose digitalizante Dose de manuten- não possa ser melhorado por outras formas, do-
(µg/kg) ção (µg/kg/dia) pamina ou dobutamina 5µg/kg/min (aumentado
para 15µg/kg/min se necessário) podem ser be-
Idade ORAL IV ORAL IV néficas. Doses mais elevadas devem ser evita-
Prematuro 20 – 30 15 – 25 5 – 7,5 4 – 6
das, por causa do efeito adverso sobre o fluxo
A termo 25 – 35 20 – 30 6 – 10 5 – 8
sangüíneo renal. A redução da pós-carga com ni-
1 mês – 2 anos 35 – 60 30 – 50 10 – 15 7,5 – 12 troprussiato 0,5 a 3,0µg/kg/min IV, hidralazina
2 – 5 anos 30 – 40 25 – 35 7,5 – 10 6 – 9 0,5 a 5,0mg/kg ao dia VO (fracionadas em 2 a 4
5 – 10 anos 20 – 35 15 – 30 5 – 10 4 – 8 doses, dose máxima de 7,5mg/kg ao dia em crian-
10 anos 10 – 15 8 – 12 2,5 – 5 2–3 ças e 5mg/kg ao dia em lactentes) e captopril 0,5
a 6,0mg/kg ao dia VO (fracionadas em 2 a 4
* Ver texto para detalhes da administração de digoxina. doses) pode ser atingida, mas o uso dessas dro-

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2195

gas requer cautela. Drogas como amrinona de- Atresia esofágica


vem ser reservadas para IC grave e administra-
das apenas em serviço de terapia intensiva. A atresia esofágica está associada, em 86% dos
casos, com fístula traqueoesofágica, mais comu-
mente do Tipo III B (uma fístula que vai da carina
DEFEITOS da traquéia até o segmento esofágico inferior – ver
FIG. 261.8). Os sinais característicos são secreções
GASTROINTESTINAIS excessivas, tosse e cianose após tentativa de ali-
Os recém-nascidos com obstrução intestinal con- mentação e pneumonia por aspiração. Com a lesão
gênita se apresentam com distensão e vômitos ao do Tipo III B, desenvolve-se rapidamente disten-
nascimento ou dentro de 1 ou 2 dias. O tratamento são abdominal porque, à medida que o lactente
imediato inclui descompressão intestinal por aspi- chora, o ar da traquéia é forçado através da fístula
ração nasogástrica contínua para evitar vômitos, que para o esôfago inferior e estômago.
podem levar a pneumonia aspirativa ou distensão
abdominal posterior, com restrição respiratória e Diagnóstico
encaminhamento para um centro de cirurgia neo- O diagnóstico é sugerido pela impossibilidade
natal. É também vital a manutenção da temperatura de se introduzir uma sonda nasogástrica até o estô-
corpórea, prevenção de hipoglicemia com dextrose mago; se for usado um cateter radiopaco, localiza-
a 10% e eletrólitos IV e prevenção ou tratamento de ção final da atresia pode ser determinada pelo raio
acidose e infecções de forma que o lactente esteja X. Em casos atípicos, uma pequena quantidade de
em condições ideais para cirurgia. Um lactente com contraste hidrossolúvel pode ser introduzido na
uma anomalia congênita deve ser avaliado em rela- bolsa esofágica superior sob fluoroscopia para de-
ção a malformações de outros sistemas orgânicos, finir a anatomia; o material de contraste deve ser
especialmente SNC, coração e rins. rapidamente retirado, porque a aspiração para os
pulmões pode provocar pneumonite química. Este
OBSTRUÇÃO DO TRATO procedimento deve ser realizado apenas por radio-
DIGESTIVO ALTO logista experiente no centro em que será realizada
a cirurgia neonatal.
Uma obstrução alta (esofágica, gástrica, duodenal,
jejunal) deve ser considerada quando é diagnostica- Tratamento
do hidrâmnio (excesso de volume de líquido amnió- Os objetivos dos cuidados pré-operatórios são
tico). O hidrâmnio ocorre impede que o feto degluta manter o lactente em condições ideais para cirur-
ou absorva líquido amniótico. Quando se suspeita de gia e evitar uma pneumonia por aspiração, que tor-
uma obstrução alta, deve-se introduzir uma sonda naria as correções cirúrgicas mais arriscadas. Ali-
nasogástrica até o estômago imediatamente após o mentações por via oral são proibidas. A aspiração
parto. O achado de uma grande quantidade de líqui- contínua através de cateter de duplo lúmen na bol-
do (> 30mL), especialmente bilioso, no estômago, ao sa esofágica superior evita aspiração da saliva de-
nascimento apóia o diagnóstico de obstrução GI alta, glutida. O lactente pode ser colocado em decúbito
especialmente se contiver bile. Quando não se conse- lateral direito com a cabeça elevada 30 a 40° para
gue introduzir a sonda nasogástrica até o estômago, facilitar o esvaziamento gástrico e minimizar o ris-
deve-se pensar em atresia esofágica. co de aspiração de ácido gástrico através da fístula.

Traquéia Esôfago

I II III A III B III C


Somente atresia Somente fístula Atresia mais Atresia mais Atresia mais
fístula superior fístula inferior fístula dupla
FIGURA 261.8 – Tipos de fístulas traqueoesofágicas. (A partir de Diseases of the Newborn, 4ª ed., editada por AJ
Schaffer e ME Avery. Philadelphia, WB Saunders Company, 1977, p. 110; usado com permissão.).

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2196 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Se houver necessidade de adiar a realização de um são pulmonar persistente resulta em aumento da


reparo definitivo por causa da prematuridade ex- resistência vascular pulmonar com redução do flu-
trema, pneumonia por aspiração ou malformações xo sangüíneo pulmonar; ocorre “shunt” da direita
congênitas associadas, faz-se uma gastrostomia para a esquerda pelo forame oval ou através de duc-
para descomprimir o estômago. A aspiração atra- to arterioso patente e resulta em hipoxemia grave.
vés do tubo de gastrostomia depois reduz o risco Recentemente, descobriu-se que hipoplasia e
de que o conteúdo gástrico reflua através da fístula espessamento anormal das arteríolas pulmonares
para a árvore traqueobrônquica. Quando a condi- nos dois pulmões acompanham a hérnia diafrag-
ção do lactente estiver estável, o reparo cirúrgico mática congênita. A resistência elevada resultante
extrapleural da atresia esofágica e o fechamento da ao fluxo sangüíneo pulmonar (hipertensão pulmo-
fístula traqueoesofágica pode ser realizada. Ocasio- nar persistente) impede a oxigenação adequada.
nalmente, a região entre os segmentos esofágicos é O fluxo sangüíneo pulmonar é tão reduzido que o
grande demais para um reparo primário. O estira- lactente permanece com hipoxia mesmo quando
mento suave dos segmentos esofágicos antes da mantido em ventilador. A hipertensão pulmonar per-
anastomose posterior pode ser benéfica ou ser ne- sistente é a principal causa de óbito entre lactentes
cessário fazer o reparo interpondo um segmento do com hérnia diafragmática congênita.
cólon entre os segmentos esofágicos. As compli-
cações agudas mais comuns são vazamento no sí- Diagnóstico
tio da anastomose e formação de estenoses. Difi- Se o defeito diafragmático for muito pequeno,
culdades de alimentação são comuns depois de re- pode ser detectado apenas pela radiografia de tó-
paro cirúrgico bem-sucedido por causa da mobili- rax mostrando pequena quantidade de intestino pro-
dade prejudicada do segmento esofágico distal ou jetando-se no tórax. Se for maior, a radiografia
refluxo gastroesofágico. Se o tratamento clínico tipicamente revela numerosas alças intestinais
falhar, pode ser necessária fundoplicatura de Nissen cheias de ar no hemitórax e deslocamento contra-
antes que sejam toleradas alimentações por via oral. lateral do coração e estruturas mediastinais. Se a
radiografia for realizada imediatamente depois do
Hérnia diafragmática parto, antes que o lactente degluta ar, o conteúdo
abdominal aparecerá como massa opaca sem ar den-
É a protrusão do conteúdo abdominal para dentro tro do hemitórax.
do tórax através de um defeito no diafragma.
Tratamento
A hérnia diafragmática geralmente ocorre na por-
ção póstero-lateral do diafragma (hérnia de Boch- Na sala de parto, o lactente deve ser imediata-
dalek) e em 90% dos casos está do lado esquerdo. mente intubado e ventilado porque o uso de más-
Alças intestinais, mesmo grande parte do con- cara e bolsa de ventilação pode piorar o compro-
teúdo abdominal, podem projetar-se através do de- metimento respiratório quando as vísceras intrato-
feito para dentro do hemitórax do lado envolvido. rácicas se enchem de ar. A aspiração contínua com
Se houver uma grande hérnia, o pulmão do lado sonda nasogástrica de duplo lúmen no estômago
esquerdo afetado será sempre hipoplásico. Após o evita que o ar deglutido prossiga através do trato
parto, à medida que o recém-nascido chora e de- GI e provoque mais compressão pulmonar. Se ne-
glute ar, as alças intestinais rapidamente se enchem cessário, a paralisia com norcuron ou pancurônio
de ar e aumentam rapidamente, provocando mais pode facilitar a ventilação e evitar a deglutição de
comprometimento respiratório agudo, quando o ar. A cirurgia é necessária para colocar o intestino
coração e estruturas mediastinais são empurrados no abdome e fechar o defeito diafragmático.
para o lado direito, comprimindo o pulmão mais A constrição dos vasos pulmonares pode ser re-
normal. Em casos graves, a angústia respiratória é duzida pela alcalinização com administração IV de
imediata e o lactente terá um abdome escafóide bicarbonato de sódio. A inalação de óxido nítrico
(devido ao deslocamento de grande parte das vís- pode ajudar a dilatar as artérias pulmonares e me-
ceras abdominais para o tórax). Sons intestinais (e lhorar a oxigenação sistêmica; esta terapia é expe-
ausência de murmúrio) podem ser audíveis no he- rimental. Alguns lactentes com hérnia diafragmá-
mitórax comprometido. Nos casos menos graves, tica e hipertensão pulmonar persistente incurável
desenvolve-se dificuldade respiratória mais leve não responsiva a suporte ventilatório e alcaliniza-
algumas horas ou dias mais tarde, enquanto o con- ção pode se beneficiar de oxigenação de membra-
teúdo abdominal progressivamente sofre herniação na extracorpórea (ECMO – ver HIPERTENSÃO PUL-
através do defeito diafragmático. MONAR PERSISTENTE DO RECÉM-NASCIDO no Cap.
A combinação de um pulmão hipoplásico e um 260), embora lactentes com hipoplasia pulmonar
atelectasiado e a ocorrência freqüente de hiperten- extrema não consigam sobreviver. Em vez de ope-

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2197

rar com urgência, todos os meios clínicos, inclusi- das peritoneais (faixas de Ladd) que envolvem o
ve inalação de óxido nítrico, um ventilador de alta duodeno e causam oclusão parcial ou completa.
freqüência e ECMO, se necessários, devem ser uti- Esses lactentes apresentam risco para desenvolvi-
lizados para estabilizar plenamente o lactente an- mento de vólvulo de intestino médio, uma emer-
tes da cirurgia. O transporte bem-sucedido de um gência cirúrgica (ver adiante). Cisto de colédoco
lactente instável grave com hérnia diafragmática ou pâncreas anular podem também provocar obs-
congênita e hipertensão pulmonar persistente é trução duodenal por pressão extrínseca. Lactentes
muito difícil. Portanto, se for diagnosticada hér- com cisto de colédoco podem também apresentar
nia diafragmática congênita por ultra-sonografia graus variáveis de icterícia obstrutiva.
pré-natal, é prudente realizar o parto em um cen-
tro com serviço de ECMO e um programa de ci-
rurgia pediátrica. Sintomas, sinais, diagnóstico
e tratamento
Estenose hipertrófica do piloro Como a obstrução é alta, geralmente há uma his-
tória de hidrâmnio materno e de vômitos biliosos
É a obstrução do lúmen do piloro por causa da em jato depois das primeiras alimentações. Radio-
hipertrofia da musculatura pilórica. grafias simples mostram o sinal da dupla bolha ca-
A estenose hipertrófica do piloro pode provo- racterístico: uma bolha grande cheia de ar repre-
car obstrução quase completa da via de saída senta o estômago e uma segunda bolha representa
gástrica. A hipertrofia raramente está presente ar no duodeno proximal dilatado no ponto de blo-
ao nascimento; ela se desenvolve por volta das queio; vê-se pouco ou nenhum ar distal ao bloqueio.
primeiras 4 a 6 semanas de vida, quando apare- Um trânsito GI superior com material de contraste
cem os primeiros sinais de obstrução. Vômitos pode identificar o ponto de obstrução e pressão
em jato de alimentos sem bile geralmente come- extrínseca por um cisto de colédoco, enquanto um
çam no final do primeiro mês de vida. Podem enema com bário pode identificar má rotação na
estar presentes ondas peristálticas gástricas visí- qual bridas de peritônio podem provocar obstru-
veis, atravessando o epigástrio da esquerda para ção duodenal (ver adiante).
a direita. A demora no diagnóstico pode levar a Quando se suspeita de obstrução duodenal, o
vômitos repetidos, desidratação, deficiência no lactente não deve ser alimentado. Aspiração contí-
ganho de peso e alcalose metabólica hipoclorê- nua por uma sonda nasogástrica de duplo lúmen
mica (pelas perdas de ácido clorídrico). descomprime o estômago e evita vômitos e aspira-
O diagnóstico pode ser feito através de palpa- ção de vômito. Depois dos estudos diagnósticos
ção de uma massa pilórica discreta em forma de apropriados, a cirurgia é realizada para corrigir a
“azeitona”, variando de 2 a 3cm, firme e móvel, obstrução.
localizada profundamente no lado direito do epi-
gástrio ou pela identificação do músculo pilórico
hipertrofiado por ultra-sonografia abdominal. Se o OBSTRUÇÃO DOS INTESTINOS
diagnóstico for incerto, um raio X contrastado com DELGADO DISTAL E GROSSO
bário mostrará o retardo do esvaziamento gástrico
e o típico “sinal de corda” na região do lúmen Na maioria dos casos de obstrução dos intesti-
pilórico acentuadamente estreitada e alongada. nos delgado distal ou grosso, não existe história de
O tratamento de escolha é a piloromiotomia lon- hidrâmnio maternal, uma vez que grande parte do
gitudinal, que deixa a mucosa intacta e separa as líquido amniótico deglutido pode ser absorvido pelo
fibras musculares incisadas. No pós-operatório, o intestino fetal proximal à obstrução. As primeiras
lactente geralmente tolera bem a alimentação den- alimentações são geralmente toleradas, mas no fi-
tro de poucos dias. nal do primeiro ou no segundo dia aparece disten-
são abdominal, freqüentemente acompanhada por
vômitos biliosos ou fecalóides. O lactente pode eli-
Obstrução duodenal minar primeiramente uma pequena quantidade de
As possíveis causas incluem atresia, estenose e mecônio, mas depois não elimina fezes.
pressão por massa extrínseca. Depois do íleo, o Se houver suspeita de obstrução intestinal, uma
duodeno é o local mais comum de atresia intestinal pequena amostra de mecônio poderá ser examina-
primária (ver adiante). A atresia duodenal é mais da microscopicamente à procura de células esca-
comum em lactentes portadores de síndrome de mosas e lanugo fetal (teste de Farber), os quais
Down. Neonatos com anomalias de posição do in- normalmente estão presentes devido ao líquido
testino (ver adiante) podem também apresentar bri- amniótico ingerido, eles fornecem evidência con-

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2198 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

tra a obstrução intestinal completa. O achado des- As alças de intestino delgado distendidas podem, às
sas estruturas torna improvável uma obstrução in- vezes, ser palpadas através da parede abdominal e
testinal completa, mas não exclui atresia intestinal, podem dar a sensação de uma massa característica.
porque um intestino previamente patente pode fi-
car obstruído mais tarde durante a gravidez (por Sintomas, sinais e diagnóstico
exemplo, por vólvulo). A abordagem diagnóstica As alças de intestino delgado distendidas com
geral e o controle pré-operatório da obstrução do mecônio pegajoso espesso podem sofrer rotação,
intestino delgado distal e do intestino grosso inclui formando um vólvulo in utero. Se o intestino de-
suspender a alimentação por via oral, introdução pois perder seu suprimento vascular e sofrer in-
de sonda nasogástrica de duplo lúmen para evitar farto, resultará uma peritonite estéril por mecô-
posterior distensão intestinal ou possível aspiração nio, freqüentemente sugerida pelo achado radio-
de vômitos, correção de quaisquer distúrbios hi- lógico de grãos de mecônio revestindo as super-
droeletrolíticos, realização de estudos radiológicos fícies peritoneais e mesmo a bolsa escrotal. A
apropriados e depois um enema contrastado para alça intestinal infartada pode ser reabsorvida,
delinear a anomalia.
deixando uma área ou áreas de atresia intestinal,
ou pode se destacar como um grande cisto pre-
Síndrome do tampão enchido por líquido.
de mecônio O diagnóstico é apoiado pela presença de pro-
É a obstrução intestinal em recém-nascido pro- teína não digerida no mecônio. (Uma mistura de
vocada por mecônio espesso, que forma um água e mecônio [1:1] é centrifugada, adicionando-
molde do cólon. se ácido tricloroacético a 10% ao sobrenadante. Um
precipitado branco e pesado indica albumina não
A síndrome do tampão de mecônio ocorre em digerida). Também existem fitas para teste comer-
crianças normais sob outros aspectos, mas é mais cialmente disponíveis para verificar a presença de
comum em neonatos de mães diabéticas e mães com albumina no mecônio. O conteúdo luminal pode
toxemia tratadas com sulfato de magnésio. Um parecer granular em radiografia simples porque
mecônio denso, “borrachento” e espessado forma pequenas bolhas de ar estão misturadas ao mecônio.
um cilindro de cólon e mesmo de parte do íleo Um teste positivo no suor confirma um diagnósti-
terminal e pode causar completa obstrução intesti- co de fibrose cística. Uma prova de hibridização
nal, com distensão e vômitos. Um enema contras- fluorescente in situ (FISH) pode ser usada para iden-
tado com diatrizoato de meglumina diluído demons-
tificar uma das mutações genéticas freqüentemen-
tra o tampão e geralmente separa o tampão da pa-
te associadas com fibrose cística; no entanto, nem
rede do intestino, expelindo o tampão. Quase to-
dos os neonatos são normais desde então, mas es- todas as mutações podem ser identificadas. Portan-
tudos diagnósticos podem estar indicados para to, apenas um teste de suor negativo pode excluir
identificar doença de Hirschprung subjacente (ver definitivamente a fibrose cística.
adiante) ou fibrose cística (ver também Cap. 267) Prognóstico e tratamento
sugeridos por outros achados ou uma história fa-
miliar positiva. Os que sobrevivem ao íleo de mecônio secun-
dário à fibrose cística não apresentam doença pul-
monar pior do que os outros pacientes com fibrose
Íleo de mecônio cística. Se o íleo de mecônio for diagnosticado ou
É a obstrução intestinal causada por mecônio no houver forte suspeita, a obstrução pode ser alivia-
íleo terminal, extremamente pegajoso e aderen- da em casos não complicados (por exemplo, sem
te à mucosa ileal. perfuração, vólvulo ou atresia) fazendo um ou mais
O íleo de mecônio é quase sempre uma mani- enemas com meio de contraste diluído (por exem-
festação precoce da fibrose cística (ver também plo, solução diluída de diatrizoato de meglumina e
Cap. 267). O mecônio pegajoso no íleo de mecônio diatrizoato de sódio) sob fluoroscopia. As grandes
é facilmente diferenciado do tampão de mecônio perdas de água GI, resultantes de material de con-
borrachento da síndrome do tampão de mecônio; traste hipertônico, precisam ser repostas conco-
adere-se à mucosa intestinal e provoca obstrução mitantemente por via venosa para evitar desidrata-
ao nível do íleo terminal. Distal à obstrução, o diâ- ção súbita e choque. Se o enema não aliviar a obs-
metro do cólon é estreitado e contém bolinhas de trução, é necessária laparotomia. Geralmente há
mecônio ressecado. O cólon relativamente vazio de necessidade de ileostomia com “dupla saída” e la-
pequeno calibre é chamado de “microcólon”. vagens repetidas com acetilcisteína das alças pro-

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2199

ximal e distal para dissolver e remover o mecônio GI alto de um paciente com vólvulo tipicamente
anormal e aliviar a obstrução. mostra rotação do intestino (isto é, o local da obs-
trução) a nível do ligamento de Treitz. O vólvulo é
Atresia intestinal uma emergência cirúrgica, porque o intestino en-
volvido pode sofrer gangrena se a obstrução não
A atresia intestinal ocorre mais freqüentemente for rapidamente aliviada.
no íleo, seguido em ordem pelo duodeno (ver dis-
cussão de obstrução duodenal e jejunal, anterior- Doença de Hirschsprung
mente), jejuno e cólon. A atresia ileal geralmente
manifesta-se no primeiro ou segundo dia. A dis- (Megacólon congênito)
tensão abdominal aumenta progressivamente, o re- É uma anormalidade congênita da inervação do
cém-nascido não elimina fezes e finalmente os ali- intestino distal, geralmente limitada ao cólon, que
mentos são regurgitados. O enfoque diagnóstico resulta em obstrução funcional parcial ou total.
geral e o controle pré-operatório são semelhantes A doença de Hirschsprung é causada pela ausên-
aos de outros tipos de obstrução do intestino del- cia congênita dos plexos autônomos de Meissner e
gado distal ou do intestino grosso (ver anteriormen- Auerbach na parede intestinal, geralmente limitada
te). O prognóstico é bom. ao cólon distal. A atividade peristáltica no segmento
Na cirurgia, deve-se inspecionar todo o intesti- envolvido está ausente ou comprometida, resultando
no em busca de áreas adicionais de atresia. A por- em espasmos musculares contínuos e obstrução par-
ção atrésica é ressecada e geralmente realiza-se uma cial ou completa, com acúmulo de conteúdo intesti-
anastomose primária. Entretanto, enquanto a por- nal e dilatação importante da parte proximal do intes-
ção proximal do íleo estiver muito dilatada, a por- tino, cuja inervação é normal. Sendo a obstrução anal
ção distal não utilizada estará hipoplásica. Em tais
casos, o cirurgião pode realizar uma ileostomia de a mais comum, ela pode se estender proximalmente e
dupla saída e adiar a anastomose até que o intesti- envolver várias porções do cólon, ocasionalmente todo
no proximal distendido tenha diminuído seu tama- ele, ou mesmo o íleo terminal, mas muito raramente
nho. Podem ser empregadas diversas técnicas ci- todo o trato GI. Quase nunca ocorrem lesões interca-
rúrgicas para anastomosar as alças intestinais des- ladas com áreas normais. O lactente apresenta-se com
proporcionais. obstipação, distensão e finalmente vômitos, como em
outras formas de obstrução intestinal. Ocasionalmente,
os lactentes com aganglionose limitada ao ânus apre-
Anomalias da posição do sentam apenas obstipação leve ou intermitente, fre-
intestino por malrotação qüentemente com surtos de diarréia leve e a doença
de Hirschsprung pode ser diagnosticada apenas mais
Durante o desenvolvimento embrionário, o in- tardiamente na infância. Todavia, é importante fazer
testino primitivo faz protrusão a partir da cavidade o diagnóstico correto o mais cedo possível, porque
abdominal. Quando retorna ao abdome, o intestino quanto mais a doença permanecer sem tratamento,
grosso normalmente gira no sentido anti-horário,
com o ceco finalmente atingindo o quadrante infe- maiores as chances de enterocolite tóxica (megacólon
rior direito. Se a rotação for incompleta ou anor- tóxico), que pode ser fulminante e fatal. A maioria
mal, levando o ceco a se posicionar em qualquer dos casos pode ser diagnosticada precocemente na
outro local (geralmente no quadrante superior di- fase de lactância. Em lactentes maiores, os sinto-
reito ou no mesoepigástrio), poderá ocorrer obs- mas e sinais podem incluir anorexia, ausência do
trução intestinal, decorrente de bridas retrope- reflexo fisiológico gastrocólico; ao exame, o reto se
ritoneais que envolvem o duodeno ou por um apresenta vazio, o cólon palpável e o peristaltismo,
vólvulo do intestino delgado que, na ausência de visível. A criança também pode apresentar falha de
ligamentos peritoneais normais, gira sobre sua es- crescimento.
treita raiz mesentérica. A apresentação clínica ini-
cialmente é a mesma de outras formas de obstru- Diagnóstico e tratamento
ção intestinal. O lactente começará a apresentar O enema de bário mostra uma transição de diâ-
vômitos biliosos e pode estar em estado grave. Se a metro entre o cólon proximal dilatado e o segmento
radiografia simples do abdome mostrar escassez de distal estreitado, onde há ausência de inervação nor-
ar no intestino na parte distal ao duodeno, sugerin- mal. No entanto, os achados característicos podem
do um vólvulo mesogástrico, o diagnóstico e trata- não estar presentes no período neonatal. A biópsia
mento devem ser realizados com urgência. O enema retal, revelando a ausência de gânglios nervosos, jun-
de bário mostrará que o ceco não está no quadrante tamente com o aumento da coloração tecidual para
inferior direito. Radiografias contrastadas do trato colinesterase, confirma o diagnóstico.

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2200 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

O tratamento do recém-nascido geralmente en- DEFEITOS NO FECHAMENTO DA


volve uma colostomia proximal ao segmento
aganglionar. A ressecção de toda a porção agan- PAREDE ABDOMINAL
glionar do cólon e o reparo definitivo com procedi- Onfalocele
mento de “abaixamento” do cólon podem ser pos-
tergados até que o cólon e o ânus sejam maiores. É uma protrusão de quantidades variáveis de vís-
No entanto, alguns cirurgiões pediátricos agora rea- ceras abdominais a partir de um defeito na li-
lizam um dos vários procedimentos definitivos no nha média na base da cicatriz umbilical.
período neonatal. Depois do reparo definitivo, o Na onfalocele, as vísceras herniadas são cobertas
prognóstico é bom; a maioria dos lactentes atinge por uma fina membrana e pode ser pequena (apenas
controle satisfatório das evacuações. algumas alças intestinais), ou conter a maioria das
vísceras abdominais (intestino, estômago e fígado).
Os riscos imediatos são o ressecamento das vísce-
Enterocolite tóxica ras, hipotermia devido à perda de calor, através de
(Megacólon tóxico) evaporação de água da víscera exposta, e infecção
A enterocolite pode resultar da obstipação crô- das superfícies peritoneais. Lactentes com onfalo-
nica da doença de Hirschsprung, com supercres- cele apresentam incidência maior do que a normal
cimento da bactérias no intestino resultando na pro- de outras anomalias, incluindo atresia intestinal e
dução de toxinas bacterianas. A fulminante perda anomalias cardíaca e renal, que podem ser identifi-
de água do lúmen intestinal ou a diarréia resultam cadas e avaliadas antes da correção cirúrgica.
em fluido maciço e a perda de eletrólitos pode le- No parto, a víscera exposta deve ser coberta com
var rapidamente à desidratação e morte. A reposi- compressas úmidas com solução salina estéril e
ção de líqüido e antibióticos são importantes, mas coberta com curativo oclusivo para manter a este-
não podem evitar a morte, a menos que a obstru- rilidade e evitar a evaporação, portanto, também a
ção seja feita por colostomia. A lavagem com so- hipotermia decorrente de perda de calor. Outra téc-
lução salina do cólon ou do tubo retal podem ser nica útil para cessar a evaporação decorrente da
úteis nos estágios iniciais de estabilização antes da víscera exposta é colocar o corpo do lactente até o
colostomia ser realizada. nível da axila numa “bolsa intestinal” estéril con-
tendo solução salina estéril.
É necessário algum tempo para avaliar o neonato
Atresia anal em relação a anomalias associadas, particularmen-
A atresia anal é evidente ao exame físico, uma te as potencialmente fatais, antes de encaminhar
vez que o ânus não é patente. Caso não se faça o para cirurgia. O fechamento primário é realizado
diagnóstico em exame de rotina e o lactente seja sempre que possível. Com uma onfalocele gran-
alimentado, todos os sinais de obstrução intesti- de, a cavidade abdominal pode ser pequena de-
nal distal aparecerão precocemente. Uma fístula mais para acomodar as vísceras. Neste caso, as
geralmente se estende da bolsa anal ao períneo vísceras são recobertas por uma bolsa ou “silo”
ou uretra, no sexo masculino, e até a vagina, de silicone polimérico (Silastic), cujo tamanho é
fúrcula, ou, raramente, à bexiga, no sexo femini- reduzido progressivamente durante vários dias
no. O espaço entre o ânus em fundo cego e a pele enquanto a capacidade abdominal aumenta lenta-
do períneo pode ser de vários centímetros de mente, até que todas as vísceras possam ser conti-
comprimento ou apenas uma fina membrana de das na cavidade abdominal.
pele revestindo a abertura anal. A urina deve ser
filtrada e examinada para pesquisa de mecônio, Gastrosquise
indicando a presença de uma fístula para o trato
urinário. Radiografias simples e “fistulografias” É a protrusão das vísceras abdominais através de
com o paciente em decúbito lateral podem defi- um defeito da parede abdominal, geralmente à
nir o nível da lesão. Uma fístula cutânea geral- direita da cicatriz umbilical.
mente indica atresia baixa e geralmente é possí- Na gastrosquise, não há qualquer cobertura mem-
vel um reparo definitivo por via perineal. Se branosa sobre o intestino, que se apresenta edemacia-
não existir fístula perineal, é provável que haja do e eritematoso, freqüentemente incluído em fibrina.
uma lesão alta. Neste caso, o reparo definitivo Esses achados indicam inflamação prolongada porque
geralmente é postergado até que a criança seja o intestino fica exposto diretamente ao líquido amnió-
maior assim como as estruturas a serem repara- tico (isto é, peritonite química). Lactentes com gas-
das; até então, é realizada uma colostomia para trosquise não apresentam incidência aumentada de
aliviar a obstrução. outras anomalias, exceto pela inevitável malrotação

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2201

intestinal e possivelmente outras anomalias intestinais, biliar comum. Na maioria dos casos, a atresia bi-
inclusive atresia. Geralmente é desnecessária uma ava- liar se desenvolve muitas semanas depois do nasci-
liação extensa: esses pacientes podem ser submetidos mento, provavelmente depois de inflamação e ci-
à cirurgia quando estiverem estabilizados clinicamen- catrização dos ductos biliares extra-hepáticos (e às
te. A abordagem cirúrgica é semelhante à da onfalocele. vezes intra-hepáticos). Raramente é encontrada em
Freqüentemente são necessárias muitas semanas antes natimortos e em recém-nascidos ao nascimento.
que se recupere a função GI e se possa alimentar o A causa da resposta inflamatória é ignorada; rara-
neonato por via oral, mas ocasionalmente os lactentes mente, é implicado um agente viral específico.
podem apresentar problemas por motilidade intestinal A síndrome da hepatite neonatal (hepatite de
anormal a longo prazo. células gigantes) geralmente é idiopática, embora
raramente a infecção seja causada por citome-
OUTRAS EMERGÊNCIAS galovírus ou vírus da hepatite B ou ainda a uma
deficiência de α1-antitripsina.
CIRÚRGICAS
Sintomas, sinais e diagnóstico
As hérnias inguinais se desenvolvem mais fre-
qüentemente em recém-nascidos do sexo masculi- A atresia biliar e hepatite neonatal provavelmente
no, particularmente se prematuros. Uma vez que representam um continuum de distúrbios e não en-
as hérnias podem se tornar encarceradas, o reparo tidades distintas. Em ambas as condições, icterícia
deve ser precoce, geralmente quando o peso do lac- colestática com hiperbilirrubinemia mista, urina pro-
tente é ≥ 2,2kg. Em contraste, as hérnias umbili- gressivamente escura (bilirrubina direta), acolia fe-
cais raramente tornam-se encarceradas, fecham-se cal e hepatomegalia são geralmente observadas por
espontaneamente após vários anos e normalmente volta de 2 semanas após o nascimento. Aproxima-
não necessitam reparo cirúrgico. damente aos 2 ou 3 meses de idade, podem estar
Intussuscepção (prolapso de uma porção de intes- presentes retardo de crescimento, irritabilidade de-
tino para dentro de outra), embora rara em recém-nas- corrente de prurido e sinais de hipertensão portal.
cidos, é uma emergência grave devido ao perigo de Atresia biliar e hepatite neonatal podem ser di-
gangrena intestinal. Muito raramente, ocorre infarto fíceis de diferenciar. Em ambas, as provas de fun-
intestinal extenso a partir de oclusão de artéria mesen- ção hepática refletem colestasia e inflamação he-
térica por causa de trombos ou êmbolos murais depois patocelular. Exames adequados geralmente afastam
de introdução de cateter em artéria umbilical. outras causas específicas de icterícia obstrutiva
As perfurações gástricas em recém-nascidos neonatal (por exemplo, etiologias infecciosas es-
são freqüentemente espontâneas e podem ocorrer pecíficas, deficiência de α1-antitripsina, galactose-
por causa de um defeito congênito na parede do mia e fibrose cística). Os valores de bilirrubina di-
estômago, geralmente ao longo da grande curvatu- reta e total, AST, ALT, fosfatase alcalina e os ní-
ra. O abdome sofre distensão súbita e pode-se ob- veis séricos de ácidos biliares com freqüência não
servar um pneumoperitônio extenso em radiogra- diferenciam claramente a atresia biliar da hepatite
fia de abdome. Prematuros tratados com corticoste- neonatal com colestasia grave. A ausência de uma
róides por atresia broncopulmonar apresentam maior vesícula biliar reconhecível e de ductos biliares
risco de ulceração péptica com sangramento GI alto extra-hepáticos à ultra-sonografia é fortemente su-
ou perfuração gástrica ou duodenal; a administração gestiva de atresia biliar, enquanto, por outro lado, a
de bloqueador H2 (por exemplo, ranitidina) eleva o presença de um cisto no colédoco comprimindo e
pH gástrico em prematuros e pode reduzir o risco, obstruindo o ducto biliar comum pode ser demons-
inibindo a produção de HCl. O prognóstico é geral- trada ao exame ultra-sonográfico. Uma amostra de
mente bom depois do reparo cirúrgico da perfuração. fluido duodenal por drenagem gravitária utilizan-
Foram descritos casos de perfuração ileal em do sonda nasoduodenal pode revelar a presença de
prematuros depois de administração de indome- bile (a bilirrubina também pode ser dosada bioqui-
tacina para fechar um ducto arterioso patente; pro- micamente); a excreção de bile é forte evidência
vavelmente está relacionada à isquemia local re- contra um diagnóstico de atresia completa dos duc-
sultante de vasoconstrição pela indometacina. tos biliares. A varredura hepática usando 99mTc
PIPIDA (ácido N-para-isopropil-acetanilidei-
minodiacético) comprovou-se útil na identificação
ATRESIA BILIAR E do fluxo biliar extra-hepático. A biópsia hepática
percutânea é o exame diagnóstico mais preciso em
HEPATITE NEONATAL casos duvidosos (ver Cap. 37) para diferenciar he-
A atresia biliar ocorre quando existe obstrução patite neonatal de atresia biliar; deve ser interpre-
da árvore biliar por esclerose progressiva do ducto tada por um patologista pediátrico experiente.

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2202 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Tratamento gestação. Estas malformações incluem lábio lepo-


Se houver suspeita de atresia biliar, deve ser rea- rino e fenda palatina, síndrome de Treacher Collins
lizada laparotomia antes dos 2 meses de vida, por- (disostose mandibulofacial), síndromes de Gol-
que se o reparo cirúrgico for postergado haverá o denhar (displasia oculoauriculovertebral), Pierre
desenvolvimento de cirrose biliar irreversível. Na Robin e Waardenburg, hipertelorismo e deformi-
laparotomia, é realizada colangiografia intra-ope- dades do ouvido externo e médio. As síndromes
mais comuns são descritas na TABELA 261.3. A
ratória para definir a árvore biliar e é enviada uma maioria dos lactentes com anormalidades cranio-
biópsia hepática para exame de congelamento. faciais apresenta inteligência normal.
Ductos biliares com atresia podem ser reanasto- Lábio leporino e fenda palatina são os defei-
mosados com sucesso em apenas 5 a 10% dos lac- tos mais comuns do primeiro arco e ocorrem na
tentes; nos restantes, uma modificação do procedi- relação de um para 700 a 800 nascimentos. Entre
mento de Kasai (uma hepatoportoenterostomia) fre- as causas postuladas estão o uso de benzodiaze-
qüentemente restabelece o fluxo biliar. No entanto, pínicos durante o início da gestação. A fenda pode
muitos pacientes apresentam problemas clínicos crô- variar desde o envolvimento somente do palato mole
nicos significativos, incluindo colestasia, colangite até uma fenda completa dos palatos mole e duro, o
ascendente recorrente e atraso do desenvolvimento, processo alveolar da maxila e o lábio. A forma mais
com mortalidade tardia significativa. O transplante leve é a úvula bífida. Um lábio leporino isolado é
hepático salva as vidas de alguns lactentes com in- um problema principalmente cosmético.
suficiência hepática; atresia biliar é a indicação A fenda palatina interfere na alimentação e no
pediátrica mais comum de transplante hepático. desenvolvimento da fala. O tratamento inicial con-
Colestasia por hepatite neonatal geralmente cede siste no uso de dispositivos dentários e bicos espe-
lentamente e alguns neonatos não sobrevivem. A te- ciais para fenda palatina que promovem oclusão
rapia de suporte é discutida no Capítulo 38. da fenda e permitem a sucção e o uso de um
alimentador com o qual o leite pode ser veiculado
com uma leve pressão (por exemplo, mamadeira
ANORMALIDADES de plástico). O tratamento final é o fechamento ci-
OSTEOMUSCULARES rúrgico; no entanto, a cirurgia pode interferir em
centros de crescimento que circundam a pré-maxi-
Alguns distúrbios importantes e comuns dos sis- la. A cirurgia plástica pode melhorar significativa-
temas osteomusculares do recém-nascido são dis- mente este distúrbio, mas com tratamento inade-
cutidos adiante. quado há uma voz anasalada, comprometimento da
aparência por causa de uma deficiência na porção
ANORMALIDADES média da face e tendência à regurgitação. Podem
CRANIOFACIAIS ser necessárias terapias dentária, ortodôntica, psi-
quiátrica e da fala.
Várias anormalidades craniofaciais surgem a Defeitos associados com mandíbulas peque-
partir do maldesenvolvimento do primeiro e segun- nas (síndromes de Pierre Robin e Treacher Collins)
do arcos viscerais, que formam os ossos faciais e provocam dificuldade na alimentação e possíveis
os ossos do ouvido por volta do segundo mês de crises de cianose porque a língua é posterior e pode

TABELA 261.3 – SÍNDROMES CRANIOFACIAIS COMUNS


Síndrome Achados típicos

Síndrome de Waardenburg Surdez, albinismo parcial (geralmente com topete branco), heterocromia
da íris, deslocamento lateral dos cantos mediais
Síndrome de Pierre Robin Micrognatia com glossoptose, fenda palatina mole
Síndrome de Treacher Collins Ouvido externo malformado, hipoplasia malar, inclinação antimon-
golóide, fissuras palpebrais, coloboma de pálpebra inferior, perda
auditiva de condução
Síndrome de Goldenhar Assimetria facial, ouvido externo malformado unilateral com ondula-
ções e fissuras pré-auriculares, perda auditiva de condução, mi-
croftalmia, lipodermóide epibulbar, macrossomia com hipoplasia
mandibular, anomalias vertebrais

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2203

obstruir a faringe. Problemas alimentares podem O deslocamento congênito do quadril é mais


ser evitados através de gavagem. Se a cianose ou comum em lactentes do sexo feminino que em
problemas respiratórios persistirem, poderá ser ne- masculinos e em apresentações pélvicas. Parece ser
cessária uma traqueostomia ou cirurgia para fixar secundário à frouxidão dos ligamentos em torno
a língua numa posição anterior. Indica-se uma ava- da articulação ou ao posicionamento in utero.
liação otológica, uma vez que estas síndromes po- O deslocamento pode ser uni ou bilateral. Se for
dem acometer o ouvido. unilateral, o membro envolvido é mais curto e pode
haver pregas assimétricas de pele na coxa. O prin-
ANORMALIDADES ESPINHAIS cipal sinal de subluxação ou deslocamento é a im-
possibilidade de se realizar a completa abdução da
O torcicolo congênito é a inclinação da cabeça coxa quando o quadril e o joelho estão flexionados.
presente ao nascimento. A causa mais comum é a Isto se deve a um espasmo do adutor, que freqüen-
lesão traumática da região cervical durante (mas, às temente está presente, mesmo que o quadril não
vezes, antes) o parto, com hematoma, fibrose e con- esteja efetivamente deslocado por ocasião do exa-
tratura do músculo esternocleidomastóideo. Outras me. Se houver deslocamento, a abdução e rotação
causas incluem anomalias da coluna, como síndro- externa do fêmur podem provocar um clique audí-
me de Klippel-Feil (fusão das vértebras cervicais) ou vel ou palpável quando a cabeça do fêmur entra no
do atlas (fusão atlantooccipital). Tumores do SNC, acetábulo (sinal de Ortolani). “Cliques” menores
paralisias bulbares e disfunção ocular são causas são mais comuns. Eles podem desaparecer em 1
neurológicas importantes, mas raramente presentes ou 2 meses, mas devem ser acompanhados criterio-
ao nascimento. (Ver também TORCICOLO ESPASMÓ- samente. O deslocamento parcial ou completo pode
DICO no Cap. 59). Fraturas, deslocamentos ou sublu- ser difícil de detectar ao nascimento; é aconselhá-
xações da coluna cervical (especialmente da C1 e vel exame periódico para limitação de abdução do
C2) ou anormalidades odontóides são causas raras, quadril durante o primeiro ano de vida. A ultra-
mas graves, uma vez que podem causar dano neuro- sonografia de quadril parece precisa para estabele-
lógico permanente. O torcicolo devido a trauma de cer diagnóstico precoce. No entanto, radiografias
parto não está presente ao nascimento: aparece nos de quadril podem ser difíceis de interpretar inicial-
primeiros dias ou semanas de vida e se nota uma mente e são úteis somente se confirmarem a obser-
massa não dolorosa no músculo esternocleidomas- vação clínica. O tratamento precoce é crítico, uma
tóideo, geralmente no segmento médio. Estudos cer- vez que o quadril pode ser reduzido imediatamen-
vicais por imagem são importantes para excluir cau- te após o nascimento e, com o crescimento, o
sas ósseas, que podem exigir imobilização. Quando acetábulo se formará quase que normalmente. En-
o torcicolo é devido a trauma de parto, está indicado tretanto, se a terapia for adiada, os resultados serão
o estiramento passivo do músculo esternoclei- progressivamente menos satisfatórios, uma vez que,
domastóideo (girando a cabeça e flexionando a re- com o crescimento, o potencial de correção dimi-
gião cervical lateralmente para o lado oposto). nui sensivelmente. O tratamento clínico consiste
Os defeitos vertebrais incluem escoliose con- de uso de aparelhos (por exemplo, talas, ligaduras
gênita, que é rara, e defeitos vertebrais isolados, ou fraldas bastante almofadadas) que mantenham
como vértebras em cunha, hemivértebras ou vér- os quadris afetados abduzidos e em rotação exter-
tebras em borboleta, que são comuns. Deve-se na, forçando assim o acetábulo a se formar ade-
suspeitar de defeitos vertebrais quando existi- quadamente com o crescimento.
rem anormalidades cutâneas na linha média pos- Torção ou rotação femoral, interna (antever-
terior ou anomalias congênitas de membros in- são – joelhos voltados um para o outro) ou externa
feriores. Como o crescimento pode levar a de- (retroversão – joelhos posicionados em direções
formidade grave, o tratamento com coletes ou opostas) é típica de recém-nascidos, nos quais qual-
jaquetas deve começar precocemente. A cirurgia quer uma destas condições pode ser importante.
pode ser necessária se a curvatura progredir. São Geralmente ocorre correção espontânea mesmo de
comuns anomalias renais associadas e estão in- uma torção femoral grave quando a criança fica em
dicados ultra-som ou urografia intravenosa (UIV). pé e caminha. O ato de dormir em decúbito horizon-
tal pode prolongar a retroversão. Deve-se considerar
a realização de raios X ou ultra-sonografia do quadril
ANORMALIDADES DOS quando se suspeitar de deslocamento. Podem ser úteis
QUADRIS, PERNAS E PÉS o posicionamento e exercícios passivos.
Deslocamento do joelho anteriormente com
(Para adução do metatarso e metatarso varo, ver hiperextensão ao nascimento é rara, mas necessita
DISTÚRBIOS DO PÉ no Cap. 270.) de tratamento de emergência. O deslocamento pode

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2204 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

ser relacionado a um desequilíbrio muscular (se vimento visceral e do SNC, com deficiência men-
estiverem presentes mielodisplasia ou artrogripose) tal. São mais comuns tronco diminuído e contratu-
ou ao posicionamento intra-uterino e está freqüen- ra dos membros. As alterações ósseas geralmente
temente associada ao deslocamento ipsilateral do não são aparentes nos recém-nascidos e se desen-
quadril. O tratamento imediato com flexão passiva volvem com o crescimento.
diária e talas em flexão freqüentemente resulta em A osteogênese imperfeita, ou doença do “osso
melhora da função do joelho, se o lactente for nor- quebradiço “é um defeito na produção de colá-
mal sob outros aspectos. geno que resulta em fraturas menores. A gravi-
Arqueamento e torção (rotação) da tíbia são dade varia muito sendo o mais grave o tipo neo-
comuns ao nascimento e raramente são patológi- natal (congênito). As fraturas podem ocorrer in
cos. Arqueamento com alterações radiológicas utero e durante o parto. O trauma durante o parto
de um canal intramedular esclerótico e estreito leva a hemorragia intracraniana e natimorto. Ao
(doença de Blount) é uma exceção, com alto ris- nascimento, o crânio é macio e parece uma “bol-
co de fratura e pseudo-artrose; é necessário um sa de ossos”. Os neonatos nascidos vivos podem
aparelho protetor. morrer subitamente nos primeiros dias ou sema-
No talipe eqüinovaro, a deformidade mais nas. Os sobreviventes desenvolvem extremida-
comum de pé torto (talipe), a porção plantar do des curtas e outras deformidades ósseas. O de-
pé é flexionada, invertida e aduzida acentuada- senvolvimento mental é normal, a menos que
mente. As deformidades decorrentes de posicio- ocorra lesão cefálica. As escleras são finas, trans-
namento in utero podem simular o pé torto, mas lúcidas e parecem azuis. Pode ocorrer perda au-
podem ser passivamente corrigidas, ao passo que ditiva decorrente de otosclerose. O tratamento
as alterações patológicas não. Cuidados ortopé- ortopédico, fisioterapia e terapia ocupacional são
dicos, iniciando desde a lactância com repetidas dirigidos à prevenção de fraturas e aumento da
aplicações de aparelhos ortopédicos para nor- função. O tratamento com pamidronato bifosfo-
malizar a posição do pé, são ótimos. Em casos nado administrado IV tem demonstrado aumen-
graves, a cirurgia pode ser necessária se os apa- tar a densidade mineral e função motora poden-
relhos não forem bem-sucedidos. No talipe cal- do diminuir a dor e reabsorção óssea.
caneovalgo, o pé é chato ou convexo, com dorsi- A hipofosfatasia congênita é causada por au-
flexão e pode ser facilmente aproximado da tíbia sência de fosfatase alcalina no soro e resulta na fal-
inferior. O tratamento precoce, com tala para ta difusa de deposição de cálcio nos ossos. Ocor-
colocar o pé na posição eqüinovara ou com sapa- rem vômitos, deficiência de ganho de peso e alar-
tos corretivos geralmente são bem-sucedidos. gamento das epífises como aquele observado no
raquitismo. Deformidades ósseas e nanismo, po-
ANORMALIDADES DIVERSAS rém com desenvolvimento mental normal, estão
presentes em pacientes que sobrevivem na infân-
DOS OSSOS E CARTILAGENS cia. Não há qualquer tratamento eficaz.
(As osteocondrodisplasias, osteopetroses e osteo-
condroses são discutidas no Cap. 270). AMPUTAÇÕES CONGÊNITAS
As condrodistrofias (ver em OSTEOCONDRODIS- São deficiências transversais ou longitudinais dos
PLASIAS no Cap. 270) são doenças que afetam a membros decorrentes de inibição primária do
maneira pela qual a cartilagem se converte em osso. crescimento intra-uterino ou destruição intra-
Destas, a melhor conhecida é a acondroplasia. To- uterina secundária dos tecidos embrionários
das são caracterizadas por nanismo (geralmente normais.
com tronco de tamanho normal, mas as extremida- A etiologia freqüentemente é incerta, mas duas
des são curtas) e são freqüentemente associadas a causas conhecidas são agentes teratogênicos (por
outras anormalidades. O desenvolvimento mental exemplo, talidomida) e faixas amnióticas. Nas de-
geralmente é normal. Na maioria das condro- ficiências transversais, todos os elementos, depois
distrofias, radiografias dos ossos longos são neces- de determinado ponto, estão ausentes e os mem-
sárias para um diagnóstico preciso. Deve-se des- bros se parecem com um coto de amputação. Nas
cartar a presença de hipotireoidismo. O tratamento deficiências longitudinais, ocorrem falhas de de-
é de suporte. senvolvimento específicas; por exemplo, ausência
As mucopolissacaridoses (ver em DISTÚRBIOS completa ou parcial do rádio, fíbula ou tíbia. Lac-
HEREDITÁRIOS DO TECIDO CONJUNTIVO no Cap. tentes com deficiências transversais ou longitudi-
270) apresentam semelhanças com as condrodistro- nais dos membros também podem apresentar os-
fias, mas alguns tipos também apresentam envol- sos bífidos ou hipoplásicos, sinostose, duplicações,

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2205

luxações ou outros defeitos ósseos. Um ou mais causas propostas da amioplasia associada. AMC
membros podem ser afetados e os defeitos podem não é genética, embora distúrbios genéticos, como
ser de diferentes tipos em cada membro. As radio- trissomia do 18 e espinha bífida apresentem uma
grafias são essenciais na determinação de quais incidência aumentada de artrogripose.
ossos estão envolvidos. São raras as anormalida-
des do SNC. Sintomas e sinais
O tratamento é altamente individualizado e con- Os ombros geralmente são aduzidos e com ro-
siste principalmente em próteses, que são mais úteis tação interna, os cotovelos são estendidos e os pu-
em deficiências das extremidades inferiores, quan- nhos e dedos fletidos. Os quadris podem estar des-
do há ausência completa ou quase completa de um locados e com freqüência ligeiramente fletidos.
membro superior. Se houver alguma atividade em Os joelhos são estendidos e os pés estão freqüente-
um braço ou mão, não importa quão extensa seja a mente em posição eqüinovara. Os músculos das
malformação, a capacidade funcional deverá ser pernas são geralmente hipoplásicos e os membros
cuidadosamente avaliada antes que se recomende tendem a ser tubulares e sem aspectos característi-
uma prótese ou cirurgia. A amputação terapêutica cos. O tecido mole freqüentemente está presente
de qualquer membro ou porção deste deve ser con- sobre a posição ventral das articulações fletidas.
siderada apenas depois de avaliação das implica- A coluna pode apresentar escoliose. Exceto pela
ções funcionais e psicológicas da perda e quando fragilidade dos ossos longos, o esqueleto é radiogra-
for essencial para a colocação de uma prótese. ficamente normal. As limitações físicas podem ser
Uma prótese de membro superior deve ser dese- intensas. A inteligência geralmente não está preju-
nhada para servir as mais variadas funções possí- dicada, ou é levemente anormal.
veis para que o número de aparelhos utilizados seja Outras anormalidades que ocorrem com a
o mínimo. Uma criança usa uma prótese com mais artrogripose incluem microcefalia, fenda palatina,
sucesso quando esta é colocada mais precocemente criptorquidismo, lesões cardíacas e anomalias do
e se torna parte integrante de seu corpo durante os trato urinário.
anos de desenvolvimento. Com apoio ortopédico
eficaz e apoio secundário, a maioria das crianças com Diagnóstico, prognóstico
amputações congênitas leva uma vida normal. e tratamento
Deve ser feita avaliação completa para identifi-
ARTROGRIPOSE MÚLTIPLA car malformações associadas. Eletromiografia e
CONGÊNITA biópsia de músculo são úteis para diagnóstico de
distúrbios neuropáticos e miopáticos. A biópsia
(Contraturas Congênitas Múltiplas) muscular mostra amioplasia, com substituição gor-
É uma síndrome complexa, caracterizada por múl- durosa e fibrosa dos tecidos.
tiplas contraturas articulares (especialmente dos As anormalidades são piores ao nascimento;
membros superiores e região cervical) sem ou- AMC não é progressiva. Muitas crianças evoluem
tras anormalidades congênitas graves e com in- muito bem, dois terços chegam a andar.
teligência relativamente normal. Avaliações ortopédicas e fisioterapêuticas pre-
A artrogripose é a fixação pré-natal de articula- coces são indicadas. Manipulações articulares du-
ções em posição flexionada (contraída). Quando rante os primeiros meses de vida podem promover
existe uma fixação generalizada ou anquilose das melhora considerável. Aparelhos ortóticos podem
articulações ao nascimento, é denominada artro- ser úteis. A cirurgia pode ser necessária, mais tar-
gripose múltipla congênita (AMC), mas pode tam- de, para alinhar o ângulo de anquilose, mas a mo-
bém ocorrer como achado isolado. bilidade raramente é aumentada.
Fisiopatologia e etiologia
ANORMALIDADES MUSCULARES
O desenvolvimento articular ocorre no segundo
mês de gestação e distúrbios que impeçam o movi- Pode ocorrer a ausência de um músculo em par-
mento in utero (malformações uterinas, gestações ticular ou de um grupo de músculos. A agenesia
múltiplas, oligoidrâmnio) podem resultar em parcial ou completa do músculo peitoral maior é
artrogripose. um dos defeitos mais comuns; pode ocorrer isola-
A AMC pode resultar de distúrbios neurogê- da ou associada com as anormalidades ipsilaterais
nicos, miopáticos ou por alterações do tecido con- das mãos (anomalia de Poland).
juntivo. Miopatias congênitas, doença das células Uma ou mais camadas de musculatura abdomi-
do corno anterior e miastenia grave materna são nal podem estar ausentes ao nascimento (por exem-

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2206 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

plo, síndrome do ventre em ameixa (“prune belly”), sentes, podem ser excepcionalmente grandes ou
que freqüentemente é associada com anormalida- múltiplos e pequenos; e secções microscópicas de
des genitourinárias, particularmente hidronefrose). um cérebro com aparência normal podem mostrar
A incidência é mais alta em lactentes do sexo mas- desorganização do arranjo neuronal laminar nor-
culino, que geralmente apresentam testículos não mal. Diminuição no tamanho do cérebro (microce-
descidos. O prognóstico é reservado, mesmo que falia) está freqüentemente associada com estes de-
ocorra uma melhora precoce da obstrução do trato feitos, e geralmente existe retardo mental e motor
urinário. As malformações que envolvem os pés e moderado a grave. A terapia consiste em medidas
o reto freqüentemente fazem parte da agenesia dos de suporte, incluindo anticonvulsivantes se houver
defeitos da musculatura. necessidade, para controlar convulsões.
Encefalocele é uma protrusão do tecido nervo-
so e das meninges através de um defeito do crânio;
ANORMALIDADES é associada a fechamento incompleto da abóbada
NEUROLÓGICAS craniana (crânio bífido). A encefalocele geralmen-
te ocorre na linha média e projeta-se desde a região
Algumas das mais graves anormalidades con- occipital para dentro da passagem, mas pode estar
gênitas do sistema nervoso (por exemplo, anence- presente assimetricamente nas regiões frontal ou
falia, encefalocele, espinha bífida) desenvolvem- parietal. Encefaloceles pequenas podem se parecer
se nos primeiros 2 meses de gestação e represen- com céfalo-hematomas,, mas radiografias mostram
tam defeitos na formação do tubo neural (disrafia). um defeito ósseo craniano nas suas bases. A maio-
Outras (por exemplo, hidranencefalia, porencefalia) ria das encefaloceles deve ser corrigida. Mesmo as
ocorrem mais tarde e parecem ser secundárias a grandes, às vezes, contêm tecido nervoso princi-
processos destrutivos do cérebro, depois de sua for- palmente heterotópico, que pode ser removido sem
mação. Alguns defeitos são relativamente benig- deixar incapacidade funcional importante. Quan-
nos (por exemplo, meningocele). do coexistirem outras malformações graves, a de-
Atualmente é possível a detecção precisa de cisão de correção poderá ser mais difícil. A hidro-
muitas malformações congênitas do sistema ner- cefalia (ver adiante) freqüentemente associada à
voso que ocorrem in utero, através da amniocente- encefalocele, necessita de definição através de TC
se e ultra-sonografia (ver também Cap. 247). É ou ultra-som e, se for progressiva, de tratamento
importante o aconselhamento genético dos pais a cirúrgico com a realização de um “shunt”. Aproxi-
respeito de uma criança com uma anormalidade madamente 50% dos lactentes afetados apresentam
neurológica importante, uma vez que o risco de outros defeitos congênitos. O prognóstico é bom
outro filho apresentar tal defeito é alto. Estes pais para a maioria destes pacientes.
também necessitam de apoio e ajuda psicológica. Porencefalia é um cisto ou cavidade num he-
As mulheres que já tiveram uma gestação, que re- misfério cerebral que se comunica com um ven-
sultou em um recém-nascido ou feto com defeito trículo, pode ocorrer antes ou depois do nasci-
do tubo neural, devem ser orientadas sobre a suple- mento. O defeito pode ser causado por uma ano-
mentação de ácido fólico (4mg ao dia) antes da malia de desenvolvimento, doença inflamatória
concepção e durante o início da gravidez, que pode ou um acidente vascular tal como hemorragia
reduzir substancialmente o risco de defeitos do tubo intraventricular com extensão parenquimatosa.
neural em gestações subseqüentes. O exame neurológico geralmente é anormal.
O diagnóstico é confirmado através de TC ou
ANORMALIDADES CEREBRAIS ultra-som. A hidrocefalia progressiva pode ne-
cessitar de um procedimentro de “shunt”. O prog-
Anencefalia é a ausência dos hemisférios cerebrais nóstico é variável; alguns pacientes desenvolvem
e é incompatível com a vida. O cérebro ausente é al- somente sinais neurológicos menores e apresen-
gumas vezes substituído por tecido neural cístico tam inteligência normal.
malformado, que pode estar exposto ou coberto por Hidranencefalia é uma forma extrema de
pele. Várias partes do tronco cerebral e da medula porencefalia, na qual os hemisférios cerebrais es-
espinhal podem estar ausentes ou serem malformadas. tão quase totalmente ausentes. Geralmente, o cere-
Não há medidas terapêuticas ou diagnósticas úteis e belo e o tronco cerebral são normalmente forma-
estes recém-nascidos podem nascer mortos ou mor- dos e os gânglios basais estão intactos. As meninges,
rer em poucos dias ou semanas. os ossos e a pele que recobre a abóbada craniana
Podem ocorrer malformações dos hemisférios são normais. Os resultados do exame neurológico
cerebrais. Os hemisférios podem ser grandes, pe- no período neonatal podem ser normais ou anor-
quenos ou assimétricos, os giros podem estar au- mais, mas os achados são sutis. O lactente não se

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2207

desenvolve normalmente. Externamente, a cabeça O tratamento depende da etiologia; o tratamento


parece ser normal, mas quando transiluminada, a clínico com acetazolamida e glicerol ou punções lom-
luz a atravessa completamente. TC ou ultra-som bares (se a hidrocefalia for comunicante) para redu-
confirmam o diagnóstico. O tratamento é de su- zir a pressão do LCR pode, às vezes, ser útil tempora-
porte, com “shunt” se o crescimento da cabeça for riamente. Todavia, a hidrocefalia progressiva, espe-
excessivo. cialmente se o diâmetro cefálico estiver aumentando
Hidrocefalia, aumento ventricular com acúmu- muito rapidamente, necessita da realização de um
lo excessivo de LCR dentro dos ventrículos, é a “shunt” para reduzir a pressão. É importante verifi-
causa mais comum de cabeça anormalmente gran- car, anteriormente à operação, se a hidrocefalia é pro-
de em recém-nascidos. Ocorre quando a produção gressiva, uma vez que alguns casos cessam esponta-
de LCR excede a reabsorção; geralmente se deve à neamente. O tipo de “shunt” realizada depende da
obstrução no aqueduto de Sylvius, mas também experiência e preferência do neurocirurgião. Como
pode ocorrer nas saídas do quarto ventrículo (fora- apresentam menos complicações, os “shunts” ventri-
me de Luschka e Magendie) ou nos espaços suba- culoperitoneais geralmente são escolhidos em vez de
racnóides ao redor do tronco cerebral ou sobre os “shunts” ventriculoatriais. Depois de realizado o
hemisférios. A hidrocefalia pode ser comunicante “shunt”, o progresso da criança deve ser seguido com
ou não comunicante. A hidrocefalia comunicante atenção em relação ao perímetro cefálico occi-
está presente quando o LCR circula livremente pe- pitofrontal, desenvolvimento e risco aumentado de
los espaços subaracnóides; pode ser devida a uma infecções relacionadas. TC parcial periódica ou ultra-
obstrução no espaço subaracnóide, mas geralmen- som (se a fontanela anterior estiver aberta) podem ser
te é devida à produção excessiva de LCR (sem obs- usados para monitorar o tamanho do ventrículo. Em-
trução de via de saída) secundária à inflamação bora algumas crianças deixem de precisar de “shunt”
meníngea por infecção ou sangue no espaço quando ficam mais velhas, a determinação é difícil e,
subaracnóide. A hidrocefalia não comunicante in- por isso, os “shunts” raramente são removidos. A ci-
dica bloqueio em algum local do sistema ventricu- rurgia fetal para tratar hidrocefalia congênita antes
lar ou entre ele e o espaço subaracnóide. A avalia- do nascimento não foi bem-sucedida.
ção laboratorial do lactente com hidrocefalia in- A hidrocefalia está freqüentemente associada
clui raios X de crânio, ultra-som, TC ou IRM. A com cistos de Dandy-Walker ou malformação de
imagem craniana pode mostrar separação de sutu- Arnold-Chiari, que são as principais malforma-
ras, áreas de afinamento dos ossos ou calcificações ções da fossa posterior.
intracranianas (associadas geralmente a infecções Os cistos de Dandy-Walker são malformações de
congênitas). Radiografias simples do crânio podem desenvolvimento nas quais o quarto ventrículo é cís-
mostrar os ossos com aparência de “prata batida” tico; geralmente resultam em hidrocefalia. O diag-
(comum em lactentes com mielomeningocele e hi- nóstico é confirmado por TC ou ultra-som, observan-
drocefalia), indicando um aumento prolongado na do-se deslocamento superior do sulco do seio lateral
pressão intracraniana. A TC mostra o tamanho ven- ao raio X ou pela transiluminação da fossa posterior.
tricular e pode também indicar o local da obstru- A hidrocefalia geralmente necessita de “shunt”.
ção. O ultra-som pode definir o grau de dilatação A malformação de Arnold-Chiari é um defeito
ventricular e estudos seriados podem documentar na formação do tronco cerebral. A forma mais ex-
a progressão da hidrocefalia. O ultra-som é espe- trema do alongamento das tonsilas cerebelares, que
cialmente valioso no seguimento de hemorragias protraem-se através do forame magno, protrusão
intraventriculares, uma vez que a dilatação ven- dos colículos e aumento da medula espinhal cervi-
tricular pode ser transitória e necessitar somente cal superior. O diagnóstico é feito através de TC ou
de tratamento clínico (ver adiante). Quando se IRM. A hidrocefalia pode resultar do bloqueio da
suspeita de infecção congênita, indicam-se estu- saída do quarto ventrículo ou de estenose associa-
dos sorológicos para Toxoplasma gondii, vírus da da ao aqueduto. Também pode necessitar de deri-
rubéola, Treponema pallidum, herpesvírus e cito- vação para aliviar a obstrução. A malformação de
megalovírus. Se ocorrerem convulsões, um EEG Arnold-Chiari pode ocorrer isoladamente, mas fre-
pode ser útil. Estudos suplementares podem in- qüentemente está associada à espinha bífida e
cluir quimiocitológico do LCR. siringomielia (ver em SIRINGE no Cap. 182).
O diagnóstico diferencial inclui lesões expansi-
vas, que ocupam os espaços intracranianos (por ESPINHA BÍFIDA
exemplo, hematomas subdurais, cistos poren-
cefálicos e tumores); estes podem ser identificados É o fechamento defeituoso da coluna vertebral.
através de TC. Pode ocorrer também malfunção do A espinha bífida é um dos mais graves defeitos
cérebro (megalencefalia), anormalmente grande. do tubo neural compatível com a vida prolongada.

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2208 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Sua gravidade é variável, desde o tipo oculto, sem rios especialistas de várias disciplinas. Inicialmen-
nenhum achado, até uma espinha completamente te, são necessárias avaliações neurocirúrgica, uro-
aberta (raquisquise) com incapacidade neurológi- lógica, ortopédica, pediátrica e de serviço social.
ca grave e óbito. Na espinha bífida cística, o saco Minuciosa avaliação do lactente e aconselhamento
protraído pode conter meninges (meningocele), da família geralmente devem preceder a interven-
medula espinhal (mielocele) ou ambos (mielo- ção. É importante avaliar o tipo, nível e extensão
meningocele). A espinha bífida é mais comum nas da lesão; o estado de saúde geral do lactente e defi-
regiões torácica inferior, lombar ou sacral e geral- ciências associadas, motivação, desejos e recur-
mente se estende por 3 a 6 segmentos vertebrais. O sos família e recursos comunitários, inclusive de
saco em uma mielomeningocele geralmente é for- atendimento contínuo. Terminada a avaliação, pode-
mado de meninges com placa neural central. Se não se tomar uma decisão sobre o grau de agressivi-
estiver bem coberto com pele, o saco pode facilmente dade do tratamento.
se romper, aumentando o risco de meningite. Se o defeito for o extravasamento do LCR,
Quando a medula espinhal ou as raízes dos ner- antibióticos ou avaliação neurocirúrgica urgente
vos lombossacrais estão envolvidas na espinha e o reparo reduzirão o risco de infecção meníngea
bífida, o que é comum, ocorrem graus variáveis de ou ventricular. A hidrocefalia pode necessitar de
paralisia abaixo do nível envolvido. Uma vez que realização de “shunt”. A função renal deve ser
esta paralisia está presente no feto, os problemas cuidadosamente seguida e infecção do trato uri-
ortopédicos (por exemplo, pé torto, artrogripose ou nário (ITU) deve ser tratada prontamente.
deslocamento do quadril – ver ANORMALIDADES Uropatia obstrutiva ao nível da saída da bexiga
OSTEOMUSCULARES, anteriormente) podem se ou nível ureteral deve ser vigorosamente tratada,
apresentar ao nascimento. A paralisia geralmente especialmente se houver infecção. Cuidados or-
afeta os esfíncteres da bexiga e do reto e o distúrbio topédicos devem ser iniciados precocemente com
GU resultante pode eventualmente levar a graves da- aplicação de talas para pé torto, se presente, e
nos renais. Cifose, algumas vezes associada à espi- observação atenta das articulações do quadril,
nha bífida, pode retardar o fechamento cirúrgico e uma vez que é freqüente a ocorrência de deslo-
impedir que o paciente fique em posição supina. camento. Outras preocupações ortopédicas con-
A hidrocefalia ocorre freqüentemente e pode ser re- tínuas são escoliose, fraturas patológicas, desen-
lacionada à estenose aquedutal ou a uma malforma- volvimento de escaras de decúbito, fraqueza e
ção de Arnold-Chiari (ver anteriormente). Outras espasmos musculares que podem causar defor-
anomalias congênitas podem estar presentes. midades posteriormente.
A avaliação laboratorial começa com raios X da
coluna, crânio, quadris e, se houver malformação, das
extremidades inferiores. A avaliação do trato urinário DEFEITOS OCULARES
é essencial e inclui exame de urina, urocultura, BUN
e determinação de creatinina, UIV e ultra-som. Tes-
CONGÊNITOS
tes suplementares dependem de defeitos associados e GLAUCOMA CONGÊNITO
podem incluir estudos intracranianos (TC ou ultra-
som) e avaliação do LCR. (Glaucoma Infantil; Buftalmo; Hidroftalmo)
Antes do nascimento, uma espinha bífida aberta É uma condição rara, causada por um defeito con-
pode ser diagnosticada pelo achado de níveis ele- gênito na região do ângulo iridocorneano da
vados de α-feto proteína no soro materno e no lí- câmara anterior, que obstrui a passagem do
quido amniótico. O ultra-som pode mostrar os de- humor aquoso, causando aumento crônico na
feitos ósseos da coluna e massas em partes moles. pressão intra-ocular.
O prognóstico é determinado pelo número e gra- O distúrbio ocorre em lactentes e crianças e geral-
vidade das anormalidades, e é pior para aqueles mente é bilateral. O globo ocular torna-se considera-
pacientes que apresentam paralisia total abaixo da velmente aumentado; a córnea de grande diâmetro
lesão, cifose, hidrocefalia, hidronefrose precoce e torna-se delgada, algumas vezes leitosa, e pode estar
defeitos congênitos associados. Com cuidados apro- abaulada (o diâmetro e transparência da córnea de-
priados, todavia, muitas crianças evoluem bem. A vem ser observados cuidadosamente em lactentes), a
insuficiência renal e complicações da derivação são pupila pode ser aumentada e fixa, a câmara anterior é
as principais causas de óbito em pacientes mais profunda. Se for permitido o progresso da doença, o
velhos com espinha bífida. nervo óptico será danificado e poderá sobrevir a ce-
A prevenção envolve suplementação de ácido gueira. O tratamento fundamental é feito através de
fólico (ver ANORMALIDADES NEUROLÓGICAS, an- intervenção cirúrgica precoce (goniotomia, gonio-
teriormente). O tratamento requer a união de vá- punção, trabeculotomia, trabeculectomia).

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2209

CATARATA CONGÊNITA tram separadamente na bexiga, um de cada lado) au-


mentam o risco de obstrução da junção ureteropélvica,
É a opacificação do cristalino presente ao nasci- refluxo vesicoureteral, displasia renal multicística e
mento. lesão por traumatismo abdominal anterior.
(Para catarata juvenil e do adulto, ver Cap. 97). O rim em ferradura é a anomalia de fusão mais
Cataratas congênitas podem ser o resultado de comum. O parênquima renal de cada lado da colu-
anormalidades cromossômicas, doenças metabóli- na vertebral é unido pelo pólo correspondente (ge-
cas (por exemplo, galactosemia), infecções intra- ralmente inferior), com um istmo de parênquima
uterinas (rubéola), ou outra doença materna duran- renal ou tecido fibroso na linha média de união das
te a gravidez. A catarata pode ser nuclear ou corti- áreas. O trajeto dos ureteres é medial e anterior ao
cal e pode passar despercebida, a menos que seja istmo e geralmente drenam bem. A obstrução, se
realizada fundoscopia ao nascimento. Se a catarata presente, geralmente é secundária à inserção alta
do ureter na pelve renal, não ao istmo. Pode ser
for densa o suficiente para obscurecer a visão do realizada pieloplastia sem ressecção do istmo.
disco óptico e dos vasos, um oftalmologista deve Ectopia renal fundida cruzada é a segunda ano-
estimar o possível efeito sobre a visão da criança. malia de fusão mais comum. O parênquima renal
A remoção da catarata com alguns meses de vida (representando os dois rins) está do mesmo lado da
pode permitir o desenvolvimento de fixação apro- coluna vertebral. Um dos ureteres atravessa a linha
priada da retina e respostas visuais corticais. A ci- média e entra na bexiga do lado oposto dos rins. Na
rurgia de extração de catarata é tecnicamente sim- presença de obstrução na junção ureteropélvica, a
ples e, em alguns pacientes, pode ser implantada pieloplastia é o tratamento de escolha.
lente intra-ocular. A correção visual pós-operató- O rim com fusão pélvica (rim em panqueca)
ria com óculos, lentes de contato ou sobreposição é uma anomalia de fusão bem menos comum, na
de uma nova córnea (a sutura de uma córnea hu- qual uma massa renal pélvica única é servida por
mana, na córnea do receptor, recobrindo-a como dois sistemas coletores e ureteres. Na presença de
uma lente de contato) é difícil, mas é necessária obstrução, está indicada a reconstrução.
para se obter boa visão. Depois da remoção de uma Ectopia renal – A ectopia renal (localização
catarata unilateral, a qualidade de imagem no olho anormal dos rins) resulta de um rim que não
operado é inferior à do olho normal. Como o olho ascende de sua origem na pelve verdadeira ou de
normal é geralmente favorecido, o cérebro supri- um rim que ascendeu superiormente (torácico).
me a imagem de pior qualidade, resultando em um Existe uma incidência aumentada de obstrução
sistema visual mal desenvolvido para o olho opera- da junção ureteropélvica, refluxo vesicoureteral
do (ambliopia). A terapia meticulosa e agressiva da e displasia renal multicística em rins que ascen-
ambliopia é portanto necessária para permitir o de- deram incompletamente, mas não nos que as-
senvolvimento de visão normal no olho operado. Em cenderam superiormente. A correção cirúrgica é
contraste, nas extrações de cataratas bilaterais, nas realizada se houver indicação.
quais a qualidade de imagem é equivalente nos dois Malrotação – Esta anomalia geralmente pouco
olhos, nenhum dos olhos é favorecido e o sistema importante do eixo renal pode aparecer anormal em
visual se desenvolve igualmente nos dois olhos. radiografia do sistema coletor. Deve ser diferen-
ciada dos efeitos da verdadeira obstrução ou de mas-
sas renais.
DEFEITOS RENAIS E Agenesia – A agenesia renal bilateral (ausência
GENITOURINÁRIOS dos dois rins – síndrome de Potter) é fatal. Está as-
sociada com oligoiidrâmnio, hipoplasia pulmonar e
As anomalias congênitas do trato GU são mais orelhas de implantação baixa. A agenesia renal uni-
comuns do que em qualquer outro sistema orgâni- lateral não é incomum e geralmente é acompanhada
co. As complicações (por exemplo, obstrução uri- por agenesia ureteral na ausência do trígono ipsila-
nária, estase) podem resultar em comprometimen- teral e orifício ureteral. Hipertrofia compensatória
to da função renal, infecção e formação de cálculo do rim solitário mantém a função renal normal.
e disfunção sexual ou infertilidade. O tratamento é Anomalias de duplicação – Sistemas coletores
freqüentemente cirúrgico. supranumerários podem ser unilaterais ou bilate-
rais e envolver a pelve renal e ureteres (pelve renal
RIM acessória, pelve dupla ou tripla e ureter), cálice ou
orifício ureteral. O rim duplo consiste em uma úni-
Anomalias de fusão – As anomalias de fusão ca massa renal com mais de um sistema coletor.
(nas quais os rins estão unidos mas os ureteres en- Existe um risco aumentado para ectopia ureteral

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2210 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

com ou sem ureterocele em sistemas duplicados; o gástricas e hiperesplenismo (leucopenia, trom-


tratamento depende da anatomia e função de cada bocitopenia). Se o paciente apresentá-la na adoles-
segmento drenado separadamente. A cirurgia pode cência, a nefromegalia é menos acentuada. A insu-
ser necessária para corrigir a obstrução ou refluxo ficiência renal pode ser leve a moderada. Os prin-
vesicoureteral. cipais sintomas são relacionados à fibrose hepática
Displasias renais – Essas anormalidades paren- progressiva (hipertensão portal, varizes gástricas e
quimatosas com conseqüente disfunção renal po- esofágicas, insuficiência hepática, hiperesple-
dem resultar de desenvolvimento anormal da vas- nismo). O diagnóstico é difícil, especialmente sem
culatura renal, túbulos renais, ductos coletores ou uma história familiar positiva. A ultra-sonografia
sistema de drenagem. Pode ser necessária biópsia pode demonstrar cistos renais ou hepáticos; o
para diagnóstico. diagnóstico definitivo pode exigir biópsia.
Rim multicístico displásico – Esta unidade re- Muitos recém-nascidos morrem nos primeiros
nal não funcionante consiste em cistos não comu- dias ou semanas de vida por insuficiência respira-
nicantes com partes moles interpostas compostas de tória. A maioria que sobrevive aos primeiros anos
fibrose, túbulos primitivos e focos de cartilagem. apresenta insuficiência renal progressiva. Aqueles
Geralmente, existe uma atresia ureteral associada. com menor envolvimento renal desenvolvem hiper-
Existe baixo risco de tumor, infecção e hipertensão; tensão portal progressiva. “Shunts” portocavais ou
alguns defendem que se removam esses rins, enquan- esplenorrenais reduzem a morbidade, mas não a
to outros preferem observar o paciente. mortalidade. A experiência com transplante nesses
Hipoplasia renal – É o subdesenvolvimento do pacientes é limitada. Se for realizado transplante, o
rim, geralmente associado à ramificação inadequa- hiperesplenismo deve ser controlado, para evitar
da do broto ureteral. O rim é pequeno, com néfrons imunossupressão; caso contrário, o mesmo pode in-
histologicamente normais. Pode ocorrer hiperten- duzir leucopenia, aumentando o risco de infecção
são com hipoplasia segmentar e ser necessária ci- sistêmica. Diálise é usada (ver Cap. 223) como para
rurgia ablativa. outras crianças com insuficiência renal crônica.
Doença renal policística autossômica recessi-
va – Embora rara (1/10.000 nascidos), a doença URETER
renal policística autossômica recessiva é a doen-
ça cística da infância determinada geneticamente Anomalias ureterais congênitas estão freqüen-
mais comum dos rins (envolvendo os rins e o fíga- temente associadas a anomalias renais, mas podem
do) e freqüentemente provoca insuficiência renal ocorrer independentemente. As complicações in-
na infância. A doença renal policística autossômi- cluem obstrução, infecção e formação de cálculos,
ca dominante é discutida no Capítulo 230. bem como problemas de incontinência urinária, se
Geralmente, os pacientes que se apresentam pre- o ureter desviar-se da bexiga e terminar na uretra,
cocemente apresentam principalmente sintomas re- períneo ou vagina (na menina).
lativos ao rim; os que se apresentam na adolescên- Anomalias de duplicação – Pode ocorrer du-
cia apresentam principalmente sintomas relativos ao plicação parcial ou completa de um ou de am-
fígado. Essas diferenças provavelmente refletem bos os ureteres, juntamente com duplicação da
variação fenotípica do mesmo distúrbio genético. pelve renal ipsilateral. O ureter vindo do pólo
Recém-nascidos gravemente acometidos habi- superior do rim se abre em uma localização mais
tualmente apresentam hipoplasia pulmonar secun- caudal do que o orifício do ureter do pólo infe-
dária aos efeitos da disfunção renal in utero e rior. Ectopia ou estenose de um ou dos dois
oligoidrâmnio associado. Neonatos afetados me- orifícios (ver adiante), refluxo vesicoureteral
nos gravemente apresentam abdome protuberante para o ureter inferior ou ambos ou ureterocele
com rins grandes, firmes, com superfície lisa e si- podem ocorrer. Pode ser necessária cirurgia para
métricos. O fígado aumentado é anormal, com fi- corrigir o refluxo vesicoureteral, obstrução ou
brose periportal, proliferação de ductos biliares e incontinência urinária.
raros cistos; o restante do parênquima hepático é Ureter retrocaval – O desenvolvimento anôma-
normal. Esses achados patológicos são responsá- lo da veia cava (veia cava pré-ureteral) permite que
veis pela hipertensão portal perisinusoidal com dis- a veia cava infra-renal se forme anteriormente ao
função hepática mínima ou ausente. A ultra-sono- ureter. Um ureter retrocaval à esquerda é observa-
grafia é o melhor instrumento diagnóstico e, no fi- do apenas com persistência do sistema da veia car-
nal da gravidez, geralmente permite diagnóstico dinal esquerda ou com situs inversus completo. Para
presuntivo in utero. obstrução ureteral significativa, a cirurgia consiste
Em pacientes com 5 a 10 anos, aparecem sinais na divisão do ureter com anastomose ureteroureteral
de hipertensão portal, como varizes esofágicas e anterior à veia cava ou vaso ilíaco.

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2211

Orifícios ectópicos – Essas aberturas malpo- elevados (> 40 cm H2O) resultam em lesão hi-
sicionadas de um ou dois ureteres podem ocorrer drostática progressiva ao rim na maioria dos pa-
na parede lateral da bexiga, distalmente ao trígono, cientes, mesmo sem infecção ou refluxo.
no colo vesical, na uretra feminina distal ao esfínc- Dor abdominal ou no flanco, ITU persistente ou
ter (levando à incontinência contínua), no sistema recorrente, disúria ou dor no flanco com a micção,
genital (próstata e vesícula seminal no homem, úte- polaciúria ou urgência miccional ou sinais de insu-
ro ou vagina na mulher) ou externamente. Os orifí- ficiência renal podem ser secundários ao refluxo
cios ectópicos laterais freqüentemente levam a re- vesicoureteral. Piúria, hematúria, proteinúria e
fluxo vesicoureteral, enquanto orifícios ectópicos bacteriúria podem estar presentes.
distais estão mais freqüentemente associados com Uretrocistografias de enchimento e miccionais
obstrução e incontinência. A cirurgia está indicada demonstram refluxo e são os métodos preferidos
para obstrução e incontinência é às vezes é neces- para diagnosticar obstrução de via de saída vesi-
sária para corrigir o refluxo vesicoureteral. cal, que pode ser reparada cirurgicamente. A UIV
Estenose – Pode ocorrer estreitamento congê- pode mostrar dilatação calicial, “enfaixamento”
nito em qualquer porção do ureter, mais comumente ureteral e ureterectasia com dilatação do sistema
na junção ureteropélvica e menos comumente na coletor superior. O refluxo pode também ser de-
junção ureterovesical (megaureter primário). As monstrado por cistografia direta (com cateter) com
estenoses freqüentemente melhoram com o tempo radioisótopos. O envolvimento cortical renal com
e o crescimento, mas pode ser necessário retirar o infecção aguda ou cicatrização é delineado com pre-
ureter e reimplantar quando existe dilatação cres- cisão através de varreduras nucleares (ácido dimer-
cente e infecção. Qualquer obstrução é também captossuccínico), quando indicados.
indicação cirúrgica. O refluxo vesicoureteral é geralmente leve a
Ureterocele – Saliência da porção inferior do moderado (com pouca ou nenhuma dilatação
ureter para dentro da bexiga pode produzir dilata- calicial) e freqüentemente desaparece esponta-
ção cística obstrutiva e progressiva, levando a neamente em meses a anos enquanto se mantém a
ureterectasia, hidronefrose, formação de cálculos profilaxia antibacteriana diária. A infecção, apesar
e potencial perda de função renal. O tratamento da profilaxia ou cicatrização significativa e progres-
inclui incisão transuretral endoscópica ou reparo siva é tratada da melhor forma por reimplante
aberto. Quando uma ureterocele envolve o pólo su- ureteral. Quando este refluxo é acompanhado de
perior de ureteres duplos, o tratamento pode depen- conteúdo ou esvaziamento da urina com alta pres-
der da função naquele segmento renal, por causa da são, a abordagem é reduzir as pressões vesicais com
incidência significativa de displasia renal. A remo- farmacoterapia e/ou medidas comportamentais.
ção do segmento renal e do ureter afetados pode ser O refluxo pode às vezes resolver com este trata-
preferível ao reparo da obstrução se não for encon- mento. Se não, o reimplante é a medida apropria-
trada nenhuma função renal segmentar ou se houver da. Esta abordagem quase sempre elimina o reflu-
suspeita de displasia renal significativa. xo e reduz a pielonefrite futura, com redução de
Refluxo vesicoureteral – O refluxo de urina morbidade e mortalidade por doença renal secun-
da bexiga para dentro do ureter é anormal e pode dária a refluxo e infecção.
resultar em lesão ao trato urinário superior atra-
vés de infecção bacteriana e pela pressão hidros- BEXIGA
tática aumentada. É mais freqüentemente causa-
do pelo desenvolvimento anômalo congênito da Anomalias congênitas da bexiga urinária incluem
junção ureterovesical. O desenvolvimento incom- extrofia, agenesia, duplicação, úraco persistente e sín-
pleto do túnel ureteral intramural causa falha na drome da megacística, que pode ser um defeito
ação valvular da junção ureterovesical e permite mioneural primário (ver SÍNDROME DA MEGABEXIGA
o refluxo da urina da bexiga para o ureter e a [“MEGACYSTIS”] no Cap. 216) e divertículos.
pelve renal. O refluxo pode ocorrer mesmo na Extrofia – É uma anomalia facilmente detectá-
presença de um túnel normalmente suficiente onde vel e muito grave. A bexiga urinária aberta (sem
existe uma obstrução da via de saída vesical com teto) é observada na região suprapubiana com
pressões intravesicais aumentadas ou disfunção gotejamento de urina dos orifícios ureterais.
neurogênica vesical. A mucosa da bexiga é contínua com a pele abdo-
Bactérias no trato urinário baixo podem ser fa- minal e os ossos pubianos são separados. O prog-
cilmente transmitidas por refluxo ao trato superior, nóstico para manutenção da função renal normal é
levando à infecção parenquimatosa com potencial bom. A bexiga pode ser quase sempre reconstruída
cicatrização e perda da função renal. O conteúdo e devolvida à pelve, embora invariavelmente com
vesical e pressões de esvaziamento cronicamente a presença de refluxo vesicoureteral. Ureterossig-

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2212 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

moidostomia, ou outros tipos de desvio urinário nência de fluxo urinário e ITU. O diagnóstico é
continente podem ser usados para tratar um reser- estabelecido através de uretrocistografia miccio-
vatório vesical que não se expande o suficiente ou nal. O tratamento inicial é endoscópico. A inter-
com esfíncter insuficiente. Há necessidade de re- venção cirúrgica imediata pode evitar a deterio-
construção da genitália. ração renal progressiva. Uma entidade diferente,
Os divertículos vesicais congênitos predispõem o divertículo da uretra anterior, pode agir como
à infecção urinária. Os divertículos podem estar uma válvula (válvula uretral anterior) e também
associados com refluxo. O diagnóstico é feito atra- é tratada endoscopicamente.
vés de cistografia e cistoscopia. Pode-se indicar a Estenose uretral – Embora a estenose uretral
remoção cirúrgica dos divertículos e a reconstru- no sexo masculino seja habitualmente adquirida,
ção da parede da bexiga. tipicamente por uma lesão por esmagamento após
queda a cavaleiro (ver também TRAUMA URETRAL
PÊNIS E URETRA no Cap. 232), pode ser congênita. A estenose ad-
quirida geralmente se apresenta com secreção ure-
O pênis, no sexo masculino, e a uretra, em am- tral sanguinolenta pós-miccional e pode resolver
bos os sexos, podem estar congenitamente ausen- espontaneamente ou progredir para uma verdadei-
tes. Outras anomalias incluem hipospadia, epispa- ra estenose. O tratamento inicial é a uretrotomia
dia, pênis duplo, curvatura peniana congênita ou endoscópica.
malrotação, microfalo, válvulas uretrais, estreita- Estenose de meato uretral – A estenose do
mento, estenose ou duplicação uretrais, estenose meato uretral associada com hipospadia é a forma
do meato e fimose e parafimose. mais comum de estenose uretral congênita, embo-
Hipospadia – A abertura uretral deslocada pro- ra seja mais comumente uma condição adquirida,
vocada por falha de tubularização e fusão do sulco resultante de irritação do meato em meninos cir-
uretral. Na hipospadia feminina, a uretra abre-se cuncidados enquanto ainda usavam fraldas.
dentro da vagina. No homem, o prepúcio não se A meatotomia está indicada para um jato signifi-
forma em toda a circunferência e aparece como um cativamente defletido ou jato em gotas.
capuz dorsal. A abertura uretral pode estar locali- Fimose e parafimose – A fimose é o estrei-
zada no lado inferior do pênis na junção penos- tamento do prepúcio, congênito ou adquirido (in-
crotal, entre as pregas escrotais ou no períneo. Fre- flamatório), que não pode ser retraído. Parafimose
qüentemente está associada a um pênis arqueado é a impossibilidade de estender o prepúcio retraído
(curvatura ventral do pênis, mais evidente na ere- e apertado distalmente até recobrir a glande. Quan-
ção), provocada por tecido fibroso ao longo do tra- do qualquer uma das condições está presente, está
jeto habitual do corpo esponjoso. O prognóstico indicada circuncisão cirúrgica. Pode ser necessá-
para correção funcional e cosmética é bom. Du- rio um corte dorsal preliminar. O prognóstico é
rante o primeiro ano de vida, o pênis arqueado pode excelente.
ser reparado e construída uma neouretra usando pele
da prega peniana ou prepúcio. TESTÍCULOS E ESCROTO
Epispadia – Defeitos de fusão dorsal da uretra
que podem ser parciais (em 15% dos casos) ou com- O escroto pode não apresentar um desenvolvi-
pletas, sendo a forma mais grave associada com mento unilateral ou bilateral, freqüentemente as-
extrofia vesical. É mais comum no sexo masculi- sociado com criptorquidismo. Hemangiomas con-
no. Na epispadia parcial, o controle urinário pode gênitos do escroto podem necessitar de remoção
ser satisfatório. A reconstrução isolada do pênis cirúrgica, em caso de sangramentos ou aumentos
pode estar associada com incontinência persisten- progressivos precoces. A hidrocele congênita co-
te. A reconstrução da via de saída vesical é freqüen- munica-se com a cavidade abdominal através de
temente necessária para se atingir um controle uri- um processo vaginal patente, um potencial espaço
nário completo. herniário, mas pode ceder espontaneamente com
Válvulas uretrais – Pregas congênitas da ure- obliteração da comunicação na infância. Uma hi-
tra que atuam como válvulas ocorrem em ambos drocele comunicante que persista depois dos 9 a
os sexos, mas são muito mais comuns na uretra 12 meses geralmente requer reparo. A transposi-
prostática do homem (válvulas uretrais posterio- ção entre pênis e escroto, na qual o escroto é mais
res). As complicações são devidas à obstrução, cefálico e o pênis é mais caudal do que o habitual é
que pode ser grave e levar à disfunção vesical uma anomalia cosmética notável, que pode ser tra-
miogênica, lesão maciça do trato urinário supe- tada cirurgicamente.
rior e insuficiência renal. Os sintomas e sinais Testículos não descidos (criptorquidismo) –
incluem jato urinário fraco e gotejante, inconti- É a descida pré-natal incompleta ou inadequada de

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2213

um ou dos dois testículos que ocorre em aproxima- pos ou ultra-sonografia escrotal com Doppler co-
damente 1% dos homens. A função hormonal ge- lorido podem auxiliar no diagnóstico. Aconselha-
ralmente é normal. No entanto, os testículos não se intervenção cirúrgica imediata quando se sus-
descidos podem demonstrar deficiência progressi- peita de torção, uma vez que a exploração dentro
va de espermatogênese e maior incidência de car- de poucas horas oferece a única esperança de sal-
cinomas se não forem tratados, o que pode se ma- vamento testicular. Realiza-se a fixação do testícu-
nifestar na adolescência ou na vida adulta. lo contralateral, para evitar torção daquele lado (ver
No criptorquidismo verdadeiro, os testículos também EXAME FÍSICO COMPLETO no Cap. 256).
permanecem dentro da cavidade abdominal ou no
retroperitônio, como resultado de anormalidades
hormonais ou mecânicas. Um testículo com desci- ANOMALIAS NO
da incompleta (descida incompleta ou testículo re- TRANSPORTE RENAL
tido) fica no canal inguinal, obstruído mecanica-
mente. Um testículo ectópico fica fora do trajeto CISTINÚRIA
normal de descida, suprapubianamente, dentro do
períneo ou ao longo do aspecto interno da coxa. É o defeito hereditário dos túbulos renais no qual
Testículos com hipermobilidade ou retráteis podem a reabsorção do aminoácido cistina está preju-
atingir a bolsa escrotal (por exemplo, durante um dicada, a excreção urinária está aumentada e
banho quente) mas se retraem para o canal ingui- freqüentemente formam-se cálculos de cistina
nal. Alguns testículos com descida incompleta ou no trato urinário.
ectópicos se tornam evidentes apenas quando ocorre A cistinúria é herdada como uma característica
o crescimento linear do corpo, durante a infância; autossômica recessiva. Os heterozigotos podem
o malposicionamento sutil é revelado quando os excretar quantidades aumentadas de cistina na uri-
testículos ficam fixos próximos ao anel inguinal na, mas raramente em quantidades suficientes para
externo e não na bolsa escrotal. resultar na formação de cálculos.
Não é necessária intervenção para testículos
hipermóveis (retráteis) desde que o comprimento Fisiopatologia
do cordão espermático seja suficiente para permi- O defeito primário é a reabsorção tubular renal
tir que os testículos fiquem em posição escrotal diminuída de cistina, que aumenta sua concentra-
dependente sem tração (quando o reflexo cre- ção na urina. A cistina é pouco solúvel na urina
mastérico não está ativo). A hipermobilidade é ge- ácida; quando sua concentração excede a solubili-
ralmente resolvida pela puberdade. Gonadotropina dade, ocorre precipitação no trato urinário, como
coriônica humana (hCG) 250 a 1.000UI, adminis- cristais e cálculos.
trada IM 2 ou 3 vezes por semana por períodos de A reabsorção tubular renal de aminoácidos di-
até 6 semanas, pode promover a descida testicular básicos (lisina, ornitina e arginina) também é pre-
bilateral. As doses recomendadas são 250UI para judicada, embora estes aminoácidos apresentem um
lactentes de 3 a 12 meses, 500UI para crianças de 1 sistema de transporte alternativo separado daquele
a 6 anos e 1.000UI para > 6 anos, até totais máxi- da cistina. Uma vez que os aminoácidos dibásicos
mos de 2.500, 5.000 e 10.000UI, respectivamente. são mais solúveis na urina que a cistina, sua excre-
O tratamento cirúrgico usual é a orquiopexia, rea- ção aumentada não resulta em precipitação.
lizada com aproximadamente 1 ano de idade. A não A absorção de cistina e de aminoácidos dibásicos
realização da cirurgia antes dos 2 anos de idade é diminuída no intestino delgado.
pode prejudicar a espermatogênese, um fator críti-
co quando ocorre no criptorquidismo bilateral. Sintomas, sinais e diagnóstico
A orquiectomia geralmente é o tratamento de es- Os sintomas, mais comumente cólica renal, ge-
colha quando o criptorquidismo unilateral é desco- ralmente aparecem entre os 10 e os 30 anos de ida-
berto num paciente pós-púbere. de. ITU e insuficiência renal por obstrução podem
Torção testicular – Torção dos testículos ou de se desenvolver.
seu cordão, espontaneamente ou após atividade fí- Os cálculos radiopacos de cistina se formam
sica, pode resultar do desenvolvimento anômalo da na pelve renal ou na bexiga. Cálculos coraliformes
túnica vaginal e cordão espermático. Os sintomas são comuns. A cistina pode ocorrer na urina como
imediatos de torção são dor local intensa, náuseas cristais hexagonais castanho-amarelados. A pre-
e vômitos, seguidos por edema escrotal e febre. sença de cistina excessiva na urina pode ser de-
A torção deve ser diferenciada de condições infla- tectada pelo teste do cianeto-nitroprussiato.
matórias do escroto, trauma e tumor testicular. O diagnóstico é confirmado através da cromato-
O exame escrotal com varredura com radioisóto- grafia ou eletroforese.

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2214 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Prognóstico e tratamento menor. A anormalidade básica destas diversas mu-


Nos que sobrevivem a longo prazo, a doença renal danças é desconhecida.
terminal é a regra. A concentração urinária de cistina Na síndrome de Fanconi hereditária as principais
pode ser reduzida pelo aumento do volume urinário. características clínicas – acidose tubular proximal,
A ingestão de líquido pode ser suficiente para forne- raquitismo hipofosfatêmico, hipocalemia, poliúria e
cer um fluxo de urina de 4L ao dia. A hidratação é polidipsia – geralmente aparecem na infância.
especialmente importante à noite, quando o pH uri- Na forma nefropática associada à cistinose, são
nário cai. A alcalinização da urina para um pH > 7,5 comuns falha e retardo do crescimento. As retinas
com bicarbonato de sódio em doses fracionadas e apresentam manchas de despigmentação. Desen-
acetazolamida 5mg/kg VO (até 250mg) na hora de volve-se nefrite intersticial, levando à insuficiên-
dormir, aumentará significativamente a solubilidade cia renal progressiva que pode ser fatal antes da
da cistina. Quando a ingestão de grandes quantidades adolescência.
de líquido e a alcalinização não reduzirem a forma- Na síndrome de Fanconi adquirida, os adultos
ção de cálculos, outros medicamentos podem ser ten- apresentam alterações laboratoriais de acidose tu-
tados como, por exemplo penicilamina, embora a bular renal (tipo proximal), hipofosfatemia e hipo-
toxicidade da penicilamina limite seu uso. Aproxi- calemia. Podem se apresentar com sintomas de doen-
madamente metade de todos os pacientes tratados com ça óssea (osteomalacia) e fraqueza muscular.
penicilamina desenvolve alguma manifestação tóxi- Diagnóstico e tratamento
ca, incluindo febre, erupções cutâneas, artralgias e,
menos comumente, síndrome nefrótica, pancitopenia O diagnóstico é feito através da demonstração
ou uma reação semelhante ao LES. das anormalidades da função renal, particularmen-
te glicosúria, fosfatúria e aminoacidúria. Na
cistinose, o exame com a lâmpada de fenda pode
SÍNDROME DE FANCONI mostrar cristais de cistina na córnea.
É um distúrbio adquirido ou hereditário, freqüen- Não há qualquer tratamento específico além da
temente associado à cistinose, com anormali- remoção da nefrotoxina pertinente, quando indi-
dades características da função tubular proxi- cada. A acidose pode ser corrigida pela adminis-
mal renal incluindo glicosúria, fosfatúria, ami- tração de bicarbonato de sódio. A solução de Shohl
noacidúria e perda de bicarbonato. administrada na dose de 2 a 3mEq/kg ao dia ou 5
a 15mL depois das refeições e ao deitar, Bicitra
Etiologia e epidemiologia ou Policitra-K podem ser substituídas pela solu-
ção de bicarbonato de sódio, que é melhor tolera-
A síndrome de Fanconi hereditária geralmente da. Pode ser necessária suplementação de potás-
é acompanhada por outro distúrbio genético, parti- sio. Para o tratamento de raquitismo hipofos-
cularmente cistinose como uma doença autos- fatêmico, ver adiante. O transplante renal tem sido
sômica recessiva (ver TABELA 269.5). Os heterozi- bem-sucedido na insuficiência renal; todavia,
gotos podem apresentar acúmulo de cistina nas
células, mas não há outras manifestações clínicas e quando a doença de base é a cistinose, a lesão pro-
laboratoriais. A síndrome de Fanconi pode também gressiva pode continuar em outros órgãos e even-
ser acompanhada pela doença de Wilson, intole- tualmente resultar em óbito.
rância hereditária à frutose, galactosemia, doença
de depósito de glicogênio, síndrome de Lowe e RAQUITISMO HIPOFOSFATÊMICO
tirosinemia.
A síndrome de Fanconi adquirida pode ser (Raquitismo Resistente à Vitamina D)
causada pela 6-mercaptopurina ou pela tetracicli- É um distúrbio familiar ou, raramente, adquirido,
na vencida, transplante renal, mieloma múltiplo, caracterizado por hipofosfatemia, absorção in-
amiloidose, intoxicação por metais pesados ou ou- testinal de cálcio defeituosa e raquitismo ou
tros agentes químicos e deficiência de vitamina D. osteomalacia não responsivos à vitamina D.
O raquitismo hipofostatêmico familiar é her-
Fisiopatologia, sintomas e sinais dado como uma característica dominante liga-
Ocorrem vários defeitos da função tubular pro- da ao X. Mulheres afetadas apresentam doença
ximal, incluindo reabsorção prejudicada de glico- óssea menos grave que homens e podem apre-
se, fosfato, aminoácidos, bicarbonato, ácido úrico, sentar somente hipofosfatemia. Casos esporá-
água, potássio e sódio. A aminoacidúria é genera- dicos adquiridos são algumas vezes associados
lizada e, diferente do caso da cistinúria, a excreção com tumores mesenquimatosos benignos (ra-
aumentada de cistina é somente um componente quitismo oncogênico).

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2215

Fisiopatologia têmico do Tipo II responde pouco ao tratamento.


A anormalidade fisiológica principal é a dimi- Em adultos com raquitismo oncogênico, há gran-
nuição da reabsorção tubular renal proximal de fos- de melhora após a remoção do tumor mesenqui-
fato; ocorrem também diminuição da absorção in- matoso de pequenas células que produz fator hu-
testinal de cálcio e fosfato. Os níveis de hormônio moral que reduz a reabsorção tubular proximal re-
paratireóideo e vitamina D são normais. nal de fosfato.
Ocorrem dois tipos de raquitismo hipofosfatê-
mico. No Tipo I, a síntese renal prejudicada leva a DOENÇA DE HARTNUP
um nível plasmático subnormal de 1,25-diidro-
xivitamina D3 . No Tipo II, o nível plasmático de É uma doença rara causada pela absorção e ex-
1,25-diidroxivitamina D3 é normal ou elevado, e a creção anormais de triptofano e outros ami-
doença é devida à resposta celular prejudicada a noácidos, caracterizada clinicamente por erup-
esta substância. ções cutâneas e anormalidades do SNC.
Sintomas, sinais e diagnóstico A doença de Hartnup é hereditária como traço
autossômico recessivo. É comum à consangüinidade.
A doença manifesta-se como um espectro de Os heterozigotos são fenotipicamente normais.
anormalidades desde hipofosfatemia apenas, até Ocorre malabsorção de triptofano, fenilalanina,
raquitismo grave ou osteomalacia com curvatura metionina e outros aminoácidos monoamino-
das pernas e outras deformidades ósseas, pseudo- carboxílicos no intestino delgado. O acúmulo de
fraturas, dor óssea e baixa estatura. O rápido cres- aminoácidos não absorvidos no trato GI aumenta o
cimento ósseo em relação aos ligamentos muscu- seu metabolismo através da flora bacteriana. Al-
lares pode limitar os movimentos. O raquitismo da guns produtos da degradação do triptofano incluin-
espinha ou pelve, observado na deficiência de vita- do indóis, cinurenina e serotonina são absorvidos
mina D, raramente é encontrado. Craniostenose e no intestino e aparecem na urina. A reabsorção re-
convulsões podem estar presentes nas crianças. nal de aminoácidos também é defeituosa causando
A idade de início geralmente é < 1 ano. aminoacidúria generalizada envolvendo todos os
Os níveis de fosfato sangüíneo estão reduzidos, aminoácidos neutros, exceto prolina e hidro-
o cálcio é normal e a fosfatase alcalina está freqüen- xiprolina. A conversão de triptofano em niacina-
temente elevada. Os níveis séricos de 1,25-diidro- mida também é defeituosa.
xivitamina D3 podem ser medidos para diferenciar O baixo aporte nutricional quase sempre prece-
os Tipos I e II. Ao interpretar esses níveis, o nível de o aparecimento dos sintomas. Os sintomas e si-
de fosfato sérico por ocasião da amostra de sangue nais são conseqüentes à deficiência de niacinamida
deve ser considerado. Baixos níveis de fosfato de- e se parecem com aqueles da pelagra, particular-
vem elevar os níveis de 1,25-diidroxivitamina D3. mente a erupção cutânea nas partes do corpo ex-
O raquitismo hipofosfatêmico deve ser diferencia- postas ao sol. As manifestações neurológicas in-
do do raquitismo dependente de vitamina D, um cluem ataxia cerebelar e anormalidades psicológi-
distúrbio autossômico recessivo com característi- cas. São comuns também retardo mental, baixa es-
cas clínicas semelhantes, exceto pela presença de tatura, cefaléia, colapso ou desmaio. Embora o dis-
hipocalcemia; hipofosfatemia leve ou ausente, túrbio esteja presente a partir do nascimento, os
tetania e convulsões são comuns e o raquitismo da sintomas podem se apresentar na fase de lactente,
coluna e pelve é freqüente (ver também Cap. 3). na primeira infância ou no adulto jovem. Os sinto-
mas podem ser desencadeados pela luz do sol, fe-
Tratamento bre, drogas ou outros estresses.
O tratamento do raquitismo hipofosfatêmico do O diagnóstico é feito através da demonstração
Tipo I consiste de fosfato VO 1 a 3g ao dia em do- do padrão de excreção característico dos aminoá-
ses divididas, como solução neutra de fosfato, cidos na urina. A presença de indóis e outros
mais calcitriol (1,25-diidroxivitamina D3) 0,015 produtos da degradação do triptofano na urina
a 0,02µg/kg ao dia como dose inicial e 0,03 a fornecem evidência suplementar da doença.
0,06µg/kg ao dia até uma dose máxima de 2µg ao O prognóstico é bom e a freqüência dos ataques
dia como manutenção. Ocorrem aumento no fos- geralmente diminui com a idade. Os ataques
fato plasmático e redução nas concentrações de podem ser evitados através da manutenção de
fosfatase alcalina, resolução do raquitismo e me- boa alimentação e suplementação da dieta com
lhora da velocidade de crescimento. Hipercalcemia, niacinamida ou niacina (20mg ao dia VO).
hipercalciúria e redução da função renal podem Os ataques podem ser tratados com nicotinamida
complicar o tratamento. O raquitismo hipofosfa- (50 a 400mg ao dia VO).

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2216 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

IMINOGLICINÚRIA FAMILIAL normal é 46, XX. Na síndrome de Down, devida a


É um defeito benigno autossômico recessivo na um cromossomo 21 extra (trissomia do 21), a nota-
reabsorção tubular renal de iminoácidos e ção é 47,XY,21+ para homem e 47,XX,21+ para
glicina. mulher. Na síndrome de Down por translocação
(dois cromossomos são fixados juntos), a mãe típi-
Os homozigotos excretam quantidades anormais ca, “portadora de translocação equilibrada” 14/21
de iminoácidos (prolina e hidroxiprolina) e glicina; é denominada 45,XX, t(14q;21q). A translocação
os heterozigotos apresentam somente glicinúria. Os cromossômica (t) é formada de 14q e 21q (em que
níveis plasmáticos de aminoácidos são normais. A q é o braço longo); os braços curtos (p) são perdi-
absorção intestinal de prolina pode estar prejudi- dos. Para uma deleção do braço curto do cromos-
cada. A iminoacidúria é normal no recém-nascido. somo 5 (como na síndrome da deleção 5p), o carió-
tipo feminino é 46,XX,5p-.
Cada braço do cromossomo é dividido em quatro
ANORMALIDADES regiões principais, dependendo do comprimento do
cromossomo; cada banda, corada positiva ou negati-
CROMOSSÔMICAS vamente, recebe um número, que aumenta à medida
Os cromossomos são as 46 estruturas semelhan- que aumenta a distância a partir do centrômero. Por
tes a bastonetes observadas durante a divisão celu- exemplo, 1q23 designa: 1. o cromossomo; 2. o braço
lar no núcleo da maioria das células humanas. São longo (q), a segunda região distal ao centrômero; 3. e
constituídos de proteínas e DNA e contêm a maio- a terceira banda naquela região (ver FIG. 261.9).
ria dos genes (unidades de hereditariedade – ver
também Cap. 286). ANORMALIDADES
Diagnóstico AUTOSSÔMICAS
Preparar os cromossomos para análise é rela- Muitas síndromes diferentes resultam de tris-
tivamente simples. Geralmente se usam linfócitos somias completas, parciais (por translocações de
do sangue periférico, exceto no feto, em que os porções dos braços curtos ou longos) e deleções
amniócitos do líquido amniótico ou células das dos vários cromossomos; apenas as entidades clí-
vilosidades coriônicas são usadas. As células são nicas mais comuns estão incluídas aqui.
cultivadas no laboratório com fito-hemaglutinina
para estimular a divisão celular. A colchicina é en-
tão adicionada para interromper a mitose na metá- Síndrome de Down
fase, quando cada cromossomo se replicou em duas
cromátides unidas no centrômero. As células, que (Trissomia do 21, Trissomia G, Mongolismo)
são espalhadas nas lâminas do microscópio, são É um distúrbio cromossômico que geralmente re-
então coradas. Os cromossomos de cada célula ge- sulta em retardo mental, fácies característica e
ralmente são fotografados, suas imagens recorta- muitos outros aspectos típicos, incluindo micro-
das da foto e coladas em um pedaço de papel, for- cefalia e baixa estatura.
mando um cariótipo. Imagens de computador tam- A incidência global em nascidos vivos é de apro-
bém podem ser usadas para produzir uma amostra ximadamente 1/800, mas existe acentuada variabi-
visual dos cromossomos. lidade dependendo da idade materna: para mães
A coloração dos cromossomos é realizada por < 20 anos, a incidência é de aproximadamente
técnicas de bandas G (Giemsa) ou Q (fluorescen- 1/2.000; para mães > 40 anos, sobe até aproxima-
te). Procedimentos e técnicas de coloração adicio- damente 1/40 em geral (ver também TABELA
nais para ampliar o comprimento dos cromosso- 247.1). Um pouco mais de 20% dos lactentes com
mos aumentaram mais a precisão do diagnóstico síndrome de Down têm mães com mais de 35 anos.
citogenético (ver FIG. 261.9). A síndrome de Down pode resultar de trissomia do
Novas técnicas moleculares usam sondas de 21, translocação ou mosaicismo.
DNA (que podem ter marcadores fluorescentes) Trissomia do 21 – Em aproximadamente 95%
para localizar genes ou seqüências de DNA espe- dos casos, existe um cromossomo 21 inteiro extra,
cíficos nos cromossomos. A prova de hibridização que em 95% dos casos vem da mãe.
fluorescente in situ (FISH) é usada para identificar Translocação (t) – Algumas pessoas com sín-
a organização dos genes e procurar deleções, drome de Down apresentam 46 cromossomos, mas
rearranjos e duplicações dos cromossomos. na realidade possuem material genético de 47 cro-
A nomenclatura do cariótipo é como segue. mossomos; o cromossomo 21 adicional foi trans-
O homem normal é designado 46,XY e a mulher locado ou anexado a outro cromossomo.

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2217

t(14;21) é a translocação mais comum, na qual o feria da íris) geralmente são visíveis e desapare-
cromossomo 21 adicional é unido ao cromossomo cem durante os primeiros 12 meses de vida. A pon-
14. Em aproximadamente metade dos casos, os pais te nasal é achatada, a boca freqüentemente se man-
apresentam cariótipos normais, indicando uma trans- tém aberta por causa de uma língua grande e
locação nova na criança afetada. Na outra metade, protraída e falta da fissura central e as orelhas são
um dos pais (quase sempre a mãe), embora fenotipi- pequenas e arredondadas. As mãos são curtas e lar-
camente normal, tem apenas 45 cromossomos, um gas e freqüentemente apresentam uma única prega
dos quais é t(14;21). Teoricamente, a chance de que palmar (prega simiana); os dedos são curtos, com
uma mãe portadora tenha um filho com síndrome de clinodactilia (deflexão) do quinto dedo, que fre-
Down é de 1:3, mas por razões ignoradas o risco real qüentemente apresenta apenas duas falanges.
é menor (aproximadamente 1:10); se o pai for porta- Os pés podem apresentar um espaço alargado en-
dor, o risco é de apenas 1:20. tre o primeiro e segundo artelhos e um sulco plan-
t(21;22) – É a segunda translocação mais co- tar freqüentemente se estende para trás no pé. Mãos
mum. Uma mãe portadora apresenta um risco de e pés mostram impressões dérmicas características
aproximadamente 1:10 de ter um filho com síndro- (dermatoglifos).
me de Down, com um risco ainda menor para pais Cardiopatia congênita, mais comumente afetan-
portadores. Em casos extremamente raros, um dos do o septo ventricular ou o canal atrioventricular,
pais é portador de uma t(21;21). Neste caso, 100% ocorre em aproximadamente 40% dos neonatos
dos filhos que sobrevivessem poderiam ter síndro- afetados. Existe uma incidência aumentada de qua-
se todas as outras anomalias congênitas, particu-
me de Down. larmente atresia duodenal.
Mosaicismo – Ocorre quando dois tipos de cé- Muitas pessoas com síndrome de Down desen-
lulas diferentes estão presentes em uma pessoa. volvem problemas de tireóide, que podem ser difí-
O mosaico da síndrome de Down presumivelmen- ceis de detectar a menos que sejam realizados tes-
te resulta de um erro da separação dos cromossomos tes sangüíneos. Além disso, são propensos a de-
durante a divisão celular (não disjunção) no em- senvolver problemas auditivos e de visão. Exames
brião em crescimento. A maioria dos casos apre- periódicos podem ser apropriados.
senta duas linhagens celulares, uma normal e uma Na necropsia, todos os cérebros de adultos com
com 47 cromossomos. A proporção relativa de cada síndrome de Down mostram achados microscópi-
linhagem celular é altamente variável, tanto entre cos típicos de doença de Alzheimer e muitas pes-
as pessoas quanto entre diferentes tecidos e órgãos soas também desenvolvem os sinais clínicos asso-
da mesma pessoa. O prognóstico para inteligência ciados. Algumas mulheres afetadas são férteis; apre-
presumivelmente depende da proporção das célu- sentam uma chance de 50% de que seu filho tam-
las com trissomia do 21 no cérebro. Foram identi- bém tenha síndrome de Down. No entanto, muitos
ficadas algumas pessoas com síndrome de Down dos fetos abortam espontaneamente. Todos os ho-
por mosaico com sinais clínicos pouco reconhecí- mens com síndrome de Down são estéreis.
veis e inteligência normal. A incidência de mosai-
cismo na síndrome de Down é ignorada. Se um dos Prognóstico
pais apresenta mosaico para trissomia do 21 na li- A expectativa de vida é reduzida pelas cardio-
nhagem germinativa, o risco de um segundo filho patias e suscetibilidade a leucemia aguda. A maio-
afetado é aumentado. ria dos afetados sobrevive até a idade adulta, mas o
processo de envelhecimento parece ser acelerado,
Sintomas e sinais com óbito na quinta ou sexta décadas.
Os neonatos tendem a ser plácidos, raramente
choram e demonstram hipotonia muscular. A pele Trissomia do 18
excessiva na região cervical é comum e pode ser (Síndrome de Edwards; Trissomia E)
detectada por ultra-sonografia fetal como edema
do pescoço. O desenvolvimento físico e mental é É o distúrbio cromossômico resultante de um cro-
retardado; o quociente de inteligência (QI) médio mossomo 18 extra, produzindo muitas anorma-
é de aproximadamente 50. lidades de desenvolvimento, incluindo retardo
Microcefalia, occipício achatado e baixa estatu- mental intenso.
ra são característicos. Os lados externos dos olhos A trissomia do 18 ocorre em 1/6.000 nascidos
são inclinados para cima e as pregas do epicanto vivos, mas muitas concepções afetadas são aborta-
no canto interno dos olhos geralmente estão pre- das. Mais de 95% das crianças afetadas apresen-
sentes. Manchas de Brushfield (manchas cinzentas tam trissomia completa; 95% dos cromossomos
a brancas lembrando grãos de sal em torno da peri- extras são derivados da mãe. Idade materna avan-

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2218 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

36

34 25 25
24 24
3 32 2
p 22 2
31 p
16
p 21
22 16 15
14
2 1 15 p 1
21 13 1 p 1 14
13 12 12 13
13
1 11
11
1 12 11
12 11
21
1 1 13
1 13
14
21 1 13
2 23
21 q 21
24 14
q 24
25 2 24 q
q 2
22
31 q 2 26 2
21
24 26
3 28
23
32 31 31
29
32 31
41 3 32 3 33
4 42
34 3
36 35
44 37 35

1 2 3 4 5
Grupo A Grupo B

13 13
p 1 12 p 1 p 1 12 p 1
11 11
p 1 11 11 11 p 1 11
12 11 11 11
1 1 11
1 1 1 11
1
14 q 12
q 21
q
12
21 q 21
q 21
2 23
q 2 22
2
2
22 24 2 24
25
2 22
31 24
3 32
3
31
26
34 32

13 14 15 16 17 18
Grupo D Grupo E

Negativo ou coloração clara nas bandas Q e G, bandas R positivas


Bandas Q e G positivas, bandas R negativas
Bandas variáveis
Centrômero
FIGURA 261.9 – Ver legenda na página oposta.

çada aumenta o risco. Nascem três mulheres com díbula são pequenas – todas características que
trissomia para cada homem afetado. conferem à face um aspecto apertado. Microce-
O recém-nascido afetado é acentuadamente falia, occipício proeminente, orelhas malformadas
pequeno para a idade gestacional, com hipotonia de implantação baixa e esterno curto são comuns.
e acentuada hipoplasia da musculatura esquelé- Um punho cerrado peculiar, com o indicador se
tica e gordura subcutânea. O choro é fraco e a sobrepondo aos terceiro e quarto dedos, geral-
resposta ao som, reduzida. Existe freqüentemen- mente ocorre. A prega distal do quinto dedo está
te uma história de atividade fetal débil, ausente e existe um padrão de arco dérmico bai-
poliidrâmnio, placenta pequena e artéria umbili- xo nas pontas dos dedos. As unhas são hipoplá-
cal única. As pontes orbitárias são hipoplásicas, sicas e o grande artelho é encurtado e freqüente-
as fissuras palpebrais são curtas, a boca e man- mente dorsifletido. Pé torto e pés virados para

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2219

25
22
p 2 22 2 21
23 24 15
15
15 2 p 1
p 2
21 22 14 13
p 1 13 p 21 p 1 12 p 1 12
12 12 13
1 11 1 11 1 11 11 11
12 1 11 1 11
1 1 11 12
1 12 12
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q
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21 22 q 22 23
2 22 21
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31 23 2
23
2 3 3 25 24
24 24 34
25 36
27

6 7 8 9 10 11 12
Grupo C

p 2 22
21
1 11

13
p 1 13 13
21
p 1 p 1 12 p 1
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q
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q 1 q 1 q 2 21 2
13 13 22 q 1 13 q 1 25
12
28

19 20 21 22 Y X
Grupo F Grupo G Cromossomos sexuais
FIGURA 261.9 – Representação em diagrama de bandas cromossômicas como observadas com métodos de
coloração Q, G e R; centrômero representativo de método de coloração Q apenas. Cada cromossomo parece uma
banda única unida pelo centrômero ou construção central. Os 23 pares de cromossomos são arrumados por tamanho,
posição do centrômero e padrão específico das bandas e os autossomos são numerados de 1 a 22. Os cromossomos retêm
as designações clássicas de X e Y. Também são mostrados os grupamentos mais antigos de cromossomos por letra, o que
era feito antes que fossem introduzidas as técnicas de bandas. (Adaptado a partir de McKusick VA: Mendelian
Inheritance in Man, 8ª ed., Appendix B – The Human Gene Map, pp. xlii-xliii. Baltimore, The Johns Hopkins University
Press, 1988; usado com permissão).

baixo são comuns. Cardiopatias congênitas gra- A trissomia do 13 ocorre em aproximadamente


ves e anomalias de pulmões, diafragma, parede 1/10.000 nascidos vivos; aproximadamente 80%
abdominal, rins e ureteres são comuns. Hérnias dos casos são trissomia do 13 completa. Idade ma-
e/ou diástase de reto, criptorquidismo e pregas terna avançada aumenta o risco e o cromossomo
cutâneas redundantes (especialmente sobre o as- extra é geralmente derivado da mãe.
pecto posterior do pescoço) são também comuns. Anomalias de linha média são características.
A sobrevida por mais de alguns meses é rara; Defeitos anatômicos macroscópicos do cérebro, es-
< 10% ainda estão vivos com 1 ano. Retardo de pecialmente holoprosencefalia (falha do prosencéfalo
desenvolvimento acentuado e limitações estão pre- em se dividir adequadamente), lábio leporino, fenda
sentes nos que sobrevivem. palatina, microftalmia, colobomas (fissuras) da íris e
displasia da retina são comuns. Os sulcos supra-
Trissomia do 13 orbitários são rasos e as fissuras palpebrais geralmente
são inclinadas. As orelhas são de formato anormal e
(Síndrome de Patau; Trissomia D) geralmente com implantação baixa. A surdez é co-
É um distúrbio cromossômico resultante de um cro- mum. Os lactentes tendem a ser pequenos para a ida-
mossomo 13 extra, produzindo muitas anorma- de gestacional. Prega simiana, polidactilia e unhas
lidades de desenvolvimento, inclusive retardo estreitas hiperconvexas são comuns. Aproximadamen-
mental grave e alterações do prosencéfalo. te 80% dos casos apresentam anomalias cardiovas-

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2220 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

culares importantes; dextrocardia é comum. Outros facial e/ou face arredondada com olhos afasta-
defeitos da linha média incluem defeitos do couro ca- dos, fissuras palpebrais antimongolóides ou cur-
beludo e seios dérmicos. Pregas frouxas de pele fre- vadas para baixo com ou sem pregas em epican-
qüentemente estão presentes no aspecto posterior do to, estrabismo e nariz com base alargada. As ore-
pescoço. A genitália é freqüentemente anormal nos lhas têm implantação baixa e forma anormal e
dois sexos; criptorquidismo e bolsa escrotal anormal freqüentemente canais auditivos externos estrei-
ocorrem no homem e útero bicórneo na mulher. Cri- tos e ondulações pré-auriculares. Ocorrem graus
ses de apnéia no lactente pequeno são freqüentes. diversos de sindactilia, defeitos cardíacos ocor-
O retardo mental é grave. rem freqüentemente e os lactentes são hipotôni-
A maioria dos pacientes (70%) é tão gravemen- cos. O desenvolvimento mental e físico é acentua-
te afetada que morre antes dos 6 meses de vida; damente retardado. Muitas pessoas sobrevivem
< 10% sobrevivem mais de 1 ano. até a vida adulta, mas são muito incapacitadas.
A deleção 4p (síndrome de Wolf-Hirschhorn)
Síndromes de deleção resulta em retardo mental profundo. Pode haver
nariz alargado ou em bico, defeitos na linha média
São síndromes clínicas resultantes de perda de do couro cabeludo, ptose e colobomas, fenda pala-
partes dos cromossomos. tina, retardo na idade óssea e, no homem, hipospa-
A deleção 5p (síndrome do grito de gato) en- dia e criptorquidismo. Ocorre alta mortalidade du-
volve deleção da terminação do braço curto do rante o período de lactância; os poucos sobreviven-
cromossomo 5 e se caracteriza por choro agudo, tes são propensos à infecção e epilepsia. Os pou-
como um miado, que lembra o choro de um fi- cos que sobrevivem até os 20 anos são gravemente
lhote de gato, ouvido no período neonatal ime- incapacitados.
diato, dura algumas semanas e depois desapare- Síndromes de genes contíguos incluem micro-
ce. Os recém-nascidos afetados apresentam bai- deleções e deleções submicroscópicas dos genes
xo peso ao nascimento e microcefalia, simetria contíguos em determinadas partes de muitos cro-

TABELA 261.4 – EXEMPLOS DE SÍNDROMES DE GENES CONTÍGUOS


Síndrome Deleção cromossômica Descrição

Síndrome de Alagille 20p.12 Colestasia, escassez de ductos biliares, anorma-


lidades cardíacas, estenoses de artéria pulmo-
nar, vértebras em borboleta, embriotoxo pos-
terior do olho
Síndrome de Angelman Cromossomo materno Convulsões, ataxia semelhante a boneca, crises
em 15q11 de riso, asterixe, retardo mental severo
Síndrome de DiGeorge (anomalia 22q11.21 Hipoplasia ou ausência do timo e paratireói-
de DiGeorge, síndrome velocar- des; freqüentemente defeitos cardíacos do co-
diofacial, síndrome da bolsa fa- ne do tronco, fenda palatina, retardo mental e
ríngea, aplasia do timo – ver problemas psiquiátricos, suscetibilidade a in-
Cap. 147) fecções
Síndrome de Langer-Giedion (sín- 8q24.1 Exostose, epífises em cone, cabelo esparso, nariz
drome tricorrinofalangiana bulboso, retardo mental
Tipo II)
Síndrome de Miller-Dieker 17p13.3 Lissencefalia, nariz curto voltado para cima, re-
tardo intenso de desenvolvimento, convulsões,
retardo mental severo
Síndrome de Prader-Willi Cromossomo paterno em Recém-nascido hipotônico, obesidade, hipogona-
(ver Cap. 269) 15q11 dismo, mãos e pés pequenos, retardo mental
Síndrome de Rubinstein-Taybi 16p13– Polegares e primeiros grandes artelhos, nariz e
colunela proeminentes, retardo mental
Síndrome de Smith Magenis 17p11.2 Braquicefalia, hipoplasia mesofacial, prognatis-
mo, voz rouca, baixa estatura, retardo mental
Síndrome de Williams 7q11.23 Estenose aórtica, retardo mental, fácies de elfo,
hipercalcemia transitória em lactentes

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2221

mossomos. São detectáveis usando sondas fluores- O portador assintomático de distúrbios recessi-
centes e técnicas para ampliar cromossomos. Exem- vos ligados ao X pode também ser explicado pela
plos relativamente comuns aparecem na TABELA inativação do X. Mulheres heterozigotas para he-
261.4. Quase todos os casos são esporádicos. Fre- mofilia ou distrofia muscular geralmente são as-
qüentemente, as microdeleções não podem ser de- sintomáticas, mas ocasionalmente apresentam al-
monstradas citogeneticamente, mas sua presença gumas tendências ao sangramento ou fraqueza
pode ser confirmada por sondas de DNA específi- muscular, respectivamente. A hipótese de Lyon
cas para a área deletada. sugere que a inativação do X é um evento ao acaso;
Deleções teloméricas (deleções em qualquer das portanto, em cada pessoa, deve ocorrer 50% de ina-
terminações do cromossomo) são responsáveis por tivação do X paterna e 50% materna. No entanto,
muitos casos inespecíficos de retardo mental com um processo aleatório segue a curva de distribui-
aspectos dismórficos. ção normal e a maioria dos cromossomos X mater-
nos pode ser inativada em determinado tecido de
algumas mulheres ou os cromossomos X paternos
ANORMALIDADES DOS em outras mulheres. Se, por acaso, praticamente
CROMOSSOMOS SEXUAIS todas as células tivessem o alelo normal inativado
em determinado tecido de um heterozigoto, a doen-
A determinação do sexo nos seres humanos é ça naquela pessoa e no homem hemizigoto afetado
controlada pelos cromossomos X e Y. A mulher tem seria semelhante.
dois cromossomos X e o homem, X mais Y. O cro-
mossomo Y está entre os menores dos 46 cromos- Síndrome de Turner
somos e sua principal função parece estar relacio-
nada à determinação do sexo masculino. Em con- (Síndrome de Turner; Síndrome de Bonnevie-Ulrich)
traste, o X é um dos maiores cromossomos e con- É uma anormalidade cromossômica sexual na qual
tém centenas de genes, a maioria não tendo nada a existe ausência completa ou parcial de um dos
ver com determinação de sexo. dois cromossomos sexuais, produzindo um fe-
Hipótese de Lyon (inativação do X) – A mu- nótipo feminino.
lher normal tem dois loci para cada gene ligado a A síndrome de Turner ocorre em aproximadamen-
X em comparação com o único locus do homem. te 1/4.000 meninas nascidas vivas. Noventa e nove
Pode parecer que isto produziria um problema de por cento das concepções 45,X são abortadas. Oi-
“dosagem”. No entanto, de acordo com a hipótese tenta por cento das recém-nascidas vivas com mo-
de Lyon, um dos dois cromossomos X em cada nossomia X apresentam perda do X paterno.
célula somática da mulher é geneticamente inati- As anormalidades cromossômicas em mulheres
vado precocemente na vida do embrião. O corpo afetadas variam. Aproximadamente 50% apresen-
de Barr ou cromatina sexual dentro do núcleo de tam cariótipo 45,X. Muitas pacientes são mosaicos
células somáticas femininas representa o segundo (por exemplo, 45,X/46,XX ou 45,X/47,XXX).
cromossomo X inativado. O gene responsável pela O fenótipo varia de uma síndrome de Turner típica
inativação dos genes do cromossomo X foi identi- até normal. Ocasionalmente, pessoas afetadas apre-
ficado (XIST). Estudos genéticos moleculares de- sentam um X normal e um X que formou um cro-
monstraram que nem todos os genes do segundo mossomo em anel; para que isto ocorra, é preciso
cromossomo X são inativados, mas a maioria é. De que seja perdida uma porção dos braços curto e
fato, não importa quantos cromossomos X estive- longo do X anormal. Algumas pessoas afetadas
rem presentes no genoma, todos exceto um dos apresentam um X normal e um braço longo do
genes serão inativos. isocromossomo formado pela perda dos braços
A inativação X apresenta implicações clínicas curtos e desenvolvimento de um cromossomo con-
interessantes. Por exemplo, anormalidades do cro- sistindo de dois braços longos do cromossomo X.
mossomo X são relativamente benignas em com- Essas pessoas tendem a apresentar muitos dos as-
paração com anormalidades autossômicas análo- pectos fenotípicos da síndrome de Turner; portan-
gas. Mulheres com três cromossomos X são fre- to, a deleção do braço curto do cromossomo X pa-
qüentemente normais física e mentalmente. Em rece desempenhar um papel importante na produ-
contraste, toda as trissomias autossômicas conhe- ção do fenótipo.
cidas apresentam efeitos devastadores. Analo- Recém-nascidos afetados podem se apresentar com
gamente, a ausência de um cromossomo X, embo- acentuado linfedema dorsal nas mãos e pés e com
ra leve a uma síndrome específica (síndrome de linfedema ou pregas frouxas da pele no aspecto pos-
Turner), é relativamente benigna; a ausência de um terior do pescoço. No entanto, muitas mulheres com
autossomo é invariavelmente fatal. síndrome de Turner são muito levemente afetadas.

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2222 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Tipicamente, baixa estatura, pescoço palmado, linha sistente. O risco de retardo mental e anormalida-
de implantação de cabelos baixa na face posterior do des congênitas aumenta acentuadamente com au-
pescoço, ptose, tórax largo com mamilos afastados, mento no número de cromossomos X especialmente
nevos pigmentados múltiplos, quartos metacarpos e quando são > 3. O desequilíbrio genético precoce-
metatarss curtos, coxins dos dedos proeminentes com mente na vida embrionária, antes da inativação de
estrias nos dermatoglifos nas pontas dos dedos, hipo- X, pode provocar desenvolvimento anômalo.
plasia de unhas, coarctação da aorta, válvula aórtica
bicúspide e aumento do ângulo do cotovelo. Anoma- Síndrome de Klinefelter
lias renais e hemangiomas são comuns. Ocasional-
mente, ocorre telangiectasia no trato GI, com resul- (Síndrome de Klinefelter; 47,XXY)
tante sangramento intestinal. Deficiência mental é rara, É uma anormalidade cromossômica sexual na qual
mas muitos apresentam diminuição de certas habili- existem dois ou mais cromossomos X e um Y,
dades de percepção e por isso têm um baixo escore resultando em fenótipo masculino.
nos testes de desempenho e matemáticos, embora A síndrome de Klinefelter ocorre em aproxima-
tenham escore médio ou superior em testes verbais damente 1/800 meninos nascidos vivos. O cromos-
de QI. Disgenesia gonadal, sem iniciar na puberda- somo X extra é derivado da mãe em 60% dos casos.
de, desenvolvimento de tecido mamário ou menar- Pessoas afetadas tendem a ser altas, com bra-
ca ocorre em 90% das pessoas afetadas. A reposi- ços e pernas desproporcionalmente longos. Fre-
ção de hormônios femininos desencadeia a puber- qüentemente apresentam testículos pequenos e en-
dade. Os ovários são substituídos por faixas bilate- durecidos e aproximadamente um terço deles de-
rais de estroma fibroso e geralmente não possuem senvolvem ginecomastia. A puberdade geralmen-
óvulos em desenvolvimento. No entanto, 5 a 10% te ocorre na idade normal, mas freqüentemente os
das meninas afetadas apresentam menarca espontâ- pêlos faciais são ralos. Existe uma predisposição
nea e muito raramente mulheres afetadas podem ser
férteis e ter filhos. para dificuldades de aprendizado e muitos apre-
A análise citogenética e estudos com sonda espe- sentam déficits no QI verbal, processamento au-
cífica para Y precisam ser realizados para todas as ditivo e leitura. A variação clínica é maior e mui-
pessoas com disgenesia gonadal, para excluir mosai- tos homens 47,XXY são normais em aparência e
cismo com linhagem celular portadora do Y, por exem- intelectualmente e são descobertos durante vários
plo, 45,X/46,XY. Essas pessoas geralmente são fe- exames para infertilidade (provavelmente todos
notipicamente femininas com diversos aspectos da os homens 47,XXY são estéreis) ou em pesquisas
síndrome de Turner. Apresentam alto risco de doença citogenéticas da população normal. Meninos des-
maligna gonadal, especialmente gonadoblastoma e te último grupo são acompanhados em relação ao
devem ter suas gônadas removidas profilaticamente, desenvolvimento. Não existe incidência aumenta-
assim que o diagnóstico for confirmado. da de homossexualidade. O desenvolvimento tes-
ticular varia de túbulos hialinizados não funcio-
nais até alguma produção de espermatozóides e a
Síndrome do X triplo (47,XXX) excreção urinária de hormônio folículo-estimu-
É uma anormalidade sexual na qual existem três cro- lante é freqüentemente aumentada.
mossomos X, resultando em fenótipo feminino. Variantes – Ocorre mosaicismo em 15% dos ca-
sos. Algumas pessoas afetadas apresentam três,
Aproximadamente 1/1.000 mulheres aparente- quatro ou mesmo cinco cromossomos X juntamente
mente normais apresentam 47,XXX. Outras anor- com o Y. Em geral, à medida que aumenta o núme-
malidades físicas são raras. Esterilidade e irregula- ro de cromossomos X, a gravidade do retardo men-
ridade menstrual ocorrem às vezes. Intelecto leve- tal e das malformações também aumenta.
mente prejudicado, com escores de QI em média
pouco acima de 90 e problemas escolares associa-
dos ocorrem quando comparadas com os irmãos. Síndrome 47,XYY
Idade materna avançada aumenta o risco e o cro- É uma anormalidade cromossômica sexual na qual
mossomo X extra é geralmente derivado da mãe. existem dois cromossomos Y e um X, resultando
em fenótipo masculino.
Anormalidades raras do A síndrome 47,XYY ocorre em aproximadamen-
cromossomo X te 1/1.000 homens. Pessoas afetadas tendem a ser
mais altas que a média, com 10 a 15 pontos de re-
Embora raras, já foram encontradas mulheres dução no QI em relação à sua família. Existem pou-
48,XXXX e 49,XXXXX. Não existe fenótipo con- cos problemas físicos. Pequenos distúrbios de com-

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CAPÍTULO 261 – ANOMALIAS CONGÊNITAS / 2223

portamento, hiperatividade, déficit de atenção e mente é ambígua, mas isto é variável e se observa
dificuldades de aprendizagem estão aumentados. um fenótipo feminino na forma completa da sín-
drome de feminilização testicular (síndrome de in-
ESTADOS INTERSEXUAIS sensibilidade ao androgênio). A etiologia é com-
plexa, mas em termos genéricos, o distúrbio apare-
São condições nas quais a aparência da genitália ce da produção inadequada de androgênio, respos-
externa é ambígua ou difere do sexo cromossô- ta inadequada a este ou persistência de elementos
mico ou gonadal do indivíduo. müllerianos, como mostrado na TABELA 261.5.
(Ver também HIPERPLASIA ADRENAL CONGÊNITA Os hermafroditas verdadeiros apresentam te-
no Cap. 269.) cido ovariano e testicular e estruturas genitais mas-
culinas e femininas mistas, dependendo do predo-
Etiologia e classificação mínio de tecido ovariano ou testicular. Nos EUA, a
A genitália se desenvolve durante o primeiro maioria dos hermafroditas verdadeiros apresenta
trimestre de vida intra-uterina, através de uma cariótipo 46,XX, mas o padrão pode ser bastante
cascata de eventos iniciada pelo cariótipo fetal e variável. Raros indivíduos podem ser totalmente
mediada, em grande parte, pela influência dos masculinizados externamente.
esteróides sexuais. Aberrações nesta cascata po- Pacientes com disgenesia gonadal mista apre-
dem provocar ambigüidades genitais ou incom- sentam os tecidos testicular e gonadal primitivos
patibilidades, resultando em estados intersexuais. chamados “estriados”. Eles geralmente apresentam
A classificação é mais facilmente baseada em cariótipo 46,XY/45,XO em mosaico e tendem a
histologia gonadal. apresentar baixa estatura quando adultos. A disge-
Pseudo-hermafroditas femininos – Apresen- nesia gonadal pura é o nome dado àqueles indiví-
tam ovários e genitália interna feminina normal, duos com estrias gonadais bilaterais. Estes pacien-
mas genitália externa ambígua; são mulheres ge- tes parecem ser fenotipicamente mulheres normais.
neticamente normais com cariótipo 46,XX. A ge-
nitália externa ambígua resulta da exposição a quan- Diagnóstico
tidades excessivas de androgênios in utero. O andro- Pacientes com ambigüidade genital, com
gênio envolvido pode ser exógeno, por exemplo, no fenótipos femininos e gônadas palpáveis e fenótipos
caso em que a mãe recebe progesterona para evitar masculinos e gônadas impalpáveis devem ser ava-
aborto; mas é mais comumente endógeno, por exem- liados em função da intersexualidade. Homens com
plo, devido a acúmulo interno de androgênios cau- hipospadia geralmente não necessitam de tal avalia-
sado por um bloqueio enzimático na esteroidogêne- ção se ambos os testículos tiverem descido e pare-
se por aberrações genéticas no cromossomo 6 cerem normais à palpação.
(virilismo adrenal ou síndrome adrenogenital – ver A avaliação de pacientes intersexuais é urgente,
também VIRILISMO ADRENAL no Cap. 9). não somente por causa das pressões para se estabe-
Pseudo-hermafroditas masculinos apresentam lecer uma correta avaliação sexual, mas também
tecido gonadal que é apenas testicular e geralmen- por causa da necessidade de identificar a perda de
te com cariótipo 46,XY. A genitália externa geral- sal, que pode ocorrer com o virilismo adrenal (ver

TABELA 261.5 – CAUSAS E CARACTERÍSTICAS DO PSEUDO-HERMAFRODITISMO MASCULINO


Causa Características

Produção inadequada de androgênio Inclui algumas formas raras de esteroidogênese alterada bem como
certos tipos de disgenesia gonadal (que podem ter um cariótipo
diferente de 46,XY)
Resposta inadequada aos androgênios Inclui: 1. a síndrome de feminilização testicular (síndrome de insen-
sibilidade ao androgênio); 2. deficiência de esteróide 5α-redutase
II, devida a um defeito genético no cromossomo 2, resultando em
conversão inadequada de testosterona em diidrotestosterona; e 3.
defeitos de receptor positivo, resultando em ligação ao receptor mas
sem a ação desejada
Persistência de elementos müllerianos Leva à ambigüidade interna com desenvolvimento de um útero apesar
da presença de testículos (hernia uteri inguinale)

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2224 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

também Cap. 9) antes que se desenvolva hipona- buição de sexo feminino, mas para outros, é me-
tremia potencialmente fatal. Uma amostra de san- lhor a atribuição de sexo masculino. Quando há
gue deve ser coletada imediatamente para carioti- incerteza em casos limítrofes, 1 ou 2 séries de pro-
pagem, mas os resultados podem demorar muitos pionato de testosterona (em óleo) 25mg IM aju-
dias. Enquanto isso, ultra-sonografia pélvica ou dam a determinar a capacidade da genitália em res-
genitograma podem estabelecer a presença de ele- ponder ao androgênio – uma exigência essencial
mentos müllerianos. na avaliação do sexo masculino.
Se houver suspeita de virilismo adrenal por causa Pacientes com disgenesia gonadal mista são
de gônadas não palpáveis e estruturas müllerianas per- melhor designados sexualmente como femininos,
sistentes, devem ser monitorados cuidadosamente os não somente em função da baixa estatura, mas
eletrólitos séricos em relação à hiponatremia e 17-hi- também por causa da propensão destes testícu-
droxiprogesterona sérica deve ser dosada para docu- los em desenvolver tumores (gonadoblastoma).
mentar o bloqueio enzimático. Em casos de intersexo Geralmente se recomenda a reconstrução preco-
duvidoso, laparoscopia ou exploração cirúrgica com ce da genitália externa com gonadectomia. Os
biópsia gonadal são necessárias para estabelecer um pacientes com disgenesia gonadal pura parecem
diagnóstico definitivo. Se possível, a designação do sexo genotipicamente femininos e devem ser criados
não deve ser postergada além de alguns dias. como tal.
A determinação oportuna da realização de re-
Tratamento construção cirúrgica da genitália é variável. In-
A designação apropriada do sexo para o indiví- divíduos designados sexualmente como femini-
duo é fundamental. Geralmente, atribui-se o sexo nos e não aqueles com síndrome adrenogenital
feminino aos pseudo-hermafroditas femininos. Aos devem sofrer ressecção do clitóris o mais cedo
pseudo-hermafroditas masculinos, atribui-se o sexo possível para facilitar a aceitação familiar. Aqueles
masculino conforme a atividade hormonal e desen- com síndrome adrenogenital devem aguardar
volvimento genital. Os hermafroditas verdadeiros alguns meses até estarem estáveis endocrino-
são melhor avaliados conforme seu desenvolvimen- logicamente através de esteroidoterapia. A re-
to genital, mas a maioria é reconstruída como do construção vaginal em todos os pacientes deve
sexo masculino – uma opção atraente se a criança ser adiada até a puberdade, por causa da alta inci-
apresentar normalmente testículos descidos pro- dência de estenose quando ela é feita mais cedo
porcionando função hormonal na puberdade. Os na vida. A correção de hipospadia nos meninos
pseudo-hermafroditas masculinos com síndrome de geralmente é feita por volta de 2 a 3 anos de idade
feminilização testicular total é apropriada a atri- (ver PÊNIS E URETRA, anteriormente).

262␣ /␣ PROBLEMAS DO
DESENVOLVIMENTO
FALHA DE Deve-se considerar 2 pontos no uso das defini-
ções anteriores: 1. pela lei da distribuição normal,
DESENVOLVIMENTO o peso de 3% das crianças “normais” estará cons-
tantemente abaixo do percentil 3 (por outro lado,
É o peso constantemente abaixo do percentil 3 para no entanto, a maioria das crianças cujo peso é me-
a idade; redução progressiva do peso até abai- nor que o percentil 3 apresentará um problema ver-
xo do percentil 3, peso < 80% do peso ideal para dadeiro de crescimento); e 2. o peso ideal para a
altura-idade; ou uma redução na velocidade es- altura-idade deve ser ajustado para a altura espera-
perada de crescimento, com base na curva de da (conforme definido pela curva de crescimento
crescimento da criança previamente definida, in- da altura da criança, previamente estabelecida) mais
dependentemente de quanto estiver abaixo do do que pela altura atual, se houver evidências de
percentil 3. que o crescimento linear está prejudicado.

Merck_19C.p65 2224 02/02/01, 14:30


CAPÍTULO 262 – PROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO / 2225

Aproximadamente 3 a 5% de todas crianças in- fazer o leite “render mais” por causa das dificulda-
ternadas em centros de atendimento terciário e 1% des financeiras) ou produção inadequada de leite
de todas as crianças internadas em qualquer hospi- materno (por exemplo, porque a mãe está sob es-
tal apresentam falha de desenvolvimento (FTT). tresse, exausta ou desnutrida).
Na maioria dos casos, a base psicológica da
Etiologia e fisiopatologia FTT não orgânica parece ser semelhante àquela
A base fisiológica da FTT de qualquer etiologia é observada no hospitalismo, uma síndrome obser-
a nutrição inadequada para que ocorra ganho de peso. vada em lactentes com depressão secundária à
A FTT orgânica diz respeito à falha de cresci- falta de estímulos; a criança não estimulada tor-
mento devido a um distúrbio agudo ou crônico que na-se deprimida, apática e, por fim, anoréxica.
sabidamente interferem na ingestão, absorção, meta- Na FTT não orgânica, a ausência de uma pessoa
bolismo ou excreção normais dos nutrientes, ou que que estimule a criança (geralmente, a mãe) pode
resultam em necessidades calóricas maiores do que o ser secundária à depressão desta pessoa, falta de
normal para manter ou promover o crescimento (ver capacidade de assumir a maternidade ou a pater-
TABELA 262.1). nidade, ansiedade ou falha no desempenho do
A FTT não orgânica diz respeito, mais comu- papel de cuidar da criança, hostilidade para com
mente, à falha de crescimento devido à negligência esta, ou uma resposta a estresses externos reais
ambiental (por exemplo, falta de alimento) ou pri- ou imaginários (por exemplos, ocupação com
vação de estímulo na ausência de um distúrbio fi- outras crianças no caso de famílias grandes ou
siológico responsável pela falha de crescimento ob- caóticas, desarmonia conjugal, uma perda signi-
servada. Até 80% das crianças com falha de cresci- ficante, dificuldades financeiras).
mento que não apresentam um distúrbio inibindo o Entretanto, maus cuidados por parte da mãe não
crescimento prontamente evidente apresentam FTT são totalmente responsáveis pela FTT não orgâni-
não orgânica. A falta de alimentos pode ser devido ca. O temperamento, as habilidades e as respostas
à pobreza, falta de compreensão das técnicas de da criança ajudam a moldar os padrões maternos
alimentação, fórmula inadequadamente preparada de estimulação e educação; isto é, a FTT não orgâ-
(por exemplo, fórmula excessivamente diluída para nica pode ser considerada o resultado de uma inte-
ração desordenada entre mãe e filho. Portanto, a
FTT não orgânica pode resultar de várias situações,
TABELA 262.1 – ALGUMAS CAUSAS DE desde uma criança gravemente doente ou perturba-
FALHA DE DESENVOLVIMENTO da, cujo cuidado representa um sério desafio até
para os pais mais competentes, até uma criança
Mecanismo Distúrbio potencialmente tranqüila e independente aos cui-
dados de pais mentalmente doentes, sem recursos
Ingestão reduzida de nutrientes Lábio leporino ou fen- sociais, emocionais, financeiros, cognitivos e/ou fí-
da palatina sicos adequados. Dentro desses extremos estão de-
Refluxo gastroesofá- sequilíbrios entre mãe e filho, nos quais as exigên-
gico cias da criança, embora não patológicas, não po-
Ruminação dem ser adequadamente atendidas pela mãe que,
Malabsorção Doença celíaca no entanto, pode ser capaz de atender adequada-
Fibrose cística mente crianças com diferentes necessidades ou mes-
Deficiência de dissa- mo a mesma criança sob diferentes circunstâncias.
caridase (por exem- Na FTT mista, há uma superposição entre FTT
plo, lactase) orgânica e não orgânica. O médico deve verificar
Deficiência do metabolismo Intolerância à frutose com cuidado as contribuições relativas de cada uma
Galactosemia clássica para o crescimento anormal da criança. A FTT mista
(deficiência de trans- é diagnosticada em crianças que nasceram prema-
ferase) turamente e apresentam evidências de uma falta de
crescimento desproporcional posteriormente na
Aumento da excreção Diabetes melito infância; naquelas que têm ou tiveram algum de-
Proteinúria feito que não explica suficientemente a falta de cres-
Aumento das necessidades ca- Displasia broncopul- cimento atual (por exemplo, fenda palatina repara-
lóricas monar da); e naquelas que são decepcionantes (por exem-
Fibrose cística plo, devido a um problema neurológico de sucção)
Hipertireoidismo ou repugnantes (por exemplo, devido a uma defor-
midade) para a pessoa que cuida delas.

Merck_19C.p65 2225 02/02/01, 14:30


2226 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 262.2 – PONTOS ESSENCIAIS DA HISTÓRIA EM CASOS DE FALHA DE


DESENVOLVIMENTO
Item Comentários

Gráfico de crescimento Medidas, inclusive as obtidas ao nascimento, se possível, devem ser exami-
nadas para determinar a tendência da velocidade de crescimento. Por
causa das amplas variações normais, o diagnóstico de retardo de desenvol-
vimento não deve ser baseado em uma única medida, exceto quando a
desnutrição é evidente
História dietética A história dietética deve ser detalhada, inclusive horário das refeições e
técnicas de preparo e oferecimento da mamadeira ou adequação do ofe-
recimento do leite materno. Assim que possível, os pais devem ser obser-
vados enquanto alimentam a criança para avaliar sua técnica e o vigor da
sucção do lactente. Um lactente que se cansa facilmente pode apresentar
intolerância ao exercício subjacente. Soluços intensos e agitação durante
as refeições podem resultar em regurgitação excessiva e até mesmo
vômitos. Um genitor desinteressado pode estar deprimido ou apático,
sugerindo um ambiente psicossocial com falta de estimulação e interação
com a criança
Avaliação do padrão de eliminação da Perdas anormais pela urina, fezes ou vômitos são investigados para detectar
criança doença renal, síndrome de malabsorção, estenose pilórica ou refluxo
gastroesofágico subjacentes
História clínica Qualquer evidência de retardo de crescimento intra-uterino ou prematuridade
com retardo de crescimento que não tenha sido compensado, infecção não
habitual, prolongada ou crônica, e doença neurológica, cardíaca, pulmonar ou
renal e de possível intolerância alimentar deve merecer atenção
História familiar Incluindo informação sobre os padrões de crescimento familiares, especial-
mente em pais e irmãos, a ocorrência de doenças que reconhecidamente
afetam o crescimento (por exemplo, fibrose cística) e doença física ou
psicológica recente dos pais resultando em incapacidade de fornecer
estimulação e cuidados constantes
História social A atenção se volta para a composição familiar, situação socioeconômica,
desejo de gravidez e aceitação da criança e estresse (por exemplo, altera-
ções de trabalho, mudança da família, separação, divórcio, mortes, outras
perdas)
FTT = falha de desenvolvimento.

Diagnóstico Geralmente, quando se nota a falha de cresci-


mento, uma anamnese (incluindo história alimen-
Crianças com FTT orgânica podem manifestá- tar – ver TABELA 262.2) é obtida, e faz-se um acon-
la em qualquer idade dependendo do distúrbio de selhamento sobre a dieta; a seguir, o peso da crian-
base; a maioria das crianças com FTT não orgâni- ça é monitorado com freqüência. Se não ocorrer
ca irá manifestar a deficiência de crescimento an- um ganho satisfatório de peso, estará indicada a
tes de 1 ano de idade, e muitos por volta de 6 me- hospitalização da criança, de forma que todas as
ses de idade. observações necessárias possam ser feitas e testes
O peso é o indicador mais sensível de estado diagnósticos possam ser realizados rapidamente.
nutricional. O crescimento linear reduzido geral- Nenhuma característica clínica ou teste pode dife-
mente indica desnutrição mais intensa e prolonga- renciar confiavelmente uma FTT orgânica da não
da. O cérebro é preferencialmente poupado na des- orgânica sem uma evidência histórica ou física de
nutrição proteico-calórica (ver Cap. 2), de forma uma etiologia de base específica. Antes de estabe-
que o crescimento reduzido do perímetro cefálico lecer um diagnóstico de FTT não orgânica, o mé-
ocorre tardiamente, indicando desnutrição muito dico deve pesquisar simultaneamente problemas
grave ou prolongada. clínicos de base e algumas características familia-

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CAPÍTULO 262 – PROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO / 2227

res e pessoais que apontem para uma etiologia psi- noabsorvente ligado à enzima (ELISA) para anti-
cossocial para FTT. De modo ideal, a avaliação deve corpos das proteínas anti-HIV, ou um teste
ser multidisciplinar, envolvendo um médico, enfer- tuberculínico de Mantoux. Outros testes podem ser
meiro, nutricionista, especialista em desenvolvi- apropriados – por exemplo, concentrações de ele-
mento da criança, assistente social e psicólogo ou trólitos se uma criança apresentar uma história
psiquiatra. Deve-se observar o comportamento ali- significante de vômitos ou diarréia; um nível de
mentar da criança com os profissionais da saúde e tireoxina se o crescimento em altura for mais gra-
pais, durante a internação ou ambulatorialmente. vemente comprometido do que o crescimento em
O envolvimento dos pais como co-investigado- peso; e teste do suor se uma criança apresentar uma
res é essencial. Ajuda a melhorar sua auto-estima e história de doença recorrente do trato respiratório
evita que os pais se culpem, uma vez que já se sen- superior ou inferior, gosto de sal quando beijada,
tiram culpados ou frustrados devido a sua incapa- apetite voraz, fezes volumosas com odor fétido,
cidade de criar seu filho. A família deve ser enco- hepatomegalia ou uma história familiar de fibrose
rajada a visitá-los tão freqüentemente quanto pos- cística. A investigação quanto a doenças infeccio-
sível. Os membros da equipe devem fazê-los sen- sas deve ser reservada para crianças com evidên-
tir-se bem-vindos, apoiar suas tentativas de alimen- cias de processos infecciosos (por exemplo, febre,
tar a criança, fornecendo brinquedos e idéias para vômitos, diarréia). A investigação radiológica deve
promover as brincadeiras entre pais e filhos, e ou- ser reservada para crianças com evidências de uma
tras interações. Os membros da equipe devem evi- patologia anatômica ou funcional (por exemplo,
tar qualquer comentário que implique em inade- estenose pilórica, refluxo gastroesofágico).
quação, irresponsabilidade ou outra falta dos pais,
como causa da FTT; no entanto, a adequação e sen- Prognóstico
so de responsabilidade dos pais devem ser avalia- Na FTT não orgânica, 50 a 75% das crianças
dos. A suspeita de negligência ou abuso deve ser no- > 1 ano atingem um peso estável acima do percentil
tificada ao serviço social; no entanto, em muitos ca- 3. A função cognitiva, especialmente habilidades
sos, é mais apropriado o encaminhamento para ser- verbais, fica abaixo da faixa normal em aproxima-
viços preventivos de referência destinados a atender damente 50%; crianças que desenvolvem FTT an-
as necessidades da família para apoio e educação tes de 1 ano de idade estão em risco particular, e
(por exemplo, marcas de alimentos adicionais, aten- aquelas < de 6 meses idade – em que a velocidade
dimento à criança mais acessível, aulas para pais). de crescimento cerebral pós-natal é máxima – apre-
Durante a internação, a interação da criança com sentam o maior risco. Problemas comportamentais
as pessoas no ambiente é cuidadosamente obser- gerais, identificados por professores ou profissio-
vada, e nota-se a presença de comportamentos auto- nais da saúde mental, ocorrem em aproximadamen-
estimulantes (por exemplo, balançar-se, bater a ca- te 50% das crianças; problemas especificamente
beça). Crianças com FTT não orgânica são descri- relacionados à alimentação (por exemplo, “catar a
tas como hipervigilantes e desconfiadas no contato comida”, comer muito devagar) ou tendência à eli-
próximo com pessoas, preferindo interações com minação ocorrem em uma proporção similar de
objetos inanimados quando chegam a interagir. crianças, geralmente naqueles com outros distúr-
Embora a FTT não orgânica seja mais compatível bios de comportamento ou de personalidade.
com negligência do que com abuso dos pais, as
crianças devem ser cuidadosamente examinadas Tratamento
quanto à evidência de abuso (ver Cap. 264). Um O objetivo do tratamento é fornecer recursos de
teste de triagem para nível de desenvolvimento deve saúde e ambientais suficientes para promover um cres-
ser realizado e, se indicado, acompanhado de ava- cimento satisfatório. Uma dieta nutricional contendo
liação mais sofisticada. as calorias adequadas para que ocorra a retomada do
Exames laboratoriais extensos são improdutivos. crescimento (em torno de 150% das necessidades
Se a história ou exame físico não indicar um teste calóricas normais/kg de peso ideal/24h) e um apoio
específico, a maioria dos especialistas recomenda clínico e social individualizado geralmente são ne-
limitar os testes de triagem ao hemograma, VHS, cessários. A capacidade de ganhar peso durante a
exame de urina (incluindo capacidade de concen- hospitalização não diferencia os lactentes com FTT
tração e acidificação), BUN ou nível sérico de cre- não orgânica daqueles com FTT orgânica; todas as
atinina, urocultura e exame do pH, substâncias re- crianças crescem se tiverem uma nutrição adequada.
dutoras, odor, cor, consistência e conteúdo de gor- De fato, algumas crianças com FTT não orgânica
dura nas fezes. Dependendo da prevalência de de- perdem peso enquanto estão hospitalizadas, sugerin-
terminados distúrbios na comunidade, pode estar do que os cuidados fornecidos pelos pais, mesmo que
indicado nível de chumbo no sangue, ensaio imu- “inadequados”, são melhores que a separação deles.

Merck_19C.p65 2227 02/02/01, 14:30


2228 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Para crianças com FTT orgânica ou mista, o dis- blema significativo é mais provável quando o com-
túrbio de base deve ser tratado o mais rapidamente portamento é freqüente e crônico, quando mais de
possível. Para crianças com FTT aparentemente não um problema de comportamento está envolvido e,
orgânica ou mista, tratamento consiste no forneci- particularmente, quando o comportamento interfe-
mento de apoio educacional e emocional para cor- re na função social e cognitiva. A percepção de um
rigir problemas que estão interferindo no relacio- dos pais ou professor de que um problema de com-
namento pais-criança. Uma vez que o tratamento portamento é significativo requer atenção. Mui-
freqüentemente requer um apoio social ou um tra- tos problemas de comportamento são típicos de
tamento psiquiátrico a longo prazo, a equipe que determinados estágios do desenvolvimento (por
avalia a criança pode ser capaz apenas de definir as exemplo, comportamento de oposição nas crian-
necessidades familiares, fornecer instruções e apoio ças de 2 anos) ou de um padrão de temperamento
iniciais, e encaminhar para as referências necessá- comum (por exemplo, funções biológicas irregu-
rias dentro dos recursos da comunidade. Os pais lares, reações intensas, humor predominantemente
devem compreender a razão pela qual está sendo negativo e lentidão de adaptação a alterações em
feito o encaminhamento e devem, quando houver criança “difícil”).
mais de uma opção, participar das decisões que se As taxas de prevalência variam de acordo com a
referem ao recurso preferido (por exemplo, algu- forma com que os problemas de comportamento
mas famílias aceitarão e se beneficiarão das inter- são definidos e medidos: vários estudos popu-
venções de uma enfermeira da comunidade, mas lacionais citam um índice de ≥ 10% em todos os
recusarão o auxílio de um assistente social). Se a grupos etários pediátricos, enquanto que pesquisas
criança estiver internada em um hospital de cuida- nacionais baseadas em consultórios de pediatria
do terciário, deve-se consultar o médico que enca- relatam um índice de < 2%.
minhou o paciente quanto às experiências com os
recursos locais e perspectivas sobre o grau de es- Avaliação
pecialização existente na comunidade. A saúde (pregressa e atual), estágio de desenvol-
Uma esquematização antes da alta, sob forma vimento e temperamento (por exemplo, “difícil”,
de reunião, envolvendo a equipe do hospital, re- “apático”) da criança devem ser avaliados. Os pais
presentantes dos vários recursos da comunidade que devem ser avaliados em relação a vários fatores, in-
irão fornecer serviços de acompanhamento, e o cluindo interpretações errôneas dos comportamen-
médico que realizou o primeiro atendimento do tos típicos relacionados aos estágios de desenvolvi-
paciente, deve ser uma parte rotineira do processo mento; expectativas incompatíveis com as caracte-
terapêutico. As áreas de responsabilidade e as li- rísticas da criança; depressão, desinteresse, rejeição
nhas de atuação devem ser claramente definidas, e superproteção; desentendimento entre o casal; de-
de preferência na forma escrita, e distribuídas para semprego e perdas pessoais significativas, especial-
todas as pessoas envolvidas. Os pais devem ser mente se os suportes sociais forem precários. Os pais
convidados para uma conversa após a reunião, pois, sentem dificuldade em expressar sentimentos de
deste modo, podem conhecer a equipe da comuni- culpa e incompetência, quase universais entre pais
dade, fazer perguntas e talvez marcar entrevistas. de crianças com problemas de comportamento. Iden-
Em alguns casos, um lar adotivo pode ser ne- tificar frustrações dos pais e mostrar a prevalência
cessário. Se houver uma previsão de que a criança de tais problemas freqüentemente pode aliviar a culpa
retorne posteriormente aos pais biológicos, deve- e facilitar uma abordagem construtiva.
se fornecer treinamento e aconselhamento psico- Uma descrição cronológica das atividades tí-
lógicos para eles, monitorando escrupulosamente picas diárias da criança fornece detalhes precisos
seu progresso. O retorno aos pais biológicos não sobre o problema de comportamento. O contexto,
deve ser baseado somente no tempo; ao contrário, no qual o problema envolvido, incluindo o compor-
deve basear-se na demonstração da capacidade dos tamento social da criança, deve ser entendido. Deve-
pais e nos recursos disponíveis para que a criança se observar a resposta dos pais ao comportamento.
seja tratada adequadamente. A observação direta da interação pais-crian-
ça durante a consulta fornece pistas valiosas. Estas
observações e a história dos pais devem ser suple-
PROBLEMAS DE mentadas, sempre que possível, pelas observações
de outras pessoas, incluindo parentes, professores
COMPORTAMENTO e enfermeiros.
A diferenciação entre comportamentos difíceis, A qualidade das interações pais-filho nos pri-
mas normais e problemas significativos de com- meiros meses influencia o desenvolvimento cogni-
portamento freqüentemente não é clara. Um pro- tivo e social da criança. A capacidade da mãe de

Merck_19C.p65 2228 02/02/01, 14:30


CAPÍTULO 262 – PROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO / 2229

enfrentar este período pode ser reduzida por uma A mudança de comportamento é um processo
gravidez ou parto difíceis, depressão pós-parto ou de aprendizado que requer constância em regras e
apoio inadequado do marido, parentes ou amigos. limites entre os responsáveis ao longo do tempo.
Além disso, os horários de dormir e mamar da Os pais devem tentar minimizar expressões de rai-
criança geralmente são imprevisíveis nos primei- va quando ensinam regras e também aumentar o
ros meses de vida; a maioria dos lactentes < 2 a 3 contato positivo com a criança. Para problemas sim-
meses não dorme durante toda a noite e apresenta ples, a educação e tranqüilização dos pais, e algu-
períodos freqüentes de choro intenso e prolonga- mas sugestões específicas são freqüentemente su-
do (ver CÓLICA em ALIMENTAÇÃO COMUM E PRO- ficientes. O acompanhamento é importante para ter
BLEMAS GASTROINTESTINAIS no Cap. 256). Os pe- certeza de que o problema não é mais complexo, o
ríodos de vigília do lactente são breves, fornecen- que exige avaliação mais abrangente e possivelmen-
do um “feedback” positivo relativamente pequeno te múltiplas consultas. Uma história inicialmente
para os pais. Vários outros fatores ambientais, pa- confusa pode ser esclarecida se os pais registrarem
ternos ou da criança podem contribuir para proble- uma cronologia do problema de comportamento,
mas de interação. incluindo atividades e respostas anteriores dos pais.
Padrões de círculo vicioso – Os padrões de círcu- Em casos extremos, interações precárias (irre-
lo vicioso envolvem reação paterna negativa a um gularidade dos horários, falha no desenvolvimento
comportamento da criança, que provoca uma respos- de jogos interativos positivos com o lactente entre
ta adversa na criança o que, por sua vez, leva à manu- 3 e 4 meses) podem resultar em falha de desenvol-
tenção da reação paterna negativa. No padrão de cír- vimento da criança (ver Falha de Desenvolvimen-
culo vicioso mais comum, um dos pais pode reagir a to, anteriormente) ou choro excessivo persistente.
uma criança agressiva e resistente gritando, ameaçando O tratamento inclui educação paterna sobre desen-
volvimento da criança e temperamento infantil;
e batendo. Esta reação pode ser provocada pelo tranqüilização se apropriada; e tentativas para me-
negativismo relacionado ao estágio de desenvolvimen- lhorar o suporte disponível (por exemplo, apoio
to de uma criança de 2 anos ou respostas malcriadas emocional, ajuda com as tarefas domésticas, cui-
de uma criança de 4 anos, ou pode ainda resultar de dados com a criança). Indica-se avaliação cuida-
uma incapacidade de enfrentar uma criança com tem- dosa do lactente e da interação pais-filho (ver ante-
peramento difícil desde o nascimento. Em padrões riormente). Dependendo da natureza do problema
de círculo vicioso, as crianças freqüentemente rea- e da experiência do médico, o encaminhamento a
gem ao estresse e desconforto emocional com teimo- um psicólogo, psiquiatra, neurologista ou outro
sia, respostas malcriadas, agressividade e acessos de especialista pode estar indicado.
mau humor em vez de choro. Disciplina – Uma disciplina ineficaz pode re-
Alternativamente, um dos pais pode reagir a uma sultar em comportamento inadequado. Censuras ou
criança medrosa, dependente e manipuladora com punições físicas podem controlar temporariamen-
superproteção e permissividade exagerada. A apre- te o comportamento de uma criança se usados parci-
sentação inicial é geralmente médica, mas a histó- moniosamente, mas podem reduzir a sensação de
ria revela conflitos às refeições, ansiedade de se- segurança e auto-estima da criança. Ameaças de
paração (ver adiante), incapacidade dos pais para abandono ou de mandar a criança embora são pre-
limitar comportamentos que perturbam outras pes- judiciais. O reforço positivo para o comportamento
soas, e uma tendência dos pais a realizar tarefas adequado é um instrumento poderoso para con-
que a criança já pode realizar (por exemplo, vestir- trolar o comportamento da criança sem efeitos
se, comer). Freqüentemente, a história inclui com- adversos.
plicações durante a gravidez ou uma doença fami- Um procedimento para pôr a criança de cas-
lial grave que a família acredita aumentar a vul- tigo (ver TABELA 262.3), no qual a criança deve
nerabilidade da criança. ficar sentada sozinha em um local silencioso (um
quarto, não o de dormir, sem TV e sem brinque-
Tratamento dos, mas não escuro nem amedrontador) durante
Tentativas em modificar o comportamento sem um breve período é uma boa abordagem para alte-
a compreensão da etiologia meramente tratam rar um comportamento inaceitável. Pôr a criança
sintomas. Qualquer problema de base significa- de castigo é um processo de aprendizado para a
tivo pode se manifestar como um sintoma. De- criança, sendo melhor para um ou alguns compor-
pois de investigada a etiologia, prefere-se a in- tamentos inadequados de uma vez.
tervenção precoce, porque quanto mais duram Tratamento dos padrões de círculo vicio-
os comportamentos maladaptivos, mais dificil- so – Os pais precisam ser assegurados de que a
mente eles se modificam. criança está fisicamente bem e estimulados a li-

Merck_19C.p65 2229 02/02/01, 14:30


2230 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 262.3 – PROCEDIMENTO PARA PROBLEMAS RELACIONADOS


PÔR A CRIANÇA “DE CASTIGO”
À ALIMENTAÇÃO
O mau comportamento de uma criança resultou no con-
senso de que deve ser “posta de castigo” A ingestão insuficiente ou de alimentos inadequa-
dos são queixas comuns dos pais de crianças entre 2
Explica-se à criança o seu mau comportamento pedindo-lhe e 8 anos de idade. Na hora da refeição, enquanto os
para sentar-se em uma cadeira onde “ficará de castigo”, pais tentam persuadir e ameaçar, a criança pode sen-
ou é colocada na mesma, se necessário tar-se com a comida na boca ou pode responder a ten-
A criança deve ficar sentada em uma cadeira durante 1min tativas de forçar a alimentação com vômito. A dimi-
correspondenten a cada ano de idade (máximo de 5min) nuição do apetite geralmente está relacionada à
Deve-se fazer retornar à cadeira a criança que sai da diminuição na velocidade do crescimento.
mesma antes do tempo convencionado, nesse caso, o Os pais devem ser educados sobre os padrões de
tempo do “castigo” recomeça. Para uma criança que sai crescimento de crianças pequenas e informados so-
repetidamente da cadeira pode ser necessário “prendê-la”
bre a altura e peso atuais de seu filho. Devem mostrar
(não deve ser no colo). Se a criança deve ficar todo o
pouca emoção quando colocar a comida em frente à
criança na hora da refeição; a comida deve ser retira-
período “presa” reinicia-se a contagem do tempo. Evi-
da após 15 ou 20min, sem comentários sobre o que
ta-se conversar e o contato ocular
foi ingerido ou não. Essa técnica, juntamente com a
Se a criança permanece na cadeira, mas não fica quieta restrição de alimentação entre as refeições, geral-
antes do tempo convencionado, reinicia-se a contagem mente restaura as relações entre apetite, quantidade
de tempo ingerida e necessidades nutricionais da criança. Se
Quando chegar a hora de sair do “castigo”, o responsável o problema alimentar for parte de um padrão de
pergunta-lhe por que ficou de castigo sem ira e censura. supercoerção ou superpreocupação sobre a saúde da
Rememora-se brevemente a razão do castigo à criança criança, uma história mais detalhada será necessá-
que não se lembra da mesma. ria para determinar o tratamento apropriado (ver
Avaliação, anteriormente).
Logo após o “castigo”, o responsável deve elogiar o com-
portamento da criança, o que pode ser conseguido mais
facilmente se a criança iniciou outra atividade longe do DISTÚRBIOS DO SONO
cenário do comportamento inadequado (Ver também Cap. 173.)
Pessoas > 2 a 3 anos de idade apresentam ciclos
de sono por todos os estágios de movimento não
rápido dos olhos (NREM) (sono profundo) e então
mitar a busca de dependência e comportamento movimento rápido dos olhos (REM) (sono leve)
manipulativo da criança para restabelecer o res- aproximadamente a cada 90min; cerca de 80% do
peito mútuo. O padrão pode ser interrompido se tempo total de sono é representado pelo sono
os pais ignorarem o comportamento que não NREM. Os recém-nascidos, os quais apresentam
perturba outras pessoas (explosões de raiva, re- estágios menos bem definidos, adormecem em
cusa de alimentos) e usar distração ou isolamen- REM ativo e despendem cerca de 50% do tempo
to temporário para limitar o comportamento que total de sono em NREM.
não possa ser ignorado. Os atritos também po- Pesadelos, os quais ocorrem durante o sono
dem ser reduzidos e o comportamento apropria- REM, podem ser causados por experiências assus-
do reforçado pelo uso criterioso de recompen- tadoras (por exemplo, estórias de terror, violência
sas. Os pais e a criança devem passar pelo menos na televisão), particularmente em crianças de 3 a 4
15 a 20min ao dia em uma atividade que seja anos, que não conseguem diferenciar facilmente a
prazeirosa para todos. Uma mãe que fica em casa fantasia da realidade. Em geral, a criança acorda
deve ser estimulada a passar regularmente al- completamente e pode lembrar vividamente os de-
gum tempo longe da criança. talhes do pesadelo. Um pesadelo ocasional é nor-
Quando qualquer interação conflitante entre mal, mas pesadelos persistentes ou freqüentes me-
pais e filhos se desenvolve, o médico precisa ser recem avaliação. Uma criança que acorda de um
compreensivo enquanto os pais tentam modifi- pesadelo geralmente pode ser confortada pelos pais.
car seu padrão de resposta. Um problema que Sonambulismo (o andar persistente durante o
não se altera em 3 a 4 meses deve ser reavaliado; sono) e terrores noturnos (acordar subitamente
pode estar indicada consulta a um profissional com pânico e gritos inconsoláveis) ocorrem duran-
de saúde mental. te o Estágio 3 ou 4 de sono NREM, geralmente nas

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CAPÍTULO 262 – PROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO / 2231

primeiras 1 a 3h de sono. Os episódios duram de que a criança durma com os pais, brinque, alimen-
alguns segundos a vários minutos e são caracteri- te-se, ou bater e ralhar geralmente prolongam o
zados por olhares fixos confusos ou vazios, des- problema. Colocar a criança novamente na sua cama
pertar incompleto com pouca responsividade às com apoio simples ou sentar fora do quarto com a
pessoas e amnésia para o episódio. O sonambulis- porta aberta até que ela deite geralmente é mais efi-
mo envolve andar desajeitado, geralmente evitan- caz. Algumas crianças de 3 anos andam pela casa
do objetos. A criança parece confusa, mas não ame- sem acordar os pais; a instalação de um fecho por
drontada. Pelo menos um episódio de andar duran- fora da porta do quarto da criança resolverá o pro-
te o sono ocorre em 15% das crianças entre 5 e 12 blema, mas este procedimento deve ser usado crite-
anos de idade. O sonambulismo ocorre em 1 a 6% riosamente e não deve ser empregado indiscri-
da população, mais comumente em meninos em minadamente para isolar ou controlar a criança.
idade escolar. Eventos estressantes podem desen-
cadear um episódio. Os terrores noturnos são mais PROBLEMAS DE TOALETE
comuns em crianças de 3 a 8 anos.
O sonambulismo e os terrores noturnos são qua- A maioria das crianças pode ser treinada para o
se sempre autolimitados, embora episódios isola- controle intestinal entre 2 e 3 anos e para o contro-
dos possam ocorrer durante anos. Quando estes le urinário entre 3 e 4 anos. Por volta dos 5 anos, a
distúrbios persistirem na adolescência e idade adul- criança normalmente consegue ir ao banheiro so-
ta, deve-se considerar um distúrbio psicológico de zinha. Contudo, cerca de 30% das crianças normais
base. O diagnóstico diferencial inclui epilepsia do de 4 anos e 10% das crianças de 6 anos não atingi-
lobo temporal, o qual ocorre durante a noite, ma- ram ainda a continência noturna.
nifestado por alucinações, despertar incompleto, A chave para evitar problemas está em reconhe-
medo e comportamento automático. Suspeitas de cer que a criança está pronta para o treinamento
atividade convulsiva durante o despertar, alto grau (geralmente entre 18 e 24 meses); por exemplo, a
de ativação autônoma e enurese durante o episó- criança mantém o controle urinário durante várias
dio indicam a realização de EEG. O tratamento horas, mostra interesse em sentar-se em um penico
de sonambulismo e terrores noturnos consiste de ou pede para ser trocada quando molhada, conse-
educação e apoio. Para episódios muito freqüen- guindo realizar comandos verbais simples.
tes, pode-se administrar 2 a 5mg de diazepam VO Treinamento de toalete – O método por eta-
antes de dormir. pas é a abordagem mais comum ao treinamento de
Resistência em ir para a cama é um problema toalete. Após demonstrar estar pronta, a criança
comum, que geralmente atinge o pico entre 1 e 2 inicia o uso do peniquinho aprendendo de forma
anos de idade. A criança chora quando é deixada gradual a sentar-se nele completamente vestida; e
sozinha no berço ou sai e procura os pais. As cau- depois pratica tirar as calças, sentar no penico por
≤ 5 ou 10min, e vestir-se novamente. Explicações
sas incluem a ansiedade de separação (ver adian- simples do propósito do exercício são dadas repe-
te); tentativas crescentes da criança de controlar seu tidamente e enfatizadas pela colocação de fraldas
ambiente; sonecas longas durante a tarde; brinca- secas ou molhadas no peniquinho. O ponto crucial
deiras agitadas e superestimulantes antes da hora deste método envolve a percepção antecipada dos
de dormir um distúrbio no relacionamento entre os pais de que a criança precisa evacuar e depois o
pais e a criança; e tensão em casa. reforço positivo para as tentativas bem-sucedidas
Deixar a criança levantar, ficar no quarto e com recompensas ou agrados. Raiva ou punição
confortá-la, ou bater e ralhar são atitudes inefica- pelo insucesso ou acidentes podem ser contrapro-
zes. Entreter a criança com uma história breve, ofe- ducentes. Para a criança com horários imprevisí-
recendo um brinquedo ou cobertor favorito, e usar veis, é difícil providenciar o reforço necessário, e
um abajur à noite são úteis, mas observar silencio- o treinamento deve esperar pela habilidade da crian-
samente do corredor para garantir que a criança fi- ça para prever a evacuação por si mesma.
que na cama pode controlar o problema. Uma vez A simulação com uma boneca é um segundo
que a criança aprende que não adianta sair da cama método de treinamento. Após uma criança demons-
ou chamar os pais novamente para mais estórias ou trar estar pronta, ela é ensinada sobre os passos do
brincadeiras acaba se acalmando e dormindo. processo de toalete enquanto os pais dão reforço
O despertar noturno ocorre em cerca de 50% positivo para a boneca, para calças secas e para tér-
dos lactentes entre 6 e 12 meses de idade e está mino bem-sucedido de cada passo do processo.
relacionado à ansiedade de separação (ver adian- Depois a criança imita esse processo com a boneca
te). Em crianças mais velhas, os episódios geral- repetidas vezes, assumindo o papel dos pais como
mente ocorrem depois de um acontecimento estres- reforço. Por último, a criança realiza os passos so-
sante (por exemplo, mudanças, doenças). Permitir zinha com os pais dando recompensas.

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2232 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Se a criança resistir a sentar no peniquinho, deve- Aconselhamento para despertar a motivação


se permitir que ela se levante e tente outra vez após tem sido a abordagem mais comum. A criança as-
a refeição. Se a resistência continuar por dias, sume um papel ativo urinando antes de ir para a
adiar o treinamento por várias semanas é a melhor cama, mantendo um calendário das noites secas e
estratégia. Modificações de comportamento com úmidas, e falando com o médico. A criança não
uma recompensa para sentar no vaso ocorrem com deve ingerir líquidos 2 a 3h antes de deitar. É dado
crianças normais e deficientes. Quando um padrão reforço positivo para as noites secas (por exemplo,
estiver estabelecido, as recompensas serão dadas uma estrela no calendário ou outras recompensas,
para cada sucesso e depois gradualmente retiradas. dependendo da idade). Tranqüilizar a criança so-
Em qualquer caso, demonstrações de força devem bre a etiologia e prognóstico da enurese, com a in-
ser evitadas, uma vez que elas são prejudiciais e tenção de remover culpa e vergonha.
podem resultar numa relação tensa entre pais e fi- Alarmes de enurese provaram ser o tratamento
lhos. Se um padrão repetido de pressão e resistên- mais eficaz. Dois estudos, envolvendo crianças
cia ocorrer, ele deverá ser manipulado como discu- entre 5 e 15 anos, relataram um índice de cura de
tido em Tratamento dos Padrões de Círculos Vi- 70% com apenas 10 a 15% de recaídas. Estes alar-
ciosos, anteriormente. mes são fáceis de instalar, são acessíveis e dispara-
dos por algumas gotas de urina. A desvantagem é o
Enurese noturna tempo necessário para o sucesso completo: nas pri-
meiras semanas de uso, a criança acorda após a
(Incontinência Urinária Noturna) micção completa; nas semanas seguintes, a inibi-
(Ver também Cap. 215.) ção parcial da micção é conseguida; e finalmente,
A enurese noturna, em uma idade em que já se- a criança acorda com uma resposta condicionada
ria esperado controle voluntário, afeta 30% das às contrações vesicais antes que ocorra a micção.
crianças aos 4 anos, 10% aos 6 anos, 3% aos 12 O alarme não deve ser descontinuado até a terceira
anos e 1% aos 18 anos de idade. É mais comum em semana após o último episódio de enurese.
meninos do que em meninas, parece ser familiar e Imipramina não é mais o tratamento de esco-
está às vezes associada a distúrbios do sono (ver lha por causa dos efeitos adversos, ingestão aci-
anteriormente). A enurese geralmente representa dental potencialmente fatal, e maior sucesso a lon-
apenas um retardo na maturação que se resolve com go prazo dos alarmes. Se outras modalidades fa-
o tempo. Uma etiologia orgânica é encontrada em lharem e a família forçar o tratamento, a imipramina
apenas 1 a 2% dos casos e elas geralmente envol- pode ser usada (10 a 25mg VO ao deitar e aumen-
vem ITU. Embora raros, outros diagnósticos a con- tada em intervalos semanais, 25mg de cada vez,
siderar incluem anormalidades congênitas, distúr- até uma dose máxima de 50mg em crianças de 6 a
bios de nervos sacrais, diabetes melito ou insípido 12 anos e 75mg em crianças > 12 anos). Se a imipra-
ou uma massa pélvica, que podem ser excluídos mina for bem-sucedida, ocorrerá uma resposta ge-
por uma história cuidadosa, exame físico, exame ralmente na primeira semana de tratamento, o que
de urina e urocultura. Achados positivos podem é vantajoso, particularmente se for muito impor-
indicar a necessidade de ultra-som renal, urografia tante para a família e para a criança a obtenção de
IV, cistouretrograma, uma consulta ao urologista uma resposta rápida. Após 1 mês sem enurese, a
ou outras avaliações. A enurese ocasionalmente é droga deve ser diminuída gradualmente por 2 a 4
causada por psicopatologia familiar ou individual semanas e depois suspensa. Recaídas são muito
moderada a grave, indicando a necessidade de um comuns, reduzindo o índice de cura a longo prazo
psiquiatra. A enurese secundária, na qual o controle para 25%. Se houver recaída, um tratamento de 3
prévio na hora de dormir é perdido, geralmente é meses pode ser tentado. Hemogramas devem ser
causada por um evento ou condição psicologicamen- feitos a cada 2 a 4 semanas durante o tratamento
te estressante. Há, contudo, uma chance maior de para detectar a rara ocorrência de agranulocitose.
uma etiologia orgânica (por exemplo, ITU ou dia- Aerossol nasal de acetato de desmopressina
betes melito) do que a enurese noturna primária. (contendo um análogo sintético do hormônio an-
tidiurético) mostrou-se eficaz quando usado a
Tratamento curto prazo (4 a 6 semanas) em alguns pacientes
Até os 6 anos, a porcentagem relativamente alta ≥ 6 anos com enurese noturna freqüente. A dose
de cura espontânea fala contra a imposição de tra- inicial recomendada é um acionamento do
tamento. Depois dos 6 anos, a porcentagem de cura aerossol em cada narina (total, 20µg) ao deitar.
espontânea diminui para 15% ao ano, de forma que Se eficaz, a dose pode, às vezes, ser reduzida
outros fatores (por exemplo, perturbações) favore- para um acionamento apenas (10µg); se ineficaz,
cem o tratamento. a dose pode ser aumentada até dois acionamentos

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CAPÍTULO 262 – PROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO / 2233

em cada narina (total, 40µg). Reações adversas com que a criança sente no vaso em horários cons-
são infreqüentes, particularmente nas doses re- tantes, duas vezes por dia, durante 10min no máxi-
comendadas, podendo incluir cefaléia, náusea, mo (depois das refeições é provavelmente melhor).
congestão nasal, epistaxe, dor de garganta, tos- Se necessário, laxativos orais (por exemplo, senna
se, rubor e cãibras abdominais leves. 5 a 10mL/dia) são administrados durante 2 a 3 se-
manas, depois em dias alternados durante 1 mês
Encoprese e obstipação depois da catarse inicial em casos graves. Recaí-
das, que são comuns, são tratadas com laxativos
Encoprese (incontinência fecal na ausência de orais durante 1 a 2 semanas se detectadas precoce-
defeito orgânico ou doença) ocorre em cerca de mente. O óleo mineral é gradualmente retirado de-
17% das crianças de 3 anos e 1% das de 4 anos. pois de 4 a 6 meses de movimentos intestinais regu-
A causa geralmente é a resistência ao treinamento lares. Se este esquema falhar, indica-se avaliação pos-
da toalete, mas às vezes a incontinência fecal asso- terior da dieta e padrões de hábito intestinal.
ciada à obstipação crônica é a causa.
Obstipação é a eliminação difícil ou infreqüente
de fezes, fezes endurecidas ou sensação de evacua- ANSIEDADE DE SEPARAÇÃO
ção incompleta. As causas incluem retenção das Chorar quando os pais saem do aposento ou
fezes por medo de usar o vaso sanitário; resistên- quando um estranho se aproxima é normal dos 8
cia a tentativas de treinamento da toalete; fissura meses até 18 a 24 meses. A intensidade deste com-
anal; anormalidades congênitas, por exemplo, le- portamento varia.
sões da medula espinhal, ânus imperfurado (depois Alguns pais, especialmente aqueles com seu pri-
de reparo cirúrgico) e anomalias relacionadas; doen- meiro filho, suspeitam de algum problema emo-
ça de Hirschsprung (ver DEFEITOS GASTROIN- cional e respondem tornando-se protetores e evi-
TESTINAIS no Cap. 261); hipotireoidismo; desnutri- tando separações ou novas situações. Os pais (mais
ção; paralisia cerebral e psicopatologias na criança freqüentemente o pai) podem interpretar o com-
ou na família. portamento como um sinal de criança mimada e
Tratamento tentar modificá-lo com repreensões e punições. Para
evitar estas reações, o médico deve discutir com os
O tratamento inicial envolve a educação dos pais pais o aparecimento esperado deste comportamen-
e da criança sobre a fisiologia da encoprese ou obsti- to na consulta de puericultura dos 6 meses. A res-
pação crônica; remoção da culpa da criança que posta dos pais a este comportamento deve ser re-
não consegue controlar os movimentos intestinais; vista em outras consultas, de forma que o médico
e dissipação das reações emocionais daqueles en- possa reconhecer e interromper métodos inadequa-
volvidos. Um raio X abdominal pode ser usado para dos de lidar com o problema (isto é, a resposta dos
demonstrar fezes excessivas. pais reforça o desconforto da criança, levando a um
Se a história e exame físico iniciais descartarem padrão de círculo vicioso) antes que um plano de
diagnósticos patológicos específicos, deve ser rea- tratamento possa ser traçado. Uma avaliação mais
lizada catarse intestinal, seguida pela manutenção extensa pode ser necessária.
de movimentos intestinais regulares. A catarse ini- Uma separação necessária, mas planejada dos pais
cial envolve um a quatro ciclos do seguinte esque- e da criança (por exemplo, numa cirurgia eletiva) é
ma: dia 1 – enema de hipofosfato de adulto (dois melhor quando a criança é < 6 meses ou > 3 anos.
de uma vez se a criança for ≥ 7 anos); dia 2 – supo-
sitório de bisacodil (10mg) por via retal; dia 3 – MEDOS E FOBIAS
comprimido de bisacodil (5mg) VO. Pode ser rea-
lizado um raio X abdominal de acompanhamento Medos do escuro, monstros, insetos e aranhas
para demonstrar catarse adequada. A manutenção são comuns aos 3 e 4 anos; medos de lesões e
envolve a administração de multivitaminas (2 por morte são comuns em crianças mais velhas. His-
dia) entre as doses de 15 a 30mL de óleo mineral tórias, filmes ou programas de televisão assusta-
leve VO 2 vezes ao dia, durante 4 a 6 meses (ou dores são freqüentemente perturbadores e inten-
mais se for necessário para manter a evacuação diá- sificam o medo. Ameaças feitas pelos pais, por
ria). O óleo mineral interfere na absorção da vita- raiva ou brincadeira, podem ser entendidas lite-
mina; desta forma, multivitaminas extras são ne- ralmente por crianças pré-escolares e podem ser
cessárias. (NOTA – Evitar óleo mineral em lacten- perturbadoras. Uma criança tímida pode reagir
tes e em pacientes debilitados com risco de aspira- inicialmente a novas situações com medo ou fuga;
ção). Uma dieta rica em fibras deve ser oferecida, exposição repetida e apoio, sem pressão, ajudam
mas a criança não deve ser obrigada a comer. Fazer em sua adaptação.

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2234 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Fobias provocam ansiedade persistente, não rea- tos entre pais e filhos, e causa preocupação nos pais.
lista e ainda assim intensa em reação a estímulos Quando o comportamento hiperativo é extremo e
ou situações externos. Os medos normais em de- está associado com sinais de distúrbios perceptivos,
terminados estágios do desenvolvimento devem ser motores ou psicológicos, a condição é claramente
diferenciados daqueles causados por tensão no lar patológica, e avaliação suplementar é indicada (ver
ou por conflitos internalizados (fobias). Se a fobia DISTÚRBIO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO, adiante).
for intensa, desproporcional ao perigo potencial Os adultos freqüentemente tentam suprimir a hi-
envolvido, e interferir na atividade da criança ou se peratividade com gritos e punições, mas estas res-
esta não responder ao apoio simples, deve-se con- postas geralmente aumentam o nível de atividade.
sultar um psiquiatra. Não exigir que a criança fique sentada por muito
Fobia de escola – Crianças de 6 e 7 anos podem tempo ou encontrar um professor capaz de condu-
se recusar a ir para a escola ou se queixar de dor no zir uma criança hiperativa pode ajudar.
estômago, náusea ou outros sintomas que justifi-
quem sua permanência em casa. Ela pode estar rea-
gindo ao medo do rigor e da reprovação do profes- DISTÚRBIOS DE
sor, ou ao medo de ser importunada pelos colegas. APRENDIZADO
Mais freqüentemente, a criança tornou-se depen-
dente e manipuladora por causa de pais superpro- É a inabilidade em adquirir, reter ou generalizar
tetores e está apresentando uma forma de ansie- habilidades específicas ou conjuntos de infor-
dade de separação. mações devido a deficiências de atenção, me-
A fobia de escola em crianças entre 10 e 14 anos mória, percepção ou raciocínio.
pode indicar psicopatologia mais grave, necessi- O termo distúrbio de aprendizado engloba proble-
tando de avaliação e terapia psiquiátrica. Exames mas cognitivos na aquisição de habilidades da vida
onerosos, demorados e dolorosos para pesquisar diária, social, linguagem (comunicação) e acadêmica.
quanto a uma doença orgânica são desnecessários O termo disfunção de aprendizado é um dis-
se a causa for identificada como ansiedade de se- túrbio de aprendizado específico e assume habili-
paração ou outros problemas emocionais. dades cognitivas normais, referindo especificamen-
Para a criança menor, o retorno imediato à esco- te a um problema de leitura (por exemplo, dislexia),
la é necessário para minimizar o problema de atra- aritmética (por exemplo, discalculia), fala, expres-
so no desempenho escolar. Dependendo da situa- são escrita (disgrafia) e na compreensão e/ou uso
ção familiar, alguma forma de intervenção com te- de habilidades verbais (por exemplo, disfasia,
rapia breve pode ser apropriada ou indica-se uma disnomia, linguagem expressiva) e não verbais.
consulta a um profissional da saúde mental. Re- O distúrbio de déficit de atenção está relacio-
caídas podem ocorrer após uma doença verdadeira nado à disfunção de aprendizado, mas é um distúr-
ou um período de férias. Com o pré-adolescente bio separado (ver adiante).
ou adolescente, o retorno imediato à escola não é
tão urgente, e a manipulação depende dos resulta- Epidemiologia e etiologia
dos de uma avaliação psiquiátrica detalhada. Embora o número exato de estudantes com dis-
túrbios de aprendizado seja indeterminado, cerca
HIPERATIVIDADE de 3 a 15% da população escolar nos EUA reco-
A hiperatividade não é facilmente definida, já que nhecidamente necessitam de serviços educacionais
queixas de que uma criança é hiperativa freqüen- especiais. Os meninos tendem a superar as meni-
temente refletem o nível de tolerância da pessoa per- nas em uma proporção de 5:1.
turbada. Entretanto, crianças mais ativas têm atenção Não foi identificada uma causa única de distúr-
menor que a média e criam problemas para muitas bios de aprendizado; no entanto, déficits neuroló-
pessoas com quem estão em contato. gicos são presumidos ou evidentes. Freqüentemente
A hiperatividade pode ter várias etiologias (por são implicadas influências genéticas. Outros pos-
exemplo, um distúrbio emocional, disfunção do síveis fatores causais incluem doença materna ou
SNC, um componente genético), ou pode ser um uso de drogas ototóxicas na gravidez, complica-
exagero de uma característica normal de compor- ções durante a gravidez ou o parto (por exemplo,
tamento. Crianças de 2 anos são geralmente ativas sangramento, toxemia, trabalho de parto prolonga-
e raramente ficam quietas, e em crianças de 4 anos do, parto muito rápido) e problemas neonatais (por
um alto nível de atividade e barulho é comum. Tal exemplo, prematuridade, baixo peso ao nascimen-
comportamento está relacionado ao estágio de de- to, icterícia, asfixia perinatal, pós-maturidade, des-
senvolvimento, mas freqüentemente leva a confli- conforto respiratório).

Merck_19C.p65 2234 02/02/01, 14:30


CAPÍTULO 262 – PROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO / 2235

Sintomas e sinais Subtipos de distúrbios de aprendizado variam


Os sinais físicos e de comportamento podem se de comprometimento de linguagem geral em com-
manifestar precocemente, por exemplo, a criança com preensão e uso de linguagem falada e escrita até com-
problemas de aprendizado freqüentemente apresenta prometimentos específicos, tais como disnomia (por
várias anormalidades físicas e problemas de comuni- exemplo, encontrar palavras e informações na me-
cação sutis. No entanto, distúrbios de aprendizado mória sob demanda) e distúrbios visuais espaciais não
leves a moderados geralmente não são reconhecidos verbais. Outros subtipos incluem problemas na leitu-
até que a criança atinja a idade escolar e enfrente os ra (por exemplo, dislexia fonoaudiológica [análise e
rigores do aprendizado acadêmico. memória de sons] e de superfície [reconhecimento
A maioria das crianças com distúrbios de apren- visual de formas e estruturas das palavras]) e em arit-
dizado apresenta déficits ou retardos de desenvol- mética (por exemplo, anarritmia [distúrbios em for-
vimento neurológicos; freqüentemente apresentam mação de conceitos básicos e falha em adquirir habi-
problemas de coordenação motora grossa ou fina. lidades de contabilidade] e ageometria [problemas
Problemas de aprendizado precoces geralmente são devido a distúrbios no raciocínio matemático]. Po-
sugeridos em primeiro lugar por retardo em apren- dem existir subtipos adicionais; no entanto, a maioria
dizado associativo entre pares (por exemplo, no- dos distúrbios de aprendizado são complexos ou mis-
mes de cores, atribuir nomes, contar, nomear as tos, com problemas derivados de deficiências em mais
letras). Distúrbios ou retardos em linguagem de de um sistema.
expressão ou compreensão auditiva são melhores Diagnóstico
indicadores de problemas acadêmicos futuros aci- São necessárias avaliações clínica, intelectual,
ma da idade pré-escolar. Outros sinais precoces de educacional, lingüística e psicológica para de-
um problema de aprendizado são duração reduzida terminar deficiências e discrepâncias entre habi-
de atenção, agitação motora e distração, fluência lidades de processos cognitivos, tais como aten-
verbal limitada, problemas de percepção e produ- ção, percepção, memória e raciocínio. Avalia-
ção da fala, duração de memória restrita, proble- ções sociais e emocionais-comportamentais tam-
mas de coordenação motora fina (por exemplo, bém são necessárias para planejar o tratamento e
desenho ou cópia prejudicados) e variabilidade no monitorar a evolução.
desempenho e comportamento com o tempo. A avaliação clínica inclui uma história familiar
Problemas comportamentais incluem difi-
culdades com o controle de impulsos, comporta- detalhada; desenvolvimento clínico da criança e
mento sem metas definidas e hiperatividade, pro- história escolar; exame físico geral e exame neuro-
blemas disciplinares, timidez, medos excessivos lógico tradicional ou do desenvolvimento neuroló-
e agressividade. gico (ver também Cap. 165). Crianças pequenas
Problemas cognitivos (por exemplo, no pensa- devem ser avaliadas quanto ao nível de desenvol-
mento, raciocínio e solução de problemas) são ca- vimento usando critérios padronizados.
racterísticos de distúrbios de aprendizado. Embora A avaliação intelectual inclui testes de inteli-
processos cognitivos básicos e estratégias de apren- gência verbal e não verbal. A avaliação abrangente
dizado pareçam ser dependentes da idade e variem de funções neuropsicológicas freqüentemente é
com a habilidade cognitiva (QI), a maioria dos dis- necessária para testar a maneira preferida, na qual
túrbios de aprendizado está intrinsecamente rela- uma criança processa a informação (por exemplo,
cionada a déficits nas funções cerebrais e a rela- holística ou analiticamente, visual ou audito-
ções entre diferentes funções cognitivas. Podem rialmente), e para testar funções dos hemisférios
ocorrer dificuldades de raciocínio, tais como pro- direito e esquerdo. Crianças com dificuldades de
blemas em conceituação, abstração, generalização, aprendizado de linguagem, leitura ou generaliza-
e organização e planejamento de informação para das tendem a apresentar maior dificuldade com fun-
solução de problemas. ções controladas pelo hemisfério esquerdo.
Podem ocorrer problemas de processamento de Uma avaliação educacional identifica habilida-
percepção visual e auditiva, incluindo dificuldades des e deficiências de leitura, escrita, aritmética e so-
em cognição e orientação espaciais (por exemplo, letração. Avaliações de leitura medem habilidades na
localização de objetos, memória espacial, consciên- decodificação e reconhecimento de palavras, com-
cia de posição e localização), atenção e memória vi- preensão de trechos e fluência da leitura. Devem ser
suais, e discriminação e análise de sons. obtidas amostras de escrita para avaliar a capacidade
As funções da memória, incluindo próxima e de soletrar, de sintaxe e fluência de idéias. A capaci-
remota, uso da memória (por exemplo, repetição) dade aritmética deve ser avaliada em termos de habi-
e lembrança ou recuperação verbais, podem ser lidades de computação, conhecimento de operações
deficitárias. e compreensão de conceitos matemáticos.

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2236 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

As avaliações lingüísticas estabelecem a integri- deficiências congênitas no processamento


dade da compreensão e uso da linguagem, processa- fonológico ou discriminação de fonemas.
mento fonológico e memória verbal. Outros problemas com diferentes formas de lin-
A avaliação psicológica define distúrbios de con- guagem escrita, tais como soletrar, fluência de lei-
dução, baixa auto-estima, distúrbios de ansiedade e tura (velocidade e precisão) e compreensão da leitu-
depressão precoce da infância, que freqüentemente ra são afetados concomitantemente. Os disléxicos
acompanham distúrbios de aprendizado. Atitudes em não apresentam dificuldade de compreensão da lín-
relação à escola, motivação, relação com colegas e gua falada.
autoconfiança devem ser avaliadas. Não há uma definição de dislexia aceita uni-
Tratamento versalmente, portanto, a incidência é indeter-
minada. Estima-se que 15% das crianças em es-
O tratamento está centralizado na manipulação colas públicas recebam educação especial por
educacional do problema da criança, podendo envol- problemas de leitura, das quais 3 a 5% são pro-
ver terapia clínica, comportamental e psicológica. As vavelmente disléxicas. A dislexia não é relacio-
avaliações diagnósticas (como descrito anteriormen- nada ao sexo, embora sejam identificados mais
te) ajudam a classificar o distúrbio da criança e deter- meninos do que meninas.
minar o programa de ensino mais eficaz, que pode ter Crianças com outros problemas de leitura, que
uma abordagem medicamentosa, compensatória ou não a dislexia, podem apresentar problemas de
estratégica (ensinar a criança como aprender). Esta aprendizado de palavras. No entanto, seus proble-
determinação é importante, porque quando um pro- mas geralmente resultam de dificuldades na com-
blema de aprendizado em uma criança e preferência preensão da linguagem escrita e falada ou de baixa
de aprendizado não encontram correspondência com capacidade cognitiva.
o método de ensino, o distúrbio de aprendizado pode
ser agravado. Fisiopatologia e etiologia
Muitas crianças necessitam de instrução espe-
cializada em uma área apenas, enquanto continuam a Os problemas do processamento fonológico ou
freqüentar programas educacionais regulares. Outras deficiência na discriminação dos sons produz défi-
necessitam de programas educacionais intensos e cits na discriminação, combinação, memória e aná-
separados para acomodar suas necessidades de apren- lise dos sons. Problemas de memória auditiva, per-
dizado. De modo ideal, crianças com distúrbios de cepção da fala e nome ou busca de palavras fre-
aprendizado devem participar de classes normais tanto qüentemente contribuem.
quanto possível. A incapacidade de aprendizado das regras deri-
Muitos medicamentos para distúrbios de aprendi- vadas da linguagem escrita é freqüentemente con-
zado (por exemplo, eliminação de aditivos alimenta- siderada parte da dislexia. Por exemplo, crianças
res, uso de antioxidantes ou megadoses de vitami- afetadas podem ter dificuldades para determinar a
nas) não estão comprovados. Analogamente, as dro- raiz ou origem das palavras e para determinar qual
gas apresentam efeito mínimo sobre conquistas aca- a ordem específica das letras na palavra, associa-
dêmicas, inteligência e capacidade geral de aprendi- ções específicas entre símbolos e sons, tais como
zado, embora determinadas drogas (por exemplo, padrões vocálicos, afixos, sílabas, e sufixos.
psicoestimulantes) possam aumentar a atenção e a con- A dislexia é considerada como derivada de fato-
centração, permitindo que a criança responda com res cerebrais intrínsecos, mas a causa de base é
mais eficiência ao ensino (ver DISTÚRBIO DO DÉFI- desconhecida. Foi estabelecida uma forte ligação
CIT DE ATENÇÃO, adiante). Terapias como “treina-
genética na dislexia: tende a ocorrer em famílias.
mento” por estimulação sensorial e movimentação Acidentes vasculares cerebrais, prematuridade e
passiva, “terapia integradora neurossensorial” atra- complicações intra-uterinas estão ligadas à dislexia.
vés de exercícios posturais, “treinamento de nervo A alexia, na qual existe uma incapacidade quase
auditivo” e “treinamento optométrico” para remediar completa de ler, também pode ser decorrente de
processos de coordenação entre visão e percepção e agressões diretas ou traumatismos cerebrais.
sensitivo-motora são em grande parte não comprova- A dislexia resulta predominantemente de dis-
das e discutíveis. funções corticais específicas decorrentes de anor-
malidades congênitas de desenvolvimento neuro-
lógico. Suspeita-se de lesões que afetam a inte-
DISLEXIA DE gração ou as interações de funções específicas do
DESENVOLVIMENTO cérebro. Também são citadas as assimetrias entre
os hemisférios esquerdo e direito, um número me-
É um distúrbio de leitura específico na deco- nor de neurônios e uma região temporal esquerda
dificação de palavras isoladas, geralmente por menor. A maioria dos pesquisadores concorda que

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CAPÍTULO 262 – PROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO / 2237

a dislexia esteja relacionada ao hemisfério esquer- problemas de retenção ou recuperação que levam
do e associada a deficiências ou disfunções nas os disléxicos a esquecer ou confundir o nome das
áreas cerebrais responsáveis pela associação da letras e as palavras que têm estruturas semelhan-
linguagem (área de Wernicke), produção dos sons tes; subseqüentemente, o d torna-se b, o m torna-
e fala (área de Broca) e na interconexão dessas se w, o h torna-se n, o “om” torna-se “mo”, o “vou”
áreas por meio do fascículo arqueado. As disfun- torna-se “sou”.
ções ou defeitos no giro angular, área mesoccipital
do cérebro e hemisfério direito têm sido associa- Diagnóstico
das a problemas de reconhecimento das palavras. Estudantes com história de atraso na aquisição
As disfunções dentro ou entre o cerebelo e o sis- ou uso da linguagem, que não aceleram a leitura
tema vestibular também têm sido implicadas, mas das palavras no meio ou no final da primeira série,
não comprovadas. ou que não conseguem ler em um nível esperado
Déficits de processamento não lingüístico, tais pelas suas habilidades verbais ou intelectuais em
como problemas visuais perceptivos não são mais qualquer período escolar devem ser avaliados. Fre-
considerados fatores primários na dislexia. No en- qüentemente, o melhor diagnóstico indicador é o
tanto, anormalidades no processamento visual po- estudante que não consegue responder a aborda-
dem interferir no aprendizado das palavras. Possí- gens de leitura tradicionais ou típicas durante o iní-
veis problemas com memória visual para detalhes cio do primeiro grau. A imaturidade ou o uso ina-
e processamento visual lento estão implicados. Um propriado da atenção mantida, atenção seletiva vi-
problema relacionado à visão devido a um sistema sual, aprendizado associado de correspondentes
magnocelular deficiente foi proposto recentemen- (por exemplo, associar sons com símbolos) e aná-
te. Problemas de movimentos oculares também fo- lise auditiva freqüentemente são confundidos com
ram implicados, mas não comprovados. No entan- a disfunção no processamento fonológico. A ati-
to, não existe nenhuma evidência sólida de um tude de “esperar e ver o que ocorre” não é reco-
subtipo visual de dislexia. mendável se os marcadores e os sinais precoces es-
tiverem aparentes (ver anteriormente) e se houver
Sintomas e sinais uma história familiar positiva.
A maioria das pessoas disléxicas não é iden- Como dislexia não significa simplesmente “di-
tificada até entrar em contato com aprendizado ficuldades de leitura” estudantes que demonstram
simbólico no jardim de infância ou na 1ª série. problemas precoces de aprendizado das palavras
Entretanto, a dislexia deve ser suspeitada em precisam de avaliações de leitura, lingüística e au-
crianças na idade pré-escolar com desenvolvi- ditiva e cognitiva. O objetivo é identificar a causa
mento tardio da linguagem, problemas de articu- de base (demonstração dos problemas de proces-
lação da fala e dificuldades em lembrar o nome samento fonológico é essencial para o diagnósti-
das letras, números e cores, particularmente em co) e encaminhar o estudante para a abordagem de
crianças com uma história familiar de problemas ensino mais eficaz.
de leitura ou aprendizado. As crianças com pro- As avaliações da leitura devem identificar os
blemas de processamento fonológico freqüente- padrões de erro. Os testes devem ser abrangentes
mente têm dificuldades em criar sons, ritmar as para a avaliação da leitura, capacidade e habilida-
palavras, identificar a posição dos sons dentro de de do reconhecimento e análise das palavras, fluên-
cada palavra, segmentar as palavras em compo- cia (precisão e velocidade de reconhecimento das
nentes pronunciáveis e inverter os sons nas pala- palavras e trechos de leitura) e compreensão da lei-
vras. Retardos ou hesitações na escolha das pala- tura ou da audição. A capacidade de decodificação
vras (problemas para encontrá-las), em substituir é avaliada pela amostragem da capacidade do alu-
as palavras ou em nomear as letras e gravuras são no em nomear sons de letras e combinações sons-
sinais precoces da dislexia. São comuns os proble- símbolos, segmentar as palavras em componentes
mas na memória auditiva de curta duração (memó- pronunciáveis e integrar os sons para formar pala-
ria de “trabalho”) e na seqüenciação auditiva. vras. As avaliações da leitura também devem estar
Muitos disléxicos confundem letras e palavras focalizadas no entendimento do vocabulário pelo
com configurações semelhantes ou demonstram aluno, conhecimento anterior, capacidade de ra-
dificuldades visuais para selecionar ou identificar ciocínio e pensamento, e compreensão do proces-
padrões e grupos de letras (associação de fonemas so da leitura pelo estudante.
e grafemas) nas palavras. Inversões ou confusões As avaliações auditivas e lingüísticas verificam
visuais tendem a ocorrer freqüentemente durante o as deficiências da linguagem falada e do proces-
início da vida escolar. Entretanto, a maioria das samento fonológico que são independentes da in-
inversões na leitura e grafia ocorre por causa de teligência e consistem em déficits nos elementos

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2238 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

dos sons (fonemas) da linguagem falada. A ava- TABELA 262.4 – SUBGRUPOS


liação das funções receptora e expressiva da lin- SELECIONADOS DE DISLEXIA
guagem também é realizada. Também é essencial Subtipo Déficit(s) primário(s)
para um diagnóstico específico o teste das habili-
dades cognitivas, por exemplo, atenção, memória Fonológico Decodificação das palavras e proces-
e raciocínio. samento fonológico
As avaliaçções psicológicas geralmente são ne-
cessárias para abordar questões emocionais e des- Profundo (duplo) Decodificação das palavras, processa-
mento fonológico e memória
cartar distúrbios psiquiátricos, que podem exacer-
bar um problema de leitura. É necessária uma his- Superfície Aprendizado de palavras inteiras
tória familiar completa de distúrbios psicológicos.
Também devem ser realizadas avaliaçções oftal-
mológicas (refraçção) e audiológicas (acuidade). de leitura fonéticos típicos e basais, e procedimen-
Embora a maioria das avaliações pediátricas e neu- tos íntegros de linguagem não são recomendáveis.
rológicas seja insuficiente para diagnóstico, aspec- A instruçção de componentes-habilidades con-
tos secundários, como imaturidade do desenvolvi- siste em treinar estudantes para misturar sons a fim
mento neurológico ou sinais neurológicos leves fre- de formar palavras, segmentar palavras em suas
qüentemente são aparentes, e avaliações neuroló- partes e identificar as posições dos sons dentro das
gicas podem descartar outros distúrbios (por exem- palavras. Ensinar os estudantes sobre como identi-
plo, convulsões). ficar a idéia principal, responder perguntas, isolar
Recentemente, foram descritos subgrupos de fatos e detalhes, e ler inferencialmente são exem-
dislexia por meio da associação dos padrões de plos de habilidades de componentes para com-
erro com os perfis dos testes neuropsicológicos. preensão da leitura.
Os subgrupos estão baseados na assertiva de que Os tratamentos indiretos são procedimentos ou
os estudantes com problemas de leitura podem ser técnicas que suplantam ou suplementam a instru-
colocados em grupos distintos que refletem dife- ção da leitura, mas que habitualmente não incluem
renças no funcionamento do SNC (ver TABELA instruções sobre o reconhecimento das palavras,
262.4). A eficácia do tratamento talvez possa ser decodificação ou compreensão da leitura. Exem-
melhorada pelo uso de abordagens específicas para plos são treinamento optométrico (por exemplo,
cada um. terapia visual, lentes coloridas, lentes “low-plus”),
padronização, treinamento de percepção, treina-
Prognóstico e tratamento mento de integração auditiva, “biofeedback”, tera-
O aprendizado da leitura é uma atividade com- pia de integração neurossensorial e cinesiologia
plexa que combina o reconhecimento das palavras aplicada. Tratamentos mais indiretos não estão cien-
com seu significado e compreensão do texto. tificamente validados e, portanto, não podem ser
A instruçção no reconhecimento de palavras recomendados.
pode ser direta ou indireta. A instrução direta é ex- As terapias medicamentosas também têm
plícita (por exemplo, o ensino de habilidades foné- sido propostas e também não estão comprova-
ticas específicas em separado de outras instruções das. Por exemplo, o uso de anti-histamínicos e
de leitura). A instrução indireta é implícita (por as drogas para doença do movimento são reco-
exemplo, integrando habilidades fonéticas especí- mendados por um teórico para estabilizar deter-
ficas nos programas de leitura como um material minadas funções cerebrais que podem compro-
suplementar). A instrução na leitura também têm meter as funções visuais, auditivas e vestibula-
sido dicotomizada como de cima para baixo (ensi- res. O piracetam também tem sido investigado
nando leitura a partir de palavras inteiras ou uma devido a sua capacidade proposta de melhorar
abordagem da linguagem) ou de baixo para cima determinadas funções cognitivas elevadas.
(ensinando a leitura seguindo uma hierarquia de Muitos indivíduos com dislexia desenvolvem
habilidades a partir da unidade sonora até a pala- habilidades funcionais de leitura com a instrução
vra e sentença). A instrução inicial para disléxicos direta, embora a dislexia seja um problema que se
é direta e de baixo para cima, enfatizando decodi- mantém durante toda a vida, e muitos indivíduos
ficação e habilidades de análise de palavras seguin- disléxicos nunca atingem a capacidade completa
do o sistema alfabético fonético. Abordagens mul- de ler e escrever. Abordagens compensatórias, tais
tissensoriais que incluem aprendizado de palavra como textos gravados, leitores e escriturários, são
inteira com base fonética e integração de procedi- utilizadas para auxiliar os disléxicos com proble-
mentos visuais, auditivos e táteis para ensinar sons, mas de idade avançada para aprendizagem. Os in-
palavras e sentenças são aconselháveis. Programas divíduos com outros problemas de leitura podem

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CAPÍTULO 262 – PROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO / 2239

suplantar as dificuldades iniciais se a causa for de evidentes, e recentemente foi relatado como uma
maturação. Outros ainda podem ter problemas per- deficiência na inibição da resposta. A desatenção
sistentes de leitura se tiverem comprometimento da inadequada, por exemplo, atenção mantida por pou-
linguagem ou deficiências cognitivas. co tempo, causa porcentagens aumentadas de ati-
vidade e falta de persistência ou relutância em par-
ticipar ou responder. Embora as crianças com DDA
DISTÚRBIO DO DÉFICIT sem hiperatividade possam não apresentar níveis
DE ATENÇÃO elevados de atividade, a maioria apresenta agita-
ção ou nervosismo e impulsividade, enquanto al-
É um padrão persistente e freqüente de falta de aten- guns podem ser passivos ou letárgicos. Esses as-
ção e impulsividade inadequados para o estágio pectos são qualitativamente diferentes dos obser-
de desenvolvimento, com ou sem hiperatividade. vados nos distúrbios de conduta e ansiedade.
Esta definição de distúrbios do déficit de aten- Os critérios do DSM-IV para DDA incluem
ção (DDA), do “Diagnostic and Statistical Manual nove sinais de desatenção, seis de hiperatividade e
of Mental Disorders”, 4ª edição (DSM-IV), muda três de impulsividade. Não é necessário que todos
o foco da atividade física excessiva. Embora a va- os sinais estejam presentes. Os critérios do DSM-
lidação do DDA como um diagnóstico específico IV também indicam que os sintomas devem estar
tenha sido difícil, nenhum estudo conseguiu esta- presentes em duas ou mais situações (por exem-
belecer o inverso. O DDA está implicado em dis- plo, em casa e na escola) e que os sintomas preju-
túrbios de aprendizado e pode influenciar o com- dicam o desempenho social ou acadêmico.
portamento de crianças em qualquer nível cognitivo, Os sinais de desatenção são: 1. freqüentemente
exceto com retardo mental moderado a profundo. deixa de prestar atenção a detalhes; 2. apresenta
Estima-se que o DDA afete 5 a 10% das crianças dificuldade em manter atenção no trabalho e brin-
em idade escolar, motivando metade das consultas cadeiras; 3. não parece ouvir quando se fala direta-
às clínicas diagnósticas. O DDA tende a ocorrer mente com ele; 4. às vezes não segue completa-
em famílias e é comum em parentes biológicos de mente as instruções e deixa de terminar as tarefas; 5.
primeiro grau. O DDA com impulsividade e hipe- freqüentemente apresenta dificuldade em organizar
ratividade é observado com uma freqüência 10 ve- as tarefas e atividades; 6. freqüentemente evita, não
zes maior em meninos do que em meninas. Muitos gosta ou hesita em participar de tarefas que exijam
hoje acreditam que o DDA seja uma diferença e esforço mental sustentado; 7. freqüentemente perde
não um déficit ou distúrbio na bioquímica cerebral, objetos; 8. facilmente se distrai com estímulos ex-
resultando em uma diferença na abordagem ao trínsecos; e 9. freqüentemente é esquecido.
aprendizado. Os sinais de hiperatividade são: 1. freqüen-
temente evidencia nervosismo ou retorce mãos ou
Etiologia pés; 2. freqüentemente se levanta na sala de aula
A etiologia é desconhecida. Várias teorias ad- ou outros lugares; 3. às vezes corre ou pula exces-
vogando correlações e manifestações bioquímicas, sivamente; 4. apresenta dificuldade em brincar ou
sensitivas e motoras, fisiológicas e comportamen- participar de atividades de lazer calmamente; 5. fre-
tais têm sido propostas. Menos de 5% das crianças qüentemente age como se “fosse movido por um
com DDA apresentam sintomas e sinais de lesões motor”; e 6. às vezes fala excessivamente.
neurológicas; a TC, IRM e EEG não mostram anor- Os sinais de impulsividade são: 1. freqüen-
malidades nas outras. As principais pesquisas su- temente responde antes que as perguntas sejam ter-
gerem anormalidades neurotransmissoras nos sis- minadas; 2. freqüentemente tem dificuldade em
temas dopaminérgico e noradrenérgico com ativi- esperar a sua vez; e 3. freqüentemente interrompe
dade ou estimulação reduzida no tronco cerebral ou se intromete com outros.
superior e tratos frontal-mesencéfalo. Toxinas, ima- O DSM-IV reconhece três subtipos de DDA:
turidade neurológica, infecções, exposições a dro- um tipo de déficit de atenção e hiperatividade com-
gas in utero, traumatismos cranianos e fatores am- binado, um tipo com desatenção predominante, e
bientais também foram aventados. um tipo com predominância de hiperatividade-
impulsividade. A desatenção inadequada deve
Sintomas, sinais e diagnóstico sempre estar presente quanto ao diagnóstico, des-
Os sinais primários de DDA, com ou sem hipe- ta forma o terceiro subtipo deve ser interpretado
ratividade, são demonstrações freqüentes e inten- com cautela.
sas de desatenção e impulsividade. O DDA com hi- A desatenção primária tende a aparecer quando
peratividade é diagnosticado quando os sinais de a criança com DDA está envolvida em tarefas que
hiperatividade e impulsividade comportamental são exigem desempenho contínuo, vigilância e tempo

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2240 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

de reação rápido, pesquisa visual e de percepção, tínuo das extremidades inferiores, falta de persis-
escuta sistemática e mantida e atenção não dividi- tência motora, como movimento sem propósito e
da. A desatenção e impulsividade restringem o de- agitação das mãos, fala impulsiva e aparentemente
senvolvimento de habilidades acadêmicas, estraté- não tomam conhecimento de seu ambiente. Em
gias de pensamento e raciocínio, motivação para a geral, não são agressivas ou opositoras, mas fre-
escola e ajuste às demandas sociais. qüentemente se tornam desobedientes ou desafia-
Sintomas associados são freqüentemente nota- doras. Alguns estudos mostraram que cerca de 30%
dos: falta de coordenação motora ou atuação desa- apresentam dificuldades de aprendizado, tais como
jeitada, achados neurológicos “leves” não locali- dislexia; 40% apresentam comportamento depressi-
zados, disfunções perceptivo-motoras, anormalida- vo na adolescência; 60% apresentam problemas
des EEG, labilidade emocional, oposição, ansie- como agressividade, acessos de raiva, ansiedade e
dade, agressividade, baixa tolerância à frustração, baixa tolerância à frustração com pouca provoca-
poucas habilidades sociais e relacionamento pre- ção; e 90% apresentam problemas acadêmicos ou
cário com os colegas, distúrbios do sono, tendên- ficam abaixo das metas. Muitas são autodidatas e
cia a mandar, disforia e oscilações do humor. apresentam dificuldade em situações de aprendi-
zado passivo que exigem desempenho contínuo e
Evolução clínica realização de tarefas.
O início do DDA ocorre tipicamente antes dos As dificuldades acadêmicas freqüentemente não
4 anos e invariavelmente antes dos 7 anos. A idade começam até a metade do ciclo escolar, e crianças
de pico para consulta tem sido entre 8 e 10 anos; brilhantes com desatenção primária podem freqüen-
no entanto, crianças com DDA primário freqüen- temente compensar. O DDA relaciona-se às tare-
temente não são diagnosticadas até a adolescência fas e ao ambiente, e salas de aula tradicionais e ati-
ou depois. vidades mais acadêmicas exacerbam o problema.
Os indicadores precoces variam, mas a maioria O abuso de drogas é freqüentemente um resultado
das crianças em idade escolar com diagnóstico de secundário se o DDA não for identificado e tratado.
DDA com ou sem hiperatividade ou impulsividade A imaturidade social e emocional são crônicas. A
apresentou diferenças no seu desenvolvimento pouca aceitação dos colegas e a solidão tendem
motor, tinha tendência a ter pouca duração da aten- a aumentar com a idade e apresentação evidente dos
ção (por exemplo, não brincou com brinquedos ou sintomas. As crianças com desatenção primária ten-
quando o fez, foi em intervalos breves) e geralmen- dem a apresentar apenas problemas acadêmicos.
te apresentava níveis de atividade mais altos do que Embora a hiperatividade tenda a diminuir com a
o normal durante seus anos pré-escolares. Crianças idade, adolescentes e adultos podem apresentar sin-
com hiperatividade freqüentemente são descritas tomas residuais de desatenção e impulsividade,
como hiperexcitáveis e são difíceis de cuidar quan- como se contorcer, agitar, ter dificuldade em com-
do estão aprendendo a andar e na idade pré-escolar. pletar as tarefas propostas (por exemplo, lição de
Na escola estes sinais persistem. Dificuldades casa) e breve período de atenção.
com tarefas, tais como copiar e desenhar, podem
se tornar aparentes. Erros por falta de cuidado são Diagnóstico
freqüentes. A imaturidade social e emocional de- O diagnóstico freqüentemente é difícil. Nenhum
pois dos 7 anos de idade é prevalente em todos os sinal orgânico particular ou conjunto de indicado-
tipos de DDA. Algumas crianças com DDA tam- res neurológicos é específico, e ainda não foi vali-
bém são menos responsivas aos reforços positivo e dado nenhum exame laboratorial específico. Em-
negativo (isto é, recompensa e punição). Muitas bora os fatores orgânicos possam ter um papel etio-
apresentam problemas com tempo; algumas são lógico, os sinais primários são comportamentais,
desajeitadas. Freqüentemente parecem não ter mo- variando com a situação e época. Escalas de classi-
tivação intrínseca e não consideram as conseqüên- ficação e listas de verificação, as formas predomi-
cias de seu comportamento a longo prazo. nantes de identificação, freqüentemente são inca-
Em geral, crianças com DDA em idade escolar pazes de diferenciar DDA de outros distúrbios
são um grupo mais homogêneo do que o grupo de comportamentais. Tais dados freqüentemente es-
crianças menores de 6 anos de idade. Muitos sinais tão baseados em observações subjetivas, feitas por
de DDA expressos durante os anos pré-escolares pessoal não treinado. Na observação clínica, a maior
indicam distúrbios de comunicação, ansiedade e parte do comportamento não é óbvia e, a menos
distúrbios de conduta. Os sinais de DDA, durante que a criança seja excessivamente hiperativa ou
a fase tardia da infância, são geralmente específi- impulsiva, o diagnóstico é impossível sem o uso
cos e distintos qualitativamente; por exemplo, tais de tarefas específicas; por exemplo, tarefas com
crianças freqüentemente exibem movimento con- desempenho contínuo, vigilância e tarefas de rea-

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CAPÍTULO 262 – PROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO / 2241

ção-tempo, tarefas que demonstrem aprendizado de tos adversos do que a dextroanfetamina. Os efeitos
associação e tarefas com incerteza de resposta cres- adversos comuns são distúrbios do sono (por exem-
cente. Também são necessárias técnicas que per- plo, insônia), depressão ou tristeza, cefaléia, dor
mitam ao observador documentar objetiva e quali- de estômago, anorexia, pressão sangüínea elevada,
tativamente o tipo de hiperatividade, desatenção e e, com altas doses contínuas, anorexia crônica e
impulsividade associadas com DDA. Histórias redução do crescimento. As alterações compor-
médica e social e relatos escolares são essenciais tamentais estão relacionadas à dosagem; o apren-
para o diagnóstico. dizado freqüentemente melhora com pequenas do-
ses (por exemplo, metilfenidato 0,3mg/kg/dose
Prognóstico antes do desjejum e do almoço) e melhoras no com-
Estudos de acompanhamento mostraram que as portamento ocorrem mais freqüentemente com
crianças com DDA não superam suas dificuldades. doses mais elevadas. No entanto, o aprendizado é
Problemas na adolescência e na vida adulta ocor- freqüentemente afetado com doses mais altas.
rem predominantemente como insucesso acadêmi- O tratamento geralmente é iniciado com doses bai-
co, baixa auto-estima e dificuldade em aprender o xas e depois aumentado até os níveis ideais (refle-
comportamento social adequado. Adolescentes e tidos na redução dos sintomas, melhora no desem-
adultos com uma história de DDA com impulsi- penho de tarefas e ausência de efeitos colaterais).
vidade apresentam uma alta incidência de distúr- A resposta à medicação é freqüentemente indivi-
bios da personalidade e comportamento anti-social; dual, e a dosagem é prescrita dependendo da gravi-
a maioria continua a apresentar impulsividade, agi- dade do comportamento e da capacidade da crian-
tação e pouca habilidade social. Indivíduos com ça em tolerar a droga. O metilfenidato está dispo-
DDA com e sem hiperatividade parecem se ajustar nível em comprimidos de 5, 10 e 20mg e existe
melhor ao trabalho do que à vida acadêmica e si- também uma apresentação de 20mg de ação pro-
tuações domiciliares. Problemas interpessoais e so- longada. Muitas crianças têm dificuldade em ab-
ciais freqüentemente persistem até a vida adulta; sorver ou tolerar a dose de ação prolongada de
depressão e tentativas de suicídio (não relaciona- metilfenidato. Produtos com associações de
das a metilfenidato) têm maior incidência do que anfetamina destinam-se a ter menos influência
na população normal. Baixa inteligência, agressi- sobre o apetite e são mantidos no cérebro duran-
vidade, problemas sociais e interpessoais e psico- te um tempo maior do que doses padrão de dex-
patologia paterna são fatores que indicam mau prog- troanfetamina ou metilfenidato; por isso as do-
nóstico na adolescência e na vida adulta. ses são menores.
Doses excessivas de estimulantes durante o dia
Tratamento podem resultar em reações rebote quando a droga
Drogas psicoestimulantes combinadas com se dissipa. A medicação freqüentemente é prescri-
aconselhamento controlam melhor os sintomas. ta para ajudar a criança na escola. Férias da medi-
Usados sozinhos, os psicoestimulantes são efica- cação são recomendadas; por exemplo, não
zes predominantemente em crianças com DDA administrá-la nos fins de semana, férias escolares
menos impulsivas e naquelas com desatenção pri- ou durante as férias de verão. Recomenda-se ad-
mária, procedentes de ambientes familiares está- ministrar placebo durante alguns períodos (duran-
veis. Crianças com DDA com pouco controle dos te 5 a 10 dias escolares para verificar a confia-
impulsos freqüentemente são menos ajudadas do bilidade das observações) para ter certeza da ne-
que aquelas com desatenção primária. cessidade das drogas.
Dietas de eliminação, tratamentos megavita- Os benefícios da droga a longo prazo não foram
mínicos, uso de antioxidantes ou outros compos- demonstrados conclusivamente. Contudo, algumas
tos, e intervenções nutricional e bioquímica (por pesquisas indicam que o uso de drogas permite a par-
exemplo, a administração de neuroquímicos) têm ticipação em atividades previamente inacessíveis pela
tido pouco efeito. O valor do “biofeedback” não é desatenção e impulsividade. As drogas freqüentemente
comprovado. A maioria dos estudos descobriu pe- interrompem o ciclo de comportamento inapropria-
quenas alterações no comportamento, mas nenhum do, melhorando as intervenções acadêmicas e com-
benefício sustentável. portamentais, a motivação e a auto-estima.
Psicoestimulantes – Os psicoestimulantes pro- Aconselhamento – O aconselhamento deve in-
varam ser mais eficazes do que os antidepressivos cluir terapias comportamentais e cognitivas (por
tricíclicos (por exemplo, imipramina), cafeína e exemplo, estabelecimento de objetivos, autovi-
outras drogas psicoativas (por exemplo, pemolina gilância, estabelecer modelos, desempenho de pa-
e deanol). O metilfenidato, um agonista dopami- péis) e deve ajudar a criança a compreender o DDA.
nérgico, é a droga de escolha e provoca menos efei- Estrutura e rotinas são essenciais.

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2242 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

O comportamento em sala de aula geralmente TABELA 262.5 – NÍVEIS DE SUPORTE PARA


melhora com a modificação cognitivo-compor- PORTADORES DE DEFICIÊNCIA MENTAL
tamental, técnicas de autovigilância, controle am- Nível
biental de barulho e estimulação visual, duração
de suporte Descrição
apropriada de tarefas, novidades, treinamento e
proximidade com o professor. Intermitente Não necessita de suporte constante
Quando as dificuldades continuam em casa, os
pais devem ser orientados a buscar ajuda profissio- Limitado Requer suporte contínuo de intensi-
nal e encaminhados para treinamento de pais e téc- dade variável, por exemplo, inclu-
nicas de abordagem comportamental. As técnicas são em oficina de trabalho abrigada
de abordagem comportamental e contingências, Extenso Requer níveis de suporte diário e
como economia de sinais e autovigilância com re- constante
forço geralmente são eficazes. Crianças com DDA Pervasivo Requer um alto nível contínuo de
com hiperatividade e controle precário dos impul- suporte para todas as atividades
sos geralmente são ajudadas em casa quando es- da vida diária
trutura, técnicas de educação constantes e limites
bem-definidos são estabelecidos. Etiologia
A inteligência é poligenética e ambientalmente
RETARDO MENTAL determinada, e o efeito de cada um desses fatores
É o quociente de inteligência significativamente no retardo mental pode ser indistingüível. Quando
abaixo da média (QI < 70 a 75) com limitações o pai e a mãe apresentam retardo mental, 40% dos
relacionadas em duas ou mais das seguintes ha- seus filhos apresentarão retardo; quando só o pai
bilidades: comunicação, cuidados pessoais, vida ou só a mãe apresenta retardo, 20% dos filhos apre-
diária, desempenho social, participação na co- sentarão. A porcentagem de filhos com retardo pode
munidade, autodeterminação, saúde e seguran- ser modificada pela intervenção precoce (ver Pre-
ça, funções acadêmicas, lazer e trabalho. venção, adiante). Em 60 a 80% dos casos, a causa
Em 1992, a “American Association on Mental do retardo mental é desconhecida. Há maior pro-
Retardation” mudou a definição de retardo mental babilidade de se identificar a etiologia na criança
para refletir a adaptação ao ambiente e interação com mais gravemente retardada.
as outras pessoas por uma pessoa com função inte- Fatores pré-natais – Fatores cromossômicos e
lectual limitada. A classificação baseada apenas no genéticos, infecções congênitas, teratógenos (drogas
QI (leve, 52 a 68; moderada, 36 a 51; grave, 20 a 35; e outras substâncias químicas), malnutrição, radia-
profunda, < 20) foi substituída pela baseada no ní- ção ou condições ignoradas afetando o implante e a
vel de suporte necessário (ver TABELA 262.5). A nova embriogênese podem provocar retardo mental.
abordagem enfoca as potencialidades e deficiências As anormalidades cromossômicas são as cau-
do indivíduo, relacionando-as com as demandas e sas mais comuns de retardo mental do que as anor-
atitudes da família e da comunidade. malidades genéticas metabólicas e neurológicas
Cerca de 3% da população total apresenta 2 des- mostradas na TABELA 262.6 (ver também ANOR-
vios padrão abaixo do QI médio da população ge- MALIDADES CROMOSSÔMICAS no Cap. 261). Fre-
ral, isto é, com um QI < 70 a 75. As formas menos qüentemente, a análise cromossômica de alta reso-
intensas de retardo mental (necessitando suporte lução pode identificar essas anormalidades. As tris-
intermitente ou limitado) são freqüentemente as- somias envolvem um cromossomo adicional (47 em
sociadas com grupos socioeconômicos mais vez de 46 normais). A síndrome de Down resulta
desfavorecidos, enquanto que as formas mais gra-
ves ocorrem em todos os grupos socioeconômicos de uma forma de trissomia do 21 ou (menos comu-
e em famílias de todos os níveis educacionais. mente) de uma translocação a partir do grupo 13-
Uma criança que aprende de forma lenta rara- 15 para o cromossomo 21. O retardo mental pode
mente é identificada antes de ingressar na escola, resultar de deleção parcial de um cromossomo (por
quando os problemas educacionais e comporta- exemplo, do cromossomo 5 na síndrome do grito
mentais se tornam evidentes. Cerca de 14% das do gato), anormalidades em cromossomos sexuais
crianças testadas em escolas apresentam necessi- (por exemplo, síndrome de Klinefelter [XXY],
dades educacionais intermitentes. Depois de dei- síndrome de Turner [XO]) ou vários mosaicismos.
xarem a escola, muitas se misturam à população Pessoas que parecem ter retardo mental familial
em geral e podem viver sozinhas se encontrarem leve podem apresentar a síndrome do X frágil;
trabalhos que exijam habilidades intelectuais bási- estima-se que afete 1 em cada 1.000 nascidos vi-
cas ou apenas desempenho manual. vos, afetando mais meninos do que meninas. Os

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CAPÍTULO 262 – PROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO / 2243

TABELA 262.6 – CAUSAS CROMOSSÔMICAS E GENÉTICAS DO RETARDO MENTAL*


Anormalidades cromossômicas Distúrbios metabólicos genéticos Distúrbios neurológicos genéticos

Síndrome do grito do gato Distúrbios autossômicos recessivos: Distúrbios autossômicos dominantes:


Síndrome de Down Aminoacidúrias e acidemias Distrofia miotônica
Síndrome do X frágil Distúrbios peroxissomais: Neurofibromatose
Síndrome de Klinefelter Galactosemia Esclerose tuberosa
Mosaicismos Doença da urina em xarope de Distúrbios autossômicos recessivos
Trissomia do 13 (síndrome de Patau) bordo Microcefalia primária
Trissomia do 18 (síndrome de Edward) Fenilcetonúria
Síndrome de Turner Defeitos lissomais:
Doença de Gaucher
Síndrome de Hurler (muco-
polissacaridoses)
Doença de Niemann-Pick
Doença de Tay-Sachs
Distúrbios recessivos ligados ao X:
Síndrome de Lesch-Nyhan
(hiperuricemia)
Síndrome de Hunter (uma varian-
te da mucopolissacaridose)
Síndrome oculocerebrorrenal
de Lowe
* Esta é uma lista incompleta de distúrbios.

aspectos físicos incluem tamanho da cabeça nor- A malnutriçção numa gestante pode afetar o de-
mal a grande, macro-orquidismo, mandíbula pro- senvolvimento do cérebro fetal, resultando em re-
eminente e orelhas protrusas. tardo mental. Este fator é uma preocupação impor-
Os distúrbios genéticos metabólicos e neuro- tante em países em desenvolvimento, onde a fome
lógicos também podem provocar retardo mental é comum. A malnutrição, com privação ambiental
(TABELA 262.6). Lactentes com retardo e hipoto- (falta de suporte físico, emocional e cognitivo ne-
nia idiopática devem ser examinados quanto a de- cessário para o crescimento, desenvolvimento e
ficiências no metabolismo de enzimas peroxisso- adaptação social), pode ser a causa mais comum
mais e outros distúrbios neuromusculares. Um tes- de retardo mental em todo o mundo.
te positivo tem implicações para aconselhamento Fatores perinatais – Complicações perinatais
genético, prognóstico e tratamento. relacionadas à prematuridade, sangramento do
As infecçções congênitas, uma causa importan- SNC, leucomalacia periventricular, parto pélvico
te de retardo mental, podem ser causadas pelo ví- ou fórceps alto, nascimentos múltiplos, placenta
rus da rubéola, citomegalovírus (uma causa co- prévia, pré-eclâmpsia e asfixia neonatal podem
mum – 1 em 600 a 1.000 nascidos vivos), Toxoplas- aumentar o risco de retardo mental. Lactentes pe-
ma gondii e Treponema pallidum. Outros vírus que quenos para a idade gestacional têm maior inci-
infectam a gestante estão causativamente implica- dência de retardo mental; a deficiência intelectual
dos, mas não foram comprovados. está freqüentemente relacionada à causa do baixo
A exposiçção pré-natal a drogas (ver DROGAS NA peso. Lactentes prematuros (< 32 semanas de ges-
GRAVIDEZ no Cap. 249) pode provocar retardo men- tação) que pesam < 1,5kg têm uma chance de 10 a
tal – por exemplo, na síndrome do alcoolismo fetal 20% de apresentarem retardado, dependendo da
(ver também Cap. 250 e em PROBLEMAS METABÓLI- idade gestacional, episódios perinatais e qualidade
COS NO RECÉM-NASCIDO no Cap. 260) e na síndrome dos cuidados dispensados. Lactentes < 28 semanas
da hidantoína (fenitoína) fetal, que pode se desenvol- de gestação e < 1kg apresentam um risco ainda
ver em até 11% das crianças, cujas mães receberam maior. Lactentes com alto risco devem ser observa-
hidantoína durante a gravidez. Esta última pode in- dos periodicamente quanto ao progresso de seu de-
cluir atraso de crescimento pré e pós-natal, microce- senvolvimento. A evolução dos lactentes com epi-
falia, anormalidades craniofaciais, hipoplasia de unhas sódios perinatais leves está freqüentemente relacio-
ou falanges distais e defeitos cardíacos. nada de forma direta ao ambiente de aprendizado.

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2244 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Fatores pós-natais – Encefalites virais e bacte- raiva e comportamento fisicamente agressivo a


rianas (incluindo a neuroencefalopatia associada à tensões normais de estresse. Freqüentemente,
AIDS) e meningites, intoxicação (por exemplo, essas reações são situacionais e os fatores desenca-
chumbo e mercúrio), desnutrição grave e acidentes deantes em geral podem ser identificados. Fato-
que resultam em traumatismos cranianos graves ou res que predispõem a um comportamento inacei-
asfixia podem resultar em retardo mental. tável incluem falta de treinamento em comporta-
mento socialmente responsável, disciplina incon-
Sintomas e sinais sistente, reforço de comportamento errado, le-
Os aspectos marcantes são um QI baixo asso- são cerebral e comprometimento de capacidade
ciado com limitações em habilidades sociais, de de comunicação. Nas instituições, a superlota-
linguagem e adaptativas de auto-ajuda. Convul- ção, equipe insuficiente e falta de atividades con-
sões, distúrbios psiquiátricos e comportamentais tribuem. Quando as condições de vida melhoram
podem estar presentes. Um adolescente com re- e são introduzidos treinamento e ocupação ade-
tardo mental pode desenvolver depressão quan- quados, a incidência de distúrbios de comporta-
do é rejeitado socialmente por outros estudantes mento diminui drasticamente.
na escola ou quando percebe que é diferente dos Diagnóstico
outros e deficiente.
Distúrbios comportamentais são o motivo para O diagnóstico consiste em estabelecer a pre-
a maioria dos encaminhamentos psiquiátricos e sença de retardo mental e tentar determinar sua
o problema mais comum nas populações com causa. A determinação exata da causa pode for-
retardo mental internadas. Uma pessoa com re- necer um prognóstico de desenvolvimento, su-
tardo mental e com distúrbio de comportamento gerir planos para programas educacionais e de
pode reagir com crises explosivas, acessos de treinamento, ajudar no aconselhamento genético
e aliviar a culpa dos pais.
Uma história (incluindo história perinatal, de
TABELA 262.7 – TESTES SELECIONADOS desenvolvimento, neurológica e familiar) pode aju-
DE DESENVOLVIMENTO E PSICOLÓGICOS dar a identificar lactentes com risco de retardo
PARA CRIANÇAS COM RETARDO MENTAL mental. Avaliações visuais e auditivas, hematimetria
Teste Idade completa e exame de urina devem ser realizados
precocemente nessas crianças. Se os achados fo-
“Denver Developmental Scree- < 5 rem inexpressivos, a reavaliação periódica pode
ning Test” (Teste de Triagem incluir testes de exame de desenvolvimento e neu-
para Desenvolvimento de Den- rológicos, bem como exame físico de rotina.
ver) – Revisto Para lactentes de alto risco ou com suspeita de
”Early Intervention Developmen- 2 meses a 3 anos
retardo do desenvolvimento, são realizados exames
tal Profile” (Perfil de Interven-
para avaliar o desenvolvimento e a inteligência (TA-
BELA 262.7). Testes padronizados de inteligência
ção Precoce em Desenvolvi-
podem identificar e medir o desempenho intelec-
mento)
tual abaixo da média, mas estão sujeitos a erro e
“Bayley Scale of Infant Develop- < 42 meses devem ser questionados quando não corroboram os
ment (Escala de Bayley de De- achados clínicos. Doenças, barreiras de linguagem
senvolvimento Infantil”) – ou diferenças culturais podem prejudicar o desem-
2ª edição penho da criança no teste. Esses testes também
“Stanford-Binet Intelligence Test” 2 anos até idade apresentam uma propensão da classe média, mas
(Teste de Inteligência de Stan- adulta geralmente são razoáveis na determinação do de-
ford-Binet) sempenho intelectual em crianças, especialmente
“Wechsler Preschool and Primary 3 anos e 10 meses a nas maiores. O “Denver Developmental Screening
Scale of Intelligence” (Escala 6 anos e 7 meses Test” revisado oferece avaliação grosseira do de-
de Inteligência Pré-escolar e senvolvimento para crianças ≤ 5 anos e pode ser
Primária de Wechsler)* administrado pelo médico ou seu assistente. Deve
“Wechsler Intelligence Scale for 6 anos a 16 anos e ser usado apenas para triagem e não substitui tes-
Children” (Escala de Inteligên- 11 meses tes padronizados de inteligência, os quais devem
cia de Wechsler para Crianças) ser administrados por psicólogos qualificados. Tam-
– Revista* bém realizam-se um exame do desenvolvimento
neurológico (Prechtl ou Milani-Comparetti) e um
* Deve ser administrada por um psicólogo qualificado. exame físico.

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CAPÍTULO 262 – PROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO / 2245

Distúrbios genéticos do metabolismo podem ser de distúrbios hereditários metabólicos e cromos-


sugeridos por suas manifestações clínicas (falha de sômicos, estados de portador e defeitos do SNC
desenvolvimento, letargia, vômitos, convulsões, (por exemplo, mielodisplasia, anencefalia). A ultra-
hipotonia, hepatosplenomegalia, características fa- sonografia também pode identificar defeitos do
ciais grosseiras, odor urinário anormal, macro- SNC. A α-fetoproteína sérica materna é uma tria-
glossia). Retardos isolados em sentar ou andar (ha- gem útil para mielodisplasia e síndrome de Down.
bilidades motoras grosseiras) e na preensão em pin- O diagnóstico pré-natal permite que o casal consi-
ça, desenhar ou escrever (habilidades motoras fi- dere o abortamento e subseqüente planejamento
nas) podem indicar um distúrbio neuromuscular. familiar. A amniocentese está indicada para todas
Exames laboratoriais específicos são realizados as gestantes > 35 anos (porque o risco de terem um
dependendo da causa suspeita (ver TABELA 262.8). filho com síndrome de Down é maior) e para mu-
Déficits na linguagem e nas habilidades pessoais- lheres com história familiar de mucopolissa-
sociais podem ser causados por problemas emo- caridose, galactosemia, doença de Tay-Sachs ou
cionais, privação ambiental, distúrbios de aprendi- doença da urina em xarope de bordo.
zado ou surdez em vez de retardo mental. O uso de vacina contra rubéola praticamente eli-
As dificuldades de comunicação podem tornar minou a rubéola congênita como causa de retardo
ainda mais difícil a identificação dos distúrbios do mental nos países desenvolvidos. Uma vacina para
pensamento e alucinações em pessoas com retardo a infecção por citomegalovírus está sendo desen-
mental. No entanto, o desenvolvimento relativa- volvida. Os seguintes fatores ajudaram a reduzir a
mente súbito de afeto superficial e alucinações su- incidência de retardo mental: melhora contínua e
gere esquizofrenia. maior disponibilidade de assistência pré-natal e obs-
tétrica (por exemplo, unidades de terapia intensiva
Prevenção neonatal regionalizadas), e o uso de exsangüineo-
O aconselhamento genético (ver também Cap. transfusão e imunoglobulina Rh0 para evitar doença
247) pode ajudar os pais a compreender a causa do hemolítica do recém-nascido (ver ERITROBLASTOSE
retardo e o risco de recorrência. Os irmãos devem FETAL no Cap. 252). No entanto, apesar da redução
ser informados do seu risco de terem um filho com na incidência de retardo mental, o aumento da so-
retardo mental. Amniocentese ou amostra da brevida de bebês com peso muito baixo ao nasci-
vilosidade coriônica podem ser úteis na detecção mento manteve a prevalência constante.

TABELA 262.8 – TESTES PARA ALGUMAS CAUSAS DE RETARDO MENTAL


Causa suspeita Testes indicados

Anomalia importante isolada ou múltiplas anomalias Análise cromossômica


menores, história familiar de retardo TC e/ou IRM de crânio*
Falha de desenvolvimento, hipotonia idiopática, distúr- Triagem para HIV em crianças de alto risco
bios metabólicos genéticos História nutricional e psicossocial
Estudos de aminoácidos e enzimas em urina e/ou san-
gue para doenças do armazenamento ou distúrbios
peroxissomais
Enzimas musculares
SMA 12/60
Idade óssea, radiografias de esqueleto
Convulsões EEG
TC e/ou IRM de crânio*
Níveis sangüíneos de cálcio, fósforo, magnésio, amino-
ácidos, glicose e chumbo
Anormalidades cranianas (por exemplo, fechamento Radiografias de crânio
prematuro das suturas, microcefalia, macrocefalia, TC e/ou IRM de crânio*
cranioestenose, hidrocefalia), atrofia cerebral, mal- Triagem para TORCH
formações cerebrais, hemorragia do SNC, tumor, Cultura de urina para vírus
calcificações intracranianas por toxoplasmose, citome- Análise cromossômica
galovirose ou esclerose tuberosa.
* Depois de consulta ao neurologista.

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2246 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Prognóstico e tratamento dados diários – por exemplo, de creches, auxilia-


A expectativa de vida pode ser abreviada, de- res domésticos (pessoas treinadas, não profissio-
pendendo da etiologia e gravidade. Em geral, nais, que ajudem com as tarefas domésticas e cui-
quanto mais grave o retardo e maior a imobilidade, dados com a criança, e abrigos temporários. Sem-
maior a mortalidade. pre que possível, uma criança com retardo mental
A vulnerabilidade de desenvolvimento por um deve freqüentar uma creche normal ou escola pú-
insulto perinatal pode ser superada em bom am- blica regular. Um adulto com retardo deve receber
biente de aprendizado. O encaminhamento a um residência a longo prazo em grupos de apartamen-
programa de intervenção precoce durante a fase de tos, abrigos ou casas de saúde. A decisão de inter-
lactente pode evitar ou reduzir a intensidade do re- nar uma pessoa com retardo mental deve ser da fa-
tardo mental. Devem ser estabelecidos métodos rea- mília, em geral somente depois de discussões ex-
listas para cuidar da criança. tensas com seu médico e outros profissionais.
O apoio familiar e o aconselhamento são funda- Pessoas com retardo mental com distúrbios psi-
mentais. Logo que o retardo mental é confirmado ou quiátricos concomitantes podem receber drogas
antipsicóticas e antidepressivas apropriadas em
fortemente suspeito, os pais devem ser informados, dosagem semelhante às usadas pelas pessoas sem
se possível, os dois juntos. Os pais devem ter tempo retardo. Psicoterapia mais atendimento ativo e acon-
suficiente para discutir causas, efeitos, prognóstico, selhamento são destinados a aliviar a sensação de
educação e treinamento da criança. O aconselhamento inutilidade da pessoa, e a modificação de objetivos
contínuo sensível é essencial para a adaptação da fa- não realistas também pode ajudar. O uso de drogas
mília. Os achados de diversos consultores devem ser psicoativas sem psicoterapia e alterações ambien-
coordenados e interpretados. Se o médico da família tais raramente é eficaz.
não puder oferecer coordenação e aconselhamento, Níveis de suporte – Crianças levemente retar-
deve encaminhar a família para um centro com uma dadas precisam de suporte intermitente ou limita-
equipe multidisciplinar que avalie e trate a criança do, dependendo das alterações das demandas am-
com deficiências de desenvolvimento, mas o médico bientais. Aquelas com retardo leve menos acentua-
deve planejar o oferecimento de assistência médica e do podem desenvolver habilidades de leitura na
orientação contínuas. quarta a sexta séries. Embora tenham dificuldade
É desenvolvido um programa abrangente e in- em ler, a maioria pode aprender as noções educa-
dividualizado com ajuda de especialistas. A ava- cionais básicas necessárias para a vida diária, po-
liação formal do desenvolvimento neurológico dendo satisfazer suas necessidades básicas. As con-
deve ser iniciada logo que houver suspeita de quistas educacionais e habilidades sociais e ocupa-
retardo significativo. Um neurologista deve in- cionais variam dependendo do nível de desempe-
vestigar todos os casos de retardos moderados a nho da criança. A criança com retardo leve neces-
graves do desenvolvimento, deficiência progres- sita de alguma supervisão e suporte, serviços edu-
siva, deterioração neuromuscular ou suspeita de cacionais e treinamento especiais e, freqüente-
distúrbios convulsivos. Ortopedistas, fisiotera- mente, uma situação de vida e trabalho mais prote-
peutas e terapeutas ocupacionais devem ajudar gida. Socialmente, as crianças são com freqüência
na avaliação e tratamento da criança com parali- imaturas e não sofisticadas, com capacidade de in-
sia cerebral ou com outros déficits motores maio- teração social pouco desenvolvida. Como seu pen-
res. Fonoaudiólogos e audiologistas podem aju- samento é concreto e não conseguem fazer genera-
dar com atrasos de linguagem importantes ou lizações, o ajuste a novas situações é difícil; seu
suspeita de perda auditiva. Nutricionistas, assis- julgamento limitado, falta de capacidade de previ-
tentes sociais, educadores, oftalmologistas, psi- são e credulidade os tornam suscetíveis à delinqüên-
quiatras e dentistas também podem ajudar. cia. Ofensas graves são incomuns, mas aquelas com
A competência social é importante como fun- retardo leve podem cometer crimes impulsivos, ge-
ção cognitiva para determinar que tipo de suporte ralmente como membro de um grupo e, às vezes,
uma pessoa necessita. Deficiências físicas, defei- para conseguir uma posição no grupo. Geralmente
tos de personalidade e distúrbios psiquiátricos tam- não apresentam defeitos físicos grosseiros, mas
bém são importantes. podem apresentar uma incidência maior do que
Devem ser feitos todos os esforços para que a habitual de epilepsia.
criança viva em casa ou em residência na mesma Crianças com retardo leve mais acentuado e
comunidade básica. A presença de uma criança com aquelas com retardo moderado apresentam retar-
retardo mental em uma casa pode ser desagrega- dos evidentes de linguagem e motricidade. Exigem
dora. A família precisa ter suporte psicológico e suporte limitado. Com treinamento adequado e su-
pode necessitar de ajuda com a sobrecarga de cui- porte limitado contínuo, os adultos com retardo leve

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CAPÍTULO 263 – ACIDENTES, INTOXICAÇÕES E RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR / 2247

ou moderado podem viver com graus variados de de mais supervisão. A maioria precisa de suporte pro-
independência na comunidade. Alguns precisam de longado em ambiente de trabalho abrigado.
suporte diário em alguns aspectos da vida. Alguns Crianças com retardo grave ou profundo neces-
podem receber apenas suporte em casas de semi-in- sitam de suporte abrangente para todos os aspectos
ternato, enquanto outros com limitações físicas signi- da vida (ver Tabela 262.5). Muitos não conseguem
ficativas ou dificuldades de comportamento precisam aprender a andar e apresentam linguagem mínima.

263␣ /␣ ACIDENTES,
INTOXICAÇÕES E
RESSUSCITAÇÃO
CARDIOPULMONAR
ACIDENTES ciados a novos estágios do desenvolvimento. Fi-
nalmente, crianças são geralmente a vítima inocente
Epidemiologia de ambientes e/ou comportamentos inseguros dos
adultos. Os acidentes freqüentes com armas de fogo,
Acidentes são as causas mais comuns de morte com automóveis dirigidos por motoristas embria-
na infância, matando mais crianças que o câncer, gados, incêndios em casa que poderiam ter sido
malformações congênitas, pneumonia, meningite evitados pelo uso de sensores de fumaça ou calor e
e cardiopatia combinados. A causa varia com a ida- por nadar, pela falta de cercas em torno de pisci-
de e o local (por exemplo, em casa, zona urbana ou nas, atestam esse fato.
rural, clima frio ou quente). Em crianças < 1 ano,
ocorrem quase 1.000 óbitos por ano por quedas, Prevenção
queimaduras, afogamentos e sufocamentos. Em 18 Educação sobre segurança para os pais e para a
dos estados norte-americanos, afogamento é a prin- criança é a chave das medidas preventivas. Prote-
cipal causa de morte acidental para crianças de 1 a ção passiva não é suficiente. A criança deve ser
4 anos e, para os EUA como um todo, queimadu- protegida de alguns perigos potenciais e ensinada
ras e fogos são a causa mais comum de óbito nessa a lidar com aqueles inevitáveis. Como as crianças
faixa etária. Na adolescência, a principal causa de imitam os pais, estes precisam ser bons exemplos
óbito são os acidentes automobilísticos e a segun- de segurança (tal como usando cintos de seguran-
da são os homicídios – um reflexo do aumento da ça) e devem aprender a evitar situações que pos-
violência em nossa sociedade (ver também Cap. sam levar a acidentes. Muitas medidas para evitar
275). Acidentes também são a principal causa de acidentes aparecem na TABELA 263.1.
invalidez em crianças. Para cada óbito por aciden- Os médicos podem ajudar a evitar acidentes
te, 1.000 crianças são atingidas de forma não fatal. orientando os pais, distribuindo informações sobre
Causas predisponentes segurança, representando eles mesmos exemplos
de segurança e prevendo situações potencialmente
Os acidentes são causados por uma seqüência de alto risco (por exemplo, sugerindo que a mãe
de eventos, a maioria evitável e a curiosidade da ocupada com os cuidados de uma criança doente
criança geralmente é o catalisador. Certos fatores consiga ajuda apropriada para com os outros filhos).
predispõem a criança aos acidentes. Os acidentes
são mais comuns quando a criança está faminta ou
cansada (antes das refeições ou de dormir), quan- ACIDENTES AUTOMOBILÍSTICOS
do cuidada por uma outra pessoa no lugar dos pais,
quando está em vizinhança nova (mudança fami- Epidemiologia
liar recente ou férias) ou é hiperativa. Acidentes Lesões em acidentes automobilísticos são uma
são prováveis quando os pais estão apressados ou importante causa de óbito em todas as faixas etá-
ocupados ou quando não antecipam os riscos asso- rias, chegando a 4:100.000 lactentes < 1 ano de ida-

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2248 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 263.1 – MEDIDAS PARA ções do fabricante, senão poderá até piorar a situa-
EVITAR ACIDENTES ção da criança durante um acidente. Um assento
Guarde material tóxico fora do alcance das crianças
para lactentes deve ser colocado no banco de trás,
Use tampas e recipientes de segurança para todos os
voltado para a parte traseira do veículo e é adequa-
medicamentos
do para um peso de até 9kg. Assentos para crianças
Use cintos de segurança e cadeirinhas para criança no
com 9,5 a 18,2kg devem ser virados para frente,
automóvel
equipados com cintos de três pontos e apoios para
Use capacetes para bicicleta
a cabeça. Crianças > 18,2kg devem estar presas por
Use e mantenha detectores de fumaça
cintos de segurança o tempo todo. Cintos de três
Não use andadores infantis
pontos devem ser usados juntamente com os da cin-
Instale cercas trancadas em volta de piscinas
tura, a menos que o de ombro atravesse a face ou o
Use tomadas de segurança para tomadas elétricas
pescoço (geralmente quando a criança tem < 1,40m
Pratique a segurança para armas – use capas de segu-
de altura). Se ocorrer esse problema, as crianças
rança para armas – mantenha as armas descarregadas
devem ficar em uma cadeirinha até que o cinto de
trancadas em armários
ombro se adapte adequadamente.
Mantenha a temperatura da água na casa abaixo de
Há vários cintos apropriados nos EUA, aprova-
49oC (120oF)
dos pela “National Highway Traffic Safety
Administration” (Administração de Segurança de
Tráfego nas Auto-estradas Nacionais). As restrições
que estão de acordo com os Padrões Federais para
de, 7:100.000 crianças com idade entre 1 e 14 anos Acidentes têm uma marca apropriada. Uma lista
e aumentando para 40:100.000 entre as idades de 15 atual de modelos aprovados está disponível na
e 24 anos. Crianças sem cinto de segurança podem “Academy of Pediatrics or the National Safety
ser as únicas vítimas de uma brecada súbita que não Council” (Academia de Pediatria ou do Conselho
causa danos materiais ou outras lesões pessoais. Nacional de Segurança).
Prevenção de lesões
Para reduzir a incidência e a gravidade do im- TRAUMATISMO CRANIANO
pacto humano em um acidente, todos os ocupantes
devem usar cinto de segurança. Leis estaduais va- Epidemiologia
riam, mas a maioria dos estados tem, agora, leis Grande porcentagem de mortes por trauma na
para segurança das crianças. É extremamente inse- infância é causada por trauma cranioencefálico e
guro que um adulto sem cinto de segurança segure suas complicações. Lesões graves do sistema ner-
uma criança também sem o cinto; o adulto será voso central (SNC) em desenvolvimento resultam
incapaz de segurar a criança, que será atirada com freqüentemente em comprometimento residual das
uma força tremenda, mesmo que o carro esteja em funções física, cognitiva e emocional.
baixa velocidade (por exemplo, segurar uma criança O trauma de crânio é a segunda forma mais co-
de 4,5kg viajando a 48km/h exigiria a mesma for- mum de trauma pelo qual as crianças são interna-
ça que levantar 136kg a 30cm do solo. Se o adulto das em hospitais. A maior incidência de traumas
estiver sem o cinto, pode também ser atirado para a de crânio ocorre em crianças < 1 ano e > 15 anos
frente e jogar a criança contra o interior do carro de idade. Os meninos excedem as meninas como
com uma força igual ao peso do adulto × (velocida- vítimas. Em crianças pequenas, são predominante-
de)2 / 2. A eficácia do cinto em reduzir os traumatis- mente decorrentes de quedas em casa ou nas pro-
mos é indiscutível; seu uso reduz a letalidade em 40 ximidades. Quedas são a maior causa de morte aci-
a 50% e lesões graves em 45 a 55%. dental em crianças urbanas. Uma grande campa-
No carro, o banco de trás é o local mais seguro nha para evitar quedas de janelas na cidade de Nova
para todas as crianças (menores de 12 anos), particu- Iorque produziu diminuição de 96% nesses aciden-
larmente quando o carro é equipado com airbags nos tes em 1 ano.
assentos dianteiros (a liberação/ativação dos airbags
pode resultar em óbito de lactentes e crianças). Classificação
Os assentos para crianças devem ser usados ade- A maioria dos traumatismos cranianos se deve a
quadamente para serem eficazes. A criança deve pequenos traumas sem perda de consciência, con-
estar presa dentro do assento, que deve ser adequa- cussão, contusão ou fratura. Bem mais graves, mas
do para o seu tamanho e estar de acordo com o seu menos freqüentes, são traumas associados com le-
estágio de desenvolvimento. Todo assento de bebê são cerebral significativa, resultante em lesão axonal
deve estar preso ao carro de acordo com as instru- difusa e diversos tipos de hematomas (epidural,

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CAPÍTULO 263 – ACIDENTES, INTOXICAÇÕES E RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR / 2249

subdural, intraparenquimatoso, intraventricular). ou letargia. A persistência dos sintomas por mais


Fraturas de crânio também ocorrem freqüente- de 6h ou piora podem indicar uma lesão mais gra-
mente, com ou sem lesão cerebral. ve, devendo ser realizada uma avaliação em pro-
A concussão é um estado transitório e rapida- fundidade o mais rapidamente possível.
mente reversível de disfunção neuronal associada Pacientes com concussão geralmente não apre-
à perda de consciência imediatamente após o trau- sentam sinais neurológicos, mas têm amnésia para
ma de crânio. o evento e o período imediatamente anterior (am-
A contusão é o insulto ou ruptura do tecido ce- nésia anterógrada).
rebral acompanhado por hemorragia parenquima- Em pacientes com contusão, os sinais e sinto-
tosa e edema local. A superfície ventral dos lobos mas neurológicos dependem da localização preci-
frontais e os aspectos ínfero-laterais dos temporais sa da contusão. Pode haver distúrbios de força e
são as áreas mais acometidas. sensibilidade, alteração do sensório e aumento as-
Lesão axonal difusa resulta de forças de acele- sociado na pressão intracraniana, particularmente
ração-desaceleração com esgarçamento ou ruptura se a área contundida for grande.
de axônios (substância branca) e ruptura das bai- A lesão axonal difusa resulta em edema cere-
nhas de mielina. Resulta em edema cerebral difu- bral difuso e a criança se apresenta com nível de
so, freqüentemente sem evidência óbvia de sangra- consciência globalmente diminuído. Geralmente
mento. É uma das lesões cerebrais mais graves na resultam seqüelas a longo prazo. O aumento na
infância, ocorrendo muito mais do que os hemato- pressão intracraniana pelo edema pode acarretar
mas intracranianos. alterações pupilares, bradicardia, hipertensão e al-
O hematoma epidural é uma coleção de san- terações respiratórias e hemodinâmicas.
gue entre a dura-máter e a calota craniana, resul- Em hematomas epidurais, os sintomas neuro-
tante de lesão arterial ou venosa. lógicos associados em geral se devem à compres-
O hematoma subdural é uma coleção de san- são do cérebro e não à lesão direta. Os sintomas
gue abaixo da dura-máter, geralmente associada clássicos no adulto (perda de consciência, interva-
com contusão cerebral significativa. lo de lucidez e depois deterioração neurológica)
Hemorragias intraventricular, intraparenqui-
matosa e subaracnóide são coleções de sangue com freqüência não aparecem na criança.
no sistema ventricular cerebral, tecido cerebral ou Em hematomas subdurais, hiperemia e ede-
espaço subaracnóide, respectivamente. ma cerebrais estão comumente associados, re-
As fraturas de crânio ocorrem quando a in- sultando em alteração do nível de consciência e
tegridade óssea do crânio é rompida. As fraturas sinais de aumento da pressão intracraniana. Dé-
podem ser lineares, deprimidas ou cominutivas e ficits focais também são comuns e podem ser
podem se dar em qualquer parte do crânio, in- permanentes. A incidência de convulsões secun-
cluindo áreas occipitais, temporoparietais, fron- dárias à contusão é alta. Embora a maioria dos
tais e basilares. Impactos na face podem resultar hematomas subdurais ocorra agudamente, ocasi-
em fraturas faciais dos ossos nasais, seios onalmente o sangue se acumula no espaço
paranasais ou região orbitária. subdural mais gradualmente a partir de peque-
Em lactentes, as meninges podem ficar retidas nas rupturas nas veias frontal e parietal quando
em fratura linear e resultam em uma fratura cres- passam no seio sagital. Esses hematomas
cente. Isso é, na realidade, um cisto leptomenín- subdurais crônicos podem também resultar em
geo, que se desenvolve em 3 a 6 semanas e pode sintomas de aumento da pressão intracraniana.
ser a primeira evidência de que houve fratura line- Hemorragias intraventriculares, intraparen-
ar no momento da lesão. quimatosas e subaracnóides costumam estar as-
sociadas com depressão significativa do estado
História, sintomas e sinais mental, por causa da lesão neuronal associada e da
Como a história do evento e a evolução dos sin- pressão intracraniana aumentada. As convulsões
tomas são extremamente importantes, os detalhes ocorrem comumente, bem como movimentos mo-
devem ser meticulosamente obtidos da família e tores anormais.
testemunhas. O mecanismo da lesão, localização e Fraturas de crânio podem estar ou não asso-
sintomas e sinais específicos resultantes, inclusive ciadas com sintomas neurológicos ou outros. A pal-
o efeito sobre nível de consciência do paciente, são pação do crânio pode revelar uma depressão ou
especialmente importantes para o tratamento. edema generalizado que já tenha sido notado pelos
Traumatismo craniano leve, sem perda de pais. Convulsões (focais) podem resultar de contu-
consciência ou sinais neurológicos anormais pode são subjacente à fratura, em particular se esta pro-
estar associado com vômitos, palidez, irritabilidade vocou fragmento deprimido do osso.

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2250 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Avaliação pode fornecer evidência importante de abuso (isto


Depois de esclarecer o mecanismo da lesão e é, a síndrome do bebê chacoalhado ou atirado), deve
a história dos eventos subseqüentes, a realização ser pesquisada a presença de hemorragia de retina
do exame físico é a chave para avaliar a gravidade no fundo de olho.
Fraturas de crânio geralmente não são sinais
da lesão cerebral. Atenção ao nível de consciência prognósticos adequados para a gravidade da lesão
usando a Escala de Coma de Glasgow (ver TABE- do SNC; o exame neurológico cuidadoso é mais
LA 175.1) ou, para lactentes abaixo de 1 ano, a Es- adequado. Entretanto, a presença de uma fratura
cala de Coma de Glasgow Modificada para Lac- habitualmente não é compatível com história de
tentes e Crianças (ver TABELA 263.2) é obrigató- trauma de crânio leve e os pacientes com determi-
ria, bem como atenção às respostas pupilares, si- nados tipos de fraturas podem ter um risco elevado
nais vitais e evidência de lesões associadas. Um de problemas intracranianos. As fraturas no trajeto
escore na Escala de Glasgow ≤12 sugere lesão gra- da artéria meníngea média (osso temporal) podem
ve. Um escore < 8 sugere necessidade de intuba- estar associadas a um hematoma epidural. As fra-
ção e ventilação porque os reflexos de proteção de turas no osso occipital e na base do crânio (basi-
vias aéreas geralmente estão eliminados e é alta- lares) indicam um impacto de intensidade elevada.
mente provável que exista aumento da pressão in- Habitualmente, as fraturas basilares do crânio não
tracraniana (a hiperventilação discreta reduz a pres- são visíveis nas radiografias ou na TC; entretanto,
são intracraniana aumentada). Um escore ≤6 sugere os sinais associados incluem drenagem do LCR
a necessidade de monitoração da pressão intracra- pelo nariz ou ouvidos, sangue por trás da membra-
niana e muitos já optam pela instalação de monitor na timpânica (ou no conduto auditivo, se a mem-
com escore ≤7. Como o exame do fundo de olho brana timpânica estiver rota), equimoses atrás das

TABELA 263.2 – ESCALA DE COMA DE GLASGOW, MODIFICADA PARA


LACTENTES E CRIANÇAS
Critério Lactente Criança Escore1

Abertura ocular Espontânea Espontânea 4


A estímulos verbais A estímulos verbais 3
Apenas a estímulos dolorosos Apenas a estímulos dolorosos 2
Sem resposta Sem resposta 1
Resposta verbal Balbucia e emite sons Orientado, adequado 5
Choro irritável Confuso 4
Chora em resposta à dor Palavras inapropriadas 3
Geme em resposta à dor Palavras incompreensíveis ou 2
sons inespecíficos
Sem resposta Sem resposta 1
Resposta motora2 Move-se espontaneamente e com Obedece ordens simples 6
objetivo
Retira ao toque Localiza estímulo doloroso 5
Retira em resposta à dor Retira em resposta à dor 4
Posição de descorticação (flexão Flexão em resposta à dor 3
anormal) em resposta à dor
Posição de descerebração (exten- Extensão em resposta à dor 2
são anormal) em reposta à dor
Sem resposta Sem resposta 1
1Escore < 12 sugere lesão cefálica grave. Escore < 8 sugere necessidade de intubação e ventilação. Escore < 6 sugere

necessidade de monitoração de pressão intracraniana.


2Se o paciente estiver intubado, inconsciente ou ainda não falar, a parte mais importante desta escala é a resposta motora.

Esta seção deve ser avaliada cuidadosamente.


Adaptado a partir de Davis RJ, et al: “Head and spinal cord injury”, in Textbook of Pediatric Intensive Care, editado
por MC Rogers. Baltimore, Williams & Wilkins, 1987; James H, Anas N, Perkin RM: Brain Insults in Infants and Children.
New York, Grune & Stratton, 1985; e Morray JP et al: “Coma scale for use in brain-injured children.” Critical Care
Medicine 12:1018, 1984.

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CAPÍTULO 263 – ACIDENTES, INTOXICAÇÕES E RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR / 2251

orelhas (sinal de Battle) ou na área periorbitária são intracraniana vista com a intubação) e deverá
(olhos de guaxinim), ou fluido observado nos seios ser instalada a ventilação mecânica. Isso é conse-
frontais ou maxilares (notado na TC). As fraturas guido usando um sedativo (tiopental, se hemodi-
de crânio depressíveis requerem avaliação imedia- namicamente estável ou etomidato, se não estiver
ta, pois têm maior chance de estar associadas com estável), lidocaína IV (1 a 2mg/kg) e um agente
lesões do tecido cerebral subjacente. Uma consulta paralisante. Não se deve efetuar intubação naso-
com um neurologista deve ser feita para determinar traqueal cega. A ventilação mecânica deve ser ins-
se o fragmento deve ser deslocado cirurgicamente. tituída e a gasometria arterial, a oximetria de pulso
As fraturas simples lineares de crânio geralmente e a monitoração da Pco2 são úteis para verificar a
são visíveis em radiografias simples de crânio. adequação da oxigenação e da ventilação.
Normalmente não são preocupantes, a menos que Líquidos intravenosos contendo dextrose a 5%
associadas com achados neurológicos anormais ou em cloreto de sódio a 0,9% devem ser administra-
se presentes em um lactente. Nesses casos, o risco dos em manutenção a 3⁄4 a 4⁄5, desde que não haja
de cisto de leptomeninge deve ser avaliado e con- hipotensão sistêmica ou choque hipovolêmico (a
siderada a possibilidade de abuso da criança. criança deve sempre receber um volume intravas-
cular adequado e permanecer euvolêmica). Uma
Tratamento restrição hídrica leve é apropriada, pois os lacten-
A maioria das crianças com trauma de crânio tes e as crianças freqüentemente secretam uma
leve pode ser observada em casa por pais compe- quantidade aumentada de ADH após o trauma de
tentes. Crianças com níveis de consciência altera- crânio e, desse modo, estão em risco de sobrecarga
dos no momento do exame, com história de incons- de água livre, com piora subseqüente do edema
ciência por um breve período, determinados tipos cerebral. Líquidos hipotônicos (especialmente dex-
de fraturas (occipital, deprimida, ao longo da arté- trose a 5% em água) são contra-indicados por cau-
ria meníngea média) ou com achados neurológicos sa do excesso de água livre que contêm. A monito-
focais ou difusos devem ser observadas no hospi- ração deve incluir a manutenção dos níveis séricos
tal. Se as circunstâncias sugerirem possível espan- de sódio em ≥140mEq/L.
camento, a criança também deve ser observada em As crianças com um escore de Glasgow para o
hospital (ver Cap. 264). Crianças com traumatis- coma < 8, com ou sem evidências de edema cere-
mo craniano devem ser observadas cuidadosamen- bral ou sangramento na TC de crânio, devem ser
te quanto a quaisquer alterações do estado neuro- hiperventiladas levemente, desde o início, para
lógico, incluindo estado mental, sinais vitais, alte- manter o PCO2 entre 34 e 36mmHg. Uma PCO2mais
rações pupilares, localização ou lateralização dos baixa pode ocasionar perfusão cerebral reduzida
sinais e convulsões. Uma TC de crânio deve ser com risco aumentado de isquemia. Subseqüente-
realizada nas crianças com os seguintes achados: mente, a colocação de um monitor de pressão in-
alterações de consciência (escore na Escala de tracraniana deve ser discutida, frente à necessidade
Coma de Glasgow ≤14, vômitos persistentes, si- de determinar intervenções específicas para dimi-
nais neurológicos focais, evidências clínicas de fra- nuir a pressão intracraniana excessivamente eleva-
tura na base do crânio e convulsões. da e manter as pressões de perfusão cerebral
Embora nada possa ser feito para alterar a lesão > 50mmHg e preferivelmente > 70mmHg (PA
primária, a disfunção cerebral secundária pode ser média menos pressão intracraniana). A pressão
prevenida evitando a hipoxia, a hipercarbia, a hi- intracraniana deve ser mantida em um nível de
potensão e o aumento da pressão intracraniana por ≤15mmHg por meio da hiperventilação (PCO2 ele-
meio de manejo agressivo e meticuloso. O edema vada resulta em vasodilatação cerebral), pelo con-
cerebral que resulta em elevação da pressão intra- trole da dor, mantendo a normotermia (ou um pou-
craniana requer tratamento apropriado imediato co menos, a 36°C [96,8°F]) e pelo uso de relaxan-
para evitar maior interferência na distribuição de tes musculares, se necessário. Similarmente, a pres-
O2 e metabolismo celular. são arterial deve ser mantida no nível da pressão
O manejo da criança com trauma craniano gra- de perfusão cerebral > 50 a 70mmHg. A cabeceira
ve deve ser feito de modo escalonado. Inicialmen- da cama deve ser mantida a 30°, com a cabeça na
te, de maior importância é a adequação das vias posição média para aumentar a drenagem venosa
aéreas, pois tanto a hipoxia como a hipercarbia cerebral. Doses pequenas, criteriosas, de manitol a
aumentam a pressão intracraniana por piorar a hi- 20%, de 0,25 a 0,5g/kg, podem ser utilizadas para
peremia cerebral. Se o escore de Glasgow para o diminuir os aumentos da pressão intracraniana ou
coma for < 8, a criança deverá ser intubada (com a para aumentar a osmolalidade sérica para 295 a
medicação apropriada), de modo controlado e efi- 305mOsm/kg. A furosemida 1mg/kg IV também
ciente (para minimizar a elevação aguda da pres- ajuda a reduzir a água corpórea total, particularmente

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2252 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

quando a hipervolemia associada ao manitol preci- Prognóstico e reabilitação


sa ser evitada. Nas primeiras 24h após o trauma de O grau de recuperação cerebral depende de ida-
crânio, a furosemida pode ser até preferível como de, duração do coma, presença de sangramento in-
método para aumentar a osmolalidade sérica. tracraniano e local do trauma mais intenso. Dentre
A dexametasona não mostrou ser eficaz no trauma as quase 5 milhões de crianças que sofrem um trau-
de crânio e geralmente não é recomendada. O coma ma de crânio a cada ano, 4.000 morrem e 15.000
induzido pelo pentobarbital e hipotermia induzida requerem hospitalização prolongada. Dentre aque-
também não mostraram benefícios constantes e las com lesão grave, que apresentam um coma com
acarretam risco significativo. O uso dessas últimas duração acima de 24h, 50% permanecem com se-
modalidades deve ser individualizado para pacien- qüelas neurológicas significativas. Entre 2 e 5% têm
tes específicos. invalidez grave e permanente. A letalidade em crian-
A avaliação freqüente da criança que sofreu um ças com trauma de crânio e escores de Glasgow
trauma de crânio é imperativa. A deterioração deve para o coma de 5, 6 ou 7 é ≤10% e as crianças com
indicar a repetição da TC para se verificar a pre- < 5 anos (em particular os lactentes) apresentam
sença de lesões tratáveis e/ou a causa da alteração letalidade mais elevada que as crianças mais ve-
no exame físico. lhas. Para as crianças que sobrevivem, a recupera-
Pupilas fixas e dilatadas, perda dos reflexos ção costuma ser muito boa, mas requer um período
oculovestibulares e postura de descerebração não prolongado de reabilitação, em especial nas áreas
são necessariamente irreversíveis após um trata- cognitiva e emocional, que deve ser planejado pre-
mento apropriado. O tratamento inicial agressivo e cocemente, até mesmo por ocasião da internação.
direcionado à manutenção das trocas gasosas pul- Problemas comuns durante a recuperação incluem
monares e perfusão cerebral adequadas pode redu- amnésia retrógrada, alterações de comportamento,
zir os riscos de aumento da pressão intracraniana e labilidade emocional, distúrbios do sono, diminui-
complicações secundárias. ção da capacidade intelectual e convulsões residuais
As convulsões aumentam a pressão intra- (ver também Cap. 175).
craniana e devem ser tratadas imediatamente, Grupos de suporte à lesão cerebral podem aju-
primeiro com lorazepam e depois com fenitoína. dar muito as famílias que têm crianças com esse
Na presença de contusão ou hemorragia, a feni- problema e podem funcionar como coordenação
toína profilática deve ser considerada. Para evi- dos necessários serviços médicos, cirúrgicos, edu-
tar efeitos adversos cardiovasculares (como hi- cacionais e de reabilitação.
potensão, bradicardia), uma dose de ataque IV
de 20mg/kg deve ser fracionada em duas infu-
sões separadas de 10mg/kg na velocidade máxi- LESÃO DE MEDULA ESPINHAL
ma de 2mg/kg/min (até 50mg/min). A dose ini-
cial de manutenção IV é 3 a 6mg/kg/dia, dividi- Embora crianças com menos de 10 anos apresen-
da em duas infusões diárias. No entanto, crian- tem o menor índice de lesões de medula espinhal de
ças com lesão cerebral parecem necessitar de todas as faixas etárias, essas lesões não são raras.
doses maiores de fenitoína. A medida dos níveis Em crianças com menos de 8 anos, lesões de
é, portanto, obrigatória para que a dose possa ser medula cervical ocorrem mais usualmente aci-
ajustada. Algumas crianças necessitam de 7 a ma de C-4; em crianças com mais de 8 anos,
8mg/kg/dia. A duração do tratamento é variável lesões de C-5 a C-8 são mais comuns. De impor-
e depende do tipo de lesão e dos resultados do tância crescente é o reconhecimento da Lesão de
EEG. As convulsões acometem cerca de 5% das Medula Óssea sem Evidência de Lesão Radioló-
crianças com idade > 5 anos e 10% daquelas < 5 gica (SCIWORA). Esse tipo de lesão ocorre quase
anos durante a primeira semana pós-trauma. exclusivamente em crianças e está relacionado à
Cirurgia – Em hematomas epidurais, a eva- tração direta sobre a medula, concussão de me-
cuação de emergência precisa ser realizada rapi- dula e lesão vascular da medula. Lesão neuro-
damente para evitar deterioração neurológica. lógica completa por transecção anatômica ou
Se for feito esvaziamento rápido, essas crianças funcional (mais comum em crianças com me-
evoluem bem. Em hematomas subdurais, é obri- nos de 8 anos) apresenta prognóstico potencial-
gatória a consulta neurológica para determinar mente reservado.
se o esvaziamento do hematoma está indicado e
para ajudar no tratamento da hipertensão intra- Sintomas, sinais e diagnóstico
craniana. Hematomas subdurais crônicos podem Sintomas e sinais de lesão de medula óssea são
exigir punções subdurais repetidas, drenagem descritos no Capítulo 182. Hipotensão é comum e
cirúrgica ou derivação. geralmente associada com bradicardia.

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CAPÍTULO 263 – ACIDENTES, INTOXICAÇÕES E RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR / 2253

Qualquer paciente que tenha sofrido um aciden- seqüências trágicas. TC de tórax e abdome são,
te automobilístico, caído de altura maior do que 10 portanto, indicadas sempre que o mecanismo da
pés ou sofrido uma lesão por submersão deve ser lesão sugerir que foi aplicada uma força significa-
considerado portador de lesão de medula espinhal. tiva sobre a criança. Qualquer evidência de insta-
Avaliação radiológica completa, inclusive TC de bilidade circulatória (elevação da freqüência car-
cortes finos, IRM ou mielografia está indicada. díaca, redução dos pulsos, enchimento capilar > 2
segundos com ou sem hipotensão) sugerem perda
Tratamento externa ou interna de determinado volume de san-
A lesão de medula cervical requer imobilização gue do espaço intravascular e deve ser tratada rapi-
precoce. Um colar pediátrico bem ajustado que im- damente, infundindo-se 1 a 2 bolos (20mL/kg) de
peça flexão/extensão deve ser aplicado e mantido até cristalóides (soro fisiológico ou Ringer lactato),
que se possa afastar claramente uma lesão. Se o pa- depois 10mL/kg de sangue (concentrado de glóbu-
ciente não puder indicar dor ou obedecer ordens, o los) se houver comprometimento circulatório.
colar deve ser mantido até que se possa determinar É obrigatória uma consulta ao cirurgião, porque
claramente a ausência de lesões ósseas, ligamentosas pode ser necessária exploração cirúrgica (abdomi-
ou medulares. Para impedir flexão indevida da região nal ou torácica) para determinar a causa.
cervical e permitir que o pescoço permaneça em po-
sição neutra, deve haver, como norma, uma indenta-
ção na tábua para coluna pediátrica para o occipício, INTOXICAÇÕES
para crianças com 3 anos ou menos. A tração da co- (Ver também Cap. 307.)
luna cervical como parte da manobra de estabiliza-
ção durante a intubação é contra-indicada. As intoxicações ainda são a causa mais co-
Se houver suspeita de lesão de medula espinhal, mum de acidentes não fatais em casa, apesar dos
é fundamental a atenção à adequação da oxige- vários programas educacionais que visam à sua
nação/ventilação e circulação. Como a hipotensão prevenção. A intoicação pode ocorrer por muitas
pode resultar em isquemia de medula espinhal, deve vias, inclusive ingestão oral, inalação, absorção
ser infundido um bolo (20mL/kg) de cristalóide dérmica e instilação ocular. O Centro de Contro-
(soro fisiológico ou Ringer) rapidamente no pa- le de Intoxicações mais próximo deve ser con-
ciente hipotenso. Bolos adicionais de líquido de- sultado quando são necessárias informações so-
vem ser administrados para manter uma PA nor- bre o conteúdo de um produto ou terapia ade-
mal e a adição de uma droga α-adrenérgica deve quada para ingestão acidental.
ser considerada. Uma infusão contínua de fenilefri-
na ou adrenalina pode ser introduzida, em dose ini- INTOXICAÇÃO POR
cial de 0,1µg/kg/min. Além disso, o uso de Solu-
Medrol (30mg/kg) seguido por uma dose IV de ACETAMINOFENOL
5,4mg/kg/h durante 23h pode ser benéfico, desde Existem > 100 produtos vendidos sem receita
que administrado nas primeiras 8h depois da lesão médica contendo acetaminofenol, inclusive muitas
(com base em dados de adultos com lesão de me- preparações infantis em líquido, comprimidos e
dula espinhal). cápsulas, além de muitos produtos para tose e res-
Crianças com traumatismo significativo de me- friado. Muitas drogas vendidas sob prescrição tam-
dula espinhal, ou com outras formas de traumatis- bém contêm acetaminofenol.
mo importante, devem ser transferidas o mais bre- O sistema enzimático dependente do citocromo
ve possível para um centro de tratamento para trau- P-450 produz um metabólito potencialmente tóxi-
matismo pediátrico. co do acetaminofenol, N-acetil-p-benzoquinonei-
mina, que é eliminado pelos depósitos hepáticos
OUTRAS LESÕES GRAVES de glutationa depois de doses terapêuticas. Em uma
superdosagem aguda, níveis excessivos do meta-
O traumatismo fechado é a forma mais comum bólito depletam os estoques de glutationa no fíga-
de trauma pediátrico. Além das lesões de crânio e do e causam necrose hepatocelular (ver Cap. 43).
coluna, os traumatismos fechados abdominal e to- Uma dose oral de acetaminofenol de ≥150mg/
rácicos são comuns. Deve-se ficar atento à possibi- kg numa criança é considerada tóxica. Em adultos,
lidade de lacerações/rupturas esplênicas, lacerações uma dose ≥150mg/kg ou uma dose total de 7,5g,
hepáticas, contusões renais, contusões pulmonares, independentemente da quantidade em mg/kg, é
pneumotórax/hemotórax e, em crianças menores, considerada tóxica. A meia-vida plasmática é de
hematomas duodenais. Essas lesões podem não fi- 2,5h na dose normal. A meia-vida > 4h pode se cor-
car evidentes no exame inicial, mas apresentar con- relacionar com intensa lesão hepatocelular.

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2254 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Sintomas, sinais e prognóstico Quatro horas ou mais após a ingestão, uma do-
sagem plasmática de acetaminofenol deve ser ob-
A evolução clínica e o tratamento (ver adiante) são tida e comparada ao nomograma de Rumack-
muito diferentes dos da intoxicação por aspirina. Os Matthew (ver FIG. 263.1). Se o nível plasmático
sintomas são geralmente leves até 48h ou mais de- estiver abaixo da zona de risco possível e nenhum
pois da ingestão e podem ser descritos em quatro es- sintoma tóxico aparecer, nenhuma medicação será
tádios, conforme descrição na TABELA 263.3. necessária. Se o nível plasmático estiver acima da
A superdosagem de acetaminofenol em crian- zona de risco possível (≥150µg/mL [≥ 990 µmol/L]
ças pequenas raramente é fatal, mesmo quando os em 4h), uma dose de ataque de acetilcisteína de
níveis de AST (SGOT) atingem 20.000UI/L. Crian- 140mg/kg deverá ser administrada VO ou por son-
ças > 12 anos parecem responder como adultos à da nasogástrica, seguida por 17 doses adicionais
alteração hepática pelo acetaminofenol. A razão de 70mg/kg a intervalos de 4h; qualquer dose vo-
para esta diferença relacionada à idade ainda pre- mitada em 1h deverá ser repetida (alguns centros
cisa ser investigada. Aumento dos sintomas e pro- usam menos do que a dose total). Este nomograma
longamento das funções hepáticas anormais foram não se aplica em intoxicação crônica por acetami-
observados em adolescentes. nofenol, que costuma ser tratada empiricamente
Não foram descritas alterações hepáticas estru- com acetilcisteína.
turais e funcionais residuais após recuperação de A acetilcisteína está disponível em solução a
20% (200mg/mL) em frascos de 4, 10, 30 e 100mL
uma superdosagem aguda por acetaminofenol em e deve ser diluída 1:4 em uma bebida carbonatada
crianças previamente saudáveis. Os efeitos do uso ou suco de fruta antes do uso. Uma criança de 20kg
crônico excessivo ou superdosagens repetidas es- necessitaria de uma dose de ataque de 140mg/kg
tão em estudo. (2.800mg) ou 14mL de solução a 20%, o que cor-
Tratamento responde a 56mL da solução diluída a 1:4. Em vir-
tude do odor desagradável da droga, a dose deve
O esvaziamento gástrico pode incluir emese in- ser administrada em solução gelada, em copo tam-
duzida por xarope de ipeca, lavagem gástrica e ad- pado, através de canudo. Embora a administração
ministração de carvão ativado. Se o paciente inge- após 8h possa apresentar benefício terapêutico di-
riu > 150mg/kg de acetaminofenol, pode ser ne- minuído, ainda é recomendada. Estudos recentes
cessária acetilcisteína. A administração precoce de demonstraram que a acetilcisteína intravenosa, que
carvão ativado não interfere na de acetilcisteína. A não está comercialmente disponível nos EUA, pode
co-administração das duas substâncias pode aumen- ter algum benefício quando administrada mesmo
tar o risco de vômitos. depois do desenvolvimento de sinais de toxicidade
hepática. Se o tempo de protrombina estiver 3 ve-
zes acima do normal, deve-se administrar vitamina
TABELA 263.3 – SINTOMAS DE K1 (fitonadiona), 2,5 a 10mg, IV ou s.c. Plasma
INTOXICAÇÃO POR ACETAMINOFENOL fresco ou fatores de coagulação podem ser neces-
sários. Soro glicosado IV é administrado para man-
Estádio I (0 a 24h): Sintomas sistêmicos escassos ou ter a hidratação. A diurese forçada pode ser preju-
ausentes ou sintomas de irritabilidade GI ocorrem dicial. Diálise peritoneal, hemodiálise e hemo-
em 12 a 24h, mesmo em pacientes com ingestão perfusão com carvão são ineficazes. Os pacientes
maciça. O paciente não parece grave com insuficiência hepática fulminante em geral são
Estádio II (24 a 72h): Sintomas GI, particularmente candidatos para transplante de fígado.
náuseas e vômitos, são comuns e as provas de fun- Uma vez que anti-histamínicos, esteróides, fe-
ção hepática se alteram. AST e ALT, bilirrubinas e nobarbital e ácido etacrínico estimulam a ativida-
tempo de protrombina se elevam nesta ordem. A função de do sistema citocromo P-450, eles devem ser evi-
renal pode ser afetada mesmo quando o BUN per-
tados durante a manipulação de uma superdose
manece normal
aguda de acetaminofenol.
Estádio III (72 a 96h): Os vômitos continuam e os
níveis de AST, ALT, bilirrubinas e tempo de pro-
trombina chegam ao máximo. Aparecem sintomas INTOXICAÇÃO POR ÁCIDO
de insuficiência hepática. Pode também ocorrer in- ACETILSALICÍLICO E OUTROS
suficiência renal durante esta fase. Casos isolados de
insuficiência renal na ausência de insuficiência he- SALICILATOS
pática já foram descritos (Salicismo)
Estádio IV (> 5 dias): A reação tóxica hepática se re-
solve ou ocorre óbito por insuficiência hepática Apesar das leis sobre segurança de embalagens,
que limitam o frasco de aspirina infantil a 36 com-

Merck_19D.p65 2254 02/02/01, 16:18


CAPÍTULO 263 – ACIDENTES, INTOXICAÇÕES E RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR / 2255

(Unidades SI)
µM/L µg/mL
6.000
1.000
5.000
4.000

3.000 500

2.000

1.300 200
1.000
900 150
Concentração plasmática de acetaminofenol

800
700
600 100
500 Possível toxicidade hepática
400
Pr
50 ov
300 áv
250 el
tox
200 icid
ad
eh
ep
áti
100 ca
90 Nenhuma toxicidade hepática
80
70
60 10
50
40

30 5 25%

20

10

0 4 8 12 16 20 24
Horas após ingestão
FIGURA 263.1 – Nomograma de Rumack-Mathew para uma única intoxicaçç ão aguda por acetaminofenol.
Gráfico semilogarítmico dos níveis plasmáticos de acetaminofenol versus tempo. Precauções para o uso deste
gráfico: 1. a coordenada tempo refere-se ao momento da ingestão; 2. níveis séricos anotados antes de 4h podem
não representar níveis de pico; 3. o gráfico deve ser usado apenas em relação a uma única ingestão aguda; 4.
a linha sólida inferior 25% abaixo do nomograma está incluída para admitir possíveis erros nas dosagens de
acetaminofenol no plasma e no tempo estimado desde a ingestão de uma superdose. (Adaptado a partir de
Rumack BH, Matthew H: “Acetaminophen poisoning and toxicity”. Pediatrics 55(6):871–876,1975; reproduzi-
do com permissão de Pediatrics.)

primidos de 80mg e obrigam o uso de tampas de O salicilato mais tóxico é o óleo de gaultéria
segurança para todos os medicamentos que conte- (metilsalicilato); foi relatada morte por ingestão de
nham aspirina, a intoxicação por aspirina continua < 1 colher de chá de uma criança pequena. Qual-
ocorrendo em todas as faixas etárias. No entanto, a quer metilsalicilato (encontrado em produtos tais
incidência de intoxicação aguda por aspirina dimi- como linimentos e soluções usadas em vapori-
nuiu com o aumento do uso sem prescrição de dro- zadores quentes) é potencialmente mortal.
gas antiinflamatórias não esteróides (DAINE) e ace-
taminofenol. Sintomas e sinais
É improvável uma intoxicação grave por aspiri- Os sintomas precoces de salicilismo são náusea e
na com ingestão < 200 a 300mg/kg. A intoxicação vômitos, tinido, seguidos por hiperpnéia, hipe-
crônica, depois de vários dias de uma grande dose ratividade, hipertermia e convulsões. A estimulação
terapêutica, é mais comum do que a intoxicação do SNC rapidamente se transforma em depressão,
aguda e mais difícil de tratar. com letargia, insuficiência respiratória e colapso.

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2256 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

A intoxicação por salicilato geralmente se apre- centrações seriadas ajudam a determinar se a ab-
senta com distúrbios metabólicos complexos. sorção continua (níveis crescentes), se a exposição
A hiperpnéia, com resultante perda de CO2 através é crônica (níveis constantes) ou se a terapia está
de ar expirado, provoca alcalose respiratória. Tam- sendo eficaz (níveis decrescentes).
bém pode ocorrer acidose metabólica profunda por Outros exames laboratoriais para auxiliar na
um grande hiato aniônico. O paciente com intoxi- avaliação e tratamento incluem gasometria arterial,
cação clássica apresenta gasometria arterial repre- sódio, potássio e bicarbonato séricos, uréia, glice-
sentativa de alcalose respiratória mista e acidose mia, pH e densidade urinários. Essas determina-
metabólica. Embora o pH possa parecer normal ou ções e o nível sérico de salicilato devem ser segui-
discretamente baixo, PCO2 e bicarbonato estão sig- dos seriadamente durante o tratamento. O paciente
nificativamente reduzidos. pode apresentar hipo, hiper ou normoglicemia com
Como alcalose respiratória e acidose metabóli- glicorraquia baixa. O hiato aniônico (Ag) pode ser
ca ocorrem simultaneamente, a criança pode apre- calculado como se segue: (Na+) – (Cl– + HCO3).
sentar um distúrbio misto e pH relativamente nor- As manifestações da intoxicação por salicilato
mal ou com acidose franca (ver FIG. 263.2). A PCO2 estão mais relacionadas à concentração sérica má-
será menor que o esperado. Crianças pequenas, que xima e ao grau de distribuição do salicilato do que
não apresentam o mesmo estímulo respiratório que ao nível num dado momento. A intoxicação crôni-
crianças maiores e adultos, desenvolvem rapida- ca envolve maior distribuição tecidual e intoxica-
mente acidose metabólica. Os efeitos tóxicos do ção mais grave.
salicilato e a perda da base tampão interferem em O nomograma de Done não é mais clinicamente
processos metabólicos e se desenvolve cetose. útil, porque pode super ou subestimar a intoxica-
Crianças < 4 anos desenvolvem acidose metabóli- ção aguda por salicilatos e não é útil na intoxicação
ca mais rapidamente, sem alcalose respiratória con- crônica.
comitante. A desidratação pode ser um problema
grave devido à perda insensível de água e aumento Tratamento
da perda renal de água (por maior carga de solutos O esvaziamento gástrico precoce é fundamental
na urina). Freqüentemente ocorrem perdas inten- e a melhor forma é a administração do xarope de
sas de sódio e potássio. ipeca dentro de 30min da ingestão (ver Cap. 307),
a menos que o paciente apresente rebaixamento do
Exames laboratoriais e diagnóstico nível de consciência. Se o paciente se apresentar
Uma concentração sérica de salicilato pode ser tarde demais ou tiver contra-indicações para o em-
obtida em qualquer laboratório de hospital. As con- prego da emese induzida por ipeca, deve ser admi-

Estimulação da respiração
(central)

ALCALOSE
RESPIRATÓRIA

Excreção de base
Interferência no (compensatória)
metabolismo intermediário
Inanição e
desidratação Acúmulo de metabólitos
ácidos orgânicos

ACIDOSE
Cetose ? Disfunção renal
METABÓLICA

FIGURA 263.2 – Patogênese do distúrbio ácido-básico na intoxicaçção por salicilato. (A partir de Done AK:
“Drug intoxication”. The Pediatric Clinics of North America 7(2):235–255, 1960; usado com permissão da WB
Saunders Company.)

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CAPÍTULO 263 – ACIDENTES, INTOXICAÇÕES E RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR / 2257

nistrado carvão ativado. O carvão ativado (15g em sentam concentrações séricas de salicilato extrema-
120mL de água) por VO ou sonda nasogástrica é mente elevadas agudas (> 100mg/dL [> 7,25mmol/
eficaz para adsorver salicilatos e pode evitar absor- L]) e crônicas (> 60mg/dL [> 4,35mmol/L).
ção várias horas depois da ingestão. Os salicilatos
podem formar massas no estômago e reduzir o es- INGESTÃO DE CÁUSTICOS
vaziamento pilórico, havendo então necessidade de
administrar novamente o carvão ativado. A ingestão de ácidos e álcalis fortes, causando
Hidratação adequada e manutenção da função queimaduras e dano tecidual direto, não é inco-
renal são mandatórias. Inicialmente, pode ser ad- mum. As fontes mais comuns de cáusticos são
ministrada glicose a 5% em soro fisiológico. Isso produtos de desentupimento para ralos e vasos
deve ser interrompido quando se adiciona bicarbo- sanitários, disponíveis em forma líquida ou sóli-
nato de sódio. O bicarbonato de sódio deve ser da. Os sinais de intoxicação podem ser diferen-
misturado em soro glicosado a 5% e tem dois pa- tes, dependendo da forma ingerida. Com produ-
péis: reverte a acidose metabólica e alcaliniza a tos sólidos, a sensação de queimação de uma par-
urina, aumentando a eliminação urinária de tícula aderida à superfície úmida evita que a crian-
salicilato (em pH ≥8). O bicarbonato de sódio é ça consuma grande quantidade. Como as prepa-
administrado em dose inicial de 1 a 2 mEq/kg se- rações líquidas não aderem, a criança facilmente
guido por uma infusão de 132mEq/l em soro ingere uma grande quantidade e todo o esôfago e
glicosado a 5% infundida em 1,5 a 2 vezes para o estômago podem ser afetados. A ingestão de lí-
manutenção. A gasometria e o pH urinário devem quidos cáusticos pode se apresentar com pouca
ser acompanhados com freqüência. Por causa do lesão em lábios, língua e hipofaringe.
risco de hipocalemia depois da administração de
bicarbonato de sódio, o potássio sérico também Sintomas, sinais e prognóstico
deve ser acompanhado. A dor é imediata nos casos graves. Inicialmen-
Agentes que aumentam o bicarbonato urinário, te, a criança pode apresentar sialorréia, incapaci-
como acetazolamida, devem ser evitados porque dade de deglutir líquidos ou sólidos por via oral e
pioram a acidose metabólica e, assim, aumentam a choro significativo. As áreas queimadas tornam-se
retenção de salicilato e a absorção tecidual. edematosas e hipertrofiadas, com disfagia e acú-
Em pacientes com necessidade de ventilação mulo de secreção. O edema pode obstruir as vias
mecânica, pode ser necessária hiperventilação para aéreas. O pulso é freqüentemente rápido e fraco. A
aumentar a remoção de CO2 até que sejam corrigi- respiração é superficial e o choque é comum.
dos os distúrbios ácido-básicos. Pacientes que sobrevivem à lesão inicial podem
Pacientes com hipertermia, hiperatividade e con- sucumbir a infecções secundárias ou o esôfago ou
vulsões apresentam risco de rabdomiólise, o que é estômago podem apresentar perfuração depois de
sugerido pelo aumento dos níveis séricos de creatina uma semana ou mais. A perfuração para o medias-
quinase e urinários de mioglobina. A hipertermia tino ocorre agudamente, com dor torácica intensa.
pode ser tratada com acetaminofenol ou ibuprofeno Mesmo com evolução inicial benigna, a estenose
combinados com resfriamento externo. As convul- pode se desenvolver semanas mais tarde. O óbito
sões devem ser tratadas inicialmente com benzo- pode ser provocado por choque circulatório, asfi-
diazepínicos, como lorazepam ou diazepam. Se não xia por edema faríngeo, perfuração do esôfago ou
forem eficazes, deve-se considerar o uso de barbi- irritação pulmonar.
túricos. A ventilação mecânica deve acompanhar a
administração dos barbitúricos, porque podem re- Tratamento
duzir o estímulo respiratório. Em qualquer outra Todos os pacientes devem consultar um médi-
situação, qualquer agente que reduza a estimula- co; a maioria necessitará de hospitalização.
ção respiratória deve ser evitado, porque estímulo É necessário diluir o produto químico pela inges-
respiratório reduzido aumenta a retenção de CO2 e tão imediata de pequenas quantidades de água ou lei-
piora a acidose metabólica, o que irá aumentar a te. O leite, um demulcente, é preferido para crianças.
absorção de salicilatos pelos tecidos. Se houver o Ele tem a vantagem de revestir e suavizar as mucosas
desenvolvimento de rabdomiólise, a administração e substituir a proteína tecidual como o alvo da des-
de bicarbonato de sódio pode ser útil. truição. As roupas contaminadas devem ser retiradas
Pode ser necessária a hemodiálise para aumen- e lavada a pele contaminada. O esvaziamento do es-
tar a eliminação de salicilato em pacientes com tômago por emese ou lavagem está contra-indicado.
acidose resistente a bicarbonato, comprometimen- O carvão ativado também é contra-indicado, porque
to neurológico importante e/ou comprometimento pode provocar infiltrados teciduais de carvão e inter-
de função renal. Esses pacientes geralmente apre- ferir na avaliação endoscópica.

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2258 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

A presença ou ausência de queimaduras na doses estão associadas à absorção aumentada de


boca não indica se o esôfago está ou não quei- chumbo assintomática em crianças (ver TABELA
mado. A endoscopia está indicada sempre que 263.5 para uma classificação de intoxicação por
houver ingestão de cáusticos para se assegurar chumbo e TABELAS 263.6 e 263.7 para abordagens
de que o esôfago e o estômago não estão lesa- de triagem). A intoxicação por chumbo pode tam-
dos. A endoscopia é um importante prognóstico bém resultar de exposição persistente.
para formação subseqüente de estenose e a po-
tencial necessidade de substituição do esôfago. Sintomas, sinais e diagnóstico
Na presença de lesões esofágicas, o tratamen- A intoxicação por chumbo é uma doença crôni-
to com corticosteróides não é mais recomendado ca, às vezes pontuada por episódios sintomáticos
e pode ser perigoso nas queimaduras de 3º grau. agudos recorrentes, que pode resultar em efeitos
Um antibiótico de amplo espectro é administra- crônicos irreversíveis (por exemplo, déficits cogni-
do se houver febre ou evidência de mediastinite. tivos em crianças e encefalopatia e doença renal
Em casos leves, fluidos orais são iniciados pre- progressiva em adultos).
cocemente; de outra forma, a terapia IV é inicia- O risco de plumbismo sintomático aumenta com
da até que os líquidos por VO possam ser tolera- concentrações de chumbo no sangue > 50 a 100µg/dL
dos. Uma traqueostomia pode estar indicada para de sangue total (> 2,40 a 4,85µmol/L). Quando a
tornar permeáveis as vias aéreas. Se as estenoses concentração de chumbo no sangue é > 100µg/dL
não puderem ser evitadas, a terapia subseqüente de sangue total, o risco de encefalopatia é maior,
de dilatação será necessária por meses ou anos. mas imprevisível. O “Centers for Disease Control
and Prevention” define plumbismo em crianças como
a concentração de chumbo no sangue ≥ 10µg/dL
INTOXICAÇÃO POR CHUMBO (≥ 0,48µmol/L). Com este nível podem ocorrer dé-
(Plumbismo) ficits cognitivos.
Fontes de altas e baixas doses de chumbo são Em criançças menores, o início dos sintomas
apresentadas na TABELAS 263.4. Fontes de baixas clínicos geralmente é abrupto, com o aparecimen-
to em 1 a 5 dias de vômitos persistentes e intensos,
marcha atáxica, convulsões, alterações na cons-
TABELA 263.4 – FONTES DE CHUMBO ciência e, por fim, convulsões intratáveis e coma.
COMUNS Essas manifestações de encefalopatia aguda decor-
Fontes de altas doses rem principalmente do edema cerebral e podem ser
precedidas por várias semanas de irritabilidade e
Ingestão repetida de lascas de pintura contendo chumbo diminuição da atividade. Abscesso cerebral, tumor
Permanência de objeto metálico de chumbo (por exem- cerebral, encefalite aguda e meningite devem ser
plo, bala, peso de cortina, chumbada de vara de incluídos no diagnóstico diferencial.
pescaria, bugigangas) no estômago ou espaços Em criançças, o plumbismo crônico pode cau-
articulares sar retardo mental, distúrbios convulsivos, distúr-
Armazenamento de alimentos e bebidas (frutas, su- bios de comportamento agressivo e regressão do
cos de frutas, refrigerantes tipo cola, tomates, suco desenvolvimento. Os sintomas podem desaparecer
de tomate, vinho, sidra) em recipientes de cerâ- espontaneamente se a exposição for interrompida,
mica vitrificados com chumbo (por exemplo, na apenas para recorrer numa nova exposição. Ane-
indústria de queijos – itens manufaturados) mia microcítica-hipocrômica pode estar presente
Queima de lã com tintura contendo chumbo ou cas- em crianças e adultos por causa do chumbo, defi-
cos de bateria em fogueiras ou fornos domésticos ciência de ferro concomitante ou ambos. Inalação
Uso de remédios populares contendo chumbo de produtos de tetraetila ou tetrametila de chumbo
Uso de vidro chumbado produz um quadro diferente, com manifestações
principais de psicose tóxica.
Beber uísque ou vinho contaminado com chumbo Em adultos, pode se desenvolver uma seqüên-
Inalação de fumaça de gasolina com chumbo cia característica em várias semanas ou mais: alte-
Exposição ocupacional a chumbo sem proteção (por rações de personalidade, cefaléia, gosto metálico,
exemplo, respirador, ventilação, supressão de poeira) anorexia, desconforto abdominal vago que resulta
Fontes de baixas doses em vômito, obstipação e dor abdominal em cólica.
Encefalopatia é rara.
Exposição a poeira e solo contaminado com chumbo
em objetos domiciliares (por exemplo, miniper-
O diagnóstico presuntivo pode ser feito com
sianas)
base em aspirados de medula óssea mostrando
pontilhado basofílico em mais de 60% dos normo-

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CAPÍTULO 263 – ACIDENTES, INTOXICAÇÕES E RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR / 2259

TABELA 263.5 – CLASSIFICAÇÃO DA INTOXICAÇÃO POR CHUMBO


Classe Nível de PbS Abordagem

I < 10µg/dL Reavalie ou examine novamente em 1 ano. Não é necessária nenhuma conduta
(< 0,5µmol/L) adicional, a menos que a exposição se altere
IIA 10 a 14µg/dL Ofereça à família educação sobre chumbo e exames de seguimento
(0,5 a 0,7µmol/L) Encaminhe para os serviços sociais, se necessário
IIB 15 a 19µg/dL Proporcionar à família educação sobre chumbo e exames de seguimento
(0,7 a 0,9µmol/L) Encaminhe para os serviços sociais, se necessário
Se persistirem os níveis sangüíneos de PbS (ou seja, PbS venosas nesta faixa
com pelo menos 3 meses de intervalo) ou piorarem, proceda de acordo com
a conduta para a Classe III
A fonte de chumbo deve ser determinada e eliminada quando a PbS está
elevada. Pessoas com PbS elevada, inclusive as que estão sendo queladas,
não devem retornar a um ambiente no qual continuem a ser expostas ao
chumbo
III 20 a 44µg/dL Proporcionar coordenação de assistência (tratamento do caso) e tratamento
(0,95 a 2,1µmol/L) (ver texto)
IV 45 a 69µg/dL Dentro de 48h, inicie a abordagem e o tratamento do caso (ver texto), inves-
(2,15 a 3,35µmol/L) tigação ambiental e controle de risco do chumbo. A fonte de chumbo deve
ser determinada e eliminada quando PbS está elevada. Pessoas com PbS
elevada, inclusive as que estão sendo queladas, não devem retornar a um
ambiente no qual a exposição ao chumbo vai continuar
V ≥ 70µg/dL Interne a criança e inicie o tratamento imediatamente (ver texto). Comece a
(≥ 3,4µmol/L) abordagem do caso, investigação ambiental e controle de risco do chumbo
imediatamente

PbS = concentração de chumbo em sangue total.


A partir de Centers for Disease Control and Prevention: Screening Young Children for Lead Poisoning: Guidance for
State and Local Public Health Officials. Atlanta, Centers for Disease Control and Prevention, 1997.

blastos, exames urinários para coproporfirina e Tratamento


ácido γ-amino-levulínico e, na criança, radiogra- A quelação deve começar apenas depois de eli-
fias abdominais e de ossos longos positivas. Gli- minada a fonte de chumbo. Em casos agudamente
cosúria moderada também é sugestiva. O diagnós- sintomáticos, a quelação precisa começar antes que
tico definitivo requer dosagem de PbS. Os níveis os resultados dos exames de sangue e urina sejam
de protoporfirina eritrocitária podem estar aumen- conhecidos.
tados por causa da capacidade do chumbo em Contra-indicações para o uso de qualquer
interferir na síntese da heme. A dosagem de proto- quelante em pessoas assintomáticas incluem a pre-
porfirina é mais eficaz do que dosar o chumbo sença concomitante de doença hepática ou renal.
sangüíneo para prever o chumbo corpóreo total na Em casos gravemente sintomáticos, os riscos da
intoxicação crônica por chumbo. A protoporfirina quelação devem ser criteriosamente considerados.
eritrocitária não é sensível quando PbS é < 35µg/dL Em intoxicação aguda sintomática por chumbo
(< 1,70µmol/L) ou na intoxicação aguda. A dosa- de Classe IV e todos os casos de classe V, reco-
gem da eliminação total de chumbo na urina du- menda-se o tratamento combinado com dimercaprol
rante o primeiro dia de terapia de quelação (75 a (BAL) e CaNa2EDTA, de acordo com o esquema
100mg/kg) também é muito útil. O diagnóstico é de administração apresentado na TABELA 263.8,
confirmado se a proporção (µg Pb excretado/mg que deve ser introduzido logo que seja estabeleci-
CaNa2EDTA administrado) >1. Amostras de san- do o fluxo urinário. A dose máxima não deve ser
gue e urina devem ser coletadas em equipamento mantida além de cinco dias para evitar depletar os
livre de chumbo. Para obter resultados confiáveis, depósitos de metais essenciais, particularmente o
os testes devem ser feitos por laboratórios experi- zinco. Em casos assintomáticos de Classe IV, ape-
entes em análise de chumbo. nas o CaNa2EDTA é suficiente (ver TABELA 263.8).

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2260 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 263.6 – PERGUNTAS DE TRIAGEM TABELA 263.7 – ESQUEMA PARA EXAMES


PARA EXPOSIÇÃO AO CHUMBO DIAGNÓSTICOS EM CRIANÇA COM PbS
Seu filho: ELEVADA EM UM TESTE DE TRIAGEM
1. Vive ou visita regularmente uma casa construída antes Realize o exame
de 1960 cuja pintura está descascando? Isto pode Se o resultado do teste de diagnóstico em sangue
incluir a creche, pré-escola ou a casa de uma babá. triagem for: venoso dentro de:
2. Vive ou visita regularmente uma casa construída 10 a 19µg/dL (0,5 a 0,9µmol/L) 3 meses
antes de 1960 com reforma ou reconstrução recen-
te, em andamento ou planejada? 20 a 44µg/dL (0,95 a 2,1µmol/L) 1 mês a 1 semana*
45 a 59µg/dL (2,15 a 2,85µmol/L) 48h
3. Tem um irmão ou irmã, colega em casa ou de brin-
cadeiras que esteja sendo tratado por intoxicação 60 a 69µg/dL (2,9 a 3,35µmol/L) 24h
por chumbo (isto é, PbS ≥ 15µg/dL [0,72µmol/L]? ≥70µg/dL (> 3,4µmol/L) Imediatamente, como
exame laboratorial
4. Vive com um adulto cujo trabalho ou lazer envolve
de emergência
exposição a chumbo?
5. Vive perto de fundidor de chumbo, indústria de *Quanto mais elevada a PbS de triagem, mais urgente a
reciclagem de baterias ou outra indústria que pos- necessidade de um teste diagnóstico.
sa liberar chumbo? PbS = concentração de chumbo no sangue total.
A partir de Centers for Disease Control and Prevention:
PbS = concentração de chumbo no sangue total. Screening Young Children for Lead Poisoning: Guidance
Adaptado a partir de Medical Toxicology, editado por MJ for State and Local Public Health Officials. Atlanta, Centers
Ellenhorn. Baltimore, Williams and Wilkins, 1997, p. 1568. for Disease Control and Prevention, 1997.

Pacientes que estejam recebendo BAL devem re- gastrointestinal. O tratamento a longo prazo requer a
ceber hidratação parenteral para manutenção ou ape- redução da exposição ao chumbo.
nas líquidos oralmente, para evitar os vômitos que o O succímero (ácido meso-2,3-dimercaptos-
tratamento costuma provocar. Tratamentos curtos de succínico) é um agente quelante oral que forma
quelação geralmente estão associados com rebote em quelatos hidrossolúveis e, conseqüentemente, au-
PbS, presumivelmente pela redistribuição do chum- menta a excreção urinária de chumbo. O succí-
bo. Pelo menos 5 a 7 dias depois de completar o pri- mero está indicado no tratamento de crianças
meiro tratamento de CaNa2EDTA pode ser necessá- com intoxicação Classe IV. No entanto, pode
rio um segundo tratamento para o rebote. Quantida- também ser eficaz para reduzir o PbS naqueles
des profiláticas de ferro, zinco e cobre talvez devam com intoxicação Classe III. A dose e orientações
ser administradas para reduzir a depleção desses metais para administração são fornecidas na TABELA
durante o tratamento a longo prazo. 263.8. O tratamento recomendado é de 19 dias;
Reações graves ao CaNa2EDTA incluem eleva- a segurança de tratamento ininterrupto por mais
ção de uréia, proteinúria, hematúria microscópica, de 3 semanas não está estabelecida e ele não é
eliminação de células epiteliais tubulares renais na recomendado. Efeitos adversos comuns incluem
urina, hipercalcemia, febre e diarréia. Toxicidade erupção cutânea, sintomas gastrointestinais (náu-
renal, que é relacionada à dose, em geral é reversí- sea, vômitos, diarréia, perda de apetite, gosto
vel. Os efeitos adversos do CaNa2EDTA provavel- metálico na boca) e aumento das transaminases
mente decorram da depleção de zinco. séricas. Foi também descrita erupção exigindo
BAL não deve ser administrado a pacientes com interrupção do tratamento.
lesão hepatocelular grave, mas pode ser adminis- A encefalopatia aguda por chumbo é tratada
trado, com cuidado, inicialmente a pacientes com BAL e CaNa2EDTA combinados. Deve ser
oligúricos com encefalopatia. BAL pode induzir feita uma consulta neurológica imediatamente e o
hemólise intravascular aguda de moderada a grave paciente deve ser tratado em UTI. O EDTA
em pacientes com deficiência de G6PD. Ao con- não é metabolizado; é excretado inalterado ex-
trário do CaNa2EDTA, BAL não deve ser adminis- clusivamente por filtração glomerular renal.
trado concomitantemente com ferro medicinal. O CaNa2EDTA deve ser suspenso em pacientes
Nenhuma dessas drogas deve ser administrada com anúricos. No esquema combinado de BAL e
finalidade profilática a trabalhadores expostos a chum- CaNa2EDTA, o CaNa2EDTA, na dose apresenta-
bo ou quando algum paciente sofrer exposição ex- da na TABELA 263.8, não deve exceder a 5 dias
cessiva ao chumbo, porque podem provocar aumen- consecutivos; no entanto, em casos muito graves,
to líquido na absorção do chumbo presente no trato com resposta lenta de encefalopatia, pode ser

Merck_19D.p65 2260 02/02/01, 16:18


CAPÍTULO 263 – ACIDENTES, INTOXICAÇÕES E RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR / 2261

TABELA 263.8 – ESQUEMA DE ADMINISTRAÇÃO DE AGENTES QUELANTES


Nível de PbS/
Manifestações
clínicas Abordagem Administração

< 45µg/dL A terapia por quelação não é administrada


(< 2,15µmol/L) de rotina
45 a 70µg/dL Succímero 10mg/kg VO a cada 8h durante Para succímero, a duração recomendada de
(2,15 a 3,4µmol/L), 5 dias, depois 10mg/kg a cada 12h du- tratamento é de 19 dias; o aumento do
sem sintomas de rante 14 dias intervalo entre as administrações depois
encefalopatia ou dos 5 dias iniciais elimina a elevação
CaNa2EDTA 25mg/kg ao dia durante 5 dias rebote dos níveis sangüíneos de chum-
bo durante o tratamento e reduz o rebo-
te depois do término da terapia. Os ní-
veis sangüíneos de chumbo devem ser
monitorados pelo menos uma vez por
semana depois da terapia para determi-
nar se há indicação de novo tratamento.
Recomenda-se um intervalo de pelo
menos 2 semanas entre os tratamentos
Para CaNa2EDTA, a injeção IM é mais sim-
ples em crianças, mas se for preferida a
via IV como em adultos, infunda cada
dose em 6h; espere 2 a 3 semanas entre
cada série de tratamento, de 3 a 5 dias
≥ 70µg/dL BAL 25mg/kg ao dia IM divididos a cada Depois da primeira dose de BAL, para o
(≥ 3,4µmol/L) ou com 4h. A primeira dose é administrada iso- esquema combinado, injete BAL e
sintomas de encefa- ladamente e 4h depois a segunda dose CaNa2EDTA simultaneamente em sítios
lopatia é administrada simultaneamente com IM profundos separados; alterne os sí-
CaNa2EDTA 50mg/kg ao dia como dose tios de injeção
única, infundida durante várias horas
ou em infusão contínua. Este esquema
combinado é mantido por pelo menos
72h. A terapia é depois mantida duran-
te 5 dias com as duas drogas ou apenas
CaNa2EDTA durante 5 dias*
*Pacientes com encefalopatia por chumbo devem receber as duas drogas até que estejam clinicamente estáveis antes
de mudar o tratamento.
PbS = concentração de chumbo no sangue total; CaNa2EDTA = edetato dissódico de cálcio; BAL = dimercaprol.

administrado cuidadosamente por mais dois dias. INTOXICAÇÃO POR FERRO


A menor dose diária de CaNa2EDTA (25mg/kg/dia)
aconselhada para casos levemente sintomáticos ou Pela ampla distribuição de preparações com ferro
assintomáticos é mais segura, mas não deve ser (Fe), a ingestão de produtos que o contêm é um
usada por mais de 5 dias consecutivos, com perío- problema pediátrico comum, mas raramente mor-
do de repouso de uma semana ou mais entre eles. tal. Muito poucos casos de intoxicação grave por
Embora o teste diagnóstico com CaNa2EDTA (75 ferro são descritos pelos centros de controle de in-
a 100mg/kg em apenas 1 dia) seja seguro em pes- toxicação a cada ano, provavelmente por causa da
soas assintomáticas, o CaNa2EDTA talvez não pequena quantidade de ferro elementar nas prepa-
deva ser administrado terapeuticamente em casos rações (ver adiante). No entanto, o Fe elementar
que não sejam potencialmente fatais na presença tem efeito tóxico sobre os sistemas gastrointesti-
de insuficiência renal. nal, cardiovascular e nervoso central. A dose oral

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2262 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

mortal de Fe elementar varia de 200 a 250mg/kg, nado, a menos que apresente sintomas. Se o Fe sé-
mas doses de apenas 130mg podem ser fatais em rico for > 350µg/dL ou na presença de sintomas,
crianças. Com base no peso corpóreo, < 20mg de Fe pode ser necessária internação hospitalar.
elementar/kg são atóxicos; 20 a 60mg de Fe elemen- A ampla disponibilidade do exame de Fe sérico
tar/kg são leve a moderadamente tóxicos e > 60mg/kg favorece seu uso na avaliação da potencial toxicida-
podem resultar em morbidade importante e óbito. de (ver TABELA 263.10). Deferoxamina 50mg/kg IM
Existem mais de 100 preparações comerciais de também pode indicar a presença de Fe livre se a uri-
Fe no mercado; contudo, o sulfato ferroso (20% de na mudar para uma clássica cor de vinho rosé.
Fe elementar) e gluconato ferroso (12% de ferro A radiografia de abdome pode revelar comprimidos
elementar) são os mais prescritos. O fumarato de ferro não digeridos e aglomerados de ferro, mas
ferroso (33% de Fe elementar) é composto com não mostra vitaminas contendo ferro, preparações
múltiplas vitaminas para adultos e crianças. líquidas de ferro ou comprimidos de ferro mastiga-
dos. O prognóstico é bom. A letalidade é de aproxi-
Sintomas e sinais madamente 10% quando se desenvolvem choque e
Diarréia, vômitos, leucocitose e hiperglicemia coma; a letalidade geral é ao redor de 1%.
geralmente indicam concentrações séricas de Fe >
300µg/dL (> 54µmol/L). Se não se desenvolverem Tratamento
sintomas nas primeiras 6h, o paciente apresenta ris- Inicialmente, o ferro deve ser vigorosamente re-
co mínimo. Os quatro estágios da intoxicação por movido do estômago. Se o paciente estiver acordado
ferro são apresentados na TABELA 263.9. e alerta, a emese deverá ser induzida com xarope de
ipeca. No entanto, a emese induzida pela ipeca não
Diagnóstico e prognóstico permite diferenciar se o vômito está sendo provoca-
Sempre que possível, o Fe sérico deve ser deter- do apenas pela ipeca ou, em parte, pelo ferro. Como
minado 3 a 4h depois da ingestão. Medidas seria- não é possível usar uma sonda nasogástrica de cali-
das de Fe podem ser necessárias para avaliar a evo- bre grosso em crianças, a lavagem gástrica tem eficá-
lução clínica, se o nível inicial de Fe estiver eleva- cia limitada. A administração de fluidos de lavagem
do. Se o Fe sérico for >110µg/dL (>20µmol/L), mas contendo fosfatos de deferoxamina ou bicarbonato
< 350µg/dL (< 63µmol/L), é altamente improvável de sódio é contra-indicada. A irrigação de todo o in-
que haja Fe livre e o paciente não precisa ser inter- testino com 0,5L/h de uma solução de lavagem de
polietilenoglicol eletrólitos pode ser iniciada e man-
tida várias horas depois da ingestão. O carvão ativa-
TABELA 263.9 – ESTÁDIOS DA do não absorve Fe e não deve ser usado.
INTOXICAÇÃO POR FERRO A deferoxamina, quelante do ferro livre, deve
Estádio I (dentro de 6h): Vômitos, hematêmese, diar- ser instituída em qualquer paciente com nível séri-
réia explosiva, irritabilidade, dor abdominal, letargia co de Fe ≥ 350µg/dL (≥ 63µmol/L) e evidência de
e coma podem estar presentes. Irritação da mucosa sintomas gastrointestinais; em qualquer paciente
GI pode levar a gastrite hemorrágica. Taquipnéia, com nível sérico de Fe ≥ 500µg/dL (> 90µmol/L) e
taquicardia, hipotensão e acidose metabólica também
podem ocorrer quando os níveis séricos de Fe são
elevados. Choque ou coma nas primeiras 6h são sinais TABELA 263.10 – NÍVEIS DE FERRO SÉRICO*
de mau prognóstico Níveis séricos Toxicidade (mg/dL)
Estádio II (6 a 24h pós-ingestão): Ocorre um período
latente de até 24h de melhora ilusória 0 – 100µg/dL (0 – 18µmol/L) Normal
Estádio III (12 a 48h pós-ingestão): Choque, hipo- 100 – 350µg/dL Intoxicação definida;
perfusão, convulsões e hipoglicemia podem estar pre- (18 – 63µmol/L) leve toxicidade
sentes. Os níveis séricos de Fe podem ser normais. 350 – 500µg/dL Toxicidade grave
ALT elevada por lesão hepática, febre, leucocitose, (63 – 90µmol/L)
distúrbios hemorrágicos, ondas T invertidas no ECG, 500 – 1.000µg/dL Toxicidade extrema
desorientação, inquietação, letargia, convulsões, coma, (90 – 179µmol/L)
choque, acidose e óbito podem ocorrer > 1.000µg/dL (> 179µmol/L) Potencialmente mortal
Estádio IV (2 a 5 semanas mais tarde, se ocorrerem
* 2 a 4h após ingestão.
complicações tardias): Sintomas e sinais devidos a
Modificado a partir de Medical Toxicology by MJ Ellenhorn
obstrução pilórica, antral ou intestinal, cirrose hepá-
e P Barceloux. New York, Elsevier, 1987, p. 1025. Copyright
tica ou lesão de SNC são observados
1987 by Elsevier Science Publishing Co. Inc.

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CAPÍTULO 263 – ACIDENTES, INTOXICAÇÕES E RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR / 2263

em qualquer paciente sintomático quando não for estar relacionados à dose e são mais graves com a
possível avaliar os níveis de ferro. ingestão de fluido de isqueiro e óleo mineral.
Em paciente normotenso, pode-se adminis- Em casos graves, dilatação cardíaca, fibrilações
trar 90mg/kg IM de deferoxamina, seguidos por atrial e ventricular fatais podem ocorrer. Danos
90mg/kg a cada 4 a 12h, até 6g/dia, dependendo de aos rins e à medula óssea foram descritos. Quan-
sinais clínicos e resposta laboratorial ao tratamen- do há morte por pneumonite, ela em geral se dá
to. Muitos médicos preferem administração IV de em 24h. Resolução de pneumonia não complica-
doses de 15mg/kg/h. Em superdosagem maciça, isso da dura cerca de 1 semana, exceto se for causada
pode não ser adequado, porque 1g de deferoxami- por ingestão de óleo mineral, quando usualmente
na quela apenas 85mg de Fe. Exsangüineotransfusão dura de 5 a 6 semanas.
teoricamente é útil no tratamento do paciente com
intoxicação grave por Fe; para ter sucesso, deve ser Achados laboratoriais
iniciada muito precocemente, antes do movimento A radiografia de tórax é o teste diagnóstico mais
do ferro para o espaço intracelular. importante e é melhor que seja realizada entre uma e
meia e duas horas após a ingestão, a menos que este-
INTOXICAÇÃO POR jam presentes sintomas importantes. Os casos mais
graves apresentam evidência radiológica visível de
HIDROCARBONETOS pneumonia por aspiração de hidrocarboneto dentro
Anualmente, a ingestão de destilados de petróleo de 2h; 90% de todos os casos com pneumonia mos-
(por exemplo, gasolina, querosene, solventes de tin- tram raio X positivo em 6 a 18h; entretanto, nenhum
ta) e hidrocarbonetos halogenados (como tetracloreto caso novo se desenvolve após 24h. Leucometria com
de carbono, bicloreto de etileno) é responsável por diferencial e análise da urina podem ajudar a identifi-
> 25.000 intoxicações em crianças < 5 anos. O óbito car infecção secundária e envolvimento renal. Os ní-
decorre com mais freqüência de uma pneumonite veis sangüíneos de hidrocarboneto não têm qualquer
aspirativa grave após ingestão acidental. A inalação valor prático. Quando houver evidência de envolvi-
proposital de hidrocarbonetos halogenados, que ocorre mento pulmonar, a determinação da gasometria arte-
tipicamente com adolescentes, pode resultar em morte rial auxiliará o diagnóstico e o tratamento.
súbita por parada cardíaca.
A viscosidade e tensão superficial são as pro- Tratamento
priedades físicas mais importantes desses derivados Na ausência de sinais ou sintomas de insuficiência
de hidrocarbonetos, porque determinam o grau de pe- respiratória (taquipnéia, taquicardia, tosse ou ester-
rigo pela sua aspiração – pequenas quantidades po- tores), a criança pode ser tratada em casa; se o adoles-
dem-se espalhar rapidamente por grande superfície cente ou adulto não desenvolver fibrilação atrial ou
de tecido pulmonar. Quanto menor a viscosidade, ventricular, a conduta é a mesma. Ainda em casa,
maior o risco de aspiração pulmonar, com certos adi- depois da determinação do estado respiratório, toda a
tivos contribuindo para outros efeitos tóxicos. Óleo roupa contaminada deve ser removida e a pele lava-
mineral (usado em produtos como lustra-móveis) é o da. Pode ser oferecido um copo de leite para diluir o
mais perigoso dos líquidos mais viscosos por seu po- material ingerido e reduzir a irritação gástrica.
tencial para produzir pneumonia aspirativa. Pacientes em estado grave devem ser internados.
Em animais de laboratório, o hidrocarboneto no A terapia de suporte é feita com hidratação IV e O2.
trato respiratório é pelo menos 140 vezes mais tó- A pneumonite inicial é de natureza química e não
xico do que no trato gastrointestinal. Se tal achado responde a antibióticos. Corticosteróides quase nunca
for aplicável ao homem, poderia ocorrer óbito de são eficazes e se sugeriu que podem afetar negativa-
uma criança com 350mL no estômago, mas com mente a resposta imunológica do paciente.
apenas 2,5mL nos pulmões. Quando for ingerido hidrocarboneto contendo
outra substância tóxica, o tratamento deverá ser
Sintomas e sinais orientado aos dois tóxicos e ao esvaziamento gás-
Sintomas e sinais relacionam-se principalmente trico, por emese ou lavagem.
ao sistema respiratório, trato gastrointestinal e SNC.
De início, a vítima tosse, engasga e possivelmente
vomita, mesmo com um pequeno gole. Cianose, RESSUSCITAÇÃO
dispnéia e tosse persistente podem ocorrer depois. CARDIOPULMONAR
Crianças mais velhas podem queixar-se de uma
sensação de queimação no estômago e vomitam (Ver também Cap. 206.)
espontaneamente. Sintomas do SNC incluem le- A ressuscitação cardiopulmonar (RCP) – suporte
targia, coma e convulsões. Esses efeitos costumam vital básico e avançado – em pacientes pediátricos

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2264 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

apresenta grandes dificuldades. Apesar do uso da fecções de trato respiratório ou sistêmicas e car-
RCP, a letalidade por parada cardíaca é de 70 a 90% diopatia congênita. Em adultos, a causa é quase
para recém-nascidos prematuros e a termo e 90 a sempre secundária à coronariopatia difusa grave,
97% para lactentes e crianças. A letalidade é de mais comumente com taquiarritmia ventricular
quase 50% para parada respiratória. A evolução maligna superimposta. Em crianças, a hipoxemia e
neurológica é habitualmente muito comprometida. dificuldades de vias aéreas são os principais desen-
Cerca de 50 a 65% das crianças submetidas à cadeantes, resultando em bradiarritmias e assistolia,
RCP têm menos de 1 ano; dessas, a maioria é < 6 enquanto que apenas 10% das arritmias são taquiar-
meses. Aproximadamente 6% dos recém-nascidos ritmias ventriculares. Portanto, em crianças, a des-
necessitam de ressuscitação no parto (ver TABELA fibrilação rápida de rotina quase não é necessária,
263.11); a incidência aumenta significativamente ao contrário do que ocorre com adultos, porque as
se o peso ao nascer for < 1.500g. arritmias ventriculares malignas são uma causa
improvável.
Principais diferenças entre O peso deve ser estimado com precisão para
ressuscitação cardiopulmonar permitir o cálculo das doses das drogas, que são
pediátrica e do adulto determinadas em miligramas e convertidas em mi-
As causas de parada cardíaca nos neonatos e lilitros com base na concentração das drogas. Essa
crianças são altamente variáveis; as mais comuns abordagem freqüentemente retarda a intervenção e
são acidentes automobilísticos, afogamento, quei- pode acarretar erros graves.
maduras, ferimentos por arma de fogo, intoxica- A anatomia das vias aéreas superiores é dife-
ção exógena, inalação de fumaça, SIDS, obstrução rente em crianças. O crânio é grande com face,
de vias aéreas e asfixia por corpos estranhos, in- mandíbula e narinas externas pequenas e um pes-
coço relativamente curto. A língua é grande em re-
lação à boca e a laringe fica mais alta no pescoço,
TABELA 263.11 – PROBLEMAS QUE com angulação mais anterior. A epiglote é longa e a
PODEM EXIGIR RESSUSCITAÇÃO NO porção mais estreita fica abaixo das cordas vocais
RECÉM-NASCIDO no anel cricóide, permitindo o uso de sondas en-
Não consegue expandir dotraqueais sem “cuff” em crianças (ao contrário dos
Não consegue respirar os pulmões adultos), reduzindo, assim, o traumatismo para o
revestimento mucoso sensível das vias aéreas.
Mecanismo anteparto Obstruçção das vias aéreas A suscetibilidade à perda de calor é maior em
Toxemia materna Mecônio neonatos e crianças do que em adultos, por causa da
Hipertensão renovascular Muco grande área de superfície em relação à massa corpó-
Diabetes Sangue rea e com menos tecido subcutâneo. Um ambiente
Restrição do crescimen- Prematuridade (síndro- externo termicamente neutro é crucial durante a RCP
to intra-uterino me da angústia respi- e pode variar de 36,5°C (97,7°F), em neonatos, até
Asfixia intraparto recente ratória) 35°C (95°F), numa criança. A hipotermia com tem-
Compressão do cordão Malformaçções envolven- peratura central < 35°C aumenta o consumo de O2 e
Perda de sangue fetal do o trato respiratório o débito cardíaco e aumenta a morbidade geral. À
Prolapso de cordão Agenesia medida que a temperatura cai, eventualmente cessa o
Descolamento prematuro Hipoplasia mecanismo protetor de aumentar a produção de calor
Placenta prévia Estenose ou atresia por meio de tremores. O consumo de oxigênio dimi-
Tetania uterina Hérnia diafragmática nui e uma bradiarritmia intensa, levando à assistolia,
Hipotensão materna pode ocorrer dentro de 10 a 15min de hipotermia pro-
Depressão do SNC funda (< 28°C [< 48°F]).
Hemorragia intracerebral A freqüência de compressões cardíacas varia
Alterações congênitas do de 80 a 100/min, usando as duas mãos; uma das
tronco cerebral mãos, ou dois dedos, no esterno, dependendo do
Lesão de medula espinhal tamanho da criança.
Drogas A freqüência da ventilaçção, embora em razão
Narcóticos, uso de dro- ventilação:compressão idêntica à RCP com duas
gas pela mãe pessoas para o adulto, varia com a freqüência das
Magnésio compressões cardíacas, determinada pela idade (ver
Anestésicos TABELA 263.12).
Analgésicos ou hipnóticos A seleçção das cânulas é difícil, embora vital. Exis-
tem cinco tipos de cânulas, seis tamanhos de máscaras

Merck_19D.p65 2264 02/02/01, 16:18


CAPÍTULO 263 – ACIDENTES, INTOXICAÇÕES E RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR / 2265

A B

FIGURA 263.3 – Técnicas de compressão torácica. A) Colocação dos dois polegares em recém-nascidos e lactentes
pequenos, cujos tórax devem ser circundados. B) Posição dos dois dedos para recém-nascidos e lactentes. Os dedos devem
ser mantidos na posição vertical durante a compressão. Em recém-nascidos, esta técnica resultará em uma posição muito
baixa, ou seja, no apêndice xifóide ou abaixo; a posição correta é logo abaixo da linha do mamilo. C) Posição das mãos
para compressão torácica em uma criança. (Adaptado a partir de American Heart Association: Standards and guidelines
for CPR. Journal of the American Medical Association 1986; 268:2251-2281. Copyright 1992 American Medical Association).

(com ou sem “cuff”), três tamanhos de sacos para ven- treinadas devem estar prontamente disponíveis para
tilação, quatro tamanhos de lâminas de laringoscópio neonatos na sala de parto e para todas as outras crian-
e seis tamanhos de sondas de aspiração para crianças. ças que apresentem parada cardiopulmonar, tanto no
O problema desencadeante deve ser tratado, se hospital, quanto fora dele. A equipe deve avaliar a
possível, imediatamente depois da avaliação inicial; necessidade de especialistas adicionais ou transfe-
por exemplo, naloxona deve ser administrada a neo- rência para um serviço de tratamento terciário.
natos cujas mães tenham recebido narcóticos no pe-
ríodo intraparto; o choque séptico deve ser tratado SUPORTE VITAL BÁSICO
agressivamente em pacientes com meningo- Avaliação e estabilização do recém-
coccemia; a perda de sangue deve ser tratada rapi-
damente em pacientes com politraumatismo e a re- nascido
moção de corpos estranhos em pacientes em choque O escore de Apgar (ver TABELA 263.13) com 1
deve ser considerada. Equipes de RCP especialmente e 5min é usado para avaliar a condição e evolução

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2266

TABELA 263.12 – GUIA PARA A RESSUSCITAÇÃO EM PACIENTES PEDIÁTRICOS — MEDIDAS MECÂNICAS


PREMA- A 6 – 12
IDADE (anos) TURO TERMO meses 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16

PESO (kg) ≤2 3,5 7 10 12 14 16 18 20 22 25 28 30 35 40 45 50 55 60

Freqüência de ven
ventititila
la ção/min
lação/min 40 40 20 20 20 20 20 20 20 20 20 16 16 16 16 16 16 16 16

601 601 251 251 251 251 251 251 251 251 251 201 201 201 201 201 201 201 201
2266

Freqüência de compressão/min 30(V)2 30(V)2


100 100 100 100 100 100 100 100 100 80 80 80 80 80 80 80 80
90 C 90 C
Técnicas de compressão Compressão com o Com-
polegar, as mãos pressão
ao redor do tó- com Uma mão Duas mãos
rax (preferida), dois
ou dois dedos dedos
Tamanho da via respiratória 000 000 00 00 0 0
(Portex) em cm 3,5 3,5 5 5 6 6 7 7 7 7 7 7 7 7 7 8 8 8 8
Tamanho das máscaras (Laerdal ou Circular Tipo Tipo
equivalente) 00 0/1 Rendell-Baker 1 Rendell-Baker 2 Máscara em cúpula com “cuff” #3 Máscara em cúpula com “cuff” #4

Bolsa de ventilação com reservató- Laerdal para


rio para a saída de O2 a 100% lactentes Laerdal infantil 500mL Laerdal para adultos 1.600mL
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240mL
Tamanho da lâmina do Miller 0 reta ou 1 1 1 1 2 2 2 2 3 3 3 3 3 3 3 3 3
laringoscópio equivalente Lâmina reta (preferida) ou curva Lâmina curva ou reta

Tamanho da CET (Portex) em mm 2,5 3 3,5 4 4,5 4,5 5 5 5,5 5,5 6 6 6 6 6,5 6,5 6,5 6,5 7
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Cateter de Orofaríngeo 10 Fr. 10 Fr. Sucção pediátrica Aspiração tonsilar do adulto


aspiração ○
direto
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
da amígdala
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Através da CET 6 Fr. 8 Fr. 10 Fr.


2267

Desfibrilação (ws) Dose (2ws/kg) 3 7 10 203 203 303 303 303 503 503 503 503 703 703 703 1003 1003 2003 2003
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Pás pediátricas
(com base no Freqüência Se não houver resposta, administrar dose máxima × 2
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

desfibrilador
Dose máxima
HP431100A) 10 20 30 503 503 503 703 703 1003 1003 1003 1003 1003 1503 1503 2003 2003 3003 3003
(4ws/kg)
Choque sin-
Cardioversão cronizado
Pás pediátricas 2 2 3 53 53 73 73 103 103 103 103 103 203 203 203 203 303 303 303

(0,5ws/kg)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

(com base no
desfibrilador Freqüência Aumentar a dose lentamente em tentativas subseqüentes até o máximo
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

HP43100A)
Dose máxima
(1ws/kg) 2 5 5 103 103 103 203 203 203 203 203 303 303 303 503 503 503 503 703

1Representa aumento de 25% na freqüência (50% para prematuros e a termo) para lesão cefálica e asfixia.
2Pausa para ventilação.
3Uso de pás para adultos.
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Fr. = French; CET = cânula endotraqueal; ws = watts-segundos.


Cortesia do Dr. B. Paes e Dr. M. Sullivan, Departments of Pediatrics and Medicine, St. Joseph’s Hospital, Hamilton Health Sciences Corporation, McMaster University, Hamilton, Ontário, Canadá.
2267
2268 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 263.13 – ESCORE DE APGAR


Escore
Escore*
Critérios 0 1 2
Cor Todo azul, pálido Corpo rosado, extre- Todo rosado
midades azuis
Freqüência cardíaca Ausente < 100bpm > 100bpm
Respiração Ausente Irregular, lenta Boa, chorando
Resposta reflexa a cateter nasal/ Nenhuma Careta Espirro, tosse
estimulação tátil
Tônus muscular Fraco Alguma flexão de ex- Ativo
tremidades
* Um escore total de 7 a 10 aos 5min é considerado normal; 4 a 6, intermediário e 0 a 3, baixo.

TABELA 263.14 – ESTADIAMENTO CLÍNICO DA ENCEFALOPATIA PÓS-HIPOXIA


Fator Estádio I (leve) Estádio II (moderada) Estádio III (intensa)

Duração < 24h 2 a 14 dias Horas a semanas


Nível de consciência Hiperalerta e irritabilidade Letargia Estupor profundo ou coma
Tônus muscular Normal Hipotonia ou fraqueza pro- Flacidez
ximal dos membros
Reflexos tendinosos Aumentados Aumentados Deprimidos ou ausentes
Mioclonia Presente Presente Ausente
Reflexos complexos
Sucção Ativa Fraca Ausente
Resposta de Moro Exagerada Incompleta Ausente
Preensão Normal a exagerada Exagerada Ausente
Oculocefálico (olhos de Normal Hiper-reativo Reduzido ou ausente
boneca)
Função autônoma
Pupilas Dilatadas Contraídas Variáveis ou fixas
Respiração Regular Variável em freqüência e Apnéia irregular
profundidade, periódica
Freqüência cardíaca Normal ou taquicardia Baixa em repouso, Bradicardia
< 120bpm
Convulsões Nenhuma Comum (70%) Incomum
EEG Normal Atividade de baixa volta- Periódica ou isoelétrica
gem, periódica ou paro-
xística, epileptiforme
Risco de óbito < 1% 5% > 60%
Risco de seqüelas graves < 1% 20% > 70%

Modificado a partir de Sarnat HB, Sarnat MS: Neonatal encephalopathy following fetal distress. Archives of Neurology
33:696–705, 1975.

do neonato imediatamente após o nascimento. mal; 4 a 6, intermediário e 0 a 3, baixo. Um escore


Componentes do escore (tais como cor, tônus mus- de Apgar baixo não é, por si mesmo, um indicador
cular, resposta reflexa ao cateter nasal) dependem de asfixia perinatal (ver adiante) mas está associa-
parcialmente da maturidade fisiológica; o escore é do com risco muito pequeno de disfunção neuroló-
significativamente afetado pela terapia materna e gica. Lactentes com escore de Apgar indevidamente
condições cardiorrespiratórias e neurológicas fetais. baixo durante um período de tempo prolongado
Um escore de 7 a 10 aos 5min é considerado nor- (> 10min) apresentam mortalidade progressivamen-

Merck_19D.p65 2268 02/02/01, 16:18


CAPÍTULO 263 – ACIDENTES, INTOXICAÇÕES E RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR / 2269

te crescente no primeiro ano de vida; os que sobre- Quando for observada obstrução por corpo es-
vivem podem apresentar paralisia cerebral. tranho ou existir forte suspeita, o alívio poderá ser
Com asfixia, cor, respiração, tônus muscular, obtido depois de estimular tosse espontânea em
resposta reflexa e freqüência cardíaca desaparecem criança com respiração adequada. A intervenção é
seqüencialmente (a ressuscitação eficiente leva à necessária apenas se estridor e dificuldades respi-
melhora imediata de freqüência cardíaca, seguida ratórias também estiverem presentes ou ocorrer
por resposta reflexa, cor, respiração e tônus mus- perda de consciência. Em um lactente, cinco gol-
cular). Evidência de sofrimento fetal intraparto, pes entre as espáduas, usando o punho, devem ser
persistência de escore de Apgar de 0 a 3 por > 5 min, seguidos por cinco impulsos torácicos para baixo,
pH em gasometria arterial de sangue do cordão < 7 na mesma localização de compressões torácicas (ver
e síndrome neurológica neonatal mantida que in- FIG. 263.3). A manobra de Heimlich é reservada para
clua hipotonia, coma, convulsões e evidência de crianças, mas a técnica varia com o tamanho do pa-
disfunção de múltiplos órgãos refletem asfixia ciente. Em vítimas conscientes, cinco impulsões
perinatal. A gravidade e o resultado da encefalo- abdominais para cima na linha média, imediatamente
patia pós-hipoxia-isquemia são mais bem avalia- acima da cicatriz umbilical, devem ser realizadas
dos pela classificação de Sarnat (ver TABELA usando os punhos fechados, com a criança em pé,
263.14) em conjunto com EEG, imagem neurorra- sentada ou deitada. A posição deitada é reservada
diológica e respostas evocadas e auditivas de tron- para vítimas inconscientes (ver FIGS. 263.6 e 263.7).
co cerebral. A respiraçção com pressão positiva deve ser
A estabilizaçção inicial do recém-nascido inclui iniciada na ausência de esforços respiratórios, com
posicionamento, aspiração, estimulação tátil e ad- aplicação de respirações a cada 1 a 1,5 segundo
ministração de O2 (ver também FIG. 263.4). para fornecer ventilação eficaz e reduzir a pressão
O posicionamento é realizado da melhor forma ventilatória, que pode resultar em distensão gástri-
em suporte com elevação para a cabeça pré-aque- ca. A respiração de resgate não é recomendada para
cido na sala de parto, depois de enxugar rapida- o neonato internado, por causa da facilidade com
mente a criança e retirar os panos molhados. O lac-
tente deve ser colocado em decúbito dorsal e o pes- que a ventilação com saco e máscara para ventila-
coço apoiado em posição neutra com uma toalha ção pode ser estabelecida.
enrolada sob os ombros. A compressão cardíaca externa é iniciada quan-
A aspiraçção da boca, nariz e faringe deve ser do se encontra pulso ausente na base do cordão
realizada antes da saída do tórax, especialmente em umbilical (neonato), artéria braquial (< 1 ano) ou
recém-nascidos com líquido amniótico com carótida (≥1 ano). Técnica e freqüência adequadas
mecônio. A aspiração é mais eficiente com sondas de RCP são iniciadas sobre o esterno (ver TABELA
de tamanho apropriado (ver TABELA 263.12) usan- 263.12) e mantidas sem interrupção, exceto pausas
do aparelhos de aspiração mecânica com limites para ventilação na criança não intubada, até que o
de pressão de 100mmHg (136cm H2O). Deve ser paciente responda ou a ressuscitação seja encerra-
realizada de forma intermitente, evitando aspira- da. As posições para massagem cardíaca são mos-
ção profunda em orofaringe. tradas na FIGURA 263.3. Para evitar trauma no
A estimulaçção tátil do neonato (por exemplo, fígado, o terço inferior do esterno deve ser usado
tapinhas nas plantas dos pés, esfregar as costas) para posicionamento nos neonatos prematuros e a
pode ser necessária para estimular a respiração re- termo, lactentes e crianças < 8 anos. As compres-
gular espontânea. sões torácicas devem ser acompanhadas por res-
A administraçção de O2, quando necessária, piração de resgate e observação cuidadosa da ex-
deve ocorrer com 10L/min através de máscara fa- cursão torácica adequada, pulsos adequados, rea-
cial conectada a um saco auto-inflável ou de anes- ções pupilares à luz e ausência de distensão gás-
tesia ou com 5L/min diretamente de uma fonte trica. Se ocorrer distensão gástrica, deve ser intro-
usando equipo para O2. duzida uma sonda nasogástrica.
Se as medidas de suporte vital básico não obti-
verem resposta, é necessário instituir, imediatamen-
Ressuscitação cardiopulmonar te, o suporte vital avançado.
depois do período neonatal
O suporte vital envolve avaliações seqüenciais SUPORTE VITAL AVANÇADO
e intervenções. As vias aéreas devem ser rapida-
mente avaliadas e estabilizadas, para eliminar Cânulas
obstrução e aplicar aspiração, ventilação e oxi- As cânulas e as máscaras devem ter um tama-
genação (ver FIG. 263.5). nho apropriado (ver TABELA 263.12).

Merck_19D.p65 2269 02/02/01, 16:18


2270 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

FIGURA 263.4 – Seqüência do mane-


Secar o RN jo de ressuscitaçção do recém-nasci-
do (protocolo para a sala de parto)
Melhora Posicionar a cabeça CET = cânula endotraqueal.(Adaptado
Sem melhora a partir de Kattwinkel J, et al: Perinatal
Aspirar a boca, depois o nariz Continuing Education Program,
University of Virginia at Charlottesville,
Sem respirações 1991, e The Guidelines of the American
Respirações regulares Heart Association.)
Breve
Avaliar freqüência cardíaca estimulação tátil
>100bpm < 100bpm Ventilar com
máscara ou bolsa
Verificar cor Ventilação fechada 40 – 60/min
com másca- por 15 – 30s
ra ou bolsa
Rosa Azul fechada até Avaliar freqüência cardíaca
> 100bpm
Sem ressusci- Fluxo de O2 > 100bpm < 100 bpm
tação posterior livre a 5L/min
>100bpm Continuar a ventilação com más-
cara e bolsa fechada por 15 – 30s
Sem respiração > 100bpm Verificar a freqüência
espontânea
cardíaca 80 – 100bpm
< 80bpm
Continuar a ventilação com Iniciar compressões cardíacas
máscara e bolsa até em 90/min com ventilação com
estabelecer respirações máscara e bolsa 30/min
regulares durante 30 – 60s
Narcóticos nas Não Avaliar freqüência cardíaca
últimas 4h
Sim > 80bpm < 80bpm
Naloxona 0,4mg/mL Parar as Freqüência cardíaca
Intubar e ventilar
Prematuros: 0,5mL compressões > 100bpm
a 30/min;
Termo completo: 1,0mL compressões Respiração
cardíacas 90/min regular
Adrenalina (1:10.000) IV ou CET por 30 – 60s
0,5mL cada 3 – 5min (≤ 34 Extubar
semanas) 1,0mL cada 3 – 5min < 80bpm
(> 34 semanas) Rx Certificar-se de que:
Observar e monitorar
o recém-nascido ■ A bolsa fornece O2 a
Inserir cateter venoso umbilical para medicações 100%
■ A CET está na
Se houver evidências de sangramento agudo com sinais de hipo-
traquéia e firme
volemia: checar a PA e tempo de enchimento capilar (normal = ≤ 3s) ■ As conexões do O
Se for anormal, dar expansores de volume IV: solução salina normal 2
(10mL/kg); albumina a 5%; plasma fresco congelado, sangue total ou são firmes
■ A pressão é ade-
papa de hemácias (10mL/kg)
quada para mover
o tórax
Em caso de ressuscitação prolongada, utilizar bicarbonato de sódio ■ A compressão

(4,2%) 2mmoL/kg (4mL/kg) cardíaca é adequada

Na evidência de continuidade do choque, repetir


doses de expansores de volume; considerar a
dopamina (5 – 20µg/kg/min) e obter consulta

Merck_19D.p65 2270 02/02/01, 16:18


CAPÍTULO 263 – ACIDENTES, INTOXICAÇÕES E RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR / 2271

Examinar quanto à não responsividade


ou dificuldade respiratória

Solicitar auxílio

Posicionar paciente

Determinar a
permeabilidade da via
respiratória

Sim Não

Determinar se o paciente está respirando: pes- Estabelecer a via respiratória inclinando a cabeça,
quisar por movimentos torácicos, ouvir ar exala- levantar o queixo (a não ser em presença de trau-
do, sentir fluxo aéreo ma), abrir o maxilar; via respiratória orofaríngea
Sim Não
Administrar O2 suplementar por meio de cânula
nasal ou máscara facial (respiração simples, par-
cial em sistema fechado ou não reinalação)

Iniciar respiração de resgate (16 a 20 respirações/min):


Examinar quanto a débito cardíaco; boca a nariz e boca, boca a boca, bolsa e máscara de
checar pulsos carotídeos e braquiais ventilação (100% O2); intubar e ventilar*
Sim Não

Monitorar ECG quanto a freqüência e ritmo car- Iniciar compressão cardíaca; coordenar ventila-
díacos, oxímetro de pulso, e PA por Doppler; soli- ção e compressão (1:5); monitorar ECG; iniciar
citar exames laboratoriais quanto a açúcar san- terapia medicamentosa IV, controle de volume,
güíneo, gasometria, eletrólitos, BUN, Ca++, etc. terapia específica

* São recomendadas máscaras descartáveis para ventilação de emergência em vez de ressuscitação boca a boca
devido ao risco de AIDS.

FIGURA 263.5 – Seqüência de tratamento para o suporte vital pediátrico.

O saco e a máscara para ventilaçção requerem nula atingir a orofaringe posterior, deve-se fazer
boa vedação entre máscara e face. Os critérios para uma rotação e colocá-la na posição apropriada.
ventilação com saco e máscara em neonatos in- Cânulas orais raramente são necessárias em neo-
cluem atividade respiratória inadequada ou apnéia, natos, exceto quando alterações estruturais, como
freqüência cardíaca < 100bpm/min e cianose cen- uma atresia bilateral de coanas ou seqüência de
tral apesar do uso de O2 a 100%. Pierre Robin (queixo pequeno com anomalias fa-
Uma cânula orofaríngea (que não deve ser usa- ciais variáveis) forem evidentes. Máscaras com
da em paciente consciente) deve ser inserida em “cuff” são recomendadas para crianças > 5 anos de
lactentes e crianças, empregando-se um afastador idade. A intubação endotraqueal precoce é a técni-
de língua para mantê-la no assoalho da boca. Se o ca de escolha para melhorar a oxigenação, contro-
depressor não estiver disponível, deve-se inverter a lar as vias aéreas e evitar a aspiração.
cânula na boca, usando a parte posterior curva A aspiraçção endotraqueal com o uso de aspi-
da cânula como depressor da língua; quando a câ- rador especial conectado ao tubo endotraqueal é o

Merck_19D.p65 2271 02/02/01, 16:18


2272 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

FIGURA 263.6 – Impulsos abdominais com vítima deitada (consciente ou inconsciente).

FIGURA 263.7 – Impulsos abdominais com vítima em pé ou sentada (consciente).

Merck_19D.p65 2272 02/02/01, 16:18


CAPÍTULO 263 – ACIDENTES, INTOXICAÇÕES E RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR / 2273

tratamento de escolha para neonatos deprimidos, Sempre é importante pesquisar e tratar os dis-
nascidos com líquido amniótico com mecônio. túrbios fisiopatológicos de base que desencadea-
O tamanho correto da lâmina do laringoscópio re- ram a parada cardiopulmonar. O tratamento pode
duz o risco de trauma na orofaringe. A lâmina reta incluir a reposição de volume com soro fisiológi-
habitualmente é mais fácil de ser utilizada em crian- co, colóides, cristalóides ou sangue (por exemplo,
ças pequenas do que a lâmina curva, embora am- em traumas ou queimaduras). Entretanto, a reidra-
bas sejam empregadas em diferentes serviços. tação é difícil para aqueles que não estão acostu-
A cânula endotraqueal (que nos tamanhos maio- mados com a RCP em pacientes pediátricos, pois
res, para adolescentes, deve ter um “cuff” para criar as crianças têm um volume sangüíneo menor e a
vedação adequada) e o cateter de aspiração devem infusão de volumes apropriados deve ser feita com
ter o tamanho correto para a aspiração orofaríngea muito cuidado, para evitar a sobrecarga hídrica.
direta e para se ajustar ao diâmetro interno de cada Desfibrilação e cardioversão
cânula endotraqueal (uma ampla variedade de ta-
manhos deve estar disponível imediatamente). A desfibrilação raramente é necessária, pois a
fibrilação ventricular de base é pouco usual e deve
Acesso vascular ser documentada antes de se administrar as descar-
O médico deve ser treinado para conseguir um gas. Quando a desfibrilação for utilizada, deverá
acesso vascular em vários locais, porque algumas ser determinado o tamanho adequado das pás do
vezes (após queimaduras ou traumas, por exem- aparelho (os recém-nascidos, lactentes e crianças
plo) podem ser necessárias abordagens menos co- de (0 a 12 meses) necessitam de pás “pediátricas”;
muns. Embora a canulação de uma veia central seja pré-escolares, crianças maiores e adolescentes pre-
teoricamente preferível em todas as faixas etárias, cisam de pás do tipo “adulto”) e uma voltagem apro-
é difícil de ser realizada por mãos inexperientes; priada do choque. Contudo, muitos desfibriladores
dois cateteres periféricos de calibre grande são uma comumente utilizados na RCP de crianças são pa-
alternativa aceitável. O acesso percutâneo femoral, dronizados com grandes aumentos nos ajustes de
energia e não é possível ajustar com precisão a
jugular ou de veia subclávia ou a dissecção da sa- intensidade do choque, com base no peso corpó-
fena são alternativas recomendadas. A colocação reo. Desse modo, os desfibriladores devem ser ava-
de agulha na medula óssea tibial em crianças < 6 liados para o número e variação dos graus de ener-
anos permite a administração segura e eficaz de gia e devem ser feitos ajustes das elevações de
sangue, colóide e cristalóide e todas as drogas para acordo com o desejado.
RCP, inclusive infusões contínuas de drogas. No A cardioversão utilizada no tratamento das ta-
neonato, a cateterização da veia umbilical para aces- quiarritmias supraventriculares e ventriculares sin-
so vascular de emergência é relativamente simples. tomáticas rápidas é muito difícil em recém-nas-
Tratamento medicamentoso cidos e em crianças pequenas, pois a “dose de
energia” costuma ser metade a um décimo da
de emergência dose usual do adulto (ver TABELA 263.12). Pro-
Após o paciente ter sido intubado, ventilado e vavelmente, é melhor começar pela menor dose
oxigenado, o ritmo cardíaco deve ser determinado. recomendada, com aumentos progressivos até ser
A farmacoterapia para arritmias é apresentada no obtido o efeito desejado.
Capítulo 205. As doses das drogas recomendadas
durante a reanimação em pacientes pediátricos são Avaliação e tratamento pós-parada
apresentadas na TABELA 263.15. Os principais Após a RCP bem-sucedida, os cuidados subse-
agentes utilizados na RCP são adrenalina, atropina qüentes são complexos e, com freqüência, devem
e naloxona (quando o acesso vascular for inade- estar voltados para a fisiopatologia da disfunção
quado, estas drogas poderão ser administradas pela de múltiplos órgãos. É importante verificar a tem-
cânula endotraqueal). O bretílio é usado como dro- peratura corpórea e manter um ambiente termo-
ga de segunda linha, após a lidocaína, nas arritmias neutro, controlar a diurese com inserção de uma
ventriculares de alto risco, embora ainda não exis- sonda vesical de demora e instalar uma sonda
tam dados suficientes sobre a sua eficácia em crian- nasogástrica (particularmente se o paciente estiver
ças. O uso de bicarbonato de sódio e de cloreto de intubado). A avaliação das funções neurológicas
cálcio tem sido desencorajado, exceto em circuns- com a Escala de Glasgow Modificada (ver TABE-
tâncias claramente definidas, como hipercalemia, LA 263.2), a manutenção da homeostasia metabó-
hipocalcemia, hipermagnesemia, intoxicação por lica, o manejo da estabilidade cardiovascular e o
agentes bloqueadores dos canais de cálcio e na aci- tratamento das condições desencadeantes são preo-
dose metabólica grave e persistente, apesar da ven- cupações primordiais e mais bem executadas em
tilação adequada. uma unidade de cuidados terciários.

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2274

TABELA 263.15 – GUIA PARA A RESSUSCITAÇÃO EM PACIENTES PEDIÁTRICOS – MEDIDAS FARMACOLÓGICAS


PREMA- A 6 – 12
IDADE (anos) TUROS TERMO meses 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16
PESO (kg) ≤2 3,5 7 10 12 14 16 18 20 22 25 28 30 35 40 45 50 55 60
DROGAS PARA BRADIARRITMIAS
Atropina Dose IV/CET/IO• mL 0,5• 1,0• 1,5• 2,0• 2,5• 3,0• 3,0• 3,5• 4,0• 4,5 5 5 6 7 8 9 10 10 10
(0,1mg/mL) (0,02mg/kg)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○


Freqüência
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Repetir a mesma dose a cada 5min até a dose máxima
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose máxima cumulativa


5• 5• 5• 10• 10• 10• 10• 10• 10• 10 10 15 15 20 20 20 20 20 20
IV/IO•mL

Adrenalina Ataque
1:10.000 Dose de ataque mL IV/
0,51• 1,01• 1,01• 1,01• 1,01• 1,41• 1,61• 1,81• 2,01• 2,21 2,51 3,01 3,01 3,51 4,01 4,51 5,01 5,51 6,01
2274

(0,1mg/mL)1 IO•mL (0,01 – 0,03mg/kg)


ou Dose de ataque CET mL 0,51 1,01 0,72 1,02 1,02 1,42 1,62 1,82 2,02 2,02 2,52 3,02 3,02 3,02 3,02 3,02 3,02 3,02 3,02
1:1.000 (0,1mg/kg)
(1,0mg/mL)2
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○


Freqüência
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Repetir a dose CET a intervalos de 3 – 5min, IV/IO/CET
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Infusão
Adicionar 1mL (1:1.000) em 99mL de D/A a 5% = 10µg/mL Adicionar 2,5mL (1:1.000) = 2,5mg de D/A a 5% = 50µg/mL
Concentração final
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose IV/IO• mL/h


(0,1µg/kg/min) 1• 2• 4• 6• 7• 8• 9• 11• 12• 13 3 3 4 4 5 5 6 7 7
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Freqüência Titular até a dose máxima. Uma vez atingida, aumentar a concentração da solução para dar um volume menor de líquidos
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose máxima IV/IO• mL/h


(1,0µg/kg/min) 10• 20• 40• 60• 70• 80• 90• 110• 120• 130 30 30 40 40 50 50 60 70 70

AGENTES PARA DISTÚRBIOS METABÓLICOS


Bicarbonato de sódio Concentração final 4,2% 8,4%
02/02/01, 16:18

(4,2 ou 8,4%) (0,5mmol/kg) (1mmol/kg)


○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose IV/IO•mL (1 – 2mmol/kg)


○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
8• ○ ○
14• ○ ○ ○
28• ○ ○
10•
○ ○ ○
12• ○ ○ ○
14• ○ ○
16•
○ ○ ○
18• ○ ○ ○
20• ○ ○
22
○ ○ ○
25 ○ ○ ○
28 ○ ○
30 ○ ○ ○
35 ○ ○
40
○ ○ ○
45 ○ ○ ○
50 ○ ○
55 ○ ○ ○
60 ○ ○

Freqüência
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
A dose padrão pode ser repetida a cada 10min se a parada continuar
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose máxima cumulativa Depende da dosagem do déficit de bases em intervalos freqüentes


Cloreto de cálcio ○
Concentração final
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
(10% [100mg/mL])
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

(10% [100mg/mL])

Dose IV/IO•mL (20mg/kg)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
0,4•
○ ○
0,7•
○ ○ ○
1,5•
○ ○ ○
2,0• ○ ○
2,5•
○ ○ ○
3,0•
○ ○ ○
3,0• ○ ○
3,5•
○ ○ ○
4,0• ○ ○ ○
4,5 ○ ○
5
○ ○ ○
5 ○ ○ ○
5 ○ ○
5○ ○ ○
5 ○ ○
5
○ ○ ○
5 ○ ○ ○
5 ○ ○
5○ ○


Freqüência
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Repetir 1 vez em 10min
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose máxima cumulativa Baseada na dosagem do déficit de cálcio


Merck_19D.p65

AGENTES PARA HIPOTENSÃO


Dopamina Concentração final
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Adicionar 1,5mL (60mg) em 98mL de D/A a 5% = 600µg/mL
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Adicionar 5mL (200mg) em 95mL de D/A a 5% = 2.000µg/mL
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

(40mg/mL)
Dose IV/IO • mL/h
1,0• 1,7• 3,5• 5• 6• 7• 8• 9• 10• 11 3,7 4,2 4,5 5,2 6 6,7 7,5 8,2 9
(5,0µg/kg/min)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Freqüência Titular até a dose máxima


○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose máxima IV/IO•mL/h


4• 7• 14• 20• 24• 28• 32• 36• 40• 44 15 17 18 21 24 27 30 33 36
(20µg/kg/min)
2275

Dobutamina Concentração final Adicionar 4mL (50mg) em 96mL em D/A a 5% = Adicionar 20mL (250mg) em 230mL em D/A a 5% =
(250mg/20mL) 500µg/mL 1.000µg/mL
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose IV/IO•mL/h
0,5• 0,8• 1,7• 2,4• 2,9• 3,4• 3,8• 4,3• 4,8• 5,2 3,0 3,4 3,6 4,2 4,8 5,4 6,0 6,6 7,2

(2,0µg/kg/min)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Freqüência Titular até a dose máxima


○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose máxima IV/IO•mL/h


4,8• 8,4• 17• 24• 29• 34• 38• 43• 48• 52 30 34 36 42 48 54 60 66 72
(20µg/kg/min)
Albumina
Concentração final 5% (50mg/mL)
(5% [50mg/mL]) ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose IV/IO•mL (0,5g/kg) 20• 35• 70• 100• 120• 140• 160• 180• 200• 220 250 280 300 350 400 450 500 550 600
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Freqüência Pode ser repetida, dependendo das evidências de hipoperfusão


Sangue (total ou papa de
Dose IV/IO•mL (10mL/kg) 20• 35• 70• 100• 120• 140• 160• 180• 200• 220 250 280 300 350 400 450 500 550 600
hemácias) ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Freqüência Pode ser repetida, dependendo das evidências de hipoperfusão


02/02/01, 16:18

Plasma (fresco congelado


Dose IV/IO• mL (10mL/kg) 20• 35• 70• 100• 120• 140• 160• 180• 200• 220 250 280 300 350 400 450 500 550 600
ou estocado) ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Freqüência Pode ser repetida, dependendo das evidências de hipoperfusão


Soluçção salina normal
Dose IV/IO•mL (10mL/kg) 20• 35• 70• 100• 120• 140• 160• 180• 200• 220 250 280 300 350 400 450 500 550 600
(NaCl a 0,9%) ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Freqüência Pode ser repetida, dependendo das evidências de hipoperfusão


• A administração por via IO só deve ser feita em crianças ≤ 6 anos.
Continua
2275
Merck_19D.p65

TABELA 263.15 – GUIA PARA A RESSUSCITAÇÃO EM PACIENTES PEDIÁTRICOS – MEDIDAS FARMACOLÓGICAS


2276

PREMA- A 6 – 12
IDADE (anos) TUROS TERMO meses 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16
PESO (kg) ≤2 3,5 7 10 12 14 16 18 20 22 25 28 30 35 40 45 50 55 60
DROGAS PARA TAQUIARRITMIAS
Adenosina Concentração final Adicionar 1mL (3mg) em 2mL de solução salina normal = 1mg/mL 3mg/mL
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

(6mg/2mL)
Dose IV mL (0,1mg/kg) 0,2 0,4 0,7 1,0 1,2 1,4 1,6 1,8 2,0 2,2 0,8 0,9 1,0 1,2 1,3 1,5 1,7 1,8 2,0
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Repetir a cada 2min e aumentar a dose em Repetir a cada 2min e dobrar


Freqüência 0,05mL/kg até um máximo de 0,25mL/kg a dose até o máximo
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose única máxima IV mL


(0,25mg/kg) 0,5 0,9 1,7 2,5 3,0 3,5 4,0 4,5 5,0 5,5 2,0 2,3 2,5 2,9 3,3 3,7 4,0 4,0 4,0

Tosilato de bretílio Dose IV mL (5mg/kg) 0,2 0,4 0,7 1,0 1,0 1,5 1,5 2 2 2 2,5 2,8 3 3,5 4 4,5 5 5,5 6
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

(50mg/mL)
Freqüência Se persistir a fibrilação ventricular, dar o dobro da dose anterior,seguida por cardioversão
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
2276

Dose máxima
cumulativa IV mL 1,2 2,0 4,0 6,0 7,0 8,5 9,5 11,0 12,0 13,0 15 17 18 21 24 27 30 33 36
(30mg/kg)

Digoxina Concentração final 50µ/mL 250 µg/mL


○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

50µg/mL ou 250µg/mL
Dose de ataque IV mL 10
– 20µg/kg = metade da 0,4 1,0 2,6 0,75 0,9 0,9 1,0 1,1 1,2 1,3 1,5 1,7 1,8 1,0 1,0 1,0 1,0 1,2 1,4

dose total
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Freqüência Repetir metade da dose anterior 8 a 16h depois para completar a dose total de digitalização IV
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose de manutenção IV 4 – 8µg/kg ao dia divididos em 2 doses 125 – 250µg ao dia divididos em 2 doses

Lidocaína Dose de ataque


0,1• 0,1• 0,4• 0,5• 0,6• 0,7• 0,8• 0,9• 1,0• 1,0 1,2 1,4 1,5 1,7 2,0 2,2 2,5 2,7 3,0
(20mg/mL) IV/CET/IO• (1mg/kg)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Concentração final Adicionar 5mL(100mg) em 45mL de D/A a 5% = Adicionar 20mL (400mg) em 30mL de D/A a 5% =
2mg/mL 8mg/mL
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
02/02/01, 16:18

Dose IV mL/h
1• 2• 4• 6• 7• 8• 10• 11• 12• 13 4 4 4 5 6 7 7 8 9
(20µg/kg/min)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Freqüência Titular até a dose máxima


○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose máxima IV/IO•mL/h


3• 5• 10• 15• 18• 21• 24• 27• 30• 33 9 10 11 13 15 17 19 20 22
(50µg/kg/min)

Verapamil Concentração final – – – 2,5mg/mL


○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

(2,5mg/mL) não em
Dose IV mL (0,05 mg/kg) – – – 0,2 0,2 0,3 0,3 0,4 0,4 0,4 1,0 1,1 1,2 1,4 1,6 1,8 2,0 2,2 2,4
crianças com WPW, em ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

lactentes < 1 ano, ou com Freqüência – – – Repetir a mesma dose a cada 15min até a dose máxima
β-bloqueadores
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose máxima cumulativa – – – 1,2 1,4 1,7 1,9 2,1 2,4 2,6 3,0 3,3 4,2 4,8 5,4 6,0
3,6 6,6 7,2
IV mL (0,3mg/kg)
Merck_19D.p65

DROGAS PARA CONVULSÕES


Diazepam Concentração final 5mg/mL
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

(10mg/2mL)
Dose em mL (0,04 – 0,2mg/
kg) IV/IO• mL (IV lento) 0,1• 0,15• 0,3• 0,4• 0,5• 0,6• 0,6• 0,7• 0,8• 0,9 1,0 1,0 1,0 1,0 1,0 1,0 1,0 1,0 1,0
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Freqüência Repetir a mesma dose a cada 15 – 30min, até a dose máxima


○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose máxima cumulativa


0,2• 0,3• 1,0• 1,0• 1,0• 1,5• 1,5• 1,5• 2,0• 2,0 2 2 2 2 2 2 2 2 2
IV/IO•mL

Diazepam Concentração final


○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Adicionar 1mL (5mg) em 9mL de solução salina normal = 0,5mg/mL
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
5mg/mL
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

(retal 10mg/2mL)
Dose em mL (0,2mg/kg) 0,8 1,4 3 4,0 5,0 5,5 6,5 7 8 8,5 1,0 1,0 1,0 1,5 1,5 2,0 2,0 2,0 2,0
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Freqüência Repetir a mesma dose a cada 5min, junto com um anticonvulsivante de ação prolongada

Fenobarbital Concentração final 30mg/mL 120mg/mL


○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

(30mg/mL ou 120mg/mL)
Dose de ataque IV mL
1,3 2,3 4,6 1,6 2,0 2,3 2,6 3 3,3 3,6 4,1 4,6 5,0 6 7 7 8 9 10
(20mg/kg) em 20min
2277

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose de manutenção IV 3 – 5mg/kg ao dia, divididas em doses conforme o nível do medicamento

Fenitoína Concentração final 50mg/mL


○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

(100mg/2mL)
Dose de ataque IVmL
(15mg/kg) durante 20min 0,8 1,4 3,0 4 5 5,5 6,5 7 8 9 7,5 8,5 9 10,5 12,0 13,5 15,0 16,5 18,0
em solução salina normal
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose de manutenção IV 4 – 8mg/kg ao dia divididas em doses conforme o nível do medicamento


OUTROS AGENTES Concentração final
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
50mg/mL
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Aminofilina
(500mg/10mL) Dose de ataque IV mL
(0 – 6 meses: 7mg/kg; > 6 0,25 0,5 0,8 1,2 1,4 1,7 1,9 2,1 2,4 2,6 3,0 3,4 3,6 4,2 4,8 5,4 6,0 6,5 7,0
meses: 6mg/kg) em 20min
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Infusão
Concentração final
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Adicionar 2mL (100mg) em 98mL de D/A a 5% = 5mg/mL
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Adicionar 10mL (500mg) a 90mL de D/A 5% = 5mg/mL
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose IV mL/h (6 meses – 7


02/02/01, 16:18

anos: 1mg/kg/h; 8 anos – 16 – – 7 10 12 14 16 18 20 22 4 4 5 5 6 6 6 7 7


anos; 0,6 – 0,8mg/kg/h)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose máxima IV mL/h Dependente do nível de teofilina


Furosemida Concentração final 10mg/mL
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

(40mg/4mL)
Dose IV mL (1mg/kg)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
0,2 ○ ○
0,4
○ ○ ○
0,7
○ ○ ○
1,0 ○ ○
1,0
○ ○ ○
1,5
○ ○ ○
1,5 ○ ○
2,0
○ ○ ○
2,0
○ ○ ○
2,0 ○ ○
2,5
○ ○ ○
3,0 ○ ○
3,0
○ ○ ○
3,5
○ ○ ○
4,0 ○ ○
4,5
○ ○ ○
5,0 ○ ○
5,5
○ ○ ○
6,0
○ ○

Freqüência Repetir a cada 2 – 4h, se for necessário


Hidrocortisona Concentração final 50mg/mL 125mg/mL
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

(100mg/2mL)
Dose de ataque IV mL
0,5 0,7 1,5 2 2,4 2,8 3,2 3,6 4,0 4,4 2 2,2 2,4 2,8 3,2 3,6 4,0 4,4 4,8
2277

(10mg/kg)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose de manutenção Como a anterior, dividida em 4 doses ao dia


• A administração por via IO só deve ser feita em crianças ≤ 6 anos. Continua
TABELA 263.15 – GUIA PARA A RESSUSCITAÇÃO EM PACIENTES PEDIÁTRICOS – MEDIDAS FARMACOLÓGICAS
Merck_19D.p65

2278
PREMA- A 6 – 12
IDADE (anos) TUROS TERMO meses 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16
PESO (kg) ≤2 3,5 7 10 12 14 16 18 20 22 25 28 30 35 40 45 50 55 60

Manitol (20%) Concentração final 0,2g/mL


○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose IV mL (0,5g/kg) em 5 9 20 25 30 35 40 45 50 55 60 70 80 90 100 100 125 135 150


infusão rápida
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Freqüência Pode ser repetida se for necessário. Consultar um centro de cuidados terciários

Naloxona Concentração final


○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
0,4mg/mL
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

(0,4mg/mL)
Dose IV/CET mL
0,5 0,8 1,7 2,5 3 3,5 4 4,5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5
(0,1mg/kg)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Freqüência Repetir a mesma dose a cada 5 – 10min, se for necessário

DROGAS PARA INALAÇ ÇÃO


2278

Adrenalina racêmica Concentração final A dose deve ser adicionada em 3mL de solução salina normal para nebulização
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

(2,25%)
Dose em mL ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
0,1 ○ ○
0,1
○ ○ ○
0,5
○ ○ ○
0,5 ○ ○
0,5
○ ○ ○
0,5
○ ○ ○
0,5 ○ ○
0,5
○ ○ ○
0,5 ○ ○ ○
0,5 ○ ○
0,5
○ ○ ○
0,5 ○ ○
0,5
○ ○ ○
0,5
○ ○ ○
0,5 ○ ○
0,5
○ ○ ○
0,5 ○ ○
0,5
○ ○ ○
0,5
○ ○

Freqüência Repetir a cada 30min, se for necessário

Salbutamol Concentração final


○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
A dose deve ser adicionada em 3mL de solução salina normal para nebulização
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

(5mg/mL)
Dose de ataque em mL
0,1 0,1 0,15 0,2 0,25 0,3 0,4 0,5 0,6 0,65 0,75 0,85 0,9 1,0 1,0 1,0 1,0 1,0 1,0
(0,02 – 0,03ml/kg)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Manutenção
0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,15 0,15 0,2 0,2 0,2 0,25 0,25 0,3 0,34 0,34 0,34 0,34 0,34 0,34
(0,01mL/kg)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Freqüência Repetir a dose de manutenção a cada 30min até a dose máxima


○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Dose máxima em mL 0,1 0,2 0,4 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0 1,2 1,3 1,5 1,5 1,8 2 2 2 2 2 2
1 Adrenalina: 1:10.000 0,1mg/mL.
2 Adrenalina: 1:1.000 1,0mg/mL.
3 Intubar em casos de depressão respiratória ou convulsões de > 30min de duração.
02/02/01, 16:18

CET = cânula endotraqueal; IO = intra-ósseo; WPW = síndrome de Wolff-Parkinson-White.


Notas:
1. As doses podem ser arredondadas, quando necessário, para facilitar a administração, mas evitando a superdosagem.
2. As doses de ataque podem ser seguidas por infusão contínua da mesma droga, se for necessário.
3. As velocidades de infusão são habitualmente em mL/h. As drogas devem ser misturadas totalmente em uma bureta para a infusão e administradas por meio de bombas de infusão IV, se disponíveis. Como a velocidade de algumas bombas de infusão não ultrapassa 99mL/h,
tão logo o efeito desejado tenha sido obtido, a concentração da droga infundida poderá ser aumentada para permitir um volume menor de administração.
4. Deve-se ter cuidado com algumas drogas; por exemplo, o verapamil não é recomendado na WPW, em pacientes recebendo β-bloqueadores ou em lactentes < 1 ano de idade. Entretanto, o tratamento pode ser instituído sob o suporte de uma unidade de cuidados terciários e sob vigilância
contínua.
5. A adrenalina encontra-se disponível em duas concentrações, devendo-se ter cuidado para evitar erros na seleção da concentração e dosagem. A adrenalina deve ser usada para bradicardia com um débito cardíaco baixo.
6. O nível das drogas deve ser dosado quando for apropriado para estabelecer o nível terapêutico e evitar a superdosagem.
7. As drogas disponíveis devem ser revistas regularmente. As medicações em seringas pré-carregadas são fornecidas em volumes definidos, e são graduadas em mL (embora algumas estejam em mmol). A injeção de doses pequenas na ressuscitação cardiopulmonar do recém-
nascido e do lactente pode ser difícil se não houver experiência, o que pode resultar em erros de administração.
8. A administração por via IO só deve ser feita em crianças ≤ 6 anos.
Cortesia do Dr. B Paes e Dr. M Sullivan, Departments of Pediatrics and Medicine, St. Joseph’s Hospital e McMaster University, Hamilton, Ontário, Canadá.
N. do T. – As apresentações comerciais das drogas citadas anteriormente são americanas. Consultar um guia brasileiro para saber as concentrações disponíveis em nosso mercado. É óbvio que para usar a Tabela anterior é preciso que as concentrações iniciais das drogas sejam as mesmas.
Por exemplo, a aminofilina é disponível no Brasil na concentração de 24mg/mL e não 50mg/mL como nos EUA.
CAPÍTULO 263 – ACIDENTES, INTOXICAÇÕES E RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR / 2279

O acompanhamento da freqüência cardíaca com um manguito de tamanho apropriado (ver TRIA-


é obrigatório. A bradicardia em uma criança em GEM, no Cap. 256), mas a monitoração invasiva de
estresse é um sinal de parada cardíaca iminente. PA é obrigatória em crianças graves. Para crianças
Os recém-nascidos e as crianças pequenas tendem > 2 anos, o menor nível de PA sistólica normal pode
a desenvolver bradicardia com hipoxemia, enquanto ser estimado como 70 mais duas vezes a idade
as crianças mais velhas tendem a apresentar taqui- em anos; por exemplo, com 6 anos, deve ser
cardia. Em recém-nascidos, se a freqüência cardía- > 82mmHg. A PA sistólica normal no percentil 50 é
ca for < 80/min e não se elevar, recomenda-se a 90 mais duas vezes a idade em anos: com 6 anos,
massagem cardíaca (ver FIG. 263.5), o que é uma seria 102mmHg. Uma redução de PA sistólica
diferença fundamental da reanimação em adulto. ≥10mmHg em qualquer criança ou uma PA sistóli-
As taquiarritmias, do mesmo modo, podem reque- ca < 50mmHg em crianças < 12 anos ou < 80mmHg
rer uma intervenção, em especial se houver evi- em crianças de 12 a 16 anos provavelmente repre-
dências de hipoperfusão, insuficiência cardíaca ou sentem hipotensão grave, exigindo tratamento. Mes-
alterações do SNC. A cardioversão sincronizada mo PA mais elevadas podem representar hipoten-
e/ou a terapia com drogas podem ser necessárias são na presença de sinais e sintomas de choque.
para estabilizar o paciente. O estabelecimento de um limite inferior absoluto de
A avaliaçção da PA em crianças em estado muito PA para cada faixa etária é difícil; evidência de
grave varia significativamente. A PA deve ser aferida hipoperfusão (isto é, qualidade dos pulsos distais,

TABELA 263.16 – ESCALA PEDIÁTRICA DE CATEGORIAS DE DESEMPENHO CEREBRAL*


Escore Categoria Descrição

1 Normal Nível de função apropriado para a idade, criança pré-escolar com


desenvolvimento adequado, criança em idade escolar freqüenta
classes normais
2 Limitação leve Pode interagir em nível apropriado para a idade, doença neurológica
mínima, controlada, que não interfere no desempenho diário (por
exemplo, distúrbios convulsivos). Crianças pré-escolares podem
apresentar retardos menores de desenvolvimento, mas > 75% de
todos os marcos de desenvolvimento da vida diária estão acima do
percentil 10. Escolares freqüentam escola normal, mas o grau não
é adequado para a idade ou a criança apresenta dificuldades no
grau apropriado por dificuldades cognitivas
3 Limitação moderada Desempenho abaixo do apropriado para a idade; doença neurológica
não controlada e limita muito as atividades. A maioria dos marcos
de atividades da vida diária e de desenvolvimento da criança em
idade pré-escolar está abaixo do percentil 10. Escolares podem
realizar as atividades da vida diária, mas freqüentam classes espe-
ciais por causa de dificuldades cognitivas ou déficit de aprendizado
4 Limitação grave Os marcos de atividades da vida diária de crianças pré-escolares
estão abaixo do percentil 10 e a criança é excessivamente depen-
dente de outras pessoas para realização das atividades da vida
diária. Escolares podem estar tão comprometidos que não conse-
guem freqüentar a escola; escolares dependem de outras pessoas
para realizar atividades da vida diária. Movimentos motores alte-
rados para crianças pré-escolares e escolares podem incluir res-
postas sem propósito, em descorticação ou descerebração à dor
5 Coma ou estado vegetativo Inconsciente
6 Óbito
* O pior nível de desempenho para qualquer critério dado é usado para classificação. Os déficits são classificados apenas
se resultarem de um distúrbio neurológico. As avaliações são realizadas com base no prontuário médico ou entrevistas com
o responsável.
A partir de Recommended Guidelines for Uniform Reporting of Pediatric Advanced Life Support: The Pediatric Ulstein
Style; Statement for Health Care Professionals, da Task Force of the American Academy of Pediatrics, a American Heart
Association e a European Resuscitation Council; reproduzido com permissão de Pediatrics 96(4):765-779, 1995.

Merck_19D.p65 2279 02/02/01, 16:18


2280 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 263.17 – ESCALA PEDIÁTRICA DE CATEGORIAS DE DESEMPENHO GLOBAL*


Escore Categoria Descrição

1 Normal PCPC normal, atividades normais apropriadas para a idade, pro-


blemas clínicos e físicos não interferem na atividade normal
2 Incapacitação leve PCPC leve; problemas crônicos físicos ou médicos menores represen-
tam limitações discretas, mas são compatíveis com vida normal (por
exemplo, asma). Crianças em idade pré-escolar apresentam limita-
ção física compatível com desempenho independente futuro (por
exemplo, amputação isolada) e podem realizar mais do que 75% das
atividades da vida diária apropriadas para a idade; escolares conse-
guem realizar atividades da vida diária apropriadas para a idade
3 Incapacitação moderada PCPC moderada; condições médicas e físicas são limitantes. Pré-escola-
res não conseguem realizar a maioria das atividades da vida diária
apropriadas para a idade; escolares conseguem realizar a maioria das
atividades da vida diária, mas são fisicamente incapacitados (por exemplo,
não conseguem participar de atividades físicas competitivas)
4 Incapacitação intensa PCPC severa; pré-escolares não conseguem realizar a maioria das
atividades da vida diária adequadas para a idade; escolares depen-
dem de outras pessoas para a maioria das atividades da vida diária
5 Coma ou estado vegetativo
6 Óbito
PCPC = categoria de desempenho cerebral pediátrico.
* O pior nível de desempenho para cada critério considerado é usado para classificação. Déficits são classificados se
resultarem de um distúrbio neurológico (“Pediatric Cerebral Performance Category Scale” – Escala de Categorias de
Desempenho Cerebral Pediátrico) ou outras doenças ou condições. Atividades da vida diária apropriadas para a idade
incluem todas exceto as do percentil 10 mais baixo que crianças daquela idade conseguem realizar. As avaliações são feitas
com base em prontuário médico e entrevista com o responsável.
A partir de Recommended Guidelines for Uniform Reporting of Pediatric Advanced Life Support: The Pediatric Utstein
Style; Statement for Health Care Professionals da Task Force of The American Academy of Pediatrics, American Heart
Association e European Resuscitation Council; reproduzido com permissão de Pediatrics 96(4):765–779, 1995.

débito urinário, nível de consciência, temperatura da vias aéreas, por exemplo, em uma criança de 5 anos
pele) é criticamente importante na avaliação das con- de idade, o procedimento recomendado envolve uma
seqüências de qualquer nível de PA. Um déficit de freqüência de ventilação de 20 respirações/min (25
enchimento capilar > 3 segundos tem aplicação li- respirações/min para lesão encefálica); freqüência de
mitada na avaliação da disfunção circulatória em compressões de 100/min (técnica com uma das mãos),
crianças muito doentes ou traumatizadas. resultando numa razão compressão:ventilação de 5:1;
A avaliaçção da hipoperfusão é recomendada. cânula número 7; máscara com “cuff” número 3 (Laer-
A hipoperfusão pode resultar de instabilidade de fre- dal) com saco para ventilação pediátrico Laerdal de
qüência cardíaca (bradiarritmia ou taquiarritmia) ou 500mL para ventilação com saco e máscara; uma lâ-
de PA. A hipoperfusão é sugerida pelo baixo débito mina nº 2 reta ou curva para laringoscopia, um tubo
urinário (< 1mL/kg/h); na ausência de doença renal, traqueal de 5mm; uma sonda de aspiração de amíg-
o débito renal deve ser de 1 a 2mL/kg/h. A hipoper- dalas de adulto para aspiração direta de orofaringe e
fusão pode ser tratada por expansão de volume ou um cateter French nº 10 através do tubo endotraqueal
por infusão contínua de drogas vasopressoras (tais para aspiração de vias aéreas inferiores. O bom senso
como adrenalina, dopamina, dobutamina). deve ser empregado; por exemplo, um tubo endotra-
O protocolo padronizado detalhado nas TABE- queal de tamanho adequado deve ser substituído por
LAS 263.12 e 263.15 abrange todas as idades, desde o um maior (depois do paciente estabilizado) na pre-
recém-nascido prematuro até o adolescente de 16 anos. sença de vazamento evidenciado por exalação audí-
Para pacientes > 16 anos, devem ser usados os proto- vel de ar na glote.
colos de adultos. O protocolo se destina a padronizar Depois de estabelecer as vias aéreas, é vital a rá-
equipamentos e manobras de ressuscitação durante pida administração de drogas cardíacas de emergên-
uma parada e padronizar o equipamento em todos os cia. A TABELA 263.15 apresenta volumes reais para
carrinhos de RCP. Na abordagem do tratamento de cada droga de emergência, de acordo com idade e

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CAPÍTULO 264 – ABUSO E NEGLIGÊNCIA COM A CRIANÇA / 2281

peso, para facilitar a rápida administração sem neces- paciente com edema cerebral; infusões mais concen-
sidade de cálculos. As doses devem ser arredondadas tradas podem ser necessárias, mas podem ser
para baixo: para criança com 2,5 anos, as doses de- recalculadas depois de atendida a emergência.
vem ser iguais às de 2 anos, com aumentos graduais, Orientaçções padronizadas de evoluçção devem
se necessário, não excedendo a dose dos 3 anos. De- ser seguidas no relato de evolução de RCP em crian-
pois de estabilizado o paciente, a dose deve ser indi- ças; por exemplo, a Escala de Categorias de Evo-
vidualizada de acordo com a necessidade. A adminis- lução de Pittsburgh modificada reflete o desempe-
tração conservadora de líquidos pode ser crucial em nho cerebral e geral (ver TABELAS 263.16 e 263.17).

264␣ /␣ ABUSO E NEGLIGÊNCIA


COM A CRIANÇA
A agressão física ou mental, abuso sexual, tratamento negligente ou maus tra-
tos a uma criança < 18 anos.
Abuso físico envolve agressão física a uma crian- Abuso – O abuso quase sempre é causado pela
ça. Abuso emocional envolve agressão emocional ou perda do controle dos impulsos dos pais ou res-
mental a uma criança, o que geralmente lhe prejudi- ponsáveis. Quatro fatores contribuintes são reco-
ca o crescimento emocional e a auto-estima. Abuso nhecidos:
sexual ou assédio compreende exposição, manipula-
ção genital, sodomia, felação e coito. A penetração 1. Características de personalidade dos pais –
vaginal por pessoa que não é parente constitui estu- Na experiência dos pais, durante a sua própria in-
pro. Geralmente, o adulto é um amigo próximo da fância, houve falta de afeição e calor, habitualmente
família. Se o adulto for biologicamente relacionado, incluiu abuso e não conduziu ao desenvolvimento
a agressão é denominada incesto. Quando estão en- de auto-estima ou maturidade emocional adequa-
volvidas crianças pequenas, a agressão com freqüên- das. Com a falta de envolvimento amoroso no iní-
cia é não violenta e repetitiva e pode ser escondida cio de sua própria vida, pais agressivos podem es-
pela família. Negligência inclui deixar de atender as perar de seus filhos a fonte de afeto e apoio que
necessidades físicas e médicas básicas de uma crian- nunca receberam. Como resultado, eles têm expec-
ça, privação mental e deserção. tativas não realistas sobre o que a criança pode tra-
Todas as classes sociais e raças contribuem para zer para eles. Ficam facilmente frustrados e per-
incidentes de abuso e negligência, mas crianças po- dem o controle, incapazes de dar o que nunca rece-
bres sofrem negligência 12 vezes mais que outras beram. O uso de drogas ou álcool pode provocar
crianças. Cerca de 25% de todos os casos ocorrem comportamentos impulsivos e descontrolados em
em crianças < 2 anos de idade. Os sexos são afetados relação à criança. Menos comumente, os pais po-
igualmente. Em 1994, nos EUA, foram notificados 2 dem ser francamente psicóticos.
milhões de casos, dos quais 1 milhão foi confirmado. 2. Uma criançça “difícil” – Crianças irritáveis,
Dos casos confirmados, 53% envolveram negligên- autoritárias ou hiperativas podem provocar a raiva
cia; 26%, abuso físico; 14%, abuso sexual e 5%, abu- dos pais. Crianças deficientes, mais dependentes e
so emocional. Aproximadamente 20% das crianças necessitando de cuidados, são mais suscetíveis.
vítimas de abuso físico ficam com lesões permanen- Crianças prematuras ou doentes, separadas dos pais
tes e 1.000 a 1.200 crianças morrem por ano nos EUA. precocemente na infância, crianças adotadas ou
Os médicos são obrigados por lei a notificar inci- aquelas biologicamente não relacionadas podem
dentes de suspeita de abuso ou negligência em qual- não formar laços suficientemente fortes com seus
quer criança que examinem ou tratem e têm imunida- pais ou responsáveis. Mesmo na ausência dessas
de garantida pelo processo ou responsabilidade por condições, os pais podem ter expectativas irreais
tal notificação. As notificações geralmente são feitas sobre o desempenho da criança e podem puni-la
a uma instituição destinada à proteção de crianças. severamente com pouca justificativa.
3. Apoio inadequado – Os pais podem estar iso-
Etiologia lados, desprotegidos e vulneráveis na ausência de
Abuso e negligência são problemas complexos de parentes, amigos, vizinhos ou conhecidos que for-
interação entre o adulto e a criança que em geral coe- neçam apoio físico e psicológico, particularmente
xistem e não podem ser diferenciados facilmente. em épocas de estresse.

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2282 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

4. Uma crise – Estresse situacional pode preci- Emocional – Manifestações emocionais de abu-
pitar o abuso, em especial num momento em que o so são menos facilmente definidas do que sinais
apoio não esteja disponível. físicos. Em crianças, o atraso no desenvolvimento
(ver também FALHA DE DESENVOLVIMENTO, no
Negligência – Costuma ser observada entre fa- Cap. 262) é uma observação precoce comum.
mílias com problemas físicos, psicológicos ou por Estimulação inadequada pelos pais freqüentemen-
uso de drogas ilícitas. Depressão aguda ou crôni- te causa atraso no desenvolvimento social e das ha-
ca, especialmente materna, está quase sempre pre- bilidades de linguagem. Crianças pequenas podem
sente; problemas clínicos crônicos de um dos pais ser desconfiadas, superficiais no relacionamento
também podem contribuir. Abuso de álcool ou dro- interpessoal, passivas e excessivamente envolvidas
gas por um ou ambos os pais normalmente resulta com adultos atenciosos. O impacto emocional so-
em esgotamento crônico e distorção de prioridades bre as crianças torna-se óbvio na idade escolar,
na vida familiar. O abandono do pai, ele próprio ina- quando ocorrem as dificuldades no relacionamen-
dequado, incapaz ou sem vontade de exercer uma to com professores e companheiros. Os efeitos emo-
influência controladora sobre a família, pode desen- cionais podem ser documentados apenas quando
cadear a negligência. Filhos de mães que utilizam as crianças estão em outro ambiente, em que desa-
cocaína apresentam especial risco de deserção. parecem os comportamentos aberrantes.
Quando uma criança sofreu abuso sexual, seu
Manifestações de abuso comportamento (como irritabilidade, medo, insô-
História – As características sugestivas de abuso nia) pode ser o único indicador para o diagnóstico.
são: 1. relutância paterna em fornecer uma história Uma entrevista cuidadosa com a criança por um
do acidente; 2. história incoerente, que pode estar profissional treinado pode ser a única forma de se
em desacordo com o estágio aparente da resolução obter os detalhes necessários. Crianças maiores
da lesão e variar, dependendo da origem da infor- podem ser ameaçadas com castigos físicos, pelo
mação; 3. a história do acidente é incompatível com agressor, se contarem qualquer coisa e, por isso,
a capacidade do desenvolvimento da criança; 4. uma podem ocultar agressões repetidas.
resposta inapropriada dos pais à intensidade da le-
são; e 5. demora no relato da lesão. Manifestações de negligência
Físicas – Lesões cutâneas, tais como equimo- Desnutrição, fadiga e falta de higiene ou roupas
ses, hematomas, queimaduras, vergões e abrasões adequadas são comuns por causa de fornecimento
em vários estágios de desenvolvimento são comuns inadequado de alimentos, roupas ou abrigo, apesar
(por exemplo, queimaduras de cigarro, contusões de recursos de apoio disponíveis na comunidade.
arqueadas por chicoteamento com cordas, queima- Abandono ou óbito por desnutrição são observados
duras simétricas, por escaldadura, de extremidades em casos extremos. Até metade dos casos de atraso
superiores ou inferiores). Lesões traumáticas gra- de desenvolvimento pode ser devida à negligência.
ves de boca, olhos, órgãos abdominais internos e No início da vida, pode ocorrer retardo do de-
SNC, que podem produzir danos permanentes e senvolvimento emocional com embotamento do
fraturas. As fraturas podem ser únicas ou múltiplas afeto e falta de interesse pelo ambiente. Isso quase
e um exame de esqueleto pode mostrar lesões ós- sempre acompanha o atraso de desenvolvimento e
seas em vários estágios de resolução. Fraturas me- costuma ser erroneamente diagnosticado como re-
tafisárias e elevações subperiosteais em ossos lon- tardo mental ou doença física. Sinais de privação
gos ocorrem em lactentes. As principais considera- emocional em crianças maiores incluem pouca aten-
ções diagnósticas no exame são: 1. lesões múltiplas ção e baixo desempenho na escola e relacionamento
em diferentes estádios de resolução ou desenvolvi- precário com colegas e adultos.
mento; 2. lesões cutâneas específicas para determi- Deixar de procurar atendimento médico ou
nadas causas de lesões; e 3. lesão repetida, que é odontológico preventivo, como vacinações e pue-
sugestiva de abuso ou supervisão inadequada. ricultura e retardo em procurar assistência médica
Sinais físicos de abuso sexual podem incluir di- para doenças podem ser indícios de mau funciona-
ficuldade para andar ou sentar, traumatismo geni- mento familiar.
tal, corrimento ou prurido vaginal, ITU recorren-
tes ou infecção transmitida sexualmente. No en- Prevenção
tanto, pode não haver nenhuma indicação física de Conhecer as situações que conduzem ao abuso
lesão. Uma doença sexualmente transmitida, de e à negligência ajuda a identificar famílias de ris-
qualquer tipo, em qualquer criança < 12 ou 13 anos, co. Pais que foram vítimas de abuso ou negligên-
deve ser considerada resultado de abuso sexual até cia são especialmente propensos a interagir da
que este possa ser afastado. mesma forma com seus filhos. Esses pais costu-

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CAPÍTULO 264 – ABUSO E NEGLIGÊNCIA COM A CRIANÇA / 2283

mam verbalizar ansiedade sobre seu passado de fonte de cuidado médico primário é fundamental e
abuso e são acessíveis à assistência. Pais de pri- deve ser aceita pela família e pelo médico relator.
meira viagem e mães adolescentes que se revoltam Contato constante ou periódico do serviço social
contra os pais também apresentam risco. Proble- quase sempre é necessário. Costuma-se indicar as-
mas clínicos durante a gravidez, parto ou no início sistência psiquiátrica para o entendimento dos dis-
da infância que podem afetar a saúde da criança túrbios de personalidade e manejo de condições es-
podem enfraquecer a ligação entre pais e filho (ver pecíficas, tais como depressão.
também LIGAÇÃO PAIS-FILHO: O RECÉM-NASCIDO Tratamento dos efeitos do molestamento se-
DOENTE, no Cap. 257). Durante esses momentos é xual – As ofensas sexuais em crianças podem deixar
importante despertar os sentimentos dos pais sobre efeitos psicológicos no seu desenvolvimento e adap-
sua própria inadequação e o bem-estar da criança. tações sexuais futuras. Os efeitos são mais duradou-
Quanto eles conseguem tolerar um bebê pequeno ros e intensos em crianças mais velhas e adolescen-
ou doente em casa? O pai oferece apoio moral e tes. O aconselhamento ou psicoterapia da criança e
físico à mãe? Existem parentes ou amigos que pos- dos adultos envolvidos podem evitar esses efeitos.
sam ajudar em momentos de necessidade? O res- Programas de cuidados na comunidade – Cre-
ponsável que está atento a esses indicadores e é ches para crianças pequenas podem aliviar uma mãe
capaz de apoiar tais casos faz muito na prevenção sob estresse, permitindo algumas horas diárias para si
de eventos trágicos. mesma. Serviços de casa podem ser realizados com
auxílio. Programas de auxílio aos pais, utilizando pes-
Tratamento soal não profissional treinado para observação próxi-
O tratamento precisa envolver uma perspectiva ma de pais negligentes ou agressivos estão sendo de-
a longo prazo, porque os padrões alterados de inte- senvolvidos em algumas comunidades. Grupos de “Pais
ração pessoal são de longa duração. Nos casos de Anônimos” também têm sido bem-sucedidos.
abuso e negligência, as famílias devem ser abor- Remoçção temporária de casa – Se a perma-
dadas de forma auxiliadora e não punitiva. nência em casa acarretar alto risco à saúde da crian-
Uma revisão cuidadosa do quadro familiar e das ça, se a vítima de abuso for < 1 ano ou se o trabalho
deficiências e necessidades dos pais é essencial ao com a família não progredir, a remoção temporária
diagnóstico e é o primeiro passo no tratamento. pode estar indicada. A remoção temporária deve
A hospitalização da criança (remoção temporária ser extremamente considerada em casos de abuso
emergencial de sua casa) pode ser indicada, mas sexual ou físico quando, após a descoberta, a criança
geralmente não é necessária e depende de como retorne aos cuidados do suspeito ou quando outros
um acordo pode ser estabelecido com os pais. Ocor- responsáveis não sustentem as alegações da crian-
rendo a hospitalização, os pais devem ser avisados ça. A remoção requer uma petição da corte, apre-
de que os estudos a serem realizados incluirão dis- sentada por um conselho legal do departamento de
cussões e testes diagnósticos na criança. bem-estar apropriado. O procedimento varia de
Consulta ao serviçço social – Compreensão ade- Estado para Estado, mas em geral envolve teste-
quada dos antecedentes dos pais em geral necessi- munho do médico da família na corte. Quando a
ta de revisão considerável dos registros médicos e corte decide pela remoção da criança, uma prescri-
contatos prévios com várias agências de serviço ção legal é arranjada. O médico da família deve
comunitário. Se disponível, um consultor de servi- participar desse planejamento. Se não, seu consen-
ço social poderá fornecer assistência valiosa na timento e sua concordância com a prescrição de-
condução dessas revisões e poderá auxiliar nas en- vem ser obtidos. Enquanto a criança estiver em lo-
trevistas e aconselhamento familiar. cal temporário, o médico deve, se possível, manter
Encaminhamento a um departamento de contato com os pais e assegurá-los de que os esfor-
bem-estar ou serviçço social – Quando são notifi- ços adequados estão sendo feitos para ajudá-los.
cados casos de abuso ou negligência, deve ser rea- Ele deve também participar da tomada de decisão
lizada uma entrevista pessoal com os representan- sobre reunir os pais e a criança. Quando melhorar
tes dos serviços de proteção à criança para assegu- a dinâmica familiar, poderá ser possível para a crian-
rar um entendimento claro e auxiliar no planeja- ça permanecer sob os cuidados dos pais. As recor-
mento da manutenção. Os pais devem ser informa- rências são comuns.
dos, de antemão, pelo médico, de que tal notifica- Seguimento – As famílias de crianças negligen-
ção está sendo feita de acordo com a lei. ciadas e agredidas freqüentemente se mudam, tornan-
Planejamento de cuidados – Muitas comuni- do a continuidade do tratamento muito difícil. Anota-
dades têm uma equipe multidisciplinar que consis- ções interrompidas são comuns; supervisão e visitas
te de assistente social, psiquiatra, pediatra e outros domiciliares de assistentes sociais ou educadora de
para fornecer assistência diagnóstica e orientação saúde pública podem ser necessárias para manter aten-
na elaboração de um programa de tratamento. Uma tos todos os que participam do progresso do paciente.

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2284 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

265␣ /␣ INFECÇÕES DA INFÂNCIA


INFECÇÕES Patologia
BACTERIANAS Normalmente, os microrganismos alojam-se na
amígdala ou na nasofaringe e, assim que se multi-
(Ver também MIRINGITE INFECCIOSA, OTITE MÉ- plicam, C. diphtheriae toxigênicas podem produ-
DIA AGUDA E MASTOIDITE AGUDA no Cap. 84.) zir exotoxinas mortais para as células adjacentes
do hospedeiro. Às vezes, o local primário é qual-
DIFTERIA quer lugar da pele ou da mucosa. A exotoxina tam-
É uma doença contagiosa aguda causada pela bém danifica células em órgãos distantes, para as
Corynebacterium diphtheriae, caracterizada quais é carregada pelo sangue. As lesões patológi-
pela formação de uma pseudomembrana fi- cas são encontradas nas vias respiratórias, orofa-
brinosa, geralmente na mucosa respiratória e ringe, miocárdio, sistema nervoso e rins.
pela lesão dos tecidos miocárdico e nervoso, O miocárdio pode apresentar degeneração gor-
secundária a uma exotoxina. durosa ou fibrose. Alterações degenerativas nos
nervos cranianos ou periféricos ocorrem principal-
Etiologia e epidemiologia mente em fibras motoras. Em casos graves, células
do corno anterior e raízes nervosas posteriores e an-
Existem três biótipos (mitis, intermedius e teriores podem mostrar danos proporcionais à dura-
gravis) de C. diphtheriae. Apenas cepas toxigênicas ção da infecção, antes da administração da antitoxina.
produzem exotoxina. Esta capacidade é mediada Os rins podem mostrar uma nefrite intersticial rever-
por infecção da bactéria por um bacteriófago. Os sível com extensa infiltração celular.
microrganismos não toxigênicos podem produ- O bacilo da difteria destrói primeiro a camada do
zir difteria sintomática, mas a evolução clínica epitélio superficial, geralmente em placas e o exsu-
costuma ser mais leve do que a causada por iso- dato resultante sofre coagulação, formando uma
lados toxigênicos. A disseminação é feita princi- pseudomembrana acinzentada contendo bactérias,
palmente por secreções de pessoas infectadas, fibrina, leucócitos e células epiteliais necróticas.
diretamente ou através de fomitos contamina- Contudo, as áreas de multiplicação bacteriana e ab-
dos. O homem é o único reservatório conhecido sorção de toxinas são maiores e mais profundas do
de C. diphtheriae. Casos esporádicos em geral que as indicadas pelo tamanho da membrana forma-
resultam da exposição a portadores que podem da no sulco da infecção disseminada.
nunca ter tido doença aparente. Pode ocorrer
infecção em pessoas imunizadas e é mais co- Sintomas e sinais
mum e grave nos parcialmente imunizados. O período de incubação varia de 1 a 4 dias, se-
A pessoa não tratada é contagiosa durante ≤ 2 guido por um período prodrômico de 12 a 24h.
semanas. Em pacientes tratados com antimicro- Inicialmente, o paciente com difteria tonsilar ou
bianos adequados, a contagiosidade dura 4 dias. faucial apresenta apenas uma leve dor de gargan-
Ocasionalmente, um paciente pode permanecer ta, disfagia, febre baixa, aumento da freqüência
como portador crônico mesmo depois do trata- cardíaca e leucocitose polimorfonuclear crescen-
mento antimicrobiano. te. Náusea, vômitos, calafrios, cefaléia e febre são
A difteria cutânea (infecção da pele) pode ocor- mais comuns em crianças.
rer quando qualquer ruptura do tegumento é coloni- A membrana característica quase sempre é en-
contrada na amígdala mas, algumas vezes, em ou-
zada pela C. diphtheriae. Lacerações, abrasões, úlce- tras áreas (como a nasofaringe); é cinza-escura, es-
ras, queimaduras e outros ferimentos são importan- pessa, fibrinosa e pode estar firmemente aderida, de
tes reservatórios do microrganismo. O portador cutâ- forma que a remoção causa sangramento. Depen-
neo de C. diphtheriae também é um portador silenci- dendo da duração da infecção, a membrana pode ser
oso da infecção. A falta de higiene pessoal e da co- pontilhada ou extensa e cinza-amarelada ou cremo-
munidade contribui para a disseminação da difteria sa. Em crianças pequenas, que podem não mostrar
cutânea. O clima quente parece favorecer a infecção; sinais da doença até que a patologia esteja bem esta-
no entanto, a doença não está restrita a zonas tropi- belecida, uma membrana está freqüentemente pre-
cais; grandes surtos ocorreram em climas tempera- sente no primeiro exame. Em crianças mais velhas e
dos. Nos EUA, adultos indigentes e grupos mais po- adultos, queixas de dor de garganta e fadiga podem
bres, como americanos nativos vivendo em áreas en- anteceder o aparecimento da membrana. Alguns pa-
dêmicas, apresentam risco especial. cientes podem nunca a desenvolver.

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2285

A doença pode permanecer leve. Quando progri- sobre a suspeita de C. diphtheriae. A difteria cutânea
de, tornam-se proeminentes disfagia, sinais de toxe- deve ser considerada quando um paciente desenvol-
mia e prostração. Edemas de faringe e laringe difi- ve lesões de pele durante um surto de difteria respira-
cultam a respiração. Se a membrana envolver a la- tória. Em áreas geograficamente remotas, amostras
ringe ou traquéia e brônquios, ela pode obstruir par- de esfregaço ou biópsia podem ser colocadas em pa-
cialmente a passagem de ar, ou descolar-se, causan- cote de sílica gel e enviadas a um distante laboratório
do completa obstrução. Os gânglios linfáticos cervi- de referência, para cultura.
cais estão aumentados. Em casos graves, a difusão
da exotoxina para o tecido do pescoço pode produzir Profilaxia e tratamento
edema intenso (pescoço taurino). Uma secreção A imunização ativa com tríplice bacteriana (DTP)
serossanguinolenta nasal, freqüentemente unilateral, deve ser feita rotineiramente em todas as crianças
pode aparecer se a nasofaringe estiver afetada. e todos os comunicantes suscetíveis (ver IMUNIZA-
As lesões da difteria cutânea são morfologicamente ÇÕES NA INFÂNCIA, no Cap. 256). Para comuni-
inespecíficas. Geralmente ocorrem nas extremidades cantes previamente imunizados, uma dose de re-
e, se deixadas sem tratamento, podem-se tornar anes- forço dos toxóides tetânico e diftérico (dT) do tipo
tésicas pela infiltração de exotoxina, embora dor, sen- adulto, adsorvida, é suficiente.
sibilidade, eritema e exsudato sejam típicos. Lesões Pacientes sintomáticos devem ser hospitalizados
diftéricas cutâneas geralmente também abrigam es- em unidades de terapia intensiva. A antitoxina
treptococos β-hemolíticos do Grupo A, Staphylo- diftérica deve ser administrada precocemente, já que
coccus aureus ou ambos. Uma pseudomembrana é a antitoxina neutraliza apenas a toxina que ainda
incomum. Infecção nasofaríngea concomitante pelo não está ligada às células. Em casos suspeitos, a
mesmo biotipo ocorre em 20 a 40% dos casos. antitoxina deve ser administrada imediatamente
A infecção ocular por C. diphtheriae é rara e após o diagnóstico clínico, sem esperar pela con-
pode ser observada independentemente de haver ou firmação da cultura. PRECAUÇÃO – A antitoxina
não lesões cutâneas. Também pode provocar infec- diftérica é obtida de cavalos; assim, um teste cutâ-
ção em outros sítios mucocutâneos, como ouvido neo (ou conjuntivo), para afastar a sensibilidade,
(otite externa) e trato genital (vulvovaginite ulce- deve sempre preceder a administração (ver discus-
rativa e purulenta). são sobre a doença do soro, em HIPERSENSIBI-
LIDADE A DROGAS, no Cap.148). Se, após 30min,
Complicações e diagnóstico nenhum eritema ou área de superfície eritematosa
Complicações graves são possíveis quando a < 0,5cm de diâmetro aparecer ao redor do local da
antitoxina não é administrada prontamente com injeção do teste cutâneo, a administração da
base no diagnóstico clínico, até mesmo antes dos antitoxina pode prosseguir. A dose varia de 20.000
resultados das culturas serem conhecidos. Altera- a 100.000U e é determinada empiricamente. Pa-
ções insignificantes do ECG ocorrem em 20 a 30% cientes com faringite diftérica moderadamente sin-
dos pacientes; dissociação atrioventricular, bloqueio tomática necessitam de 20.000 a 40.000U, enquan-
cardíaco completo e arritmias ventriculares estão to aqueles apresentando sintomas mais graves ou
associados à alta mortalidade. A miocardite geral- com complicações necessitam de doses maiores.
mente manifesta-se por volta do 10º ao 14º dias, A antitoxina pode ser administrada IM ou IV. Do-
mas pode aparecer durante a 1ª até 6ª semanas. ses acima de 20.000U podem ser adicionadas a 200mL
Pode seguir-se insuficiência cardíaca; morte súbita de solução fisiológica a 0,9% e administradas IV, len-
pode ocorrer. Disfagia e regurgitação nasal, por pa- tamente, por 30 a 45min, para facilitar a administra-
ralisia bulbar, podem ser observadas na 1ª semana ção de grande volume. Para casos leves, podem ser
da doença; paralisias de nervos periféricos apare- administradas 40.000U; em casos moderados, são
cem da 3ª até a 6ª semanas. A reversão espontânea usadas 80.000U e, nos graves, 120.000U.
é lenta durante várias semanas. Miocardite e para- Uma pápula urticariforme em resposta ao teste
lisia não são modificadas por corticosteróides ou cutâneo indica sensibilidade e recomenda cautela
administração tardia de antitoxina. extrema na administração da antitoxina. O paciente
O diagnóstico é baseado na aparência clínica da deve ser primeiro dessensibilizado com antitoxina
membrana, necessitando de confirmação pela cultu- diluída, administrada em doses tituladas, como des-
ra. A coloração pelo Gram da membrana pode reve- crito em HIPERSENSIBILIDADE A DROGAS, no Capí-
lar bastonetes Gram-positivos, com coloração meta- tulo 148. Adrenalina 1:1.000 (0,01 mL/kg) deve es-
cromática (em contas), em uma configuração típica tar disponível para injeção imediata de 0,3 a 1mL,
de caracteres chineses. O meio de Loeffler ou ágar- s.c., IM ou IV, lentamente, se os sintomas indesejá-
telurito é preferido para o isolamento primário do veis aparecerem. No paciente altamente sensível, a
microrganismo. O laboratório deve ser notificado administração IV de antitoxina é contra-indicada.

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2286 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

É preciso repouso no leito, bem como cuidados Todos os isolados de C. diphtheriae devem ser apre-
intensivos de amamentação, com ênfase em nutrição, sentados ao departamento de saúde local para bioti-
hidratação, oxigenação e constante observação quanto pagem e determinação de toxigenicidade. Biotipos
a sinais de necessária intubação endotraqueal ou tra- toxigênicos e não toxigênicos podem coexistir em uma
queostomia; contínua monitoração de problemas car- comunidade. A análise de padrões enzimáticos de res-
díacos e exame freqüente para detectar complicações trição de DNA e padrões de hibridização com sondas
neurológicas. Desde que a membrana possa ser facil- de DNA dos isolados podem ajudar a caracterizar um
mente desalojada, prefere-se a traqueostomia como surto epidemiologicamente.
tratamento emergencial de vias aéreas. Culturas de naso e orofaringe para C. diphtheriae
A erradicaçção do microrganismo com antibi- devem ser obtidas de todos os comunicantes íntimos
óticos é importante para evitar disseminação; não de pacientes com difteria comprovada, independen-
substitui a antitoxina. Os adultos podem receber temente da situação vacinal. A orofaringe e o
penicilina G procaína 600.000U, IM, a cada 12h, integumento devem ser examinados e pacientes sin-
por 10 dias ou eritromicina de liberação entérica tomáticos devem ser internados e tratados como an-
250 a 500mg ou etilsuccinato de eritromicina tes descrito, aguardando resultados das culturas. Co-
400mg, VO, a cada 6h, por 14 dias. Crianças pe- municantes assintomáticos com culturas de orofaringe
sando < 9kg devem receber penicilina G procaína positivas para C. diphtheriae (“portadores”) devem
25.000 a 50.000U/kg ao dia, IM, em 2 doses fra- ser confinados em casa, sem visitantes, durante todo
cionadas ou eritromicina, 40 a 50mg/kg ao dia (má- o tratamento e devem receber eritromicina 250 a
ximo de 2g ao dia), VO ou IV, em 4 doses dividi- 500mg a cada 6h, VO, para adultos (50mg/kg ao dia
das. As cefalosporinas orais não são recomenda- em 4 doses fracionadas, para crianças). Os portado-
das. A eliminação do organismo deve ser documen- res não devem receber antitoxina. Depois de 3 dias
tada por duas culturas consecutivas de orofaringe de tratamento, chefes de família podem retomar o tra-
depois de terminado o tratamento antimicrobiano. balho enquanto continuam a receber antibióticos. As
A recuperação de difteria grave é lenta e os pa- culturas devem ser verificadas novamente em, no
cientes devem ser orientados a não retomar as ati- mínimo, duas semanas depois de terminados os anti-
vidades cedo demais. Mesmo o exercício físico microbianos. Falhas no tratamento com eritromicina
normal pode prejudicar o paciente que está se re- geralmente se devem à falta de adesão ao tratamento
cuperando de miocardite. e não a organismos resistentes à droga. Foi identifica-
Para difteria cutânea, recomenda-se limpeza com- da resistência ocasional de C. diphtheriae à eritro-
pleta da lesão com água e sabão e administração de micina, nos EUA. Devem ser realizados antibiogramas
antimicrobianos sistêmicos durante 10 dias. em isolados de pacientes com falha terapêutica.
Condutas em caso de surto Os comunicantes que não possam ser mantidos sob
vigilância devem receber penicilina G benzatina e não
Todos os pacientes sintomáticos devem ser iso- eritromicina, por razões de adesão e uma dose de DTP,
lados. Além dos procedimentos habituais, precau- vacina acelular contra coqueluche (DTaP) ou dupla
ções com fomitos (isto é, quarto privativo e uso de (DT), dependendo da idade e situação vacinal.
máscara para chegar a cerca de 90cm do paciente) A imunização contra difteria deve ser atualiza-
são recomendadas para pacientes com difteria de da em todos os comunicantes, inclusive equipe do
faringe. Precauções de contato (quarto privativo, hospital; toxóides tetânico e diftérico do tipo adul-
sempre o uso de luvas e lavagem das mãos com to adsorvidos (dT) devem ser usados. Não se pode
degermante, paramentação em todos os momentos) confiar em níveis protetores de imunidade depois
são recomendadas. Os pacientes devem ser trata- de mais de 5 anos após uma dose de reforço. Se a
dos conforme já descrito até que duas culturas de situação imunológica não for conhecida, deve ser
orofaringe (ou pele, se adequado), colhidas 24 e realizada imunização ativa com DTP ou DT, de-
48h depois da interrupção dos antibióticos, sejam pendendo da idade.
negativas para C. diphtheriae. Se persistirem cul- Do ponto de vista pessoal e de saúde pública, as
turas positivas depois da recuperação clínica, o tra- pessoas com culturas negativas e imunização com-
tamento deve ser reiniciado durante 10 dias com pleta estão seguras.
eritromicina (2g ao dia, VO, em 4 doses fraciona-
das para adultos, 50mg/kg ao dia para crianças).
As formas-base com revestimento entérico ou PERTUSSIS
etilsuccinato devem ser usadas, para evitar absor-
ção prejudicada de alimentos. Com os esquemas (Coqueluche)
antibióticos atuais, a tonsilectomia não é mais in- É uma doença bacteriana aguda, altamente conta-
dicada para erradicação de focos persistentes. giosa, causada pela Bordetella pertussis e ca-

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2287

racterizada por tosse paroxística ou espasmó- roxismo ou devido a engasgamento com o muco
dica, que geralmente termina em uma inspira- pegajoso é característico. Em lactentes, episódios
ção prolongada, de som agudo como um grito de asfixia (com ou sem cianose) podem ser mais
(o guincho). comuns que os guinchos.
O estágio de convalescençça começa em 4 se-
Epidemiologia manas; os paroxismos não são tão freqüentes ou
A transmissão se dá por aspiração de B. pertussis graves, o vômito diminui e o paciente aparenta es-
(um cocobacilo pequeno, imóvel, Gram-negativo), que tar e se sente melhor. A duração média da doença é
é disseminada para o ar por um paciente, particular- de 7 semanas (variando de 3 semanas a 3 meses).
mente na fase catarral e nos estágios iniciais de paro- Tosse paroxística pode ser reinduzida durante me-
xismos. A transmissão por contato com objetos con- ses, em geralmente decorrente de irritação por IRA.
taminados é rara. Os pacientes em geral não são con- A contagem de leucócitos quase sempre está
tagiosos depois da 3ª semana da fase paroxística. entre 15.000 e 20.000/µL, mas pode ser normal ou
A coqueluche é endêmica em todo o mundo; sua atingir até 60.000/µL; geralmente há 60 a 80% de
incidência aumentou, nos EUA, no final da década linfócitos pequenos.
de 80. Em uma dada localidade, ela torna-se epidê-
mica a cada 2 a 4 anos. Ela ocorre em todas as ida- Complicações e diagnóstico
des, mas aproximadamente 38% dos casos em lac- As complicações respiratórias são as mais comuns,
tentes < 6 meses e 71% em crianças < 5 anos. Ado- incluindo asfixia em lactentes. Broncopneumonia
lescentes e adultos foram recentemente identifica- (também comum no idoso) pode ser fatal em qual-
dos como uma fonte importante da doença. Um quer idade. Enfisema intersticial e subcutâneo e pneu-
ataque não confere imunidade natural por toda a motórax são complicações infreqüentes do aumento
vida, mas outros ataques, se houver, costumam ser da pressão intratorácica durante os paroxismos. Bron-
leves e muitas vezes não diagnosticados. quiectasia, particularmente em crianças debilitadas e
Paracoqueluche é provocada por B. paraper- enfisema residual podem ocorrer. A atelectasia pode
tussis, que lembra muito B. pertussis; a paraco- surgir quando uma rolha de muco oclui um bronquíolo.
queluche pode ser clinicamente indistinguível da Uma lesão primária de tuberculose pode ser estendi-
coqueluche, mas geralmente é mais leve e, com fre- da pela ocorrência simultânea de coqueluche. Con-
vulsões são comuns em lactentes, mas raras em crian-
qüência, menos fatal. ças maiores. Hemorragia no cérebro, olhos, pele e
Sintomas e sinais mucosas podem resultar de paroxismos intensos com
anoxia subseqüente. Hemorragia ou edema cerebrais
O período de incubação varia entre 7 e 14 dias ou encefalite tóxica podem resultar em paralisia es-
(máximo de 3 semanas). B. pertussis invade a mu- pástica, retardo mental ou outros distúrbios neuroló-
cosa de nasofaringe, traquéia, brônquios e bron- gicos. Pode-se desenvolver uma úlcera no frênulo da
quíolos, causando aumento de secreção do muco, língua pelo trauma dos incisivos inferiores durante
de início fino e depois viscoso e pegajoso. A doen- paroxismos de tosse. Hérnia umbilical e prolapso re-
ça não complicada dura cerca de 6 a 10 semanas e tal acontecem ocasionalmente. Otite média aparece
é constituída por 3 estágios: catarral, paroxístico e com freqüência.
convalescente. Culturas de amostras de nasofaringe são positi-
O estágio catarral começa insidiosamente, em vas para B. pertussis em 80 a 90% dos casos, nos
geral com espirros, lacrimejamento e outros sinais estágios catarral e paroxístico precoce. Os melho-
de coriza, anorexia, indiferença e tosse noturna res resultados são obtidos com pequenos “swabs”
entrecortada, incômoda, que gradualmente se tor- de algodão estéreis em calibre 28, com haste
na diurna. A febre é rara. revestida de zinco, passados através da narina até a
O estágio paroxístico surge após 10 a 14 dias nasofaringe. Devem ser utilizados os meios de
quando a tosse aumenta em gravidade e número. Bordet-Gengou ou “charcoal agar” recém-prepa-
Acontecem 5 a ≥15 episódios de tosse rapidamen- rados, contendo penicilina ou cefalexina para ini-
te consecutivos durante uma única expiração, se- bir o supercrescimento de outros microrganismos.
guidos pelo guincho, uma inspiração profunda e Teste de imunofluorescência específica dos esfre-
rápida. Depois de poucas respirações normais, ou- gaços de nasofaringe é uma forma acurada de
tro paroxismo pode começar. Quantidades copio- diagnosticar coqueluche, mas não é tão sensível
sas de muco viscoso podem ser expelidas (em ge- quanto a cultura. Também se usa a reação em ca-
ral deglutidas por lactentes e crianças, mas tam- deia da polimerase para Bordetella pertussis.
bém surgindo como grandes bolhas pelas narinas) O estágio catarral usualmente é difícil de dife-
durante ou após os paroxismos. Vômito após o pa- renciar de bronquite ou gripe. Infecções por ade-

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2288 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

novírus e TB também devem ser consideradas no desenvolvimento pode contribuir significativamen-


diagnóstico diferencial, uma vez que podem simu- te para uma evolução adversa.
lar a síndrome da coqueluche. Linfocitose ≥ 70% Fórmulas expectorantes para tosse, supressores
em uma criança afebril ou levemente febril, com de tosse e sedação leve são de valor questionável e
mais de 3 anos, com tosse suspeita, costumeira- devem ser usados com cautela ou evitados. Drogas
mente sugere coqueluche, mas não faz diferencia- adrenérgicas, tais como teofilina ou albuterol e cor-
ção da síndrome semelhante à coqueluche causada ticosteróides também foram sugeridos para o trata-
por adenovírus. mento de pacientes gravemente enfermos; entre-
Paracoqueluche é diferenciada por cultura ou tanto, faltam estudos controlados para avaliação de
pela técnica de anticorpo fluorescente. sua eficácia e danos potenciais. Os antibióticos
administrados no estágio catarral podem melhorar
Prognóstico e profilaxia a doença. Depois de estabelecidos os paroxismos,
A coqueluche é grave em crianças < 2 anos e a os antibióticos geralmente não apresentam nenhum
mortalidade é cerca de 1 a 2% antes de 1 ano (ain- efeito identificado, mas são recomendados para
da mais alta no primeiro mês de vida). A maioria evitar a disseminação. A droga de escolha é a eri-
dos óbitos se deve à broncopneumonia e complica- tromicina 40 a 50mg/kg, VO, a cada 6h, durante 14
ções cerebrais (ver anteriormente). A doença é in- dias. Antibióticos devem também ser usados para
cômoda, mas raramente grave em crianças mais complicações bacterianas, como broncopneumonia
velhas e adultos, exceto em idosos. e otite média. Repouso no leito é desnecessário para
A imunização ativa é descrita em IMUNIZAÇÕES crianças maiores com doença leve.
NA INFÂNCIA, No Capítulo 256. A imunização pas-
siva não é confiável e nem recomendável.
Os pacientes devem ficar em quarentena, em BACTEREMIA OCULTA
particular os lactentes suscetíveis, por pelo menos Presença de bactérias patogênicas viáveis na cor-
4 semanas desde o início da doença ou até que os rente sangüínea de crianças pequenas febris,
sintomas tenham desaparecido. Se a quarentena for sem nenhum foco aparente de infecção e que pa-
incerta ou difícil, a terapia com eritromicina, recem estar suficientemente bem para serem tra-
12,5mg/kg, VO, 4 vezes ao dia (no máximo, 2g ao tadas em ambulatório.
dia) preferivelmente a preparação de estolato, co-
meçando no período de incubação e continuando Etiologia e epidemiologia
por 10 a 14 dias, geralmente erradica o microrga-
nismo da nasofaringe, diminuindo, assim, a infecti- A bacteremia oculta é causada por Streptococcus
vidade para outros e, possivelmente, acabando a pneumoniae em 65 a 75% dos casos e os restantes
infecção em comunicantes; entretanto, não há be- por outras bactérias, incluindo Neisseria meningi-
nefício terapêutico reconhecido após os paroxis- tidis, Salmonella sp. e Staphylococcus aureus. A inci-
mos terem começado. dência de bacteremia por Haemophilus influenzae
do tipo b (Hib) diminuiu muito em países em que a
Tratamento vacina conjugada contra Hib é parte da vacinação
A hospitalização é recomendável para lactentes rotineira na infância.
gravemente doentes, para avaliar a progressão da A bacteremia oculta é detectada em cerca de 4 a
doença, evitar e tratar complicações. Pequenas e 17% dos lactentes febris entre 1 e 24 meses de ida-
freqüentes refeições são recomendadas. Terapia de; a maioria dos casos ocorre em lactentes entre 6
parenteral com líquidos pode ser necessária para e 24 meses de idade. As crianças que parecem es-
substituir as perdas de sal e água, se os vômitos tar bem o suficiente para serem tratadas ambula-
forem intensos. Em lactentes, a aspiração para re- torialmente e depois se descobre que apresentam
mover o excesso de muco da garganta pode salvar bacteremia, em geral têm < 2 anos de idade. A in-
a vida da criança e traqueostomia ou intubação cidência não varia com o sexo ou a raça.
nasotraqueal são ocasionalmente necessárias.
O oxigênio deve ser administrado se a cianose per- Sintomas, sinais e diagnóstico
sistir após a remoção do muco. Lactentes grave- A bacteremia oculta costuma estar associada a
mente enfermos devem ser mantidos em um quar- IRA, faringite ou febre isolada; contudo, a porcen-
to silencioso e escuro e perturbados o mínimo pos- tagem de lactentes com uma dessas condições e que
sível, uma vez que qualquer distúrbio pode provo- realmente apresenta bacteremia é muito pequena.
car intensos episódios paroxísticos com anoxia. O diagnóstico depende do isolamento das bac-
Deve ser dada atenção especial às necessidades térias do sangue e, por conseqüência, não se pode
nutricionais, pois a desnutrição preexistente ou em fazer um diagnóstico imediato quando a criança é

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2289

atendida pela primeira vez. As culturas demoram TABELA 265.1 – CRITÉRIOS DE ROCHESTER
24 a 48h para se tornarem positivas e as amostras PARA BAIXO RISCO DE INFECÇÃO
quase sempre estão contaminadas com microrga- BACTERIANA GRAVE EM LACTENTES
nismos da pele. Técnicas diagnósticas mais rápi- O lactente está em bom estado geral
das disponíveis (por exemplo, velocidade de he- O lactente é previamente hígido
mossedimentação [VHS], proteína C-reativa) não Nascido a termo (> 37 semanas de gestação)
são suficientemente sensíveis para uso clínico. Não recebeu antimicrobianos no pré-natal
Testes inespecíficos podem ajudar a determinar Não foi tratado por hiperbilirrubinemia inexplica-
a probabilidade de bacteremia. Na maioria das da (isto é, bilirrubina indireta > 12mg/dL)
crianças bacterêmicas, a contagem de leucócitos Não havia recebido antimicrobianos
está elevada e, portanto, este exame é sensível; con- Não havia sido internado anteriormente
tudo, apenas cerca de 10% das crianças com nú- Não apresentava nenhuma doença crônica ou subja-
mero de leucócitos > 15.000/µL estão bacterêmicas cente
(então, a especificidade é baixa). Reações de fase Não foi hospitalizado por mais tempo que a mãe
aguda, como VHS e proteína C-reativa, acrescen- Sem evidência de infecção de pele, partes moles, ossos,
tam pouco à contagem de leucócitos. Urinálise com articulações ou ouvidos
< 5 leucócitos/campo e ausência de nitrito e esterase Valores laboratoriais
leucocitária ajudam a afastar ITU. Fatores de risco Número de leucócitos em sangue periférico de
combinados – como idade entre 1 e 24 meses, 5.000 a 15.000/µL
temperatura > 38,5°C (101,3°F) e leucocitose Número absoluto de bastonetes < 1.500/µL ≤ 10
(> 15.000/µL e bastonetes > 5.000/µL) e urinálise leucócitos por campo (× 40) ao exame micros-
alterada – aumentam a chance da presença de bacte- cópico de um sedimento urinário centrifugado
remia, mas apenas em 10 a 25%. Foram desenvolvi- ≤ 5 leucócitos por campo (× 40) ao exame mi-
das diversas escalas de classificação clínica, como croscópico de um esfregaço de fezes (apenas
critérios de Rochester para baixo risco de infecção para lactentes com diarréia)
bacteriana grave na infância (ver TABELA 265.1).
A bacteremia oculta deve ser diferenciada de
sepse, sepse neonatal e choque séptico. (Para dis-
cussões dessas infecções, ver Cap. 156 e SEPSE
NEONATAL e MENINGITE NEONATAL em INFECÇÕES quais se suspeita de bacteremia apresentam infecção
NEONATAIS, no Cap. 260.) passível de tratamento – em geral otite média ou pneu-
monia – e quase certamente estarão recebendo anti-
Prognóstico e tratamento bióticos quando se confirmar a bacteremia.
Independentemente das crianças receberem an-
tibióticos antes da confirmação da bacteremia, apro- INFECÇÃO DO TRATO
ximadamente 10 a 15% desenvolvem meningite.
Das crianças que recebem antibióticos antes da URINÁRIO
confirmação de bacteremia, a maioria melhora cli- É uma bacteriúria significativa (por exemplo, > 103
nicamente e uma pequena porcentagem apresenta colônias/mL em amostra colhida com cateter)
bacteremia persistente. Em contraste, das crianças numa criança assintomática ou com manifesta-
que não recebem antibióticos antes da confirmação ções de cistite, pielonefrite ou septicemia.
de bacteremia, uma minoria melhora clinicamente
e aproximadamente o mesmo número das que re- O trato urinário, dos rins até a bexiga, costuma
cebem antibióticos antes da confirmação de bacte- ser estéril, apesar de provável contaminação fre-
remia desenvolve infecção bacteriana localizada, qüente com bactérias colônicas via uretra. Os me-
febre contínua e bacteremia persistente. canismos que mantêm a esterilidade do trato in-
Alguns especialistas defendem a introdução de tra- cluem acidez urinária e fluxo livre, mecanismo de
tamento com ceftriaxona IM ou amoxicilina oral en- esvaziamento normal, válvulas uretrais e ureterais
quanto se aguardam os resultados de hemoculturas intactas e barreiras imunológicas e da mucosa.
ambulatoriais para lactentes entre 3 e 24 meses com Anormalidades em qualquer destes mecanismos e
temperaturas > 40°C (> 104°F) e leucometria estase urinária são os maiores fatores predis-
> 15.000/µL. Outros acreditam que o tratamento é ponentes à infecção de trato urinário (ITU).
desnecessário se for garantida observação meticulosa.
Nos dois casos, observação e acompanhamento es- Etiologia e epidemiologia
treitos são essenciais, especialmente nas primeiras Em tratos urinários anormais, muitos micror-
72h. Cerca de 50% dos pacientes ambulatoriais nos ganismos diferentes podem causar infecções, mas

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2290 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

em tratos relativamente normais, os microrga- referentes ao trato gastrointestinal (vômito, diar-


nismos são cepas de Escherichia coli com fato- réia ou dor abdominal).
res de ligação específicos para o epitélio de tran- Em criançças > 2 anos, pode ser observado o
sição da bexiga e ureteres. A E. coli causa > 75% quadro mais clássico de cistite ou pielonefrite,
das ITU em todas as faixas etárias pediátricas. embora cerca de 40% das ITU possam ser assinto-
Os casos restantes são provocados por outras máticas. Sintomas de cistite são disúria, polaciú-
enterobactérias Gram-negativas, em especial ria, hematúria, retenção urinária, dor suprapubiana,
Klebsiella, Proteus mirabilis e Pseudomonas urgência, prurido, incontinência, urina com mau
aeruginosa. Enterococos (estreptococos do Gru- cheiro e enurese. Sintomas de pielonefrite incluem
po D) e estafilococos coagulase-negativos, como os da cistite mais febre alta, calafrios, dor costo-
Staphylococcus saprophyticus, são os microrga- vertebral e sensibilidade.
nismos Gram-positivos mais implicados. Fun-
gos e micobactérias são causas incomuns de ITU. Diagnóstico
Adenovírus estão implicados em uma síndrome O diagnóstico requer demonstração por cultura
de cistite hemorrágica. de bacteriúria significativa em amostra de urina
Um a 2% dos recém-nascidos desenvolvem ITU apropriadamente coletada. Se a urina for obtida por
e a relação homem:mulher é 5:1. As infecções em aspiração suprapubiana da bexiga, a presença de
homens são habitualmente bacterêmicas. Os fato- qualquer bactéria Gram-negativa é significativa,
res predisponentes incluem malformações e obs- bem como > 1.000 estafilococos coagulase-negati-
truções do trato urinário, prematuridade, sonda ve- vos/mL de urina. Em amostra por sonda, > 103 co-
sical e falta de circuncisão; anormalidades renais lônias/mL geralmente são significativas. Amostras
maiores estão presentes em 20 a 40% dos recém- de jato médio coletadas, em condições adequadas,
nascidos com ITU. de meninos, são significativas quando o número de
As ITU ocorrem em 2 a 5% das crianças peque- colônias for > 104; de meninas, quando for > 105.
nas depois do período neonatal e em 5% das crian- Amostras obtidas em coletores não são confiáveis
ças em idade escolar. A relação mulher:homem e não devem ser utilizadas para diagnóstico de ITU.
aumenta com a idade e é > 10:1 após os 4 anos de Todas as crianças com suspeita de ITU também
idade. Infecções em mulheres geralmente são as- devem ser examinadas em relação a massas abdo-
cendentes e não estão associadas à bacteremia. minais, aumento dos rins, anormalidades uretrais,
A acentuada preponderância feminina é atribuída dor em ângulo costovertebral e sinais de malfor-
à uretra feminina mais curta. Outros fatores pre- mações na porção inferior da coluna. Força reduzi-
disponentes nesse grupo etário compreendem son- da do jato urinário pode ser o único indício de obs-
da vesical, obstipação, doença de Hirschsprung e trução ou bexiga neurogênica. PA, altura e peso
anormalidades anatômicas do trato urinário (tais devem ser registrados. Hematócrito, uréia e creati-
como obstruções, bexiga neurogênica e duplicação nina devem ser examinados.
ureteral). Outros fatores de risco associados englo- Microscopia urinária – Exame microscópico
bam deficiência de IgA, diabetes, trauma e, em ado- da urina é útil mas não definitivo. Piúria (> 5 leu-
lescentes, relações sexuais. Cinco a 15% das cri- cócitos/campo de alta resolução no sedimento uri-
anças em idade escolar com ITU apresentam anor- nário centrifugado) geralmente indica ITU, mas está
malidades do trato urinário que necessitarão de ci- ausente em 60% das ITU confirmadas por cultura.
rurgia; 30 a 40% têm refluxo vesicoureteral que A coloração da urina pelo Gram pode ser um pro-
precisará de profilaxia antibiótica. A incidência de cedimento preciso para identificação da ITU.
refluxo varia inversamente com a idade no primei- A presença de 1 bactéria/10 campos de imersão em
ro episódio de ITU. óleo (1.000×) em urina não centrifugada ou > 100
leucócitos/µL em urina centrifugada (por hemo-
Sintomas e sinais citômetro) se correlaciona com a presença de > 105
Em recém-nascidos, os sintomas e sinais são bactérias/mL de urina por cultura.
inespecíficos e quase sempre mimetizam aqueles Métodos químicos de detecçç ão – Os testes
da sepse neonatal. Alimentação pobre, diarréia, atra- químicos para detectar bactérias (como o teste
so no desenvolvimento, vômito, icterícia leve, le- de nitrito e o de esterase leucocitária) são úteis
targia, febre ou hipotermia podem sugerir ITU. apenas para triagem, mas o resultado positivo do
Lactentes e criançças até 2 anos de idade tam- teste de nitrito em amostra recente é altamente
bém apresentam poucos sinais de localização. Al- indicativo de ITU.
gumas crianças são assintomáticas e diagnostica- Urocultura – A urina deve ser cultivada assim
das em exames de rotina; outras mostram sintomas que possível ou armazenada em temperatura de 4°C

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2291

(40°F) se for previsto um atraso > 10 a 20min. com radioisótopos com pertecnetato de tecnécio
A urina deve ser cultivada em placas de ágar-san- 99m libera uma radiação gonadal correspondente
gue e incubada 24 a 48h em temperatura de 37°C a 1% da liberada na CUGM radiográfica; é bastan-
(98,6°F). A urina é semeada nas placas usando al- te sensível para detectar refluxo e pode ser reco-
ças bacteriológicas quantitativas. Quando a urina mendada como teste inicial. Quando a CUGM ra-
foi coletada por aspiração suprapubiana ou sonda, diográfica ou com radioisótopos não mostra reflu-
devem ser cultivados 0,001mL e 0,1mL. Das amos- xo, pode ser feito ultra-som renal para excluir anor-
tras de jato médio coletadas com técnica adequada malidades anatômicas; na presença de refluxo, é
é suficiente cultivar 0,001mL. Para bacteriologia melhor avaliar o trato superior com UIV ou com
de consultório, a cultura em placas de ágar-sangue mapeamento por radioisótopos com agente corti-
é o procedimento de escolha, embora métodos de cal (como gluco-heptonato de tecnécio 99m), que
kits (por exemplo, “dipslide” ou papel de filtro) aplica uma dose menor de radiação do que UIV e
sejam sensíveis. Ocasionalmente, a ITU pode estar pode ser bastante sensível na detecção de cicatri-
presente apesar do pequeno número de colônias, zes renais. O ultra-som é, agora, o procedimento
talvez por causa de antibioticoterapia prévia, urina de escolha para acompanhar o crescimento renal
muito diluída (densidade específica < 1.003) ou em crianças com refluxo comprovado.
obstrução do fluxo de urina macroscopicamente O refluxo vesicoureteral pode ser classificado
infectada. A repetição da cultura melhora a preci- por grau, conforme definição do “International
são diagnóstica de um resultado positivo. Reflux Study Committee”:
Exames para diferenciar infecçção de trato uri-
nário alto do baixo – A diferenciação entre infecção • Grau I: Apenas os ureteres estão envolvidos.
de trato urinário superior e inferior pode ser difícil. • Grau II: O refluxo atinge os cálices.
Quando a criança apresenta febre alta, sensibilidade
do ângulo costovertebral e piúria importante com ci- • Grau III: O ureter e a pelve renal estão dilatados.
lindros, há pouca dúvida de que seja uma pielonefri- • Grau IV: A dilatação é aumentada e o ângulo
te. Contudo, quando técnicas sensíveis de diferencia- agudo dos fórnices está obliterado.
ção (tais como lavagem da bexiga, capacidade de • Grau V: O ureter, a pelve e os cálices são gros-
concentração ou presença de bactérias ligadas a anti- seiramente dilatados e as impressões papilares
corpos) foram aplicadas em programas de pesquisa, freqüentemente estão ausentes.
muitas crianças com ITU assintomática ou apenas
sintomas de cistite tinham doença de trato superior.
Estes testes especializados não estão indicados para Prognóstico e tratamento
pesquisas clínicas usuais. O prognóstico geral para ITU é bom. Pacientes tra-
Exames por imagem do trato urinário – As tados de maneira adequada raramente evoluem para
vias urinárias de todas as crianças com diagnóstico insuficiência renal, a menos que apresentem altera-
de ITU devem ser avaliadas com ultra-som, ma- ções não corrigidas de trato urinário. As recorrências
peamento com radioisótopos ou UIV para detectar ocorrem em cerca de 50% dos pacientes com ITU
anormalidades importantes e com uretrocistografia sintomáticas ou assintomáticas, mas são mais comuns
miccional (CUGM) para detectar refluxo signifi- naqueles com anormalidades urológicas.
cativo, que é encontrado em 20 a 50% das crianças O tratamento tem como objetivo preservar a fun-
com ITU. O refluxo de urina infectada para a pelve ção do parênquima renal e reduzir a morbidade
renal ou de urina infectada por uma obstrução po- aguda. No recém-nascido, depois de coletadas
dem acarretar pielonefrite crônica, cicatrizes renais, hemoculturas e uroculturas, o tratamento deve ser
crescimento renal insuficiente e insuficiência re- introduzido por via parenteral, com ampicilina e
nal. UIV ou ultra-som podem ser realizados a qual- um aminoglicosídeo em doses apropriadas para
quer momento, mas se recomenda na 1ª semana sepse neonatal (ver TABELA 260.6). Se as hemocul-
depois do diagnóstico de ITU em lactentes peque- turas forem negativas, a resposta clínica for boa e a
nos. A CUGM deve ser proposta 3 a 6 semanas urocultura, repetida 48 a 72h durante o tratamento,
depois, para permitir que desapareça o refluxo tran- for negativa, um antibiótico oral adequado (por
sitório geralmente associado com cistite, possibili- exemplo, ampicilina, amoxicilina ou uma cefalos-
tando uma avaliação mais exata da competência das porina escolhidas com base no antibiograma), ele
válvulas ureterovesicais. Alguns médicos adiam a pode ser usado para completar o tratamento de 10
avaliação radiológica em meninas > 3 anos de ida- dias. A urina deve ser cultivada novamente 7 a 10
de para depois da segunda ITU. dias depois do término do tratamento. Uma resposta
Para refluxo vesicoureteral, a CUGM é o me- ruim sugere organismo resistente ou lesão obstru-
lhor exame anatômico. No entanto, uma CUGM tiva e merece avaliação urgente.

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2292 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 265.2 – DOSES DE DROGAS TABELA 265.3 – CAUSAS CONHECIDAS


ANTIMICROBIANAS PARA INFECÇÃO DO DE GASTROENTERITE*
TRATO URINÁRIO EM CRIANÇAS Bactérias
Dose diária Dose diária Intervalo das Bactérias enterotoxigênicas
oral parenteral doses Bacillus cereus
Droga (mg/kg/dia) (mg/kg/dia) (h) Clostridium difficile
Clostridium perfringens
Amicacina – 15 8 – 12 Escherichia coli
Amoxicilina 20 – 40 – 8 Staphylococcus aureus
Clavulanato de 20 – 8 Vibrio cholerae 01
amoxicilina V. cholerae, não-01
Ampicilina 50 – 100 50 – 100 6 Bactérias invasivas
Campylobacter jejuni
Cefadroxil 30 – 12
E. coli
Cefazolina – 50 – 100 8 Salmonella
Cefixima 8 – 12 – 24 Shigella
Cefotaxima – 100 – 200 6–8 Yersinia enterocolitica
Cefoxitina – 80 – 160 6 Bactérias de mecanismos desconhecidos
Proxetil cef- 10 – 12 Aeromonas hydrophila
podoxima Vibrio parahaemolyticus
Ceftazidima 100 – 150 – 8 Vírus
Ceftriaxona – 50 – 75 12 – 24 Astrovírus
Cefuroxima – 50 – 100 8 Calicivírus
Coronavírus
Acetil cefu- 30 – 12
Adenovírus entérico
roxima
Vírus Norwalk
Cefalexina 25 – 50 – 6 Rotavírus
Cefalotina – 80 – 160 6 Parasitas
Cefapirina – 40 – 80 6 Blastocystis hominis
Gentamicina – 6 – 7,5 8 Cryptosporidium
Canamicina – 15 8 Cyclospora
Meropenema 60 – 8 Entamoeba histolytica
Nitrofurantoína 5–7 – 6 Giardia lamblia
Sulfameto- 50 – 60 – 12 Isospora belli
xazol * Não estão relacionados em ordem de freqüência.
Sulfisoxazol 120 – 150 – 6
Ticarcilina – 50 – 100 6
Tobramicina – 6 – 7,5 8 – 12
hospitalizadas com pielonefrite aguda e sinais de
sepse devem receber ampicilina e aminoglicosídeos
TMP-SMX 8 (TMP) 8 (TMP) 12 parenteralmente ou uma cefalosporina de 3ª gera-
40 (SMX) 40 (SMX) ção, como cefotaxima ou ceftriaxona. A duração
TMP-SMX = trimetoprim-sulfametoxazol. do tratamento para ITU é de 7 a 10 dias, embora
muitas crianças mais velhas, sem complicação de
ITU, possam ser tratadas, com sucesso, por um
Após o período neonatal, crianças com ITU curto período de antibioticoterapia.
podem ser tratadas com antibióticos orais, a menos A urina deve ser cultivada novamente 2 a 3 dias
que apresentem febre alta, sinais evidentes de toxi- após o início da terapia, se não houver melhora e 7
cidade ou estejam vomitando; nesses casos, está a 10 dias depois de cessar o uso de antibióticos,
indicado o tratamento parenteral. Os antibióticos para documentar a eficácia do tratamento em todos
iniciais de escolha são ampicilina, amoxicilina, os casos. Falha na esterilização da urina após 48h
sulfisoxazol, trimetoprim-sulfametoxazol (TMP-SMX) de antibióticos pode ser causada por um microrga-
ou uma cefalosporina (ver TABELA 265.2). Estes nismo resistente, uma lesão obstrutiva ou pouca
agentes fornecem cobertura apropriada para E. coli. adesão ao tratamento.
Alterações na terapia devem ser orientadas pelos Por causa do risco de recorrências, devem ser
resultados de culturas e antibiogramas. Crianças realizadas novas uroculturas 3 a 4 vezes durante o

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2293

primeiro ano após o diagnóstico e, pelo menos, duas lica podem desenvolver-se em 24h do início em qual-
vezes por ano durante os 2 ou 3 anos seguintes (ou quer idade, se o vômito for incoercível, a diarréia
a qualquer momento em que a criança desenvolver explosiva ou a ingestão de líquidos drasticamente
sintomas de ITU). Antibióticos profiláticos estão diminuída. O exame físico deve excluir qualquer
indicados para crianças com refluxo Grau II ou causa extra-intestinal e determinar o estado de hi-
mais, para reduzir recorrências e evitar lesão renal. dratação. Letargia, oligúria e perda de peso compro-
Nitrofurantoína 2mg/kg ao dia ou TMP-SMX (2mg/ vada são sinais de desidratação (ver TABELA 265.4).
kg ao dia de TMP) são administrados por via oral, Em crianças mais velhas e crianças pequenas
uma vez ao dia, geralmente à noite. com excesso de peso e naquelas com hipernatre-
O refluxo vesicoureteral deve ser tratado com base mia, alguns sinais podem não aparecer até a desi-
no grau (ver Diagnóstico). As crianças com radio- dratação tornar-se severa. Em pacientes com de-
grafias normais ou refluxo Grau I podem ser acom- sidratação hipernatrêmica, pode haver irritabilidade
panhadas com uroculturas periódicas. Lactentes com e febre, a pele pode parecer pastosa, o que são ca-
refluxo Graus II ou III são candidatos à profilaxia racterísticas diferenciais. Pele seca com turgor te-
antibiótica. Se for detectado refluxo Graus IV ou V cidual diminuído, costumeiramente associada com
ou uma anormalidade renal importante, está indica- desidratação isotônica, pode não estar presente.
do encaminhamento urológico, porque pode ser ne- Sinais comuns de desidratação incluem fontanela
cessária uma cirurgia (ver Cap. 216). anterior deprimida, olhos fundos com ausência de
lágrimas, mucosa oral seca, sucção fraca ou ausen-
GASTROENTERITE te e letargia (ver TABELA 265.4).
INFECCIOSA AGUDA O hematócrito e eletrólitos séricos podem refle-
tir o estado de hidratação e equilíbrio eletrolítico.
É uma síndrome de vômitos e diarréia, causada por A densidade específica urinária ajuda a avaliar o
microrganismos patogênicos, que pode levar à estado de hidratação e o exame microscópico da
desidratação e ao desequilíbrio eletrolítico. urina para bactérias determina ou não uma ITU
(Ver também Cap. 28 e DIARRÉIA INFECCIOSA AGUDA (causa comum de sintomas semelhantes àqueles de
NEONATAL, em INFECÇÕES NEONATAIS, no Cap. 260.) gastroenterite).
Coproculturas podem ser úteis na diferenciação
Estima-se que no mundo todo ocorra, anualmen- entre gastroenterite viral e bacteriana e os estudos
te, cerca de 1 bilhão de episódios de gastroenterite de sensibilidade podem sugerir a antibioticoterapia
aguda; a maioria deles em crianças < 5 anos de ida- adequada aos gravemente doentes. Um esfregaço
de, nos países em desenvolvimento. Desses episó- de amostra de fezes diluídas, corado por Wright,
dios, estima-se que 5 milhões resultem em óbito Gram ou azul de metileno, geralmente mostra leu-
por desidratação. A maior parte das mortes pode cócitos polimorfonucleares abundantes quando há
ser evitada pela administração imediata de líqui- infecção bacteriana.
dos. Em muitos países, os lactentes < 2 anos de Tratamento
idade têm 6 a 10 episódios anuais de diarréia e vô-
mitos; se eles não forem tratados, graves conse- O principal objetivo do tratamento da diarréia,
qüências nutricionais irão decorrer. qualquer que seja sua etiologia, é o fornecimento de
Uma grande variedade de microrganismos pode fluidos e eletrólitos apropriados. Antes de iniciar o
causar a gastroenterite aguda (ver TABELA 265.3). tratamento, o grau de desidratação deve ser avaliado
Exames laboratoriais adequados identificam o agen- clinicamente. O grau de desidratação indica a ne-
cessidade de reidratação, manutenção e reposição
te causal em 60 a 80% dos casos. por perdas fecais contínuas (ver TABELA 265.4).
Sintomas, sinais e diagnóstico Reidrataçção – Lactentes sem sinais de desi-
dratação não necessitam de reidratação. No entan-
A epidemiologia, duração, caráter e freqüência to, devem receber os mesmos líquidos recomenda-
de vômito e diarréia em relação à idade da criança dos para pacientes com desidratação para a fase de
podem indicar etiologia e gravidade da doença. manutenção e para perdas fecais em andamento.
Com muita habitualidade, um ou mais membros Devem também ser estimulados a ingerir líquidos
da família do paciente ou contatos próximos po- (sopa, água de arroz, líquidos à base de cereais).
dem apresentar sintomas recentes de gastroenteri- A soluçção para reidrataçção oral recomendada pela
te ou de uma infecção respiratória. Crianças < 6 Organização Mundial da Saúde (OMS) tem sido usa-
meses de idade podem desenvolver desidratação e da no mundo inteiro há mais de 20 anos. Contém (em
desequilíbrio eletrolítico em apenas 24h após o iní- mmol/L), sódio = 90; potássio = 20; cloretos = 80; bi-
cio. Contudo, desidratação grave e acidose metabó- carbonato = 30 e glicose = 111; é feita adicionando-se

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2294 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 265.4 – SINAIS E TRATAMENTO DA DESIDRATAÇÃO


Grau de Reidratação Reposição das
desidratação Sinais1 (≤ 4h) Manutenção2 perdas fecais

Leve 5 – 6% Membranas mucosas Solução de reidratação Amamentação, leite Reidratação oral


bucais ligeiramen- oral 50mL/kg ad- contendo lactose 10mL/kg ou 0,5 –
te secas; aumento ministrada em 4h diluída ou fórmulas 1 xícara (120 –
da sede com lactose sem 240mL) para cada
diluição, ou sem evacuação
lactose, sucos, ce- diarréica
reais, alimentos com
fibras
Moderada Olhos e fontanelas fun- Solução de reidratação Como anteriormente Como anteriormente
7 – 9% das, perda do tur- oral 100mL/kg ad-
gor cutâneo, mem- ministrada em 4h
membranas muco-
sas bucais secas
Grave (> 9%) Desidratação modera- Fluidos IV (solução Como anteriormente Como anteriormente
da mais um dos de Ringer lactato)
seguintes: pulso 20mL/kg/h até que
rápido e fino; cia- o pulso e o estado
nose; respiração de consciência re-
rápida; letargia; tornem ao normal;
coma em seguida solução
de reidratação oral
50 – 100mL/kg
1 Se não houver sinais de desidratação, a reidratação não é necessária; prosseguir com a manutenção e a reposição das

perdas fecais.
2 A manutenção deve ser iniciada logo após o término da reidratação. Crianças maiores e adultos devem continuar suas

dietas habituais.
Adaptado a partir de Santosham M, Greenough WB III: “Oral rehydration therapy: A global perspective”. Journal of
Pediatrics 118(4):S44-S51,1991.

a 1L de água o seguinte: 3,5g de cloreto de sódio; 2,5g sinais de desidratação, a terapia de reidratação deve ser
de bicarbonato de sódio; 1,5g de cloreto de potássio e repetida até que a desidratação seja corrigida.
20g de glicose. Esta solução pode reidratar eficazmen- Manutençção – As perdas fecais contínuas devem
te pacientes com diarréia aguda qualquer que seja a ser repostas em base 1:1 com solução para reidratação
idade, etiologia ou o tipo de desequilíbrio eletrolítico oral. Se o débito pelas fezes for ignorado, aproxima-
(hipo, hiper ou isonatremia). Depois da reidratação, a damente 10mL/kg ou 0,5 a 1 xícara (120 a 240mL)
solução para reidratação oral deve ser suplementada de solução para reidratação oral devem ser adminis-
pela oferta de água livre ou um líquido pobre em Na. trados para cada evacuação diarreica.
Se a solução para reidratação oral não estiver Crianças com diarréia e que não estejam desidra-
disponível, uma soluçção com aççúcar e sal pode tadas devem continuar a ingerir dieta apropriada para
ser preparada adicionando-se, a 1 litro de água, a idade. As que estejam desidratadas devem ingerir
15mL (1 colher de sopa) de açúcar e 2mL (1⁄2 co- essa dieta assim que forem reidratadas. Os lactentes
lher de chá) de sal. Embora a solução de açúcar e em aleitamento materno devem continuar a receber
sal seja menos eficaz do que a recomendada pela o leite materno. Para lactentes que não estão em alei-
OMS, ela é adequada para tratar a maioria dos tamento materno, leite integral ou em pó integral
pacientes com diarréia. geralmente são bem tolerados, se a diarréia for leve
Hidrataçção IV (Ringer lactato ou solução se- e autolimitada. Crianças com sinais ou sintomas de
melhante) pode ser necessária para crianças que não malabsorção devem receber leite sem lactose. Nos
consigam tolerar líquidos orais. países onde fórmulas lácteas sem lactose não estive-
No final do período de reidratação (aproximadamen- rem disponíveis ou forem muito caras, o leite nor-
te 4h), o paciente deve ser reavaliado. Se persistirem malmente consumido pelo lactente pode ser diluído

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2295

1:1. Crianças maiores e adultos podem ingerir os celulite orbitária e aparece com mais freqüência em
líquidos habituais conforme desejado. crianças < 5 anos de idade, enquanto que a celulite
Antibióticos – Os antibióticos devem ser reser- orbitária é mais usual em crianças > 5 anos.
vados para as indicações especificadas na TABELA
265.5. Os antibióticos não afetam a evolução da Etiologia e patogênese
gastroenterite por Salmonella; quando são usados, Celulites orbitária e periorbitária podem resul-
a excreção fecal do organismo se prolonga e au- tar de um foco externo de infecção (por exemplo,
menta a emergência de cepas resistentes. No en- um ferimento ou picada de inseto), um foco inter-
tanto, quando a Salmonella invade a corrente san- no de infecção (tal como sinusite) ou dissemina-
güínea ou se localiza em sítios extra-intestinais, ção por bacteremia. Haemophilus influenzae Tipo
ampicilina, ceftriaxona, cefotaxima ou cloranfe- b era a causa mais comum secundária à bacteremia
nicol são administrados IV, dependendo da susce- (aproximadamente 80% dos casos) e continua sen-
tibilidade in vitro, especialmente em lactentes < 6 do em populações não imunizadas. Streptococcus
meses e crianças imunossuprimidas, incluindo as pneumoniae é responsável pela maioria dos 20%
portadoras de doença falciforme. A gastroenterite restantes. S. pneumoniae é o agente mais provável
por Yersinia geralmente cede sem antibioticoterapia. em pacientes vacinados contra Haemophilus
A gastroenterite por Vibrio cholerae deve ser trata- influenzae Tipo b. Os patógenos mais comuns as-
da com tetraciclina ou trimetoprim-sulfametoxazol. sociados a focos externos são Staphylococcus
Enterocolite por Campylobacter jejuni suficiente- aureus e Streptococcus pyogenes, mas estes rara-
mente grave para indicar internação deve ser trata- mente são isolados no sangue. Em geral, um pató-
da com eritromicina. Trimetoprim-sulfametoxazol geno bacteriano é isolado no sangue em ≤ 33% dos
pode ser usado em shigelose resistente à ampicilina. pacientes com celuliteperiorbitária.
A infecção em geral se dissemina por extensão
direta a partir de seios etmoidais infectados ou por
CELULITE ORBITÁRIA infecção cutânea local. A infecção pode se dissemi-
E PERIORBITÁRIA nar em qualquer direção através de veias oftálmicas
inferior e superior, que drenam as pálpebras e pas-
São infecções que afetam principalmente crianças, sam pelos seios etmoidais. A inflamação local pode
provocam edema e eritema agudos de pálpebra resultar em obstrução venosa ou linfática, levando a
e da pele adjacente (celulite periorbitária) ou edema em locais distantes do sítio de infecção.
de pele periorbitária e do conteúdo da órbita
(celulite orbitária). Sintomas e sinais
A celulite periorbitária é mais comum (ocorren- Edema e eritema das pálpebras costumam ser
do em 85 a 90% dos pacientes afetados) do que a os primeiros sintomas de celulite orbitária ou

TABELA 265.5 – ANTIBIOTICOTERAPIA ORAL PARA GASTROENTERITE INFECCIOSA AGUDA


Microrganismo Antibiótico Posologia

Vibrio cholerae Tetraciclina2 25 – 50mg/kg ao dia (máximo 2g ao dia) divididas a cada 6h


TMP-SMX 8,0 – 20mg3/kg ao dia por 5 dias
Clostridium difficile Metronidazol 30mg/kg ao dia por 5 dias divididas a cada 6h
Vancomicina 15 – 35mg/kg ao dia VO por 7 – 10 dias (máximo 2g ao dia)
Shigella TMP-SMX 8 – 12mg/kg ao dia por 5 dias
Ampicilina 100mg/kg ao dia por 5 dias
Giardia lamblia Furazolidona 6mg/kg ao dia por 10 dias
Metronidazol 15mg/kg ao dia por 10 dias (máximo 750mg ao dia)
Entamoeba histolytica Metronidazol 35 – 50mg/kg ao dia por 10 dias (máximo 750mg ao dia)
Campylobacter jejuni Eritromicina 40mg/kg ao dia por 7 dias
1 Não são indicados antibióticos na maioria dos casos, mas podem ser usados como suporte aos fluidos IV no tratamento

de infecções causadas por microrganismos específicos.


2 Não deve ser administrada a crianças com idade < 8 anos.
3 Baseado em componente de trimetoprim. O tratamento deve ser seguido de iodoquinol 30 a 40mg/kg ao dia em 3 doses

divididas durante 20 dias. TMP-SMX = trimetoprim-sulfametoxazol.

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2296 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

periorbitária. O envolvimento é unilateral em > 90% são particularmente úteis. Radiografias dos seios são
das vezes. História de trauma ou sinais de infecção úteis para diagnóstico de sinusite em crianças > 1
local podem ser encontrados em cerca de 33% dos ano de idade, mas não diferenciam envolvimento pré-
pacientes, independentemente do isolamento de septal do pós-septal. Quando há suspeita de envol-
algum ptógeno. Aproximadamente 75% das crian- vimento de órbita, a TC pode avaliar melhor o en-
ças apresentam febre, que é mais alta em doença volvimento sinusal, elevação subperiosteal e forma-
bacterêmica; cerca de 20% têm secreção nasal e, ção de abscesso ou celulite intra-orbitária e deve ser
outros 20%,conjuntivite Quemose pode ser obser- realizada assim que as amostras para cultura forem
vada na celulite periorbitária, mas oftalmoplegia, colhidas e iniciada a antibioticoterapia.
proptose, dor ocular ou diminuição da acuidade O diagnóstico diferencial do edema e eritema da
visual indicam doença orbitária. pálpebra inclui trauma, picadas de inseto, alergia e
As complicações mais comuns da celulite orbi- tumor. Outras doenças inflamatórias (tais como
tária são trombose da veia ou artéria da retin e dano hordéolo, dacriocistite, dacrioadenite e conjuntivite)
da retina secundário à isquemia causada pelo au- podem ser diferenciadas por localização e aparência.
mento da pressão intra-ocular. Complicações in-
tracranianas, que ocorrem quando a infecção não Tratamento
fica restrita à órbita, incluem abscessos cerebral, Crianças com celulite orbitária ou periorbitária
subdural, epidural, trombose do seio cavernoso ou devem ser hospitalizadas e tratadas prontamente. Logo
veia cortical ou meningite bacteriana. devem ser consultados oftalmologista e otorrinolarin-
Diagnóstico gologista, no caso de ser necessária a drenagem cirúr-
gica da órbita ou do seio. Com um foco de infecção
O olho deve ser examinado para avaliar posição externo óbvio, devem ser feitas colorações de Gram e
do globo, movimento ocular e acuidade visual. culturas dos exsudatos e iniciado um antibiótico que
Como o edema palpebral geralmente obriga o uso cubra S. aureus e S. pyogenes. Sem focos externos
de afastadores para avaliação do globo ocular, um óbvios de infecção, hemoculturas devem ser obtidas
oftalmologista deve ser consultado, sempre que e iniciada terapia para H. influenzae Tipo b e S. pneu-
possível. A TABELA 265.6 resume os achados em moniae. Em um lactente < 1 ano de idade sem foco
pacientes com celulite periorbitária e vários graus externo de infecção, uma punção lombar deve ser rea-
de envolvimento orbitário. A direção da proptose lizada. Uma vez que é difícil garantir a ausência de
pode ser um indício para a localização da infecção; um foco externo de infecção, é melhor obter amos-
por exemplo, extensão a partir do seio frontal em- tras de LCR e sangue para culturas e iniciar a admi-
purra o globo para baixo e para fora e extensão a nistração de antibióticos (cefuroxima ou ceftriaxona
partir do seio etmóide empurra o globo lateralmente com nafcilina ou clindamicina ou, alternativamente,
e para fora. Se, ao exame do olho, não se demons- cloranfenicol com nafcilina) para H. influenzae Tipo
tra proptose, oftalmoplegia (geralmente dolorosa) b e aeróbios Gram-positivos. Quando houver suspei-
ou diminuição da acuidade visual, deve-se pesqui- ta de envolvimento de SNC, ceftriaxona isolada ou
sar um foco local de infecção na pele. cloranfenicol com nafcilina fornecerão cobertura an-
Hemoculturas demonstram patógenos em até 33% tibacteriana adequada até que os resultados de cultu-
dos pacientes, mas outros exames de laboratório não ras sejam conhecidos.

TABELA 265.6 – ACHADOS NAS INFECÇÕES ORBITÁRIAS E PERIORBITÁRIAS


Edema palpebral
Infecções e eritema Oftalmoplegia Proptose Acuidade visual

Celulite periorbitária + – – Normal


Celulite orbitária + + + Pode ser normal ou
diminuída
Abscesso subperiósteo + + + Diminuída
Abscesso orbitário + + + Anormal
Trombose do seio cavernoso + + + Diminuída
+ = presente; – = ausente.
Modificado a partir de Teele DW – “Management of the child with a red and swollen eye”. Pediatric Infectious Diseases
2:258-262, 1983. Copyright by Williams & Wilkins, 1983; usado com permissão.

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2297

EPIGLOTITE AGUDA nóstico. A visualização direta da epiglote é diagnós-


(Supraglotite) tica, mas a manipulação pode desencadear, subitamen-
te, uma obstrução fatal de vias aéreas. A visualização
É uma inflamação e infecção rapidamente progres- deve ser tentada apenas por pessoal treinado, com
siva da epiglote e tecidos adjacentes, que pode equipamento para estabelecer uma via aérea, se ne-
levar à obstrução respiratória aguda e óbito. cessário. Se a laringoscopia direta confirmar o
A incidência diminuiu drasticamente na última diagnóstico pela revelação de epiglote hiperemiada,
década. A infecção é quase sempre provocada por rígida e edemaciada, uma via aérea artificial deve ser
bactérias encapsuladas. Antes da vacinação ampla, providenciada imediatamente (ver Tratamento). O
H. influenzae do Tipo b era a causa mais comum. agente causal pode ser cultivado depois, a partir do
Atualmente, os microrganismos causais incluem S. trato respiratório superior e, geralmente, do sangue.
pneumoniae, S. aureus, H. influenzae não tipável, O diagnóstico diferencial inclui crupe (ver TABE-
H. para-influenzae e estreptococos β-hemolíticos. LA 265.7 e em INFECÇÕES VIRAIS, adiante) e traqueíte
bacteriana (ver adiante). Difteria (ver anteriormente)
Fisiopatologia deve ser considerada em paciente não vacinado.
A infecção é adquirida pelo trato respiratório e
pode produzir nasofaringite inicial. A extensão sub- Profilaxia e tratamento
seqüente para baixo produz uma celulite supra- A epiglotite causada por H. influenzae Tipo b
glótica com inflamação importante da epiglote, pode ser evitada pelas vacinas conjugadas contra
assim como da valécula, das dobras ariepiglóticas, Haemophilus influenzae Tipo b (Hib), altamente
das aritenóides e das bandas ventriculares. A bac- eficazes em lactentes ≥ 2 meses.
teremia é comum na infecção por Haemophilus Como a súbita e completa obstrução de vias aé-
influenzae Tipo b. reas pode ocorrer de forma imprevisível, de ime-
A epiglote inflamada obstrui mecanicamente a diato deve ser assegurada uma via aérea, de prefe-
via aérea; o trabalho respiratório aumenta e resulta rência por intubação nasotraqueal e antibióticos
em retenção de CO2 e hipoxia. O “clearance” de parenterais específicos devem ser administrados.
secreções inflamatórias também fica prejudicado. A rapidez é vital. A intubação nasotraqueal é ge-
Esses fatores combinados podem provocar asfixia ralmente necessária até que o paciente tenha per-
fatal em poucas horas. manecido estável por 24 a 48h (tempo de intuba-
ção total habitual < 60h). Alternativamente, pode
Sintomas e sinais ser realizada uma traqueostomia. Para tratamento
O início freqüentemente é agudo e fulminante. emergencial de crianças com epiglotite, toda insti-
Dor de garganta, rouquidão e febre alta desenvol- tuição deve ter um protocolo predeterminado que
vem-se abruptamente em uma criança previamen- envolva um pediatra, um otorrinolaringologista e
te saudável. Disfagia e angústia respiratória, carac- um anestesiologista. Tratamento de enfermagem
terizadas por salivação, dispnéia, taquipnéia e es- especializado é necessário porque as secreções po-
dem provocar obstrução mesmo depois da intuba-
tridor inspiratório desenvolvem-se com rapidez e ção ou traqueostomia.
levam a criança a se inclinar para a frente e esten-
der demais o pescoço, para melhorar o fluxo do ar.
Ao exame físico, a criança pode parecer moribun- TABELA 265.7 – DIFERENCIAÇÃO ENTRE
da ou agitada e em insuficiência respiratória grave. EPIGLOTITE E CRUPE
São notadas tiragens inspiratórias supra-esternal,
supraclavicular, intercostal e subcostal profundas. Epiglotite Crupe
O murmúrio vesicular pode estar diminuído bilate- Início agudo e fulminante Início agudo
ralmente e roncos podem ser ouvidos. A faringe
geralmente está inflamada. Tosse em latido não é co- Tosse em latido é caracte-
A pneumonia por H. influenzae Tipo b, ocasional- mum rística
mente com empiema, pode ocorrer em concomitância A epiglote é acentuada- A epiglote pode ser erite-
com a epiglotite. Raramente, a infecção metastática mente edematosa e ver- matosa
para articulações, meninges, pericárdio ou tecidos melho-cereja
subcutâneos acarreta abscesso ou celulite. Radiografia da região cer- Radiografia da região cer-
vical mostra uma epiglo- vical mostra estreitamen-
Diagnóstico
te aumentada e disten- to subepiglótico e epiglo-
O paciente deve ser hospitalizado imediatamen- são da hipofaringe te de tamanho normal
te, toda vez que houver suspeita clínica do diag-

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2298 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

A inflamação é eficazmente controlada com an- alergia. Geralmente provoca obstrução das tubas
tibióticos parenterais. Desde o início, deve ser uti- de Eustáquio e/ou coanas. A obstrução das tubas de
lizado um antibiótico resistente às β-lactamases, Eustáquio pode resultar em otite média (secreção
pois H. influenzae Tipo b resistentes à ampicilina em ouvido médio) recorrente aguda, crônica ou
são microrganismos comuns. Pode ser usada uma secretória (serosa). A obstrução das coanas pode
cefalosporina de 3ª geração ou cloranfenicol 75 a causar sinusite crônica, respiração bucal, apnéia
100mg/kg ao dia, IV. Raramente, são isoladas ce- obstrutiva do sono, voz anasalada e rinorréia puru-
pas de H. influenzae do Tipo b resistentes ao clo- lenta. A adenoidite crônica é comum.
ranfenicol. Quando isso ocorrer, deve ser utilizada Em otite média persistente serosa e crônica, está
uma cefalosporina de 3ª geração. Se o microrga- indicada a adenoidectomia para reduzir as exacer-
nismo for isolado e se mostrar sensível à ampicilina, bações e melhorar os resultados da timpanoplastia.
esta pode ser administrada 200mg/kg ao dia, IV, Em otite média recorrente, a indicação para ade-
divididas em 4 doses. Os sedativos devem ser evi- noidectomia depende da duração da otalgia depois
tados, embora uma paralisia inicial com bloquea- da introdução da antibioticoterapia, da perfuração
dores neuromusculares possa ser necessária para ou não do tímpano, da freqüência da necessidade
proteger o tubo. Este procedimento deve ser feito de miringotomia e da intensidade de sintomas sis-
por um médico treinado em intubação traqueal. têmicos. Em obstrução das coanas, a necessidade
de adenoidectomia depende da intensidade da obs-
TRAQUEÍTE BACTERIANA trução e da idade do paciente, porque a hiperplasia
(Crupe Pseudomembranosa) linfóide atinge seu máximo na puberdade. Em
rinorréia purulenta, apesar de tratamento antibióti-
É a infecção da traquéia causada por várias bactérias. co adequado, a adenoidectomia pode ser apropria-
Esta infecção é rara e afeta crianças em qual- da para crianças cuidadosamente selecionadas, sau-
quer idade. S. aureus, estreptococos β-hemolíticos dáveis sob outros aspectos.
dos Grupos A e H. influenzae Tipo b são os mais
envolvidos. O início é agudo e caracterizado por ABSCESSO RETROFARÍNGEO
estridor respiratório, febre alta e, quase sempre, se-
creções purulentas copiosas. A criança pode pare- É uma coleção de pus derivada da inflamação de
cer estar com epiglotite com toxemia acentuada e linfonodo supurativo nas paredes posterior e/ou
sofrimento respiratório que podem evoluir rapida- lateral da faringe.
mente e exigir intubação. A traqueíte bacteriana é Abscessos retrofaríngeos costumam aparecer
diagnosticada por laringoscopia direta revelando em lactentes ou crianças jovens como complica-
secreções purulentas e inflamação na área subgló- ções de linfonodos retrofaríngeos supurados.
tica ou por radiografias cervicais em perfil, reve- A infecção (geralmente por estreptococos β-he-
lando estreitamento subglótico com membrana
purulenta desordenada. molíticos) atinge os linfonodos a partir da farin-
É necessária antibioticoterapia com drogas efi- ge, seios paranasais, adenóides, nariz ou ouvido
médio. Esses abscessos são incomuns em adultos
cazes contra S. aureus, estreptococos e H. influen- porque os linfonodos retrofaríngeos diminuem ou
zae Tipo b. Cefuroxima IV é adequada para terapia desaparecem após a infância. Causas ocasionais
empírica. Depois de estabelecido diagnóstico mi- em adultos ou crianças são TB ou perfuração da
crobiano definitivo, deve ser administrada antibio- parede faríngea posterior por corpos estranhos ou
ticoterapia específica, em geral ≥ 10 a 14 dias. procedimentos invasivos.
A traqueíte bacteriana grave deve ser tratada As principais manifestações são deglutição do-
como a epiglotite. As complicações incluem bron- lorosa, febre, linfadenopatia cervical e, se ocorrer
copneumonia, sepse e celulite ou abscesso de retro- obstrução de vias aéreas, estridor, dispnéia e hi-
faringe. Estenose subglótica secundária à intuba- perextensão do pescoço. As vértebras cervicais não
ção prolongada é rara. A maioria das crianças tra- podem ser palpadas através da parede posterior
tada adequadamente se recupera sem seqüelas. da faringe, que fica espessa e flutuante, com uma
protuberância definida, geralmente unilateral.
HIPERTROFIA DE ADENÓIDES O diagnóstico é feito pelo achado de alargamento
do espaço pré-vertebral em radiografias de perfil
É um aumento do tecido adenoidal por hiperpla- do pescoço; a formação de abscessos pode ser de-
sia linfóide. monstrada na TC.
A hipertrofia adenoidal ocorre em crianças e As complicações incluem hemorragia, rup-
pode ser fisiológica ou secundária à infecção ou tura do abscesso dentro da via aérea, causando

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2299

asfixia ou aspiração pulmonar; espasmo laríngeo; O ectima é caracterizado por úlceras pequenas,
mediastinite e tromboflebite supurativa das veias purulentas, rasas, que perfuram com crostas mar-
jugulares internas. rons ou pretas e eritema ao redor. O prurido é co-
O tratamento compreende drenagem do abscesso mum e o ato de coçar pode espalhar a infecção.
por incisão na parede faríngea posterior e adminis- O diagnóstico geralmente se baseia nos acha-
tração de antibióticos parenterais. Se forem cultiva- dos clínicos.
das cepas produtoras de β-lactamase de Staphylo-
coccus aureus e Bacteroides sp., pode ser necessá- Prognóstico
rio um antibiótico resistente à β-lactamase (por exem- A infecção não tratada em adultos pode causar
plo, ampicilina-sulfabactam, oxacilina, nafcilina, celulite, linfangite ou furunculose. Em crianças,
ceftizoxima, ticarcilina-ácido clavulânico). Clin- lesões eritematosas não tratadas podem persistir por
damicina é particularmente útil se for isolado Bac- meses. Alterações pigmentares com ou sem cica-
teroides fragilis. trizes podem resultar. O ectima penetra mais pro-
fundamente do que o impetigo, provocando ulce-
IMPETIGO E ECTIMA ração com cicatrização subseqüente.
O tratamento adequado geralmente estabelece
Impetigo (impetigo contagioso) é uma infecção de recuperação imediata. A glomerulonefrite aguda em
pele vesiculopustular superficial. Ectima é uma crianças, mas não a febre reumática aguda, pode se
forma ulcerativa de impetigo. seguir à infecção cutânea por um estreptococo
β-hemolítico do Grupo A; contudo, a nefrite é me-
Etiologia nos comum, porque cepas de estreptococos nefro-
Staphylococcus aureus é o agente etiológico gênicos são menos prevalentes.
mais freqüente das infecções cutâneas superficiais;
é uma causa inicial muito mais comum do que o Tratamento
estreptococo β-hemolítico do Grupo A. S. aureus é A aplicação de pomada de mupirocina, três vezes
o patógeno do impetigo bolhoso que ocorre em di- ao dia, é eficaz no tratamento do impetigo causado
ferentes partes do corpo e do impetigo crostoso da por S. aureus e estreptococos β-hemolíticos do grupo
face; seu papel no ectima varia nas diferentes par- A, embora algumas cepas resistentes tenham se de-
tes do mundo. Tem sido observado um aumento senvolvido. Os pacientes que não apresentarem res-
recente de furúnculos e algumas outras infecções posta à mupirocina em 3 a 5 dias devem ser tratados
estafilocócicas mais graves. Infecções purulentas sistemicamente. Por muitos casos serem originados
dos ouvidos ou narinas podem ser o foco de estafi- por estafilococos produtores de penicilinase, a
lococos, mas os estafilococos cutâneos raramente cloxacilina ou uma cefalosporina de 1ª geração são
provêm de nariz ou garganta. Suspeita-se de disse- as drogas de escolha. Pacientes alérgicos à penicilina
minação da infecção não tratada para outros indi- devem receber cefadroxil 30mg/kg ao dia, VO,
víduos, mas infecções experimentais deliberadas fracionados em 2 doses diárias ou cefalexina por 10
são difíceis de induzir. dias (50mg/kg ao dia, divididas a cada 6h, para crian-
Os braços, pernas e face são mais suscetíveis ao ças e 250mg, 4 vezes ao dia, para adultos, ao invés de
impetigo e ectima do que as áreas não expostas. eritromicina, porque o aumento da freqüência de es-
Tanto o impetigo quanto o ectima podem seguir o tafilococos resistentes à eritromicina (10 a 40%) re-
trauma superficial com uma solução de continui- duziu a eficácia dessa droga. Muitos estreptococos
dade na pele ou a infecção pode ser secundária a são sensíveis à eritromicina, mas raramente à tetraci-
pediculose, escabiose, herpes simples ou zóster, clina. No pioderma puramente estafilocócico, uma
infecções fúngicas, outras causas de dermatite ou penicilina penicilinase-resistente (como cloxacilina
picadas de inseto. 50mg/kg ao dia, VO divididas a cada 6h, para crian-
ças ou 250mg, 4 vezes ao dia, para adultos) deve ser
Sintomas, sinais e diagnóstico
administrada por 10 dias.
O impetigo pode ocorrer na pele normal, espe- No impetigo secundário, a condição de base tam-
cialmente nas pernas de crianças. As lesões variam bém deve ser tratada.
de uma vesicopústula do tamanho de uma ervilha
até lesões grandes, bizarras, circinadas, semelhan-
tes a anéis. No impetigo, as lesões causadas por
S. aureus progridem rapidamente de maculopápulas INFECÇÕES VIRAIS
para vesicopústulas ou bolhas, para lesões exsu- (Para um resumo dos diagnósticos diferenciais dos
dativas melicéricas, crostosas, circinadas. exantemas mais comuns, ver TABELA 265.8.)

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Merck_19D.p65

2300
TABELA 265.8 – DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS ERUPÇÕES CUTÂNEAS MAIS COMUNS
Incubação Período de Sintomas e Erupção Achados
Doença (dias) contágio sinais LOCAL CARACTERÍSTICAS INÍCIO/DURAÇÃO laboratoriais
Sarampo (rubéola) 7 – 14 De 2 – 4 dias antes Manchas de Koplik, Inicia-se ao redor dos Maculopapular, rosa- 3 – 5 dias após o Leucopenia granu-
do aparecimento febre, coriza, tos- ouvidos e na face castanho e irregu- início dos sinto- locítica; vírus no
e erupção cutânea se, conjuntivite, e pescoço, disse- larmente con- mas; dura 4 – 7 sangue e nasofa-
até 2 – 5 dias após fotofobia, geral- mina-se sobre o fluente em casos dias ringe
o início mente prurido leve tronco e mem- graves, ou mesmo
bros; os membros petequiais; dis-
são poupados em perso em casos
casos leves leves
Rubéola (sarampo 14 – 21 A partir de 1 sema- Mal-estar, febre, ce- Face, pescoço, disse- Máculas delicadas, 1 ou 2 dias após o Contagem de leucó-
2300

alemão) na do início dos faléia, rinite, lin- mina-se para o rosadas que se tor- início dos sinto- citos geralmente
sintomas até de- fadenopatia pós- tronco e membros nam confluentes e mas; dura de 1 – normal ou leve-
saparecimento da auricular e suboc- freqüentemente 3 dias mente reduzida;
erupção cutânea cipital com linfo- escarlatiniformes vírus no sangue
nodos sensíveis ou muito aguçadas e nasofaringe
no segundo dia
Roséola infantil (erup- Provavelmente Desconhecido Aparecimento carac- Tórax e abdome, com Macular difuso ou Mais ou menos no Leucopenia granulo-
ção cutânea súbi- 5 – 15 terístico de febre envolvimento mo- maculopapular quarto dia após o cítica
ta), infecção por alta e erupção cu- derado da face e início dos sinto-
herpesvírus hu- tânea simultânea extremidades mas, aparece a
mano 6) em lactentes e erupção cutânea
crianças pré-es- quando a tempera-
colares, risco de tura cai rapidamen-
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convulsões te para o normal


Eritema infeccioso 4 – 14 Desde antes do iní- Febre baixa, artral- Inicia-se na face, dis- Maculopapular; fre- Logo após o início Linfocitose leve e
(quinta doença) cio da erupção gias ocasionais semina-se para os qüentemente no- dos sintomas; dura eosinofilia
cutânea até o de- braços, pernas e doso ou reticular 5 – 10 dias; pode
senvolvimento tronco recorrer após vá-
desta (imprová- rias semanas
vel que seja in-
fecciosa após iní-
cio da erupção
cutânea)
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Catapora (varicela) 10 – 21 Alguns dias antes do Febre moderada, ce- Geralmente primei- Lesões dispersas; Logo após o início Presença do vírus no
início dos sintomas faléia, mal-es-tar, ro no tronco, de- progridem de má- dos sintomas; du- fluido da vesícula;
até que todas as dor de garganta pois na face, pes- culas para pápu- ra alguns dias até células gigantes
vesículas estejam ocasional coço, extremida- las, para vesícula 2 semanas multinucleadas
com crostas des; infreqüente e crosta; aparece na base da vesí-
nas palmas e em grupos, uma cula (teste de
plantas vez que estes vá- Tzanck)
rios estádios estão
presentes simulta-
neamente
Mononucleose in- 10 – 50 Indeterminado Mal-estar, cefaléia, Mais proeminente Ocorre em cerca de Aparece 5 – 14 dias Teste para anticor-
fecciosa febre, dor de gar- no tronco 15% dos casos co- após o início da pos heterofílicos
2301

ganta, esplenome- mo uma erupção doença; dura 3 – positivos; leucó-


galia, linfadenopa- cutânea morbili- 7 dias citos atípicos au-
tia generalizada forme, escarlatini- mentados; apare-
forme ou vesicular cimento de anti-
corpos ao vírus
Epstein-Barr
Febre escarlatina 3 – 5 (ocasionalmen- Geralmente 24h an- Dor de garganta, ca- Face, pescoço, tórax, Eritema cutâneo ro- No segundo dia; Granulocitose; cul-
(escarlatina) te um pouco mais tes do início dos lafrios, febre, ce- abdome e disse- sa-avermelhado, dura 4 – 10 dias tura positiva de
longa ou mais sintomas até 2 – faléia, vômito, lín- mina-se para as branqueamento garganta para es-
curta) 3 semanas depois gua em framboe- extremidades; com pressão treptococos β-he-
ou mais se ocor- sa, linfadenopatia, toda a superfície molíticos
rerem complica- palidez perioral, do corpo pode ser
ções (por exem- pulso rápido envolvida
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plo, sinusite, oti-


te média)
Erupção cutânea por Variável – depende da Nenhum Variável, incluindo Generalizado; às ve- Pode ser morbili- Variável Agranulocitose pode
droga história recente do febre, mal-estar, zes, restrito a forme, escarla- ocorrer; presença
uso da droga artralgia, náusea, superfícies ex- tiniforme, erite- de drogas na urina
fotofobia, prurido postas matoso, acnei-
forme, vesicular,
bolhoso, purpú-
rico ou esfoliativo
2301
2302 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

SARAMPO recem 2 a 4 dias mais tarde, geralmente na mucosa


(Rubéola; Morbilli; Sarampo de Nove Dias) bucal oposta aos 1º e 2º molares superiores. Esses
pontos lembram pequenos grãos de areia branca cer-
É uma doença viral aguda, altamente contagiosa cados por uma aréola inflamatória. Quando nume-
caracterizada por febre, tosse, coriza, conjunti- rosos, todo o fundo pode ser um eritema mosqueado.
vite, enantema (manchas de Koplik) na mucosa Desenvolvem-se faringite e inflamação da mucosa
bucal ou labial e exantema maculopapular dis- laríngea e traqueobrônquica. Células multinuclea-
seminado. res gigantes, características, aparecem nas secre-
ções nasais da mucosa faríngea e bucal e, com fre-
Etiologia e patogênese qüência, no sedimento urinário.
O sarampo é causado por um paramixovírus. O exantema característico aparece 3 a 5 dias após
Como a varicela, ele é extremamente contagioso e o início dos sintomas, em geral 1 a 2 dias depois do
disseminado, principalmente por gotículas do na- aparecimento das manchas de Koplik. Começa em
riz, garganta e boca de uma pessoa no período frente e abaixo dos ouvidos e no lado do pescoço,
prodrômico ou eruptivo precoce da doença, ou por como máculas irregulares que se tornam maculo-
núcleos de gotículas aerógenas. A disseminação in- pápulas e se espalham rapidamente (em 24 a 48h)
direta por pessoas não infectadas ou por objetos é para o tronco e extremidades, quando começam a
incomum. O período de transmissão da doença co- desaparecer na face. Petéquias ou equimoses po-
meça 2 a 4 dias antes do aparecimento do exante- dem estar presentes, particularmente em exantemas
ma e continua até 2 a 5 dias depois do início. O muito intensos.
vírus desaparece das secreções de nariz e garganta No pico da doença, a temperatura pode ultrapas-
quando o exantema diminui. Pessoas que desen- sar 40°C (104°F), com edema periorbitário, conjun-
volvem descamação leve depois do exantema não tivite, fotofobia, tosse entrecortada, erupção cutânea
são mais infectantes. extensa e prurido moderado; o paciente parece estar
A síndrome do sarampo atípico em geral ocor- bastante doente. Leucopenia com linfocitose relativa
re em pessoas previamente imunizadas com as va- é usual. Os sinais e sintomas constitucionais acom-
cinas contra sarampo de vírus inativado, que não panham a gravidade da erupção e variam com a epi-
são mais usadas. Presumivelmente, as vacinas com demia. Em 3 a 5 dias, a febre abaixa, o paciente sente-
vírus de sarampo inativado não evitam a infecção se mais confortável e o exantema começa a desapare-
pelo vírus selvagem e podem sensibilizar os pa- cer rapidamente, deixando manchas castanho-
cientes, de forma que a expressão da doença fica acobreadas seguidas de descamação.
significativamente alterada. No entanto, a síndro- A síndrome de sarampo atípico pode começar
me do sarampo atípico pode também se seguir à abruptamente, com febre alta, toxemia, cefaléia, dor
imunização com a vacina de vírus vivo atenuado, abdominal e tosse. O exantema pode aparecer 1 a 2
talvez resultando da inativação inadvertida pelo dias mais tarde, freqüentemente começando nas ex-
armazenamento inadequado. tremidades e pode ser maculopapular, vesicular,
urticariforme ou purpúrico. Edema de mãos e pés pode
Epidemiologia ocorrer; pneumonia e adenopatia hilar são comuns e
Antes da imunização disseminada, as epidemias imagens nodulares nos pulmões podem persistir ≥ 12
de sarampo surgiam a cada 2 ou 3 anos, com pe- semanas. Anormalidades moderadas a graves no ín-
quenos surtos localizados durante os anos interca- dice ventilação-perfusão pulmonar podem resultar em
lados. Nos últimos anos, nos EUA, os surtos têm hipoxemia significativa.
sido mais comuns em adolescentes e adultos jo-
vens previamente imunizados e, às vezes, em pré- Complicações
escolares não imunizados. Um lactente cuja mãe Superinfecçções bacterianas ocorrem comu-
tenha tido sarampo recebe imunidade passiva trans- mente (além do envolvimento típico do sarampo
placentária, que persiste durante quase todo o pri- no trato respiratório), provocando pneumonia, oti-
meiro ano de vida; depois, a suscetibilidade é ele- te média e outras infecções supurativas. O saram-
vada. Um ataque de sarampo confere imunidade po causa supressão transitória da hipersensibilida-
por toda a vida. de tardia, levando à reversão transitória de testes
cutâneos previamente positivos à tuberculina e
Sintomas e sinais histoplasmina e, às vezes, à piora de TB ativa ou
O sarampo típico começa depois de um perío- reativação de TB latente. Uma febre exacerbada, al-
do de incubação de 7 a 14 dias, com febre teração do número de leucócitos, de leucopenia para
prodrômica, coriza, tosse entrecortada e conjunti- leucocitose e desenvolvimento de mal-estar, dor e
vite. As manchas de Koplik patognomônicas apa- prostração sugerem uma complicação da infecção

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2303

bacteriana. Os pacientes imunocomprometidos po- caso, a história é especialmente importante. A


dem apresentar pneumonia de células gigantes pro- roseola infantum produz um exantema similar ao
gressiva e grave, sem apresentar exantema. do sarampo, mas raramente é observada em crian-
Púrpura trombocitopênica aguda, às vezes ças com ≥ 3 anos. Ela pode ser diferenciada por
com manifestações hemorrágicas graves, pode com- alta temperatura inicial, ausência dos pontos de
plicar a fase aguda do sarampo. Koplik e mal-estar e aparecimento do exantema si-
A encefalite ocorre cerca de 1 vez em 1.000 a multaneamente com a defervescência.
2.000 casos, geralmente 2 dias a 3 semanas após o O diagnóstico diferencial de síndrome de sa-
início do exantema, começando com febre alta, rampo atípico é similar ao do sarampo típico; con-
convulsões e coma. Na maioria das vezes, a conta- tudo, o pleomorfismo da erupção cutânea e sinais
gem de linfócitos no LCR está entre 50 e 500/µL e constitucionais graves, às vezes observados, podem
a proteinorraquia está aumentada. O LCR normal, sugerir febre macular das montanhas rochosas, lep-
na época do início dos sintomas, não exclui ence- tospirose, varicela hemorrágica ou infecção menin-
falite. O curso pode ser breve, com recuperação em gocócica; outros diagnósticos diferenciais incluem
cerca de 1 semana ou pode ser prolongado, termi- certas pneumonias virais ou bacterianas, apendici-
nando em dano grave do SNC ou morte. te, doenças vasculares do colágeno, tais como AR
O vírus do sarampo também está associado à juvenil e síndrome de Kawasaki (síndrome de lin-
panencefalite esclerosante subaguda (PEES), que fonodos mucocutâneos). Uma história de exposi-
é discutida adiante. ção ao sarampo e administração prévia de vacina
com vírus inativados sugere o diagnóstico, mas o
Diagnóstico isolamento do vírus, estudos sorológicos ou am-
Pode-se fazer a suspeita diagnóstica de sarampo bos podem ser necessários para confirmação.
típico em um paciente com coriza, fotofobia e evi-
dências de bronquite, mas antes do aparecimento Prognóstico e profilaxia
do exantema, um diagnóstico definitivo pode ser Em crianças saudáveis e bem nutridas, o saram-
estabelecido apenas pela identificação das manchas po apresenta letalidade baixa, a menos que surjam
de Koplik. Este sinal, seguido por febre alta, mal- complicações.
estar e exantema, com sua progressão cefalocaudal A vacina com vírus vivos atenuados pode produ-
característica, estabelece o diagnóstico na maioria zir imunidade duradoura. A vacina produz infecção
dos casos. Embora isso raramente seja necessário, leve ou inaparente não contagiosa e uma resposta de
o vírus pode ser detectado nas fases iniciais da doen- anticorpos semelhante à do sarampo natural. Febre
ça por coloração pela imunofluorescência rápida de >38°C (> 101°F) ocorre 5 a 12 dias após a vaci-
das células epiteliais da faringe e do trato urinário, nação em < 5% dos vacinados, quase sempre segui-
ou pode crescer em cultura de tecido. No entanto, da por um exantema. As reações do SNC são extre-
é mais fácil detectar pela demonstração de eleva- mamente raras. Para imunização de rotina, ver
ção nos níveis de anticorpos entre os soros agudo e IMUNIZAÇÕES NA INFÂNCIA, no Capítulo 256.
de convalescente. Contatos suscetíveis expostos podem ser protegi-
O diagnóstico diferencial do sarampo típico dos se a vacina com vírus vivos for administrada até
inclui rubéola, escarlatina, erupção cutânea por dro- 2 dias após a exposição. Como alternativa (por exem-
gas, doença do soro, roseola infantum, mononu- plo, em pacientes grávidas, crianças < 1 ano de ida-
cleose infecciosa, adenovírus e infecções por vírus de), imunoglobulina do sarampo (IGS) ou imunoglo-
echo e coxsackie (ver TABELA 265.8). Caracterís- bulina sérica, 0,25mL/kg, IM, é administrada ime-
ticas diferenciais da rubéola incluem seu curso leve diatamente. Esta é seguida de vacina com vírus vivos
com pouco ou nenhum sintoma constitucional, lin- 5 a 6 meses após, se clinicamente indicado (paciente
fonodos retro-auriculares e suboccipitais aumen- não está mais grávida, criança agora tem > 1 ano). A
tados (e geralmente sensíveis), febre baixa, hemo- administração simultânea de IGS ou imunoglobulina
grama normal, ausência de pródromos reconhecí- sérica com a vacina é contra-indicada. Um paciente
veis e curta duração. A escarlatina pode ser suscetível exposto, com uma condição que contra-
sugerida, no início, por faringite e febre, mas a leu- indique o uso de qualquer vacina de vírus atenuado
cocitose da escarlatina está ausente no sarampo e o contra sarampo (ver adiante), deve receber IGS ou
exantema é morfologicamente distinto. Erupçções imunoglobulina sérica 0,5mL/kg, IM (máximo,
por droga (como fenobarbital ou sulfonamidas) 15mL). Se for um paciente imunocomprometido com
lembram o exantema do sarampo mas, neste caso, distúrbio hemorrágico (tal como trombocitopenia),
o pródromo típico, a tosse e a progressão cefa- deve ser considerada a globulina IV.
locaudal do exantema estão ausentes e as palmas e Contra-indicações para uso de qualquer vacina
plantas provavelmente estão mais envolvidas. Nesse de vírus de sarampo vivo atenuado incluem doen-

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2304 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

ças malignas generalizadas (por exemplo, leuce- tra sarampo, embora alguns desses casos possam
mia, linfoma), doenças com imunodeficiência e ter resultado de sarampo não diagnosticado no pri-
terapia com corticosteróides, irradiação, agentes meiro ano de vida.
alquilantes ou antimetabólicos. As razões para adi- A PEES ocorre em aproximadamente 6 a 22 por
ar a vacinação englobam gravidez, qualquer doen- milhão de casos de sarampo. Com a vacina, é ain-
ça febril aguda, TB ativa não tratada ou adminis- da menos freqüente, ao redor de 1 caso por milhão
tração de anticorpo (sangue total, plasma ou qual- de doses de vacina, sendo que alguns desses casos
quer imunoglobulina) nas 8 semanas precedentes. podem ser devidos a sarampo não diagnosticado
Em criançças e lactentes infectados pelo HIV, a antes da vacinação. O sexo masculino é mais afe-
vacina de vírus vivo atenuado é recomendada para tado. O início é antes dos 20 anos. A PEES é extre-
aqueles com e sem sintomas, mas não intensamente mamente rara nos EUA e Europa ocidental.
imunocomprometidos. Nessas crianças, o risco de
infecção letal ou grave pelo sarampo supera o risco Sintomas e sinais
teórico de sarampo associado à vacina. Houve um A PEES provoca deterioração intelectual, con-
caso de sarampo provocado por cepa vacinal em crian- vulsões e alterações motoras. Habitualmente, os
ça com AIDS avançada, de forma que a vacina não primeiros sinais são diminuição do desempenho
deve ser administrada a crianças portadoras de HIV escolar, esquecimento, surtos de agressividade,
gravemente imunossuprimidas com baixa contagem confusão, insônia e alucinações. Convulsões se-
de CD4 proporcional ou absoluta. guem as alterações mentais e, de início, são abalos
mioclônicos; pode haver convulsões do tipo gran-
Tratamento
de mal. Os pacientes mostram maior declínio inte-
O tratamento é sintomático. Complicações bac- lectual; posteriormente, alterações na fala e movi-
terianas secundárias requerem drogas antimicro- mentos involuntários anormais. Movimentos dis-
bianas apropriadas. A vitamina A reduz a morbi- tônicos e períodos transitórios de opistótonos são
dade e a mortalidade em crianças desnutridas com observados. Mais tarde, rigidez da musculatura
sarampo grave. Para crianças > 1 ano, deve-se corpórea, dificuldade de deglutição, cegueira cor-
administrar vitamina A 200.000UI, VO, durante 2 tical e atrofia óptica podem ser notados. Coriorre-
dias (dose total, 400.000UI), se a criança apresen- tinite focal e outras anormalidades fundoscópicas
tar evidência oftalmológica de deficiência de vi- são encontradas em alguns pacientes. Nas fases fi-
tamina A e repetida em 4 semanas. Crianças sem nais, o paciente torna-se progressivamente mais rí-
evidência oftalmológica de deficiência de vita- gido, com sinais intermitentes de envolvimento hi-
mina A recebem uma dose única de 200.000UI. potalâmico (tais como hipertermia, diaforese, dis-
Crianças de 6 meses a 1 ano devem receber uma túrbios de pulso e PA).
dose de 100.000UI. A imunoglobulina sérica é A doença, quase invariavelmente fatal entre 1 e
ineficaz na encefalite; o tratamento sintomático 3 anos (com freqüência, como resultado de pneu-
é o único disponível. monia terminal) às vezes tem evolução mais
protraída, com déficits neurológicos acentuados.
PANENCEFALITE Poucos pacientes têm remissões e exacerbações.
ESCLEROSANTE SUBAGUDA Diagnóstico
É um distúrbio cerebral progressivo, quase sem- O EEG mostra surtos paroxísticos de 2 a 3 ci-
pre fatal, que ocorre meses a anos (geralmente clos/segundo, com ondas difásicas de alta volta-
anos) após o ataque do sarampo e caracteriza- gem, que ocorrem sincronicamente durante o re-
da por deterioração mental, abalos mioclôni- gistro. A TC pode mostrar atrofia cortical ou le-
cos e convulsões. sões de baixa densidade na substância branca. O
LCR costuma apresentar pressão normal, bem como
Etiologia e epidemiologia celularidade e proteinorraquia. A globulina no LCR
A panencefalite esclerosante subaguda (PEES) é quase sempre acentuadamente elevada e pode
é considerada como infecção persistente pelo vírus constituir até 20 a 60% da proteína liquórica total.
do sarampo. O vírus do sarampo foi demonstrado O soro e o LCR contêm níveis elevados de anticor-
no tecido cerebral e isolado de biópsias cerebrais. pos contra o vírus do sarampo. A IgG anti-saram-
O antígeno do sarampo foi demonstrado em tecido po aumenta à medida que a doença progride. Ape-
cerebral por técnicas de anticorpos fluorescentes. sar das respostas sorológicas vigorosas contra o
A PEES foi descrita em crianças sem história de vírus, pacientes com PEES não desenvolvem anti-
sarampo natural e que tinham recebido vacina con- corpos contra a proteína M do virion do sarampo.

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2305

Tratamento e prognóstico ou 40°C (103 ou 104°F). O edema da glândula é


As drogas antivirais não se mostraram úteis. Foi máximo no 2º dia e está associado com edema te-
relatado que inosiplex e interferon-α intratecal po- cidual, estendendo-se além da parótida, em frente
deriam retardar a doença, mas sua eficácia é discu- e abaixo do ouvido. A parotidite bilateral é comum.
tível. Em geral, podem ser oferecidos apenas trata- Por vezes, as glândulas submandibulares e sub-
mento sintomático com anticonvulsivantes e medi- linguais também apresentam edema; raramente es-
das de suporte. A maioria dos pacientes evolui para tas são as únicas glândulas afetadas. Nesses casos,
óbito em 2 a 4 anos a partir do diagnóstico. ocorre edema cervical abaixo da mandíbula; com
envolvimento da glândula submaxilar, pode apare-
cer edema supra-esternal. As aberturas dos ductos
CAXUMBA orais das glândulas envolvidas são “puntiformes” e
(Parotite Epidêmica) levemente inflamadas. A pele sobre as glândulas
pode ficar tensa e brilhante. As glândulas compro-
É uma doença viral aguda, contagiosa, generali- metidas são agudamente sensíveis durante as 24 a
zada, causando aumento doloroso das glându- 72h do período febril. A contagem de leucócitos pode
las salivares, mais comumente das parótidas. ser normal, embora seja usual discreta leucopenia
Etiologia, patogênese e com redução de granulócitos.
epidemiologia Complicações
O agente causal, um paramixovírus, é dissemi- Orquite ou ooforite – Cerca de 20% dos pa-
nado por gotículas infectadas ou contato direto com cientes masculinos pós-puberais apresentam infla-
materiais contaminados por saliva infectada. O ví- mação testicular (orquite), geralmente unilateral.
rus provavelmente penetre pela boca. Pode ser en- Alguma atrofia testicular pode resultar, mas a este-
contrado na saliva por 1 a 6 dias antes das glându- rilidade é rara e a função hormonal não é perdida.
las salivares aumentarem e durante o aumento glan- O envolvimento gonadal em mulheres (ooforite) é
dular (5 a 9 dias). Ele foi isolado da urina e do san- menos reconhecido, muito menos doloroso e não
gue de pacientes e do LCR em pacientes com en- está associado com infertilidade subseqüente.
volvimento de SNC. Um ataque costuma conferir Meningoencefalite – Cefaléia, rigidez de nuca e
imunidade permanente, mesmo que apenas uma pleocitose LCR ocorrem em 1 a 10% dos pacientes; o
glândula salivar tenha ficado aumentada. nível de glicose no LCR em geral está normal, mas
A caxumba é endêmica em áreas densamente ocasionalmente pode estar baixo, entre 20 e 40mg/dL
povoadas, mas pode ocorrer em epidemias quando (1,1 e 2,2mmol/L), mimetizando a meningite bacte-
muitos indivíduos suscetíveis estão juntos. A con- riana. Sinais encefalíticos mais graves ocorrem em
cerca de 1 para 1.000 a 1 para 5.000 casos de caxum-
tagiosidade é menor do que no sarampo ou na vari- ba, com sonolência, ou mesmo coma ou convulsões
cela. A incidência é maior no fim do inverno e iní- que podem ter início abrupto. Ao redor de 30% das
cio da primavera. Embora a doença possa surgir infecções do SNC pelo vírus da caxumba acontecem
em qualquer idade, a maioria dos casos se dá em sem parotidite associada. O prognóstico é favorável
crianças com idade entre 5 e 10 anos; a doença é na maioria dos casos com envolvimento do SNC e
incomum em crianças < 2 anos e lactentes até 1 consideravelmente melhor do que na encefalite por
ano usualmente são imunes. Cerca de 25 a 30% sarampo, embora possam resultar seqüelas permanen-
dos casos são clinicamente inaparentes. tes, tais como surdez neural unilateral (raramente bila-
Sintomas e sinais teral) ou paralisia facial. Como em outras doenças vi-
rais, uma forma para ou pós-infecciosa de encefalite
Após um período de incubação de 14 a 24 dias, o pode existir na caxumba, mas é rara. Outras manifesta-
início se dá com sensações de calafrio, cefaléia, ano- ções incomuns incluem ataxia cerebelar aguda pós-in-
rexia, mal-estar e febre baixa a moderada que pode fecciosa, mielite transversa e polineurite.
durar 12 a 24h antes que o envolvimento da glândula Pancreatite – Por volta do fim da primeira se-
salivar seja notado. Estes sintomas prodrômicos po- mana, alguns pacientes podem ter náusea e vômi-
dem estar ausentes, em casos leves. tos intensos repetidos, com dor abdominal mais
Dor ao mastigar ou engolir, especialmente ao grave no epigástrio, sugerindo pancreatite. Estes
deglutir líquidos ácidos como vinagre ou suco de sintomas desaparecem em cerca de uma semana e
limão, é o sintoma mais precoce da parotidite. o paciente recupera-se completamente.
A parótida ou qualquer outra glândula acometida Outras – Prostatite, nefrite, miocardite, masti-
ficam extremamente dolorosas. Com o desenvol- te, poliartrite e envolvimento de glândula lacrimal
vimento da parotidite, a temperatura alcança 39,5 são observados muito raramente. Inflamação das

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2306 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

glândulas tireóide e timo pode causar edema sobre pois de 2 semanas. Particularmente em pacientes
o esterno, mas é mais comum secundariamente ao pós-puberdade, a caxumba pode comprometer ou-
envolvimento da glândula submaxilar. tros órgãos além das glândulas salivares. Os sinto-
mas podem preceder, acompanhar, seguir ou apa-
Diagnóstico recer sem o envolvimento das glândulas salivares.
O diagnóstico dos casos típicos durante uma epi- O paciente deve permanecer em isolamento até
demia é fácil, mas casos esporádicos são mais difí- que desapareça o edema das glândulas salivares.
ceis de diagnosticar. Usando amostras de soro parea- Imunoglobulina para caxumba e imunoglobulina
das, das fases aguda e de convalescença, o diagnósti- sérica não são úteis.
co pode ser feito por reações de fixação de comple- A vacina de vírus vivo contra caxumba é o agente
mento, inibição de hemaglutinação e ensaio imu- de escolha para imunização ativa (ver IMUNIZAÇÕES
noabsorvente ligado a enzimas (ELISA). A caxumba NA INFÂNCIA, no Cap. 256). Esta vacina não pro-
está associada com produção de anticorpos contra an- voca reação local ou sistêmica significativa e re-
tígenos solúvel (S) e viral (V). Os anticorpos S aumen- quer apenas uma injeção. A “American Academy
tam na primeira semana de infecção e diminuem rapi- of Pediatrics” recomenda vacinação (com saram-
damente, quase sempre desaparecendo depois de 6 a 8 po-caxumba-rubéola) aos 12 a 15 meses de idade e
meses; anticorpos V costumam aumentar mais tarde novamente na entrada no primeiro grau ou 5ª sé-
do que os S, mas diminuem lentamente até um platô. rie. A vacinação pós-exposição não protege contra
Uma única amostra de soro às vezes é diagnóstica, em exposição à caxumba.
especial se a reação de fixação de complemento contra
o componente solúvel da caxumba for detectada. Um Tratamento
nível elevado de amilase sérica também sugere o O tratamento é sintomático. Uma dieta leve
diagnóstico. Se existirem serviços de diagnóstico reduz a dor da mastigação. Substâncias ácidas
virológico, o vírus pode ser facilmente isolado a partir (por exemplo, suco de frutas cítricas) também
de orofaringe, LCR e, ocasionalmente, urina. podem causar desconforto e devem ser evitadas.
Edema da parótida ou de outras glândulas sali- Analgésicos podem ser usados contra cefaléia e
vares pelo vírus da caxumba deve ser diferenciado mal-estar geral.
de outras afecções, como mostrado na TABELA Se a náusea e o vômito da pancreatite forem in-
265.9. Linfonodos aumentados junto à mandíbula tensos, alimentos orais devem ser evitados e o equi-
podem ser confundidos com glândulas salivares líbrio hídrico restaurado por administração de so-
edemaciadas. A meningoencefalite por caxumba, luções salinas e de glicose IV.
às vezes, é a única manifestação clínica e precisa As complicações também são tratadas sintoma-
ser diferenciada de outras encefalites virais. ticamente. Pacientes com orquite necessitam de
repouso no leito. O suporte da bolsa escrotal em
Prognóstico e profilaxia algodão sobre uma ponte de fita adesiva entre as
O prognóstico é excelente em caxumba não com- coxas, para reduzir a tensão ou a aplicação de com-
plicada, embora raramente ocorra uma recaída de- pressas geladas ajudam a aliviar a dor. Os corticos-
teróides em geral não são necessários, embora pos-
sam diminuir a dor e o edema na orquite aguda.
TABELA 265.9 – DIAGNÓSTICO
DIFERENCIAL DE AUMENTO DE PARÓTIDA
E OUTRAS GLÂNDULAS SALIVARES RUBÉOLA
Parotidite bacteriana supurativa (Sarampo Alemão; Sarampo de Três Dias)
Parotidite por HIV É uma doença exantemática contagiosa, geralmen-
te com sintomas constitucionais leves, que po-
Outras causas virais de inflamação da parótida
dem resultar em aborto, natimorto ou defeitos
Febre do tifo congênitos nos filhos de mães infectadas durante
Síndrome de Mikulicz (um edema crônico, geralmente os primeiros meses de gestação.
indolor de glândulas parótida e lacrimal de etiologia A rubéola congênita é discutida em INFECÇÕES
desconhecida que ocorre com TB, sarcoidose, LES, NEONATAIS, no Capítulo 260.
leucemia e linfossarcoma)
Tumores malignos e benignos de glândulas salivares Etiologia e patogênese
Aumento da parótida relacionado a drogas (por exem- A doença é causada por um vírus do RNA dis-
plo, por iodo ou guanetidina)
seminado por fomitos ou por contato íntimo. Um
paciente pode transmitir a doença desde 1 semana

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2307

antes do início da erupção cutânea até 1 semana A encefalite é uma complicação rara, mas algu-
após seu desaparecimento. Lactentes com infecção mas vezes fatal, que ocorre durante surtos exten-
congênita são potencialmente infectantes por mui- sos de rubéola entre adultos jovens, nas Forças Ar-
tos meses depois do nascimento. A rubéola é me- madas. Dor testicular transitória também é uma
nos contagiosa do que o sarampo. queixa freqüente em adultos masculinos afetados.
Epidemiologia Diagnóstico
Muitas pessoas não são infectadas na infância, O diagnóstico está sujeito a erro sem a confir-
de forma que 10 a 15% das mulheres adultas jo- mação laboratorial, especialmente porque exante-
vens são suscetíveis. As epidemias surgem em in- mas por enterovírus e parvovírus B19 (eritema in-
tervalos irregulares durante a primavera; as epide- feccioso) simulam a rubéola. Portanto, uma histó-
mias importantes ocorrem com intervalos de apro- ria de rubéola não é uma garantia confiável de in-
ximadamente 6 a 9 anos. Nos EUA, a incidência fecção e imunidade. Amostras séricas dos estágios
está agora em seu ponto mais baixo na história. No agudo e de convalescença devem ser obtidas para
entanto, os surtos continuam a existir e a rubéola testes sorológicos quando se suspeita de rubéola;
ainda precisa ser identificada e, populações susce- aumento de quatro vezes ou mais em anticorpos
tíveis, imunizadas. A imunidade parece ser para específicos é confirmatório.
toda a vida depois da infecção natural. O diagnóstico diferencial inclui sarampo, es-
carlatina, sífilis secundária, erupção cutânea por
Sintomas, sinais e complicações drogas, eritema infeccioso, mononucleose infec-
Muitos casos são diagnosticados erroneamente ciosa e infecções por echo, coxsackie e adenoví-
ou são leves e passam despercebidos. Após um rus (ver TABELA 265.8). A rubéola é clinicamen-
período de incubação de 14 a 21 dias, pródromos te diferenciada do sarampo pela erupção cutânea
de 1 a 5 dias, consistindo de mal-estar e linfade- mais leve e evanescente e pela ausência dos pon-
nopatia, ocorrem em crianças, mas podem ser tos de Koplik, coriza, fotofobia e tosse. O pa-
mínimos ou ausentes em adolescentes e adultos. ciente com sarampo típico está mais comprome-
O edema doloroso dos gânglios suboccipitais, re- tido e a doença dura mais. Mesmo em casos le-
troauriculares e cervicais posteriores é característi- ves de escarlatina, existem mais sintomas cons-
co e, com o exantema típico, sugere o diagnóstico. titucionais do que na rubéola, incluindo a gar-
ganta bastante vermelha e dolorosa. A contagem
A faringe se torna hiperemiada, no início, mas a de leucócitos é elevada na escarlatina, mas nor-
angina não está presente. mal na rubéola. A observação por 1 dia costuma
O exantema é semelhante ao do sarampo, mas estabelecer o diagnóstico de escarlatina.
é menos extenso e mais evanescente. Começa na A sífilis secundária pode simular exantema e
face e no pescoço e rapidamente dissemina-se adenopatia da rubéola, mas a adenopatia da sífilis
para o tronco e extremidades. No início do exan- não é dolorosa e o exantema quase sempre se torna
tema, um eritema semelhante ao da escarlatina proeminente em palmas e plantas. Se houver dúvi-
pode aparecer, particularmente na face. Um da, um teste sorológico qualitativo para sífilis deve
enantema leve de manchas róseas discretas está ser realizado e podem ser necessários testes quan-
presente no palato, coalescendo depois e tornan- titativos para acompanhamento.
do-se vermelho; dura aproximadamente 3 dias. A mononucleose infecciosa pode também cau-
No 2º dia, freqüentemente torna-se mais escar- sar adenopatia e exantema semelhantes aos da ru-
latiniforme (puntiforme) com um rubor eritema- béola, mas pode ser diferenciada pela leucopenia
toso. A leve alteração da cor da pele que perma- inicial seguida de leucocitose, várias células mo-
nece quando o exantema desaparece pode sumir nonucleares atípicas no esfregaço de sangue, apa-
em um dia. recimento de anticorpos contra o vírus Epstein-Barr
Os sintomas constitucionais em crianças são le- e, em crianças maiores, aumento no título de an-
ves: mal-estar e artralgias ocasionais. Os adultos ticorpos heterofílicos. Além disso, a angina fa-
caracteristicamente apresentam pouco ou nenhum ríngea da mononucleose infecciosa em geral é
sintoma, embora febre, mal-estar, cefaléia, articu- intensa e o mal-estar é maior e dura mais do que
lações rígidas (às vezes com artrite patente, transi- na rubéola.
tória), uma leve sensação de cansaço e rinite leve
possam ser notadas. Eles podem perceber a doença Profilaxia
notando o exantema no peito, braços ou testa ou A vacina de vírus vivo preparada em culturas de
descobrindo a linfadenopatia retroauricular carac- fibroblastos humanos diplóides produz anticorpos
terística, enquanto lavam ou penteiam o cabelo. em > 95% dos receptores. A transmissão do vírus

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2308 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

vacinal dos vacinados para contatos suscetíveis ain- gico progressivo associado à elevação da contagem
da não foi documentada (exceto um caso de trans- total de proteínas e globulina no LCR, títulos ele-
missão aparente de mãe que estava amamentando vados de anticorpos contra o vírus da rubéola no
para seu filho, sem nenhuma conseqüência grave). LCR e soro ou recuperação do vírus da rubéola
Com vacinas de vírus vivo, a imunidade dura ≥15 do tecido cerebral. A TC pode mostrar aumento
anos. A vacinação de rotina é recomendada para ventricular, particularmente do 4º ventrículo, de-
crianças entre 12 e 15 meses e na entrada na 1ª ou vido à atrofia cerebelar. Não existe nenhum trata-
5ª séries. A vacinação de rotina foi sugerida para mento específico.
todas as mães suscetíveis imediatamente após o
parto. A triagem de mulheres em idade fértil para ROSEOLA INFANTUM
anticorpos contra rubéola (a história, positiva ou
negativa, não é confiável como critério de imuni- (Exantema Súbito; Pseudo-rubéola)
dade) e a imunização das suscetíveis também é re- É uma doença aguda de lactentes ou crianças muito
comendável. Essa imunização, no entanto, não deve novas, caracterizada por febre alta, ausência de
ser realizada a menos que se possa evitar a concep- sinais ou sintomas localizados e aparecimento
ção durante pelo menos 3 meses. de exantema rubeliforme simultaneamente ou
A vacina não deve ser administrada a nenhuma após a defervescência.
pessoa com mecanismos imunológicos deficientes
ou alterados (por exemplo, com leucemia, linfo- Etiologia, sintomas e sinais
ma, outras doenças malignas ou doença febril gra- A causa usual é o herpesvírus humano Tipo 6
ve, durante terapia prolongada com corticosterói- (HVH-6) e menos freqüentemente o HVH-7. A
des ou radioterapia ou durante quimioterapia). Da- doença ocorre mais na primavera e no outono. Fo-
dos sugerem que a vacina pode infectar o feto du- ram relatadas pequenas epidemias locais.
rante o início da gravidez, mas isso não resultou O período de incubação é em torno de 5 a 15
em síndrome da rubéola congênita; embora o risco dias. Febre de 39,5 a 40°C (103 a 104°F) começa
de lesão fetal seja estimado em ≤ 3%, o uso da va- abruptamente e persiste por 3 a 5 dias sem qual-
cina é contra-indicado durante toda a gestação. quer causa evidente. Convulsões são comuns du-
Febre, erupção cutânea, linfadenopatia, polineu- rante a fase inicial, particularmente quando a tem-
ropatia, artralgia ou artrite patente são raras em peratura sobe. Apesar da febre alta, a criança está
crianças vacinadas; dor articular e edema por ve- clinicamente alerta e ativa. Leucopenia com linfo-
zes seguem a vacinação, em especial em mulheres citose relativa está presente, em geral no 3º dia.
adultas não vacinadas anteriormente e, em menor Linfadenopatia nas regiões cervical e auricular pos-
extensão, em homens adultos. Para mais detalhes terior costuma ser notada e o baço pode estar um
sobre profilaxia, ver IMUNIZAÇÕES NA INFÂNCIA, pouco aumentado.
no Capítulo 256. A febre diminui rapidamente ao redor do 4º dia
e o exantema macular ou maculopapular aparece,
Tratamento mais proeminente no peito e abdome e leve na face
A rubéola requer pouco ou nenhum tratamento. e nas extremidades; pode durar algumas horas ou
Otite média, uma complicação rara, necessita de até 2 dias. A temperatura é normal nessa fase e a
tratamento apropriado. Não existe terapia específi- criança sente-se bem e age normalmente. Um exan-
ca para a encefalite. tema evanescente pode passar despercebido em
casos leves. O exantema típico não aparece em 70%
das infecções pelo HHV-6.
PANENCEFALITE
PROGRESSIVA DA RUBÉOLA Diagnóstico e tratamento
É um distúrbio neurológico progressivo ocorrendo Sabendo-se haver roséola em determinada comu-
nidade, deve-se suspeitar quando uma criança com
em criança com sinais de rubéola congênita, idade entre 6 meses e 3 anos desenvolve uma persis-
presumivelmente causado por reativação da in- tente temperatura elevada sem causa aparente, per-
fecção pelo vírus da rubéola. manecendo alerta e ativa. Pode-se suspeitar do
Crianças com rubéola congênita (com surdez, ca- diagnóstico se for possível afastar pielonefrite, oti-
tarata, microcefalia e retardo mental) podem desen- te média, meningite, sepse e pneumonia bacteria-
volver espasticidade progressiva, ataxia, deterioração na. Depois de aparecer o exantema, pode ser feito
mental e convulsões no início da adolescência. o diagnóstico presuntivo. O diagnóstico é confir-
O diagnóstico é considerado quando um paciente mado por cultura e testes sorológicos, mas tais téc-
com rubéola congênita desenvolve déficit neuroló- nicas não são rotineiramente recomendadas.

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2309

O tratamento é sintomático e compreende medi- da, a infecção por rubéola deve ser afastada por
das antipiréticas para manter a criança confortável. meio de testes sorológicos; uma história de exposi-
Para tratamento das convulsões, ver Capítulo 172. ção também ajuda no diagnóstico. A viremia pelo
parvovírus B19 habitualmente dura 7 a 12 dias e pode
ERITEMA INFECCIOSO ser detectada por técnicas de imunoprecipitação ou
técnicas moleculares. A presença de anticorpos es-
(Quinta Doença; Infecção pelo Parvovírus B19) pecíficos IgM na fase aguda ou no início da conva-
É uma doença viral aguda, caracterizada por sin- lescença também sugere muito o diagnóstico. Esses
tomas constitucionais leves e exantema mancha- exames não são rotineiramente recomendados.
do ou maculopapular, iniciando na face com dis- Apenas é necessário o tratamento sintomático.
seminação principalmente para as áreas expos-
tas das extremidades. CATAPORA
A doença é causada pelo parvovírus humano (Varicela)
B19. Ocorre com maior freqüência durante os me-
ses de primavera e surtos localizados entre crian- É uma doença viral aguda, que habitualmente
ças e adolescentes são comuns. O parvovírus B19 começa com leves sintomas constitucionais, logo
é também a causa principal de crises aplásicas em seguidos por uma erupção aparecendo em gru-
pacientes com distúrbios hemolíticos crônicos, tais pos e caracterizada por máculas, pápulas, vesí-
como doença falciforme. A disseminação parece culas e crostas.
ser pela via respiratória e pode haver infecção Etiologia e epidemiologia
inaparente.
A varicela e o herpes zóster são causados pelo
Sintomas e sinais vírus da varicela zóster, sendo a varicela a fase
O período de incubação é de 4 a 14 dias. As invasiva aguda do vírus e o herpes zóster a reati-
manifestações típicas são febre baixa, mal-estar leve vação da fase latente.
e eritema facial confluente endurecido (aparência A varicela, como o sarampo, é altamente con-
de “face esbofeteada”). Em 1 a 2 dias aparece uma tagiosa e disseminada por gotículas infectadas.
erupção simétrica mais evidente nos braços, per- É mais contagiosa durante o pródromo breve e
nas e tronco, geralmente poupando palmas e plan- estádios iniciais do exantema. O período de in-
tas. O exantema é maculopapular, tendendo à con- cubação é de 14 a 16 dias e o contágio é consi-
fluência; forma áreas levemente elevadas ou pa- derado possível a partir de 10 a 21 dias depois
drões reticulares ou rendilhados, mais proeminen- da exposição. Quando as lesões finais estão em
te nas áreas expostas dos braços. A duração da doen- crosta, o paciente não transmite mais a doença.
ça é de 5 a 10 dias, mas a erupção pode recorrer O isolamento durante 6 dias depois do apare-
várias semanas depois, exacerbada por luz solar, cimento das primeiras vesículas costuma ser
exercício, calor, febre ou estresse emocional. Dor suficiente para controlar a infecção cruzada.
articular discreta e edema, que podem persistir ou A transmissão indireta (por uma terceira pes-
recidivar durante semanas ou meses, algumas ve- soa imune) não ocorre.
zes são observados em adultos com a doença. Os Há epidemias no inverno e início da primave-
pacientes imunodeficientes podem desenvolver in- ra, em ciclos de 3 a 4 anos (o período necessário
fecções protraídas, com anemia grave. Como a ru- para desenvolvimento de um novo grupo de sus-
béola, o eritema infeccioso pode ser transmitido por cetíveis). A suscetibilidade é alta desde o nasci-
via transplacentária durante a gestação e, algumas mento até que a doença seja contraída, mas al-
vezes, resulta em natimortos ou anemia fetal gra- guns lactentes podem ter imunidade parcial, tal-
ve, com edema generalizado (hidropsia fetal). O vez adquirida transplacentariamente, até a idade
risco de óbito fetal é < 10% depois da infecção de 6 meses.
materna na primeira metade da gestação e ainda
mais baixo na segunda metade. Sintomas e sinais
Cefaléia leve, febre moderada e mal-estar po-
Diagnóstico e tratamento dem estar presentes 11 a 15 dias após a exposi-
A aparência e o padrão de disseminação do exan- ção, cerca de 24 a 36h antes do aparecimento da
tema são as únicas características diagnósticas; primeira série de lesões. A fase prodrômica geral-
contudo, tal diagnóstico deve ser feito com caute- mente não é reconhecida em crianças pequenas; é
la, pois a rubéola e algumas enteroviroses mostram mais provável em crianças > 10 anos e mais in-
um quadro semelhante. Se houver qualquer dúvi- tensa em adultos.

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2310 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

O exantema inicial, uma erupção macular, pode A síndrome de Reye, uma complicação incomum,
ser acompanhado de rubor evanescente. O exante- mas grave, pode começar 3 a 8 dias depois do iní-
ma evolui, em poucas horas, para vesículas em go- cio do exantema (ver SÍNDROME DE REYE em OU-
tas monoloculares, pruriginosas, contendo um flui- TRAS INFECÇÕES, adiante).
do claro e sobressaindo de suas aréolas vermelhas;
neste momento, o diagnóstico pode ser feito. As Diagnóstico e Prognóstico
lesões individuais típicas da varicela progridem de A detecção por imunofluorescência de antígeno
mácula para pápula e para vesícula, evoluindo para viral nas lesões, cultura ou achados sorológicos
crosta em 6 a 8h. As lesões surgem em grupos su- confirmam o diagnóstico. Impetigo, eczema infec-
cessivos, aparecendo algumas máculas quando os tado, picadas e ferroadas de insetos, erupção cutâ-
grupos mais precoces se tornam crostas. O exante- nea por drogas, dermatite de contato, porfiria eri-
ma pode ser generalizado, em casos graves; do con- tropoiética (hídrica estival) e, ocasionalmente, in-
trário, face e extremidades são parcialmente pou- fecções por coxsackievírus e infecções dissemina-
padas. Quando existem apenas poucas lesões, a das por herpes simples devem ser consideradas no
parte superior do tronco é o local mais freqüente. diagnóstico diferencial.
As lesões ulceradas também podem estar nas mu- A varicela na infância costuma ser benigna; no
cosas, incluindo orofaringe e o trato respiratório entanto, casos graves e fatais podem ocorrer rara-
superior, conjuntiva palpebral, mucosa retal e va- mente. O risco de doença grave ou fatal aumenta
ginal. Na boca, as vesículas rompem-se imediata- em adultos e pacientes com depressão da imunida-
mente, são indistinguíveis daquelas da estomatite de celular (por exemplo, doença maligna linforre-
herpética e costumam causar dor à deglutição. Ve- ticular) ou naqueles que estão recebendo corticos-
sículas laríngeas ou traqueais podem provocar teróides ou quimioterapia.
dispnéia grave. As lesões estão, com freqüência,
presentes no couro cabeludo e resultam em linfo- Profilaxia
nodos dolorosos e aumentados, suboccipitais e cer- A varicela pode ser evitada ou atenuada pela
vicais posteriores. A fase aguda da doença dura administração IM de imunoglobulina zóster, deri-
cerca de 4 a 7 dias. Novas lesões geralmente ces- vada do soro de pacientes convalescentes de her-
sam no 5º dia; a maioria como crostas no 6º dia, pes zóster ou imunoglobulina para varicela zóster
que desaparecem em < 20 dias após o início. (VZIG) preparada a partir de um “pool” de plasma
contendo altos títulos de anticorpos específicos. A
Complicações dose recomendada é 125U/10kg (um frasco de
Infecção estreptocócica secundária das vesícu- 125U contém aproximadamente 1,25mL), com uma
las pode levar à erisipela, sepse, nefrite aguda he- dose máxima não excedendo 625U. Tais prepara-
morrágica ou, raramente, fasciíte necrosante. Esta- ções devem ser administradas dentro de 96h após a
filococos também podem infectar vesículas e cau- exposição para serem eficazes; seu uso é primaria-
sar pioderma ou impetigo bolhoso. Pneumonia mente para pessoas expostas suscetíveis com leu-
como complicação de varicela grave é encontrada cemia, síndromes de imunodeficiência ou outras
em adultos, recém-nascidos e pacientes imunocom- doenças debilitantes graves. Também recém-nas-
prometidos, mas é incomum em crianças peque- cidos, cujas mães apresentaram varicela 5 dias an-
nas. Miocardite, artrite transitória ou hepatite e com- tes do parto ou 2 dias após o parto, são candidatos
plicações hemorrágicas foram também relatadas. à profilaxia. Grandes doses de globulina humana de-
A varicela hemorrágica deve levantar suspeita de monstraram modificar a doença se administradas
púrpura trombocitopênica associada com varicela, logo depois da exposição, mas a quantidade neces-
septicemia bacteriana secundária, doença maligna sária é tão grande (0,6 a 1,2mL/kg, IM) que não está
de base ou imunodeficiência. recomendada. VZIG e imunoglobulina IM ou IV não
Encefalopatia pós-varicela ocorre em < 1/1.000 têm valor terapêutico após o início da doença. Em
casos. Como a que segue o sarampo, tende a surgir algumas crianças, o aciclovir foi usado profilatica-
no final da doença ou 1 a 2 semanas após o seu mente depois da exposição à varicela, durante 1 se-
término. Uma das complicações neurológicas mais mana, iniciando 7 dias depois da exposição. São ne-
comuns é a ataxia cerebelar aguda pós-infecciosa. cessários mais estudos para determinar sua eficácia.
Mielite transversa, paralisia de nervos cranianos e Uma vacina contra varicela de vírus vivo atenua-
manifestações clínicas semelhantes às da esclero- do é recomendada pela “American Academy of
se múltipla também acontecem. A encefalite pode Pediatrics” para vacinação universal de todas as
ser fatal, mas o prognóstico para a recuperação com- crianças saudáveis que não apresentem história con-
pleta das complicações de SNC geralmente é bom fiável de varicela. É recomendada uma dose aos 12
e muito melhor do que na encefalite por sarampo. a 18 meses. Para crianças > 18 meses sem imuni-

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2311

zação contra varicela, pode ser administrada uma larmente eczema) ou doença pulmonar crônica e
dose a qualquer momento, entre 19 meses e 13 anos. os que recebem terapia com salicilatos ou terapia
Adolescentes saudáveis com mais de 13 anos e com corticosteróides breve intermitente ou em
adultos jovens que não tenham sido imunizados e aerossol. A dose é de 80mg/kg dividida em 4 to-
não tenham história de infecção por varicela de- madas, com dose máxima de 3.200mg. Em pa-
vem receber duas doses da vacina, com intervalo cientes reconhecidamente imunocomprometidos,
de 4 a 8 semanas. deve ser administrado aciclovir IV, 1.500mg/m2/
O Comitê Consultivo sobre Práticas de Imuni- dia, divididas a cada 8h. Muitos farmacêuticos re-
zação também recomenda que adultos suscetíveis comendam uma dose IV de 30mg/kg ao dia, divi-
sejam vacinados (ver também Cap. 152). Testes dida a cada 8h, para crianças imunocomprome-
sorológicos antes da vacinação em adultos, para tidas e < 1 ano de idade. A imunoglobulina zóster
determinar a situação imunológica, são opcionais pode ser usada para atenuar a doença (ver Profila-
e, na maioria dos casos, não são custo-eficazes. A xia, anteriormente).
vacina é contra-indicada para pacientes com doen-
ça concomitante moderada a grave, pacientes imu- INFECÇÃO POR VÍRUS
nocomprometidos, gestantes, pacientes recebendo
doses elevadas de corticosteróides sistêmicos e SINCICIAL RESPIRATÓRIO
aqueles que utilizam salicilatos. Comunicantes do- Doença viral das vias aéreas inferiores (incluindo
miciliares de pacientes imunocomprometidos po- bronquiolite e pneumonia) em lactentes e crian-
dem, raramente, transmitir a cepa vacinal; se hou- ças pequenas.
ver desenvolvimento de exantema em paciente imu-
nocomprometido depois da vacinação de um co- O vírus sincicial respiratório (RSV) é uma das
municante domiciliar, todos os contatos posterio- causas mais importantes de doença das vias aéreas
res devem cessar. A varicela associada à vacina pode inferiores e pode ser fatal. Geralmente, a morte
se seguir à vacinação no indivíduo imunocompro- súbita de um bebê com doença respiratória é atri-
metido; no entanto, é leve (< 10 pápulas ou vesícu- buída à infecção por RSV. Em adultos saudáveis e
las) e de curta duração, com poucos ou nenhum crianças mais velhas, o RSV causa doenças respi-
sintoma sistêmico associado. ratórias mais leves, mas é também uma causa im-
portante de síndrome de influenza, broncopneumo-
Tratamento nia e exacerbação de bronquite crônica. Pessoas
Casos leves necessitam apenas de tratamento idosas e aqueles com doença pulmonar de base
sintomático. Compressas úmidas podem ser apli- podem ser muito suscetíveis à infecção pelo RSV.
cadas para controle do prurido, que pode ser extre-
mo e para evitar escoriações que podem acarretar Etiologia e epidemiologia
infecção disseminada e formação de cicatrizes. O RSV é um vírus do RNA, classificado como
Anti-histamínicos sistêmicos podem ser usados pneumovírus. Dois subgrupos (denominados A e
em casos graves. Devido à freqüência de superin- B) são identificados por meio da sorologia. Bioló-
fecções estafilocócicas ou estreptocócicas das ve- gica e comportamentalmente ele se parece com os
sículas, os pacientes devem ser banhados freqüen- vírus da influenza e parainfluenza, mais do que
temente com sabão e água e mantidos com roupas outros grupos taxonômicos relacionados, mas é
de baixo limpas; as mãos devem estar limpas e as sorologicamente e, de outras formas, diferente de-
unhas cortadas. Anti-sépticos não devem ser apli- les (por exemplo, pelo não crescimento em ovos
cados em lesões individuais, a menos que se tor- ou produção de hemaglutinina).
nem secundariamente infectadas. Infecção estafi- O RSV está associado a um surto anual rápido
locócica ou por estreptococos β-hemolíticos é tra- de doença respiratória aguda, no inverno ou no iní-
tada com antibióticos sistêmicos apropriados. cio da primavera. Como a influenza, ele aumenta a
O aciclovir oral reduz um pouco a duração e gra- morbidade e mortalidade por bronquite e pneumo-
vidade da varicela quando administrado a hospe- nia. A recorrência anual de um único subgrupo do
deiros imunocompetentes, no prazo de 24h a partir RSV indica haver reinfecção com doença. Embora
do início do exantema. No entanto, dada a nature- cerca de 70% das pessoas tenham anticorpos séri-
za habitualmente benigna da doença, não é reco- cos contra o RSV aos 5 anos, as infecções conti-
mendado, como rotina, para crianças saudáveis com nuam a ocorrer em pessoas de todas as idades.
varicela não complicada. O aciclovir deve ser con- O pequeno efeito protetor do anticorpo sérico con-
siderado para pessoas saudáveis com risco de do- tra a infecção é observado em alguns lactentes
ença moderada a grave, inclusive crianças ≥ 12 < 6 meses de idade (como aqueles com displasia
anos, para pacientes com lesões cutâneas (particu- broncopulmonar – ver Cap. 260); conquanto apre-

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2312 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

sentem anticorpos maternos, desenvolvem doença servação cuidadosa para assegurar respiração ade-
grave do trato respiratório inferior, o que causa um quada. A hipoxemia é comum nos lactentes infec-
número apreciável de mortes. tados pelo RSV. A dosagem do O2 no sangue arte-
rial e/ou a oximetria fornecem informações objeti-
Sintomas e sinais vas sobre a gravidade da infecção e a necessidade
As manifestações clínicas da infecção por RSV de terapia intensiva. Em estudos realizados em lac-
são variáveis e, em geral, diferem com a idade, ex- tentes com bronquiolite ou pneumonia causada pelo
posição anterior ao RSV e doenças de base (espe- RSV, a ribavirina (uma droga antiviral) reduziu a
cialmente problemas respiratórios). A síndrome implantação do vírus e acelerou a recuperação em
clínica tem poucos sinais específicos que identifi- pacientes com doença grave; outros estudos não
cam o RSV como a causa da infecção. Dispnéia, mostraram melhora. A ribavirina é administrada em
tosse e sibilos são os sintomas mais evidentes e, gerador de aerossol de pequenas partículas em uma
habitualmente, aparecem alguns dias após os sinais solução de 6g em 300mL de água destilada estéril
das vias aéreas superiores, que podem incluir fe- (20mg/mL) durante 12 a 20h. A duração do trata-
bre, nos lactentes. Apnéia pode surgir em lactentes mento é de 3 a 5 dias, mas pode ser maior em al-
pequenos e pode preceder os outros sintomas e si- guns pacientes. No entanto, reações cutâneas e ou-
nais de RSV. Broncopneumonia e/ou bronquiolite tros sintomas de exposição ocorrem entre profis-
freqüentemente são notados no raio X de tórax. sionais de saúde saudáveis. Gestantes devem evi-
A contagem de leucócitos é normal, mas os granu- tar exposição à ribavirina. Em geral, a droga deve
lócitos podem estar moderadamente elevados. Em ser reservada para pacientes de alto risco, com ava-
adultos e crianças mais velhas, a infecção por RSV liação individual. Adultos com broncopneumonia
pode ser inaparente ou se manifestar apenas como e bronquite aguda também podem necessitar de
uma IRA afebril (resfriado comum), mas ela pode suporte respiratório.
mimetizar a influenza e é responsável por 15% das
internações hospitalares por exacerbações agudas CRUPE
da bronquite crônica. (Laringotraqueobronquite Aguda)
Diagnóstico É uma inflamação viral aguda do trato respiratório
Embora as culturas raramente sejam necessárias, superior e inferior, caracterizada por estridor
o RSV pode ser isolado de secreções respiratórias inspiratório, edema subglótico e angústia respi-
em culturas de tecidos suscetíveis. Uma vez que o ratória, mais pronunciados na inspiração.
vírus tolera mal o congelamento e o descongela-
mento, a menos que seja protegido por meios espe- Etiologia, epidemiologia
ciais, pode ser difícil armazenar ou despachar amos- e fisiopatologia
tras. Em virtude das dificuldades de interpretação, O crupe é primariamente uma doença de crian-
não se recomendam exames sorológicos de rotina. ças entre 6 meses e 3 anos, embora ocasionalmen-
Lactentes muito pequenos freqüentemente apresen- te possa ocorrer antes ou depois. Os vírus da
tam anticorpos maternos; as crianças podem mos- parainfluenza, especialmente do Tipo 1, são os pa-
trar anticorpo adquirido no soro na fase aguda do tógenos mais importantes. Causas menos comuns
RSV; o aumento de anticorpos pode não ser de- são os vírus sincicial respiratório (RSV) e vírus da
monstrável em crianças pequenas e doença leve em influenza A e B, seguidos pelo adeno, êntero e
adultos não causa aumento no título de anticorpos. rinovírus, vírus do sarampo e Mycoplasma pneu-
Um ensaio imunoenzimático (ELISA) para detectar moniae. O crupe causado pela influenza pode ser
antígenos de RSV nas secreções é prático e cômo- particularmente grave e ocorrer em uma ampla fai-
do. Apresenta sensibilidade e especificidade de 80 a xa de idade nas crianças. Surtos sazonais são co-
90%, na maioria dos laboratórios. A detecção imu- muns; casos por vírus da parainfluenza tendem a
nofluorescente de antígeno RSV em células infecta- surgir no outono e aqueles pelos vírus da influenza
das do trato respiratório apresenta sensibilidade de e RSV tendem a aparecer no inverno e na primave-
88% e especificidade de 100%, quando a prepara- ra. A disseminação parece ocorrer por veiculação
ção contém um número suficiente de células. aérea ou por contato com secreções infectadas.
A infecção produz inflamação de laringe, tra-
Tratamento quéia, brônquios, bronquíolos e parênquima pul-
Infecções leves e inaparentes são muito freqüen- monar. Contudo, a obstrução causada por edema e
tes e se curam sem atenção especial. Doença grave exsudato inflamatório é mais pronunciada na re-
em crianças e lactentes requer hospitalização e ob- gião subglótica. A obstrução aumenta o esforço

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2313

respiratório e, quando a criança se cansa, há hiper- tidas por aspiração, provavelmente levem ao cresci-
capnia. Hipoxemia sem hipercapnia comumente se mento de uma cultura pura de Staphylococcus aureus
dá por infecção de parênquima pulmonar associa- ou estreptococos β-hemolíticos do Grupo A. Strepto-
da. Atelectasia pode ocorrer concomitantemente, coccus pneumoniae e Haemophilus influenzae Tipo
se os bronquíolos ficarem obstruídos. b são causas menos freqüentes.
Um corpo estranho pode provocar angústia res-
Sintomas e sinais piratória e tosse típica do crupe, mas febre e IRA
O crupe é geralmente precedido de IRA. Tosse precedente estão ausentes. Raios X cervicais po-
“em latido”, quase sempre espasmódica e rouqui- dem mostrar o corpo estranho, mas as laringos-
dão podem marcar o início agudo do estridor copias direta e indireta podem ser necessárias para
inspiratório, comum à noite. A criança pode acor- confirmar o diagnóstico.
dar durante a noite, com desconforto respiratório, A difteria é excluída pela história de imuniza-
taquipnéia e tiragens inspiratórias intercostal, su- ção adequada ou confirmada pela identificação do
praclavicular, supra-esternal e subesternal. Em ca- microrganismo em culturas especiais de raspados
sos graves, cianose com respirações cada vez mais da membrana faríngea ou laríngea acinzentada, tí-
superficiais pode se desenvolver quando a criança pica de difteria.
se cansa. A angústia respiratória óbvia e o estridor Raramente, um abscesso retrofaríngeo pode
inspiratório grosseiro são os achados físicos mais estar presente com estridor. Ele pode ser diagnosti-
dramáticos. A ausculta revela inspiração prolonga- cado por visualização direta, pelo raio X cervical
da e estridor, freqüentemente com alguns roncos lateral ou TC.
expiratórios e sibilos. Estertores também podem
estar presentes. O murmúrio vesicular pode ficar Tratamento
diminuído com as atelectasias. Existe febre em cer- A criança em estado moderadamente grave pode
ca de metade das crianças. Leucocitose com neu- ser tratada com medidas domiciliares de suporte.
trofilia pode estar presente inicialmente, com mu- Ela deve ficar confortável e ser mantida bem hi-
dança subseqüente para leucopenia e linfocitose. dratada. O repouso é importante, já que a fadiga e
Com o envolvimento do parênquima pulmonar, a o choro podem agravar a condição. Aparelhos do-
gasometria arterial revela hipoxemia, com ou sem miciliares de umidificação (tais como vaporizadores
hipercapnia. Há hipoxemia em cerca de 80% dos de “vapor frio” ou umidificadores) podem melho-
pacientes internados. O estreitamento subepiglótico rar o ressecamento da via aérea superior.
pode ser observado no raio X cervical ântero-pos- Angústia respiratória crescente ou persistente,
terior. A doença costuma acabar em 3 a 4 dias. taquicardia, fadiga, cianose ou desidratação indi-
Episódios recorrentes são chamados de crupe cam a necessidade de hospitalização. Nos pacien-
espasmódico. Alergia ou reatividade das vias aé- tes com insuficiência respiratória, está indicada uma
reas podem desempenhar um papel no crupe es- gasometria arterial, porque pode existir hipoxemia
pasmódico, mas as manifestações clínicas não po- moderada sem cianose. Se a PaO2 estiver inicial-
dem ser diferenciadas de um caso usual de crupe mente < 60mmHg, deve ser administrado O2
viral; o crupe espasmódico também é iniciado por umidificado. Uma concentração de O2 inspirado de
uma infecção viral. 30 a 40% geralmente é adequada. A retenção de
CO2 (PaCO2 > 45mmHg) costuma indicar fadiga e
Diagnóstico diferencial necessita de observação atenta do paciente. A ne-
O crupe deve ser diferenciado de epiglotite. cessidade de intubação deve ser prevista e equipa-
As características de diferenciação foram fornecidas mento e pessoal devem estar prontos. A necessida-
em INFECÇÕES BACTERIANAS, anteriormente. de da intervenção em vias aéreas está indicada por
A traqueíte bacteriana é uma entidade distinta aumento na retenção de CO2 apesar da oxigenação
e pouco usual, que tem maior probabilidade de ser adequada, terapia nebulizadora umidificante e hi-
confundida com a epiglotite, por seu início rápido e dratação, hipoxemia não responsiva à administra-
evolução grave e progressiva. É caracterizada pelo ção de O2 e secreções que não podem ser mobili-
início agudo de febre, dispnéia e estridor em crian- zadas pela tosse.
ças de várias idades. Embora possa raramente se- A viscosidade das secreções traqueobronquiais
guir o crupe viral, ela deve ser diferenciada deste pode ser reduzida e seu “clearance” aumentado por
pelo maior grau de toxemia e angústia respiratória, terapia umidificadora. Nebulizadores comuns em
desvio à esquerda dos leucócitos, secreções espes- jato melhoram a umidificação laríngea, mas a
sas e membrana laríngea áspera, exsudativa, que pode umidificação bronquiolar necessita do uso de um
ser visualizada ao raio X ou diretamente. Culturas nebulizador ultra-sônico acoplado à uma máscara
da secreção da membrana ou traqueal profunda, ob- ou tenda de O2.

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2314 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Adrenalina racêmica nebulizada é eficaz para desenvolver-se por vômito e diminuição da inges-
produzir melhora sintomática e alívio da fadiga. tão oral. Com a fadiga, as respirações podem tor-
Contudo, os efeitos são apenas transitórios; a evo- nar-se mais superficiais e ineficazes, levando à aci-
lução da doença, infecção viral de base e a PaO2 dose respiratória. O tórax é hipertimpânico à per-
não são alteradas e taquicardia e outros efeitos co- cussão e a ausculta revela sibilos, expiração pro-
laterais podem ocorrer. longada e, com freqüência, estertores finos. O raio
Dexametasona parenteral em altas doses (> 0,3mg/ X mostra pulmões hiperinflados, diafragma depri-
kg), dexametasona oral (0,5 a 0,6mg/kg) e corticoste- mido e acentuação hilar intensa. Infiltrados podem
róides em nebulização podem beneficiar pacientes estar presentes por atelectasia, bem como por pneu-
internados com crupe moderado a grave. O valor do monia por RSV, o que é relativamente comum na
tratamento com corticosteróides em pacientes ambu- bronquiolite por RSV.
latoriais não foi claramente demonstrado.
Os vírus que mais provocam crupe em geral não Diagnóstico
predispõem à infecção bacteriana secundária e os Os achados laboratoriais iniciais não são diag-
antibióticos raramente estão indicados. nósticos. Cerca de dois terços das crianças têm con-
tagem de leucócitos de 10.000 a 15.000/µL. A maio-
BRONQUIOLITE ria tem 50 a 75% de linfócitos. Em casos graves, os
níveis de uréia e eletrólitos séricos revelam o grau
É uma infecção viral aguda do trato respiratório e tipo de desidratação; a gasometria pode mostrar
inferior, afetando lactentes e crianças pequenas hipoxemia. O diagnóstico etiológico específico é
e caracterizada por angústia respiratória, obs- feito pelo isolamento do vírus ou por técnicas diag-
trução expiratória, sibilos e estertores. nósticas rápidas, tais como imunofluorescência e
A bronquiolite freqüentemente ocorre em epi- ensaio imunoabsorvente ligado à enzima (ELISA)
demias e em crianças < 18 meses de idade, com para antígeno de RSV (ver INFECÇÃO POR VÍRUS
pico de incidência em lactentes < 6 meses – as ida- SINCICIAL RESPIRATÓRIO, anteriormente).
des de predileção para o vírus sincicial respiratório A asma é a principal consideração no diagnósti-
(RSV) e o vírus da parainfluenza Tipo 3. A inci- co diferencial e é o diagnóstico mais provável em
dência anual no primeiro ano de vida é estimada uma criança > 18 meses de idade, especialmente
em 11 casos/100 crianças. se episódios anteriores de sibilos e história fami-
liar de alergia forem documentados. Refluxo gás-
Etiologia e fisiopatologia trico com aspiração de conteúdos gástricos pode
também produzir o quadro clínico de bronquiolite;
Os principais patógenos da bronquiolite são RSV múltiplos episódios em um lactente podem ser a
e vírus da parainfluenza 3; influenza A e B, parain- pista para o diagnóstico. Aspiração de corpo estra-
fluenza 1 e 2 e adenovírus são causas menos fre- nho pode, ocasionalmente, causar sibilos e deve ser
qüentes. Mycoplasma pneumoniae, rinovírus, considerada se a história ou epidemiologia forem
enterovírus e vírus do sarampo são agentes etioló- sugestivas e se o início for súbito e não estiver as-
gicos incomuns. sociado a sinais do trato respiratório superior pré-
O vírus infectante dissemina-se do trato respira- vio (por exemplo, congestão nasal).
tório superior para os brônquios médios e peque-
nos e bronquíolos, causando necrose epitelial. O Prognóstico e tratamento
edema e exsudato que se desenvolvem resultam em Muitas crianças podem ser tratadas em casa e
obstrução parcial, mais pronunciada na expiração recuperam-se em 3 a 5 dias, sem seqüelas. A mor-
e leva à retenção do ar nos alvéolos. Com obstru- talidade é < 1% quando os cuidados médicos são
ção completa e absorção do ar aprisionado, podem adequados. Angústia respiratória crescente, ciano-
surgir múltiplas áreas de atelectasia. se, fadiga e desidratação são indicações para hos-
pitalização. Crianças com afecções de base como
Sintomas e sinais cardiopatias, imunodeficiência ou displasia bron-
Tipicamente, o lactente afetado tem uma IRA copulmonar, que as coloquem em risco elevado de
precedente, seguida por início rápido de angústia doença grave ou complicações, devem ser segui-
respiratória com taquipnéia, taquicardia e tosse “em das de perto e consideradas candidatas para a hos-
latido”. O aumento da angústia é evidenciado pela pitalização precoce na evolução da doença.
cianose perioral, tiragens mais profundas das áreas O reconhecimento e tratamento da hipoxemia
subcostais, intercostais e supra-esternais e sibilos são o mais importante. No hospital, são realizadas
audíveis. A criança parece muito letárgica, mas a gasometrias, uma vez que o grau de hipoxemia não
febre nem sempre está presente. Desidratação pode pode ser definido clinicamente com acurácia. Ní-

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2315

veis adequados de oxigenação (PaO2 > 60mmHg) posta imune humoral (produção de anticorpos he-
são alcançados com uma mistura de O2 de 30 a 40% terófilos) documenta a infecção primária por EBV;
administrada por tenda ou máscara facial. Intuba- a resposta imune celular, constituída parcialmente
ção endotraqueal está indicada se ocorrer retenção de indução de linfócitos T ativados do fenótipo de
progressiva de CO2, se a criança não puder ex- superfície CD8, é responsável, principalmente, pela
pectorar as secreções brônquicas ou se a hipoxe- linfocitose atípica resultante da infecção primária
mia não for responsiva à administração de O2 . Após por EBV. Portanto, a resposta imune mediada por
a intubação, deve-se prosseguir com a administra- células desempenha um papel importante para evi-
ção de O2 e tentar eliminar as secreções (por dre- tar a proliferação contínua de linfócitos B modifi-
nagem postural e aspiração traqueal) e a umi- cados pelo EBV durante a infecção primária e na
dificação da árvore traqueobrônquica inferior, com reversão de ativação policlonal de células B indu-
nebulização ultra-sonográfica. zida pelo EBV.
A hidratação é mantida com a ingestão freqüen- Depois da infecção primária, o EBV continua no
te de pequenas quantidades de líquido. Para casos hospedeiro durante toda a vida e é intermitentemente
mais graves, os líquidos devem ser, de início, ad- disseminado a partir da orofaringe. O vírus é detectá-
ministrados IV e o nível de hidratação deve ser vel nas secreções de orofaringe de 15 a 25% dos adultos
acompanhado pela diurese e densidade urinária e saudáveis com sorologia positiva para EBV. A disse-
determinações de eletrólitos séricos. minação a partir da orofaringe está aumentada, em
Corticosteróides têm pouco valor e sedativos são freqüência e título, em pacientes imunocomprometi-
contra-indicados. Os antibióticos devem ser evita- dos (tais como receptores de enxertos de órgãos e
dos, a menos que ocorra uma infecção bacteriana pessoas infectadas pelo HIV). A reativação do EBV,
secundária ( uma seqüela rara). Broncodilatadores ao contrário do que ocorre com o herpes simples e a
geralmente são ineficazes, embora seja raro uma varicela zóster, em geral é subclínica.
criança apresentar alguma resposta. Ribavirina, 6g O EBV é relativamente lábil, não é recuperado
diluídas em 300mL de água estéril e administrada de fontes ambientais e não é muito contagioso.
em aerossol de pequenas partículas durante 12 a Apenas cerca de 5% dos pacientes tiveram contato
18h ao dia, em 3 a 5 dias, pode ser considerada recente com um portador de mononucleose infec-
para lactentes prematuros internados, com doen- ciosa. Na maioria dos casos, acredita-se que o pe-
ças de base que acarretem alto risco de doença gra- ríodo de incubação seja de 30 a 50 dias.
ve ou com doença grave. Como o aerossol de A transmissão pode ocorrer por transfusão de
ribavirina pode precipitar, em equipo do ventila- hemoderivados, mas ocorre muito mais por conta-
dor, devem ser adotadas precauções (como uso de to orofaríngeo (beijo) entre uma pessoa não infecta-
filtros e válvulas unidirecionais). Lactentes rece- da e um portador saudável de EBV que está disse-
bendo ventilação mecânica devem ser tratados com minando o vírus assintomaticamente, a partir da
ribavirina apenas em centros com experiência na orofaringe. A transmissão, no início da infância,
sua utilização. acontece com maior freqüência em grupos com si-
tuação socioeconômica mais baixa e em condições
de aglomeração.
MONONUCLEOSE INFECCIOSA O EBV também está associado ao linfoma de
Burkitt africano (ver Cap. 139), a certas neoplasias
É uma doença aguda causada pelo vírus Epstein- Barr, de células B em pacientes imunocomprometidos (es-
caracterizada por febre, faringite e linfadenopatia. pecialmente com transplantes de órgãos, infecção por
HIV ou ataxia-telangiectasia) e carcinoma de naso-
Etiologia e fisiopatologia faringe (ver Cap. 87). Essas associações são basea-
O vírus Epstein-Barr (EBV) é um herpesvírus das em evidência sorológica de atividade de EBV
ubíquo, com hospedeiros limitados principalmen- aumentada e na demonstração de antígenos nuclea-
te a linfócitos B e células da nasofaringe do ho- res de EBV (EBNA) e DNA em biópsias de tumores.
mem e certos primatas não humanos. Depois da Foi postulado que o EBV desempenha um papel em
replicação inicial na nasofaringe, o vírus infecta certos linfomas de células B, transformando e esti-
linfócitos B, que são induzidos a secretar imuno- mulando de forma policlonal os linfócitos B, fazendo
globulina. Essas imunoglobulinas incluem anticor- com que sejam mais suscetíveis à translocação cro-
pos denominados anticorpos heterófilos, que são mossômica subseqüente e evolução de linfoprolife-
úteis para o diagnóstico (ver Achados Laborato- ração oligo ou monoclonal.
riais e Diagnóstico, adiante). Nos últimos anos, muitos pesquisadores identi-
Os linfócitos B transformados pelo EBV são o ficaram pacientes com síndrome da fadiga crôni-
alvo de resposta imunológica multifacetada. A res- ca, uma doença caracterizada por fadiga, disfun-

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2316 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

ção cognitiva leve e, em alguns casos, febre baixa Esplenomegalia, observada em quase 50% dos
e linfadenopatia (ver também Cap. 287). Conquan- casos, é máxima durante a 2ª e 3ª semanas e fica
to alguns tenham especulado sobre o papel do restrita a uma ponta de baço palpável imediatamente
EBV na patogênese da síndrome da fadiga crôni- abaixo da borda costal esquerda. Hepatomegalia
ca, pouca evidência objetiva apóia tal hipótese. discreta e dor à percussão do fígado podem tam-
Por isso, estudos sorológicos específicos para EBV bém ser encontradas. Achados menos freqüentes
não estão indicados para avaliação de sintomas incluem erupções maculopapulares, icterícia, ede-
restritos à fadiga. ma periorbitário e enantema em palato.
Relatos de casos ocasionais apoiaram uma as-
sociação entre infecção crônica por EBV e uma sín- Complicações
drome de febre, pneumonite intersticial, pancito- Embora a maioria dos casos se resolva sem inter-
penia e uveíte. Esses pacientes devem ser diferen- corrências, as complicações podem ser importantes.
ciados daqueles com síndrome da fadiga crônica, Complicações do SNC incluem encefalite, con-
sem sintomas ou sinais objetivos. vulsões, síndrome de Guillain-Barré, neuropatia
periférica, meningite asséptica, mielite, paralisias
Epidemiologia de pares cranianos e psicose. A encefalite associa-
Aproximadamente 50% das crianças já apresen- da com EBV pode se apresentar com manifesta-
taram infecção primária por EBV com cinco anos ções cerebelares ou pode ser global e rapidamente
de idade. Na maioria, a infecção é subclínica. Em progressiva, simulando encefalite por herpes sim-
adolescentes ou adultos, pode ser subclínica ou ples. Ao contrário desta última, a encefalite asso-
identificada como mononucleose infecciosa. Em ciada a EBV em geral é autolimitada.
estudos prospectivos de estudantes universitários, Complicações hematológicas são autolimitadas
a infecção primária por EBV foi identificada como e não precisam de tratamento específico. Com-
mononucleose infecciosa em 30 a 70% dos casos preendem granulocitopenia, trombocitopenia e ane-
de soroconversão, mas em estudos similares entre mia hemolítica. Granulocitopenia ou trombocito-
voluntários do “Peace Corps” e recrutas militares, penia discretas são observadas transitoriamente em
a infecção não foi clinicamente aparente em até torno de 50% dos pacientes; casos graves, associa-
90% dos casos. Mesmo quando a infecção por EBV dos com infecção bacteriana ou sangramento, ocor-
é retardada na vida adulta, pode provocar os sinto- rem com menor freqüência. A anemia hemolítica é
mas típicos de mononucleose infecciosa. devida a anticorpos de especificidade anti-i. A rup-
tura esplênica, que requer esplenectomia, pode re-
Sintomas e sinais sultar de esplenomegalia e edema capsular. Mesmo
Uma tétrade de fadiga, febre, faringite e linfa- que a maioria dos pacientes note dor abdominal, a
denopatia é comum; no entanto, os pacientes po- ruptura esplênica é indolor e os pacientes podem se
dem portar todos ou apenas alguns desses sinto- apresentar com hipotensão. Uma história de trauma
mas. Geralmente, um paciente se apresenta com está presente em apenas metade dos casos.
mal-estar durante vários dias, até uma semana, Complicações pulmonares envolvem obstrução
seguido por febre, faringite e adenopatia. Fadiga das vias aéreas ou infiltrado pulmonar intersticial.
é geralmente máxima nas primeiras 2 a 3 sema- A obstrução das vias aéreas por linfadenopatia de
nas. A febre costuma ser máxima à tarde ou no faringe ou paratraqueal é uma indicação para inter-
início da noite, com temperatura em torno de nação e possível intervenção cirúrgica se os corti-
39,5°C (103°F), embora possa atingir 40,5°C costeróides não puderem controlar o processo. Infil-
(105°F). Quando fadiga e febre predominam (a trados pulmonares intersticiais são mais descritos em
assim chamada forma tifóide), o início e a reso- pacientes pediátricos, são observados em radiogra-
lução podem ser muito mais lentos. A faringite fias e permanecem clinicamente silenciosos.
pode ser intensa, dolorosa e exsudativa e pode Complicações hepáticas são indicadas por al-
lembrar faringite estreptocócica. Linfadenopatia terações em provas de função hepática. Níveis ele-
pode comprometer qualquer grupo de linfono- vados de enzimas hepatocelulares (aproximada-
dos, mas costuma ser simétrica; a adenopatia mente 2 a 3 vezes o normal, voltando ao basal em
cervical anterior e posterior é freqüentemente 3 a 4 semanas) ocorrem em ao redor de 95% dos
proeminente. O aumento de um linfonodo ou casos. Se houver icterícia ou elevações mais in-
grupo de linfonodos pode ser a única manifesta- tensas das enzimas, outras causas de hepatite de-
ção; nesses casos, estudos de anticorpos hetero- vem ser pesquisadas.
fílicos podem evitar a necessidade de uma biópsia Infecção muito grave por EBV aparece espo-
de linfonodos ou ajudar a interpretar achados radicamente, mas pode haver uma história familiar.
histopatológicos preocupantes. Em particular, a síndrome linfoproliferativa ligada

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2317

ao X (síndrome de Duncan) foi delineada em mui- o conhecimento de quando aparecem em relação à


tas famílias (ver também Cap. 147). Nessas famíli- infecção primária por EBV. Anticorpos EBV-VCA
as, a infecção primária por EBV pode estar asso- costumam surgir durante o período de incubação.
ciada com linfoproliferação descontrolada, anemia Anticorpos IgG contra VCA persistem durante toda
aplástica ou hipogamaglobulinemia. a vida em títulos suficientemente elevados para que
a detecção desses anticorpos não ajude a determi-
Achados laboratoriais e diagnóstico nar se um paciente está com uma infecção primá-
Conquanto a síndrome clínica de mononucleo- ria por EBV ou com outra doença e uma infecção
se infecciosa e seu contexto epidemiológico possa prévia por EBV. No entanto, anticorpos IgM para
ser tão característica que o diagnóstico pareça evi- VCA estão presentes em todos os pacientes com
dente, existe uma superposição suficiente com ou- infecção primária por EBV e desaparecem 2 a 3
tras doenças para merecer exames laboratoriais. meses depois da recuperação; portanto, a demons-
Na maioria dos pacientes, verifica-se leucocito- tração desses anticorpos é diagnóstica de infecção
se discreta, geralmente acompanhada por linfoci- primária por EBV. Como alguns laboratórios par-
tose mais acentuada, relativa e absoluta, resultan- ticulares não podem realizar ensaios de anticorpos
do de linfócitos reativos morfologicamente atípi- IgM para VCA, a consulta a um laboratório de re-
cos em diversos graus. Linfócitos atípicos podem ferência pode ser útil se o diagnóstico for duvido-
estar ausentes ou podem ser responsáveis por até so. Anticorpos contra antígenos precoces de duas
80% do diferencial dos leucócitos. Linfócitos indi- especificidades (difusa e restrita) são denominados
viduais podem exibir características morfológicas anti-EAD e anti-EAR, respectivamente. Anticorpos
tão bizarras que pode haver suspeita de doença he- anti-EAD são encontrados em mais ou menos 70%
matológica maligna. No entanto, a heterogeneidade dos adolescentes e adultos com mononucleose in-
de tais linfócitos atípicos diferencia a infecção por fecciosa e estão associados com manifestações clí-
EBV da leucemia, que apresenta linfócitos atípi- nicas mais intensas e com carcinoma de nasofarin-
cos morfologicamente mais homogêneos. ge. Anticorpos anti-EAR são menos comuns e estão
Anticorpos heterófilos são direcionados con- associados com o linfoma de Burkitt africano. Anti-
tra antígenos em eritrócitos obtidos de carneiros, corpos contra EBNA aparecem mais tardiamente na
cavalos e bovinos. Esses anticorpos podem ser de- infecção primária por EBV do que anticorpos anti-
tectados em apenas 50% dos pacientes < 5 anos, VCA e, portanto, podem ser mais facilmente detec-
mas em 90% dos adolescentes e adultos com in- táveis do que anticorpos IgM para VCA.
fecção primária por EBV. O título heterófilo em
tubo padrão, no qual o soro é pré-absorvido por Diagnóstico diferencial
antígenos de rim de cobaia (Forssman), é menos A faringite, linfadenopatia e febre podem ser
sensível, mais trabalhoso e de pouco valor diag- clinicamente indistinguíveis das provocadas por es-
nóstico adicional em comparação com a ampla va- treptococos β-hemolíticos do Grupo A; no entan-
riedade de testes de aglutinação em placa (mono- to, a detecção desses microrganismos na orofaringe
spot) comercialmente disponíveis. O título e preva-
lência de anticorpos heterófilos sobem durante a 2ª não exclui mononucleose infecciosa. Quando os an-
e 3ª semanas de doença. Por isso, se houver forte ticorpos heterófilos estiverem ausentes, a síndro-
suspeita do diagnóstico em bases clínicas, mas o teste me de mononucleose pode ser devida a citomega-
de anticorpos heterófilos for negativo, a repetição lovírus (CMV). Embora CMV tenha menor proba-
do teste depois de 7 a 10 dias dos sintomas é razoá- bilidade de provocar faringite intensa, pode ocasi-
vel. Anticorpos heterófilos podem persistir durante onar linfocitose atípica, bem como hepatoespleno-
6 a 12 meses depois da recuperação da doença. megalia e hepatite. O diagnóstico de infecção pri-
Os anticorpos heterófilos geralmente podem ser mária por CMV depende da demonstração de anti-
demonstrados quando os pacientes desenvolvem corpos IgM anti-CMV ou isolamento do vírus no
sintomas e se mostram com infecção primária por sangue periférico (ver INFECÇÃO POR CITOMEGA-
EBV; eles também podem ser usados para diagnós- LOVÍRUS, em INFECÇÕES POR HERPESVÍRUS, no
tico. Se uma síndrome clínica típica for acompa- Cap. 162). Toxoplasma gondii, hepatite B ou rubé-
nhada por anticorpos heterófilos detectáveis, estu- ola e linfócitos atípicos associados a reações ad-
dos sorológicos específicos para EBV não estão versas a drogas também podem provocar mononu-
indicados. No entanto, em crianças ≤ 4 anos, nas cleose heterófilo-negativa. A doença semelhante à
quais os anticorpos heterófilos podem nunca ser mononucleose também foi observada com infec-
detectáveis, os anticorpos contra o antígeno do ção primária por HIV. Na maioria desses casos,
capsídeo viral do EBV (VCA) são úteis. O uso apro- outras características clínicas ajudam a estabelecer
priado de anticorpos específicos contra EBV requer o diagnóstico correto.

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2318 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Prognóstico e tratamento seu uso em casos não complicados. Sua utilidade


A mononucleose infecciosa em geral é autoli- em pacientes com infecção muito grave ou síndro-
mitada. A duração da doença varia; a fase aguda mes linfoproliferativas de células B associadas a
dura aproximadamente 2 semanas. Em torno de transplante não foi estabelecida.
20% dos pacientes podem retornar à escola ou ao
trabalho em 1 semana e 50% em 2 semanas. Os DOENÇAS CAUSADAS
pacientes podem retomar suas atividades habituais POR ENTEROVÍRUS
a partir de então, mas podem sentir que a resolução
plena da fadiga ainda demora várias semanas. Em É um grupo de doenças causadas por enterovírus
apenas 1 a 2% dos casos, a fadiga dura meses. O (pólio, coxsackie e echovírus).
óbito ocorre em < 1% dos casos, principalmente Os enterovírus são ligados taxonomicamente
devido a complicações da infecção primária por aos rinovírus (ver TABELA 265.10 e RESFRIADO
EBV (tais como encefalite, ruptura esplênica, obs- COMUM, no Cap. 162) como subgrupos da famí-
trução de vias aéreas). lia Picornaviridae (pico, pequeno); RNA é seu
O tratamento é, em grande parte, de suporte. A componente de ácido nucleico característico). Os
menos que surjam complicações, estudos laborato- enterovírus incluem poliovírus, coxsackievírus,
riais adicionais não costumam ser necessários, por- echovírus e enterovírus dos Tipos 68 a 71 (cujas
que a recuperação não está correlacionada com a características de crescimento e hospedeiro se
persistência ou o título de anticorpos heterófilos, a superpõem, de forma variável, aos coxsackieví-
presença de linfócitos atípicos no sangue periférico rus e echovírus).
ou elevação das enzimas hepatocelulares. Os pacien- Os coxsackievírus e os echovírus (e de enteric,
tes devem ser estimulados a repousar durante a fase c de cytopathic, h de human e o de orphan) são
aguda, mas devem ser rapidamente mobilizados antigenicamente heterogêneos. Foram isolados de
quando desaparecerem febre, faringite e mal-estar. secreções orais, fezes, sangue e LCR e apresentam
Por causa do risco de ruptura esplênica, o levanta- ampla distribuição geográfica. Lembram os
mento de peso e esportes de contato devem ser evi- poliovírus em tamanho, resistência a agentes físi-
tados por 2 meses depois da apresentação, mesmo cos e químicos, prevalência durante o verão e ou-
se não houver esplenomegalia evidente. tono e, principalmente, pela disseminação de pes-
Em decorrência da rara associação entre EBV e soa para pessoa. Enterovírus provocam várias sín-
síndrome de Reye, o acetaminofenol é preferível à dromes (ver TABELA 265.11).
aspirina como analgésico e antipirético. Corticos-
teróides demonstraram acelerar a defervescência e Poliomielite
aliviar a faringite, mas devem ser usados apenas (Paralisia Infantil; Poliomielite Anterior Aguda)
para tratar complicações específicas, como obstru-
ção iminente das vias aéreas. Sua eficácia no trata- É uma infecção viral aguda, causada por polio-
mento de trombocitopenia e anemia hemolítica está vírus, produzindo doença menor inespecífica,
menos estabelecida. Aciclovir oral ou IV reduz a meningite asséptica (poliomielite não paralíti-
ca) e paresia flácida de vários grupos muscula-
disseminação do EBV pela orofaringe, mas não res (poliomielite paralítica).
existe nenhuma evidência convincente que indique
Etiologia e epidemiologia
TABELA 265.10 – CLASSIFICAÇÃO DOS O poliovírus é pequeno (22 a 30nm), genoma
ENTEROVÍRUS E RINOVÍRUS HUMANOS com RNA de cadeia única, sem envelope. Dos três
Grupo Subgrupo (sorotipo) sorotipos imunologicamente distintos de poliovírus,
o Tipo 1 é o mais paralitogênico e a causa mais
Enterovírus Poliovírus 1 a 3 comum de epidemias.
Coxsackievírus A1 a 22, 24 O homem é o único hospedeiro natural dos
Coxsackievírus B1 a 6 poliovírus. A infecção ocorre por contato direto e é
Echovírus 2 a 9, 11 a 27, 29 a 34 altamente contagiosa. Infecções inaparentes (a
Enterovírus 68 a 71 maior fonte de disseminação) são comuns em po-
pulações não imunizadas, mas doença clinicamen-
Rinovírus 1 a 100 te evidente é rara; mesmo em epidemias, a propor-
Adaptado a partir de G Mandell, J Bennett e R Dolin: ção de infecções inaparentes para casos clínicos é
Principles of Infectious Diseases, 4ª ed., Churchill > 100:1. A doença paralítica foi considerada inco-
Livingstone, 1995. mum em países em desenvolvimento (principal-

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2319

TABELA 265.11 – SÍNDROMES CAUSADAS POR ENTEROVÍRUS


Síndrome Sorotipos mais freqüentemente envolvidos Comentários

Herpangina Coxsackievírus A2, 4 – 6, 8, 10; provavel- Mais comum em lactentes e crianças;


mente coxsackievírus 3 e outros lesões faríngeas e no palato
Doença de mão, pé e boca Coxsackievírus A16, enterovírus 71 Mais comum em crianças pequenas; erup-
ção cutânea vesicular geralmente bre-
ve e benigna
Pleurodinia epidêmica Coxsackievírus B1 – 6 Mais comum em crianças, mas qualquer
(doença de Bornholm) grupo etário pode ser afetado
Meningite asséptica Coxsackievírus A2, 4, 7, 9, 23 e outros e Mais comum em lactentes e crianças;
B1 – 6; poliovírus 1 – 3; echovírus 4, 6 evolução geralmente benigna
e menos comumente outros
Paralisia Poliovírus 1 – 3; coxsackievírus A7 e outros; Pode ocorrer paresia leve transitória com
echovírus 4, 6 e outros; enterovírus 71 meningite asséptica em qualquer ida-
de; crianças pequenas geralmente têm
a doença mais leve
Miocardite Coxsackievírus B1 – 5; echovírus A4, 14, Pode ocorrer em qualquer idade; miocar-
16; echovírus 1, 6, 9, 19 dite do neonato tem alta mortalidade
Pericardite Coxsackievírus A23 e B1 – 5; echovírus Pode ocorrer em qualquer idade
1, 6, 8 e 16
Erupções cutâneas
Apenas com febre Coxsackievírus A23 e B2, 3 e 5, coxsa- Evolução geralmente benigna
ckievírus A4 – 6, 9 e 16 também impli-
cados; echovírus 4, echovírus 2, 6, 9,
11, 14, 16, 18 e 30 também implicados
Com meningite assép- Coxsackievírus A16 e 23 e B4; echovírus Evolução geralmente benigna
tica 4 e 16; enterovírus 71
Doença respiratória Echovírus 4, 8, 11, 20 e outros; coxsa- Mais comum em lactentes e crianças; evo-
ckievírus A21 e 23 e B1 e 3 – 5; poliovírus lução geralmente leve
1–3
Diarréia Echovírus 6, 14 e 18 comprovaram-se como Provavelmente mais importante em re-
causa em recém-nascidos; muitos ou- cém-nascidos ou prematuros
tros enterovírus são suspeitos em caso
de imunocomprometimento
Conjuntivite Enterovírus 70; coxsackievírus A24; Surtos de conjuntivite hemorrágica mais
echovírus 7 comum com o enterovírus 70; casos
inaparentes ou leves são mais prová-
veis em crianças

mente tropicais), mas antes da introdução das va- nuam suscetíveis e têm havido epidemias de ve-
cinas a incidência era tão alta quanto nos anos de rão, envolvendo faixas etárias cada vez mais altas.
pico nos EUA. Em tais áreas, onde o saneamento e O uso intenso de vacinas quase eliminou a doença
a higiene são precários, a circulação do vírus é ex- nos países desenvolvidos. A poliomielite pode ser
tensiva e ocorre o ano todo; infecção e imunidade logo erradicada de todo o mundo.
são adquiridas nos primeiros anos de vida; não há
epidemias e > 90% dos casos paralíticos estão res- Patologia e patogênese
tritos a crianças < 5 anos. Em contraste, como sa- O vírus penetra pela boca e a multiplicação pri-
neamento e higiene melhoram em países economi- mária se dá nos tecidos linfóides na orofaringe e
camente desenvolvidos, a infecção é mais tardia; no trato gastrointestinal, principalmente no íleo.
muitas crianças mais velhas e adultos jovens conti- Pequenas quantidades do vírus alcançam o sangue

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2320 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

e são levadas a outros locais do sistema reticuloen- respiratórios da medula e paralisia dos músculos
dotelial, onde acontece intensa multiplicação. inervados por nervos cranianos. Disfagia, regur-
Viremia secundária é seguida por invasão do SNC. gitação nasal e voz anasalada são sinais preco-
Em algumas circunstâncias, o vírus também alcan- ces de envolvimento bulbar. Sinais encefalíticos
ça o SNC através de terminações de fibras nervo- ocasionalmente predominam. A glicose do LCR
sas autônomas no trato alimentar. O agente está é normal, a proteína pouco elevada e a contagem
presente na garganta e nas fezes durante o período de células varia de 10 a 300 células/µL (predo-
de incubação e, após o início, persiste nos lavados minantemente linfócitos). A contagem de leucó-
de orofaringe por 1 a 2 semanas e, nas fezes, por ≥ citos periféricos pode estar normal ou modera-
3 a 6 semanas. A viremia dura alguns dias, mas damente aumentada.
desaparece no começo dos sintomas, quando os
anticorpos já se desenvolveram. Diagnóstico
A medula espinhal e o cérebro são os únicos lo- Paralisia flácida assimétrica de membros ou pa-
cais de patologia significativa induzida pelo vírus. ralisias bulbares sem perda sensitiva durante uma
Os neurônios motores do corno anterior da medula doença febril aguda em criança ou adulto jovem
espinhal, do bulbo e certas outras partes do cére- quase sempre indica poliomielite, embora certos
bro, incluindo o cerebelo e o córtex motor, estão coxsackievírus dos Grupos A e B (especialmente
envolvidos. O dano dos neurônios pelo vírus, o A7), vários echovírus e enterovírus do Tipo 71 pos-
evento primário, desencadeia uma intensa reação sam produzir fraqueza ou paralisia muscular clini-
inflamatória e, eventualmente, neuroniofagia. O camente indistinguíveis da poliomielite paralítica.
local e a gravidade da paralisia são determinados Na síndrome de Guillain-Barré (ver Cap. 183), com
pela distribuição das lesões neuronais. Os fatores freqüência confundida com poliomielite paralítica,
predisponentes ao dano neurológico grave englo- em geral não há febre, a fraqueza muscular é simé-
bam aumento da faixa etária (em toda a vida), trica, alterações sensitivas estão caracteristicamente
tonsilectomia recente, vacinações (mais freqüen- presentes em 70% dos casos e a proteína SNC está
temente DTP), gestação e esforço físico concomi- mais elevada na presença de uma contagem nor-
tante com o início da fase de SNC. mal de células. O envolvimento de SNC por ca-
xumba ou herpesvírus, meningite tuberculosa ou
Sintomas e sinais abscesso cerebral devem também ser considerados
As formas clínicas variam, mas os dois padrões e, em certas áreas geográficas, meningoencefalite
básicos são a doença menor (tipo abortivo) e a do- por arbovírus. A poliomielite não paralítica não
ença maior (paralítica ou não paralítica). pode ser diferenciada clinicamente da meningite
A poliomielite menor, responsável por 80 a 90% asséptica por outros agentes; o isolamento do vírus
das infecções clínicas, ocorre principalmente em crian- de garganta e/ou fezes, ou demonstração de aumen-
ças pequenas, é leve e não compromete o SNC. Os to dos anticorpos específicos é necessária para con-
sintomas são febre baixa, mal-estar, cefaléia, dor de firmar o diagnóstico.
garganta e vômitos, que se desenvolvem 3 a 5 dias
após a exposição. A recuperação se dá em 24 a 72h. Prognóstico
Os sintomas da poliomielite maior podem apa- Nas formas menor e não paralítica, a recupera-
recer após vários dias de bem-estar depois de uma ção é completa. Na poliomielite paralítica, < 25%
doença menor, porém é mais usual não serem pre- dos pacientes sofrem comprometimento grave per-
cedidos por uma doença menor, particularmente em manente; cerca de 25% têm comprometimento mo-
crianças mais velhas e adultos. A incubação costu- derado e > 50% se recuperam sem paralisia residu-
ma ser de 7 a 14 dias, raramente maior. Febre, ce- al. A maior recuperação da função muscular ocor-
faléia intensa, rigidez de nuca e dorso, dor muscu- re nos primeiros 6 meses, mas a melhora pode con-
lar profunda e, às vezes, hiperestesias e parestesias tinuar por 2 anos. A mortalidade é de 1 a 4%, mas
podem estar presentes. Durante a mielite ativa, re- pode alcançar 10% em adultos ou naqueles com
tenção urinária e espasmos musculares são comuns. doença bulbar.
Pode não haver mais progressão a partir deste pon- A síndrome pós-poliomielite, caracterizada por
to, mas a perda de determinados reflexos profun- fadiga muscular e tolerância diminuída, freqüente-
dos e fraqueza assimétrica ou paralisia de grupos mente acompanhada por fraqueza, fasciculações e
musculares podem se desenvolver, dependendo da atrofia dos músculos selecionados, pode surgir vá-
localização das lesões na medula ou no bulbo. Pode rios anos depois de um episódio de poliomielite
resultar insuficiência respiratória do envolvimento paralítica, afetando particularmente os idosos e
da medula espinhal, provocando paralisia de mús- aqueles pacientes com um comprometimento ini-
culos respiratórios ou de lesão viral nos centros cial mais grave. A causa pode estar relacionada com

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2321

perda ulterior de células do corno anterior, por causa formação de cálculos de fosfato de cálcio. A fisio-
do envelhecimento em população de neurônios já terapia é a parte mais importante do tratamento na
depletada pela infecção inicial por poliovírus. convalescença.
A respiração artificial é o tratamento para os dois
Profilaxia tipos. Drenagem postural e aspiração devem ser ins-
Todos os lactentes e crianças devem ser imuni- tituídas em pacientes com fraqueza da musculatura
zados (ver IMUNIZAÇÕES NA INFÂNCIA, no Cap. de faringe, dificuldade na deglutição, incapacidade
256) com vacina Sabin, vacina oral contra polio- de tossir e represamento de secreções broncotraqueais.
vírus (OPV) de vírus vivo atenuado ou vacina ina- A intubação ou traqueostomia quase sempre são ne-
tivada contra poliovírus (IPV) Salk, sendo esta úl- cessárias para manter livres as vias aéreas. A atelec-
tima disponível agora em uma forma reforçada, que tasia pulmonar é comum e a broncoscopia e aspira-
evoca resposta mais potente de anticorpos quando ção costumam ser necessárias. Para maiores detalhes
administrada em série de injeções com reforços pe- sobre terapia intensiva respiratória, ver Capítulo 66.
riódicos. OPV e IPV induzem anticorpos circulan- Antimicrobianos não são recomendados, a menos que
tes, mas OPV também induz resistência em trato haja infecção bacteriana.
alimentar associada à produção de anticorpos se-
cretores locais (IgA), que bloqueia a implantação Herpangina
do vírus. Muito raramente, a OPV está associada É uma doença aguda infecciosa febril causada
com poliomielite paralítica. OPV é contra-indica-
da para pacientes imunodeficientes, que devem re- por numerosos coxsackievírus do Grupo A e, oca-
ceber IPV e para famílias com um membro imuno- sionalmente, outros enterovírus e caracterizada por
deficiente, pela possibilidade de infecção por con- lesões mucosas vesículo-ulcerativas.
tato com os vacinados que excretam o vírus. De A herpangina tende a ocorrer em epidemias,
1980 a 1994, 124 casos de poliomielite paralítica mais comumente em lactentes e crianças, caracte-
associada à vacina foram notificados: 39% ocorre- rizada pelo início súbito de febre com dor de
ram em comunicantes saudáveis (na maioria, adul- garganta, cefaléia, anorexia e, com freqüência,
tos) de vacinados; 24% em vacinados e comuni- dores no pescoço, abdome e extremidades. Vô-
cantes de vacinados com sistemas imunes anormais mitos e convulsões podem acometer lactentes.
e os restantes em pessoas sem contato conhecido Dois dias após o início, aparecem algumas le-
com um vacinado. Em virtude dos casos raros, mas sões (raramente > 12), pequenas (1 a 2mm de
possivelmente evitáveis de poliomielite associada diâmetro), acinzentadas, papulovesiculares com
à vacina, nos EUA, a “American Academy of aréolas eritematosas, mais corrente nos pilares
Pediatrics” recomenda três opções: o esquema tra- tonsilares, mas também no palato mole, amígda-
dicional (OPV administrada aos 2 meses, 4 meses, las, úvula ou língua. Durante as 24h seguintes,
6 a 18 meses e um reforço aos 4 a 6 anos); um as lesões tornam-se úlceras rasas, raramente
esquema exclusivamente com poliovírus inativado > 5mm de diâmetro, que se curam em 1 a 5 dias.
(IPV administrada aos 2, 3 a 4 e 9 a 16 meses e As complicações são incomuns e o paciente está
uma dose de reforço aos 4 a 6 anos) e um esquema assintomático no 7º dia. Imunidade permanente
seqüencial (IPV administrada aos 2 e 4 meses, se- para a cepa infectante segue a infecção, mas são
guida por OPV aos 12 a 18 meses e aos 4 a 6 anos). possíveis episódios repetidos, causados por ou-
A vacinação primária em adultos não é rotineira- tros vírus do Grupo A.
mente recomendada nos EUA. No entanto, adultos O diagnóstico se baseia nos sintomas e lesões
não imunizados, viajando para áreas endêmicas ou orais característicos. É melhor confirmado pelo
epidêmicas, devem receber pelo menos uma dose isolamento do vírus nas lesões ou pela demons-
de IPV ou OPV trivalente. tração de aumento no título específico de anti-
corpos, mas esses exames não são recomenda-
Tratamento dos como rotina. O diagnóstico diferencial inclui
A terapia é sintomática. Pacientes com polio- estomatite herpética (que ocorre em qualquer es-
mielite menor ou não paralítica leve necessitam ape- tação e apresenta úlceras grandes e mais persis-
nas de repouso no leito por alguns dias. Analgési- tentes), aftas recorrentes e aftas de Bednar (que
cos e antipiréticos podem ser úteis. raramente aparecem na faringe e não estão asso-
Durante a mielite ativa, está indicado repouso ciadas com sintomas sistêmicos). O coxsackieví-
numa cama firme (com apoio nos pés, para evitar rus A10 provoca doença semelhante (faringite
pé caído). ITU por alteração da mobilidade do tra- linfoglandular), mas as lesões orais e da faringe
to urinário deve ser tratada com um antibiótico ade- são elevadas, com nódulos esbranquiçados a ama-
quado e alta ingestão de líquidos ajuda a evitar a relados. O tratamento é sintomático.

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2322 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Doença de mão, pé e boca (Ver ENCEFALITE POR ARBOVÍRUS, no Cap. 162


É uma doença infecciosa aguda febril geralmente pro- e ENCEFALITE VIRAL AGUDA e MENINGITE ASSÉP-
TICA, no Cap. 176.)
vocada pelo coxsackievírus A16 e caracterizada
por um exantema vesicular da pele e mucosas. O início, com cefaléia, dor e rigidez de nuca e
dores nas costas e musculares, pode ser abrupto ou
A doença ocorre particularmente entre crianças precedido de febre prodrômica, mal-estar, anore-
pequenas. A evolução é semelhante à da herpangina, xia e vômitos. Os sinais de Kernig e Brudzinski
mas um enantema vesicular se distribui na mucosa geralmente são positivos. Os sintomas cedem ao
da boca e palato, com lesões similares nas mãos e fim de uma semana, mas fadiga e irritabilidade
nos pés e, ocasionalmente, na área da fralda. O tra- podem persistir por meses. Os achados no LCR
tamento é sintomático. consistem de níveis de proteína normal ou pouco
elevada, nível normal de glicose e contagem de
Pleurodinia epidêmica células geralmente < 500/µL; neutrófilos podem
(Doença de Bornholm) predominar nos estádios iniciais, mas os linfócitos
são mais comuns em 1 ou 2 dias. Sinais encefalíticos
É uma doença infecciosa aguda febril provocada ocasionais desenvolvem-se e podem ser graves.
por um coxsackievírus do Grupo B e caracteri- A meningite por coxsackie ou echovírus é im-
zada por dor epigástrica ou torácica intensa. possível de se diferenciar clinicamente de outras
A pleurodinia epidêmica pode ocorrer em qual- meningites virais durante os estágios agudos. Às
quer idade, mas é mais comum em crianças. É carac- vezes, o paciente apresenta hipoglicorraquia do
terizada pelo início súbito de dor intensa, intermiten- LCR, além de predominância de neutrófilos, suge-
te, com freqüência do tipo pleurítica, no epigástrio ou rindo meningite bacteriana. Uma erupção cutânea
porção inferior do tórax, com febre e cefaléia, dor de petequial associada complica o diagnóstico. Este é
garganta e mal-estar. Pode haver sensibilidade local, feito pelo isolamento do vírus na garganta, amos-
hiperestesia, edema muscular e mialgias do tronco e tras de fezes ou LCR.
extremidades. A doença costuma ceder em 2 a 4 dias, O prognóstico em geral é bom, mas a morte pode
mas pode haver recaída em alguns dias e os sintomas atingir recém-nascidos. Pacientes com agamaglo-
podem recorrer por várias semanas. Em alguns ca- bulinemia podem desenvolver meningite enteroviral
sos, os sintomas continuam por algumas semanas. crônica. O tratamento é de suporte. Novas drogas
Até 5% dos casos são complicados por meningite antivirais estão sendo investigadas.
asséptica, orquite e, menos comumente, pleurite fi-
brinosa e pericardite. Miocardite e pericardite
O diagnóstico é óbvio durante uma epidemia.
Contudo, em casos esporádicos ou nos estágios A miocardite, causada pelo coxsackievírus do
iniciais da epidemia, a doença pode ser confun- Grupo B e alguns echovírus, ocorre em recém-nas-
dida com pneumotórax espontâneo, apendicite cidos infectados após o parto (raramente no útero).
aguda, pancreatite, costocondrite, víscera perfu- A miocardite e pericardite em crianças maiores e
rada, infecção respiratória semelhante à influen- adultos podem ser devidas a um coxsackievírus do
za ou infarto do miocárdio. O diagnóstico labo- Grupo B e, poucas vezes, a um coxsackievírus
ratorial consiste no isolamento do vírus da gar- do Grupo A ou echovírus.
ganta ou fezes ou demonstração de aumento no Em recém-nascidos, alguns dias de bom estado são
título de anticorpos neutralizantes específicos. seguidos por início de febre, dificuldade para alimen-
O prognóstico é bom em casos não complicados, tação, faringite, taquicardia, cianose e taquipnéia; fre-
embora algumas mortes tenham sido relatadas. In- qüentemente há sopros cardíacos associados e hepa-
fecções repetidas com outros coxsackievírus do Gru- tomegalia. O ECG pode mostrar sinais de miocardi-
po B são possíveis. O tratamento é sintomático. te. Lesões do SNC, hepáticas, pancreáticas ou adre-
nais também podem estar presentes. A recuperação
Meningite asséptica pode se dar em algumas semanas, mas a morte por
colapso circulatório não é incomum. Em crianças
É uma inflamação febril das meninges, caracteri- maiores e adultos, os sintomas e sinais costumam ser
zada por ausência de bactérias ao exame mi- localizados no miocárdio ou pericárdio e a recupera-
croscópico e cultura e freqüentemente provoca- ção completa é habitual.
da por um coxsackievírus dos Grupos A ou B ou O diagnóstico é feito pelo isolamento do vírus
um echovírus, em lactentes ou crianças peque- ou estudo de títulos de anticorpos. A análise de rea-
nas e por outros vírus que não os enterovírus, ção em cadeia da polimerase tem sido usada para
em crianças mais velhas e adultos. detectar DNA viral em amostras de biópsias. O tra-

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2323

tamento é sintomático, incluindo repouso absoluto ças semelhantes à poliomielite tenham sido relata-
no leito e controle da insuficiência cardíaca e arrit- dos. A recuperação usualmente é completa, após 1
mias. Os corticosteróides não são benéficos. Trata- ou 2 semanas. O tratamento é sintomático.
mentos direcionados à imunomodulação (por exem-
plo, imunoglobulina IV, interleucina-12, anticorpos Conjuntivite não
monoclonais), drogas que reduzem a lesão oxidati-
va e novas drogas antivirais estão sendo avaliados. hemorrágica aguda
A conjuntivite sem manifestações hemorrágicas
Exantema pode ser provocada por algumas cepas de coxsa-
ckievírus A24 e echovírus 7. Surtos de conjuntivite
Alguns echo e coxsackievírus podem causar uma eclodiram no sudeste asiático e em todo o mundo.
erupção cutânea epidêmica (ocasionalmente espo- A hemorragia subconjuntival é rara. A recupera-
rádica), em particular em lactentes e crianças. O ção completa se dá em 1 a 2 semanas. Seqüelas
exantema é discreto, não pruriginoso, não des- neurológicas são muito menos comuns do que na
camativo e restrito à face, ao pescoço e peito. Às conjuntivite hemorrágica aguda.
vezes, é maculopapular ou morbiliforme, ocasio-
nalmente hemorrágico, petequial ou vesicular. Fe-
bre é comum. Meningite asséptica pode desenvol- INFECÇÃO PELO VÍRUS DA
ver-se. A evolução costuma ser benigna. IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA
EM CRIANÇAS
Doença respiratória
É uma infecção provocada por um de dois retrovírus
Enterovírus têm sido implicados em algumas relacionados (HIV-1 e HIV-2), levando à dete-
doenças respiratórias de crianças e lactentes, ca- rioração imunológica progressiva e associada
racterizadas por febre, coriza e faringite, às vezes a infecções e doenças malignas oportunistas; o
com diarréia e vômitos. Bronquite e pneumonia estágio final é a síndrome da imunodeficiência
intersticial têm ocorrido, ocasionalmente, em lac- adquirida (AIDS).
tentes. O tratamento é sintomático (ver RESFRIA- (Ver também Cap. 163.)
DO COMUM, no Cap. 162).
A classificação do “Centers for Disease Control
and Prevention” para HIV em crianças < 13 anos
Gastroenterite nascidas de mães portadoras de HIV ou reconheci-
Enterovírus foram isolados de fezes de lacten- damente infectadas pelo HIV é apresentada na TA-
tes recém-nascidos com doença diarreica aguda e BELA 265.12. Condições indicativas de AIDS para
de pacientes imunossuprimidos com diarréia pro- adolescentes são idênticas às dos adultos (ver TA-
longada, mas sua importância na etiologia dessas BELA 163.2). Essas classificações de vigilância epi-
doenças é questionável. O tratamento é sintomáti- demiológica são úteis para definição da progres-
co (ver GASTROENTERITE INFECCIOSA AGUDA, em são clínica da doença. Elas enfatizam a importân-
INFECÇÕES BACTERIANAS, anteriormente). cia do número de linfócitos T CD4+ como um mar-
cador imunológico e prognóstico substituto (além
Conjuntivite hemorrágica aguda da concentração viral no plasma – ver Achados
Laboratoriais e Diagnóstico).
É uma inflamação viral da conjuntiva, de início
súbito, freqüentemente acompanhada por he- Epidemiologia
morragia subconjuntival e em geral provocada Nos EUA, a AIDS ocorreu provavelmente pela
por enterovírus 70. primeira vez em crianças quase ao mesmo tempo
A conjuntivite hemorrágica aguda aparece rara- que em adultos. Até hoje, > 7.400 casos de AIDS
mente em epidemias nos EUA, mas importações foram notificados em crianças e adolescentes, re-
da doença da África, Ásia e México, onde irrom- presentando 2% do total de casos notificados nos
peram surtos, são bastante esperadas como prová- EUA. Mais de 90% das crianças norte-americanas
veis de aumentar. A doença se caracteriza por iní- adquiriram a infecção de suas mães, antes ou pró-
cio rápido do edema de pálpebra, com congestão, ximo ao parto (transmissão vertical). A maioria das
dor e lacrimejamento e, às vezes, com hemorragias restantes (incluindo pacientes com hemofilia e ou-
subconjuntivais e ceratite epitelial. Doença sistê- tros distúrbios de coagulação) receberam sangue
mica é incomum, embora poucos casos de radi- ou hemoderivados contaminados. Alguns casos re-
culomielopatia lombossacral transitória ou doen- sultaram de abuso sexual. Menos de 5% não apre-

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2324 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

sentam nenhum fator de risco identificado. A trans- rente, parotidite, miocardiopatia, hepatite, nefropa-
missão vertical hoje responde por quase todos os tia, doença do SNC (inclusive retardo do desenvol-
casos novos em crianças pré-adolescentes. vimento, que pode ser progressivo), pneumonite in-
O risco de infecção para criança nascida de mãe tersticial linfóide, bacteremia recorrente, infecções
HIV-positiva que não tenha recebido terapia anti- e doenças malignas oportunistas.
retroviral durante a gravidez é estimado em 13 a A pneumonia por Pneumocystis carinii (PCP) é
39%. O risco pode ser maior para crianças cujas a infecção oportunista grave mais comum em crian-
mães apresentaram soroconversão durante a gravi- ças infectadas pelo HIV e está associada com ele-
dez ou com estágio avançado da doença, número vada mortalidade. A PCP pode ocorrer a partir de 4
baixo de linfócitos T CD4+ periféricos, bolsa rota a 6 semanas de vida, mas é mais comum em lac-
prolongada e elevadas concentrações virais eviden- tentes entre 3 e 6 meses, que adquiriram a infecção
ciadas por antigenemia p24 de HIV, cultura quan- antes ou durante o parto.
titativa viral ou concentração de RNA. Em partos Lactentes e crianças com PCP caracteristicamen-
vaginais, o gêmeo que nasce em primeiro lugar tem te desenvolvem pneumonite subaguda difusa com
maior risco do que o segundo. O parto cesáreo pa- dispnéia em repouso, taquipnéia, dessaturação de
rece reduzir o risco. No entanto, a transmissão da oxigênio, tosse não produtiva e febre (em crianças
mãe para o filho pode ser significativamente redu- e adultos imunocomprometidos não infectados pelo
zida pela terapia com zidovudina (ZDV, AZT) para HIV, o início é mais agudo e fulminante).
a mãe e o recém-nascido (ver Prevenção da Trans- Outras infecções oportunistas comuns em crian-
missão do HIV, adiante). ças compreendem esofagite por Candida, infecção
O HIV foi detectado nas frações celular e livre de disseminada por citomegalovírus e herpes simples
células do leite humano. O risco de transmissão pelo crônico ou disseminado e infecções pelo vírus da
aleitamento materno pode ser mais alto em mães com varicela zóster e, menos comumente, infecção por
concentrações virais plasmáticas elevadas. Mycobacterium tuberculosis, infecção por comple-
A aquisição de HIV durante a adolescência contri- xo Mycobacterium avium, enterite crônica por
bui significativamente com o grande número de casos Cryptosporidium ou outros agentes e infecção
em adultos jovens. As vias de transmissão em adoles- criptocócica disseminada ou de SNC ou infecção
centes são semelhantes às dos adultos (ver Cap. 163). por Toxoplasma gondii.
As doenças malignas são relativamente incomuns,
Sintomas e sinais mas leiomiossarcomas e certos linfomas, inclusive
A infecção pelo HIV em crianças provoca um linfomas de SNC e linfomas de células B não
amplo espectro de doenças clínicas, das quais a Hodgkin (tipo Burkitt) ocorrem com muito mais fre-
AIDS é a manifestação mais grave. As catego- qüência do que em crianças imunocompetentes.
rias clínicas A, B e C (ver TABELAS 265.12 e O sarcoma de Kaposi é muito raro em crianças.
265.13) descrevem muitos dos problemas clíni-
cos comuns apresentados por crianças infecta- Achados laboratoriais e diagnóstico
das pelo HIV < 13 anos. O número de linfócitos T-auxiliadores CD4 pode
Crianças infectadas no período perinatal geral- ser normal, inicialmente, mas em algum momento
mente estão assintomáticas durante os primeiros começa a diminuir (para limites inferiores de valo-
meses de vida. Embora a idade mediana de início res normais específicos para a idade, ver TABELA
dos sintomas seja estimada em 3 anos, um número 265.12). O número de linfócitos T supressores
crescente de crianças continua assintomática por > CD8+ em geral aumenta no início e não diminui
5 anos. Dois padrões de infecção por HIV são no- até tardiamente na infecção. Essas alterações em
tados com base no período de incubação e progres- populações celulares resultam em redução na pro-
são dos sintomas. Aproximadamente 10 a 15% das porção entre células CD4+:CD8+, um achado co-
crianças têm rápida progressão da doença, com sin- mum em infecção por HIV (bem como em outras
tomas no primeiro ano de vida e óbito aos 18 a 36 infecções).
meses de vida; considera-se que essas crianças te- As concentrações séricas de imunoglobulina,
nham adquirido o HIV mais cedo, no útero. A maio- particularmente IgG e IgA, costumam estar eleva-
ria das crianças, no entanto, talvez adquira a infec- das. Alguns pacientes desenvolvem pan-hipoga-
ção no parto ou próximo ao parto e mostra, progres- maglobulinemia. Os pacientes podem ser anérgicos
são mais lenta, sobrevivendo além dos 5 anos. a antígenos d testes cutâneos. As concentrações
As manifestações mais comuns da infecção por plasmáticas virais em crianças < 12 meses são tipi-
HIV em crianças incluem linfadenopatia generali- camente muito elevadas (média aproximada de
zada, hepatomegalia, esplenomegalia, atraso do 300.000 cópias/mL) de RNA. Em torno d 24 me-
desenvolvimento, candidíase oral, diarréia recor- ses, as concentrações virais diminuem (para uma

2324

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TABELA 265.12 – CLASSIFICAÇÃO PEDIÁTRICA DE HIV PARA CRIANÇAS < 13 ANOS


Idade

< 12 MESES 1 a 5 ANOS 6 a 12 ANOS Categorias clínicas1

NÚMERO DE NÚMERO DE NÚMERO DE C:


2325

LINFÓCITOS T LINFÓCITOS LINFÓCITOS N: A: B: SINAIS/


Categorias CD4+ LINFÓCITOS TCD4+ LINFÓCITOS TCD4+ LINFÓCITOS SEM SINAIS/ SINAIS/ SINAIS/SINTOMAS SINTOMAS
imunológicas (CÉLULAS/µL) TOTAIS (%) (CÉLULAS/µL) TOTAIS (%) (CÉLULAS/µL) TOTAIS (%) SINTOMAS SINTOMAS LEVES MODERADOS2 INTENSOS2

1. Sem evidência ≥ 1.500 ≥ 25 ≥ 1.000 ≥ 25 ≥ 500 ≥ 25 N1 A1 B1 C1


de supressão
2. Evidência de 750 a 1.499 15 a 24 500 a 999 15 a 24 200 a 499 15 a 24 N2 A2 B2 C2
supressão mo-
derada
3. Supressão in- < 750 < 15 < 500 < 15 < 200 < 15 N3 A3 B3 C3
tensa
1 Crianças, cujo estado de infecção por HIV não seja confirmado, são classificadas usando esta grade com a letra E (para aquelas expostas no período perinatal) antes do código de

classificação apropriada (por exemplo, EN2; ver nota de rodapé na TABELA 265.13 para informação adicional).
02/02/01, 14:34

2 Pneumonite intersticial linfóide na Categoria B ou qualquer condição na Categoria C deve ser notificada aos departamentos de saúde local e estadual como AIDS (ver TABELA 265.13

para mais definições das categorias clínicas).


Modificada a partir de Centers for Disease Control and Prevention. “1994 Revised classification system for HIV infection in children less than 13 years of age; official authorized addenda:
HIV infection codes and official guidelines for coding and reporting ICD-9-CM.” MMWR, 1994:43 (No. RR-12), pp. 1–19.
2325
2326 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 265.13 – CATEGORIAS CLÍNICAS PARA CRIANÇAS < 13 ANOS COM


INFECÇÃO POR HIV*
Categoria N: Não Sintomático
Crianças sem qualquer sinal ou sintoma considerado como resultado da infecção por HIV ou com apenas uma
das condições apresentadas na Categoria A.
Categoria A: Levemente Sintomática
Crianças que apresentam duas ou mais das condições apresentadas a seguir, mas nenhuma das apresentadas
nas Categorias B ou C.
Dermatite
Hepatomegalia
Linfadenopatia (≥ 0,5cm em mais de dois sítios; bilateral = um sítio)
Parotidite
Infecção recorrente ou persistente de vias aéreas superiores, sinusite ou otite média
Esplenomegalia
Categoria B: Moderadamente Sintomática
Crianças que apresentem condições sintomáticas atribuídas à infecção por HIV além das apresentadas na
Categoria A, mas não entre as apresentadas na Categoria C. Os exemplos de condições na categoria clínica
B incluem, mas não se limitam a:
Anemia (< 8g/dL), neutropenia (< 1.000/µL) ou trombocitopenia (< 100.000/µL) persistindo ≥ 30 dias
Meningite, pneumonia ou sepse bacterianas (único episódio)
Candidíase de orofaringe (monilíase) persistindo > 2 meses em crianças > 6 meses de idade
Miocardiopatia
Infecção por citomegalovírus, com início antes de 1 mês de idade
Diarréia recorrente ou crônica
Hepatite
Estomatite por herpes simples (HSV) recorrente (mais de dois episódios em 1 ano)
Bronquite, pneumonite ou esofagite por HSV com início antes de 1 mês de idade
Herpes zóster (cobreiro) envolvendo pelo menos dois episódios distintos ou mais de um dermátomo
Leiomiossarcoma
Pneumonite intersticial linfóide ou complexo de hiperplasia linfóide pulmonar
Nefropatia
Nocardiose
Febre persistente (duração > 1 mês)
Toxoplasmose, início antes de 1 mês de idade
Varicela disseminada (varicela complicada)
Categoria C: Intensamente Sintomática
Infecções bacterianas graves, múltiplas ou recorrentes (ou seja, qualquer combinação de pelo menos duas
infecções confirmadas por cultura em um período de 2 anos), dos seguintes tipos: sepse, pneumonia,
meningite, infecção de ossos ou articulações ou abscesso de órgão interno ou cavidade do organismo
(excluindo otite média, abscessos superficiais de pele e mucosas e infecção relacionada a cateter de demora)
Candidíase esofágica ou pulmonar (brônquios, traquéia, pulmões)
Coccidioidomicose disseminada (em sítio fora ou além dos pulmões ou linfonodos cervicais ou hilares)
Criptococose extrapulmonar
Criptosporidiose ou isosporíase com diarréia persistindo > 1 mês
Doença citomegálica com início dos sintomas na idade > 1 mês (em sítio fora do fígado, baço ou linfonodos)
Encefalopatia (pelo menos um dos seguintes achados progressivos presente durante pelo menos 2 meses na
ausência de doença concomitante exceto infecção por HIV que possa explicar os achados): 1. deixar de
atingir ou perder os marcos de desenvolvimento ou perda de habilidade intelectual, verificada por escala de
desenvolvimento padronizada ou testes neuropsicológicos; 2. comprometimento do crescimento cerebral ou
microcefalia adquirida demonstrados por medidas de perímetro cefálico ou atrofia cerebral demonstrada por
TC ou IRM (imagens seriadas são necessárias para crianças < 2 anos); 3. déficit motor simétrico adquirido,
manifestado por dois ou mais dos seguintes: paresia, reflexos patológicos, ataxia, distúrbio da marcha

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2327

TABELA 265.13 – CONTINUAÇÃO


Infecção por herpes simples provocando úlcera mucocutânea persistindo > 1 mês ou bronquite, pneumonite ou
esofagite de qualquer duração afetando criança > 1 mês de idade
Histoplasmose disseminada (em sítio fora ou além dos pulmões ou linfonodos cervicais ou hilares)
Sarcoma de Kaposi
Linfoma primário cerebral
Linfoma de pequenas células não clivadas (Burkitt) ou imunoblástico ou linfoma de células grandes de células
B ou fenótipo imunológico ignorado
Mycobacterium tuberculosis, disseminada ou extrapulmonar
Mycobacterium, outras espécies ou espécies não identificadas, disseminada (em sítio fora ou além dos
pulmões, pele ou linfonodos cervicais ou hilares)
Pneumonia por Pneumocystis carinii
Leucoencefalopatia multifocal progressiva
Sepse recorrente por Salmonella (não tifóide)
Toxoplasmose do cérebro com início em criança > 1 mês de idade
Síndrome consumptiva na ausência de uma doença concomitante além da infecção pelo HIV que possa
explicar os seguintes achados: 1. perda de peso persistente > 10% do peso basal; ou 2. cruzar para baixo
pelo menos duas das seguintes linhas de percentis no gráfico de peso por idade (por exemplo, 95, 75, 50,
25, 5) em criança com ≥1 ano de idade ou < percentil 5 em gráfico de peso por altura em duas medidas de
peso consecutivas com ≥ 30 dias de intervalo mais: 1. diarréia crônica (ou seja, pelo menos duas fezes
amolecidas por dia durante 30 dias ou mais); ou 2. febre documentada (durante 30 dias ou mais, intermiten-
te ou constante)
* As categorias formam uma hierarquia unidirecional de tal forma que a doença de um paciente prossegue da categoria
N para A para B para C. Por exemplo, se uma criança apresenta hepatomegalia e linfadenopatia (Categoria A) e desenvolve
anemia persistente, a criança entra na Categoria B. Se a anemia chegar a ser curada (por exemplo, com tratamento), a
criança vai continuar classificada na Categoria B. Se houver o desenvolvimento de pneumonia por Pneumocystis carinii,
a criança é reclassificada como Categoria C. Da mesma forma, as categorias imunológicas formam uma hierarquia
unidirecional, se uma criança com número de CD4+ definindo Categoria 2 apresentar uma elevação do número de células
CD4+ com terapia, de tal forma que as células estejam suficientemente aumentadas para qualificar para Categoria 1, a
criança apesar disso continua classificada como categoria imunológica 2 (ver TABELA 265.12).
Modificado a partir de Centers for Disease Control and Prevention. “1994 Revised classification system for HIV
infection in children less than 13 years of age; official authorized addenda: HIV infection codes and official guidelines
for coding and reporting ICD-9-CM”. MMWR 1994:43 (No. RR-12), pp.1–19.

média aproximada de 40.000 cópias/mL de RNA). Antes do exame, a mãe (e a criança, se tiver ida-
A determinação da concentração plasmática de ví- de suficiente) devem ser orientadas sobre os possí-
rus em conjunto com o número de células CD4+ veis riscos e benefícios psicossociais do exame e
parece oferecer informação prognóstica mais pre- as conseqüências da infecção pelo HIV. O consen-
cisa do que cada um dos marcadores isoladamente. timento oral deve ser registrado no prontuário da
O diagnóstico geralmente é feito usando testes de paciente. O consentimento por escrito pode ser exi-
anticorpos séricos (imunoensaio enzimático [EIA] e gido pela legislação estadual ou local, mas pode
“Western blot” confirmatório), exceto em crianças < desestimular o exame sem somar benefício signifi-
18 meses, nas quais anticorpos passivamente adqui- cativo. A recusa de uma paciente ou responsável
ridos da mãe podem estar presentes (ver adiante). Um para dar consentimento não isenta os médicos de
teste positivo para anticorpos contra HIV em criança suas responsabilidades profissionais e legais e, às
≥ 18 meses em geral indica infecção. Anticorpos sé- vezes, a autorização para o exame precisa ser obti-
ricos contra HIV persistem em quase todas as pesso- da de outras formas (como ordem judicial). Os re-
as infectadas, embora alguns pacientes com AIDS se sultados dos exames devem ser discutidos pessoal-
tornem soronegativos tardiamente na doença. Às ve- mente com a família, o médico da família e, se ti-
zes, uma criança infectada por HIV não apresenta ver idade suficiente, com a criança; se a criança for
anticorpos contra o vírus porque tem hipogamaglo- HIV-positiva, devem ser oferecidos orientação e
bulinemia. Muito raramente, uma criança infectada acompanhamento subseqüentes. Em todos os ca-
por HIV é negativa para anticorpos em EIA mas é sos, é essencial manter o sigilo.
positiva em “Western blot” ou testes virológicos, como Depois de abuso sexual por uma pessoa com ou
cultura ou reação em cadeia da polimerase (PCR). sem risco de infecção por HIV, a criança deve ser

Merck_19E.p65 2327 02/02/01, 14:34


2328 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

testada sorologicamente por ocasião do abuso e Prevenção da transmissão do HIV


depois de 6 semanas, 3 e 6 meses. Se possível, o Transmissão perinatal – O tratamento com
autor do abuso deve ser testado. Precisa ser ofere- AZT é recomendado para todas as gestantes infecta-
cida orientação para a criança e a família. das pelo HIV. Em um estudo fundamental, a profi-
Para lactentes de mães infectadas pelo HIV laxia com AZT reduziu o risco de transmissão
(ver TABELA 265.14), os exames laboratoriais pre- perinatal em aproximadamente 2⁄3. AZT é adminis-
feríveis são cultura para HIV e PCR, que podem trado por via oral, começando nas 14ª a 34ª sema-
fornecer o diagnóstico em aproximadamente 30 a nas de gestação e mantido durante toda a gravidez;
50% dos casos, ao nascimento e praticamente 100% administrado IV durante o trabalho de parto até o
aos 4 a 6 meses de vida. O teste inicial deve ser parto e administrado por via oral ao neonato du-
realizado com 1 mês de vida e, se negativo, repeti- rante as primeiras 6 semanas de vida (ver TABELA
do entre 4 e 6 meses de idade. Um teste positivo 265.15). Muitos especialistas recomendam que te-
deve ser confirmado usando o mesmo exame ou rapia anti-retroviral suplementar seja acrescentada
outro. O ensaio modificado para antígeno p24 é à profilaxia com AZT para melhorar a saúde ma-
menos sensível do que a cultura de vírus ou PCR e terna e, talvez, reduzir ainda mais o risco de trans-
deve ser usado apenas se os outros não estiverem missão do HIV. A gestante e seu profissional de
disponíveis. Se um lactente < 18 meses com teste saúde devem considerar os possíveis benefícios e
sorológico positivo para HIV desenvolver uma doen- riscos desse tratamento na ausência de dados defi-
ça definidora de AIDS (Categoria C – ver TABELA nitivos. Em geral, a terapia anti-retroviral combi-
265.13), a infecção pelo HIV é diagnosticada mes- nada (dois inibidores de transcriptase reversa aná-
mo se os exames virológicos forem negativos. logos de nucleosídeos e um inibidor de protease) é
Uma criança que apresente dois exames o padrão de tratamento atualmente recomendado
virológicos negativos, realizados com 1 e 4 meses para adultos infectados pelo HIV não gestantes.
de idade ou depois, é considerada não infectada na Portanto, as mulheres infectadas pelo HIV que já
ausência de doença clínica e a profilaxia contra in- estiverem recebendo terapia anti-retroviral combi-
fecções oportunistas pode ser interrompida. Testes nada e engravidarem devem, provavelmente, con-
sorológicos de acompanhamento devem excluir tinuar a terapia, enquanto que gestantes infectadas
infecção por HIV e confirmar sororreversão (perda pelo HIV não tratadas anteriormente devem começar
dos anticorpos anti-HIV adquiridos passivamente). a terapia combinada com duas ou três drogas, confor-
Esses testes incluem dois EIA negativos feitos en- me recomendado para não gestantes. A quimioprofi-
tre 6 e 18 meses de idade ou um EIA negativo > 18 laxia com AZT deve ser incorporada ao esquema anti-
meses. Alguns especialistas recomendam que o EIA retroviral oferecido, qualquer que seja ele.
final seja com 24 meses de idade. O aleitamento materno (ou a doação para ban-
Pacientes que preencham os critérios para AIDS cos de leite) deve ser desestimulado em mulheres
(ver TABELAS 265.12 e 265.13) devem ser notifi- infectadas pelo HIV em países em que existam fon-
cados ao departamento de saúde pública apropria- tes alternativas seguras e acessíveis de alimenta-
do. Em muitos Estados, é também necessário noti- ção para o recém-nascido, como os EUA. No en-
ficar a infecção por HIV. tanto, em países em que as doenças infecciosas e
desnutrição são causas importantes de mortalidade
Prognóstico infantil precoce, a OMS recomenda que as mães
A maioria das crianças infectadas no período amamentem seus filhos, independentemente da
perinatal sobrevive além dos 5 anos de idade. Apro- sorologia para HIV.
ximadamente 10 a 15% morrem antes dos 4 anos Transmissão entre adolescentes – Como ado-
de idade, a maioria antes dos 18 meses. No entan- lescentes apresentam risco especial para infecção
to, novos tratamentos estão levando a sobrevidas pelo HIV, devem receber educação, ter acesso a
substancialmente mais prolongadas. exames para HIV e conhecer sua situação soro-
Infecções oportunistas, em particular PCP, do- lógica. A educação deve incluir informação sobre
ença neurológica progressiva e síndrome con- transmissão, implicações da infecção e estratégias
sumptiva grave estão associadas com mau prognós- para prevenção, inclusive abstinência de compor-
tico. Com PCP, as taxas de mortalidade variam de tamentos de alto risco e práticas de sexo seguro
5 a 40%, com tratamento e quase 100%, sem trata- (uso correto e constante de preservativos) para os
mento. O prognóstico é ruim também para aqueles sexualmente ativos.
com vírus detectável precocemente (por exemplo, Os esforços devem ser voltados para adolescen-
em torno dos 7 dias de vida) ou que desenvolvem tes com alto risco. O consentimento informado é
sintomas no primeiro ano de vida). necessário para o exame e a divulgação da infor-

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2329

TABELA 265.14 – DIAGNÓSTICO DE INFECÇÃO POR HIV EM CRIANÇAS < 13 ANOS


Diagnóstico: Infectada por HIV
Uma criança < 18 meses de idade sabidamente HIV-positiva ou nascida de mãe infectada por HIV com resultados
positivos em duas determinações separadas1 (excluindo sangue do cordão)
Cultura para HIV
Reação em cadeia da polimerase para HIV
Antígeno do HIV (p24)
ou
preenche critérios para diagnóstico da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) com base na definição
de caso para vigilância epidemiológica de AIDS de 19872
Uma criança com ≥ 18 meses de idade, nascida de mãe infectada por HIV ou qualquer criança infectada pelo
sangue, hemoderivados ou outros modos conhecidos de transmissão (por exemplo, contato sexual) que: apresenta
anticorpos contra HIV-positivos por imunoensaio enzimático repetidamente reativo e teste confirmatório (por
exemplo, “Western blot” ou ensaio de imunofluorescência [IFA])
ou
preenche qualquer dos critérios anteriores
Diagnóstico: Exposta no Período Perinatal (Prefixo E3)
Uma criança que não preencha os critérios anteriores e:
seja HIV-positiva por imunoensaio enzimático (EIA) e teste confirmatório (por exemplo, “Western blot” ou IFA)
e tenha < 18 meses de idade por ocasião do teste
ou
apresente estado de anticorpos ignorado, mas tenha nascido de mãe sabidamente infectada com HIV
Diagnóstico: Soroconversão
Uma criança nascida de mãe infectada por HIV que:
tenha sido documentada como negativa para anticorpos anti-HIV (ou seja, dois ou mais de imunoensaios enzi-
máticos negativos realizados com 6 a 18 meses de idade ou um um imunoensaio enzimático negativo depois de
18 meses de idade)
e
não apresente outra evidência laboratorial de infecção (não tenha apresentado dois testes de detecção viral
positivos, se realizados)
e
não tenha apresentado uma condição que defina a AIDS
1 Se as duas determinações (realizadas com 1 mês de idade ou mais e pelo menos uma determinação com 4 meses de

idade ou mais) forem negativas, a infecção por HIV é razoavelmente excluída dependendo da sororreversão para confir-
mação final. Um teste positivo deve ser confirmado sem demora (ver texto).
2 Centers for Disease Control. Revision of the CDC surveillance case definition for acquired immunodeficiency syn-

drome. MMWR 1987;36 (suppl 1):1S-15S. Ver TABELAS 265.12 e 265.13.


3 Ver TABELA 265.12.

Modificado a partir de Centers for Disease Control and Prevention. “1994 Revised classification system for HIV
infection in children less than 13 yr of age; official authorized addenda HIV infection codes and official guidelines for
coding and reporting ICD-9-CM.” MMWR 1994:43 (No. RR-12), pp.1–19.

mação sobre o estado sorológico. Decisões sobre Profissionais de saúde – O risco médio para pro-
revelar o estado HIV a parceiro sexual sem con- fissionais de saúde para aquisição da infecção por HIV
sentimento do paciente devem ser baseadas na pro- em acidente com agulha é de 0,3%. O risco pode ser
babilidade de risco do parceiro, no fato do parceiro maior com exposições a picadas de agulha com gran-
ter motivo razoável para suspeitar do risco e na ado- de volume de sangue de um paciente com carga viral
ção de precauções, exista ou não exigência legal para elevada. O risco é menor (< 0,3%) depois de exposi-
revelar ou ocultar esta informação e os possíveis efei- ção de mucosas ou pele. Todo esforço, no entanto,
tos da revelação sobre relacionamentos futuros. deve ser feito para evitar exposição a sangue e outros

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2330 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 265.15 – ESQUEMA DE ZIDOVUDINA PARA REDUZIR A TRANSMISSÃO


PERINATAL DO HIV1
Via de
Período de tempo administração Dose

Durante a gravidez, iniciar entre Oral 100mg 5 vezes ao dia2


14 e 34 semanas de gestação
Durante o trabalho de parto e o parto IV 2mg/kg durante a primeira hora, depois
1mg/kg/h até o parto
Para o recém-nascido, começando 8 a 12h Oral 2mg/kg 4 vezes ao dia
depois do nascimento até 6 semanas de idade
1 Pode haver necessidade de terapia adicional por causa da saúde da mãe – ver texto.
2 Muitos especialistas recomendam 200mg 3 vezes ao dia ou 300mg 2 vezes ao dia para melhorar a adesão à medicação.
Modificado com permissão de American Academy of Pediatrics. 1997 Red Book: Report of the Committee of Infectious
Diseases, 24ª ed. Elk Grove Village, IL: American Academy of Pediatrics, 1997.

líquidos orgânicos que possam conter HIV. Precau- A profilaxia deve ser mantida até 1 ano de idade
ções padronizadas devem ser seguidas escrupulosa- para crianças portadoras de HIV com qualquer nú-
mente por toda a equipe hospitalar. Recomendações mero de linfócitos CD4+ prévio indicando imunos-
para profilaxia pós-exposição devem ser adotadas em supressão grave (isto é, número total < 750 célu-
caso de exposição ocupacional comprovada (ver Cap. las/µL ou uma porcentagem de CD4+ em relação
163). O uso de luvas não é exigido pelo “Occupational aos linfócitos circulantes < 15%). A profilaxia pode
Safety and Health Administration” para manipulação ser interrompida com 1 ano, quando o número de
de rotina de leite humano obtido por expressão. No CD4+ continuar maior do que esses limites.
entanto, os profissionais de saúde devem usar luvas Para crianças infectadas pelo HIV com 1 a 5 anos
quando a exposição ao leite materno possa ser fre- de idade, a profilaxia para PCP deve ser adminis-
qüente ou prolongada, como em bancos de leite. Ban- trada se qualquer número de CD4+ for < 500 célu-
cos de leite humano devem seguir as orientações de- las/µL ou a porcentagem for < 15%, se o número
senvolvidas pelo Serviço de Saúde Pública dos EUA, de CD4+ cair rapidamente ou na presença de doen-
que incluem triagem de todas as doadoras para infec- ça por HIV intensamente sintomática (Categoria
ção por HIV, avaliação de fatores de risco que predis- C) (ver TABELA 265.13). Exceto para diferentes de-
ponham à infecção e pasteurização de todo o leite. finições de idade específica de números absolutos
Para limpar respingos de sangue ou outros líquidos de CD4+ baixo, os critérios são os mesmos para
orgânicos, deve-se remover o material orgânico e crianças maiores e adolescentes. Para crianças ≥ 6
desinfetar a superfície com hipoclorito de sódio re- anos, qualquer número de CD4+ < 200 células/µL
cém-diluído (isto é, 1:10 a 1:100). ou < 15% é indicação para profilaxia. Para adoles-
Prevenção de centes (ou adultos), a profilaxia está indicada se o
infecções oportunistas número de CD4+ for < 200/µL ou < 15% ou o pa-
ciente apresentar febre inexplicada durante ≥ 2 se-
Profilaxia contra pneumonia por Pneumo- manas ou uma história de candidíase de orofaringe.
cystis carinii (PCP) está indicada para a maioria Crianças infectadas por HIV > 1 ano que não
dos pacientes com imunocomprometimento signi- tiverem recebido profilaxia prévia para PCP (por
ficativo (ver TABELA 265.16). A quimioprofilaxia exemplo, as crianças não identificadas previamen-
por toda a vida, independentemente do número de te ou em que a profilaxia foi interrompida) devem
células CD4+, deve ser administrada a qualquer recebê-la se o número de CD4+ indicar imunossu-
paciente que tenha tido PCP. pressão grave (Categoria 3, ver TABELA 265.12).
A profilaxia é recomendada para todas as crianças Para profilaxia contra PCP, o tratamento de es-
filhas de mães infectadas pelo HIV, começando com colha para crianças é trimetoprim-sulfametoxazol
4 a 6 semanas de vida. Deve ser interrompida para (TMP-SMX) 150mg TMP/m2 ao dia com 750mg
crianças em que a infecção por HIV foi excluída por de SMX/m2 ao dia, VO, em 2 doses fracionadas
PCR negativa seqüencial ou cultura de vírus (ver em 3 dias consecutivos/semana (por exemplo, se-
TABELA 265.16). Crianças cujo estado de infecção gunda, terça e quarta); esquemas alternativos in-
pelo HIV for indeterminado devem continuar a profi- cluem a mesma dose total uma vez por dia, 3
laxia durante todo o primeiro ano de vida. dias/semana, ou duas vezes por dia, todos os dias

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2331

ou em dias alternados. Para pacientes ≥ 5 anos que TABELA 265.16 – RECOMENDAÇÕES


não conseguem tolerar o TMP-SMX, pode ser ad- PARA PROFILAXIA DE PNEUMOCYSTIS
ministrada pentamidina em aerossol (300mg em CARINII PARA LACTENTES E CRIANÇAS
inalador Respirgard II, mensalmente) (a pentami- EXPOSTOS AO HIV
dina IV também foi usada, mas parece ser menos Idade e estado da
eficaz e potencialmente mais tóxica do que outros infecção por HIV Profilaxia1
esquemas profiláticos). Um esquema alternativo,
especialmente para < 5 anos, é a dapsona oral diá- Nascimento até 4 a 6 semanas, Não
ria (2mg/kg, não excedendo 100mg). exposto ao HIV
Outras drogas que podem ser úteis profilati-
camente contra PCP são pirimetamina com dapso- 4 a 6 semanas até 4 meses, Sim
na, pirimetamina-sulfadoxina e atovaquona oral. exposto ao HIV
No entanto, a experiência com essas drogas em 4 a 12 meses
adultos e crianças é muito limitada e elas devem Infectado por HIV ou Sim
ser consideradas apenas quando os esquemas re- indeterminado
comendados não forem tolerados e não puderem Excluída infecção por HIV2 Não
ser empregados. 1 a 5 anos, infectado por HIV Sim, se o número de
Profilaxia contra outras infecções oportunis- linfócitos T CD4+
tas pode ser justificada. Para profilaxia contra in- for < 500 células/µL
fecções pelo complexo Mycobacterium avium em ou a porcentagem
crianças ≥ 6 anos com número de CD4+ < 50/µL for < 15%2,3
(ou crianças com 2 a 6 anos e número de CD4+
< 75/µL, 1 a 2 anos < 500/µL ou < 1 ano < 750/µL), ≥ 6 anos, infectado por HIV Sim, se o número de
azitromicina semanal ou claritromicina diária são linfócitos T CD4+
as drogas de escolha e a rifabutina diária é uma for < 200 células/µL
alternativa. Os dados são limitados quanto ao uso ou porcentagem
de profilaxia contra outras infecções oportunistas, < 15%3,4
como infecção por citomegalovírus, doenças por 1 Crianças que tenham apresentado PCP devem receber
fungos e encefalite por toxoplasmose. profilaxia para PCP pelo resto da vida.
2 A infecção por HIV pode ser razoavelmente excluída
Tratamento entre crianças que tenham apresentado dois ou mais testes
Drogas anti-retrovirais, sua posologia reco- diagnósticos para HIV-negativos (isto é, cultura para HIV
mendada e efeitos colaterais mais importantes são ou reação em cadeia da polimerase), os dois realizados com
apresentados na TABELA 265.17. Novas drogas anti- ≥ 1 mês de idade e um dos quais realizado com ≥ 4 meses
retrovirais, imunomoduladores e vacinas estão em de idade, ou dois ou mais testes de anticorpos IgG negati-
avaliação. Como as opiniões de especialistas e co- vos para HIV realizados com ≥ 6 meses de idade entre
crianças sem evidência clínica de doença por HIV.
nhecimento sobre estratégias diagnósticas e tera- 3 Crianças com 1 a 2 anos de idade que estavam receben-
pêuticas estão mudando rapidamente, é aconselhá- do profilaxia para PCP e apresentavam número de CD4+ <
vel a consulta com especialistas para tratamento 750 células/µL ou uma porcentagem < 15% com < 12 meses
de crianças portadoras do HIV. de idade devem manter a profilaxia.
O início da terapia anti-retroviral depende de 4 A profilaxia deve ser considerada individualmente para
critérios virológicos, imunológicos e clínicos mos- crianças que possam apresentar maior risco de PCP sob
trados nas TABELA 265.12 e 265.13. Com base em outros aspectos, como crianças com número ou porcenta-
observações em adultos assintomáticos, nos quais gem rapidamente decrescentes de CD4+ ou crianças com
a terapia reduz a concentração viral plasmática e estado de Categoria C de infecção por HIV.
retarda o declínio no número de CD4+, a terapia PCP = pneumonia por Pneumocystis carinii.
deve ser fortemente considerada para crianças Modificado com permissão de American Academy of
assintomáticas (isto é, Categoria N na TABELA Pediatrics. 1997 Red Book: Report of the Committee on
Infectious Diseases, 24ª ed. Elk Grove Village, IL: American
265.12) sem evidência de imunossupressão. A te- Academy of Pediatrics, 1997.
rapia deve ser administrada a todas as crianças cli-
nicamente sintomáticas (Categorias A, B e C) e a
lactentes infectados < 12 meses, independentemente A terapia combinada com inibidores de
da categoria imunológica. A monitoração clínica e transcriptase reversa análogos de nucleosídeos AZT
laboratorial é importante para identificar toxicida- mais didanosina ou AZT mais lamivudina é supe-
de pelas drogas e falha terapêutica. rior à didanosina isolada, especialmente para crian-

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2332 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 265.17 – DOSE E ADMINISTRAÇÃO DE ANTI-RETROVIRAIS EM CRIANÇAS


Nome da droga Dose recomendada (oral) Efeitos adversos

Zidovudina 0 a 6 semanas: 2mg/kg/dose a cada 6h Anemia, granulocitopenia e elevação das


(ZDV, AZT) 6 semanas a 13 anos: 90 a concentrações de alanina aminotransferase
180mg/m2/dose a cada 6 ou 8 h são mais comuns. Macrocitose ocorre em
≥ 13 anos: 100mg 5 vezes ao dia ou 200mg quase 100%. Náusea, vômitos, xerostomia,
a cada 8h ou 300mg a cada 12h cefaléia, mal-estar, miosite e acidose láctica
também ocorrem
Didanosina < 13 anos: 90 a 135mg/m2/dose a cada Pancreatite e neuropatia periférica são mais
(ddI) 12h comuns. Retinite, diarréia e náusea também
≥ 13 anos: < 60kg: comprimidos, 125mg ocorrem
a cada 12h; pó tamponado, 167mg a cada
12h. ≥ 60kg: comprimidos, 200mg a cada
12h; pó tamponado, 250mg a cada 12h
Zalcitabina < 13 anos: 0,01mg/kg/dose a cada 8h Neuropatia periférica é mais comum. Aftas,
(ddC) ≥ 13 anos: 0,75mg a cada 8h disfagia, dor abdominal, erupção cutânea e
cefaléia também ocorrem. O risco de pancreatite
é de 3% em caso de pancreatite prévia
Estavudina < 13 anos: 1mg/kg/dose a cada 12h Neuropatia periférica é mais comum. Náusea,
(d4T) ≥ 13 anos: 30 a 40mg a cada 12h vômitos, dor abdominal, diarréia e pancreati-
te também ocorrem. Distúrbios do sono. Ener-
gia aumentada/mania
Lamivudina 3 meses a 12 anos: 4mg/kg/dose a cada Geralmente bem tolerada, mas com anormali-
(3TC) 12h dades anteriores ou combinações de drogas,
≥ 13 anos: 150mg a cada 12h efeitos colaterais aumentados (hematológicos,
pancreáticos, neurológicos)
Nevirapina < 13 anos: dose não esclarecida; 120 a Erupção cutânea em 15 a 20% dos casos pode
(NVP) 200mg/m2/dose a cada 12h em estudo ser intensa e até potencialmente fatal (síndro-
≥ 13 anos: 200mg a cada 12h (período de me de Stevens-Johnson). Algumas interações
introdução com escalonamento reduz as medicamentosas
complicações em todas as idades)
Delavirdina < 13 anos: dose não esclarecida Erupção cutânea em 25 a 30%; pode ser intensa
(DLV) ≥ 13 anos: 400mg a cada 8h e mesmo potencialmente fatal (síndrome de
Stevens-Johnson). Algumas interações medi-
camentosas
Saquinavir < 13 anos: dose não esclarecida Elevação das concentrações de creatina fosfo-
(SAQ) ≥ 13 anos: 600mg a cada 8h quinase em 7 a 10% em combinação com
zidovudina ou zalcitabina. Náusea, vômitos e
diarréia podem ocorrer. Fadiga, erupção cutâ-
nea e anemia hemolítica
Indinavir < 13 anos: dose não esclarecida; Nefrolitíase ocorre em 4%, hiperbilirrubinemia
(IND) 350mg/m2/dose a cada 8h em estudo em 10%, dor abdominal em 10%, náusea em
≥ 13 anos: 800mg a cada 8h 10%. Algumas interações medicamentosas.
Beber bastante água para evitar nefrolitíase
Ritonavir < 13 anos: 350mg/m2/dose a cada 12h* Elevação das concentrações de creatina fosfo-
(RIT) ≥ 13 anos: 600mg a cada 12h (período de quinase em 7%, náusea em 25 a 50%, vômitos
introdução com escalonamento de dose em 15 a 20%, diarréia em 15%, anorexia em
reduz as complicações em todas as idades) 7%. Múltiplas interações medicamentosas
Nelfinavir < 13 anos: 20 a 30mg/kg/dose a cada 8h Diarréia em 10%. Algumas interações medica-
(NEL) ≥ 13 anos: 750mg a cada 8h mentosas
* Com base em dados farmacocinéticos preliminares.

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2333

ças < 3 anos. O AZT isolado parece ser menos efe- Para tratar PCP, a droga de escolha para crian-
tivo do que didanosina isolada ou AZT mais ças é TMP-SMX oral ou parenteral (a via de admi-
didanosina. Outras combinações de inibidores de nistração depende da gravidade da doença); a pen-
transcriptase reversa análogos de nucleosídeos tamidina por via parenteral é uma alternativa. A expe-
(como didanosina e estavudina ou lamivudina e riência em crianças é limitada a drogas como atova-
estavudina) são úteis, mas existem menos dados quona, trimetrexato com leucovorin, dapsona com
comparativos. Combinações tríplices (por exemplo, trimetoprim e clindamicina com primaquina. Corticos-
AZT, lamivudina e um inibidor de protease [como teróides podem ser adjuntos úteis para PCP modera-
nelfinavir, ritonavir, indinavir, saquinavir] ou AZT, da a grave tanto em crianças, como em adultos.
lamivudina e um inibidor de transcriptase reversa Recomendações para imunização – As imu-
não análogo de nucleosídeo [por exemplo, nevi- nizações para crianças infectadas pelo HIV estão
rapina ou delavirdina]) demonstraram produzir, em resumidas a seguir:
adultos, um declínio mantido e acentuado em con- Crianças com infecção sintomática pelo HIV –
centração viral plasmática. Em geral, vacinas de vírus vivo (por exemplo, pó-
Existem menos dados para crianças, mas esque- lio oral, varicela) e de bactérias vivas (como BCG)
mas de duas ou três drogas contendo um inibidor não devem ser administradas a pacientes com AIDS
de protease parecem ser superiores a combinações ou outras manifestações de infecção por HIV
de duas drogas com análogos nucleosídeos, em ter- indicativas de imunossupressão. Uma exceção é a
mos de efeitos virológicos e imunológicos em crian- vacina de sarampo-caxumba-rubéola em pacientes
ças. O esquema preferido para crianças deve pro- não gravemente imunossuprimidos (Categoria 3,
vavelmente envolver um inibidor de protease e dois ver TABELA 265.12). Esta vacina deve ser admi-
inibidores de transcriptase reversa análogos de nistrada aos 12 meses, para aumentar a probabili-
nucleosídeos, semelhante ao dos adultos (ver Cap. dade de resposta imune, isto é, antes que o sistema
163). Como os esquemas com dois análogos de imunológico esteja deteriorado, se possível. A se-
nucleosídeos ainda estão associados com benefí- gunda dose pode ser administrada a partir de 4 se-
cios clínicos, são considerados esquemas alterna- manas mais tarde, na tentativa de induzir sorocon-
tivos (como também esquemas contendo dois aná- versão o mais cedo possível. Se o risco de exposi-
logos nucleosídeos e um não análogo), especial- ção ao sarampo estiver aumentado, como durante
mente para crianças > 3 anos com sintomas leves um surto, a vacina deve ser administrada em idade
ou para as que não conseguem tolerar ou se recu- mais precoce, como aos 6 a 9 meses. Outras vaci-
sam a tomar inibidores de protease. A monoterapia nas, isto é, toxóides diftérico e tetânico combina-
(exceto a quimioprofilaxia com AZT em lactentes dos com vacina pertussis acelular (DtaP ou toxóides
expostos a HIV) agora é desencorajada. A terapia diftérico e tetânico mais vacina contra pertussis [DTP],
anti-retroviral pediátrica é complicada pela dispo- hepatite B, Haemophilus influenzae Tipo b conjuga-
nibilidade e palatabilidade das drogas, interações da e poliovírus inativado (IPV), devem ser adminis-
medicamentosas, diferenças farmacocinéticas en- tradas de acordo com o esquema de imunização reco-
tre lactentes, crianças e adolescentes e problemas mendado (ver FIG. 256.5). Recomenda-se, ainda, va-
de adesão em crianças (que dependem de outras cina contra pneumococo com 2 anos de idade e con-
pessoas para administrar as drogas) e adolescentes tra influenza anualmente, começando com 6 meses.
(que podem negar sua doença ou ter medo dela, Crianças com infecção sintomática pelo HIV ge-
desconfiar da orientação médica ou não ter o apoio ralmente apresentam respostas imunológicas pobres
familiar). A consulta constante a especialistas pode às vacinas, de forma que, quando expostas a uma
ser necessária, em virtude de alterações na terapia doença que pode ser prevenida pela vacinação, como
por intolerância às drogas e falha virológica. sarampo ou tétano, devem ser consideradas suscetí-
Imunoglobulina intravenosa (IgIV), em combi- veis, independentemente da história vacinal. Portan-
nação com drogas antivirais, pode ser administrada a to, se indicado, devem receber imunização passiva
crianças com imunodeficiência humoral sintomática com imunoglobulina. A imunoglobulina também
(baixa IgG sérica e infecções bacterianas recorrentes deve ser administrada a qualquer comunicante do-
graves e pouca resposta sorológica à vacinação). IgIV miciliar não imunizado exposto ao sarampo.
400mg/kg é administrada a cada 4 semanas. Crian- Crianças com infecção assintomática pelo HIV
ças com bronquiectasia, apesar de tratamento padrão – Essas crianças devem receber vacinas DtaP ou
com antibióticos cíclicos e fisioterapia respiratória DPT, IPV, Haemophilus influenzae Tipo b conju-
agressiva, podem se beneficiar de IgIV na dose de gada, hepatite B e sarampo/caxumba-rubéola, de
600mg/kg a cada 4 semanas. Em trombocitopenia acordo com os esquemas habituais. Embora a va-
associada a HIV, IgIV 500 a 1.000mg/kg ao dia pode cina oral contra poliovírus (OPV) tenha sido admi-
ser administrada durante 3 a 5 dias. nistrada a esses pacientes, sem efeitos adversos, a

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2334 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

IPV é recomendada porque tanto a criança quanto co aos demais. O quanto a criança deve saber so-
membros da família podem ser imunossuprimidos bre a doença depende da idade e da maturidade.
pela infecção por HIV e, portanto, podem apresen- Crianças maiores e adolescentes devem saber so-
tar risco de poliomielite paralítica associada à va- bre transmissão sexual e ser orientados adequada-
cina, causada por infecção pelo vírus vacinal. mente. A maioria das famílias não deseja compar-
A vacina contra varicela é contra-indicada para tilhar o diagnóstico com outros, porque pode criar
pessoas com infecção comprovada pelo HIV (exceto isolamento social. Sentimentos de culpa são co-
em estudos clínicos estritamente controlados), inde- muns. Membros da família, inclusive as crianças,
pendentemente dos sintomas de HIV. Como crianças podem ficar clinicamente deprimidos e necessitar
portadoras de HIV ≥ 2 anos têm risco aumentado de de orientação psiquiátrica.
infecção invasiva por pneumococo, devem receber Como (na ausência de exposição ao sangue) a in-
vacinação contra pneumococo. A revacinação a cada fecção pelo HIV não é adquirida por meio dos tipos
3 a 5 anos é recomendada. A vacinação contra in- habituais de contato entre crianças, como saliva ou
fluenza deve ser administrada anualmente para crian- lágrimas, a maioria das crianças infectadas por HIV
ças portadoras de HIV ≥ 6 meses. pode freqüentar escolas, sem restrições. Condições
Nos EUA e áreas de baixa prevalência de TB, a que representem risco aumentado para terceiros (por
vacina BCG não é recomendada. No entanto, em exemplo, mordeduras agressivas ou lesões de pele
países em desenvolvimento, onde a prevalência de exsudativas, com drenagem, que não possam ser co-
TB é elevada, a OMS recomenda que a BCG seja bertas) podem exigir precauções especiais.
administrada a todos os lactentes, ao nascimento, Apenas os pais da criança, outros responsáveis e o
se forem assintomáticos, independemente da infec- médico têm absoluta necessidade de saber que a crian-
ção por HIV da mãe. Alguns casos de infecção dis- ça é HIV-positiva. O número de pessoas, na escola,
seminada por BCG em crianças muito imunocom- que conhecem a condição da criança deve ser manti-
prometidas foram descritos. do ao mínimo necessário para garantir cuidados ade-
A imunização passiva após exposição a saram- quados à criança. A família tem o direito de informar
po, tétano e varicela é aconselhável para crianças a escola, mas pessoas envolvidas nos cuidados e edu-
portadoras de HIV, assintomáticas ou sintomáticas. cação de uma criança infectada precisam respeitar seu
Crianças soronegativas vivendo com paciente direito à privacidade. Revelações de informação de-
com infecção sintomática pelo HIV – Essas crian- vem ocorrer apenas com consentimento informado
ças, bem como as soropositivas, devem receber IPV dos pais ou responsáveis legais e assentimento apro-
ao invés de OPV, porque os poliovírus vivos na OPV priado para a idade da criança.
podem ser excretados e transmitidos para comuni- Não existe nenhuma razão para restringir cuida-
cantes imunossuprimidos. A vacina de sarampo-ca- dos de estranhos, colocação para adoção ou cre-
xumba-rubéola pode ser administrada, porque esses ches à criança portadora de HIV. O risco de trans-
vírus vacinais não são transmitidos. Para reduzir o missão de HIV nesses contextos é desprezível. Para
risco de transmissão de influenza a pacientes com crianças em creches, questões de sigilo e manipu-
infecção sintomática pelo HIV, está indicada vacina- lação de material potencialmente infectado são as
ção anual para comunicantes domiciliares. mesmas que para crianças portadoras de HIV em
A vacinação contra varicela para irmãos soro- escolas (ver anteriormente). Todas as escolas e cre-
negativos e adultos suscetíveis responsáveis por ches devem adotar procedimentos de rotina para
crianças infectadas pelo HIV é fortemente encora- manipulação de sangue ou líquidos e objetos con-
jada, para evitar aquisição da infecção do tipo sel- taminados com sangue, independentemente da pre-
vagem da varicela-zóster, que pode provocar doença sença de crianças reconhecidamente portadoras de
grave em pessoas imunodeficientes; no entanto, a HIV. Além disso, todas as famílias devem ser in-
transmissão de vírus vacinal de varicela de uma formadas, como rotina, de doenças altamente con-
pessoa para outra é rara. tagiosas, como varicela e sarampo, que ocorram na
Integração social de crianças infectadas pelo escola, de forma que crianças imunodeficientes
HIV – A infecção adquirida por crianças antes ou possam ser protegidas sem quebra de sigilo.
durante o nascimento afeta toda a família. O teste Adultos infectados por HIV assintomáticos po-
sorológico de irmãos e pais é recomendável. Em dem cuidar de crianças em escolas ou creches, desde
todos os casos, o médico precisa oferecer orienta- que não tenham lesões cutâneas exsudativas ou
ção e aconselhamento contínuo sobre HIV e mos- outras condições que permitam contato com líqui-
trar as precauções necessárias, em casa e na comu- dos orgânicos. Nenhum dado indica que adultos
nidade, para evitar a disseminação do vírus. infectados pelo HIV tenham transmitido HIV du-
À criança infectada devem ser ensinadas medi- rante os cuidados normais de uma criança ou res-
das de higiene e comportamento para reduzir o ris- ponsabilidades escolares. Adultos com infecção

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2335

sintomática pelo HIV são imunocomprometidos e congelado. Na microscopia eletrônica, cortes de


com maior risco de adquirir doenças infecciosas de fígado apresentam lesão mitocondrial que varia com
crianças pequenas. Devem consultar seus médicos a gravidade da doença, mas inclui depleção de gli-
em relação à segurança de se manterem no trabalho. cogênio, proliferação do retículo endosplasmático
liso, lesão peroxissomal e edema de matriz mito-
condrial. As alterações histológicas do fígado ge-
OUTRAS INFECÇÕES ralmente voltam ao normal em 8 a 12 semanas após
o início da doença.
SÍNDROME DE REYE Os achados do SNC são inespecíficos e incluem
edema cerebral, achatamento de giros, edema da subs-
É uma síndrome de encefalopatia aguda e infiltra- tância branca e compressão ventricular. À microsco-
ção gordurosa do fígado, que tende a seguir uma pia, espaços livres perineuronais e perivasculares com
infecção aguda causada por vírus. astrócitos edemaciados são observados.
A causa é ignorada, mas agentes virais (tais como
influenza A ou B, vírus da varicela), toxinas exó- Sintomas, sinais e complicações
genas (por exemplo, aflatoxina de Aspergillus A gravidade da doença varia muito, mas a sín-
flavus), salicilatos e defeitos metabólicos intrínse- drome é caracterizada por um acometimento bi-
cos foram implicados. fásico: de início, uma infecção viral, geralmente
Epidemiologia IRA (às vezes, doença exantemática) é seguida,
por volta do 6º dia, por náusea e vômito pernicio-
A síndrome ocorreu em 200 a 550 crianças sos e por uma mudança súbita do nível de consci-
anualmente, nos EUA, entre 1974 e 1984, mas des- ência. Quando associada à varicela, a encefalopa-
de então tornou-se muito rara, acometendo menos tia desenvolve-se no 4º ou 5º dia de exantema. As
de 20 crianças por ano. A síndrome atinge quase alterações no estado mental podem variar desde
exclusivamente crianças < 18 anos. Nos EUA, a amnésia leve e letargia notável até episódios in-
maioria dos casos surge no final do outono e no termitentes de desorientação e agitação que, fre-
inverno. Surtos geográficos e temporais, bem como qüentemente, progridem com rapidez para está-
casos esporádicos, foram descritos. Surtos disse- dios mais profundos de coma, manifestados por
minados ocorreram em associação com epidemia arresponsividade progressiva, postura de descor-
regional de influenza B e varicela embora, mesmo ticação e descerebração, convulsões, flacidez,
durante a epidemia, a síndrome de Reye seja rara. pupilas dilatadas fixas e parada respiratória. Acha-
Na Tailândia e na Jamaica, a síndrome foi associa- dos neurológicos focais não costumam estar pre-
da à ingestão de aflatoxina ou outras intoxicações sentes. A hepatomegalia ocorre em cerca de 40%
exógenas. Aumento da incidência entre irmãos foi dos casos, mas não há icterícia.
notado, mas não se sabe se fatores ambientais (como As complicações incluem distúrbios hidroeletro-
exposição comum a toxinas exógenas ou vírus) ou líticos, diabetes insípido, síndrome de secreção ina-
predisposição genética (por exemplo, deficiência propriada de ADH, hipotensão, arritmias cardíacas,
enzimática herdada) ou, mesmo, maior consciên- diátese hemorrágica (especialmente GI), pancreatite,
cia da doença, têm influência no agrupamento fa- insuficiência respiratória e pneumonia aspirativa.
miliar dos casos.
O uso de salicilatos durante a fase aguda da in- Diagnóstico
fluenza pode aumentar o risco de desenvolvimento Deve-se suspeitar da síndrome de Reye em qual-
da síndrome de Reye em até 35 vezes. Por isso, o quer criança exibindo início agudo de encefalopa-
uso de salicilatos em pessoas < 18 anos, exceto em tia (sem exposição conhecida a metal pesado ou
algumas doenças específicas (AR juvenil, síndro- toxina) e vômito pernicioso associado com disfun-
me de Kawasaki), é considerado perigoso. No en- ção hepática. A biópsia hepática fornece o diagnós-
tanto, não está esclarecido se a redução na inci- tico definitivo e é especialmente útil em casos es-
dência da síndrome de Reye seria decorrente ex- porádicos e crianças pequenas. O diagnóstico tam-
clusivamente da redução do uso de salicilatos em bém pode ser feito quando os achados clínicos tí-
crianças ou de outros fatores. picos e a história estão ligados a uma constelação
de achados laboratoriais: transaminases hepáticas
Patologia aumentadas (AST, ALT > 3 vezes o normal), bilir-
À microscopia óptica, é observada infiltração rubina normal, níveis aumentados de amônia séri-
gordurosa microvesicular panlobular e intracito- ca e tempo de protrombina prolongado. O exame
plasmática uniforme do fígado, que cora com óleo do LCR geralmente mostra pressão aumentada, < 8
vermelho O (uma coloração de Sudan) no corte a 10 leucócitos/µL e proteína normal; o nível de

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2336 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

glutamina no LCR pode estar elevado. Hipoglice- Tratamento


mia e hipoglicorraquia são observados em 15% dos Como a causa da síndrome é incerta e há distúr-
casos, em especial em crianças < 4 anos. bios metabólicos generalizados, não existe terapia uni-
Sinais de distúrbios metabólicos disseminados versalmente aceita. O diagnóstico precoce e a pronta
compreendem níveis séricos elevados dos aminoá- instituição de cuidados de manutenção intensiva são
cidos, distúrbios ácido-básicos (habitualmente hi- os pontos principais do tratamento, em especial para
perventilação com alcalose respiratória mista e aci- doença progressiva ou em estádio mais avançado.
dose metabólica), hiper e hiposmolaridade, hiper- Atenção meticulosa e constante aos estados neuroló-
natremia, hipocalemia e hipofosfatemia. gico, eletrolítico, metabólico, cardiovascular, respi-
O diagnóstico diferencial engloba outras cau- ratório e hídrico é essencial para competir com mu-
sas de coma e disfunção hepática, tais como sepse danças rápidas. Procedimentos comuns incluem mo-
ou hipertermia (especialmente em lactentes), erros nitoração da gasometria, pH sangüíneo e PA por ca-
inatos potencialmente tratáveis da síntese da uréia teteres arteriais, inserção de um tubo endotraqueal e
(por exemplo, deficiência de ornitina transcar- controle da ventilação. O tratamento abrange solu-
bamilase) ou oxidação de ácidos graxos (como ções IV contendo eletrólitos e glicose para se contra-
deficiência sistêmica de carnitina ou deficiência por às desidratação e depleção de glicogênio; uso cri-
de acil-CoA desidrogenase de cadeia média), terioso de catárticos e antibióticos não absorvíveis
intoxicação por fósforo ou tetracloreto de carbo- (neomicina, por exemplo) para encefalopatia hepáti-
no, encefalopatia aguda causada por salicilismo ca e vitamina K e, se necessário, transfusão de plas-
ou outras drogas ou venenos, encefalite viral ou ma fresco para coagulopatia. A pressão intracraniana
meningoencefalite e hepatite aguda. Achados elevada deve ser controlada com agentes como
semelhantes aos da microscopia óptica na biópsia manitol, dexametasona ou glicerol. Outros tratamen-
de fígado podem ser observados na esteatose tos, tais como exsangüíneotransfusão, hemodiálise ou
idiopática da gestação e toxicidade hepática da indução de coma profundo com o uso de barbitúricos
tetraciclina. (para reduzir a pressão intracraniana) não são com-
provadamente eficazes, mas às vezes empregados.
Prognóstico
A evolução está relacionada à gravidade e ve- FEBRE DE ORIGEM
locidade de progressão do coma, intensidade da
pressão intracraniana e grau de elevação de amô- INDETERMINADA
nia sérica. Um sistema recomendado de estadia- É uma temperatura retal (ou equivalente) de 38,5°C
mento para avaliação de pacientes com síndro- (101,3°F) ou mais, medida pelo menos em 4
me de Reye é mostrado na T ABELA 265.18. ocasiões num período ≥ 2 semanas, em criança
A progressão do Estádio I para estádios mais avan- que não apresenta nenhuma causa aparente de-
çados pode ser prevista quando o nível sangüí- pois de história e exame físico completos.
neo inicial de amônia excede 100µg/dL (60µmol/L) Alternativamente, algumas autoridades diagnos-
e o tempo de protrombina é ≥ 3segundos mais ticam febre de origem indeterminada (FOI) quan-
prolongado do que o controle. Em casos fatais, o do a temperatura retal for > 38,3°C ( > 101°F) du-
tempo médio desde a internação até o óbito é de rante > 8 dias, nas condições descritas. Está ex-
4 dias. Os índices de óbito são, em média, 21%, cluída a maioria das doenças febris breves auto-
mas variam de < 2%, entre pacientes no Estádio limitadas, que respondem por aproximadamente
I, até > 80%, em pacientes nos Estádios IV ou V. 30% das consultas pediátricas ambulatoriais, nos
Afortunadamente, a maioria dos pacientes é diag- EUA. Por causa da escassez de dados, a FOI em
nosticada durante o Estádio I e acredita-se que a crianças não está tão bem delineada como em adul-
intervenção precoce pode melhorar ou evitar a tos, mas certas diferenças são aparentes.
progressão. Os índices de óbito são particular-
mente elevados em pacientes que apresen- Etiologia
tam convulsões, flacidez e parada respiratória. Como em adultos, a etiologia da febre de ori-
O prognóstico para os sobreviventes costuma ser gem indeterminada em crianças depende parcial-
bom. Recorrências são incomuns. A incidência mente do local; os dados aqui apresentados são
de seqüelas neurológicas (retardo mental, distúr- derivados de crianças em clima temperado, nos
bios convulsivos, paralisias de nervos cranianos, EUA. A FOI em crianças talvez seja provocada mais
disfunção motora) pode ser de até 30% entre por uma apresentação pouco habitual de uma do-
aqueles que desenvolvem convulsões ou postura ença comum do que por uma apresentação comum
de descerebração durante a doença. de uma doença rara.

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2337

TABELA 265.18 – ESTADIAMENTO DA SÍNDROME DE REYE


Estádios
Sinais I II III IV V
Nível de Letargia, obedece Combativo ou Coma Coma Coma
consciência comandos ver- estuporoso
bais
Postura Normal Normal Descorticada Descerebrada Flácida
Resposta a Dirigida Dirigida ou não Descorticada Descerebrada Nenhuma
estímulos dirigida
dolorosos
Reação pupilar Rápida Lenta Lenta Lenta Nenhuma
Olhos-de-bone- Normal Desvio conjugado Desvio conjuga- Inconsciente Nenhuma
ca (reflexo do ou ausente
oculocefálico)
A partir de “NIH Consensus Development Conference, Diagnosis and Treatment of Reye’s Syndrome.” JAMA 246:
2441–2444, 27 de Novembro, 1981.

A infecção é responsável por cerca de 50% das da febre de origem indeterminada permanece ig-
febres de origem indeterminada em crianças; em norada em cerca de 10 a 20% das crianças (5 a
quase 50% destes, os vírus são a etiologia presuntiva 10% dos adultos), apesar de exaustiva investiga-
e 65% ocorrem em crianças ≥ 6 anos. O tipo de ção diagnóstica.
infecção varia com a idade: infecções do trato respi-
ratório superior e infecções virais são mais comuns Sintomas, sinais,
em crianças < 2 anos, enquanto endocardite e mo- diagnóstico e prognóstico
nonucleose infecciosa acometem predominante- Sintomas inespecíficos (tais como anorexia, per-
mente crianças > 6 anos. Crianças tendem a ter mais da de peso, fadiga, calafrios, suores) são comuns e
doenças virais e bacterianas comuns do que adul- têm pouco valor no diagnóstico diferencial ou prog-
tos, nos quais TB, abscessos ocultos e microrga- nóstico, mas são importantes juntamente com sinais
nismos menos comuns são encontrados. O HIV objetivos, como perda de peso ou atraso do cresci-
pode provocar FOI em crianças e adultos. mento. Ao contrário, pacientes com sintomas e sinais
Doenças vasculares do colágeno (DVC) e doen- cutâneos (prurido, erupção cutânea, alterações
ças inflamatórias representam cerca de 20% das fe- pigmentares) provavelmente tenham uma doença gra-
bres de origem indeterminada em crianças. Outra vez, ve (doença maligna ou DVC), como também dor to-
a idade auxilia no diagnóstico diferencial. Das crian- rácica, dispnéia, sopro cardíaco significativo, artropatia
ças com DVC e doenças inflamatórias mais febre de e cianose (por exemplo, endocardite bacteriana, LES).
origem indeterminada, incluindo quase todas as com Uma história completa, incluindo contato com
doença inflamatória do intestino (doença de Crohn pessoas infectadas, exposição a animais de estima-
do intestino delgado ou grosso, colite ulcerativa), 80% ção ou selvagens, história de viagem, picadas de
têm > 6 anos. AR juvenil e LES também provocam insetos, dieta pouco habitual e ancestrais étnicos
febre de origem indeterminada. pode fornecer indícios valiosos. Como os pais po-
Neoplasias produzem 10% das febres de origem dem omitir ou esquecer detalhes importantes, são
indeterminada em crianças (sendo a leucemia e o úteis histórias repetidas. Exames físicos repetidos
linfoma as mais comuns). Ao contrário, em adul- são importantes, porque 25% dos pacientes podem
tos, a neoplasia representa 20% das FOI, com pre- desenvolver sinais e sintomas-chave (ver adiante)
dominância de tumores sólidos (por exemplo, lin- depois do primeiro exame. A internação pode faci-
foma, carcinoma de células renais, hepatoma, car- litar o exame completo repetido.
cinomatose disseminada). Em > 80 a 90% dos casos, uma causa pode ser
Causas diversas (síndromes de febre periódi- apontada – em geral, uma doença comum na in-
ca, febre por drogas, disautonomia familiar, febre fância. Procedimentos diagnósticos complexos são
factícia, síndrome de Behçet, tireoidite e outras) menos necessários em crianças do que em adultos
representam < 10% de FOI em crianças. A causa com FOI.

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2338 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Hemograma de rotina, exame de urina e raio X de 1,5:1. Em torno de 80% dos pacientes são < 5 anos
tórax podem ajudar a excluir anemia crônica, ITU e (média de 2 anos); casos verdadeiros em adoles-
pneumonia. Uma VHS elevada e a taxa albumi- centes e adultos são raros. A doença aparece du-
na:globulina invertida são encontradas em aproxima- rante todo o ano, mas com maior freqüência na pri-
damente 75% dos pacientes com HIV, DVC ou doen- mavera ou no inverno. Foram descritos surtos em
ça maligna, mas em apenas 10% dos pacientes com comunidades sem evidência clara de transmissão
doenças virais ou benignas. Hemoculturas, teste de de pessoa a pessoa. Recorrências costumam acon-
PPD e uroculturas talvez devam ser realizadas em tecer em 1% dos pacientes.
todos os pacientes. Alguns devem ser submetidos a A patologia é quase idêntica à da periarterite
radiografias de seios da face. nodosa infantil, com a vasculite afetando primaria-
Testes sorológicos para vírus Epstein-Barr, ci- mente as artérias grandes e médias. Há particular
tomegalovírus, toxoplasmose ou HIV podem ser predileção pelos vasos coronários.
muito úteis em alguns pacientes, mas testes de
triagem amplos para anticorpos (como baterias Sintomas, sinais e complicações
de aglutininas febris) não o são. O exame da me- A doença tende a progredir em estádios, come-
dula óssea pode ajudar a diagnosticar infecção çando com febre, em geral remitente e > 39°C
(por cultura, particularmente em infecções por (102,2°F), associada com irritabilidade, às vezes
Salmonella, ou por histologia, mostrando aumento extrema, letargia ocasional e dor abdominal inter-
na razão mielóide/eritróide), certas doenças ma- mitente em cólicas. A febre dura 1 a 2 semanas ou
lignas (por histologia) e DVC (por histologia, mais em pacientes não tratados. Usualmente, um
mostrando predominância de plasmócitos). Bióp- dia ou dois depois do início da febre aparece inje-
sias de tecidos (linfonodo, lesões de pele, fíga- ção bulbar conjuntival bilateral sem exsudato. Em
do) podem ser úteis em algumas crianças. Lapa- 5 dias, aparece um exantema polimorfo, macular,
rotomia e estudos angiográficos e com radioisó- eritematoso, primariamente sobre o tronco, quase
topos (tecnécio e gálio) são necessários com me- sempre com acentuação na região perineal. O exan-
nos freqüência do que em adultos. Ultra-som e tema pode ser urticariforme, morbiliforme ou
TC às vezes são úteis. Crianças com doença sis- escarlatiniforme e é acompanhado por hiperemia
têmica e que deixam de se desenvolver podem de faringe, lábios hiperemiados, secos e com fissu-
exigir exames laboratoriais mais extensos. ras e língua vermelha como morango. Durante a
Em alguma época durante a doença, 80% das crian- primeira semana, pode ocorrer palidez da porção
ças com FOI recebem antibióticos e quase 100% re- proximal das unhas dos dedos das mãos e dos pés
cebem antipiréticos. Essas terapias retardam o (leuconiquia parcialis). Eritema ou manchas ver-
diagnóstico, porque mascaram o processo de base. melho-purpúricas e edema variável das plantas e
O prognóstico está relacionado com a causa de base. palmas geralmente aparecem em torno dos 3º ou
A taxa de recuperação completa esperada para crian- 5º dias. Embora o edema possa ser discreto, costu-
ças com FOI por infecção é > 80%, mas alguns estu- ma ser tenso, duro e não depressível. A descama-
dos relatam um índice de mortalidade de 5 a 10%. ção periungueal, palmar e plantar, começa em tor-
no do 10º dia. A camada superficial da pele às ve-
SÍNDROME DE KAWASAKI zes se descama em grandes faixas, revelando a pele
nova normal. Linfadenopatia cervical não supura-
É uma síndrome que geralmente ocorre em lacten- tiva, dolorosa (≥ 1 linfonodo/ ≥ 1,5cm) está pre-
tes e crianças < 5 anos de idade, caracterizada sente durante todo curso da doença em aproxima-
por febre prolongada, exantema, conjuntivite, in- damente 50% dos pacientes; os outros achados se
flamação de mucosas, linfadenopatia cervical e encontram, cada um, em cerca de 90% dos pacien-
poliarterite de intensidade variável. tes. A doença pode durar de 2 a 12 semanas ou mais.
Outros achados menos específicos indicam o
Etiologia, epidemiologia e patologia envolvimento de vários sistemas. Artrites ou artral-
A etiologia é desconhecida, mas a epidemiolo- gias ocorrem em torno de um terço dos pacientes
gia e a apresentação clínica sugerem uma infecção (comprometendo principalmente grandes articula-
ou resposta imunológica anormal à infecção. ções). Outros sinais clínicos podem englobar
Descrita primeiro no Japão, por volta de 1960, uretrite, meningite asséptica, hidropsia da vesícula
milhares de casos foram reportados ao redor do biliar e uveíte anterior.
mundo, em diversos grupos étnicos e raciais, mas As complicações mais importantes são as de in-
crianças de ascendência japonesa têm maior pre- flamação cardíaca, mais notavelmente arterite co-
valência. Milhares de casos surgem anualmente nos ronária. Manifestações cardíacas em geral come-
EUA. A proporção masculino: feminino é cerca de çam em torno do 10º dia, quando o exantema, a

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CAPÍTULO 265 – INFECÇÕES DA INFÂNCIA / 2339

febre e outros sintomas clínicos agudos iniciais TABELA 265.19 – CRITÉRIOS PARA
começam a ceder; isto é, na fase subaguda da sín- DIAGNÓSTICO DA SÍNDROME DE
drome. A inflamação das artérias coronárias com KAWASAKI
dilatação e formação de aneurisma ocorre em 5 a O diagnóstico é realizado se ocorreu febre por 5 dias ou
20% de todos os casos, às vezes associada à mio- mais e quatro dos seguintes critérios forem notados:
cardite aguda com insuficiência cardíaca, arritmias
e pericardite e raramente com tamponamento car- 1. Injeção conjuntival não exsudativa bilateral
díaco, trombose ou infarto. 2. Alterações nos lábios, língua ou mucosa oral
Achados laboratoriais e diagnóstico (injeção, ressecamento, fissura, língua em
framboesa)
Leucocitose, muitas vezes com grande aumento
de células imaturas (bastonetes), é comum na fase 3. Alterações nas extremidades periféricas (edema,
aguda da doença. Outros achados hematológicos eritema, descamação)
incluem anemia leve, trombocitose (≥ 500.000/µL) 4. Exantema polimórfico de tronco
nas 2ª ou 33ª semanas de doença e VHS elevada
(geralmente de forma muito acentuada). 5. Linfadenopatia cervical (pelo menos um
Outras anormalidades laboratoriais podem ser linfonodo ≥ 1,5cm de diâmetro)
observadas, dependendo dos sistemas orgânicos en-
volvidos; incluem piúria, proteinúria, pleocitose do o prognóstico de recuperação completa é excelen-
LCR e alterações do ECG (arritmias, diminuição da te. Aproximadamente 2⁄3 dos aneurismas de coro-
voltagem ou hipertrofia ventricular esquerda). A eco- nária regridem em 1 ano, embora não se saiba se
cardiografia deve ser realizada em todos os pacientes permanece uma estenose coronariana residual.
por ocasião do diagnóstico (para estabelecer um ba- Aneurismas coronarianos gigantes (> 8mm de diâ-
sal e detectar aneurismas da artéria coronária, peri- metro interno na ecocardiografia) têm menor pro-
cardite ou miocardite) e 3 a 4 semanas, 6 a 8 semanas babilidade de regressão e exigem acompanhamen-
e, talvez, 6 a 12 meses depois do início. A arteriogra- to e terapia mais intensivos.
fia coronária é útil em pacientes com aneurismas e
teste de esforço alterado. Os ECG são repetidos jun- Tratamento
tamente com a ecocardiografia. Crianças com síndrome de Kawasaki devem ser
O diagnóstico é baseado nos achados clínicos e tratadas por cardiologista pediátrico experiente ou
na exclusão de outras causas. Os critérios para infectologista pediátrico ou com assessoria intensa
diagnóstico estão na TABELA 265.19. Os resulta- desses profissionais. A terapia é introduzida o mais
dos de culturas para bactérias e vírus, bem como
testes sorológicos para evidência de infecção são cedo possível, idealmente nos primeiros 10 dias de
negativos, mas podem ser úteis para diagnóstico doença, com uma combinação de imunoglobulina
de outras doenças com apresentação semelhante. intravenosa em altas doses (IgIV – dose única de
O diagnóstico diferencial inclui doenças bacteria- 2g/kg administrada em 10 a 12h) e aspirina oral
nas (especialmente escarlatina, síndromes esfoliati- em altas doses (80 a 100mg/kg ao dia em 4 doses
vas estafilocócicas e leptospirose), exantemas virais fracionadas). A dose de aspirina é reduzida para 3
(como sarampo), riquetsioses (febre maculosa das a 5mg/kg ao dia em dose única, quando a criança
Montanhas Rochosas, por exemplo), toxoplasmose, se torna afebril (alguns especialistas preferem con-
acrodinia (causada pelo envenenamento por mercú- tinuar com dose alta até o 14º dia da doença).
rio), síndrome de Stevens-Johnson e AR juvenil. O metabolismo da aspirina é irregular durante a sín-
drome de Kawasaki aguda, o que explica parcial-
Prognóstico mente a razão para as exigências de doses eleva-
A mortalidade global é estimada em 0,1% com das. Alguns especialistas monitoram os níveis sé-
tratamento adequado; sem terapia, a mortalidade ricos de aspirina durante a terapia com altas doses,
pode chegar a 1%. Os óbitos estão mais relaciona- especialmente se administrada durante 14 dias.
dos a complicações cardíacas, mas podem ser sú- A maioria dos pacientes apresenta resposta bri-
bitos e imprevisíveis; > 50% ocorrem durante o lhante nas primeiras 24h depois de introduzida a
primeiro mês após o início; 75%, até o 2º mês e, terapia; uma pequena fração continua em mau es-
95%, até o 6º mês, mas podem acontecer até 10 tado, com febre, durante vários dias e precisa de
anos depois. O tratamento eficaz reduz os sinto- nova administração de IgIV. Um esquema alterna-
mas agudos e, o que é mais importante, reduz a tivo, que pode levar a uma resolução discretamen-
incidência de aneurismas de artéria coronária de te mais lenta dos sintomas, mas que pode benefi-
20 para < 5%. Na ausência de doença coronariana, ciar aqueles com disfunção cardíaca que não con-

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2340 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

seguem tolerar o volume de 2g/kg/infusão de IgIV, ro, levados à boca e deglutidos. Os ovos transpor-
é 400mg/kg ao dia de IgIV, diariamente, durante 4 tados pelo ar podem ser inalados e depois degluti-
dias (novamente em combinação com altas doses dos. A reinfestação (ou auto-infestação) ocorre fa-
de aspirina). A eficácia da terapia com IgIV/aspiri- cilmente pela transferência de ovos, por unhas e
na, quando administrada mais de 10 dias depois do mãos, da área perianal para a boca.
início da doença, é ignorada, mas mesmo assim a Os parasitas alcançam a maturidade no trato
terapia deve ser considerada. gastrointestinal baixo em 2 a 6 semanas. A fêmea
Depois que a criança melhora, a aspirina, 3 a migra para a região perianal (quase sempre à noi-
5mg/kg ao dia, é mantida por pelo menos 8 sema- te), para depositar seus ovos nas dobras da pele. A
nas, até que seja realizada nova ecocardiografia. substância gelatinosa na qual os ovos são deposita-
Se não houver aneurismas em coronárias e os si- dos e os movimentos da fêmea causam prurido. Os
nais de inflamação estiverem em regressão (de- ovos sobrevivem até 3 semanas, em temperatura
monstrado pela normalização de VHS e plaquetas), ambiente. Entretanto, as larvas podem incubar ra-
a aspirina pode ser interrompida. Por causa de seu pidamente e migrar de volta para o reto e o intesti-
efeito antitrombótico, a aspirina é mantida indefi- no baixo (retroinfestação).
nidamente para crianças com alterações de coro-
nárias. Crianças com aneurismas gigantes podem Sintomas e sinais
necessitar de terapia anticoagulante adicional (por A maioria dos portadores de oxiúro não mostra
exemplo, cumadina ou dipiridamol). sinais ou sintomas. Alguns, contudo, experimen-
Crianças que recebem IgIV podem ter resposta tam prurido e desenvolvem escoriações na área pela
mais lenta a vacinas de vírus vivo. Portanto, a vaci- coceira persistente. A vaginite, em meninas de bai-
na de sarampo-caxumba-rubéola deve ser adiada xa idade, pode ser causada pela irritação do oxiúro.
até 11 meses depois da administração de IgIV e, a Dor abdominal, insônia, convulsões e muitas ou-
de varicela, por ≥ 5 meses. Se o risco de exposição tras condições foram atribuídas à infecção por
a sarampo for alto, a vacinação deve ser feita, mas oxiúro, mas uma relação causal não foi demonstra-
a revacinação (ou teste sorológico) deve se dar 11 da. Apendicite por obstrução do lúmen do apêndi-
meses mais tarde. ce por oxiúro é rara, mas pode ocorrer; a presença
Existe um pequeno risco de síndrome de Reye do parasita pode ser somente uma coincidência.
(ver anteriormente) para crianças recebendo aspi-
rina a longo prazo durante surtos de influenza ou Diagnóstico
varicela. Pais de crianças que recebem aspirina de- A infestação por oxiúro pode ser diagnosticada pelo
vem ser orientados a entrar imediatamente em con- achado da fêmea, que pode ter 10mm de comprimen-
tato com o pediatra se a criança for exposta ou de- to (machos têm cerca de 3mm), na região perianal, 1
senvolver sintomas de influenza ou varicela. A in- ou 2h após a criança ter sido colocada na cama, à
terrupção temporária da aspirina pode ser conside- noite, ou pela identificação dos ovos pela microsco-
rada (com substituição de dipiridamol, para crian- pia de baixa resolução. Os ovos de 30µg, em aumento
ças com aneurismas confirmados). A vacinação de 50 vezes, têm forma oval e um envoltório delgado
anual contra influenza está indicada para crianças que contém a larva encurvada. São obtidos logo pela
que recebem aspirina a longo prazo.
manhã, quando a criança se levanta, cobrindo-se as
dobras da pele da região perianal com uma fita adesi-
INFESTAÇÃO POR OXIÚROS va transparente, esticada com a ponta de um abaixador
(Enterobíase; Oxiuríase) de língua. A fita é colocada com o lado colante sobre
uma lâmina de vidro. Uma gota de tolueno entre a
É uma infestação intestinal por Enterobius vermi- fita e a lâmina dissolverá o muco e eliminará as bo-
cularis caracterizada por prurido perianal. lhas que podem dificultar a identificação dos ovos.
O oxiúro é o parasita mais comum infestando Este procedimento deve ser repetido em 5 manhãs
crianças em climas temperados. A prevalência de consecutivas, para excluir infestação por oxiúros.
Enterobius na população infantil geral é ≥ 20%;
em crianças institucionalizadas, chega a 100%. Tratamento
Uma vez que a relação parasitária raramente é
Patogênese danosa, a prevalência é alta e a reinfestação é pro-
A infestação geralmente resulta da transferên- vável, o tratamento não costuma estar indicado.
cia, através das unhas e mãos, de ovos da área pe- Contudo, muitos pais ficam chocados com o con-
rianal para fomitos (roupas, cama, brinquedos, ta- ceito de infestação e buscam ativamente o trata-
petes), de onde são transmitidos ao novo hospedei- mento, mesmo quando suas crianças tiveram

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CAPÍTULO 266 – NEOPLASIAS / 2341

oxiúros muitas vezes. Uma dose única de meben- Petrolato carbólico ou outros cremes ou pomadas
dazol, 100mg, VO (independentemente da idade), antipruriginosas usados topicamente na região peria-
é eficaz na erradicação dos vermes (mas não dos nal, 2 a 3 vezes por dia, podem aliviar o prurido.
ovos) em 90% dos casos. Pamoato de pirantel em 1 Na reinfestação, a completa erradicação dos
dose de 11 mg/kg (máximo 1g) VO e repetido de- oxiúros numa única família possibilitaria, na maior
pois de 2 semanas também erradica oxiúros em parte dos casos seguidos, um regime extremo:
cerca de 90% dos casos. Retro e reinfestações são l. todos os membros da família receberiam a dose
prováveis, porque os ovos podem ser depositados terapêutica de pamoato de pirantel; 2. todos os
até 1 semana depois da terapia e aqueles deposita- membros se afastariam de casa por 3 semanas, de
dos no ambiente antes da terapia podem sobrevi- preferência permanecendo cada noite num local
ver por 3 semanas. Como múltiplas infestações diferente (e sendo cuidadosos para não contaminar
domiciliares são a regra, tratar apenas um membro terceiros); e 3. o pamoato de pirantel é novamente
da família é inútil. Lavar as mãos e limpar a casa administrado a todos, ao final de 2 semanas. Obvia-
meticulosamente têm pouco efeito no controle ou mente, esse tratamento não é prático, mesmo po-
tratamento da infestação pelo oxiúro. dendo ser efetivo.

266␣ /␣ NEOPLASIAS
Neoplasias da infância também são discutidas em outros locais neste MANUAL
(por exemplo, leucemias são discutidas no Cap. 138 e tumores cerebrais no
Cap. 177).

TUMOR DE WILMS Arteriografia renal, cavografia venosa, pielografia


retrógrada ou urografia excretora raramente são
(Nefroblastoma) necessárias. A radiografia de tórax (e possivelmente
É um tumor maligno embrionário dos rins com- TC de tórax) é necessária para detectar envolvimen-
posto de diversas combinações de elementos de to pulmonar metastático no diagnóstico inicial.
blastema, estroma e epitélio.
O tumor de Wilms geralmente se apresenta em Prognóstico e tratamento
crianças < 5 anos, mas ocasionalmente em crian- O prognóstico depende da aparência histológica
ças mais velhas e raramente em adultos. Ocorrem do tumor, estádio na época do diagnóstico e idade
tumores de Wilms bilaterais sincrônicos em apro- do paciente (quanto mais jovem, melhor).
ximadamente 4% dos casos. Um defeito genético A imediata exploração cirúrgica de lesões po-
(WT1, o gene supressor do tumor de Wilms) foi tencialmente ressecáveis é indicada, com exame de
identificado em alguns casos. Anomalias congêni- rim contralateral. É empregada a quimioterapia com
tas (por exemplo, aniridia e hemi-hipertrofia) es- actinomicina D e vincristina, com ou sem radiote-
tão associadas com um aumento da incidência do rapia, dependendo do estádio da doença. Crianças
tumor de Wilms. com doença mais avançada também recebem do-
xorrubicina. O “National Wilms’ Tumor Study
Sintomas, sinais e diagnóstico Group” (Grupo Nacional de Estudo de Tumores de
O achado de apresentação mais freqüente é uma Wilms) estabeleceu critérios de estadiamento e
massa abdominal palpável; outros achados incluem orientações para o tratamento.
dor abdominal, hematúria, febre, anorexia, náusea e
vômitos. Hematúria (ocorre em 15 a 20% dos casos)
indica invasão do sistema coletor. A hipertensão pode NEUROBLASTOMA
ocorrer secundariamente à isquemia por compressão É um tumor maligno sólido comum da infância,
do pedículo ou do parênquima renal. surgindo principalmente na glândula adre-
A ultra-sonografia abdominal define a natureza nal,mas também de qualquer porção de cadeia
cística ou sólida do tumor e se há envolvimento de simpática extra-adrenal, incluindo retroperi-
veia renal ou cava. A TC é necessária para deter- tônio ou tórax.
minar a extensão do tumor e a disseminação para Aproximadamente 75% destes tumores são
linfonodos regionais, rim contralateral ou fígado. diagnosticados em crianças < 5 anos de idade. Exis-

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2342 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

te predisposição familial em um subgrupo de pa- sem amplificação do oncogene MYCN indicam


cientes. Cerca de 65% dos neuroblastomas come- melhor prognóstico. Geralmente é necessário tra-
çam no abdome e 15 a 20%, no tórax, os 15% res- tamento com quimioterapia para crianças mais
tantes surgem de diversos sítios, como região cer- velhas (isto é, > de 1 ano de idade) ou crianças
vical ou a pelve. O neuroblastoma pode ocorrer com doença avançada. Drogas quimioterápicas
muito raramente como tumor primário de SNC. A (por exemplo, vincristina, ciclofosfamida, doxor-
maioria dos neuroblastomas produz catecolaminas, rubicina, cisplatina, carboplatina e etoposida) são
cujos níveis elevados podem ser detectados como utilizadas; e às vezes, é necessária radioterapia
níveis elevados de produtos de degradação de cate- para doença avançada.
colaminas urinários. O ganglioneuroma, que geral-
mente ocorre em adultos, é uma variante benigna, RETINOBLASTOMA
completamente diferenciada, do neuroblastoma. É um tumor maligno que surge a partir da retina
Sintomas, sinais e diagnóstico imatura.
Os sintomas e sinais de apresentação dependem Ocorre em 1:15.000 a 1:30.000 dos nascidos-
do local de origem e estádio da doença, por exem- vivos e representa cerca de 2% das doenças ma-
plo, massa abdominal palpável ou problemas res- lignas da infância. A doença pode ser herdada ou
piratórios devido um tumor torácico. Ocasional- resultado de uma nova mutação germinativa. Cer-
mente, os sintomas ou sinais de apresentação po- ca de 10% dos pacientes apresentam história fami-
dem ser devido a metástases: um fígado aumenta- liar de retinoblastoma e outros 20 a 30% apresen-
do por metástases hepáticas, dor óssea por metás- tam doença bilateral; todos esses (isto é, 30 a 40%
tases ósseas; ou palidez (anemia), petéquias (trom- dos pacientes) podem transmitir a característica para
bocitopenia) e leucopenia por metástases na me- seus filhos no padrão autossômico dominante. Es-
dula óssea. Outros sítios de metástases menos co- tes pacientes parcem ter uma anormalidade genéti-
muns incluem pele e cérebro. Podem ocorrer he- ca constitucional que, em pelo menos 25%, parece
morragia e necrose dentro do tumor, e os tumores ser uma deleção envolvendo o cromossomo 13q14
abdominais podem atravessar a linha média. As (anormalidades menores e indetectáveis podem
crianças ocasionalmente se apresentam com síndro- estar presentes em todos estes pacientes). Uma
mes paraneoplásicas como opsoclono-mioclono, mutação no outro cromossomo 13 (“segundo aci-
diarréia aquosa ou hipertensão. Também podem apre- dente”) parece resultar no tumor. A maioria dos 60%
sentar déficits neurológicos focais devido à exten- dos pacientes restantes, com doença unilateral e sem
são direta do tumor para o canal espinhal. história familiar de retinoblastoma, apresenta doen-
Os exames diagnósticos incluem ultra-som e TC ça não hereditária. Entretanto, cerca de 5% destes
para avaliar natureza e extensão do tumor primá- pacientes também podem ser portadores do gene
rio. Os seguintes exames são usados para avalia- para o retinoblastoma, com o risco de transmitir a
ção quanto a metástases: exame de medula óssea característica para seus filhos.
de diversos locais, pesquisa do esqueleto, mapea- Diagnóstico
mento ósseo, TC e, às vezes, mapeamento com I131-
metaiodobenzilguanidina. O ácido urinário vani- O diagnóstico é geralmente feito aos 3 ou 4 anos
lilmandélico (VMA) está elevado em ≥ 65% dos de idade quando um reflexo branco na pupila (pu-
pacientes; VMA elevado juntamente com ácido pila olho de gato) ou estrabismo é investigado.
homovanílico aumentado identifica > 90% dos pa- Deve-se realizar cuidadosamente em ambos os
cientes. São usadas coletas de urina de 24h, embo- olhos o exame do fundo do olho pela oftalmosco-
ra o exame de uma amostra costuma ser suficiente. pia indireta com as pupilas bem dilatadas e a crian-
Quando o tumor é ressecado, uma porção deve ser ça sob anestesia. Os tumores aparecem como ele-
analisada para índice de DNA (uma medida quan- vações únicas ou múltiplas branco-acinzentadas da
titativa de conteúdo cromossômico) e amplificação retina; implantes tumorais podem ser visíveis no
do oncogene MYCN. vítreo. Em quase todos os tumores, a calcificação
O diagnóstico diferencial inclui tumor de Wilms, pode ser detectada na TC.
massas renais, rabdomiossarcoma, hepatoblastoma, Triagem – Membros da família de pacientes com
linfoma e tumores de origem genital. retinoblastoma devem ser informados sobre as im-
plicações genéticas e riscos. A penetrância do gene
Prognóstico e tratamento de retinoblastoma não é necessariamente completa
A excisão cirúrgica de lesões primárias loca- (80 a 100%, com alguns portadores apresentando
lizadas oferece a maior chance de cura. Crianças um retinocitoma não diagnosticado). Membros da
< 1 ano de idade, doença em estádio inicial e família próxima de qualquer criança com retinoblas-

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CAPÍTULO 267 – FIBROSE CÍSTICA / 2343

toma devem ser submetidos a pelo menos um exa- crioterapia ou radiação do outro olho. A quimiote-
me oftalmológico para excluir retinoblastoma (em rapia sistêmica, assim como a carboplatina e
crianças pequenas) ou retinocitoma (pessoas mais etoposida ou ciclofosfamida e vincristina, pode ser
velhas). Sondas de DNA recombinante podem ser útil, em especial quando a doença já está dissemi-
úteis para identificar portadores assintomáticos. nada fora do globo ocular. O exame oftalmológico
repetido dos dois olhos com novo tratamento, se
Tratamento necessário, é recomendado em intervalos de 2 a 4
Se diagnosticado quando o tumor é intra-ocular, meses. Estudos do LCR e medula óssea para célu-
> 90% dos pacientes podem ser curados. Retino- las malignas são conduzidos concomitantemente.
blastoma unilateral é geralmente tratado por enu- Pacientes com a forma hereditária do retinoblasto-
cleação com remoção da maior quantidade possí- ma apresentam uma incidência mais elevada de uma
vel de nervo óptico. Para aqueles pacientes com segunda neoplasia, cerca de 50% das quais origi-
doença bilateral, a preservação da visão geralmen- nam-se dentro da área irradiada. Cerca de 30 anos
te pode ser alcançada através da coagulação bilate- depois do diagnóstico inicial, 70% dos pacientes já
ral ou da enucleação unilateral e fotocoagulação, desenvolveram um segundo tumor maligno.

267␣ /␣ FIBROSE CÍSTICA


(Mucoviscidose; Doença Fibrocística do Pâncreas; Fibrose Cística Pancreática)
É uma doença hereditária das glândulas exócrinas, afetando primariamente
os sistemas GI e respiratório, e geralmente caracterizada por DPOC, insufi-
ciência pancreática exócrina e eletrólitos do suor anormalmente altos.

Incidência e etiologia tações em um ou nos dois genes, RTFC, ou uma


A fibrose cística, doença genética com limite de mutação incompletamente penetrante (5T) em re-
sobrevida curto mais comum na população branca, gião não codificada de RTFC. Essas pessoas geral-
mente não apresentam nenhuma evidência de doen-
ocorre nos EUA em cerca de 1/3.300 nascidos vi- ça do trato respiratório ou pancreática, e podem
vos brancos, 1/15.300 nascidos vivos negros e apresentar concentrações normais, limítrofes ou
1/32.000 norte-americanos de origem asiática; 30% elevadas de Cl no suor
dos pacientes são adultos.
A fibrose cística é transmitida como uma caracte- Patologia e fisiopatologia
rística autossômica recessiva por cerca de 3% da Quase todas as glândulas exócrinas são afetadas
população branca. O gene responsável foi locali- em várias distribuições e graus de intensidade. As
zado em 250.000 pares de bases do DNA do glândulas afetadas são de 3 tipos: aquelas que ficam
genoma no cromossomo 7q (braço longo). Ele co- obstruídas por material eosinofílico viscoso ou sóli-
difica uma proteína associada à membrana deno- do no lúmen (pâncreas, glândulas intestinais, ductos
minada de regulador transmembrana da fibrose cís- biliares intra-hepáticos, vesícula biliar, glândulas
tica (RTFC). A mutação do gene mais comum, submaxilares); aquelas que são histologicamente anor-
∆F508, leva à ausência de um resíduo de fenilalanina mais e produzem excesso de secreções (glândulas tra-
na posição 508 na proteína RTFC, e é encontrada queobrônquicas de Brunner) e aquelas que são histo-
em aproximadamente 70% dos alelos de fibrose cís- logicamente normais, mas secretam Na e Cl em ex-
tica; > 600 mutações menos comuns são responsá- cesso (glândulas sudoríparas, parótida e pequenas
veis pelos 30% restantes. Embora a função exata glândulas salivares). As secreções duodenais são vis-
da RTFC permaneça desconhecida, parece ser par- cosas e contêm um mucopolissacarídeo anormal.
te de um canal de Cl regulado pelo AMPc e parece A infertilidade é observada em 98% dos homens adul-
regular o transporte de Cl e Na através das mem- tos, secundária ao maldesenvolvimento do vaso de-
branas epiteliais. Heterozigotos podem apresentar ferente ou outras formas de azoospermia obstrutiva.
anormalidades sutis do transporte epitelial, mas cli- Em mulheres, a fertilidade está diminuída secunda-
nicamente não são afetados. riamente a secreções cervicais viscosas, mas muitas
Pessoas com ausência bilateral congênita do vaso mulheres com fibrose cística tiveram gestações a ter-
deferente e outras causas de azoospermia obstruti- mo. Contudo, a incidência de complicações mater-
va apresentam uma freqüência aumentada de mu- nas aumenta.

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2344 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

As evidências sugerem que os pulmões são his- Cerca de 50% dos pacientes apresentam mani-
tologicamente normais ao nascimento. A lesão pul- festações pulmonares, geralmente tosse e sibilos
monar é provavelmente iniciada por obstrução di- crônicos, associados a infecções pulmonares crô-
fusa das pequenas vias aéreas por secreções muco- nicas ou recorrentes. A tosse é a queixa mais incô-
sas anormalmente espessas. A bronquiolite e obs- moda, freqüentemente acompanhada de escarro,
trução mucopurulenta das vias aéreas ocorrem se- engasgo, vômitos e perturbação do sono. Tiragens
cundariamente à obstrução e infecção. Alterações intercostais, uso de musculatura acessória da res-
brônquicas são mais comuns que alterações paren- piração, deformidade de tórax em barril, baquetea-
quimatosas. O enfisema não é uma característica mento digital e cianose ocorrem com a progressão
proeminente. À medida que o processo pulmonar da doença. O envolvimento do trato superior inclui
evolui, as paredes brônquicas ficam mais espessas, polipose nasal e sinusite crônica ou recorrente.
as vias aéreas ficam preenchidas por secreções pu- Adolescentes podem apresentar crescimento retar-
rulentas e viscosas; desenvolvem-se áreas de ate- dado, atraso da puberdade e redução da tolerância
lectasia, e os linfonodos hilares aumentam. A hi- ao exercício. Complicações pulmonares em ado-
poxemia crônica resulta em hipertrofia muscular lescentes e adultos incluem pneumotórax, hemopti-
das artérias pulmonares, hipertensão pulmonar e se e insuficiência cardíaca direita secundária à hi-
hipertrofia ventricular direita. Grande parte da le- pertensão pulmonar.
são pulmonar pode ser causada por inflamação A insuficiência pancreática é clinicamente apa-
mediada imunologicamente secundária à liberação rente em 85 a 90% dos pacientes, habitualmente,
de proteases pelos neutrófilos nas vias aéreas. aparece no início da vida, mas pode ser progressi-
O líquido do lavado broncoalveolar, mesmo pre- va. As manifestações incluem a eliminação freqüen-
cocemente na evolução, contém grande número de te de fezes volumosas, gordurosas, com mau chei-
neutrófilos e concentrações aumentadas de elastase ro; protuberância abdominal; padrão de crescimento
de neutrófilo livre, DNA e interleucina-8. deficiente com diminuição de tecido subcutâneo e
Precocemente na evolução, Staphylococcus da massa muscular, apesar de apetite normal ou
aureus é o patógeno mais freqüentemente isolado mesmo voraz. O prolapso retal ocorre em 20% dos
das secreções do trato respiratório, mas quando a lactentes e bebês não tratados. Os sinais clínicos
doença progride, a Pseudomonas aeruginosa tor- podem estar relacionados à deficiência de vitami-
na-se o microrganismo mais freqüentemente isola- nas lipossolúveis.
do. Uma variante mucóide de Pseudomonas está A sudorese excessiva no calor ou com febre pode
associada unicamente à fibrose cística. A coloni- levar a episódios de desidratação hipotônica e insufi-
zação pela Burkholderia cepacia ocorre em até 7% ciência circulatória. Em climas áridos, os lactentes
dos pacientes adultos e pode estar associada à rápi- podem apresentar alcalose metabólica crônica. A for-
da deterioração pulmonar. mação de cristais de sal e um gosto salgado na pele
são altamente sugestivos de fibrose cística.
Sintomas, sinais e complicações O diabetes insulino-dependente se desenvolve em
Íleo de mecônio devido à obstrução do íleo por 10% dos pacientes adultos e a cirrose biliar mul-
mecônio viscoso é o sinal mais precoce (ver em DE- tilobular com varizes e hipertensão portal se desen-
FEITOS GASTROINTESTINAIS no Cap. 261), que está volve em 4 a 5% dos adolescentes e adultos. Dor
presente em 15 a 20% dos neonatos afetados. Está abdominal crônica e/ou recorrente pode estar rela-
freqüentemente associado a vólvulo, perfuração ou cionada à intussuscepção, doença ulcerosa péptica,
atresia e, com raras exceções, é sempre seguido de abscesso periapendicular, pancreatite, refluxo gas-
outros sinais de fibrose cística. No período perinatal, troesofágico, esofagite, doença da vesícula biliar ou
a fibrose cística também pode estar associada com episódios de obstrução intestinal parcial secundária
eliminação retardada de mecônio e com a síndrome a conteúdo fecal anormalmente viscoso.
de tampão de mecônio, (uma forma transitória de Complicações inflamatórias podem incluir vas-
obstrução intestinal distal secundária a um ou mais culite e artrite.
tampões de mecônio espessado no ânus ou cólon).
Em lactentes sem íleo de mecônio, o início da Diagnóstico e achados laboratoriais
doença é freqüentemente notado por um atraso na O diagnóstico de fibrose cística é sugerido pe-
recuperação de peso ao nascimento e ganho de peso los aspectos clínicos e laboratoriais característicos
inadequado por volta da 4ª a 6ª semanas de vida. e confirmado por um teste de suor (ver adiante).
Lactentes com fibrose cística que receberam Em paciente que apresenta um ou mais aspectos
mamadeira com leite de soja ou leite materno po- fenotípicos compatíveis com fibrose cística ou com
dem desenvolver hipoproteinemia com edema e história desta em um parente, o diagnóstico tam-
anemia secundária à malabsorção de proteínas. bém pode ser confirmado pela identificação das

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CAPÍTULO 267 – FIBROSE CÍSTICA / 2345

duas mutações para fibrose cística conhecidas. e razão VEF1/CVF e um aumento em volume resi-
A análise de mutações (teste para mutações fibrose dual e a razão entre volume residual e capacidade
cística) pode ser usada para diagnóstico pré-natal e pulmonar total. Cerca de 50% dos pacientes apre-
identificação de portadores em famílias com uma sentam evidência de hiperatividade de vias aéreas.
criança previamente afetada. A análise de mutações Teste do suor – O diagnóstico é confirmado por
também pode ser usada para detecção de portado- uma elevação da concentração de Cl no suor. O
res na população em geral, mas não é recomenda- único teste de suor confiável é o teste de iontoforese
da para triagem com base populacional. de pilocarpina quantitativo: estimula-se a sudorese
O diagnóstico é em geral confirmado no período localizada farmacologicamente, a quantidade de suor
de lactância ou no início da infância, mas 10% dos é medida e determinada sua concentração de Cl.
pacientes permanecem sem diagnóstico até a ado- Em pacientes com um quadro clínico sugestivo ou
lescência ou início da vida adulta. história familiar positiva, uma concentração de Cl
A insuficiência pancreática se manifesta como > 60mEq/L confirma o diagnóstico; provavelmen-
líquido duodenal anormalmente viscoso, ausên- te < 1:1.000 dos pacientes com fibrose cística apre-
cia ou redução da atividade enzimática e redução sentam Cl no suor < 50mEq/L. Resultados falsos-
da concentração de HCO3–; a tripsina e a qui- negativos são raros, mas podem ocorrer na presen-
miotripsina estão ausentes ou diminuídas nas fe- ça de edema e hipoproteinemia ou com coleta de
zes. Testes de absorção de gorduras, inclusive quantidades inadequadas de suor. Resultados fal-
excreção fecal de gorduras em 72h, oferecem sos-positivos geralmente estão relacionados a er-
avaliação indireta da função exócrina do pâncreas. ros técnicos ou equipamentos inadequados. Eleva-
Os pacientes com função exócrina pancreática ção transitória de concentração de Cl no suor pode
normal deixam de produzir HCO3– depois de esti- ocorrer em associação à privação ambiental (abu-
mulação com secretina IV. Aproximadamente so, negligência da criança) e em pacientes com ano-
40% dos pacientes mais velhos apresentam uma rexia nervosa. Embora os resultados sejam válidos
curva de tolerância à glicose oral diabética secun- depois das primeiras 24h de vida, pode ser difícil
dária a uma resposta de insulina reduzida e retar- obter uma amostra adequada de suor (> 75mg em
dada, mas apenas 10% desenvolvem diabetes me- papel filtro ou > 15µL em tubo microperfurado) an-
lito relacionado à fibrose cística. Os níveis sangüí- tes de 3 a 4 semanas de vida. Embora a concentra-
neos em jejum de carotenóides, vitaminas A e E, ção de Cl no suor em geral aumente discretamente
ácidos graxos essenciais e colesterol são reduzi- com a idade, o teste é válido também em adultos.
dos em pacientes com esteatorréia. A proteína sé- Um pequeno subgrupo de pacientes, rotulados
rica total é inicialmente normal, mas com o avan- de fibrose cística atípica, apresenta bronquite por
ço da doença as frações α1 e α2 e γ-globulina Pseudomonas, função pancreática normal e con-
estão elevadas e a albumina está diminuída. centrações normais ou intermediárias de Cl no suor.
A concentração sérica de tripsina imunorreativa Pacientes com fibrose cística apresentam dife-
é elevada em neonatos com fibrose cística. A me- renças aumentadas de potencial transepitelial na-
dida desta enzima em conjunto com o teste de suor sal secundárias ao aumento de reabsorção de Na
e análise de mutações é a base dos programas de através do epitélio, que é relativamente impermeá-
triagem para fibrose cística em neonatos realiza- vel ao Cl. Esta observação pode ser útil para
dos em muitas partes do mundo. diagnóstico quando os valores de Cl no suor são
Os achados radiográficos do tórax podem ser limítrofes ou normais e não são identificadas duas
úteis no diagnóstico. Hiperinsuflação e espessamen- mutações da fibrose cística.
to da parede brônquica são os achados mais preco-
ces. Alterações subseqüentes incluem áreas de in- Prognóstico
filtrados, atelectasias e adenopatia hilar. Na doen- A evolução, amplamente determinada pelo grau
ça avançada, atelectasia segmentar ou lobar, for- de envolvimento pulmonar, varia muito. Contudo,
mação de cistos, bronquiectasia e aumento da arté- a deterioração é inevitável, levando à debilidade e
ria pulmonar e ventrículo direito são observados. ao óbito em algum momento, geralmente a partir
Ramificações, opacificações digitiformes represen- de uma combinação de insuficiência respiratória e
tando oclusão mucóide de brônquios dilatados são cor pulmonale. O prognóstico vem melhorando
características. Em quase todos os casos, os estu- continuamente durante as últimas 5 décadas, prin-
dos radiográficos e TC dos seios mostram opacifi- cipalmente pela instituição de tratamento agressi-
cação persistente dos seios paranasais. vo antes do início de alterações pulmonares irre-
As provas de função pulmonar revelam hipo- versíveis. A sobrevida média é 31 anos de idade.
xemia e redução da capacidade vital forçada (CVF), A sobrevida a longo prazo é significativamente me-
volume expiratório forçado em 1 segundo (VEF1) lhor para pacientes sem insuficiência pancreática.

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2346 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

A colonização precoce com Pseudomonas mucóide, e triglicerídeos de cadeia média podem ser usados
sexo feminino, apresentação com sintomas respi- em vez de leite integral modificado para lactentes
ratórios e hiper-reatividade das vias aéreas estão com insuficiência pancreática grave. Polímeros de
associados a um prognóstico um pouco pior. O glicose e suplementos de triglicerídeos de cadeia
VEF1, ajustado por idade e sexo, é o melhor fator média podem ser usados para aumentar a ingestão
de previsão para mortalidade. calórica. Em pacientes que não conseguem manter o
estado nutricional adequado, a suplementação enteral
Tratamento através de uma sonda nasogástrica, gastrostomia ou
A terapia abrangente e intensiva deve ser orien- jejunostomia podem restaurar o crescimento normal
tada por médico experiente em conjunto com ou- e estabilizar a função pulmonar (ver NUTRIÇÃO
tros médicos, enfermeiros, nutricionistas, fisiote- ENTERAL em SUPORTE NUTRICIONAL, no Cap. 1).
rapeutas e terapeutas respiratórios, orientadores e Para obstrução intestinal em íleo por mecônio
assistentes sociais. Os objetivos do tratamento são não complicado – A obstrução pode, às vezes, ser
manutenção de estado nutricional adequado, pre- aliviada por enemas contendo contraste radiopaco
venção ou terapia agressiva de complicações pul- iso ou hiperosmolar; caso contrário, enterostomia
monares ou outras, estímulo da atividade física e cirúrgica para lavar o mecônio viscoso no lúmen
fornecimento de suporte psicossocial adequado. intestinal pode ser necessária. Depois do período
Com suporte adequado, a maioria dos pacientes neonatal, episódios de obstrução intestinal parcial
consegue fazer um ajuste apropriado para a idade (síndrome da obstrução intestinal distal) podem
em casa e na escola. Apesar dos múltiplos proble- ser tratados com enemas contendo um material
mas, os sucessos ocupacionais e familiares dos pa- de contraste radiopaco iso ou hiperosmolar ou ace-
cientes são impressionantes. tilcisteína ou pela administração oral de uma so-
Para insuficiência pancreática – A reposição lução de lavagem intestinal equilibrada. Um la-
de enzima pancreática em pó (para lactentes) ou xante formador de massa, como sulfossuccinato
cápsulas deve ser administrada com todas as refei- sódico de dioctila ou lactulose ou um agente pró-
ções ou lanches. As preparações enzimáticas mais cinético, como metoclopramida, pode ajudar a
eficazes contêm pancrelipase em microsferas com evitar esses episódios.
revestimento entérico sensíveis a pH ou microcom- Para manifestações pulmonares – O tratamen-
primidos. Os lactentes geralmente iniciam com uma to inclui prevenção da obstrução de vias aéreas, e
dose de 2.000 a 4.000U de lipase/120mL de leite profilaxia e controle de infecção pulmonar. A pro-
ou por mamada. Depois do período de lactância, é filaxia contra infecções pulmonares consiste na ma-
usada administração com base no peso, começan- nutenção de imunidade contra coqueluche, Hae-
do com 1.000U de lipase/kg por refeição para crian- mophilus influenzae, varicela e sarampo e vacina-
ças < 4 anos e 500U lipase/kg por refeição para ção anual para influenza. Em pacientes não vaci-
aquelas > 4 anos. Geralmente, metade da dose pa- nados, pode-se usar amantadina para profilaxia
drão é administrada com lanches. Doses > 2.500U contra influenza A. Não houve nenhum aumento
de lipase/kg/refeição ou 10.000U de lipase/kg ao demonstrado na suscetibilidade ou morbidade de
dia devem ser evitadas, porque altas doses de enzi- infecções pneumocócicas, e o uso rotineiro de va-
mas estão associadas como colonopatia fibrosante. cina contra pneumococo não é aconselhado.
Em pacientes com exigências elevadas de enzimas, A fisioterapia torácica, consistindo de drena-
o uso de um bloqueador H2 ou inibidor da bomba gem postural, percussão, vibração e tosse assis-
de prótons pode melhorar a eficácia das enzimas. tida é recomendada na primeira indicação de
A terapia dietética inclui calorias e proteínas envolvimento pulmonar (ver Cap. 65). Em pa-
suficientes para promover um crescimento normal cientes mais velhos, técnicas alternativas de “clea-
– 30 a 50% mais do que as recomendações dietéti- rance” de vias aéreas, como ciclo ativo de respi-
cas habituais podem ser necessárias (ver TABELA ração, drenagem autogênica, dispositivo de vál-
1.3); uma ingestão de gordura total normal a eleva- vula por agitação, máscara de pressão expirató-
da para aumentar a densidade calórica da dieta, ria positiva e terapia com pulmão de aço podem
multivitaminas em dobro da dose diária recomen- ser eficazes. Para obstrução reversível de vias
dada, suplemento de vitamina E em forma miscível aéreas, os broncodilatadores podem ser adminis-
com água e suplementação de sal durante períodos trados por via oral e/ou aerossol e corticosterói-
de estresse térmico e aumento de sudorese. Lac- des por aerossol. A oxigenoterapia é indicada
tentes que estejam recebendo antibióticos de am- para pacientes com insuficiência pulmonar gra-
plo espectro e pacientes com hepatopatia e hemopti- ve e hipoxemia. Em geral, a ventilação mecânica
se devem receber suplementos de vitamina K. Lei- não é indicada para pacientes com insuficiência
te para mamadeira contendo hidrolisados proteicos respiratória crônica. Seu uso deve ser restrito a

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CAPÍTULO 267 – FIBROSE CÍSTICA / 2347

pacientes com bom estado basal nos quais se ampicilina, tetraciclina, trimetoprim-sulfameto-
desenvolve insuficiência respiratória aguda em xazol ou, ocasionalmente, cloranfenicol, podem
associação com cirurgia pulmonar ou em pa- ser usados individualmente ou em combinação
cientes aguardando transplante de pulmão, os para tratamento ambulatorial prolongado da in-
quais desenvolvem insuficiência respiratória com fecção pulmonar por uma variedade de microrga-
hipercapnia. Ventilação com pressão positiva não nismos. A ciprofloxacina é eficaz contra cepas
invasiva por máscara nasal ou facial também sensíveis de Pseudomonas. Para exacerbações
pode ser benéfica. Dispositivos de IPPB não pulmonares graves, especialmente em pacientes
devem ser usados, porque podem provocar um colonizados com Pseudomonas, é aconselhável
pneumotórax. a antibioticoterapia parenteral, freqüentemente
Expectorantes orais são amplamente usados, mas com necessidade de internação hospitalar, mas
poucos dados apóiam sua eficácia. Supressores de que pode ser conduzida em casa com segurança
tosse devem ser desencorajados. A administração em pacientes criteriosamente selecionados. Com-
diária a longo prazo de dornase alfa (desoxirribo- binações de um aminoglicosídeo (tobramicina,
nuclease humana recombinante) mostraram retar- gentamicina) com uma penicilina anti-Pseudo-
dar a velocidade de declínio na função pulmonar e monas são administrados IV. A administração
reduzir a freqüência das exacerbações graves em intravenosa de cefalosporinas e monobactâmicos
trato respiratório. com atividade anti-Pseudomonas também pode
O pneumotórax pode ser tratado por toracos- ser útil. As concentrações séricas de aminoglico-
tomia com drenagem por tubo torácico fechado. sídeos devem ser monitoradas e a dose ajustada
A toracotomia ou toracoscopia abertas com ressec- para atingir um nível máximo de 8 a 10µg/mL (11
ção de bolhas pleurais e abrasão em esponja das a 17µmol/L) e um valor de < 2µg/mL (< 4µmol/L).
superfícies pleurais são eficazes no tratamento de A dose inicial habitual de tobramicina ou genta-
pneumotórax recorrente. micina é de 7,5 a 10mg/kg ao dia em 3 doses
Hemoptise massiva ou recorrente é tratada com fracionadas, mas doses elevadas (10 a 12mg/kg
embolização das artérias brônquicas envolvidas. ao dia) podem ser necessárias para atingir con-
Terapia medicamentosa – Corticosteróides centrações séricas aceitáveis. Devido ao “clea-
orais estão indicados em lactentes com bronquio- rance”renal aumentado, grandes doses de algu-
lite prolongada e naqueles pacientes com bron- mas penicilinas podem ser necessárias para que
cospasmo refratário, aspergilose broncopulmo- se atinjam níveis séricos adequados. O objetivo
nar alérgica e complicações inflamatórias (por do tratamento das infecções pulmonares deve ser
exemplo, artrite e vasculite). O uso a longo pra- melhorar o estado clínico de tal forma que o uso
zo do tratamento com corticosteróides em dias contínuo de antibióticos seja desnecessário. No en-
alternados pode retardar o declínio na função tanto, em alguns pacientes ambulatoriais com infec-
pulmonar, mas em virtude das complicações re- ções pulmonares freqüentes, o uso prolongado de
lacionadas a esteróides, seu uso rotineiro não é antibióticos pode ser indicado. Em pacientes sele-
recomendado. Os pacientes que recebem corti- cionados, a terapia com tobramicina em aerossol a
costeróides devem ser monitorados de perto para longo prazo pode ser eficaz.
se detectar evidências de anormalidades no me- A terapia em aerossol com ribavirina deve ser
tabolismo de carboidratos e retardo no cresci- considerada em lactentes com infecção por vírus
mento linear. sincicial respiratório. Pacientes com insuficiência
Ibuprofeno, quando administrado em dose su- cardíaca direita sintomática devem ser tratados com
ficiente para atingir uma concentração plasmática diuréticos, restrição de sal e O2.
máxima entre 50 e 100µg/mL durante vários anos, Cirurgia – A cirurgia pode ser indicada para
mostrou retardar o ritmo de declínio na função pul- bronquiectasias ou atelectasias localizadas que
monar, especialmente em crianças de 5 a 13 anos. não possam ser tratadas clinicamente de forma
A dose apropriada deve ser individualizada com eficaz; pólipos nasais; sinusite crônica; sangra-
base em estudos farmacocinéticos. mento por varizes esofágicas secundárias à hi-
Antibióticos devem ser usados em pacientes pertensão portal; doença de vesícula biliar e
sintomáticos para tratar patógenos bacterianos obstrução intestinal por um vólvulo ou intussus-
no trato respiratório de acordo com a cultura e cepção que não possam ser reduzidos clinica-
antibiograma. Uma penicilina resistente à peni- mente. Transplantes hepáticos foram realizados
cilinase, (por exemplo, cloxacilina ou dicloxa- com êxito em pacientes com hepatopatia termi-
cilina) ou uma cefalosporina (por exemplo, cefa- nal. Transplantes de coração-pulmão e bilateral
lexina), são os agentes de escolha para estafilo- de pulmão foram realizados com êxito em pacien-
cocos. Eritromicina, amoxicilina-clavulanato, tes com doença cardiopulmonar avançada.

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2348 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

268␣ / DISTÚRBIOS
GASTROINTESTINAIS
DOR ABDOMINAL cionais e ambientais. Não se sabe por que algumas
pessoas desenvolvem dor abdominal e outras não.
RECORRENTE Talvez a ansiedade altere a função autônoma e GI,
São três ou mais episódios de dor abdominal em provocando dor em pessoas suscetíveis.
≥ 3 meses.
Sintomas e sinais
(Ver também DOR ABDOMINAL no Cap. 25.)
Os três tipos de dor abdominal recorrente (DAR) A DAR psicogênica pode ocorrer diariamente
– psicogênica, orgânica e funcional - são diferen- ou várias vezes por semana ou por mês. Ocasional-
ciadas pela causa de base. mente, o paciente fica assintomático por semanas
ou meses. A dor é geralmente vaga e mal definida,
Incidência mas às vezes é em aperto ou em cólica ou, rara-
A incidência na população pediátrica em geral é mente, aguda. Alguns pacientes acordam cedo por
causa de desconforto; raramente um paciente acor-
um pouco > 10%; a proporção de meninas para da durante a noite por causa de dor. A dor é mais
meninos é 4:3. A DAR é rara em crianças < 4 a 5 freqüentemente periumbilical. No entanto, a suges-
anos e mais comum entre as idades de 8 e 10 anos, tão de que quanto mais longe a dor estiver do um-
com um segundo pico notado entre meninas no iní- bigo maior a probabilidade de distúrbio orgânico não
cio da adolescência. é útil para diagnóstico e a DAR psicogênica pode
A DAR é psicogênica em 80 a 90% dos pacien- simular qualquer complexo sintomático. Um acha-
tes. DAR orgânica e funcional ocorre de forma apro- do significativo é que os sintomas progridem pouco
ximadamente igual (5 a 10% cada), embora as in- ou nada. Qualquer alteração na localização ou pa-
cidências precisas sejam ignoradas. drão de dor merece avaliação imediata, porque uma
Etiologia e fisiopatologia condição orgânica aguda pode estar ocorrendo.
A DAR orgânica é comumente descrita como
A DAR psicogênica é considerada derivada de constante ou cíclica (associada com determinadas
estresse, ansiedade ou depressão. Sua fisiopatolo- atividades ou à dieta e à alimentação); é bem loca-
gia é ignorada. O que constitui uma situação lizada, especialmente em áreas fora da região
estressante é relativo; pacientes suscetíveis a DAR periumbilical e pode penetrar até a região lombar.
parecem ser facilmente estressados, possivelmente Freqüentemente acorda o paciente. Achados asso-
por eventos em casa (por exemplo, doença recente, ciados, dependendo da doença de base, incluem
problemas financeiros, separação ou perda) ou na febre recorrente ou persistente, icterícia, alterações
escola (por exemplo, preocupação com desempe- de consistência, cor ou padrão de eliminação das
nho, relações interpessoais com professores ou co- fezes, sangue nas fezes, vômitos, hematêmese, dis-
legas). A DAR em si pode provocar estresse, crian- tensão abdominal, sintomas articulares, alterações
do novos problemas (por exemplo, absenteísmo no apetite e perda de peso.
significativo da escola, isolamento dos colegas) ou A DAR funcional depende da causa de base:
somando-se a problemas preexistentes (por exem- cólicas e flatulência são comuns em deficiência de
plo, rivalidade entre irmãos). lactase, dor em cólica no quadrante inferior é co-
A DAR orgânica é devida a um distúrbio orgâ- mum com dor intermenstrual e dor reflexa está pre-
nico, mais comumente doença intestinal inflama- sente às vezes por 1 ou 2h na ruptura de um cisto
tória, apendicite crônica, úlcera péptica, infecção ovariano benigno.
por Helicobacter pylori, parasitismo (especialmente
em áreas endêmicas), doença do trato urinário e Diagnóstico
doença falciforme. Em meninas adolescentes, doen- A persistência, recorrência e cronicidade da DAR
ça inflamatória pélvica e cisto de ovário são causas diferenciam da dor de um abdome agudo. No en-
possíveis. Outras causas comuns são apresentadas tanto, determinar se a DAR é psicogênica, orgâni-
na TABELA 268.1. ca ou funcional pode ser difícil.
A DAR funcional surge a partir de funciona- A história deve começar com o início da dor e
mento anormal ou alterado de órgão não doente sua freqüência, natureza e localização, relação com
como resultado da interação entre fatores constitu- refeições, defecação e micção e os resultados de

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CAPÍTULO 268 – DISTÚRBIOS GASTROINTESTINAIS / 2349

TABELA 268.1 – CAUSAS ORGÂNICAS DA DOR ABDOMINAL RECORRENTE


Causa Abordagem diagnóstica

Distúrbios genitourinários
Anormalidades congênitas UIV, ultra-sonografia
ITU Cultura de urina
Doença inflamatória pélvica Exame pélvico
Cisto de ovário, endometriose Consulta ginecológica
Distúrbios gastrointestinais
Hérnia de hiato Ingestão de bário, fluoroscopia
Hepatite Testes de função hepática
Colecistite Colangiografia, ultra-sononografia
Pancreatite Nível sérico de amilase
Doença da úlcera péptica Estudo de trato GI superior, endoscopia, coloração pela
prata para Helicobacter pylori, pesquisa de sangue
oculto nas fezes
Infestação parasitária (por exemplo, giardíase) Exames de parasitas e ovos nas fezes
Divertículo de Meckel Varredura com tecnécio
Enterocolite granulomatosa VHS, enema de bário
TB intestinal Teste tuberculínico
Colite ulcerativa Sigmoidoscopia, biópsia retal
Adesões de bridas pós-operatórias Estudos de trato GI superior
Pseudocisto pancreático Ultra-sonografia
Apendicite crônica Raio X de abdome, ultra-sonografia
Distúrbios sistêmicos
Intoxicação por chumbo Chumbo sangüíneo, níveis de protoporfirina
Púrpura de Henoch-Schönlein eritrocítica livre
Doença falciforme História, exame de urina
Alergia alimentar Falcização, eletroforese de Hb
Epilepsia abdominal Dieta de eliminação
Porfiria EEG
Anemia familial do Mediterrâneo, edema Nível de uroporfirina urinária
angioneurótico familial, enxaqueca equivalente História familiar
Adaptado a partir de Barbaro GJ – “Recurrent abdominal pain”. Pediatrics in Review 4:30, 1982; reproduzido com
permissão.

um tratamento (por exemplo, alteração na posição, midades são menos comuns do que na DAR orgâ-
remédios caseiros, drogas vendidas com ou sem nica ou funcional.
prescrição médica). É útil obter dados dos pais (ou As características psicossociais compatíveis com
outras pessoas que cuidem da criança). Diferenças DAR psicogênica incluem imaturidade, dependên-
na percepção sobre o quê desencadeia a dor e como cia exagerada dos pais, ansiedade ou depressão,
a dor é usada oferecem idéias sobre a dinâmica fa- apreensão, tensão e perfeccionismo. Freqüentemen-
miliar, o que pode ser útil no desenvolvimento de te, os pais percebem a criança como especial por
um plano de tratamento que seja consistente e por- causa da posição na família (única criança, criança
tanto confortável para os pais. A inclusão dos pais menor, único menino ou menina entre muitos ir-
ressalta o seu papel potencial para desencadear, mãos) ou por causa de um problema clínico (cóli-
perpetuar e superar a dor. cas, dificuldade para comer). Os pais são freqüen-
A DAR psicogênica é sugerida por falta de sin- temente ansiosos, superprotetores, autoritários e
tomas intestinais consistentes, febre, perda de peso preocupados com a criança. Qualquer fator desen-
ou atraso do crescimento; no entanto, esses acha- cadeante possível deve ser notado (por exemplo,
dos não são patognomônicos. Sintomas comuns doença, discórdias na família, separação e perda,
associados incluem cefaléia, tontura (não vertigem), estresse relacionado à escola), evidência de ganho
palidez facial e diaforese. Fadiga, anorexia, náu- primário (o que a criança evitou por causa da dor)
sea, vômitos, diarréia, obstipação e dor em extre- ou secundário (quais benefícios psicossociais po-

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2350 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

dem ser derivados de estar doente) e a personalida- zendo com que a criança tenha medo de cair), que
de da criança. Os registros escolares podem reve- levam à obstipação ou retenção fecal e incontinên-
lar o efeito da dor sobre o desempenho diário na cia, dismenorréia, dor intermenstrual e intolerân-
sala de aula. cia à lactose secundária ao declínio normal da ati-
Uma história familiar de queixas somáticas ou vidade da lactase, que ocorre em muitos pacien-
dor, doença da úlcera péptica, cefaléias, “nervos” tes entre 10 e 20 anos. Como a dor pode não ocor-
ou depressão, é comum. A história deve incluir rer durante até 2h após a ingestão de leite ou deri-
perguntas sobre doenças semelhantes ou relacio- vado, a intolerância à lactose pode não ser suspei-
nadas em outros membros da família, especialmente tada inicialmente.
nos pais à mesma idade.
A maioria das crianças se apresenta quando está Achados laboratoriais
assintomática. Antes que seja confirmado um Os estudos laboratoriais devem ser solicitados
diagnóstico de DAR psicogênica, a criança deve imediatamente para reduzir a ansiedade do pacien-
ser avaliada durante um episódio de dor para pes- te e dos pais. No entanto, a investigação deve ser
quisar distensão abdominal e certificar-se de que limitada às causas orgânicas ou funcionais mais
não estão sendo desprezados sinais de doença or- prováveis de DAR. Os exames iniciais devem ser
gânica. Exceto pelo desconforto periumbilical à direcionados pela suspeita clínica e podem incluir
palpação do abdome, os achados são tipicamente Hb, Ht, esfregaço, leucometria e VHS, urinálise e
negativos. Em crianças menores, um exame físico urocultura, exames das fezes para pesquisa de ovos,
completo geralmente deve ser realizado na presen- parasitas, H. pylori, sangue, pH e substâncias re-
ça dos pais para que vejam que o exame foi cuida- dutoras, teste tuberculínico, provas de função he-
doso e completo. Se confortável para o pré-adoles- pática, níveis séricos de amilase e radiografia sim-
cente ou criança maior, o responsável do mesmo ples do abdome. Avaliações posteriores, incluindo
sexo deve permanecer para o exame. estudos contrastados dos tratos GI e urinário, EEG
Entre a avaliação inicial e a consulta de acom- ou endoscopia, não devem ser realizados sem evi-
panhamento, a criança e a família devem registrar dência clínica (ver TABELA 268.1).
qualquer dor, inclusive natureza, intensidade, du-
ração e fatores desencadeantes, dieta, padrão de Prognóstico e tratamento
evacuação e todos os medicamentos tentados e re- DAR psicogênica tem um prognóstico reserva-
sultados obtidos. Este registro freqüentemente reve- do a longo prazo e nenhum esquema terapêutico é
la padrões de comportamento inadequados e respos- sempre bem-sucedido. Algumas crianças mais tar-
tas exageradas à dor, o que apóia o diagnóstico. De- de desenvolvem outras queixas sintomáticas ou di-
pois de confirmado o diagnóstico, devem ser evita- ficuldades emocionais. Na DAR orgânica ou fun-
dos exames freqüentes, porque podem enfocar ou cional, o prognóstico depende da doença de base.
amplificar as queixas físicas ou significar que o mé- A DAR psicogênica requer uma relação de con-
dico tem pouca confiança no diagnóstico. fiança entre médico e família. Os estudos laborato-
Se houver suspeita de DAR orgânica, são ne- riais e a razão para cada um devem ser explicados
cessários os exames apropriados (ver T ABELA ao paciente e à família; os resultados devem ser
268.1). Freqüentemente deixa-se de fazer diagnós- discutidos em detalhes.
tico de doença da úlcera péptica em crianças por- Mesmo que o médico esteja bastante confiante
que a relação típica entre a ingestão de alimentos e durante a consulta inicial de que a DAR é psicogê-
a dor epigástrica em adultos raramente está pre- nica, é prematuro sugerir tratamento específico.
sente na criança (ver DOENÇA DA ÚLCERA PÉPTI- A maioria dos pais está preocupada com uma cau-
CA, adiante). ITU, que pode se apresentar como dor sa orgânica e, a menos que tranqüilizados pela ba-
abdominal ou pélvica, sem nenhuma referência ao teria diagnóstica e interpretação dos achados, é pou-
flanco ou uretra, deixará de ser diagnosticada, a co provável que tenham reação favorável ou com-
menos que pesquisada especificamente. patível com um plano de modificação comporta-
Diagnostica-se melhor a DAR funcional por mental. Assim que possível depois dos exames la-
meio de uma história completa definindo sintomas boratoriais, deve ser agendada consulta de acom-
associados ou fatores desencadeantes (por exem- panhamento. A família deve ser tranqüilizada de
plo, ingestão alimentar nas 24h anteriores para pes- que a criança não está sob risco físico e as preocu-
quisar alergia ou abuso alimentar, história mens- pações específicas dos pais e da criança devem ser
trual). Causas de DAR funcional que devem ser abordadas. O médico deve explicar os resultados
diferenciadas incluem dieta inadequada, treinamen- dos exames e a natureza do problemas, descreven-
to esfincteriano ineficaz e uso de assento normal do como a dor é gerada e como a criança percebe a
no vaso sanitário (que pode ser grande demais, fa- dor, ou seja, que a criança tem uma tendência cons-

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CAPÍTULO 268 – DISTÚRBIOS GASTROINTESTINAIS / 2351

titucional a sentir dor em ocasiões de estresse (como A terapia DAR funcional, depois de identifica-
em caso de dor lombar ou cefaléia tensional). Quase do o estado disfuncional subjacente, é direcionada
invariavelmente, outro membro da família é iden- ao hábito (por exemplo, defecar regularmente no
tificado como tendo problema semelhante. mesmo horário todos os dias) ou alteração da die-
O primeiro passo no tratamento de DAR psico- ta, administração de analgésicos e orientação do
gênica é evitar perpetuar as conseqüências psicos- paciente ou família.
sociais negativas da dor crônica (por exemplo, au-
sências prolongadas da escola, ausências das ativi-
dades com os colegas) e promover atividades apro- DOENÇA DA ÚLCERA
priadas para a idade e aumentar a independência e
autoconfiança. Essas estratégias ajudam a criança PÉPTICA
a controlar ou tolerar os sintomas, ao mesmo tem- É um segmento escoriado da mucosa GI, tipica-
po que participa plenamente das atividades rotinei- mente no estômago (úlcera gástrica) ou primei-
ras. No entanto, quando os pais param de tratar seu ros centímetros do duodeno (úlcera duodenal),
filho como especial ou doente, os sintomas podem que penetra até a muscularis mucosae.
piorar antes de melhorar. (Ver também DOENÇA ULCEROSA PÉPTICA no
O passo seguinte é trabalhar com a família para Cap. 23.)
eliminar ou reduzir estresse desnecessário e ajudar
a criança a enfrentar de forma mais efetiva o estres- O diagnóstico de úlcera péptica não é comumen-
se inevitável. O envolvimento da equipe da escola é te feito em lactentes e crianças, possivelmente por-
crítico para crianças cuja DAR interfere na presen- que uma história clínica satisfatória não pode ser
ça ou desempenho. A criança pode descansar na obtida de crianças pequenas e lactentes. A úlcera
sala de enfermagem durante o dia escolar, espe- duodenal é muito mais comum que a gástrica nesta
rando que retorne à sala de aula em 15 a 30min. A faixa etária.
enfermeira pode estar autorizada a fornecer um
analgésico leve (por exemplo, acetaminofenol), se Etiologia e fisiopatologia
necessário. A enfermeira pode às vezes permitir que Como em adultos com úlcera péptica, Heli-
a criança telefone para um dos pais, que deve esti- cobacter pylori pode estar presente e, se estiver,
mular a criança a permanecer na escola. Tipicamen- sua eliminação pode curar a úlcera, sugerindo que
te, a criança descansa na sala de enfermagem ≥ 1 seja a causa nesses pacientes. A infecção por
vez ao dia durante a primeira ou segunda semanas H. pylori é menos comum em crianças que em adul-
de tratamento e depois cada vez menos. tos com úlcera péptica e é mais provavelmente en-
Exceto pelo uso ocasional de analgésicos simples contrada em filhos de pais com úlcera péptica.
não contendo aspirina, as drogas são ineficazes e não H. pylori e DAINE podem romper a defesa e o re-
são recomendadas para DAR psicogênica; podem paro normais da mucosa, fazendo com que seja mais
reforçar a hipocondria ou levar à dependência. suscetível ao ataque do ácido.
Consultas regulares de acompanhamento devem
ser agendadas (semanais, mensais ou bimestrais, Sintomas, sinais e diagnóstico
dependendo das necessidades da família) até alguns No período neonatal, perfuração e hemorragia
meses depois da solução do problema. Pode ser podem ser a primeira manifestação reconhecida. A
necessário acompanhamento psiquiátrico (até 50% hemorragia também pode continuar a ser o primei-
das famílias em alguns relatos) quando os sinto- ro sintoma reconhecido mais tardiamente na infân-
mas persistem, especialmente se a criança estiver cia, embora vômitos repetidos ou evidência de dor
deprimida ou os pais apresentarem conflitos con- abdominal possam ser um indício para o diagnós-
jugais crônicos ou dificuldades psicológicas gra- tico. A história familiar está presente em 50 a 60%
ves. A internação é geralmente reservada para pa- das crianças com úlcera duodenal. Após alcançar a
cientes cujas famílias apresentam dificuldade em idade escolar, a criança consegue localizar melhor
aceitar um diagnóstico não orgânico ou para a qual a dor, descrevê-la e relacioná-la ao período do dia
outros estudos (por exemplo, avaliação psicológi- e alimentação. A relação da dor com a alimentação
ca, observação de interação familiar) sejam neces- e ocorrência à noite sugerem úlcera, embora este
sários. A internação deve ser breve e direcionada a padrão típico possa não estar presente em crianças.
objetivos determinados para evitar reforço dos sin- Um estudo radiológico com bário deve ser feito pri-
tomas ou amplificar indevidamente qualquer aspec- meiro para estabelecer o diagnóstico. Se negativo e ainda
to do problema. houver suspeita de úlcera, existem duas opções. A pri-
A DAR orgânica é abordada pelo tratamento meira opção e melhor maneira de fazer o diagnóstico
da doença de base. definitivo seria realizar a endoscopia por fibra óptica

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2352 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

que, em crianças < 10 anos de idade, necessita de anes- Para a doença do refluxo gastroesofágico, espe-
tesia geral ou narcolepsia. A segunda opção, se a en- cialmente com esofagite ou aspiração, a dose de
doscopia não for viável e após exclusão de outras cau- ranitidina (4mg/kg ao dia VO) ou famotidina (0,5 a
sas possíveis de dor tipo úlcera (ver DOR ABDOMINAL 1mg/kg ao dia VO) devem ser fracionadas pelo me-
RECORRENTE, anteriormente), é tratar a criança com nos a cada 12h e preferivelmente a cada 8h. Um
um diagnóstico presuntivo de úlcera com um bloquea- inibidor de bomba de prótons (omeprazol ou
dor da histamina (H2), como descrito adiante. Se ocor- lansoprazol) é preferível, porque a administração
reu hemorragia ou perfuração, deve ser medida a uma vez ao dia é mais fácil e eficaz. Pode ser ne-
gastrina sérica em jejum para excluir gastrinoma. cessário tratamento a longo prazo, especialmente
Para estabelecer a presença de H. pylori, o pri- porque as taxas de recidiva são muito elevadas sem
meiro exame é para anticorpo contra H. pylori no tratamento contínuo. Um gastroenterologista pediá-
sangue, que é > 90% sensível e específico. Outros trico deve analisar se é necessária cirurgia para re-
exames incluem teste respiratório de uréia ou teste fluxo intenso. Recorrências e complicações podem
rápido de urease e histologia de biópsias de antro ocorrer, como em adultos.
obtidas por endoscopia.
Tratamento
Na presença de H. pylori, deve ser usado o trata-
DIVERTÍCULO DE
mento 2 vezes ao dia com supressão ácida (inibidor MECKEL
de bomba de prótons) mais dois antibióticos (por É uma saculação congênita do íleo distal.
exemplo, metronidazol mais amoxicilina ou tetraci- O divertículo de Meckel é encontrado em cerca de
clina em crianças > 8 anos ou amoxicilina mais clari- 2% dos pacientes cirúrgicos adultos, habitualmente
tromicina) ajustados para o peso durante 2 semanas. localizada entre 91,5 a 183cm da válvula ileocecal,
Pais infectados devem também ser tratados. A supres- de comprimento variável, entre 2,5 a 15,0cm (1 a 6in).
são ácida deve ser mantida durante 2 semanas depois
dos antibióticos. A erradicação de H. pylori deve ser Fisiopatologia
confirmada pelo teste de respiração de 13C-uréia. No início da vida fetal, o ducto vitelino corre
Em úlceras negativas para H. pylori, o tratamento do íleo terminal em direção ao umbigo e o saco
deve seguir os princípios dos cuidados com os adul- vitelino; este ducto habitualmente está obliterado
tos (ver DOENÇA DA ÚLCERA PÉPTICA no Cap. 23). na sétima semana. A falha em atrofiar leva a
As DAINE devem ser evitadas, especialmente por- várias anormalidades: um cordão fibroso que corre
que podem estar envolvidas na ulcerogênese e san- do divertículo em direção ao umbigo, um cisto
gramento. A secreção gástrica basal e após estimula- umbilical, uma fístula ileoumbilical, um divertí-
ção, por quilo e por unidade de tempo, nas crianças, culo de Meckel (o mais comum) é formado quan-
não é diferente daquela do adulto, e a farmacocinéti- do todo o ducto, exceto a porção do íleo, é obli-
ca e a farmacodinâmica da ranitidina e cimetidina, terada. Originando-se da margem antimesentéri-
esquemas de doses VO (ou, quando necessário, IV) ca do intestino, este divertículo congênito verda-
são baseadas naquelas recomendadas para adultos. deiro contém todas as camadas do intestino nor-
As doses de H2 para adultos, em geral, devem ser uti- mal. Pelo menos, 25% dos divertículos removi-
lizadas em crianças cujo peso seja ≥ 40kg. Abaixo dos pela cirurgia contêm tecido heterotópico do
deste peso, a dose de ranitidina administrada por via estômago (que contém células parietais que se-
oral é 4mg/kg ao dia e da cimetidina 20mg/kg; ambas cretam HCl), pâncreas ou intestino.
devem ser divididas em 2 doses a cada 12h. Não ain-
da estabelecida a eficácia para a cura da úlcera pépti- Sinais, sintomas e diagnóstico
ca com um dose total de uma só vez ao dia e não de
meia dose a cada 12h. A duração do tratamento é de 6 Nas crianças, episódios repetidos de sangra-
a 8 semanas para úlcera duodenal e de 8 semanas para mento grave, com sangue vermelho-brilhante,
úlcera gástrica (12 semanas se a úlcera for > 1cm). ocorrem devido à formação de uma úlcera pépti-
ca no íleo adjacente. O sangramento tende a ser
agudo e profuso, mas habitualmente não é grave
DOENÇA DO REFLUXO o suficiente para levar ao choque. Em adolescen-
GASTROESOFÁGICO tes e adultos, a obstrução intestinal, que se ma-
nifesta por cólicas e vômitos é mais comum,
É o refluxo do conteúdo gástrico para o esôfago. ocorrendo por causa de aderências, intussus-
(Ver também DOENÇA DO REFLUXO GASTROESO- cepção, angulação devido a corpos estranhos
FÁGICO no Cap. 20.) retidos no local, vólvulo, tumores ou encarcera-

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CAPÍTULO 269 – DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS / 2353

mento de uma hérnia (hérnia de Littré). A diver- Complicações e tratamento


ticulite aguda pode ocorrer em qualquer idade A oclusão intestinal é uma complicação perigo-
(ver também Cap. 33). Ela é caracterizada por sa, porque torção e gangrena podem ser fatais se
dor abdominal localizada e sensibilidade abaixo não for realizada precocemente uma cirurgia. Para
ou à esquerda do umbigo: é aguda, freqüente- tratamento de oclusão intestinal, ver Capítulo 25.
mente acompanhada de vômitos e semelhante à Um divertículo sangrante, com uma área endu-
apendicite, exceto pela localização da dor. recida no íleo adjacente, requer a ressecção desta
O diagnóstico é difícil e geralmente baseado porção do intestino bem como do divertículo. So-
em sinais e sintomas, que são mais comuns em mente o divertículo é ressecado nos pacientes sin-
lactentes e crianças. Ocasionalmente, o divertí- tomáticos sem endurecimento ileal. Divertículos
culo pode ser observado em radiografia contras- pequenos, assintomáticos, encontrados incidental-
tada de intestino delgado. A presença de células mente durante uma laparotomia não precisam ser
secretoras de ácido permite o uso de mapeamen- removidos. Sempre que um apêndice normal for
to com pertecnetato de tecnécio; este método é encontrado durante uma exploração para detecção
diagnóstico em aproximadamente 50% dos ca- de apendicite, deve ser realizada uma pesquisa para
sos envolvendo sangramento retal. se verificar a presença de um divertículo de Meckel.

269␣ /␣ DISTÚRBIOS
ENDÓCRINOS E
METABÓLICOS
BÓCIO CONGÊNITO O Tipo 4 de bócio congênito está associado a
defeitos na síntese de tireoglobulina.
É o aumento da glândula tireóide presente ao nas- Um bócio congênito pode provocar desvio ou
cimento, ocorrendo com ou sem hipotireoidismo. compressão da traquéia e assim comprometer a res-
O Tipo 1 envolve um defeito no transporte de piração. Embora os tratamentos variem com o tipo
iodo, provavelmente secundário a uma alteração na e subtipo, bócios associados com hipotireoidismo
síntese de proteínas da superfície celular necessá- geralmente são tratados com hormônio tireóideo.
rias para o transporte. A compressão da traquéia pela tireóide pode ser
O Tipo 2 é causado por vários defeitos nos me- tratada cirurgicamente.
canismos de iodação na tireóide. Um envolve a au-
sência da enzima peroxidase, necessária para a
organificação do iodo, que pode resultar em creti- HIPOTIREOIDISMO
nismo bociado. Outro defeito, que é herdado como É a uma condição resultante da deficiência de pro-
uma característica autossômica recessiva, parece dução do hormônio tireóideo.
envolver a geração de peróxido de hidrogênio e está
associado a surdo-mudez (síndrome de Pendred). Em lactentes e crianças, os sinais e sintomas são
Estes pacientes são geralmente eutireóideos; por- diferentes dos que ocorrem em adultos. Hipotireoi-
tanto, à surdez não é secundária ao hipotireoidis- dismo não tratado ou não diagnosticado em lacten-
mo. Um terceiro defeito, associado à peroxidase tes acarreta graves conseqüências sobre o desen-
anormal, permite compensação suficiente para a volvimento do SNC, com retardo do desenvolvi-
manutenção do estado eutireóideo. mento moderado a intenso e, na infância, compro-
O Tipo 3 de bócio congênito é encontrado em mete o crescimento somático.
pacientes com defeitos da desalogenase. Embora a O hipotireoidismo neonatal ou congênito ocor-
anormalidade bioquímica precisa seja incerta, pa- re em aproximadamente 1/4.000 nascidos vivos.
cientes têm defeitos de desiodação parciais ou com- A causa mais freqüente é a ausência congênita da
pletos da monoiodotirosina e diiodotirosina na glândula tireóide (atireose) que requer tratamento
tireoglobulina. por toda a vida. Sinais e sintomas podem incluir

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2354 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

cianose, hiperbilirrubinemia prolongada, alimen- imediato ou tardio e durar de semanas a meses. As


tação pobre, choro rouco, hérnia umbilical, insufi- imunoglobulinas estimuladoras da tireóide incluem
ciência respiratória, macroglossia, fontanela gran- categorias heterogêneas de anticorpos, com um efei-
de e retardo no amadurecimento ósseo. Raramen- to estimulante predominante sobre o metabolismo
te, o hipotireoidismo neonatal é transitório. Roti- da tireóide.
neiramente é detectado em programas de triagem Sinais e sintomas incluem problemas alimen-
de recém-nascidos com papel-filtro antes que os tares, hipertensão, irritabilidade, taquicardia, exof-
sinais clínicos se tornem evidentes. Estudos labo- talmo, bócio, abaulamento frontal e microcefalia.
ratoriais incluem dosagem de tireoxina (T4) sérica Achados iniciais adicionais são atraso de desen-
e hormônio tireóide-estimulante (TSH). O trata- volvimento, vômitos e diarréia e as conseqüên-
mento com L-tireoxina precisa ser iniciado imedia- cias a longo prazo são fusão prematura das sutu-
tamente e estreitamente monitorado. Uma dose ini- ras cranianas (craniossinostose) e retardo do de-
cial apropriada é de 10 a 15µg/kg ao dia VO (que senvolvimento. Lactentes afetados geralmente se
se destina a normalizar rapidamente a T4 sérica), recuperam em 3 ou 4 meses, embora ocasional-
ajustada posteriormente para manter a concentra- mente a evolução possa durar > 6 meses. Hiperti-
ção sérica de T4 entre 10 e 15µg/dL (129 a 193nmol/ reoidismo persistente pode resultar em craniossi-
L) durante o período de lactância. Depois de 1 ano nostose prematura, comprometimento das funções
de idade, a dose habitual é de 4 a 6µg/kg ao dia, intelectuais, retardo do crescimento (baixa esta-
titulada para manter concentrações séricas de T4 e tura) e hiperatividade mais tarde na infância. A
TSH nas variações normais. É preciso cuidado para mortalidade pode atingir 10 a 15%. O tratamen-
não corrigir em excesso, provocando hipertireoi- to com drogas antitireóideas e/ou β-bloqueado-
dismo iatrogênico. Na maioria dos lactentes trata- res deve ser monitorado criteriosamente e in-
dos, o desenvolvimento motor e mental será nor- terrompido assim que a doença termina. (Para
mal. tratamento de doença de Graves na gravidez, ver
O hipotireoidismo juvenil ou hipotireoidismo TIREOIDOPATIAS no Cap. 251).
adquirido é geralmente resultado de tireoidite auto- O hipertireoidismo juvenil, geralmente resul-
imune (tireoidite de Hashimoto). Alguns dos si- tante da doença de Graves, é caracterizada por bó-
nais e sintomas são semelhantes aos dos adultos, cio difuso, tireotoxicose e, raramente, oftalmopa-
incluindo ganho de peso, obstipação, cabelo seco e tia infiltrativa. A tireoidite auto-imune crônica re-
áspero e pele fria, pálida e áspera. Sinais específi- sulta de anticorpos estimulantes. Esses anticorpos
cos para a idade são retardo do crescimento, retar- são imunoglobulinas contra componentes de célu-
do da maturação óssea e geralmente puberdade las da tireóide, incluindo o receptor de TSH, o que
tardia. Para tratamento, uma dose inicial apropria- provoca hipersecreção de hormônio tireóideo.
da de L-tireoxina é de 5 a 6µg/kg ao dia em crian- O hipertireoidismo pode depois ser seguido por hi-
ças pequenas, diminuindo para 2 a 3µg/kg ao dia pofunção da tireóide. O tratamento é feito com
na adolescência. propiltiouracil ou metimazol. β-bloqueadores po-
dem também ser necessários até que a função da
tireóide se normalize. Propiltiouracil ou metimazol
HIPERTIREOIDISMO são titulados para manter eutireoidismo e interrom-
pidos depois de 18 a 24 meses. A maioria dos pa-
É uma condição resultante do excesso de produ- cientes então permanecerá em remissão. No entan-
ção de hormônio tireóideo. to, alguns pacientes apresentarão recidiva e neste
O hipertireoidismo neonatal ocorre raramen- ponto o tratamento envolve retomar o tratamento
te, mas é potencialmente fatal em lactentes nasci- mencionado anteriormente, ablação com iodo de
dos de mães que têm ou tiveram doença de Graves sódio radioativo (I131) ou tireoidectomia cirúrgica.
(ver Cap. 8). Essas mães também apresentam ge-
ralmente títulos elevados de imunoglobulinas esti-
muladoras do receptor de TSH na tireóide (TRAb). BAIXA ESTATURA POR
Essas imunoglobulinas atravessam a placenta e pro- HIPOPITUITARISMO
vocam hiperfunção da tireóide no feto (doença de
Graves intra-uterina), o que pode resultar em óbito (Nanismo Hipofisário)
fetal in utero ou morte prematura. Depois do nas- É o crescimento anormalmente lento e baixa esta-
cimento, o lactente elimina as imunoglobulinas, de tura com proporções normais por hipofunção
forma que a doença é geralmente transitória. No da pituitária anterior.
entanto, a velocidade de eliminação varia; por isso, A altura está abaixo do percentil 3, a velocidade
a doença de Graves neonatal pode ter um início de crescimento é < 6cm ao ano antes dos 4 anos de

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CAPÍTULO 269 – DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS / 2355

idade, < 5cm ao ano dos 4 aos 8 anos de idade e TABELA 269.1 – CAUSAS DE BAIXA
< 4cm ao ano antes da puberdade. A maturação ós- ESTATURA
sea, avaliada pela determinação da idade óssea, é Baixa estatura intrínseca
> 2 anos abaixo da idade cronológica. Genética
A maioria das crianças com altura abaixo do Familial
percentil 3 e idade óssea retardada apresentam níveis Anormalidades cromossômicas
circulantes normais de hormônio de crescimento Displasias esqueléticas
(GH) e do Fator I do crescimento semelhante à insu- Síndromes associadas à falha de crescimento
lina (IGF-I) e não parecem apresentar deficiência de Retardo no crescimento intra-uterino
GH. Por exemplo, crianças e adolescentes com forte Anomalias placentárias
história familiar de baixa estatura podem apresentar Distúrbios maternos
baixa estatura hereditária ou familial. Aqueles com
forte história familiar de puberdade tardia podem Atraso constitucional de crescimento e
apresentar retardo constitucional de puberdade; tipi- desenvolvimento
camente eles se desviam da curva normal de cresci- Distúrbios sistêmicos
mento no período de lactância, depois crescem em Privação psicossocial
velocidade normal e apresentam um estirão de cres- Nutricional
cimento tardio na puberdade. Algumas crianças par- Gastrointestinal
ticularmente baixas podem pertencer aos dois gru- Cardíaco
pos. Crianças nos dois grupos apresentam respostas Pulmonar
normais de GH a estímulos farmacológicos e níveis Renal
normais de IGF-I para a idade óssea. Elas são às ve- Drogas ou outras doenças crônicas
zes descritas como tendo variantes normais de baixa Endócrina (ver TABELA 269.2)
estatura ou baixa estatura não-GH. As causas de bai-
xa estatura são apresentadas nas TABELAS 269.1 e
269.2. Freqüentemente não é possível identificar
uma causa específica. TABELA 269.2 – CAUSAS ENDÓCRINAS
O hipopituitarismo em crianças é geralmente de- DE BAIXA ESTATURA
vido a um tumor da pituitária (mais comumente Hipotireoidismo
um craniofaringioma) ou idiopático. A combina- Síndrome de Cushing
ção de lesões líticas dos ossos ou crânio e diabetes Pseudo-hiperpatireoidismo
insípido é sugestiva de histiocitose de Langerhans Raquitismo
(ver Cap. 137). A deficiência de hormônio hipota- Deficiência de IGF
lâmico ou pituitário bem como a deficiência isola- Disfunção hipotalâmica
da de GH podem ocorrer em associação com defei- Idiopática
tos da linha média, como fenda palatina ou displasia Deficiência pós-infecção
septo-óptica, que associa ausência do septo pelúcido, Deficiência pós-radiação
atrofia do nervo óptico e hipopituitarismo. A defi- Histiocitose, tumores
ciência de GH, isolada ou em associação com ou- Psicossocial
tras anormalidades, raramente é hereditária. Disfunção pituitária
A irradiação terapêutica do SNC para diversas Insensibilidade ao GH
doenças malignas provoca um retardo do cresci- Insensibilidade ao GH primário
mento linear, que pode freqüentemente ser ligado Síndrome de Laron
à deficiência de GH. A radiação da coluna, profilá- Defeito no receptor de GH ou defeito no pós-
tica ou terapêutica, pode prejudicar o potencial cres- receptor
cimento das vértebras e comprometer o ganho de Síntese de IGF ou defeitos do receptor de
altura posteriores. IGF
Sintomas, sinais e diagnóstico Insensibilidade secundária ao GH
Anticorpos para o GH ou para o receptor GH
Apesar da baixa estatura, uma criança com hi- Malnutrição
popituitarismo continua com as proporções normais Outros: insuficiência renal crônica, doença
entre os segmentos superior e inferior do corpo, hepática, excesso de glicocorticóides, doença
mas não inicia o desenvolvimento da puberdade. inflamatória crônica
No entanto, uma criança com deficiência isolada
de GH pode apresentar desenvolvimento tardio da IGF = fator do crescimento semelhante à insulina;
puberdade. GH = hormônio do crescimento.

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2356 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

O diagnóstico de deficiência de GH depende de pré-tratamento. A terapia é mantida até que seja


medidas físicas e critérios laboratoriais. Se a libe- atingida altura aceitável ou a taxa de crescimento
ração reduzida de GH for confirmada, a secreção fique abaixo de 2,5cm ao ano.
de outros hormônios pituitários precisa ser também Os efeitos adversos da terapia com GH são
avaliada. Dados de crescimento de altura e peso poucos, mas incluem pseudotumor cerebral (hi-
devem ser colocados em um gráfico de crescimen- pertensão intracraniana idiopática), deslizamen-
to (avaliação auxológica) para todas as crianças. to da epífise da cabeça do fêmur e edema perifé-
A idade óssea deve ser determinada por uma ra- rico leve transitório.
diografia da mão esquerda (por convenção). Na de- É discutível se crianças com baixa estatura, com
ficiência de GH, a maturação óssea geralmente é aspectos clínicos de deficiência de GH, mas com
retardada na mesma extensão que a altura; a sela secreção normal de GH e níveis normais de IGF-I
túrcica é anormalmente pequena em 10 a 20% dos devem ser tratadas com GH. Muitos especialistas
pacientes. A avaliação da pituitária e da sela túrci- recomendam uma prova terapêutica com GH du-
ca com TC ou IRM está indicada para excluir cal- rante 6 a 12 meses para essas crianças, mantendo
cificações e neoplasia. GH apenas se houver duplicação ou aumento de
IGF-I, anteriormente denominado somatome- 3cm ao ano em relação à taxa de crescimento pré-
dina C, deve ser dosado em triagem para deficiên- tratamento. Outros argumentam que esta aborda-
cia de GH. No entanto, os níveis de IGF-1 aumen- gem, sendo cara, é experimental, trata uma criança
tam significativamente da fase de lactância até a sob outros aspectos saudável e levanta preocupa-
puberdade, de forma que, em lactentes e crianças ções éticas e psicossociais derivadas do desvio da
pequenas, os níveis de IGF-I são normalmente bai- “discriminação dos baixinhos”.
xos e não permitem discriminação confiável entre A reposição de cortisol e hormônio tireóideo
normal e subnormal. Da metade ao final da infân- deve ser feita durante a infância e adolescência em
cia, níveis normais de IGF-I podem ajudar a ex- pacientes com baixa estatura por nanismo pituitário
cluir deficiência de GH. Os níveis de IGF-I são quando os níveis circulantes desses hormônios fo-
baixos em outras condições além da deficiência de rem baixos (ver Caps. 7 e 8). A monitoração cuida-
GH, como privação psicossocial, malnutrição e hi- dosa e o ajuste da suplementação hormonal são
potireoidismo. O nível circulante de proteína de li- fundamentais. Quando a puberdade deixa de ocor-
gação de IGF Tipo 3 (IGFBP-3), que é o principal rer normalmente, o tratamento com esteróides se-
carreador de peptídeos IGF, pode também ser do- xuais está indicado.
sado. O IGFBP-3 depende do GH e da idade, mas
depende menos da nutrição do que do IGF-I e aju- A terapia com GH em crianças com baixa estatura
da no diagnóstico de deficiência de GH. por irradiação terapêutica da pituitária devido a cân-
O diagnóstico de deficiência de GH é geralmen- cer acarreta um risco teórico de provocar recorrência
te confirmado pela dosagem de GH em resposta a do câncer. Os estudos não mostraram uma incidência
estímulos farmacológicos, como arginina, levodopa maior que a esperada de novas doenças malignas ou
ou clonidina em crianças com baixos níveis de IGF- maior índice de recorrência. Acredita-se atualmente
I e IGFBP-3. É necessário teste de estimulação que a reposição de GH pode ser instituída com segu-
porque os níveis basais normais de GH, exceto de- rança durante pelo menos 1 ano depois de terminada
pois do início do sono, são geralmente baixos ou com êxito a terapia contra o câncer.
indetectáveis e, por isso, indicadores inúteis de de-
ficiência de GH. No entanto, testes de estimulação
não são fisiológicos, são sujeitos a erro de labora- BAIXA ESTATURA POR
tório e pouco reproduzíveis e a interpretação dos CAUSAS DIVERSAS
dados se baseia em definições arbitrárias de “nor-
mal” que variam com a idade e o sexo. A baixa estatura pode resultar de insuficiên-
cia renal crônica. Nessas crianças, a terapia com
Tratamento GH (ver anteriormente), além de boa nutrição e
O GH biossintético, preparado por tecnologia controle metabólico, produzem uma melhora con-
de DNA recombinante, é indicado para todas as tínua na altura padrão. Não foi notado nenhum
crianças com baixa estatura e deficiência compro- efeito deletério sobre a função renal do GH; o
vada de GH. A dose é geralmente de 0,03 a 0,05mg/ GH mostrou-se benéfico antes do transplante renal
kg ao dia s.c. Com a terapia, a velocidade de cres- e em crianças submetidas a diálise. Não está es-
cimento freqüentemente aumenta para 10 a 12cm clarecido se o GH pode se opor aos efeitos inibi-
ao ano no primeiro ano e, embora aumente mais dores do crescimento dos glicocorticóides exó-
lentamente depois, continua acima da velocidade genos depois de transplante renal.

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CAPÍTULO 269 – DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS / 2357

A baixa estatura pode ser devida à síndrome de MENTO no Cap. 262) e se caracteriza por depressão
Turner, um distúrbio genético que ocorre em crian- hipotálamo-pituitária reversível. Caracteristicamen-
ças com fenótipo feminino, caracterizadas pela per- te, o ambiente familiar é desorganizado e a crian-
da de parte ou de todo o cromossomo X, em todos ça, que parece sofrer abuso e negligência, apresen-
ou alguns tecidos do corpo. A baixa estatura é um ta distúrbio de comportamento. O crescimento nor-
achado universal (para outros estigmas, ver síndro- mal da criança recomeça rapidamente depois de ser
me de Turner, em ANORMALIDADES CROMOSSÔMI- removida do ambiente opressivo.
CAS no Cap. 261). Raramente, meninas com baixa
estatura e disgenesia gonadal não apresentam ne-
nhum dos outros estigmas característicos da síndro- HIPERPLASIA ADRENAL
me de Turner. Por isso, a avaliação cariotípica deve CONGÊNITA
ser incluída quando se examina uma menina peque-
na sem nenhuma causa evidente de baixa estatura. (Síndrome Adrenogenital, Virilismo Adrenal)
A baixa estatura em meninas com síndrome de É a alteração histológica resultante da elevação
Turner não se deve à deficiência de GH, como des- crônica de ACTH e alterações sistêmicas decor-
crito anteriormente; a falha de crescimento parece rentes de produção deficiente de cortisol.
ser decorrente de displasia intrínseca do esqueleto. (Ver também AMENORRÉIA no Cap. 235.)
A decisão de tratar essas pacientes não se baseia
em testes de estimulação de GH, mas no diagnósti- A elevação de ACTH é provocada por baixos
co de síndrome de Turner. A terapia com GH, em níveis de cortisol, cuja produção é prejudicada pela
doses de 0,05 a 0,06mg/kg ao dia s.c. aumenta efe- ausência ou deficiência de uma das cinco enzimas
tivamente a altura atingida na vida adulta. O au- necessárias para sua síntese a partir do colesterol.
mento da altura é variável e depende da idade da Cada bloqueio enzimático provoca uma deficiên-
paciente no início da terapia com GH, mas mui- cia e acúmulo característicos de certos precursores
tas pacientes atingiram o percentil de altura infe- de hormônios adrenais (ver TABELA 269.3). Nas
rior de mulheres normais. A terapia com GH é formas mais comuns de hiperplasia adrenal congê-
mantida até que a reposição de estrogênios seja ini- nita (HAC), os precursores proximais ao bloqueio
ciada para indução de puberdade, geralmente quan- enzimático se acumulam e são transformados em
androgênios adrenais. Quando o bloqueio enzimá-
do a idade óssea atinge 12 a 13 anos. tico (por exemplo, deficiência de 21-hidroxilase)
Outras condições, que podem provocar baixa faz com que os androgênios se acumulem, o dis-
estatura, são baixa estatura sem deficiência de GH túrbio é uma forma virilizante de hiperplasia adre-
(baixa estatura variante do normal), retardo consti- nal, provocando graus diversos de virilização de
tucional da puberdade, retardo do crescimento in- um feto feminino afetado. Se o bloqueio enzimáti-
tra-uterino, outros distúrbios cromossômicos e ge- co prejudica a síntese de androgênios, é uma for-
néticos (por exemplo, síndrome de Down, síndro- ma subvirilizante, provocando virilização inadequa-
me de Prader-Willi [ver adiante], síndrome de da de um feto masculino afetado.
Noonan), outras displasias esqueléticas, raquitis- Vários distúrbios autossômicos recessivos po-
mo hipofosfatêmico e falha de crescimento induzi- dem provocar HAC. Um lactente afetado pode apre-
da por glicocorticóides. A terapia com GH conti- sentar ambigüidade da genitália externa, fornecen-
nua sendo experimental nesses casos.
Pacientes com retardo de crescimento por insen- do assim alguns indícios diagnósticos iniciais, por-
sibilidade GH (por exemplo, crianças com síndro- que um lactente masculino subvirilizado e um lac-
me de Laron) apresentam retardo de crescimento tente feminino supervirilizado não podem ser dife-
proporcional, níveis elevados de GH, níveis baixos renciados ao exame físico. O exame da genitália
de IGF-I e IGFBP-3 e um fenótipo distinto. A anor- externa tipicamente revela uma estrutura tipo fálica,
malidade primária é um defeito qualitativo ou quan- que parece mais longa e maior que um clitóris, mas
titativo do receptor GH ou um defeito na síntese de menor que um pênis, uma abertura única na base
IGF-I. Além de insuficiência de crescimento gra- deste falo, que é o seio urogenital e diversos graus
ve, embora sem retardo de crescimento intra-uteri- de fusão incompleta de pregas labioescrotais. Os
no, podem haver anormalidades craniofaciais como níveis basais de 17-hidroxiprogesterona > 8ng/mL são
abaulamento frontal, ponte nasal hipoplásica e ór- virtualmente diagnósticos de hiperplasia adrenal por
bitas rasas. Esses pacientes não respondem à tera- deficiência de 21-hidroxilase. O teste de estimula-
pia com GH, mas respondem a IGF-I com norma- ção com ACTH é necessário para diferenciar entre
lização de crescimento. as diversas causas de hiperplasia adrenal. Os ní-
A privação emocional extrema pode retardar o veis dos precursores do hormônio adrenal são do-
crescimento (ver também FALHA DE DESENVOLVI- sados antes e 30min depois de injeção de 250µg de

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2358 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 269.3 – TIPOS DE BLOQUEIO METABÓLICO


NA HIPERPLASIA ADRENAL CONGÊNITA
Enzima ausente Deficiência Excesso Fenótipo

Colesterol desmolase Todos os hormônios es- Hiperplasia lipóide adre- Insuficiência adrenal
teróides nal
3β-hidroxisteróide desi- Mineralocorticóides Pregnenolona; 17-OH- Subvirilização masculina;
drogenase Glicocorticóides pregnenolona; DHEA virilização feminina leve
17α-hidroxilase Esteróides sexuais DOC; corticosterona Subvirilização masculina;
Glicocorticóides hipocalemia; hipertensão
21-hidroxilase Mineralocorticóides Progesterona; 17-OH pro- Virilização feminina; insufi-
Glicocorticóides gesterona; androgênios ciência adrenal; perda de sal
11β-hidroxilase Glicocorticóides DOC; androgênios Virilização feminina; hiper-
tensão
Corticosterona 18-meti- Aldosterona 18-OH-corticosterona Perda de sal
loxidase Tipo II
OH = hidróxi; DHEA = desidroepiandrosterona; DOC = desoxicorticosterona.
Modificado a partir de Metabolic Control and Disease, 8ª ed., editado por PK Bondy & LE Rosenberg. Philadelphia,
WB Saunders Company, 1980; usado com permissão.

ACTH sintético IV. A elevação e a proporção dos O diagnóstico e tratamento pré-natais já estão dis-
diversos precursores são diagnósticas de cada de- poníveis. O estado de portador (heterozigoto) pode
feito enzimático. também ser determinado em crianças e adultos.
Em alguns defeitos enzimáticos menos intensos O tratamento da deficiência de 21-hidroxilase
(por exemplo, deficiência de 21 ou 11-β-hidroxilase se faz com reposição de glicocorticóides (hidro-
de início tardio), a virilização pode não se apresen- cortisona, acetato de cortisona ou prednisona) e,
tar até mais tarde na infância, na adolescência ou quando necessário, pela restauração da homeostasia
vida adulta. Os sintomas podem incluir aumento normal de sódio e potássio com reposição de mine-
do clitóris ou pênis, hirsutismo, seborréia, voz mais ralocorticóides. A administração de hidrocortisona
grave, aceleração do crescimento linear com fecha- oral (15 a 25mg/m2 ao dia fracionadas em 3 doses)
mento precoce de epífises (placas de crescimento ou prednisona (3 a 4mg/m2 ao dia fracionadas em
nos ossos longos) resultando em baixa estatura, 2 doses) é ajustada para manter precursores andro-
aumento da musculatura, calvície temporal, ame- gênicos adrenais na variação apropriada para a ida-
norréia e oligomenorréia em adultos. de. Acetato de cortisona IM, 18 a 36mg/m2 a cada
Deficiência de 21-hidroxilase – Esta deficiên- 3 dias pode também ser usado em lactentes, quan-
cia provoca 90% dos casos de HAC. A incidência do a terapia oral não é confiável. A terapia tem como
varia de 1/10.000 a 1/15.000 dos nascidos vivos. objetivo normalizar a androstenediona plasmática,
Existe uma produção aumentada de progeste- a 17-OH-progesterona e a atividade da renina plas-
rona, 17-OH-progesterona, desidroepiandrosterona mática ou os metabólitos urinários (17-cetosteróides
(DHEA), que é um androgênio fraco que mascu- e pregnanetriol). A fludrocortisona oral (0,1mg ao
liniza o lactente feminino afetado, e androstene- dia) é administrada se houver perda de sal. Os lac-
diona, com cortisol plasmático baixo ou ausente, e tentes freqüentemente precisam de suplementação
aldosterona. Os metabólitos urinários desses pre- oral de sal. A monitoração estreita durante a terapia
cursores (17-cetosteróides e pregnanetriol) estão é fundamental. O tratamento excessivo com glico-
acima do normal. A secreção reduzida de aldoste- corticóides resulta em doença de Cushing iatro-
rona resulta em perda de sal com hiponatremia e gênica, que se manifesta na infância como obesi-
hipercalemia; portanto, a atividade de renina plas- dade, crescimento abaixo do normal e retardo da
mática está elevada. Em deficiências enzimáticas idade óssea. O subtratamento com glicocorticói-
parciais, a deficiência de aldosterona não fica evi- des resulta em insuficiência na supressão de ACTH,
dente e os pacientes permanecem normonatrêmicos com conseqüente hiperandrogenismo, que se ma-
e normocalêmicos. Existe uma associação maior que nifesta na infância como virilização e velocidade
a esperada pelo acaso com certos haplótipos HLA. de crescimento supranormal e, eventualmente,

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CAPÍTULO 269 – DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS / 2359

como parada prematura do crescimento e estatura gonadotrópico), a lesão às células de Leydig preju-
final baixa. A adesão ao tratamento precisa ser ga- dica a produção de androgênio (testosterona) e/ou
rantida, o crescimento monitorado com cuidado e lesa os túbulos seminíferos, com conseqüente oli-
as leituras de idade óssea devem ser obtidas anual- gospermia ou azoospermia e gonadotropinas ele-
mente. Lactentes afetados do sexo feminino podem vadas; 2. no hipogonadismo secundário (hipogo-
precisar de reconstrução cirúrgica com clitoro- nadotrópico), distúrbios do hipotálamo ou pituitá-
plastia de redução e construção de abertura vagi- ria prejudicam a secreção de gonadotropina, o que
nal. Freqüentemente, outras cirurgias são necessá- pode resultar em impotência e/ou infertilidade; 3.
rias na vida adulta, mas com tratamento e atenção na resistência à ação dos androgênios, a resposta
adequados às questões psicossexuais, uma vida se- disponível a estes é inadequada (ver também ES-
xual normal e fertilidade podem ser esperados. TADOS INTERSEXUAIS no Cap. 261).
Deficiência de 11β-hidroxilase – Esta deficiên- Hipogonadismo primário – A síndrome de
cia provoca 3 a 5% de todos os casos de HAC. Klinefelter, que é a causa mais freqüente de hipo-
O perfil de esteróides característico é a elevação de gonadismo primário, é a disgenesia de túbulos se-
11-desoxicortisol (e 17-hidroxi-corticosteróides uri- miníferos associada com cariótipo 47, XXY, em que
nários) e de desoxicorticosterona. Por causa da ati- um cromossomo X extra é adquirido por falta de
vidade mineralocorticóide da desoxicorticosterona, disjunção meiótica materna (e em menor extensão,
os pacientes apresentam retenção de sal e hiperten- paterna). Os aspectos clínicos são discutidos em
são com alcalose hipocalêmica. A atividade da reni- ANORMALIDADES DOS CROMOSSOMOS SEXUAIS no
na plasmática é baixa. A virilização também ocorre. Capítulo 261. Na maioria dos pacientes, o diagnós-
O tratamento é a reposição de cortisol; pode ser tam- tico não é feito até a puberdade, quando se nota o
bém necessária a reposição de mineralocorticóides. desenvolvimento sexual inadequado ou mais tar-
Deficiência de 3β-hidroxisteróide desidroge- de, em investigação de infertilidade. As gonado-
nase – Este distúrbio muito raro resulta em acú- tropinas são elevadas depois de atingido o período
mulo de DHEA, que é convertida perifericamente normal de puberdade, enquanto a testosterona con-
em testosterona no tecido extraglandular. O trata- tinua na variação entre inferior-normal e baixa.
mento é também com um glicocorticóide e com Em anorquia bilateral (síndrome do desapa-
um mineralocorticóide quando necessário. recimento dos testículos), os testículos estiveram
Deficiência de colesterol-desmolase e 17α- presumivelmente presentes, mas foram reabsor-
hidroxilase – Esses distúrbios resultam em viri- vidos antes do nascimento ou logo após. Esses pa-
lização de lactentes femininos afetados e em cientes apresentam genitália externa normal e es-
subvirilização dos lactentes do sexo masculino truturas de Wolff normais, mas não possuem as es-
afetados. truturas dos ductos de Müller. Portanto, o tecido
Deficiência de corticosterona 18-metiloxidase testicular deve ter estado presente durante as pri-
Tipo II – A apresentação é típica de deficiência de meiras 12 semanas de embriogênese para que te-
aldosterona: hipercalemia crônica e aldosterona nha ocorrido diferenciação testicular e sido produ-
plasmática baixa. Não existem anormalidades de zidos testosterona e fator de inibição mülleriano.
diferenciação sexual. Esses pacientes apresentam um quadro clínico se-
melhante ao de criptorquidismo bilateral, exceto
que não existe elevação da testosterona circulante
HIPOGONADISMO depois de injeções de gonadotropina coriônica hu-
MASCULINO mana (hCG).
É uma atividade funcional diminuída dos testícu- A correção precoce do criptorquidismo está
los (endócrina, gametogênica, ou ambas), que indicado para tentar evitar doenças malignas ou
resulta em retardo de crescimento e desenvolvi- torção testicular (ver também em testículos não
mento sexual e/ou insuficiência reprodutora. descidos em DEFEITOS RENAIS E GENITOURINÁRIOS
no Cap. 261).
(Para síndromes de resistência a androgênios ver Na aplasia de células de Leydig, a ausência de
ESTADOS INTERSEXUAIS no Cap. 261; para dis- células de Leydig é uma causa de pseudo-herma-
túrbios congênitos dos testículos e bolsa escro- froditismo masculino associado com ambigüidade
tal, ver DEFEITOS RENAIS E GENITOURINÁRIOS de genitália externa. Embora exista algum desen-
também no Cap. 261). volvimento do ducto de Wolff, a produção de tes-
tosterona é insuficiente para induzir diferenciação
Classificação masculina normal da genitália externa. Estruturas
O hipogonadismo pode ser classificado em três dos ductos de Müller estão ausentes por causa da
categorias: 1. no hipogonadismo primário (hiper- produção normal do hormônio inibidor mülleriano

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2360 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

pelas células de Sertoli. Gonadotropinas elevadas congênita e provocar diversos graus de ambigüi-
e baixas concentrações de testosterona são encon- dade da genitália externa, isto é, pseudo-hermafro-
tradas e não existe elevação na testosterona circu- ditismo masculino.
lante após injeções de hCG. Hipogonadismo secundário – O pan-hipopitui-
A síndrome de Noonan (síndrome de Turner tarismo pode ocorrer em base congênita ou anatômi-
masculina) pode ocorrer esporadicamente ou como ca, como na displasia septo-óptica ou malformação
distúrbio autossômico dominante. Anormalidades de Dandy-Walker, que provoca tanto a deficiência de
fenotípicas incluem hiperelasticidade da pele, hi- fatores de liberação hipotalâmica como de hormônio
pertelorismo, ptose, orelhas de implantação baixa, pituitário. O hipopituitarismo pode resultar de tumo-
baixa estatura, quartos metacarpos encurtados, pa- res e neoplasia ou de seu tratamento, distúrbios vas-
lato com arco alto e anormalidades cardiovascula- culares, distúrbios infiltrativos, como sarcoidose ou
res principalmente à direita, como estenose de vál- histiocitose de Langerhans, infecções, como encefa-
vula pulmonar e defeito septal atrial. Os testículos lite ou meningite e trauma. O hipopituitarismo na in-
são freqüentemente pequenos ou com criptorqui- fância pode provocar retardo de crescimento, hipoti-
dismo. A testosterona pode ser baixa, com altos reoidismo, diabetes insípido, hipoadrenalismo e falta
níveis de gonadotropina. de desenvolvimento sexual na ocasião esperada da
Aproximadamente 80% dos homens com dis- puberdade. O hipopituitarismo adquirido na vida adul-
trofia miotônica apresentam insuficiência testicu- ta pode provocar hipotireoidismo, diabetes insípido,
lar, com biópsias testiculares mostrando desarran- hipoadrenalismo, impotência, redução da libido e atro-
jo da espermatogênese, hialinização e fibrose. Além fia testicular. Esses distúrbios podem ser identifica-
da fraqueza e atrofia musculares, calvície frontal, dos por técnicas de imagem em SNC. Deficiências
retardo mental, catarata, diabetes melito, hipopa- hormonais podem ser variadas e múltiplas, surgindo
ratireoidismo primário e hiperostose craniana po- da pituitária anterior ou posterior.
dem ser encontrados. Assim como em outras cau- A síndrome de Kallmann se caracteriza por
sas de hipogonadismo primário, as gonadotropinas anosmia por agenesia dos lobos olfatórios e hipo-
estão elevadas e os níveis de testosterona, baixos gonadismo secundário à deficiência de GnRH hi-
ou no limite inferior do normal. potalâmico. A causa é a inabilidade dos neurônios
Distúrbios tubulares seminíferos do adulto – neurossecretores de GnRH fetais em migrarem da
Oligospermia ou azoospermia associadas à inferti- placa olfativa para o hipotálamo. A herança é ge-
lidade podem ser encontradas em homens que apre- ralmente ligada ao X. Outras manifestações incluem
sentam insuficiência tubular seminífera idiopática microcefalia e criptorquidismo, defeitos associa-
ou desenvolveram essa insuficiência depois de in- dos da linha média e agenesia renal unilateral.
fecções testiculares (por exemplo, caxumba ou go- O retardo constitucional da puberdade é a
norréia), criptorquidismo, uremia, agentes, antineo- ausência de desenvolvimento sexual em um meni-
plásicos, alcoolismo, irradiação, lesão vascular ou no de pelo menos 14 anos de idade (ver BAIXA ES-
traumatismo. Além de uma análise de sêmen anor- TATURA POR HIPOPITUITARISMO, anteriormente).
mal, o hormônio folículo-estimulante (FSH) séri- Freqüentemente existe história familiar de retardo
co pode estar elevado, embora na oligospermia leve do desenvolvimento sexual em pai ou irmão.
os níveis possam ser normais. As concentrações de A maioria dos meninos apresenta alguma evidên-
testosterona sérica e hormônio luteinizante (LH) cia de maturação sexual aos 18 anos de idade ou
estão geralmente na variação normal, embora pos- quando a idade do esqueleto atinge 12 anos, a mé-
sa haver um aumento excessivo em LH depois da dia etária em que o aumento testicular é notado ini-
estimulação com hormônio liberador de gona- cialmente. Esses meninos geralmente apresentam
dotropina (GnRH), sugerindo deficiência androgê- baixa estatura durante a infância e/ou adolescên-
nica leve. Em adolescentes ou adultos, uma amos- cia, mas finalmente atingem seu alvo genético.
tra de sêmen coletada por masturbação 2 dias de- O retardo constitucional é um diagnóstico de ex-
pois de abstinência de ejaculação oferece um índi- clusão, isto é, deficiência de GH, hipotireoidismo,
ce excelente de função tubular seminífera. Um sê- hipogonadismo, primário ou por deficiência de
men normal tem um volume de 1 a 6mL, > 20 × gonadotropina, precisam ser excluídos. Tipicamen-
106 espermatozóides/mL, dos quais 60% são de te, crianças com retardo constitucional apresentam
morfologia normal e móveis (ver também DISTÚR- velocidade de crescimento normal ou próxima do
BIOS DE ESPERMATOZÓIDES no Cap. 245). normal com um padrão de crescimento paralelo às
Defeitos enzimáticos – Já foram descritos de- curvas dos percentis mais baixos no gráfico de cres-
feitos em todas as vias enzimáticas que levam à cimento. Quando a idade óssea é cruzada com a
diidrotestosterona. Esses problemas congênitos curva de crescimento, ela é essencialmente igual
podem estar associados com hiperplasia adrenal à curva do percentil do alvo genético.

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CAPÍTULO 269 – DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS / 2361

Em deficiência isolada de LH (síndrome do dos ductos de Wolff internos e da genitália exter-


eunuco fértil), os pacientes apresentam perda na. A apresentação clínica pode variar de ambigüi-
monotrópica de secreção de LH enquanto o FSH dade da genitália externa ou pseudo-hermafrodi-
continua normal. Na puberdade, esses meninos tismo masculino até genitália externa feminina de
apresentam crescimento dos testículos, porque aspecto normal.
grande parte do volume testicular é constituído de A deficiência androgênica no segundo e tercei-
túbulos seminíferos que respondem ao FSH. A es- ro trimestres pode provocar um microfalo e a des-
permatogênese pode ocorrer, porque prossegue o cida dos testículos é incompleta ou ausente.
desenvolvimento tubular. No entanto, a ausência Na infância, a deficiência androgênica apresenta
de LH resulta em atrofia de células de Leydig e poucas conseqüências, mas se ocorrer na ocasião
deficiência de testosterona. Portanto, esses pacien- esperada da puberdade, o desenvolvimento sexual
tes não desenvolvem características sexuais secun- secundário será prejudicado. Pacientes com hipo-
dárias normais e continuam a crescer, atingindo gonadismo apresentam pouco desenvolvimento
proporções de eunucos pela falta de fechamento muscular, voz aguda, crescimento fálico e testicu-
de suas epífises. lar inadequado, bolsa escrotal pequena, pêlos pu-
A síndrome de Prader-Willi é caracterizada bianos e axilares esparsos e pêlos do corpo ausen-
pela redução da atividade fetal, obesidade, hipoto- tes. Eles podem desenvolver ginecomastia e atin-
nia muscular, retardo mental e hipogonadismo hipo- gir proporções eunucóides (envergadura > altura
gonadotrópico. A síndrome é provocada pela dele- por volta de 2 e comprimento do púbis até o chão >
ção ou ruptura de um gene ou gene no braço longo comprimento da coroa até a região pubiana > 5 cm
proximal do cromossomo 15 paterno ou por dis- [2in]) por causa da fusão tardia das epífises e cres-
somia uniparental materna do cromossomo 15. cimento contínuo dos ossos longos.
Anormalidades de crescimento na fase de lactân- Na vida adulta, a deficiência de androgênio
cia incluem atraso de desenvolvimento por hipoto- apresenta manifestações variadas, dependendo do
nia e dificuldades alimentares, que geralmente me- grau e duração da deficiência. Redução da libido,
lhoram depois dos 6 a 12 meses de idade. Dos 12 potência e força global são comuns. Atrofia testi-
aos 18 meses em diante, a hiperfagia incontrolável cular, enrugamento fino da pele em torno dos olhos
provoca piora do ganho de peso, bem como pro- e lábios e pêlos esparsos podem ocorrer com hipo-
blemas psicológicos, porque a fome insaciável com gonadismo de longa duração. Osteopenia e gine-
obesidade pletórica se torna o aspecto mais mar- comastia podem também se desenvolver.
cante. O ganho de peso rápido continua, mas com
estatura final baixa na vida adulta. Aspectos de com- Achados laboratoriais
portamento incluem labilidade emocional, coorde- A dosagem de testosterona sérica – Os níveis
nação motora geral prejudicada, comprometimen- de testosterona aumentam durante a puberdade,
to cognitivo e fome insaciável. Anormalidades fa- de < 20ng/dL (< 0,7nmol/L) até entre 300 e
ciais incluem dimensão bitemporal estreita, olhos 1.200ng/dL (10,5 e 41,5nmol/L) na vida adulta. A
amendoados e boca com lábios superiores finos e secreção de testosterona sérica é pulsátil e também
cantos voltados para baixo. Hipogonadismo hipo- circadiana. Na segunda metade da puberdade, os
gonadotrópico, criptorquidismo e pênis e bolsa es- níveis são mais elevados à noite do que durante o
crotal hipoplásicos em homens ou lábios hipoplá- dia. Uma única amostra é suficiente para estabele-
sicos em mulheres também estão presentes. As cer que os níveis circulantes de testosterona são
anormalidades esqueléticas incluem escoliose, normais. Como 98% da testosterona é ligada a pro-
cifose e osteopenia. Anormalidades dos membros teínas carreadoras no soro (globulina de ligação à
incluem mãos e pés pequenos. testosterona), as alterações nos níveis dessas pro-
Doença aguda, bem como distúrbios sistêmicos teínas alteram os níveis totais de testosterona.
crônicos, como insuficiência renal crônica ou ano- Dosagem dos níveis séricos de hormônio lu-
rexia nervosa, podem estar associados a hipogona- teinizante (LH) e hormônio folículo-estimulan-
dismo hipogonadotrópico, que diminui depois da te (FSH) – LH e FSH devem ser dosados em três
recuperação da doença de base. amostras de sangue a intervalos de 20min, porque
ocorrem secreções pulsáteis a intervalos de 90 a
Sintomas e sinais 120min e sua presença ou ausência deve ser docu-
A idade de início da deficiência de esteróides mentada. Os níveis séricos de LH e FSH são geral-
sexuais determina a apresentação clínica. mente < 5mUI/mL antes da puberdade, apresen-
A deficiência androgênica ou defeitos na ação tam aumento noturno na última metade da puber-
androgênica no primeiro trimestre (< 12 sema- dade e apresentam flutuação pulsátil entre 5 e
nas in utero) resulta em diferenciação inadequada 20mUI/mL na vida adulta. Em homens adultos com

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2362 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

baixa testosterona sérica e níveis elevados de go- Biópsia testicular – Esta raramente é necessá-
nadotropinas, deve-se suspeitar de insuficiência ria para estabelecer o diagnóstico de hipogonadis-
testicular primária, enquanto que gonadotropina mo. Geralmente é restrita a homens com azoosper-
baixa ou normal com níveis baixos de testosterona mia com testículos de tamanho normal para dife-
sugerem um distúrbio hipotalâmico ou pituitário. renciar entre obstrução ductal e insuficiência de
Em crianças de baixa estatura com retardo do de- espermatogênese.
senvolvimento puberal, níveis baixos de testoste-
rona e gonadotropina podem também ser compatí- Tratamento
veis com retardo constitucional. Pacientes com hipogonadismo hipogonadotró-
Teste de estimulação da gonadotropina coriô- pico devem receber terapia direcionada ao distúr-
nica humana (hCG) – A hCG estimula as células bio hipotálamo-pituitário de base, se for descober-
de Leydig, como o LH, com que compartilha uma to algum.
subunidade estrutural e estimula a produção testi- Crianças com retardo constitucional da puber-
cular de testosterona. O teste de estimulação com dade, que se aproximam dos 15 anos de idade sem
hCG examina a integridade da função testicular e qualquer evidência de desenvolvimento puberal
consiste na administração de 500UI/1,7m2 em adul- podem receber um tratamento de 4 a 8 meses com
tos ou 100UI/kg em crianças. Os níveis de testos- enantato de testosterona, IM, 50mg por mês. Essas
terona devem pelo menos dobrar em 3 a 4 dias. baixas doses devem desencadear algum grau de
Teste de citrato de clomifeno – O citrato de virilização e induzir puberdade sem prejudicar o
clomifeno é um estrogênio fraco que inibe a liga- potencial de altura do adulto.
ção de estradiol em receptores estrogênicos e não Adolescentes com deficiência androgênica de-
estimula a ativação do receptor. Como o estradiol é vem ser tratados com enantato ou cipionato de tes-
um importante inibidor da secreção de gonadotro- tosterona injetável, de ação prolongada, em dose
pina sérica, a ocupação do receptor pelo clomifeno crescente durante um período de 18 a 24 meses, de
provoca redução da retroalimentação negativa so- 50 até 200mg a cada 2 ou 4 semanas.
bre a secreção de gonadotropina pelos estrogênios Adultos com deficiência androgênica devem
circulantes. A resposta do adulto normal ao citrato ser tratados até a andropausa masculina normal
de clomifeno, 100mg VO 2 vezes ao dia é um au- com uma dose de 200mg de testosterona injetável
mento de 50 a 250% no LH, um aumento de 30 a a cada 2 a 4 semanas ou com testosterona trans-
200% no FSH e um aumento de 30 a 200% na tes- dérmica aplicada por adesivo cutâneo, dois ade-
tosterona. Esses aumentos são comprometidos ou sivos diários, a menos que exista uma contra-
ausentes em distúrbios hipotalâmicos ou pituitários. indicação importante. Efeitos adversos potenciais
Teste de estimulação com hormônio libera- incluem retenção hídrica, acne e, ocasionalmen-
dor de gonadotropina (GnRH) – A administra- te, ginecomastia transitória. A terapia evita ou
reduz o risco de osteopenia e a instabilidade vaso-
ção de 100µg (2,5µg/kg em crianças) de GnRH motora aumenta a libido e evita a impotência.
por injeção IV rápida estimula diretamente a pi- Como acarretam risco de disfunção hepatocelu-
tuitária a secretar LH e FSH, que são medidos a lar e formação tumoral, os androgênios orais não
cada 20 a 30min durante 2h. A resposta ao GnRH devem ser usados. Homens com hipogonadismo
na infância é predominantemente um aumento no hipogonadotrópico, que querem desenvolver es-
FSH com pouco ou nenhum aumento no LH. Du- permatogênese, podem ser tratados com gona-
rante a puberdade, LH e FSH aumentam mais ou dotropinas menopáusicas, que contêm 75UI cada
menos igualmente em duas a três vezes. Na vida de FSH e LH em dose de 1 a 2 frascos IM 3
adulta, o LH aumenta duas a cinco vezes acima vezes por semana juntamente com 2.000UI de
do basal enquanto o FSH aumenta duas vezes. Em hCG IM 3 vezes por semana. Esta terapia deve
pacientes com hipopituitarismo, este teste desen- ser administrada durante pelo menos 3 meses
cadeia um aumento inadequado a ausente nas go- para afetar a espermatogênese. Alternativamen-
nadotropinas, enquanto pacientes com doença hi- te, a administração subcutânea pulsátil de GnRH
potalâmica podem apresentar uma elevação nor- através de bomba de infusão portátil pode ser
mal ou insuficiente, a última permitindo diferen- tentada se houver reserva suficiente de gona-
ciar atrofia gonadotrópica de estimulação endó- dotropina, como na síndrome de Kallman.
gena insuficiente pelo GnRH. Em pacientes O tratamento da síndrome de Kallmann com
com doença hipotalâmica, como na síndrome de gonadotropina coriônica humana (hCG) pode cor-
Kallmann (ver anteriormente), a administração rigir criptorquidismo e estabelecer a fertilidade,
pulsátil repetida do GnRH pode restaurar a secre- mesmo em homens adultos. A terapia pulsátil com
ção gonadotrópica ao normal. GnRH administrada por via subcutânea por bomba

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CAPÍTULO 269 – DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS / 2363

portátil leva à secreção endógena de esteróides se- Galactosemia clássica


xuais, virilização progressiva e até fertilidade.
Na deficiência isolada de FSH, o fechamen- A herança é autossômica recessiva. A incidência
to epifisário é induzido normalmente pela tes- é de 1/62.000 nascimentos e a freqüência de porta-
tosterona através de sua conversão em estrogê- dor é de 1/125. O gene para uridiltransferase, que
nio pela aromatase. tem muitas variantes, está localizado no cromosso-
mo 9p13. Uma mutação comum de sentido equí-
voco, Q188R, é responsável por 70% dos casos de
ANORMALIDADES deficiência de uridiltransferase em pacientes bran-
cos. Anormalidades graves são devidas ao acúmu-
GENÉTICAS DO lo de galactose 1-fosfato (derivado da galactose da
METABOLISMO DE dieta), que interfere em muitos processos metabó-
licos normais e provoca lesão hepatocelular e tu-
CARBOIDRATOS bular renal.
Um lactente com galactosemia clássica parece
GALACTOSEMIA normal ao nascimento, mas em alguns dias ou se-
São erros congênitos do metabolismo da galactose manas de alimentação com leite, o lactente torna-
que se caracterizam por níveis elevados de ga- se anoréxico e ictérico. Vômitos, pouco crescimen-
lactose no sangue, que se originam da incapaci- to, hepatomegalia e sepse são comuns e podem ser
dade de conversão da galactose em glicose. rapidamente fatais. Proteinúria, aminoacidúria e
A conversão de galactose em glicose é mostra- síndrome renal de Fanconi desenvolvem-se levan-
da na FIGURA 269.1. As manifestações clínicas de- do a edema e ascite. Sem tratamento ideal, a crian-
pendem da localização do defeito. ça fica fisicamente comprometida e mentalmente
retardada; muitos apresentam também catarata e
raquitismo. A maioria dos pacientes do sexo femi-
Deficiência de galactocinase nino apresenta insuficiência ovariana.
A herança é autossômica recessiva. A incidência A triagem abrangente de recém-nascidos para
é de 1/40.000. O gene para galactosemia está no concentrações reduzidas de galactose 1-fosfato uri-
braço longo do cromossomo 17 (17q21-q25). Nes- diltransferase nas hemácias e aumento das concen-
te distúrbios, a galactose se acumula e é reduzida trações de galactose 1-fosfato freqüentemente leva
por uma via alternativa para galactitol, resultando a diagnóstico precoce. Também se pode suspeitar
em lesão osmótica das fibras do cristalino. O de- do diagnóstico pela presença de substâncias não
senvolvimento precoce de catarata segue-se à in- redutoras de glicose (galactose, galactose 1-fosfa-
gestão de galactose ou carboidratos contendo ga- to) na urina e é confirmada pela ausência de uridil-
lactose, mais comumente lactose. Não ocorrem le- transferase em células e tecidos (por exemplo, he-
são hepática e renal e distúrbios neurológicos. mácias e fígado).
O diagnóstico deve ser suspeitado em qualquer O tratamento envolve a eliminação de todas as
criança com catarata. A presença de substância re- fontes de galactose da dieta, principalmente a lac-
dutora negativa para glicose oxidase (Clinistix) na tose presente em todos os produtos lácteos e como
urina de pacientes consumindo dieta contendo ga- adoçante em muitos alimentos. Embora uma dieta
lactose deve levar a vários exames diagnósticos para sem lactose evite a toxicidade aguda, complicações
a presença de galactose no sangue ou urina e au- a longo prazo (por exemplo, pouco crescimento,
sência de galactocinase e presença de galactose 1- anormalidades da fala e neurológicas, deficiência
fosfato uridiltransferase nas hemácias. O tratamento mental) são comuns. Muitos pacientes precisam de
envolve dieta isenta de galactose. suplemento de Ca e vitaminas.

Galactitol Cerebrosídeos
▲ ▲

1 2 3
Galactose Galactose 1-fosfato UDPgalactose UDPglicose Glicose

FIGURA 269.1 – Metabolismo da galactose: (1) galactocinase, (2) galactose 1-fosfato uridiltransferase, (3)
UDPgalactose 4-epimerase, (4) pirofosforilase. UDP = difosfato de uridina.

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2364 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Deficiência de sivamente pela IRM. O diagnóstico é pela demons-


tração da ausência da enzima específica em uma
UDPgalactose 4-epimerase biópsia do tecido afetado.
Esta deficiência (devida a alteração no gene O tratamento de DAG envolvendo predominan-
epimerase, localizado no cromossomo 1p36-p35) temente o fígado é direcionado à prevenção da hi-
tem duas apresentações: uma forma benigna e uma poglicemia e acidose láctica pela alimentação fre-
forma que parece deficiência de transferase. A he- qüente com carboidratos em pequena quantidade.
rança é autossômica recessiva para as duas formas. O amido de milho cru comprovou-se particularmen-
A incidência da forma benigna é de 1/23.000 no te útil em manter um nível estável da glicose san-
Japão. Nenhum dado de incidência está disponível güínea e reduz a acidemia láctica, hiperuricemia e
para a forma mais grave. hiperlipidemia, o que pode permitir a retomada do
A forma benigna parece estar restrita a hemá- crescimento. Alternativamente, a alimentação no-
cias e leucócitos, sem alterações clínicas significa- turna contínua pode fornecer glicose. A DAG IV é
tivas. A outra forma resulta em acúmulo de galacto- tratada com transplante hepático. O alopurinol pode
ser necessário para evitar gota e cálculos de urato.
se 1-fosfato através da conversão a partir de A DAG que envolve predominantemente os
UDPgalactose por pirofosforilase (ver FIG. 269.1). músculos é tratada pela limitação de exercício anae-
Esta forma não pode ser diferenciada clinicamente róbio (isquêmico). Uma dieta rica em proteínas é
da galactosemia clássica. Embora os pacientes res- útil para alguns pacientes.
pondam bem a uma dieta com restrição de lactose,
alguma ingestão de galactose é crítica para garan-
tir um suprimento de UDPgalactose para diversos DEFEITOS NO METABOLISMO
processos metabólicos. DA FRUTOSE

DOENÇAS DO Intolerância hereditária


ARMAZENAMENTO DE à frutose
GLICOGÊNIO A herança é autossômica recessiva. A incidência é
de 1/20.000 na Suíça, onde foi descrita pela primeira
(Glicogenoses) vez. A ingestão de quantidades muito pequenas de fru-
É um grupo de distúrbios hereditários causados pela tose ou sacarose (que, à hidrólise, produzem glicose e
falta de uma ou mais das várias enzimas envolvi- frutose) induz hipoglicemia, sudorese, tremor, confu-
das na síntese ou lise de glicogênio e caracteri- são, náusea, vômitos, dor abdominal e possivelmente
zado pelo armazenamento de quantidades ou ti- convulsão e coma. A ingestão prolongada de frutose
pos anormais de glicogênio nos tecidos. pode provocar acidose tubular renal com perda uriná-
ria de fosfato e glicose, cirrose e deterioração mental.
As doenças do armazenamento de glicogênio O diagnóstico é sugerido pelo início dos sinto-
(DAG) podem envolver predominantemente o fí- mas na fase de lactância e achado de frutose na
gado (DAG I, III, IV, VI) ou o músculo (DAG V, urina. É confirmado pela demonstração da ausên-
VII – ver TABELA 269.4). A herança é autossômica cia de enzima na biópsia hepática ou pela demons-
recessiva para todas as formas, exceto DAG VI, que tração de uma queda da glicemia 5 a 40min após a
segue uma herança ligada ao X. A incidência de administração de frutose 250mg/kg, IV, seguida
DAG é estimada em aproximadamente 1/25.000, da administração de glicose, IV, assim que uma que-
que pode ser baixa demais porque algumas formas da na glicemia seja documentada. É possível fazer
provocam apenas distúrbios mínimos e podem fi- o diagnóstico e identificar os portadores heterozi-
car sem diagnóstico. gotos por meio da análise direta do DNA.
Os sinais e sintomas surgem por acúmulo de O tratamento é a exclusão da frutose (encontra-
glicogênio ou outros metabólitos intermediários da principalmente em frutas doces), sacarose e
ou pela falta de um produto final da lise de gli- sorbitol da dieta. Evitar doces e frutas contendo
cogênio, particularmente a glicose. As manifes- açúcar resulta em dentes geralmente livres de cá-
tações clínicas, gravidade e idade de início va- ries. Ataques de hipoglicemia induzidos pela fru-
riam devido à expressão específica do órgão do tose são tratados com glicose.
sistema enzimático afetado (ver TABELA 269.4).
A DAG II afeta todos os órgãos com amplo en- Frutosúria essencial
volvimento neuromuscular, inclusive o miocár-
dio (ver MIOPATIAS no Cap. 184). É um defeito genético da frutocinase resultando
O glicogênio e alguns dos metabólitos interme- em excreção benigna e assintomática de fruto-
diários podem ser detectados nos tecidos não inva- se na urina.

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CAPÍTULO 269 – DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS / 2365

TABELA 269.4 – CARACTERÍSTICAS DAS DOENÇAS


DO ARMAZENAMENTO DE GLICOGÊNIO
Idade típica Sistema enzimático Órgãos ou tecidos
Tipo de início Epônimo afetado envolvidos Sintomas clínicos
IA Período de re- Doença de von Glicose-6- Fígado, rins Hepatomegalia e
cém-nascido Gierke fosfatase renomegalia, re-
ou 3 – 4 tardo de cresci-
meses mento, hipogli-
cemia, acidose,
hiperlipemia,
hiperuricemia
graves
IIB Período de re- Glicose-6- Fígado, leucócitos Semelhante ao
cém-nascido fosfatase Tipo IA mas
ou 3 – 4 translocase menos grave;
meses neutropenia, in-
fecções bacteria-
nas recorrentes,
ulceração GI
IC Período de re- Transporte de Fígado, rins Semelhante ao
cém-nascido fosfato ou Tipo IA
ou 3 – 4 pirofosfato
meses microssômico
ID Período de re- Transporte de Fígado, rins Semelhante ao
cém-nascido glicose Tipo IA
ou 3 – 4 microssômica
meses
II < 2 anos ou Doença de Ácido-lisossômico Todos os órgãos Hepatomegalia,
final da Pompe α-glicosidase cardiomegalia,
infância hipotonia grave,
miocardiopatia
III Lactância Doença de Enzima Fígado, músculos, Semelhante ao
Forbes desramificadora coração, Tipo IA, com
Doença de Cori leucócitos fraqueza muscu-
lar progressiva
na vida adulta
IV ≤ 18 meses Doença de Enzima Fígado, músculo, Cirrose progressi-
Andersen desramificadora a maioria dos va no tipo juve-
tecidos nil, miopatia e
insuficiência
cardíaca no tipo
de início tardio
V Adulto Doença de Fosforilase Músculo Cãibras ao exercí-
McArdle muscular esquelético cio sem elevação
de lactato san-
güíneo
VI Início da Doença de Her Sistema de Fígado Hepatomegalia, hi-
infância fosforilase poglicemia do
hepática jejum geralmen-
te assintomática
VII Adulto Doença de Tauri Fosfofrutocinase Músculo Cãibras ao exercí-
esquelético, cio, sem eleva-
hemácias ção de lactato
sangüíneo, he-
mólise
Adulto Glicogênio Fígado Hipoglicemia do
sintetase jejum, cetose, fí-
gado gorduroso

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2366 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

A herança é autossômica recessiva. A incidência monstração da ausência de atividade enzimática em


na população geral é cerca de 1/130.000. A utiliza- fibroblastos. Não existe tratamento eficaz, embora uma
ção anormal da frutose ingerida, que resulta em dieta pobre em carboidratos ou cetogênica e suplemen-
níveis anormais no sangue e urina, pode levar a um tação dietética de tiamina tenham sido tentadas.
diagnóstico incorreto de diabetes melito (a frutose
reduzirá o sulfato de cobre mas não reagirá com a Deficiência de piruvato
glicose oxidase). Não é necessário tratamento.
carboxilase
Deficiência de A herança da deficiência de piruvato carboxilase é
frutose-1,6-difosfatase autossômica recessiva e a incidência é < 1/250.000,
mas pode ser maior em algumas populações de índi-
A herança é autossômica recessiva. A incidência os americanos. O retardo psicomotor é geralmente a
é ignorada. O distúrbio resulta em hipoglicemia do principal manifestação clínica. Outros desarranjos
jejum, cetose e acidose e pode ser fatal em neona- bioquímicos podem incluir hiperamonemia, cetoaci-
tos. Doença febril pode desencadear episódios mais dose, níveis plasmáticos elevados de lisina, citrulina,
tarde. O bloqueio enzimático leva ao acúmulo de alanina e prolina e aumento da excreção de (alfa)-
precursores gliconeogênicos – certos aminoácidos, cetoglutarato. O diagnóstico é confirmado pela de-
ácido láctico e cetoácidos. Os sintomas podem ser monstração de redução da atividade enzimática em
aliviados por glicose oral ou glicose IV se a hipo- fibroblastos cutâneos. Não existe tratamento eficaz.
glicemia for grave. A tolerância ao jejum geralmen-
te melhora com a idade.
ANORMALIDADES NO
PENTOSÚRIA METABOLISMO DE
É um defeito benigno da L-xilulose redutase, caracte- AMINOÁCIDOS
rizado pela excreção de L-xilulose na urina. Classicamente, anomalias do metabolismo de
A herança é autossômica recessiva. O distúrbio aminoácidos são as de catabolismo. Defeitos no trans-
ocorre quase exclusivamente em judeus, com inci- porte de aminoácidos nos túbulos renais (ver ANO-
dência de 1/2.500 dos judeus ashkenazins. A L-xilu- MALIAS NO TRANSPORTE RENAL no Cap. 261) ou
lose na urina pode levar ao diagnóstico incorreto de mucosa GI (por exemplo, doença de Hartnup) são
diabetes melito. Não é necessário tratamento. também metabólicos, uma vez que são causados por
defeitos enzimáticos. Elevações nos níveis plasmáti-
DEFEITOS DO METABOLISMO cos de vários metabólitos ocorrem no grupo catabóli-
DO PIRUVATO co, mas estão ausentes no grupo de transporte.
Essas anomalias são determinadas geneticamen-
O piruvato aparece na via metabólica dos carboi- te. Os aspectos importantes de muitas anomalias
dratos, gorduras e aminoácidos. Níveis elevados de catabólicas de aminoácidos são apresentados na
piruvato e lactato podem ser provocados por doenças TABELA 269.5. Apenas a fenilcetonúria é discutida
do armazenamento de glicogênio, defeitos do metabo- neste capítulo.
lismo da frutose (ver anteriormente), doenças mitocon-
driais (ver ANORMALIDADES DO DNA MITOCONDRIAL FENILCETONÚRIA CLÁSSICA
no Cap. 286) e vários outros distúrbios genéticos (ver
ANORMALIDADES NO METABOLISMO DE AMINOÁCI- (Fenilalaninemia; Oligofrenia Fenilpirúvica)
DOS, adiante) e por distúrbios discutidos adiante. É um erro inato do metabolismo, caracterizado por
virtual ausência de atividade da fenilalanina
Deficiência do complexo hidroxilase e elevação da fenilalanina plasmáti-
ca, que freqüentemente resulta em retardo mental.
piruvato desidrogenase
As formas autossômica recessiva e ligada ao X fo- Epidemiologia e fisiopatologia
ram descritas. O complexo enzimático possui muitas A fenilcetonúria (PKU) clássica é encontrada na
subunidades diferentes e diversos defeitos genéticos maioria dos grupos populacionais, mas é rara em
podem provocar a deficiência. As manifestações clíni- judeus ashkenazins e negros. A incidência nos EUA
cas incluem acidemia láctica, ataxia, retardo psicomotor é de aproximadamente 1/16.000 nascidos vivos.
e lesões císticas da córtex cerebral, tronco cerebral e A PKU clássica é transmitida como característica
gânglios basais. O diagnóstico é confirmado pela de- autossômica recessiva.

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Merck_19E.p65

TABELA 269.5 – ANOMALIAS NO METABOLISMO DE AMINOÁCIDOS


Doença Aminoácido afetado Defeito enzimático Diagnóstico pré-natal
pré-natal* Características clínicas Tratamento

Fenilcetonúria Fenilalanina Fenilalanina hidroxilase Estudo de DNA Sintomas neurológicos, retardo Ingestão controlada de
mental fenilalanina
Tirosinemia Tipo I Tirosina Fumarilacetoacetato Ensaio enzimático; Síndrome de Fanconi, cirrose Ingestão controlada de fenilala-
(hepatorrenal) hidroxilase níveis elevados de hepática, insuficiência nina, tirosina e metionina;
succinil acetona; hepática fulminante transplante de fígado
estudo de DNA
Tirosinemia Tipo II Tirosina Tirosina Estudo de DNA Retardo mental, ceratite, Ingestão controlada de
(oculocutâneo) aminotransferase dermatite fenilalanina e tirosina
2367

Albinismo Tirosina Tirosinase Estudo de DNA Ausência de pigmento na pele, Proteção da pele e olhos da
cabelos, olhos radiação actínica
Alcaptonúria Tirosina Homogentisato oxidase Estudo de DNA Artrite, urina escura Nenhum
Histidinemia
Clássica Histidina L-histidina amônia-liase Ensaio enzimático Retardo, manifestações neuroló- Dieta pobre em proteínas, inges-
(fígado e pele) gicas; freqüentemente benigna tão controlada de histidina
Variante Histidina L-histidina amônia-liase Como anteriormente Como anteriormente
(fígado apenas)
Urina em xarope de
bordo (cetoacidúria de
cadeia ramificada)
Clássica Leucina Cetoácido-descarboxila- Ensaio enzimático; Hipertonicidade, odor de urina e Ingestão controlada de aminoá-
Isoleucina se de cadeia estudo de DNA transpiração, convulsões, cidos de cadeia ramificada, ex-
02/02/01, 14:34

Valina ramificada coma, morte sangüineotransfusão e/ou diá-


Aloisoleucina lise peritoneal para episódios
agudos
Intermitente Como a clássica O mesmo, mas alguma Sintomas apenas com estresse O mesmo nos episódios agudos,
atividade (febre, infecção) nenhum necessário entre
episódios

Continua
2367
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2368

TABELA 269.5 – ANOMALIAS NO METABOLISMO DE AMINOÁCIDOS


Doença Aminoácido afetado Defeito enzimático Diagnóstico pré-natal
pré-natal* Características clínicas Tratamento
Urina em xarope de
bordo (continuação)
Intermediária Como a clássica Grau de atividade entre Retardo, sintomas neurológicos; Ingestão de proteína limitada à
clássica e intermitente quadro completo desenvolve- necessidade ou controlar a
se com estresse ingestão de aminoácidos de
cadeia ramificada
Tiamina-responsiva Como a clássica Co-fator que estabiliza a Similar ao quadro leve da Tiamina – grandes doses;
enzima intermediária restrição na dieta também é
necessária
2368

Valinemia Valina Valina aminotransferase Retardo de crescimento Ingestão controlada de valina


Homocistinúria Metionina Cistationina β-sintase Ensaio enzimático Anormalidades esqueléticas, 1. Altas doses de piridoxina
1. Responsiva à ectopia do cristalino, retardo, 2. Restrição de metionina e con-
piridoxina doença tromboembólica sidere suplementação de cistina
2. Não responsiva à 3. Considere suplementação de
piridoxina betaína, fosfato e vitamina B12
Cistinose Cistina Membrana protéica Acúmulo de cistina Acúmulo de cistina no sistema Terapia de reposição para a sín-
lisossômica defeituosa com marcador de reticuloendotelial, leucócitos, drome de Fanconi; transplante
pulso 35S córnea; síndrome de Fanconi; renal para a insuficiência
insuficiência renal Cisteamina
Cistationinemia Metionina Cistationase Retardo (?), um grande número Grandes doses de piridoxina
de indivíduos não tem
02/02/01, 14:34

sintomas clínicos
Glicinemia (não Glicina Sistema de clivagem Ensaio enzimático em Convulsões, retardo Dieta pobre em proteínas,
cetótica) enzimática da glicina vilosidade coriônica estricnina (?), benzoato de
(não amniócitos) sódio
β-alaninemia β-alanina β-alanina-α-cetoglutara- Convulsões, sonolência, morte Piridoxina (?)
to aminotransferase
Prolinemia, Tipo I Prolina Prolina oxidase Nefrite hereditária, surdez Pode ser de característica
nervosa (?) benigna
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Prolinemia, Tipo II Prolina ∆1-pirrolina-5-carboxila- Convulsões, retardo mental Dieta pobre em proteínas, pobre
se desidrogenase em prolina e ácido glutâmico
Hidroxiprolinemia Hidroxiprolina Hidroxiprolina oxidase Retardo mental, sintomas de Dieta pobre em proteína (?)
SNC benigna (?)
Lisinemia Lisina Lisina cetoglutarato Fraqueza muscular, retardo, Ingestão controlada de lisina (?)
redutase benigna em alguns casos
Intolerância à proteína Lisina Transportador de ácido Vômito, coma Citrulina
lisinúrica Arginina dibásico
Sacaropinúria Lisina Aminoadípica semialdeí- Retardo Ingestão controlada de lisina
do glutamato redutase
Hiperpipecolicacidemia Lisina Pipecolato oxidase Nível de ácidos Geralmente manifestação da Reduzir a ingestão de ácidos
2369

graxos de cadeia síndrome cérebro-hepatorrenal graxos de cadeia muito longa


muito longa, síntese (síndrome de Zellweger)
de plasmalogênio
Deficiência de N- Amônia N-acetilglutamato Letargia, coma, vômitos Dieta pobre em proteína,
acetilglutamato sintetase arginina, benzoato de sódio,
sintetase fenilacetato de sódio
Deficiência de carba- Amônia Carbamoilfosfato Estudo de DNA Vômito, letargia, acidose, coma, Dieta pobre em proteína; mistura
moilfosfatase sintetase sintetase morte de aminoácidos essenciais, aná-
logos cetoácidos de aminoáci-
dos; arginina; benzoato de só-
dio; fenilacetato de sódio
Deficiência de ornitina- Todos os Ornitina Estudo de DNA Vômitos recorrentes, Dieta pobre em proteínas; mistu-
02/02/01, 14:34

transcarbamoilase aminoácidos, transcarbamoilase irritabilidade, letargia, coma, ra de aminoácidos essenciais,


especialmente convulsões, ligada ao X, análogos cetoácidos de amino-
glutamina mortal no sexo masculino ácidos; arginina; benzoato de
sódio; fenilacetato de sódio

Citrulinemia Citrulina Ácido argininos- Ensaio enzimático; Vômito, coma, convulsões Dieta pobre em proteínas; mistu-
succínico sintetase estudo de DNA ra de aminoácidos essenciais,
análogos cetoácidos de amino-
ácidos; arginina; benzoato de
sódio; fenilacetato de sódio
2369

Continua
Merck_19E.p65

2370
TABELA 269.5 – ANOMALIAS NO METABOLISMO DE AMINOÁCIDOS
Doença Aminoácido afetado Defeito enzimático Diagnóstico pré-natal
pré-natal* Características clínicas Tratamento
Acidemia Ácido argininossuc- Argininossuccinase Ensaio enzimático Convulsões, retardo, coma, Como o anterior para a
argininossuccínica cínico e outros vômito, hepatomegalia, citrulinemia
aminoácidos tricorrexe nodosa
dibásicos
Argininemia Arginina Arginase Ensaio enzimático, Retardo, convulsões, Mistura de aminoácidos
estudo de DNA espasticidade essenciais
Ornitinemia Ornitina Ornitina cetoácido Ensaio enzimático Atrofia circinada de coróide e Dieta pobre em proteína, pobre
transaminase retina em arginina; suplemento de
prolina
2370

Síndrome de hiperorniti- Ornitina Defeito de transporte Convulsões, retardo Dieta pobre em proteínas
nemia, hiperamonemia Amônia dentro da mitocôndria
e homocitrulinemia Homocitrulina
Sarcosinemia Sarcosina Sarcosina desidrogenase Retardo mental (?), sem Pode ser de característica
sintomas benigna, nenhum tratamento
indicado
Glutamicacidemia Ácido glutâmico ? Retardo físico e mental, ?
convulsões, tricorrexe nodosa
Acidemia piroglutâmica Ácido 5-oxoprolina glutationa Ensaio enzimático Acidose e hemólise aumentada, ?
piroglutâmico sintetase episódios de vômito, retardo
Isovalericacidemia Leucina Isovaleril-CoA Ensaio enzimático Vômito, letargia, acidose, Ingestão controlada de leucina;
desidrogenase retardo, odor de pé suado, glicina
02/02/01, 14:34

morte neonatal
Acidúria β- Leucina β-metilcrotonil-CoA Ensaio enzimático, Retardo, atrofia muscular, odor Ingestão controlada de leucina
hidroxiisovalérica carboxilase ácido isovalérico urinário desagradável
Deficiência de Leucina 3-hidróxi-3-metilglutaril Ensaio enzimático; ele- Acidose, hipoglicemia, Dieta pobre em proteínas,
HMG-CoA liase CoA liase vação de ácidos 3-hi- hipotonia, letargia ingestão controlada de
dróxi-3-metilglutá- leucina, controle da
rico, 3-metilglutárico e hipoglicemia
3-hidroxiisovalérico
na urina materna
Merck_19E.p65

Acidúria Isoleucina Acetil-CoA tiolase Ensaio enzimático Episódios de acidose, coma; Dieta pobre em proteínas, inges-
α-metilacetoacética retardo tão controlada de isoleucina
Propionicacidemia Treonina Propionil-CoA Estudo de DNA Acidose, letargia, coma, retardo Dieta pobre em proteínas,
(forma de glicinemia Isoleucina carboxilase físico e mental ingestão controlada de
cetótica) Metionina 1. Deficiência de treonina, valina, isoleucina,
Valina apoenzimas metionina e carnitina
2. Deficiência de
coenzimas
2371

Deficiência múltipla de Leucina 1. Holocarboxilase Estudo de DNA Acidose, erupção cutânea, Biotina 5 a 10mg ao dia
carboxilase Isoleucina sintetase alopecia, hipotonia,
Valina 2. Biotinidase imunidade de células B e T
Metionina defeituosa, perda auditiva
Treonina
Acidemia metilmalônica Isoleucina Metilmalonil-CoA Estudo de DNA Acidose, letargia, coma, retardo 1. Dieta pobre em proteínas;
(forma de glicinemia Valina mutase físico e mental ingestão controlada de
cetótica) Treonina 1. Deficiência de isoleucina, valina, treonina,
Metionina apoenzimas metionina e carnitina
2. Deficiência de co- 2. Doses maciças de vitamina
fator de vitamina B12 B12
Metilmalonil-CoA Idem ao item 1
racemase (?)
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Homocistinúria- Isoleucina Metilmalonil-CoA Ensaio enzimático Retardo mental, falha no Hidroxocobalamina


acidemia Valina mutase e homocisteí- desenvolvimento, convulsões,
metilmalônica Treonina na:metiltraidrofolato anemia megaloblástica
Metionina metiltransferase
* Os progressos estão ocorrendo tão rapidamente que as técnicas biológicas moleculares podem estar disponíveis brevemente para o diagnóstico de muitos distúrbios.
2371
2372 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

O excesso de fenilalanina, um aminoácido es- te o único local em que se encontram quantidades


sencial, é normalmente eliminado do sangue por mensuráveis de fenilalanina hidroxilase. São ne-
hidroxilação em tirosina. A enzima fenilalanina cessários métodos melhores de diferenciação.
hidroxilase é essencial para esta reação. Se estiver Depois do recém-nascido ter consumido uma
inativa, a fenilalanina acumula-se no sangue e é quantidade moderada de leite (a fonte de feni-
principalmente excretada inalterada na urina; uma lalanina) por pelo menos 48h, deve-se pesquisar a
pequena parte é transaminada em ácido fenil- PKU em todos os recém-nascidos. O teste de inibi-
pirúvico, o qual pode ainda ser metabolizado em ção de Guthrie é geralmente usado. Uma cepa de
ácidos fenilacético, fenilático e o-hidroxifenila- Bacillus subtilis fenilalanina-dependente é cultivada
cético; todos são excretados na urina. num meio no qual é colocado um disco de filtro de
papel impregnado com várias gotas de sangue ca-
Sintomas e sinais pilar e outros discos contendo várias quantidades
Os sintomas geralmente estão ausentes no perío- de fenilalanina (controles). A zona de crescimento
do neonatal. Raramente o lactente pode apresentar- ao redor do disco contendo a amostra de sangue é
se letárgico ou alimentar-se mal. O sintoma mais proporcional ao conteúdo de fenilalanina. Outro
importante é o retardo mental, geralmente grave, que teste de detecção envolve a adição de algumas go-
ocorre na maioria dos pacientes não tratados. Os lac- tas de solução de cloreto férrico a 10% a uma amos-
tentes afetados tendem a apresentar pele, olhos e ca- tra de urina ou uma fralda úmida (uma fita de pa-
belos mais claros do que os membros não afetados da pel está disponível comercialmente). Uma tonali-
família. Alguns lactentes podem ter erupção cutânea dade verde-azulada profunda indica a presença de
semelhante ao eczema infantil. ácido fenilpirúvico na urina.
Ocorrem muitos sintomas e sinais neurológicos, O teste de urina é feito após o período neonatal
especialmente afetando os reflexos. Crises convulsi- e deve ser repetido a intervalos regulares, geral-
vas de pequeno e grande mal são comuns em crian- mente semanais, por 1 ano, se um lactente tem his-
ças mais velhas e a incidência de EEG anormais é de tória familiar de PKU. Depois de 4 a 6 semanas de
75 a 90%. As crianças manifestam hiperatividade vida, níveis anormais de metabólitos da fenilalanina
extrema e estados psicóticos e freqüentemente apre- podem aparecer na urina, inclusive ácido fenilpi-
sentam odor “murino” desagradável no corpo, cau- rúvico, ácido fenilático, ácido fenilacético e ácido
sado por ácido fenilacético na urina e suor. o-hidroxifenilacético.
Os testes de triagem devem ser confirmados por
Diagnóstico testes mais exatos, usando métodos fluorimétricos,
O diagnóstico pré-natal é possível na maioria ou cromatografia de troca de íons.
dos casos que envolvem história familiar: o DNA Tratamento
isolado de cultura de células amnióticas ou amos-
tras de vilosidade coriônica é analisado pelo O tratamento objetiva a limitação da ingestão
polimorfismo do comprimento do fragmento de de fenilalanina da criança, de forma que este
restrição e os perfis são comparados com o dos pais aminoácido essencial seja suprido, mas não em
e irmãos. Para algumas famílias, estudos de muta- excesso. Isto permite crescimento e desenvolvi-
ção direta também podem ser realizados. mento normais, mas evita acúmulo no corpo da
Em virtude da habitual ausência de sintomas fenilalanina e de seus produtos finais anormais.
neonatais, os exames laboratoriais são obrigatórios Uma vez que todas as proteínas naturais contêm
para o diagnóstico. O diagnóstico precoce depen- cerca de 4% de fenilalanina, é impossível satis-
de da detecção no plasma de um nível alto de fazer as necessidades da proteína sem exceder a
fenilalanina junto com uma tirosina plasmática necessidade de fenilalanina. Portanto, hidrolisados
normal ou baixa. O nível plasmático exato que ser- de caseína (tratados para remover a fenilalanina)
ve como um ponto de corte preciso entre a PKU ou misturas de aminoácidos devem constituir a
clássica e as variantes da doença não pode ser fixa- metade da proteína da dieta. Lofenalac, um pro-
do, embora 20mg/dL (1,2mM/L) tenham sido pro- duto muito usado nos EUA, é um alimento com-
postas. A diferenciação entre PKU clássica e pleto, exceto pelo seu conteúdo de fenilalanina,
hiperfenilalaninemia grave (ver adiante) não pode e é usado em lugar do leite usual na dieta. Ali-
ser feita apenas com dosagens de fenilalanina plas- mentos naturais com pouca proteína, tais como
mática. A diferenciação exata requer ensaio de ati- frutas, vegetais, alguns cereais, etc. são permiti-
vidade de fenilalanina hidroxilase hepática, que é dos. A necessidade de fenilalanina é suprida por
virtualmente ausente na PKU clássica e presente quantidades determinadas de proteína natural e
em quantidades variáveis, de 5 a 15% do normal, o conteúdo residual de fenilalanina do Lofenalac
nas hiperfenilalaninemias. O fígado é normalmen- (75mg/100g de pó). A necessidade, em termos

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CAPÍTULO 269 – DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS / 2373

de peso corpóreo diminui com a idade, varia de pode evitar essas seqüelas e a experiência sugere
40 a 70mg/kg ao dia durante os primeiros meses que este tratamento é eficaz.
de vida e diminui para 20 a 40mg/kg ao dia no
final do primeiro ano. Produtos dietéticos com- FORMAS VARIANTES DE
pletamente livres de fenilalanina estão agora dis-
poníveis. Eles permitem o controle do nível san- HIPERFENILALANINEMIA
güíneo de fenilalanina e maior maleabilidade no A tirosinemia neonatal pode provocar níveis
uso de alimentos naturais. Análogos do XP, Phe- elevados de fenilalanina. É diferenciada por níveis
nex I, Phenex II e Phenyl-Free são outros ali- plasmáticos de tirosina anormais.
mentos completos, exceto pela fenilalanina; PKU- As formas leves e severas de hiperfenilala-
1, PKU-2, PKU-3 e Maxamum não contêm gor- ninemia são transmitidos como traços autos-
dura e, portanto, fornecem menos calorias que sômicos recessivos. Embora reduzida, a atividade
outras preparações. É necessário monitorar os da fenilalanina hidroxilase é mais elevada nas for-
níveis plasmáticos de fenilalanina da criança. mas variantes do que na PKU clássica. As formas
O tratamento deve ser iniciado durante os pri- leves geralmente produzem níveis plasmáticos < 8
meiros dias de vida para evitar retardo mental. O a 10mg/dL com dieta normal; formas severas estão
tratamento precoce e bem conduzido torna possí- associadas a elevações maiores. A diferenciação da
vel o desenvolvimento normal e impede o envolvi- PKU clássica está descrita anteriormente. Dados
mento do SNC. O tratamento iniciado após 2 a 3 atuais sugerem que o nível de fenilalanina deve
anos de idade pode ser eficaz apenas no controle ser mantido < 6mg/dL por tratamento dietético.
da hiperatividade extrema e crises convulsivas Os pacientes devem ser tratados da mesma forma
intratáveis. A extensão de tempo em que o trata- que os portadores de PKU clássica.
mento deve ser mantido ainda não está completa- A deficiência de tetraidrobiopterina pode tam-
mente decidida. Embora primeiramente tenha sido bém provocar níveis elevados de fenilalanina plas-
considerado seguro interromper o tratamento quan- mática. Pode resultar de um defeito de síntese de
do a mielinização do cérebro estivesse virtualmen- biopterina ou deficiência de diidropteridina redutase,
te completa, relatos de diminuição no QI e desen- que reduz a biopterina à sua forma ativa, tetrai-
volvimento de problemas de comportamento e di- drobiopterina. A tetraidrobiopterina é um co-fator na
ficuldades de aprendizado levaram a reconsiderar síntese de dopamina e serotonina; a deficiência des-
esta recomendação. Dados atuais sugerem que a ses neurotransmissores pode ser responsável pelos
restrição dietética deve ser por toda a vida. sintomas neurológicos. A terapia dietética pode cor-
A fenilcetonúria materna, se não tratada, apre- rigir o nível anormal de fenilalanina plasmática, mas
senta efeitos profundos sobre o feto. A maioria des- a deterioração neurológica grave continua porque
sas gestações resulta em lactente com retardo men- permanece a deficiência de neurotransmissores. Além
tal e físico e a incidência de microcefalia e cardio- do tratamento dietético, a terapia de substituição com
patia congênita é elevada. O controle do nível san- levodopa, carbidopa, 5-OH triptofano e tetraidro-
güíneo de fenilalanina da mãe antes da gravidez biopterina pode ser benéfico se iniciado precocemente.

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2374 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

270␣ /␣ DISTÚRBIOS
MUSCULOESQUELÉTICOS
E DO TECIDO
CONJUNTIVO
FEBRE REUMÁTICA ringite estreptocócica não é tratada; entretanto, os
relatos indicam ressurgimento. Os surtos foram re-
É uma complicação inflamatória aguda não supurati- latados nos anos 80 em Utah e Ohio e nos anos 90
va das infecções por estreptococos do Grupo A,
caracterizada principalmente por artrite, coréia ou na Pensilvânia. Surpreendentemente, os casos ten-
cardite, que aparece isolada ou em combinação com deram a ocorrer em crianças brancas da classe mé-
cardiopatia residual, como possível seqüela da dia que moravam em áreas suburbanas ou rurais.
Uma cepa mucóide M do estreptococo do Grupo A
cardite. Tecidos subcutâneos (nódulos) e pele (eri- Tipo 18 pareceu mais prevalente nestes casos; este
tema marginado) podem também ser envolvidos. tipo tinha sido associado anteriormente com a fe-
(Ver também CORÉIA DE SYDENHAM no Cap. 271.) bre reumática, mas foi incomum nos EUA durante
várias décadas. Um surto também foi registrado em
Etiologia e incidência um quartel em 1989; 3 dentre 10 homens adultos
com a doença desenvolveram cardite. As cepas mais
O estreptococo do Grupo A é o precursor etiológi- virulentas de estreptococos parecem estar retor-
co, mas o papel dos fatores ambiental e constitucio- nando aos EUA, e a incidência pode aumentar nos
nal do hospedeiro é desconhecido. A suscetibilidade próximos anos.
familial é significante. Desnutrição, aglomeração e
situação socioeconômica baixa parecem predispor a Patologia
infecções e episódios reumáticos subseqüentes.
A febre reumática ocorre principalmente duran- A histopatologia da febre reumática aguda é di-
te a idade escolar; um primeiro ataque é raro antes fícil de avaliar porque poucos pacientes morrem
dos 4 anos e incomum após os 18 anos. A exata durante o ataque agudo.
incidência da febre reumática aguda é difícil de Envolvimento articular – a biópsia de membra-
determinar visto que os pacientes nos países em na sinovial mostra edema e hiperemia inespecíficos.
desenvolvimento não procuram cuidados médicos, Envolvimento cerebral – somente hiperemia tem
particularmente aqueles apenas com cardite assin- sido encontrada em cérebros de pacientes que morre-
tomática leve. Nos EUA, a incidência é provavel- ram durante ataque agudo de coréia ou anos depois.
mente 1/100.000. Entretanto, a incidência de febre Envolvimento cardíaco – o envolvimento val-
reumática em pessoas não tratadas varia de 0,1 a vular é o efeito patológico mais característico e po-
3% daquelas com infecções estreptocócicas. A in- tencialmente perigoso. A valvulite intersticial pode
cidência atinge 50% em pessoas não tratadas com causar edema valvular. Se não tratada, podem ocor-
história de febre reumática que desenvolvem farin- rer espessamento, fusão e retração da valva ou ou-
gite estreptocócica. A prevalência de doença car- tra destruição dos folhetos e cúspides, levando a
díaca reumática é também difícil de determinar, vis- alterações funcionais estenóticas regurgitantes.
to que os critérios diagnósticos não são padroniza- O envolvimento similar pode encurtar, espessar ou
dos, e a necropsia não é realizada rotineiramente. fundir as cordas tendíneas, contribuindo para a re-
Embora a febre reumática floresça nos países gurgitação das válvulas danificadas ou produzindo
desenvolvidos, as taxas de incidência declinaram regurgitação em uma válvula de outra forma não
recentemente na maioria deles. Entretanto, a redu- afetada. A dilatação dos anéis valvulares pode ser
ção real na incidência devido a antibióticos seja um terceiro mecanismo causando regurgitação.
difícil de separar da redução aparente devido ao A regurgitação e estenose são os efeitos usuais so-
uso de critérios diagnósticos mais específicos. bre os folhetos das válvulas mitral e tricúspide; a
Nos EUA, por razões desconhecidas, a febre reu- válvula aórtica geralmente se torna regurgitante ini-
mática é relativamente rara, mesmo quando a fa- cialmente e a estenótica depois. A válvula mitral é

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CAPÍTULO 270 – DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS E DO TECIDO CONJUNTIVO / 2375

envolvida mais comumente, a válvula aórtica, fre- A cardite pode ocorrer sozinha ou em várias
qüentemente; a válvula tricúspide e a válvula pul- combinações de atrito pericárdico, sopros, aumen-
monar, raramente. to cardíaco ou insuficiência cardíaca. Nos primei-
Os corpos de Aschoff são encontrados com fre- ros surtos de febre reumática, a cardite está pre-
qüência, mas não consistentemente no miocárdio e sente em cerca de 50% dos pacientes com artrite.
outras partes do coração dos pacientes com cardite. Na ausência de artrite (ou coréia), um paciente com
A pericardite inespecífica fibrinosa, algumas cardite procurará atenção médica apenas se estiver
vezes com efusão, ocorre apenas em pacientes com suficientemente febril, se a pericardite estiver pre-
inflamação endocárdica e quase sempre cede sem sente e for dolorosa, ou se a descompensação car-
lesão permanente. díaca produzir manifestações respiratórias, perifé-
Envolvimento cutâneo – A biópsia de nódulos ricas ou abdominais. Por outro lado, em cerca de
subcutâneos mostra certas características semelhan- 50% dos adultos afetados, o dano cardíaco pode
tes aos corpos de Aschoff, mas nenhuma delas distin- não ser descoberto a não ser muito mais tarde.
gue os nódulos daqueles da AR. O eritema margina- Os sopros são as manifestações mais freqüentes
do não apresenta lesões histopatológicas específicas. da cardite, sendo geralmente evidentes quando o
paciente é visto pela primeira vez. O sopro diastó-
Sintomas e sinais lico leve da regurgitação aórtica (melhor ausculta-
As cinco maiores manifestações da febre reu- do ao longo da borda esternal esquerda baixa) e o
mática são a poliarterite migratória, coréia, cardite sopro pré-sistólico da estenose mitral (ouvido fo-
nódulos subcutâneos e eritema marginado. Estas calmente acima ou medial ao ápice) podem ser di-
podem aparecer isoladas ou em combinação e pro- fíceis de detectar.
duzem muitos padrões clínicos. As características Se não ocorrer piora durante as 2 a 3 semanas
cutâneas e subcutâneas são incomuns e quase nun- seguintes, raramente ocorrerão depois novas ma-
ca ocorrem sozinhas, geralmente desenvolvendo- nifestações de cardite. Uma vez que os sopros em
se em um paciente que já tem artrite, coréia ou geral não desaparecem e novos fenômenos cardía-
cardite. A febre é um sintoma proeminente, mas cos são incomuns, manifestações inflamatórias e
não específico. não cardíacas são os melhores índices de resposta
A poliartrite migratória é a manifestação clínica terapêutica. A evidência de inflamação aguda, in-
mais comum, embora possa ocorrer monoartrite. cluindo VHS em geral cede em 5 meses na cardite
As articulações tornam-se extremamente dolo- não complicada. A febre reumática não parece pro-
rosas e sensíveis e podem também estar vermelhas, duzir cardite crônica latente. As cicatrizes deixa-
quentes e edemaciadas, às vezes com derrame. das por lesão valvular aguda podem se contrair e
Os tornozelos, joelhos, cotovelos ou punhos são ge- se alterar e dificuldades hemodinâmicas secundá-
ralmente os mais envolvidos. Os ombros, quadris e rias podem se desenvolver no miocárdio sem a per-
pequenas articulações das mãos e pés também po- sistência da inflamação aguda.
A insuficiência cardíaca em crianças com doen-
dem estar envolvidos, mas quase nunca isoladamen- ça aguda pode não ser diagnosticada porque suas
te. Se as articulações vertebrais forem afetadas, manifestações podem ser diferentes das esperadas
outras doenças devem ser suspeitadas. em adultos. Os sintomas em crianças podem ser
A dor articular e a febre geralmente cedem den- dispnéia sem estertores, náusea e vômito (devido à
tro de 2 semanas, quase sempre rapidamente, e hiperemia epigástrica), dor no quadrante superior
raramente dura > 1 mês. Na ausência de cardite, direito ou epigástrica (por distensão da cápsula
VSH (ver Achados Laboratoriais, adiante) geral- hepática) e tosse de curta duração não produtiva
mente retorna ao normal em 3 meses. (por congestão pulmonar).
Sintomas semelhantes à artralgia podem ser Os nódulos subcutâneos, que podem ocorrer
devido a mialgia inespecífica ou tenodinia na zona mais freqüentemente nas superfícies extensoras das
paraarticular; pode se desenvolver tenossinovite no grandes articulações, geralmente coexistem com
local das inserções musculares. Esses sintomas cardite. Comumente, os nódulos são pouco dolo-
podem ser distinguidos da artralgia de AR pela au- rosos, transitórios e responsivos a qualquer agente
sência de sensibilidade durante o movimento pas- usado para a inflamação cardíaca ou articular.
sivo da articulação presumivelmente envolvida. O eritema marginado é uma erupção cutânea
A contração isométrica dos músculos ou tendões serpiginosa, plana, sem cicatrizes, indolor. É tran-
adjacentes quase sempre reproduzem a dor. sitória, durando, às vezes < 1 dia. Seu aparecimen-
A coréia pode ocorrer sozinha ou em associa- to é freqüentemente tardio após a infecção estrepto-
ção com outras manifestações reumáticas (ver cócica causadora. Seu aparecimento é geralmente
CORÉIA DE SYDENHAM no Cap. 271). retardado após uma infecção estreptocócica inci-

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2376 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

tante; caso apareça quando (ou mesmo após) ou- Diagnóstico


tros aspectos da inflamação reumática cedem, não Nenhum teste isolado ou outra evidência são
deve ser confundido com um novo surto. patognomônicos de febre reumática. O diagnósti-
Outras manifestações podem incluir dor abdo- co geralmente é baseado no preenchimento dos cri-
minal e anorexia na febre reumática pelo mecanismo térios de Jones modificados, que requerem a evi-
hepático descrito anteriormente para insuficiência dência de infecção recente por estreptococos do
cardíaca, ou através de adenite mesentérica conco- Grupo A (escarlatina, cultura de orofaringe positi-
mitante. Devido à contagem elevada de leucócitos e va ou títulos elevados de antiestreptolisina O, ou
defesa abdominal, a situação pode assemelhar-se à outros anticorpos estreptocócicos), juntamente com
apendicite aguda, particularmente quando outras duas das cinco maiores manifestações citadas an-
manifestações reumáticas estão ausentes. teriormente em Sintomas e Sinais, ou uma de duas
A letargia, mal-estar, ou fadiga, com freqüência manifestações menores (que incluem febre, artral-
atribuídas à febre reumática podem ser causadas gia, história anterior de febre reumática, VHS ele-
por insuficiência cardíaca. A pneumonia reumáti- vada e intervalo P-R prolongado).
ca ou pleurisia não é mais considerada como espe- O diagnóstico diferencial inclui gota, anemia
cífica da febre reumática. falciforme, leucemia, LES, endocardite bacteriana
Os ataques prolongados de febre reumática embólica, doença do soro, reações a drogas, artri-
(≥ 8 meses) ocorrem em aproximadamente 5% dos tes traumática ou gonocócica geralmente podem ser
pacientes, com episódios recorrentes espontâneos diferenciadas pela história ou testes laboratoriais
de inflamação (manifestações laboratoriais e clíni- específicos. A AR juvenil sistêmica (ver adiante),
cas) não relacionadas à infecção estreptocócica in- às vezes tem um início relativamente abrupto, oca-
terposta ou à cessação da terapia antiinflamatória. sionalmente com envolvimento cardíaco reumatói-
Esses episódios recorrentes dentro de um ataque de e freqüentemente pode ser confundida com fe-
prolongado são mais prováveis de ser associados bre reumática. Os pacientes com AR juvenil sistê-
com cardite. mica não desenvolvem o fator reumatóide ou anti-
Achados laboratoriais corpos antinucleares, desta forma, os testes soroló-
gicos não são úteis. A ausência de um antecedente
Os índices inflamatórios sistêmicos incluem VHS de infecção estreptocócica e a longa evolução clí-
e proteína C-reativa. A utilização do método de nica de um episódio artropático geralmente distin-
Wintrobe, a VHS é elevada; freqüentemente a níveis gue a artrite reumática da reumatóide.
> 120mm/h. A contagem de leucócitos atinge valores A cardite reumática deve ser distinguida da car-
de 12.000 a 20.000/µL e pode aumentar mais com a diopatia congênita, que apresenta sopros caracte-
terapia com corticosteróides. A proteína C-reativa rísticos e cianose freqüente; ecocardiografia, cate-
sérica está anormalmente alta; uma vez que ela au- terização cardíaca ou angiografia podem ser utili-
menta mais rapidamente que a VHS, um teste negati- zadas para verificar diagnósticos difíceis. A fi-
vo é útil para confirmar a ausência de inflamação em broelastose subendocárdica tem sido cada vez mais
um paciente cuja VHS permanece elevada por algum reconhecida como mimetização incomum de anor-
tempo após o episódio reumático agudo ter desapare- malidades cardíacas reumáticas; pode-se suspeitar
cido clinicamente. desta quando não existe evidência convincente de
Os índices locais de inflamação são encontra- lesões congênitas ou reumáticas.
dos no fluido sinovial, embora a aspiração seja ra-
ramente necessária para o diagnóstico ou para orien- Prognóstico
tar a terapia . O fluido é geralmente claro e estéril,
com concentração normal de mucina, contagem alta O prognóstico depende da gravidade da cardite
de leucócitos compostos principalmente de poli- inicial. Os pacientes com cardite grave durante epi-
morfonucleares (PMN); a cultura é negativa. sódio agudo podem ficar com cardiopatia residual que
As anormalidades do ECG incluem o prolonga- geralmente piora com as recorrências reumáticas às
mento do intervalo P-R, que é a anormalidade mais quais são particularmente suscetíveis. Eventualmen-
comum mas não se correlaciona bem com o prognós- te, os sopros desaparecem em cerca de metade dos
tico ou com outras evidências de cardite. O prolonga- pacientes cujos episódios agudos manifestaram-se
mento P-R reflete retardo na condutividade atrioven- através de cardite menor sem aumento cardíaco im-
tricular em aproximadamente 30% dos pacientes com portante ou descompensação. O risco de recorrências
febre reumática. Outras anormalidades do ECG po- é intermediário, entre o baixo risco daqueles sem
dem ser devido à pericardite, aumento dos ventrícu- cardite e o alto risco daqueles com história de cardite
los ou átrios ou arritmias cardíacas. grave, mas as recorrências podem ou piorar a lesão

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CAPÍTULO 270 – DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS E DO TECIDO CONJUNTIVO / 2377

cardíaco permanente. Os pacientes que não têm cardite DAINE devem ser abandonadas em favor de um
têm menor probabilidade de ter recorrências reumá- corticosteróide.
ticas e nenhuma probabilidade de desenvolver cardite Em pacientes com cardite, o objetivo é supri-
em caso de recorrência de febre reumática. Todas as mir a inflamação enquanto se evita o rebote. A as-
outras manifestações de febre reumática cedem sem pirina ou outra DAINE é a primeira escolha; após
efeitos residuais. uma evolução de 8 semanas raramente ocorre o re-
bote e os efeitos adversos são menos graves que
Tratamento aqueles da terapia de altas doses de corticosterói-
Os pacientes em geral devem limitar suas ativida- des. Entretanto, com a cardite grave, particularmen-
des apropriadamente em caso de artrite, coréia ou te com a insuficiência cardíaca, a aspirina pode ser
insuficiência cardíaca. Na ausência de cardite, não ineficaz, os corticosteróides devem então ser ini-
são necessárias restrições físicas após ceder o episó- ciados imediatamente. A prednisona 0,5 a 2mg/kg
dio agudo. Em pacientes assintomáticos com cardite, ao dia VO até 60mg ao dia, administrada a cada 6
o estrito repouso no leito não comprovou ter valor, ou 12h, pode ser utilizada. Se a inflamação não for
podendo gerar reações psicológicas indesejáveis. As suprimida após 2 dias, pode ser substituída por
restrições físicas para reduzir ou eliminar os sinto- succinato de metilprednisolona 30mg/kg ao dia IV
mas parecem recomendáveis apenas em pacientes com em 3 dias sucessivos. A dose supressiva total de
insuficiência cardíaca sintomática. corticosteróides VO deve então ser reiniciada até
Em pacientes com artrite apenas, a terapia ob- que a VHS permaneça normal por 1 semana ou mais
jetiva aliviar a dor. Em casos leves, a codeína ou e então diminuída a uma taxa de 5mg a cada 2
outro analgésico, com uma droga antiinflamatória dias. Para prevenir o rebote, as DAINE são inicia-
não esteróide (DAINE) em doses relativamente das simultaneamente e continuadas até 2 semanas
pequenas, é adequada. Em casos mais graves, o uso após a suspensão dos corticosteróides. O rebote que
agressivo de antiinflamatórios pode ser necessário. se manifesta apenas por febre ou dor articular ge-
A aspirina é titulada para cima até que os efeitos ralmente cede espontaneamente, mas a terapia an-
clínicos tenham sido atingidos ou sobrevenha a to- tiinflamatória deve ser reiniciada para a insuficiên-
xicidade. As medidas sangüíneas ou níveis uriná- cia cardíaca não controlada através de drogas
rios de salicilato são necessárias apenas para ajudar cardiotônicas tais como a digoxina. Em pacientes
a controlar a toxicidade. A dose inicial para crianças com ataques prolongados de cardite, o tratamento
e adolescentes é 60mg/kg, dividida em 4 doses VO com imunossupressores pode ser eficaz.
diárias. Se não for eficaz durante a noite, a dose é Embora a inflamação pós-estreptocócica este-
aumentada para 90mg/kg no dia seguinte e 120mg/kg ja bem desenvolvida quando a febre reumática é
no próximo. Altas doses podem ser divididas em 5 detectada, os antibióticos são utilizados para remo-
ou 6 doses ao dia. As moléculas complexas de ver microrganismos remanescentes. Os esquemas
salicilato tamponadas ou com revestimento entéri- apropriados são descritos em INFECÇÕES ES-
co, parecem não apresentar vantagem sobre a aspi- TREPTOCÓCICAS no Capítulo 157.
rina comum. As reações gástricas locais podem ser A profilaxia antiestreptocócica deve ser man-
evitadas (ou tratadas) tomando-as com as refeições tida continuamente após um ataque de febre reu-
e/ou consumindo leite ou antiácidos meia-hora após mática aguda (ou coréia) para evitar recorrências.
a ingestão. A toxicidade do salicilato manifesta-se A penicilina G benzatina em uma injeção IM men-
por tinido, cefaléia, ou taquipnéia e pode não apare- sal de 1,2 milhões de unidades é mais eficaz mas
cer até após 1 semana ou mais da dose fixa. O trata- as injeções são dolorosas e necessitam atenção
mento envolve redução da dose, caso esta pareça médica. A sulfadiazina, em dose VO única de 1g
eficaz, ou abandonar a droga. ao dia (500mg ao dia em pacientes ≤ 27kg) é tão
Outras DAINE também podem ser utilizadas em eficaz quanto os esquemas orais, incluindo a peni-
crianças. Os intervalos de dosagens são maiores e cilina G 400.000U divididas em 2 vezes ao dia ou
a toxicidade, incluindo o tinido e a irritação hepá- penicilina V 250mg divididas em 2 vezes ao dia.
tica, podem ser menores. O naproxeno e a indome- A duração ótima da profilaxia antiestreptocócica
tacina encontram-se disponíveis em líquidos e em é incerta. Alguns especialistas acreditam que a pro-
forma de comprimidos. O naproxeno é administra- filaxia é vitalícia em todo paciente com febre reu-
do 2 vezes ao dia até 20mg/kg ao dia. A indometa- mática ou coréia, ou enquanto o mesmo for porta-
cina é administrada 3 vezes ao dia até 3mg/kg ao dor de altas de taxas de estreptococos do Grupo A.
dia. Enquanto não ainda sujeitas à comparação ri- Outros recomendam a profilaxia apenas nos pri-
gorosa com a aspirina, essas drogas parecem con- meiros anos após um ataque agudo em todos os
seguir resultados similares. Se não ocorreu efeito pacientes < 18 anos, e durante toda a vida apenas
terapêutico antes do quarto dia, a aspirina ou outra naqueles com grave lesão cardíaca.

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2378 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 270.1 – PROFILAXIA RECOMENDADA PARA ENDOCARDITE BACTERIANA


DURANTE PROCEDIMENTOS DENTAIS, DE TRATO RESPIRATÓRIO OU ESOFÁGICO EM
CRIANÇAS
Parâmetros do paciente Droga Posologia

Sem contra-indicações Amoxicilina 50mg/kg VO 1h antes do procedimento


Não pode tomar medicamentos Ampicilina 50mg/kg IM ou IV dentro de 30min
orais antes do procedimento
Alérgico à penicilina Clindamicina 20mg/kg VO 1h antes do procedimento
ou
Cefalexina ou cefadroxil 50mg/kg VO 1h antes do procedimento
ou
Azitromicina ou claritromicina* 15mg/kg VO 1h antes do procedimento
Não pode tomar medicamentos Clindamicina 20mg/kg IV dentro de 30min antes
orais e alérgico à penicilina ou do procedimento
Cefazolina* 25mg/kg IM ou IV dentro de 30min
antes do procedimento
* Cefalosporinas não devem ser usadas em pessoas com reação de hipersensibilidade tipo imediato (urticária, angioedema
ou anafilaxia) a penicilinas.
Adaptado a partir de Dajani AS, Taubert KS, Wilson W, et al: “Prevention of bacterial endocarditis”. JAMA
277:1794–1801, 1997.

Em pacientes com lesão cardíaca leve (ou seja, TABELA 270.2 – PROFILAXIA
sopros mas sem cardiomegalia ou descompensa- RECOMENDADA PARA ENDOCARDITE
ção), a profilaxia pode ser mantida; se for inter- DURANTE PROCEDIMENTOS GI OU GU
rompida, é necessário o tratamento precoce das EM CRIANÇAS
infecções estreptocócicas. Em pacientes com sus- Parâmetros do
peita ou certeza da doença reumática valvular, a paciente Droga e posologia
profilaxia contra endocardite bacteriana deve ser
instituída para procedimentos de cirurgia oral ou Alto risco Ampicilina 50mg/kg IM ou IV (não
dental com probabilidade de causar sangramen- excedendo 2g) mais gentamicina
to gengival, para cirurgia do trato respiratório 1,5mg/kg (dose máxima, 120mg)
superior e para cirurgia ou instrumentação dos 30min antes do início do procedi-
tratos GU e GI inferior. As recomendações da mento; 6h mais tarde, ampicilina
“American Heart Association” constam das TA- 25mg/kg/IM/IV ou amoxicilina
BELAS 270.1 e 270.2. 25mg/kg VO
Alto risco, alér- Vancomicina 20mg/kg IV em 1 a 2h
ARTRITE REUMATÓIDE gico a penici- (máximo 1g de dose total) mais gen-
lina tamicina 1,5mg/kg IV/IM (dose má-
JUVENIL xima, 120mg); infusão completa 30min
É a artrite benigna aos 16 anos de idade ou antes. antes do início do procedimento
A artrite reumatóide juvenil (ARJ) é semelhan- Risco moderado Amoxicilina 50mg/kg VO 1h antes
te à do adulto (ver Cap. 50). A doença tende a afe- do procedimento ou ampicilina
tar as articulações grandes e pequenas podendo 50mg/kg IM/IV 30min antes do
interferir no crescimento e desenvolvimento. Pode início do procedimento
ocorrer micrognatia (queixo retraído) devido a
desenvolvimento mandibular deficiente. Risco moderado, Vancomicina 20mg/kg IV em 1 a 2h;
alérgico a pe- infusão completa 30min antes do
Sintomas e sinais nicilina início do procedimento (máximo 1g
de dose total)
O início sistêmico (doença de Still) ocorre em
aproximadamente 20% dos pacientes. Geralmente Adaptado a partir de Dajani AS, Taubert KS, Wilson
ocorrem febre alta, erupção cutânea, esplenome- W, et al: “Prevention of bacterial endocarditis.” JAMA
galia, adenopatia generalizada, serosite e leucoci- 277:1794–1801, 1997.

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CAPÍTULO 270 – DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS E DO TECIDO CONJUNTIVO / 2379

tose neutrófila surpreendente e trombocitose. Às gunda linha úteis no tratamento da doença poliar-
vezes, estas manifestações precedem o aparecimen- ticular. A monitoração laboratorial dos efeitos cola-
to da artrite. O fator reumatóide e anticorpos anti- terais de depressão da medula óssea e toxicidade he-
nucleares estão ausentes. pática do metotrexato inclui hemograma completo,
O início pauciarticular ocorre em cerca de 40% AST, alanina aminotransfersase (ALT) e albumina.
dos pacientes, geralmente meninas. Os anticorpos Exames de campo visual são necessários com hidro-
antinucleares estão em presentes em até 75% das xicloroquina. Ocasionalmente, a sulfassalazina é uti-
crianças afetadas. A iridociclite crônica ocorre em lizada, especialmente em casos de espondiloartropatia.
quase 20% desses pacientes; é freqüentemente Sais de ouro e penicilina, IM, são raramente utiliza-
assintomática sendo detectada apenas por meio de dos (o uso dos compostos de ouro para AR é discuti-
exames periódicos com lâmpada de fenda. Um do em ARTRITE REUMATÓIDE no Cap. 50).
subgrupo de meninos mais velhos afetados inclui Exercícios ativos, aparelhos ortopédicos e ou-
muitos que têm antígeno HLA-B27. A maioria des- tras medidas de suporte ajudam a evitar contraturas
ses meninos desenvolve subseqüentemente caracte- de flexão. Aparelhos adaptativos podem ser úteis.
rísticas clínicas clássicas de uma das espondi- Exames oftalmológicos devem ser realizados
loartropatias soronegativas: espondilite anquilosan- para detecção de iridociclite assintomática, basean-
te, doença do intestino irritável, artropatia psoriáti- do a freqüência destes no risco (ver Cap. 98). Um
ca ou síndrome de Reiter. paciente com diagnóstico recente de início
O início poliarticular ocorre nos 40% dos pa- pauciarticular deve ser visto a cada 3 ou 4 meses e
cientes remanescentes e em geral é semelhante à aquele com início poliarticular a cada 6 meses, fa-
AR do adulto. O fator reumatóide geralmente é cilitando portanto o tratamento precoce, incluindo
negativo, mas em alguns pacientes, principalmen- colírios oftálmicos corticosteróides e midriáticos.
te meninas adolescentes, pode ser positivo.
Prognóstico e tratamento DISTÚRBIOS COMUNS DO
O prognóstico global é mais favorável que para QUADRIL, JOELHOS E PÉS
AR do adulto; remissões completas ocorrem em
50 a 75% dos pacientes. Pacientes com início À medida que a criança se desenvolve, o siste-
poliarticular e um fator reumatóide positivo têm ma musculoesquelético altera-se dramaticamente,
um prognóstico menos favorável. com variação de angulações, rotações e crescimento
A terapia é um pouco similar à dos adultos, a longitudinal. Muitos problemas das extremidades
não ser que a aspirina é raramente utilizada nos inferiores relacionam-se a estas variações e melho-
EUA em razão da preocupação com a síndrome de ram ou pioram com o crescimento.
Reye (ver Cap. 265) e da eficácia das DAINE. A avaliação requer análise individual seqüencial
Naproxeno, ibuprofeno e indometacina estão de cada parte da extremidade. A descoberta de as-
entre as DAINE mais úteis no tratamento. A dosa- simetrias ou deformidades progressivas é geralmen-
gem do naproxeno e da indometacina é a mesma te anormal e uma causa neurológica deve ser pes-
daquela anteriormente dada para febre reumática. quisada (por exemplo, mielodisplasia, paralisia ce-
Ibuprofeno 20 a 40mg/kg ao dia divididas em 4 rebral). A amplitude de mobilidade em cada arti-
doses pode ser administrado. culação deve ser testada e a angulação ou rotação
Se utilizada, a aspirina é eficaz em grandes doses do fêmur, joelhos e pés verificados com o paciente
antiinflamatórias (80 a 130mg/kg ao dia); os níveis em pé, sentado e deitado em posição prona.
de salicilato sérico devem ser verificados quanto aos
níveis terapêuticos não tóxicos (20 a 30mg/dL [1,45 DISTÚRBIOS DO QUADRIL
a 2,15mmol/L]) quando os salicilatos são utilizados
em doses altas. Níveis elevados de aspartato amino- A torção femoral interna é comum em crian-
transferase (AST) podem ocorrer, mas retornam ao ças, e a anteversão femoral diminui de 40º ao nas-
normal assim que a aspirina é retirada. A não ser para cimento a 15º na adolescência. A anteversão fe-
o tratamento de doença sistêmica grave, os corticos- moral acentuada resulta em “joelhos beijando-se”,
teróides sistêmicos em geral podem ser evitados. O pés voltados para dentro e instabilidade. Sentar na
retardo no crescimento, osteoporose e osteonecrose posição em “W” ou dormir em pronação com as
são os maiores riscos do uso prolongado de corticos- pernas estendidas ou fletidas (posição genupeito-
teróides em crianças. Corticosteróides intra-articula- ral) e internamente giradas pode exacerbar o pro-
res podem ser administrados, sendo a posologia ajus- blema e deve ser evitado. Se achados acentuados
tada ao menor tamanho da articulação afetada. persistirem após os 8 anos, é necessária a avalia-
Metotrexato e hidroxicloroquina são drogas de se- ção ortopédica.

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2380 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

A torção femoral externa ocorre comumente Dor no joelho com edema sobre o tubérculo ti-
antes da criança andar, aparentemente devido a bial na adolescência geralmente é devido à doença
contratura dos tecidos moles em abdução/rotação de Osgood-Schlatter (ver adiante em OSTEOCON-
externa após o posicionamento in utero. Dormir em DROSES) mas pode ser decorrente de condromalacia
pronação com as pernas giradas para fora pode pro- patelar (amolecimento da cartilagem articular patelar).
longar a condição. Alterações angulares ou rotacionais na perna aparen-
A rotação interna das extremidades inferiores ao temente produzem condromalacia patelar devido aos
trocar as fraldas pode ser útil, mas a maioria dos ca- elementos desequilibrados do quadríceps, com
sos começa a corrigir-se espontaneamente quando a desalinhamento patelar durante o movimento. Ocor-
criança anda. Um exame cuidadoso para verificar se re dor no joelho em escaladas, especialmente subin-
há deslocamento do quadril está indicado (ver ANOR- do ou descendo escadas. O tratamento consiste de
MALIDADES OSTEOMUSCULARES no Cap. 261). alongamento isométrico do quadríceps, aspirina e
Dor no quadril e claudicação são característi- evitar atividades que produzam dor.
cas do deslizamento da cabeça da epífise femoral Torção ou desvio tibial ocorrem com o cresci-
em adolescentes ou necrose avascular da cabeça mento, variando de 0º de rotação lateral externa ao
femoral (doença de Legg-Calvé-Perthes discutida nascimento a 20º na vida adulta. A torção externa
adiante em OSTEOCONDROSES) em crianças peque- da tíbia raramente é um problema. A torção tibial
nas. A dor, às vezes, é referida no joelho ou face medial ou interna é comum ao nascimento, mas
anterior da coxa. O diagnóstico melhora dramati- melhora com o crescimento. Raquitismo e proble-
camente o resultado. O deslizamento geralmente é mas neuromusculares devem ser excluídos. A con-
lento e ocorre mais comumente em adolescentes dição resulta em pés valgos e pernas arqueadas.
masculinos obesos. É bilateral em 20% dos pacien- Para avaliar a torção tibial, o paciente deve sen-
tes. A etiologia é desconhecida, mas os fatores hor- tar-se com joelhos fletidos a 90º deixando as per-
monais são suspeitos. As radiografias confirmam o nas pendendo livremente. Em seguida, alinhar o
diagnóstico e excluem displasia acetabular ou alte- eixo tibial longitudinal e o tubérculo tibial com o
rações degenerativas. O tratamento requer coloca- segundo metacarpo. Então, imagina-se uma linha
ção cirúrgica de um pino através da cabeça femo- entre os dois maléolos. O ângulo no qual essas duas
ral e epífises para evitar deslizamento posterior. linhas intersectam-se, como se visto olhando-se ao
longo da tíbia, aproximará o grau de torção tibial
interna ou externa. A torção tibial medial estará
DISTÚRBIOS DO JOELHO presente se o pé afetado estiver virado em mais de
As deformidades do joelho ou angulares 20º. A torção tibial lateral estará presente se o pé
femorotibiais são de dois tipos principais: per- estiver girado lateralmente mais de 30º. A marcha
nas arqueadas e joelhos valgos. Ambos os tipos também deve ser avaliada.
Para o tratamento da torção tibial interna, exer-
podem resultar em osteoartrite do joelho no adulto cícios passivos (rotação externa do pé) ou sapatos
se não tratados. corretivos (amortecedores no calcanhar interno e
Pernas arqueadas são comuns em lactentes e porção externa da sola, salto de torque ou de
geralmente corrigem-se espontaneamente por vol- Thomas) podem ser úteis. A torção que persiste após
ta dos 18 meses. Se as pernas arqueadas persisti- 7 anos necessita de cuidados ortopédicos.
rem ou aumentarem em gravidade, deve-se então
suspeitar de doença de Blount (osteocondrose ti-
bial). O diagnóstico precoce da doença de Blount é DISTÚRBIOS DO PÉ
difícil, uma vez que as radiografias podem ser nor- Anormalidades da porção anterior do pé ocor-
mais (ver ANORMALIDADES OSTEOMUSCULARES no rem em 1 de cada 100 nascimentos. Felizmente, a
Cap. 261). O raquitismo deve ser descartado. O tra- maioria é funcional, tais como a adução do meta-
tamento usando a imobilização noturna dinamar- tarso, e não estrutural como o pé torto parcial
quesa pode ser eficaz se iniciado precocemente; a (talipes varo) ou metatarso varo.
cirurgia geralmente, é necessária. Na adução do metatarso, a porção anterior do pé
Joelhos valgos são menos comuns e mesmo é aduzida e supinada ao repouso. Geralmente, o pé
os graus intensos geralmente corrigem-se espon- pode ser passivamente abduzido e evertido além da
taneamente por volta dos 9 anos. A displasia posição neutra quando a sola é estimulada. Ocasio-
esquelética ou hipofosfatasia devem ser excluí- nalmente, o pé afetado ficará rígido, não se corrigin-
das. O tratamento envolve a fixação cirúrgica da do para neutro. A resolução sem tratamento geral-
epífise femoral medial distal se a deformidade mente ocorre no primeiro ano de vida. Deformidades
acentuada persistir após os 10 anos. fixas necessitarão de aparelhos ortopédicos.

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CAPÍTULO 270 – DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS E DO TECIDO CONJUNTIVO / 2381

O metatarso varo é uma subluxação in utero, que Esférulas subcutâneas calcificadas podem ser
tipicamente não melhora após o nascimento, podendo palpadas ou demonstradas radiologicamente.
requerer tratamento com aparelhos ortopédicos. Pequenos traumas podem causar amplos feri-
Pronação, pé chato e pés planovalgos são re- mentos, mas pouco sangramento; o fechamento de
conhecidos por um arco medial longitudinal acha- feridas pode ser difícil, uma vez que as suturas ten-
tado com rotação externa do pé. Há eversão da por- dem a soltar-se do tecido frágil. Surgem complica-
ção posterior do pé e abdução da porção anterior ções cirúrgicas pela fragilidade dos tecidos profun-
do pé. Crianças pequenas geralmente parecem fal- dos. Derrames sinoviais moderados, entorses e des-
samente ter pés chatos devido ao coxim adiposo locamentos ocorrem freqüentemente. A cifoscoliose
abaixo do arco longitudinal medial. O arco geral- espinhal está presente em 25% dos pacientes, de-
mente é restaurado quando em pé, nas pontas dos formidade torácica em 20%, talipe eqüinovaro em
pés, caso a deformidade seja funcional. A maioria 5% e deslocamento congênito do quadril em 1%.
das crianças apresenta alguma pronação ao come- Pés chatos estão presentes em 90% dos pacientes
çar a andar devido à frouxidão de ligamento e base adultos. Hérnias GI e divertículos são comuns.
de marcha alargada, mas a pronação corrige-se Hemorragias espontâneas e perfuração de porções
sem tratamento por volta dos 2 anos e meio de do trato GI ocorrem raramente, assim como aneu-
idade. Se ocorrer dores ou cãibras nos pés, o trata- rismas dissecantes da aorta e ruptura espontânea
mento com sapatos corretivos está indicado (suporte das grandes artérias. Rins com medula esponjosa
de arco ou sapatos com um longo contraforte me- são raros. A extensibilidade dos tecidos na mãe afe-
dial e um salto de Thomas). tada pode causar nascimento prematuro; fragilida-
de da membrana fetal e ruptura precoce conseqüen-
temente podem ocorrer se o feto for afetado. A fra-
DISTÚRBIOS gilidade do tecido materno pode complicar a
HEREDITÁRIOS DO episiotomia ou incisão da cesariana. Sangramento
anti, peri e pós-natal pode ocorrer. A miopia é co-
TECIDO CONJUNTIVO mum em adultos. A fragilidade da esclera e a per-
furação do globo ocular foram descritas em uma
SÍNDROME DE EHLERS-DANLOS forma ocular-escoliótica.
É um distúrbio hereditário do colágeno caracteri- Prognóstico e tratamento
zado por hipermobilidade articular, hipere-
lasticidade dérmica e fragilidade disseminada Embora muitas complicações possam ocorrer, a
dos tecidos. expectativa de vida geralmente é normal. A preva-
Embora geralmente herdada como uma condição lência de complicações fatais pode ser muito alta
autossômica dominante, a condição é heterogênea, em uma minoria de descendentes.
com nove tipos baseados em diferentes mutações Não há tratamento específico. O trauma deve ser
genéticas afetando a estrutura ou o conjunto de dife- minimizado. Roupas protetoras e acolchoamento
rentes colágenos (ver TABELA 270.3). Nas formas au- podem ser úteis. Se uma cirurgia for realizada, a
tossômicas dominantes usuais, nenhuma alteração hemostasia deve ser meticulosa. As feridas devem
bioquímica ou histológica específica foi demonstra- ser cuidadosamente suturadas e evitada a tensão nos
da, embora acredite-se que a ligação cruzada das tecidos. A supervisão obstétrica durante a gestação
fibrilas de colágeno seja defeituosa. e parto é mandatória. O aconselhamento genético
deve ser proporcionado.
Sintomas, sinais e diagnóstico
Os sintomas e sinais variam muito, dependendo da SÍNDROME DE MARFAN
mutação genética específica e o fenótipo resultante.
A pele pode estirar-se vários centímetros, mas É um distúrbio hereditário do tecido conjuntivo
retorna à posição normal ao ser liberada. Grandes transmitido de forma autossômica dominante,
cicatrizes papiráceas estão freqüentemente presen- resultando em anormalidades oculares, esque-
tes sobre proeminências ósseas, particularmente léticas e cardiovasculares.
cotovelos, joelhos e tíbias. A extensão da hipermo- A herança é autossômica dominante. O defeito
bilidade articular varia, mas pode ser acentuada. A biomolecular básico resulta de mutações no códi-
tendência ao sangramento é problemática apenas go genético de uma proteína matricial extracelular
em alguns pacientes. Crescimentos carnosos (pseu- chamada fibrina-1. Uma anormalidade de média
dotumores moluscóides) formam-se com freqüên- aórtica é o principal defeito estrutural nos grandes
cia sobre as cicatrizes ou à pressão dos dedos. vasos, as alterações histológicas lembram aquelas

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2382 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 270.3 – TIPOS DE SÍNDROME DE EHLERS-DANLOS


Tipo Designação e subcategorias Herança Características clínicas

I Tipo grave AD Hipermobilidade articular importante;


fragilidade cutânea e hematomas
com facilidade
II Tipo leve AD Semelhante ao Tipo I, mas as
características são menos acentuadas
e a evolução clínica é mais leve
III Tipo hipermóvel AD Acentuada hipermobilidade articular;
hiperextensibilidade dérmica
moderada; cicatrizes mínimas
IV Tipo vascular Heterogê- Estigmas variáveis; equimoses e/ou
neo cicatrizes intensas; pele fina com
IV-A: tipo acrogérico AD plexos venosos proeminentes, ruptura
IV-B: tipo acrogérico AR vascular, fácies acrogérica
IV-C: tipo equimótico AD característica (perda da gordura
(Todas as formas apresentam colágeno Tipo AD/AR subcutânea, olhos grandes, nariz
III defeituoso, exceto IV-D AR) afilado)
V Tipo ligado ao X XL Leve hipermobilidade articular, fragili-
dade cutânea e equimoses moderadas
VI Tipo ocular-escoliótico AR Moderado envolvimento articular e
VI-A: Atividade reduzida de lisil cutâneo; escoliose e envolvimento
hidroxilase ocular intensos
VI-B: Atividade normal de lisil hidroxilase
VII Artrocalasia múltipla congênita Heterogê- Hipermobilidade articular acentuada, baixa
nea estatura e micrognatia; fragilidade cu-
tânea e equimoses moderadas
VII-A: Defeito estrutural de colágeno pro- AD
alfa 1 (I)
VII-B: Defeito estrutural de colágeno pró- AD
alfa 2 (I)
VII-C: Deficiência de pró-colágeno N- AR
proteinase
VIII Periodontite juvenil localizada AD Hipermobilidade articular moderada, fra-
gilidade cutânea e equimoses modera-
das, periodontite agressiva, retração
gengival, perda precoce dos dentes
IX Vago (anteriormente síndrome do corno —
occipital ou cútis flácida ligada ao X,
agora reclassificada)
X Anormalidade de fibronectina AR Aspectos clínicos cardinais, mas a
textura da pele é normal, petéquias,
defeito de agregação plaquetária
corrigido pela fibronectina
XI Vago (anteriormente instabilidade articular —
familiar, agora reclassificado)
AD = autossômica dominante; AR = autossômica recessiva; XL = ligada ao X.
Adaptado a partir de Beighton P, de Paepe A, Danks D: “International nosology of heritable disorders of connective
tissue, Berlin, 1986.” American Journal of Medical Genetics 29:581–594, 1988. Copyright 1988, reproduzido com per-
missão de John Wiley & Sons, Inc.

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CAPÍTULO 270 – DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS E DO TECIDO CONJUNTIVO / 2383

da necrose medial cística de Erdheim. A síndrome Tratamento


da hipermobilidade marfanóide e aracnodactilia Para meninas muito altas, a indução de puber-
contratual congênita são variantes incomuns. dade precoce por volta dos 10 anos com estrogê-
Sintomas e sinais nios e progesterona pode reduzir a altura final. β-
bloqueadores reduzem a força da ejeção ventricu-
A gravidade da síndrome varia muito. Os pacien- lar e são prescritos numa tentativa de evitar a dila-
tes são mais altos que a média para a idade e família, tação e dissecção da aorta. É oferecida cirurgia pro-
com envergadura dos braços excedendo a altura. filática a pessoas com aumento dos diâmetros aór-
Os dígitos são desproporcionalmente longos e fi- ticos acima de 5cm. Essas intervenções podem pro-
nos (aracnodactilia). Deformidades do esterno – des- longar a expectativa de vida.
locamento para fora (peito de pombo) ou para dentro
(peito escavado) – são freqüentes. Hiperextensi-
bilidade das articulações, curvatura posterior das per- CÚTIS FLÁCIDA
nas nos joelhos (joelho recurvado), pés chatos e ci- É um distúrbio raro caracterizado por pele frouxa
foscoliose ocorrem freqüentemente. As hérnias são pendendo em dobras soltas.
comuns. A gordura subcutânea geralmente é esparsa. Duas formas relativamente benignas são herda-
O palato é freqüentemente em ogiva. das de modo autossômico dominante e autossômi-
Os achados oculares incluem subluxação ou des- co recessivo respectivamente, o último apresentan-
locamento do cristalino (ectopia do cristalino) e do retardo no desenvolvimento e frouxidão articu-
iridodonese (tremor da íris). A margem do cristali- lar. Uma forma herdada potencialmente letal com
no deslocado freqüentemente pode ser vista atra- complicações cardiorrespiratórias é autossômica
vés da pupila não dilatada. Miopia de alto grau pode recessiva. A cútis flácida adquirida ocorre raramente
estar presente e às vezes ocorre descolamento es- após uma doença febril ou exposição a uma droga
pontâneo da retina. específica, incluindo após a reação de hipersensi-
Alterações cardiovasculares resultam de fraque- bilidade à penicilina ou em lactentes nascidos de
za da média aórtica em áreas sujeitas a estresses mães recebendo penicilamina. O defeito de base é
hemodinâmicos maiores. A aorta ascendente é sub- desconhecido. Em todas as formas, o exame histo-
metida a dilatação progressiva ou dissecção aguda lógico da pele mostra elastina fragmentada.
iniciando nos seios coronários logo na primeira
década de vida ou tardiamente na quinta década. Sintomas, sinais e complicações
A regurgitação aórtica pode preceder a evidência Nas formas herdadas, a flacidez dérmica pode
radiológica de dilatação aórtica. Pode se desenvol- estar presente ao nascimento ou desenvolver-se pos-
ver endocardite bacteriana. Podem ocorrer prolapso teriormente, ocorrendo onde a pele seja normalmen-
de válvula mitral ou regurgitação decorrente de te frouxa e penda em dobras, mais obviamente na face;
cúspides e cordas tendíneas redundantes, produzin- crianças afetadas apresentam fácies de Churchill ou
do cliques sistólicos e sopro sistólico final. Doen- melancólica. O nariz adunco é característico. São
ça cística dos pulmões e pneumotórax espontâneo comuns as hérnias e os divertículos do trato GI.
recorrente têm ocorrido. O enfisema pulmonar progressivo pode precipitar cor
pulmonale em paciente gravemente afetados.
Diagnóstico A cútis flácida adquirida distingue-se clinica-
O diagnóstico pode ser difícil, visto que mui- mente das formas genéticas (início tardio, distri-
tos pacientes apresentam poucas características buição diferente e aparência cutânea anormal, sem
e nenhuma alteração histológica ou bioquímica nariz adunco). Geralmente, em crianças ou adoles-
específica e nem testes diagnósticos objetivos. centes, desenvolve-se após doença grave envolven-
O diagnóstico é feito pelo reconhecimento das ma- do febre, polisserosite ou eritema multiforme. Em
nifestações cardiovasculares, oculares e esquelé- adultos, pode se desenvolver de modo insidioso,
ticas, especialmente com história familiar positi- algumas vezes levando à morte em decorrência de
va. Muitos casos parciais de síndrome de Marfan, ruptura aórtica e complicações pulmonares.
nos quais o diagnóstico preciso permanece incer-
to. A homocistinúria pode simular a síndrome de Diagnóstico diferencial e tratamento
Marfan pelas características clínicas semelhan- A fragilidade dérmica e hipermobilidade articu-
tes, mas pode ser diferenciada pela demonstra- lar da síndrome de Ehlers-Danlos estão ausentes
ção de homocistina na urina. O aconselhamento na cútis flácida típica. Áreas localizadas de pele
genético apropriado está indicado. O diagnósti- frouxa são às vezes encontradas em outros distúr-
co pré-natal não é viável. bios – por exemplo, síndrome de Turner (ver

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2384 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Cap. 261), em que as dobras de pele frouxa de uma disostose múltipla; variam em gravidade confor-
recém-nascida afetada acentuam-se na base do pes- me o tipo e podem ser suficientemente específicas
coço e assemelham-se a pregas quando a crianças para permitir um diagnóstico preciso.
fica mais velha e neurofibromatose (ver Cap. 183), Entretanto, estas características radiológicas va-
em que ocasionalmente se desenvolvem neuromas riam consideravelmente durante a infância e devem
plexiformes pendulares tendo a configuração e tex- ser interpretadas com cautela.
tura que a distinguem da cútis flácida.
Não há terapia específica. A cirurgia plástica é Tratamento
menos bem-sucedida na cútis flácida adquirida, mas Não existe tratamento eficaz. Tentativas de re-
melhora consideravelmente a aparência no caso de por a enzima deficiente por meio de infusão de plas-
cútis flácida herdada; a cura geralmente é não com- ma ou enxerto de pele tiveram apenas sucesso tem-
plicada, mas a flacidez cutânea pode recorrer. Com- porário e limitado. O transplante de medula óssea
plicações cardiorrespiratórias devem ser tratadas produziu remissão bioquímica em alguns casos,
apropriadamente. mas a deficiência da função intelectual permanece
e são altas a morbidade e mortalidade.
MUCOPOLISSACARIDOSES
São condições genéticas caracterizadas por excre- OSTEOCONDRODISPLASIAS
ção aumentada de mucopolissacarídeos uriná- (Displasias Esqueléticas Genéticas)
rios e manifestações sistêmicas variáveis, in- São distúrbios herdados nos quais as anormalida-
cluindo fácies típica, displasia esquelética, de- des de crescimento ósseo ou cartilaginoso le-
ficiência mental, opacidade de córnea e hepa- vam ao mau desenvolvimento do esqueleto; o
tosplenomegalia. nanismo é uma característica de muitos deles.
Cada tipo tem características clínicas distintas, O colágeno do Tipo II tem sido implicado em
um defeito bioquímico genético específico e raras afecções, mas o defeito básico ainda é desco-
prognóstico previsível, sendo identificado por ex- nhecido para a maioria; as anormalidades histoló-
cesso de mucopolissacarídeos urinários (ver TA- gicas foram reconhecidas por alguns.
BELA 270.4). As deficiências enzimáticas primá- Os sintomas e sinais dos tipos mais importantes
rias foram identificadas. Com exceção do Tipo II, encontram-se sumarizados na TABELA 270.5.
que é ligado ao X, todas as formas são herdadas A acondroplasia é o tipo mais comum e melhor
como autossômicas recessivas. conhecido, mas foram descritos muitos outros ti-
pos distintos de nanismo com membros curtos, os
Sinais, sintomas e diagnóstico quais diferem amplamente do antecedente genéti-
As características clínicas não estão usualmente co, evolução e prognóstico, sendo essencial a pre-
evidentes ao nascimento. Durante a lactância e a cisão do diagnóstico.
infância, baixa estatura, displasia óssea, hirsutis- O nanismo letal de membros curtos descreve
mo e desenvolvimento anormal tornam-se aparen- osteocondrodisplasias presentes como nanismo de
tes; o diagnóstico é também suspeito na presença membros curtos letais (ou potencialmente letal)no
de fácies grosseira característica, com lábios gros- recém-nascido (ver TABELA 270.6).
sos, boca entreaberta e ponte nasal achatada. O re-
tardamento mental torna-se aparente dependendo Diagnóstico e tratamento
da variante, em geral após os primeiros anos da vida. As características radiológicas são diagnósticas
A história familiar pode ser útil. e um estudo radiológico de corpo inteiro deve ser
O diagnóstico pode ser feito pré-natalmente es- obtido em cada recém-nascido afetado. Isto é im-
timando-se a atividade enzimática em culturas de portante mesmo que o bebê seja natimorto, uma
células do fluido amniótico ou biópsia de vez que a precisão do diagnóstico é essencial para
vilosidades coriônicas. Como são comuns os re- o prognóstico genético. O diagnóstico pré-natal é
sultados falsos-negativos e falsos-positivos, testes possível em alguns casos, através de fetoscopia ou
de triagem urinária pós-natal devem ser interpreta- ultra-sonografia (incluindo condições em que o
dos com cuidado. Mesmo em pessoas gravemente encurtamento do membro fetal é grave). Novas téc-
afetadas, os testes podem ser negativos no início nicas radiográficas e moleculares são promissoras.
da infância. O diagnóstico é confirmado estiman- Em alguns tipos não letais, a intervenção cirúr-
do-se a atividade enzimática nos leucócitos, cultu- gica (por exemplo, substituição protética do qua-
ras de fibroblastos ou, em alguns tipos, no soro. dril) tem se comprovado valiosa. A hipoplasia do
Alterações radiológicas do esqueleto são típicas da processo odontóide é uma característica inconsis-

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CAPÍTULO 270 – DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS E DO TECIDO CONJUNTIVO / 2385

TABELA 270.4 – MUCOPOLISSACARIDOSES GENÉTICAS


Mucopolissa-
carídeo urinário Deficiência
Tipo Distúrbio Aspectos clínicos e prognóstico excessivo enzimática

MPS I H Síndrome de Turvação precoce da córnea, Sulfato de α-L-iduronidase


Hurler* manifestações graves, óbito dermatan (anteriormente
habitualmente antes dos 10 anos Sulfato de chamada fator
de idade heparan corretivo de
Hurler)
MPS I S Síndrome de Scheie Articulações rígidas, córnea turva, Sulfato de α-L-iduronidase
insuficiência aórtica, inteligência dermatan
normal, duração de vida normal? Sulfato de
heparan
MPS I Composto de Fenótipo intermediário entre Hurler Sulfato de α-L-iduronidase
H/S Hurler-Scheie e Scheie dermatan
Sulfato de
heparan
MPS II Síndrome de Hunter Sem turvação da córnea, evolução mais Sulfato de Iduronato-2-
(formas grave e branda do que MPS I H, mas óbito dermatan sulfatase
leve) habitualmente antes dos 15 anos Sulfato de
Na forma leve, sobrevida até a idade heparan
de 30 a 50 anos; inteligência
suficiente
MPS III Síndrome de Fenótipo idêntico: efeitos somáticos Sulfato de Sulfatase de sulfa-
Sanfilippo (várias leves e em SNC graves heparan to de heparan
formas) N-acetil-α-D-
glucosaminidase
em algumas
formas
MPS IV Síndrome de Alterações ósseas graves de tipo Sulfato de N-acetilgalacto-
Morquio especial, córnea turva, insuficiên- queratano samina-6-
cia aórtica sulfatase
Síndrome de Morquio Alterações ósseas importantes de Sulfato de N-acetilgalacto-
Tipo A (formas se- tipo especial, córnea turva, queratano samina-6-
vera, intermediária insuficiência aórtica sulfatase
e leve)
MPS IV B Síndrome de Alterações ósseas moderadas provocan- β-galactosidase
Morquio Tipo B do nanismo e desalinhamento espi-
nhal; poucas ramificações viscerais
MPS V Vago
MPS VI Síndrome de Maro- Alteração óssea e de córnea grave; Sulfato de Arilsulfatase B
teaux-Lamy (formas intelecto normal dermatan
grave e leve)
MPS VII Deficiência de β-glu- Hepatosplenomegalia, disostose Sulfato de β-glucuronidase
curonidase (mais de múltipla, inclusões leucocitárias, dermatan
uma forma alélica?) retardo mental
* Outros distúrbios metabólicos raros, como as mucolipidoses, apresentam semelhança clínica com a síndrome de
Hurler, mas podem ser diferenciadas bioquimicamente.
MPS = mucopolissacaridoses.
Modificado a partir de Heritable Disorders of Connective Tissue, 4ª ed., por VA McKusick St. Louis, CV Mosby Co.,
1972; usado com permissão.

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2386 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

TABELA 270.5 – TIPOS DE NANISMO OSTEOCONDRODISPLÁSICO


Modo habitual
Distúrbio
Distúrbio* Sintomas e sinais de herança

Acondroplasia Testa volumosa, nariz em sela, lordose lombar, pernas AD


arqueadas
Hipocondroplasia Lembra acondroplasia em grau leve; heterogênea? AD
Pseudoacondroplasia Fácies normal, nanismo e cifoscoliose variam em grau; AD/AR
heterogênea
Displasia diastrófica Nanismo severo com polegar rígido em extensão e eqüinovaro AR
fixo
Displasia epifisária Nanismo discreto, coluna e face normais, às vezes, baquetea- AD
múltipla mento digital, freqüentemente apresenta displasia de quadril,
muito heterogênea
Displasia Cifoescoliose em aspecto mais importante, miopia e fácies AD/AR/XL
espondiloepifisária achatada às vezes estão presente, heterogênea
Condrodisplasia Muitos tipos de epônimos diferentes (por exemplo, Jansen, AR/AD
metafisária Schmid, McKusick); características associadas em alguns
incluem malabsorção, neutropenia e timolinfopenia
Displasia mesomélica O encurtamento dos antebraços e pernas predomina, face e AD/AR
coluna são normais, várias formas de epônimos (por
exemplo, Nievergelt, Langer)
Condrodisplasia Todas as formas com nariz achatado, lesões ictióticas de pele e
punctata pontilhado epifisário nas radiografias
1. Forma rizomélica Encurtamento acentuado proximal de membros, letal no AR
período de lactente
2. Forma de Conradi- Encurtamento assimétrico leve dos membros, benigno AD/XL
Hünerman dominante
Displasia Encurtamento distal dos membros, polidactilia pós-axial, AR
condroectodérmica defeitos cardíacos estruturais
(síndrome de Ellis-
van Creveld)
* Com exceção da acondroplasia e displasia epifisária múltipla, que são relativamente comuns, o número de casos
relatados para cada doença é de 200 ou menos.
AD = autossômica dominante, AR = autossômica recessiva, XL = ligada ao X.

tente de muitos tipos, que predispõem à subluxa- OSTEOPETROSES


ção da primeira e segunda vértebras cervicais e
compressão da medula espinhal. Por esta razão, o (Ossos de Mármore)
estado odontóide deve ser avaliado pré-operatoria- São distúrbios caracterizados por aumento da den-
mente por estudos radiológicos e, se anormal, a sidade óssea e anormalidades de modelagem
cabeça do paciente deve ser cuidadosamente apoia- esquelética.
da quando hiperestendida para intubação endotra- Estes podem ser categorizados pela predominân-
queal durante a anestesia. cia de esclerose óssea ou modelagem esquelética
Visto que se conhece o padrão de herança na defeituosa; osteoscleroses, displasias craniotubu-
maioria dos tipos, o aconselhamento genético pode lares e hiperostoses craniotubulares.
ser eficaz. Alguns destes distúrbios são comparativamente
Organizações como a “Little People of America” benignos e outros progressivos e fatais. A distor-
providenciam contatos sociais para indivíduos afe- ção facial devido a crescimento ósseo excessivo
tados e defendem seus interesses. Sociedades si- algumas vezes é grave. A maloclusão dos dentes
milares atuam na Austrália e Grã-Bretanha. pode requerer medidas ortodônticas especializadas.

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CAPÍTULO 270 – DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS E DO TECIDO CONJUNTIVO / 2387

TABELA 270.6 – TIPOS DE NANISMO LETAL COM MEMBROS CURTOS1


Modo de
Distúrbio2 Sintomas e sinais herança

Acondrogênese Encurtamento grosseiro de membros, cabeça e tronco hidrópicos, AR


heterogêneo
Displasia tanatofórica Em radiografias AP, as vértebras têm formato de H e os fêmures Poligênico
lembram a configuração de um “receptor de telefone”
Displasia torácica Constrição da porção superior do tórax, polidactilia às vezes AR
asfixiante (síndrome presente, prognóstico variável
de Jeune)
Síndromes de costela Constrição torácica, polidactilia, invariavelmente letal, heterogênea AR
curta – polidactilia
Displasia campomélica Arqueamento acentuado dos membros inferiores, heterogênea AR
Osteogênese imperfeita Deformidade de membros por fraturas múltiplas (ver também AR/AD
congênita ANORMALIDADES MUSCULOESQUELÉTICAS no Cap. 261)
Hipofosfatasia letal Fraturas múltiplas AR
Fibrocondrogênese Membros curtos, ossos tubulares em forma de “halteres”, AR
platispondilia com fendas vertebrais
Hipocondrogênese Ossificação vertebral e pélvica retardada AR
Atelosteogênese Membros curtos, pé torto, fenda palatina ?
Displasia dissegmentar Membros curtos, rigidez articular, malsegmentação vertebral AR
grosseira
Displasia em Membros curtos, arqueamento dos ossos longos ?
“bumerangue”
Displasia de la Micromelia severa, arqueamento dos membros, fenda palatina AR
Chapelle
Displasia de Pelve em forma de caracol, ossos longos em formato de halteres AR
Schneckenbecken
1Para condrodisplasia punctata (forma rizomélica severa), ver TABELA 270.5.
2Com exceção da displasia tanatofórica, que é relativamente comum, o número de casos relatados para cada uma das
doenças é de 50 ou menos. AR = autossômica recessiva, AP = ântero-posterior, AD = autossômica dominante.

A descompressão cirúrgica pode ser necessária para cido casualmente quando estudos radiológicos são
aliviar a pressão intracraniana elevada ou a com- realizados por algum motivo não relacionado.
pressão de nervos auditivos ou faciais. Fácies, psiquismo, mentalidade e expectativa de
vida são normais e a saúde geral não está prejudi-
cada. Ocasionalmente, a característica de apresen-
OSTEOSCLEROSE tação é a paralisia facial ou surdez resultante de
compressão de nervos cranianos por supercresci-
É o aumento da densidade esquelética com pouca mento ósseo. A anemia leve é uma complicação
alteração da modelagem. pouco freqüente.
A osteopetrose com manifestações tardias O esqueleto em geral é radiologicamente nor-
ocorre na infância, adolescência ou início da vida mal ao nascimento, tornando-se a esclerose óssea
adulta. A doença de Albers-Schönberg refere-se cada vez mais aparente com a progressão da infân-
estritamente à forma autossômica dominante tar- cia. O envolvimento ósseo é disseminado mas irre-
dia ou benigna da osteopetrose, relativamente co- gular, e as extremidades às vezes são poupadas.
mum, com larga distribuição geográfica e étnica. A calota craniana é densa e os seios podem estar
Indivíduos afetados podem ser totalmente assinto- obliterados. Na coluna, a esclerose das placas ter-
máticos, o diagnóstico freqüentemente é estabele- minais das vértebras confere a aparência de “jérsei

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2388 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

rugoso” ou “camisa de rugby” (bandas horizontais) DISPLASIAS CRANIOTUBULARES


característica.
A osteopetrose com manifestações precoces (a É uma modelagem anormal do esqueleto, com pou-
forma autossômica recessiva maligna ou congêni- ca esclerose óssea.
ta precoce presente na infância) é um distúrbio in- A displasia metafisária (doença de Pyle) é uma
comum, potencialmente mortal. O crescimento ós- doença autossômica recessiva rara freqüentemen-
seo excessivo produz disfunção medular e os sin- te confundida, em termos semânticos com displa-
tomas de apresentação incluem deficiência de de- sia craniometafisária (ver adiante). Indivíduos afe-
senvolvimento, equimoses espontâneas, sangra- tados são clinicamente normais, exceto por joelhos
mento anormal e anemia. valgos, embora escoliose e fragilidade óssea ocor-
Desenvolve-se hepatosplenomegalia e ocorrem ram ocasionalmente. O diagnóstico geralmente é
paralisias dos nervos óptico, oculomotor e facial feito por acaso após estudos radiológicos por um
nos estádios tardios. Morte por anemia, infecção motivo não relacionado.
incontrolável ou hemorragia geralmente ocorrem Em contraste aos sinais clínicos leves, as altera-
no primeiro ano de vida. ções radiológicas são impressionantes. Os ossos
O aumento de densidade óssea generalizado é a longos são hipomodelados e o córtex ósseo é ge-
característica radiológica predominante. Filmes pe- ralmente fino. Ossos tubulares das pernas têm alar-
netrados dos ossos longos revelam bandas transver- gamento em “frasco de Erlenmeyer”, particular-
sas nas regiões metafisárias e estrias longitudinais nas mente nas porções femorais distais. O crânio é vir-
diáfises. Com a progressão da condição, as porções tualmente poupado, exceto pela proeminência su-
finais dos ossos longos, particularmente o úmero pro- pra-orbitária; o ângulo mandibular é obtuso; e os
ximal e fêmur distal, desenvolvem uma configuração ossos da pelve e caixa torácica são alargados.
em forma de frasco. Endoossos formam-se nas vérte- A displasia craniometafisária é relativamente
bras, pelve e ossos tubulares; o crânio fica espessado comum entre estes distúrbios; a herança é autossô-
e a coluna mostra a aparência de “jérsei rugoso”. mica dominante. Desenvolvem-se bossas paranasais
O transplante de medula óssea produziu exce- durante a infância e a expansão progressiva e o es-
lentes resultados iniciais em algumas crianças, mas pessamento do crânio e mandíbula distorcem a tes-
o resultado a longo prazo é desconhecido. ta e a face. A invasão óssea leva a compressão e
Osteopetrose com acidose tubular renal é uma disfunção dos nervos cranianos, particularmente o
condição autossômica recessiva que produz fraque- VII e o VIII. A maloclusão das mandíbulas pode
za, estatura mirrada e deficiência de desenvolvi- ser problemática, enquanto a obliteração parcial dos
mento. Radiologicamente, o esqueleto é denso, a seios predispõe à infecção nasorrespiratória recor-
acidose tubular renal está presente e a atividade da rente. A estatura e a saúde geral são normais, mas a
anidrase carbônica das hemácias é defeituosa. elevação progressiva da pressão intracraniana é uma
Picnodisostose é uma herança autossômica re- complicação grave e rara.
cessiva em que a baixa estatura torna-se evidente As alterações radiológicas estão relacionadas à
no início da infância; a estatura adulta não excede idade e geralmente são evidentes por volta dos 5
150cm. Outras manifestações da doença, incluin- anos. A principal característica no crânio é a escle-
do crânio aumentado, pés e mãos pequenos e lar- rose, que é máxima na base, embora o mesmo es-
gos, unhas distróficas e escleras azuladas geralmen- teja sempre envolvido em algum grau. Os ossos
te são reconhecidas na infância. Os indivíduos afe- longos têm metáfises alargadas com uma configu-
tados parecem-se uns com os outros, tendo faces ração em forma de bastão, particularmente na por-
pequenas, queixo retraído e dentes cariados e des- ção terminal inferior do fêmur. Entretanto, estas
locados. O crânio fica abaulado e a fontanela ante- alterações são muito menos graves que na doença
rior continua patente. As falanges terminais são de Pyle (ver anteriormente). A coluna e a pelve não
curtas e as unhas displásicas. As fraturas patológi- estão envolvidas.
cas são complicações da picnodisostose. Displasias frontometafisárias, que se torna
Ao raio X, a esclerose óssea aparece durante a evidente no início da infância, têm formas autos-
infância, mas não são observadas estrias ósseas nem sômicas dominantes distintas e ligadas ao X. A cris-
endoossos. A calvária não é particularmente den- ta supra-orbitária é proeminente, lembrando a vi-
sa, mas as fontanelas são patentes e múltiplos os- seira de um cavaleiro. A mandíbula é hipoplásica,
sos wormianos estão presentes. Ossos faciais e seios com constrição anterior. Anomalias dentárias são
paranasais são hipoplásicos e o ângulo mandibular comuns e desenvolve-se surdez na idade adulta,
é obtuso. As clavículas podem ser frágeis com devido ao estreitamento esclerótico dos forames
hipodesenvolvimento de suas porções laterais; as acústicos internos e do ouvido médio. Os ossos lon-
falanges distais são rudimentares. gos das pernas são moderadamente arqueados.

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CAPÍTULO 270 – DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS E DO TECIDO CONJUNTIVO / 2389

Contraturas progressivas dos dedos podem simu- suas porções longas submodeladas. A cirurgia para o
lar artrite reumatóide. A saúde geral é boa e a esta- alívio da pressão intracraniana é útil.
tura é normal. A displasia diafisária (doença de Camurati-
Ao raio X, o excesso de crescimento da região fron- Engelmann) é um distúrbio autossômico dominante
tal é óbvio; esclerose disseminada está presente na comparativamente bem-conhecido, que se apresenta
abóbada craniana. Os corpos vertebrais são displásicos na meia-infância com dor muscular, fraqueza e
mas não escleróticos. As cristas ilíacas são abrupta- emaciação, tipicamente nas pernas. Estes sintomas
mente projetadas e a abertura da pelve fica distorcida. geralmente melhoram por volta dos 30 anos de ida-
As epífises capitais femorais são achatadas com ex- de. A compressão dos nervos cranianos e aumento
pansão da cabeça femoral e deformidade em coxa da pressão intracraniana são complicações ocasio-
valga. Os ossos dos dedos são submodelados, com nais. Alguns pacientes são gravemente afetados,
erosões e perda do espaço articular. enquanto outros são virtualmente assintomáticos.
A característica radiológica predominante é o
HIPEROSTOSES espessamento acentuado das superfícies periosteais
e medulares dos córtices diafisários dos ossos lon-
CRANIOTUBULARES gos. Os canais medulares e contornos ósseos ex-
Trata-se de crescimento ósseo excessivo, causan- ternos são irregulares. As extremidades e o esque-
do alteração do contorno e aumento da densi- leto axial geralmente são poupados. Raramente, o
dade esquelética. crânio está envolvido, com alargamento da calvária
e esclerose da base. Como as características clíni-
A hiperostose endosteal (doença de van cas, as alterações radiológicas são muito variáveis.
Buchem) é geralmente herdada como autossômica A corticoterapia pode ser eficaz no alívio da dor
recessiva. Uma variedade leve, autossômica domi- óssea e melhora da força muscular.
nante foi também relatada. Supercrescimento e dis-
torção da mandíbula e testa tornam-se evidentes na
meia-infância. Subseqüentemente, a compressão OSTEOCONDROSES
dos nervos cranianos leva a paralisia facial e sur-
dez. A expectativa de vida não é comprometida, a São um grupo de distúrbios que afetam as epífises
estatura é normal e os ossos não são frágeis. As durante a infância, caracterizado por desarran-
principais características radiológicas são alarga- jos não inflamatórios, não infecciosos do pro-
mento e esclerose da calvária, base do crânio e cesso normal de crescimento ósseo ocorrendo
mandíbula. O espessamento endosteal está presen- em vários centros de ossificação durante sua
te nas diáfises dos ossos tubulares. A descompres- maior atividade de desenvolvimento.
são cirúrgica dos nervos comprimidos pode ser útil. A etiologia é desconhecida e a base genética não
A esclerosteose é a herança autossômica reces- é simples. As osteocondroses diferem na sua dis-
siva mais prevalente na população africânder da tribuição anatômica, evolução e prognóstico; sua
África do Sul. Supercrescimento e esclerose do importância está nas implicações ortopédicas. As
esqueleto, particularmente do crânio, desenvolvem- osteocondroses raras incluem a doença de Freiberg
se precocemente na infância. Estatura e peso são (cabeça do segundo metatarso), doença de Panner
freqüentemente excessivos e surdez e paralisia fa- (capítulo), doença de Sever (calcâneo) e síndrome
cial por compressão dos nervos cranianos podem de Sindling-Johansson-Larsen (patela).
ser uma característica de apresentação. A distor-
ção da face, aparente por volta dos 10 anos de ida- DOENÇA DE LEGG-CALVÉ-PERTHES
de, eventualmente torna-se grave. Em adultos, a
elevação da pressão intracraniana pode causar ce- É uma necrose asséptica idiopática da epífise da
faléia e várias mortes súbitas ocorreram por im- cabeça femoral.
pactação do tronco cerebral no forame magno. Sin- A doença de Leg-Calvé-Perthes é a mais comum
dactilia óssea ou cutânea do segundo e terceiro de- das osteocondroses; tem incidência máxima entre
dos diferencia a esclerosteose de outras formas de os 5 e 10 anos, com predileção pelo sexo masculi-
hiperostoses craniotubulares. no e geralmente é unilateral.
As características radiológicas predominantes são A maioria dos sintomas são dor na articulação
grande alargamento e esclerose da calota craniana e do quadril e distúrbios da marcha, geralmente de
mandíbula. Os corpos vertebrais são poupados, em- início gradual e progressão lenta. Os movimentos
bora seus pedículos sejam densos. Os ossos pélvicos articulares são limitados e os músculos da coxa-
são escleróticos mas com contornos normais. O cór- podem tornar-se atrofiados. As radiografias inicial-
tex dos ossos longos é esclerosado e hiperostótico e mente revelam achatamento e depois fragmenta-

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2390 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

ção da cabeça femoral, que contém áreas de brilho minais vertebrais cartilaginosas superior e inferior
e esclerose. foram implicados, mas o trauma, às vezes, é o fa-
O diagnóstico diferencial inclui os distúrbios tor causal. Algumas pessoas afetadas mostram ten-
esqueléticos hereditários, notadamente a displasia dência familial.
epifisária múltipla. Em qualquer caso atípico bila- A postura com “ombros caídos” e dor lombar
teral ou caso familial, a observação do esqueleto persistente são os sintomas de apresentação usuais.
para excluir condições deste tipo é obrigatória, já Algumas pessoas afetadas apresentam um hábito
que o prognóstico e a melhor forma de tratamento marfanóide, com extensão desproporcional entre
diferem. Hipotireoidismo, anemia falciforme e trau- tronco e membros. Casos leves freqüentemente são
ma também devem ser excluídos. reconhecidos durante o exame de rotina de esco-
Em casos não tratados é comum uma evolução lares para detecção de deformidade espinhal. A
prolongada, mas autolimitada, de 2 a 3 anos. Quando principal característica clínica é um aumento da
a afecção eventualmente torna-se quiescente, a dis- cifose torácica normal, que pode ser difusa ou lo-
torção residual da cabeça femoral e acetábulo predis- calizada. A evolução da doença de Scheuermann
põem à osteoartrite degenerativa secundária. Para os é longa (muito variável – freqüentemente vários
casos tratados, estas seqüelas são menos graves. anos) mas leve; desalinhamento espinhal discreto
O tratamento é ortopédico e inclui repouso pro- freqüentemente persiste quando a doença torna-
longado no leito, tração móvel, aparelhos ortopé- se quiescente.
dicos e contenção da cabeça femoral por imobili- Radiografias laterais da coluna mostram a for-
zação com gesso em abdução e talas. Alguns espe- ma em cunha anterior dos corpos vertebrais, geral-
cialistas defendem osteotomia subtrocantérica com mente nas regiões torácica inferior e lombar supe-
fixação interna e ambulação precoce. rior. As placas terminais tornam-se irregulares e
escleróticas nos estágios tardios. O desalinhamento
DOENÇA DE OSGOOD-SCHLATTER espinhal é predominantemente cifótico, mas às ve-
É a osteocondrite do tubérculo tibial. zes está presente um elemento de escoliose. Em
casos atípicos, displasia esquelética generalizada e
O distúrbio é geralmente unilateral, ocorre TB espinhal devem ser excluídas. Os casos leves
entre as idades de 10 e 15 anos e é mais comum não progressivos podem ser tratados por redução
em meninos. Acredita-se que a etiologia seja de peso e evitando-se atividade extenuante. Oca-
trauma devido à excessiva tração do tendão sionalmente, quando a cifose é mais intensa, um
da patela na sua inserção epifisária imatura. suporte de coluna ou repouso em leito rígido são
As principais características são dor, edema e recomendáveis. Estabilização e correção cirúrgicas
sensibilidade sobre o tubérculo tibial no local do desalinhamento são raramente necessárias para
da inserção do tendão patelar. Não há distúrbio os casos progressivos.
sistêmico. Radiografias laterais do joelho mos-
tram fragmentação do tubérculo tibial. A reso-
lução geralmente é espontânea após evolução DOENÇA DE KÖHLER
de semanas ou meses. Aliviar a dor e evitar É uma forma rara de osteocondrite do osso
esporte e exercício excessivo, especialmente fle- navicular do tarso.
xão forçada do joelho, são as únicas medidas A doença afeta crianças, principalmente me-
necessárias. Imobilização em gesso, injeção de ninos, entre as idades de 3 a 5 anos. O pé torna-
hidrocortisona e remoção cirúrgica de fragmen- se edemaciado e doloroso, com sensibilidade má-
tos ósseos, exercícios e enxertos são raramente xima sobre o arco longitudinal medial. O aumen-
necessários. to de peso e o andar aumentam o desconforto e a
marcha fica alterada. A condição tem evolução
DOENÇA DE SCHEUERMANN crônica mas raramente persiste por > 2 anos. Ao
raio X, o osso navicular inicialmente é achatado e
É uma condição relativamente comum, na qual dor esclerótico e depois torna-se fragmentado, antes
lombar e cifose estão associadas a alterações da reossificação. A condição é unilateral e as ra-
localizadas nos corpos vertebrais. diografias comparativas do lado não afetado são
O distúrbio apresenta-se na adolescência, mais valiosas para a avaliação da progressão. São ne-
comumente em meninos. Provavelmente represen- cessários o alívio da dor e evitar carregar peso
ta um grupo de condições que compartilham ca- excessivo. Nos casos agudos, algumas semanas
racterísticas semelhantes, mas a etiologia e pato- com gesso abaixo do joelho, bem-modelado, sob
gênese são incertas. Osteocondrite das placas ter- o arco longitudinal, podem ser úteis.

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CAPÍTULO 271 – DISTÚRBIOS NEUROLÓGICOS / 2391

271␣ /␣ DISTÚRBIOS
NEUROLÓGICOS
CORÉIA DE SYDENHAM A evolução da coréia é variável e difícil de des-
crever em razão de seu início insidioso e interrup-
(Coréia Menor; Coréia Reumática; Dança de São Vito) ção gradual. Pode transcorrer 1 mês ou mais até os
É uma doença do SNC, geralmente de início insi- movimentos se tornarem intensos o suficiente para
dioso mas de duração limitada, caracterizada fazer com que o paciente ou os pais procurem aten-
por movimentos involuntários, sem propósito, ção médica. A condição pode terminar em outros 3
não repetitivos, que desaparecem sem resíduo meses, mas ocasionalmente pode durar 6 a 8 meses.
neurológico.
Achados laboratoriais e diagnóstico
Etiologia, epidemiologia e incidência A não ser por uma evidência remanescente oca-
A coréia de Sydenham é geralmente considera- sional de uma infecção estreptocócica, a coréia não
da uma complicação inflamatória de infecção por apresenta aspectos laboratoriais característicos.
estreptococos β-hemolíticos do Grupo A que cau- Geralmente, o LCR não apresenta nada fora do
sam febre reumática (ver também FEBRE REUMÁ- comum e o EEG não mostra nada além de disrit-
TICA no Cap. 270). A coréia ocorre em até 10% mias inespecíficas.
dos casos de febre reumática. A doença provavel- Com freqüência, o diagnóstico é inteiramente clí-
mente é mediada por processos imunológicos: os nico. Os movimentos irregulares, involuntários, des-
antígenos estreptocócicos assemelham-se aos an- te distúrbio são patognomônicos. Eles são semelhan-
tígenos do tecido neuronal e anticorpos em reação tes àqueles da paralisia cerebral, dos quais podem ser
cruzada ligam-se ao tecido nervoso, o que provoca diferenciados pela história de um início recente. Ou-
uma cascata inflamatória e lesão tecidual. tras condições que devem ser diferenciadas são os
A doença é mais comum no sexo feminino que espasmos habituais repetitivos e os movimentos de
no sexo masculino e na infância. O índice de inci- crianças hipercinéticas, que são propositais. A coréia
dência é até mais pronunciado na adolescência, de Huntington está geralmente associada a uma his-
quando as populações afetadas são compostas quase tória familiar e aparece na idade adulta. Os efeitos
que inteiramente pelo sexo feminino. A coréia ge- colaterais semelhantes à doença de Parkinson dos tran-
ralmente ocorre (nos climas temperados) no verão qüilizantes, administrados para controlar a criança
e início do outono, após o pico de incidência da hiperativa, podem confundir o diagnóstico de coréia
febre reumática na primavera e início do verão. até que a suspensão das drogas e os movimentos coréi-
cos inalterados possam ser observados. A coréia tam-
Sintomas e sinais bém pode ocorrer no lúpus eritematoso sistêmico.
Após a infecção estreptocócica, o intervalo de A coréia de início tardio é o único caso em que os
tempo antes do início da coréia (às vezes de até 6 critérios de Jones (ver Cap. 270) não têm que ser pre-
meses) é maior que o de outras manifestações de enchidos totalmente para fazer o diagnóstico de febre
febre reumática e a coréia pode começar quando reumática. Isto é possível visto que a coréia pode ocor-
(ou após) as outras alterações clínicas e laborato- rer muitos meses após a exposição estreptocócica, no
riais retornam ao normal. Tipicamente, não ocorre momento em artrite, cardite e evidências de infecção
simultaneamente com artrite, mas quase sempre estreptocócica estão ausentes.
com cardite.
O paciente desenvolve movimentos rápidos, sem Tratamento
propósito, não repetitivos, involuntários, que desa- Em casos extremos, o paciente pode precisar
parecem com o sono e podem envolver todos os vigorosa sedação e proteção para evitar autolesão
músculos, exceto os oculares. Os movimentos vo- decorrente de agitação dos braços ou pernas. Ne-
luntários são abruptos, com coordenação prejudi- nhuma droga é consistentemente eficaz. Quando
cada. São comuns os esgares faciais. Em casos le- os movimentos são intensos, uma droga antipsi-
ves, o paciente pode parecer desajeitado, tendo al- cótica ou um benzodiazepínico, como haloperidol
guma dificuldade para vestir-se e alimentar-se. ou risperidona, devem ser titulados até a menor dose
O exame neurológico não mostra defeito na força eficaz para moderar os movimentos. Dosar os ben-
muscular ou percepção sensitiva, a não ser, ocasio- zodiazepínicos como segue: diazepam 0,04 a
nalmente, pelo reflexo patelar pendular. 0,1mg/kg/dose VO, a cada 6h, para crianças e 2 a

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2392 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

10mg/dose VO, a cada 6h, para adultos; lorazepam e 0,2% das crianças têm síndromes de paralisia
0,05mg/kg/dose VO, a cada 8h, para crianças e 1 a cerebral; até 1% dos bebês prematuros ou aqueles
2mg VO, a cada 8h, para adultos. O haloperidol pequenos para a idade gestacional são afetados.
pode ajudar em caso de movimentos coreiformes
intensos na dose de 0,01 a 0,03mg/kg ao dia VO Etiologia
administrado 2 a 3 vezes ao dia mas pode causar A etiologia freqüentemente é difícil de estabe-
discinesia tardia. A risperidona pode apresentar lecer, mas os distúrbios in utero, trauma de parto,
baixo risco de discinesia, mas seu uso é aprovado asfixia perinatal desempenham papéis importantes.
apenas para adultos pela “Food and Drug Admi- O trauma de parto e asfixia perinatal provavelmente
nistration” (FDA). A dose é 0,5mg, 2 vezes ao dia, causam ≤ 15% dos casos. A paraplegia espástica é
e depois titulada em incrementos de 0,5mg até se especialmente comum após nascimento prematuro,
conseguir o controle. Se estes falharem, pode ser a quadriparesia espástica após asfixia perinatal e for-
administrado um corticosteróide na dose descrita mas atetóides e distônicas após asfixia perinatal ou
para febre reumática (ver Cap. 270). Embora os es- icterícia nuclear. Doença sistêmica grave ou trau-
tudos de apoio sejam escassos, relatórios assim como ma do SNC durante a primeira infância (por exem-
teorias não confirmados sugerem que os corticoste- plo, meningite, sepse, desidratação) também po-
róides podem ajudar a acelerar a melhora. dem causar a síndrome de paralisia cerebral.
A coréia é melhor considerada e tratada como
um evento reversível e transitório. É importante Classificação, sintomas e sinais
assegurar aos pacientes e àqueles que lidam com As síndromes de paralisia cerebral são agrupa-
eles (por exemplo, amigos, enfermeiras, profes- das em quatro categorias principais: espástica,
sores, colegas de classe) que a doença finalmente atetóide, atáxica e formas mistas.
cederá sem seqüelas residuais e a deficiência tem- As síndromes espásticas ocorrem em cerca de
porária das funções motoras não afetará a capaci- 70% dos casos. A espasticidade é causada por en-
dade intelectual. Os pacientes só devem ser afas- volvimento do neurônio motor superior e pode afe-
tados da escola se os movimentos forem incontro- tar moderada ou gravemente a função motora. A
lavelmente intensos e devem retornar à mesma síndrome pode produzir hemiplegia, paraplegia,
assim que possam dominar a locomoção necessá- quadriplegia ou diplegia.
ria e a disfunção residual seja mínima. Muitos Os membros afetados geralmente são mal de-
dos chamados efeitos psicológicos anteriormente senvolvidos mostrando aumento dos reflexos
atribuídos à coréia não eram causados pela pró- tendinosos profundos e hipertonicidade muscular,
pria doença, mas pela privação escolar e ansieda- fraqueza e tendência a contraturas. A “marcha em
de do paciente e desânimo pelos movimentos bi- tesoura” e na ponta dos pés é característica. Em
zarros e pelas reações que provocam em pessoas crianças levemente afetadas, a deficiência pode
que não os compreendem. ocorrer apenas durante certas atividades (por exem-
O envolvimento cardíaco grave raramente ocor- plo, ao correr). Na quadriplegia, uma deficiência
re em pacientes com coréia ativa, mas poderá ser corticobulbar associada do movimento oral, lingual
tratado como descrito para a febre reumática (ver e palatal, com conseqüente disartria é comum.
no Cap. 270). Após a resolução de um ataque, Síndromes atetóides ou discinéticas ocorrem
deve ser mantida a profilaxia antiestreptocócica em cerca de 20% dos casos e resultam de envolvi-
contra recorrências da coréia como descrito para mento dos gânglios basais. Movimentos lentos, in-
a febre reumática. voluntários e retorcidos podem afetar as extremi-
dades (atetóides) ou as partes proximais dos mem-
bros e tronco (distônicos); podem também ocorrer
SÍNDROMES DE movimentos abruptos e abalos distais (coreiformes).
PARALISIA CEREBRAL Os movimentos aumentam com a tensão emocio-
nal e desaparecem durante o sono. Ocorre disartria
É um termo descritivo amplamente aplicado na sendo freqüentemente grave.
descrição de vários distúrbios motores caracte- As síndromes atáxicas ocorrem em cerca de 10%
rizados por movimento voluntário prejudicado e resultam de envolvimento do cerebelo ou seus tra-
resultante do desenvolvimento de anormalida- jetos. Fraqueza, incoordenação e tremor de intenção
des pré-natais, ou lesões neurológicas pós ou produzem desequilíbrio, marcha com base ampla e
perinatais ocorrendo antes da idade de 5 anos. dificuldade com movimentos rápidos ou delicados.
O termo paralisia cerebral não é diagnóstico, mas As formas mistas são comuns – mais freqüen-
identifica crianças com espasticidade não progres- temente espasticidade e atetose; menos freqüente-
siva, ataxia ou movimentos involuntários. Entre 0,1 mente ataxia e atetose.

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CAPÍTULO 271 – DISTÚRBIOS NEUROLÓGICOS / 2393

Distúrbios associados – Ocorrem crises con- Tay-Sachs, leucodistrofia metacromática e muco-


vulsivas em cerca de 25% dos pacientes, com mais polissacaridoses). Outros distúrbios progressivos
freqüência naqueles com espasticidade. Podem (por exemplo, distrofia neuroaxonal infantil) não
ocorrer estrabismo e outros defeitos visuais. Crian- podem ser excluídos por exames laboratoriais e
ças com atetose por icterícia nuclear comumente devem ser diagnosticados através de critérios clí-
apresentam surdez nervosa e paralisia ao olharem nicos ou patológicos. Crianças com retardamento
para cima. Crianças com hemiplegia espástica ou mental pronunciado e anormalidades motoras si-
paraplegia freqüentemente têm inteligência normal; métricas devem ser avaliadas quanto à presença de
a quadriplegia espástica e as formas mistas estão aminoácidos e outras anormalidades metabólicas.
quase sempre associadas a retardamento mental
incapacitante. Atenção diminuída e hiperatividade Prognóstico e tratamento
são comumente observadas em crianças com pa- O objetivo é que os pacientes desenvolvam o
ralisia cerebral. máximo de independência dentro dos limites de
suas incapacidades motoras e associadas; com tra-
Diagnóstico tamento apropriado, muitos pacientes, especialmen-
Raramente a paralisia cerebral é diagnosticada te aqueles com paraplegia ou hemiplegia espásti-
com certeza durante o início da infância e geral- ca, podem ter vida quase normal. Aqueles com he-
mente não é possível caracterizar as síndromes miplegia ou paraplegia espástica e intelecto nor-
específicas até a idade de 2 anos. Crianças que se mal apresentam bom prognóstico para uma vida
sabe estarem em alto risco devem ser acompanha- social independente. Fisioterapia, terapia ocupacio-
das, incluindo aquelas com evidência de trauma de nal, suportes, cirurgia ortopédica e fonoterapia po-
parto, asfixia, icterícia ou meningite, ou com his- dem ser necessários.
tória neonatal de convulsões, hipertonia ou supres- Quando as incapacidades físicas e intelectuais não
são de reflexos. são graves, as crianças podem freqüentar escolas
Antes do desenvolvimento da síndrome motora regulares. A independência social completa não é
específica, a criança mostrará desenvolvimento realística para muitos pacientes com paralisia cere-
motor lento e com freqüência padrões persistentes bral que necessitarão de vários graus de supervisão
de reflexos infantis, hiper-reflexia e alteração de e assistência durante toda a vida. Se possível, estas
tônus. Quando o diagnóstico ou causa são incer- crianças devem freqüentar uma escola especial.
tos, podem ser úteis TC ou IRM do cérebro. Mesmo os gravemente afetados podem beneficiar-
A paralisia cerebral deve ser diferenciada dos se de um treinamento em atividades da vida diária
distúrbios neurológicos hereditários progressivos (por exemplo, lavar-se, vestir-se e alimentar-se) que
ou daqueles que necessitam tratamento cirúrgico aumentam a independência e auto-estima reduzin-
ou outros tratamentos neurológicos específicos. As do muito a responsabilidade das famílias ou das ins-
formas atáxicas relativamente incomuns são parti- tituições de assistência prolongada.
cularmente difíceis de distinguir, e finalmente des- Como ocorre com todas as crianças cronica-
cobre-se doença degenerativa em muitas crianças mente deficientes, os pais precisam de assistên-
atáxicas. Atetose, automutilação e hiperuricemia no cia e orientação contínuas para compreensão do
sexo masculino indicam a síndrome de Lesch- estado e potencial da criança e no alívio de seus
Nyhan. Anormalidades cutâneas ou oculares po- próprios sentimentos (ver CRIANÇA CRONICA-
dem indicar esclerose tuberosa, neurofibromatose, MENTE INCAPACITADA no Cap. 257). Estas crian-
ataxia-telangiectasia, doença de von Hippel-Lindau ças só atingirão seus potenciais máximos com
ou síndrome de Sturge-Weber. Geralmente, estão cuidados paternos estáveis e sensíveis e com a
ausentes os sinais de doença cerebral na atrofia assistência de instituições públicas e privadas (por
muscular espinhal infantil, degeneração espino- exemplo, instituições de saúde comunitária, or-
cerebelar e distrofias musculares. A adrenoleu- ganizações de reabilitação vocacional e organi-
codistrofia tem um início tardio na infância. zações de saúde leigas, tais como a “United Cere-
Os testes laboratoriais são úteis na exclusão de bral Palsy Association”).
certos distúrbios bioquímicos progressivos que en- São utilizados anticonvulsivantes para controlar
volvem o sistema motor (por exemplo, doença de os ataques convulsivos (ver Cap. 172).

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2394 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

272␣ /␣ DISTÚRBIOS DO NARIZ


E GARGANTA
(Ver também Seção 7; os problemas septais nasais são discutidos no Cap. 86;
amigdalite no Cap. 87 e estomatite e outros problemas orais no Cap. 105.)

CORPOS ESTRANHOS Embora os angiofibromas geralmente involuam


com a maturidade, o tratamento é geralmente neces-
Os corpos estranhos no nariz são comuns em crian- sário. A embolização angiográfica seguida por exci-
ças e causam uma secreção malcheirosa, sanguinolen- são é mais definitiva, mas a radioterapia pode ser o
ta e unilateral. Sais minerais são depositados em cor- tratamento de escolha para pacientes com grande
pos estranhos longamente retidos, produzindo rinólitos. extensão intracraniana. A estrogenioterapia com
Os corpos estranhos nasais algumas vezes po- dietilestilbestrol 5mg VO 3 vezes ao dia, durante 6
dem ser removidos no consultório utilizando espé- semanas, antes de uma excisão pode reduzir o tama-
culo nasal e fórceps de Hartmann, mas quase sem- nho e a vascularidade do tumor, mas pode produzir
pre é necessária a anestesia geral. Uma vez que sua efeitos colaterais indesejáveis (por exemplo, gineco-
forma tende a conformar-se ao contorno da passa- mastia) e geralmente não é utilizada.
gem nasal, a remoção dos rinólitos é difícil.
PAPILOMAS JUVENIS
ANGIOFIBROMA JUVENIL São tumores benignos da laringe.
É um tumor benigno que surge do tecido conjunti- Os papilomas juvenis são causados por papi-
vo na abóbada nasofaríngea e ocorre quase ex- lomavírus. Podem aparecer tão precocemente quan-
clusivamente em homens na puberdade. to 1 ano de idade. Eles causam rouquidão (que pode
O angiofibroma pode obstruir a cavidade na- progredir para afonia) e obstrução respiratória su-
sal e invadir os seios paranasais, a órbita e a perior, caracterizada por estridor inspiratório e
cavidade craniana. É vermelho e firme, sendo retrações intercostais, supraclaviculares, supra-
composto de tecido fibroso e numerosos vasos esternais e subxifóides. Os tumores podem cres-
de parede fina sem elementos contráteis. O prin- cer de modo tão exuberante em tantos sítios que é
cipal sintoma é a epistaxe. necessária a traqueotomia para manter uma via aé-
À radiografia, a fissura pterigomaxilar é freqüen- rea adequada. O diagnóstico é feito por laringosco-
temente alargada pela extensão do tumor na fossa pia direta e confirmado pelo exame histopatológico.
infratemporal. A extensão do tumor pode ser de- O tratamento é a excisão periódica ou vaporização
terminada por TC ou IRM. A fonte de suprimento com laser. O uso de interferon pode provocar re-
sangüíneo e a presença de extensão intracraniana missão, mas a recidiva tende a ocorrer quando se
são determinadas com angiografia carotídea sele- suspende a droga. A recorrência é comum ocorren-
tiva bilateral interna e externa. do, em geral, espontaneamente na puberdade.

273␣ /␣ ESTRABISMO
(Heterotropia)
É o desvio do paralelismo de um olho com o outro.
(Distúrbios oculares são também discutidos no §8; no Cap. 178; e em DEFEI-
TOS OCULARES CONGÊNITOS no Cap. 261.)

O estrabismo paralítico (não concomitante) paralisados (ver também Cap. 178). A diplopia não
resulta de paralisia de um ou mais músculos ocula- está presente se a paralisia é congênita, já que a
res; pode ser causado por lesão específica do nervo visão do olho desviado é suprimida.
oculomotor. O movimento ocular é limitado e a di- O estrabismo não paralítico (concomitante)
plopia aumenta nos campos de ação dos músculos geralmente resulta de tônus muscular ocular desigual,

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CAPÍTULO 274 – CONDIÇÕES PSIQUIÁTRICAS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA / 2395

causado por um defeito supranuclear no SNC. Pode em frente ao examinador. Pela oclusão alternada
ser convergente (esotropia), divergente (exotropia) ou de um olho, o examinador pode detectar uma
vertical (hiper ou hipotropia). O desvio do paralelismo modificação da posição do olho que está sendo
não varia com os movimentos oculares e a função de descoberto quando o mesmo tenta fixar-se no
músculos individuais está geralmente íntegra, a me- objeto. Na exotropia, o olho que foi coberto terá
nos que ocorra contração secundária. que voltar-se para dentro para alcançar a fixa-
A foria (estrabismo latente) é não paralítica; o ção; na esotropia que o olho volte-se para fora.
desequilíbrio muscular é superado pela tendência do A tropia pode ser quantificada pelo uso de pris-
SNC a fundir as imagens de cada olho. Pode ocorrer mas orientados de modo que o olho desviado
como esoforia, exoforia ou hipo ou hiperforia. Exce- não precise mover-se para fixar-se. O poder do
to quando grandes, raramente causam sintomas e são prisma (em dioptrias) usado para evitar desvio
aparentes apenas quando o SNC não tem possibilida- também quantifica a tropia.
de de manter a fusão constantemente.
A não utilização de um olho, em casos de grave Prognóstico e tratamento
erro de refração ou visão prejudicada devido a doen- Pode ocorrer perda visual permanente se es-
ça, também pode resultar em estrabismo. trabismo e ambliopia concomitante não forem
A ambliopia (redução da acuidade visual de- tratados antes dos 4 a 6 anos. Se possível, devem
vido a uma experiência visual anormal no início ser tratadas as causas de base. Se apenas o dese-
da vida) geralmente resulta de supressão cortical quilíbrio muscular for o responsável, o estrabis-
da imagem pelo olho desviado, para evitar con- mo deverá ser tratado precocemente com lentes
fusão e diplopia. corretivas ou lentes de contato, mióticos (por
exemplo, iodeto de ecotiofato a 0,03% 2 vezes
Diagnóstico ao dia), treino ortóptico (por exemplo, exercí-
Visto que o estrabismo pode resultar de doença cios oculares), toxina botulínica ou restauração
neurológica ou ocular grave, os olhos (incluindo cirúrgica do equilíbrio muscular.
córnea, cristalino, retina e nervos ópticos) e o esta- O tratamento precoce da ambliopia por meio
do neurológico do paciente, independente da ida- da oclusão do olho normal é o fundamento do
de, devem ser avaliados. O desvio ocular, se cons- tratamento de quaisquer causas podendo resultar
tante, deve ser investigado logo após o nascimento em melhora da visão, levando a um prognóstico
se intermitente, em torno dos 6 meses de idade. melhor para o desenvolvimento da visão bino-
Como uma doença séria pode ser dissimulada, o cular e maior estabilidade se for realizada uma
estrabismo não deve ser ignorado pressupondo-se cirurgia. Além da oclusão, alguma variação pode
que venha a aumentar. ser utilizada (por exemplo, óculos, lentes de con-
Deve-se pedir ao paciente para fixar o olhar tato) em condições tais como a catarata congêni-
em um lápis ou em um ponto luminoso mantido ta (ver Cap. 261).

274␣ /␣ CONDIÇÕES
PSIQUIÁTRICAS NA
INFÂNCIA E
ADOLESCÊNCIA
(Ver também DISTÚRBIOS DE IDENTIDADE DE GÊNERO no Cap. 192 e DISTÚR-
BIO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO no Cap. 262.)

PSICOSE INFANTIL ras (4 a 10 casos/10.000 crianças), mas repre-


sentam problemas significativos para os cuida-
As psicoses manifestam-se por patologia em dos médicos. Elas podem ser diferenciadas em
todas as áreas da função mental: comportamen- quatro categorias principais, cada uma diferindo
to, cognição e afeto. Elas são relativamente ra- na idade de início, evolução e prognóstico: autis-

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2396 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

mo, distúrbio pervasivo do desenvolvimento com melhor saem-se moderadamente bem. O prognós-
início na infância; psicose desintegrativa; esqui- tico é fortemente determinado pela quantidade de
zofrenia da infância. linguagem útil que a criança possui por volta dos 7
anos de idade. Os sintomas tendem a permanecer
AUTISMO consistentes durante todo o desenvolvimento, e al-
guns indivíduos adquirem sintomas de esquizofre-
(Síndrome de Kanner) nia (delírios e alucinações) na adolescência ou iní-
É uma síndrome do início da infância precoce ca- cio da vida adulta.
racterizada por relacionamento social anormal; O exame neurológico comumente mostra acha-
distúrbio de linguagem com entendimento pre- dos não focais (por exemplo, marcha mal coorde-
judicado, ecolalia e reversão pronominal (par- nada, espasmos mioclônicos, estereotipias moto-
ticularmente usando “você” ao invés de “eu” ras), embora cerca de 20 a 40% das crianças (parti-
ou “mim” quando se refere à primeira pessoa); cularmente aquelas com QI < 50) desenvolvam
fenômenos rituais e compulsivos (insistência na convulsões antes da adolescência. O EEG geral-
preservação da repetição) e desenvolvimento mente não é informativo.
intelectual irregular na maioria dos casos.
Tratamento
O autismo é duas vezes mais comum em meni-
nos que em meninas. A taxa de concordância é sig- Para as crianças mais gravemente afetadas, a
nificativamente maior em gêmeos monozigóticos aplicação sistemática de terapia comportamental,
que em dizigóticos, indicando a importância de fa- uma técnica que pode ser ensinada aos pais, ajuda
tores genéticos. O nível de função genética e a pre- a tratar a criança em casa e na escola. Os benefí-
sença ou ausência de lesão neurológica são regis- cios dessa terapia são consideráveis para crianças
trados separadamente utilizando um sistema autistas que têm a paciência de pais mais amorosos
diagnóstico multiaxial. e professores mais devotados. As butirofenonas
As varreduras por TC isolaram um subgrupo de proporcionam benefício limitado, principalmente
crianças autistas com ventrículos aumentados e a IRM no controle das formas mais graves de comporta-
identificou recentemente um semigrupo de autistas mento agressivo e autodestrutivo; elas não resol-
adultos com hipoplasia do verme cerebelar. Casos vem as psicoses. A fenfluramina, um antagonista
individuais de autismo têm sido associados à síndro- serotoninérgico, não se encontra mais disponível.
me da rubéola congênita, doença da inclusão citome- Várias outras drogas psicotrópicas têm sido usa-
gálica, fenilcetonúria e síndrome do X frágil. das, mas há pouca evidência de sua eficácia. A fo-
noterapia deve começar precocemente. Para crian-
Sintomas, sinais ças mudas, o valor da linguagem de sinais não está
diagnóstico e prognóstico ainda estabelecido. Para as crianças com QI quase
normal ou elevado, psicoterapia e educação espe-
O autismo geralmente manifesta-se no primeiro cial freqüentemente são muito úteis.
ano de vida; seu início não ocorre após os 3 anos
de idade. A síndrome é caracterizada por isolamento
extremo (ausência de laços, dificuldade em acon- DISTÚRBIO PERVASIVO DO
chegar-se, evitar o olhar, incapacidade em consti- DESENVOLVIMENTO COM
tuir relacionamentos recíprocos); insistência na re-
petição (resistência à mudança, rituais, ligação
INÍCIO NA INFÂNCIA
mórbida a objetos familiares, atos repetitivos); dis- É uma síndrome similar ao autismo, porém com
túrbios da fala e linguagem (que variam de mudez um início mais tardio (36 meses a 12 anos).
total a início tardio da fala, até o uso acentuada- O distúrbio é caracterizado por relações sociais
mente idiossincrásico da linguagem); e desempe- anormais (por exemplo, indiferença, afeto inapro-
nho intelectual irregular. Crianças autistas são di- priado e incapacidade de fazer amigos) e por
fíceis de testar; elas geralmente saem-se melhor no maneirismos bizarros, que comumente incluem
resultado do que nos itens verbais em testes padro- movimentos motores singulares, gestos bizarros e
nizados de QI e podem mostrar ocasiões de desem- padrões de fala incomuns. Embora o distúrbio não
penho apropriado para a idade, apesar do retarda- se expresse completamente antes da idade de 36
mento na maioria das áreas. Contudo, nas mãos de meses, algumas características podem aparecer
um examinador experiente, um teste de QI propor- mais cedo. Como no autismo, delírios e alucina-
ciona um preditor útil da evolução. Estas crianças ções estão caracteristicamente ausentes.
com QI < 50 têm prognóstico quase uniformemen- Exceto pela idade de aparecimento mais tardia,
te ruim; cerca da metade daqueles com um teste a síndrome parece ser uma variante do autismo.

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CAPÍTULO 274 – CONDIÇÕES PSIQUIÁTRICAS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA / 2397

O distúrbio freqüentemente coexiste e tende a ser controle do pensamento. O diagnóstico baseia-se


ofuscado com sintomas do distúrbio de Tourette, dis- em fenômenos clínicos descritivos.
túrbio obsessivo-compulsivo e distúrbio do déficit
de atenção. O tratamento e prognóstico são simi- Tratamento
lares aos descritos para o autismo, anteriormente. O tratamento, psicotrópico e psicoterapêutico
combinado, é necessário. As fenotiazinas (por
PSICOSE DESINTEGRATIVA exemplo, tiotixeno, 0,10 a 0,40mg/kg ao dia) e
butirofenonas (por exemplo, haloperidol 0,05 a
DA INFÂNCIA 0,15mg/kg ao dia) podem ser eficazes no con-
É uma coleção heterogênea de síndromes com iní- trole de sintomas psicóticos agudos, mas a reci-
cio após os 3 anos de idade e história de desen- diva é comum. (P RECAUÇÃO – Por serem as
volvimento anterior normal. crianças suscetíveis aos efeitos colaterais extra-
piramidais com estas drogas, elas devem ser usa-
Alguns casos de psicose desintegrativa são pos- das com cuidado.) A hospitalização é útil no tra-
teriormente identificados como síndromes neuro- tamento das exacerbações agudas; algumas crian-
degenerativas específicas (por exemplo, infecções ças necessitam de cuidados psiquiátricos em re-
por vírus lentos [ver DOENÇAS VIRAIS DO SISTE- gime contínuo de internação.
MA NERVOSO CENTRAL no Cap. 162], degenera- Sistemas educacionais especializados (por exem-
ção cerebromacular juvenil); outros não apresen- plo, nos EUA, o “Day Treatment”) podem ser ne-
tam causa identificada. Tipicamente, a criança de- cessários para crianças muito inteligentes visto que
senvolve-se normalmente até a idade de 3 ou 4 anos os períodos de aumento e diminuição do distúrbio
(incluindo aquisição da fala, treinamento de toilete afetam significativamente o desenvolvimento das
e comportamento social adequado). mesmas. Como o tratamento doméstico tem-se tor-
Tem início, então, um período de doença vaga e nado relativamente raro, ter a prestação de cuida-
alteração de humor, no qual a criança fica irritável dos com períodos de interrupção por parte da fa-
e queixosa, ela sofre regressão acentuada com per- mília, amigos, instituições sociais, é extremamen-
da das aquisições de desenvolvimento previamen- te valiosa no tratamento contínuo de crianças com
te adquiridas. A criança deteriora até um nível gros- esquizofrenia.
seiramente defeituoso.
A evolução é inexoravelmente grave e a criança
necessitará de cuidados durante toda vida. A lon- DEPRESSÃO INFANTIL
gevidade pode não ser alterada em casos de etiolo-
gia obscura. Não existem tratamentos específicos. (Ver também Cap. 189 e DEPRESSÃO EM ADOLES-
CENTES, adiante.)

ESQUIZOFRENIA INFANTIL A existência da depressão infantil é aceita pela


maioria dos especialistas. Distúrbios graves do hu-
São estados psicóticos com início após os 7 anos mor, comparáveis aos observados em adultos, são
de idade e semelhanças comportamentais com relativamente raros entre crianças.
a esquizofrenia do adulto. Nos últimos anos, deu-se atenção ao reconheci-
(Ver também Cap. 193.) mento da depressão em crianças em idade escolar.
As evidências sugerem que o estresse ambiental A doença grave é mais provável em famílias com
precipite a manifestação da doença em indivíduos depressão, sugerindo um componente genético,
com predisposição genética. Embora tenha sido com maior incidência da depressão em uma linha-
levantada a hipótese bioquímica implicando anor- gem que na população em geral.
malidades no metabolismo da dopamina, os resul-
tados não foram comprovados. Sintomas, sinais e diagnóstico
A prevalência deste distúrbio aumenta com a As manifestações básicas da depressão infan-
idade. Enquanto o autismo infantil e o distúrbio til são semelhantes àquelas observadas em adul-
pervasivo do desenvolvimento com início na infân- tos, mas estão relacionadas às preocupações tí-
cia sejam nitidamente diferentes da esquizofrenia picas das crianças, tais como o trabalho escolar
do adulto, a esquizofrenia infantil dá continuidade e brincar. Os sintomas de depressão incluem
às formas adolescentes e adultas do distúrbio. Ela aparência triste e infeliz, apatia e retração, capa-
é caracterizada por isolamento, apatia, afeto vazio, cidade reduzida para o prazer, sentimento de
distúrbio do pensamento (bloqueio e perseveração), rejeição e de não ser querido, queixas somáticas
idéias de referência, alucinações e delírios e dis- (cefaléia, dor abdominal, insônia), episódios de
túrbios do controle do pensamento e queixas de comportamento tolo ou palhaçadas e autocensura

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2398 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

persistente. Reações depressivas crônicas estão


associadas com anorexia, perda de peso, desâni-
CONDIÇÕES
mo e ideação suicida. A depressão crônica pode PSIQUIÁTRICAS DA
ser mascarada pela hiperatividade e comporta- ADOLESCÊNCIA
mento agressivo e anti-social.
Extremos de irritabilidade e agressão, e não a A população adolescente não é mais doente psi-
quiatricamente que qualquer outra faixa etária.
depressão do humor propriamente dita, são bas- A preposição errada de que a psicopatologia é típica
tante comuns. Quando essas características co- na adolescência leva a super e subdiagnóstico (se
existem com os sintomas e sinais afetivos típicos todos os adolescentes forem “afetados”, o distúrbio
do adulto, o distúrbio do humor é um diagnósti- será normal). Os estudos de seguimento sugerem que
co mais adequado que os distúrbios de adapta- aqueles adolescentes observados em clínicas e depar-
ção ou comportamental. Os distúrbios do humor tamentos de emergência para problemas de compor-
podem ocorrer em crianças com retardamento tamento sejam de fato diferentes da grande maioria
mental, mas podem ser mascarados por sintomas dos seus colegas e estejam predispostos a permane-
somáticos e distúrbios comportamentais. cer assim, sem intervenção adequada.
Uma história de distúrbios cíclicos e história
familiar de doença bipolar podem ajudar no DISTÚRBIO DE ADAPTAÇÃO
diagnóstico diferencial.
É uma resposta aguda ao estresse ambiental por
Tratamento um adolescente com uma capacidade adaptativa
A avaliação da família e meio social é necessá- basicamente boa; os sintomas desaparecem
ria para identificar estresses que podem precipitar quando o estresse diminui.
a depressão. Medidas apropriadas direcionadas à Este diagnóstico freqüentemente é mal aplicado
família e escola devem acompanhar o tratamento às dificuldades crônicas de adaptação e à psico-
direto da criança, focalizando-se no aumento de sua patologia mais grave devido à relutância em dar
auto-estima. A hospitalização breve pode ser ne- rótulo e prognóstico desfavoráveis para adolescen-
cessária em crises agudas. tes. É apropriado apenas quando há pouca evidên-
Ainda não foram estabelecidas as indicações cia de um distúrbio de base e quando o estresse
e as variações de dosagens de antidepressivos ambiental é impressionante. O divórcio e realocação
para a depressão na pré-adolescência; as doses geográfica são exemplos de eventos que podem dar
conservativas e incrementos são melhores. Em- origem a um distúrbio de adaptação.
bora estudos controlados ainda devam ser reali-
zados, muitos clínicos acreditam que os antide- DISTÚRBIO DO ESTRESSE
pressivos tricíclicos (por exemplo, imipramina
1 a 2,5mg/kg ao dia) sejam adjuvantes úteis no PÓS-TRAUMÁTICO
tratamento. Novas drogas, como fluoxetina e O distúrbio do estresse pós-traumático (DEPT)
bupropiona estão sendo utilizadas de modo cres- pode seguir-se a eventos traumáticos importantes
cente, mas sua eficácia e segurança em crianças (por exemplo, um desastre natural ou causado pelo
não foi estabelecida. Dada a variação indivi- homem, observação de fatalidades), imediatamen-
dual na farmacocinética dos antidepressivos te ou após várias semanas, mesmo em jovens ge-
tricíclicos, a monitoração da concentração plas- ralmente estáveis. O DEPT difere do distúrbio de
mática é útil na determinação de dosagens ide- adaptação na maior gravidade do trauma causador
ais. Níveis plasmáticos de 150 a 250ng/mL são e da resposta sintomática. As lembranças traumáti-
considerados a média para eficácia terapêutica, cas do evento, esforços para suprimi-los e estados
embora um nível superior em crianças não este- persistentes de ansiedade e excitação com sinto-
ja estabelecido. Antes do início do tratamento mas, ocasionalmente bizarros, podem ocorrer às
com um antidepressivo tricíclico, deve-se reali- vezes semanas após o fato. Os adultos geralmente
zar um ECG. Durante o tratamento, devem ser subestimam o efeito desses eventos na juventude,
acompanhadas as características de P-R e QRS. e os pais podem desencorajar insensatamente a
Os médicos devem estar vigilantes quanto à criança a recontar suas observações e sentimentos.
“virada” (ou seja, alteração da depressão para
um estado maníaco), visto que a depressão com Tratamento
início na infância comumente é precursora de O tratamento pode envolver terapia individual,
um distúrbio bipolar. de grupo ou familiar. A tranqüilização da criança

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CAPÍTULO 274 – CONDIÇÕES PSIQUIÁTRICAS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA / 2399

ou dos pais no sentido de que ficar estressado por Informações detalhadas sobre o abuso do álcool
fatos graves é lógico pode dar apoio, assim como e outras substâncias devem ser pesquisadas confi-
obter e ampliar a exploração da narrativa da crian- dencialmente durante um exame de rotina, parti-
ça sobre o evento com seu respectivo desconforto. cularmente quando são relatados problemas aca-
Após a adequada descarga da emoção, a criança dêmicos ou comportamentais em jovens anterior-
deve ser encorajada a sugerir, em linguagem apro- mente bem adaptados ou em famílias com história
priada a sua experiência e maturidade, uma vez que de abuso de substâncias. Em nível comunitário,
a manipulação diferente dos eventos pode levar a publicidade negativa competente (por exemplo, al-
melhor resultado, permitindo assim a conclusão e gumas campanhas antifumo) utilizando a atuação
oferecendo esperança para o futuro. As drogas eficaz de modelos pode induzir mudança de com-
antidepressivas são algumas vezes úteis caso per- portamento, mas requer o esforço contínuo e dis-
sista o desconforto. seminado para ser mantida. Em nível individual, a
O suporte precoce de grupo pode minimizar o terapia individual ou de grupo e/ou as drogas
DEPT subseqüente devendo incluir a reconstitui- antidepressivas podem ser úteis a pacientes com
ção detalhada do evento pelo grupo, a adequada depressão ou disforia que abusam de substâncias
expressão da emoção, conhecimento das respostas na tentativa de se automedicar.
típicas a um desastre, e a ênfase ao entendimento
real apropriado de fatos terríveis. O desconforto dos DISTÚRBIOS DA CONDUTA
resgatadores e equipe de tratamento pode ser in-
tenso, sendo possível aliviá-lo através de sistemá- É um padrão persistente ou recorrente de compor-
tica dessumarização, onde os eventos e as conse- tamento que inclui agressão contra pessoas e
qüências emocionais são revistas comprobato- animais, destruição da propriedade, fraudulência
riamente pelos participantes. ou furtos e séria violação das normas.
A prevalência do distúrbio de conduta aparente-
DISTÚRBIOS DO USO mente aumentou. Geralmente, o início é no final
DE SUBSTÂNCIAS da infância, e o distúrbio é muito mais comum em
meninos que em meninas. Entre adolescentes com
(Ver também Cap. 195.) distúrbio de conduta, há o achado freqüente de com-
O uso de substâncias penetrou nas populações portamentos parentais anti-sociais, distúrbio de
jovens, incluindo pré-adolescentes. Alguns rotu- personalidade anti-social e abuso de substâncias.
lam todo uso de substância ilegal em adolescen- Crianças com distúrbio de conduta não se sensi-
tes menores de idade como abuso; o abuso de bilizam com as emoções e bem-estar alheio, ten-
substâncias é o uso repetido com conseqüências dem a perceber o comportamento dos outros como
adversas. O uso diário de maconha e a experi- uma ameaça e a reagir agressivamente com pouco
mentação com uma variedade de compostos sentimento de remorso. Eles toleram a frustração
mudam de ano a ano, mas o álcool permanece precariamente sendo comumente irresponsáveis.
como a principal substância de abuso. Heroína, A ideação suicida é comum, e a tentativa de suicí-
cocaína, crack de cocaína, metanfetamina cristal dio deve ser levada a sério, como, no mínimo, um
e outros estimulantes de abuso são menos co- comportamento bastante maladaptativo. Compor-
muns, mas significantes. As taxas descritas po- tamentos aberrantes diferem entre os sexos: meni-
dem ser subestimadas. Embora as substâncias nos tendem a brigar, roubar e vandalizar, as meni-
prediletas se alterem, o perfil da criança ou ado- nas têm mais probabilidade de mentir, fugir e en-
lescente é o mesmo: não participativo na escola, volver-se em prostituição. É provável que ambos
mais envolvido em recreação, com mais probabi- usem e abusem de substâncias tendo dificuldades
lidade de ter um emprego e dinheiro. Há geral- na escola. O distúrbio desafiador oposicional
mente a progressão do uso de álcool e fumo, re- apresenta algumas semelhanças com o distúrbio
fletindo a relativa facilidade de acesso aos mes- de conduta no sentido de envolver comportamen-
mos, para a maconha e depois para outros com- to negativista, raivoso e desafiador contra a auto-
postos. O uso de álcool aumenta do meio para o ridade, mas não existe nenhum padrão de agres-
final da adolescência e segue um padrão relativa- são persistente ou de violação dos direitos dos
mente estável de uso subseqüente. A maioria das outros. O distúrbio desafiador oposicional pode
pessoas começa o abuso sério antes dos 20 anos, evoluir para distúrbio de conduta.
apesar da implementação de programas de pre- Provavelmente mais da metade dos jovens com
venção em escolas e comunidades. O uso do fumo distúrbio de conduta cessam tais comportamentos
continua a prever o abuso de outras substâncias. no início da vida adulta, mas cerca de um terço dos

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2400 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

casos persistem, preenchendo os critérios do dis- emocional simultaneamente com o exame minu-
túrbio de personalidade. Outros jovens desenvol- cioso com testes laboratoriais relevantes e eficien-
vem subseqüentes distúrbios do humor ou ansie- tes, evitando avaliações particulares e extensas, que
dade, distúrbios somatoformes e relacionados a sugerem diagnóstico incerto podendo ser vistas pelo
substâncias e psicose com início na vida adulta. paciente como a confirmação de um problema físi-
Crianças com distúrbios de conduta tendem a ter co. Os testes neuropsiquiátricos ou psicológicos
uma incidência de doenças clínicas e psiquiátricas podem ajudar a determinar os pontos fortes e fra-
acima da expectativa ao seguimento. O tratamento cos dessas crianças e adolescentes, mas quase sem-
das condições clínicas, neurológicas e psiquiátri- pre não são cobertos por planos de saúde. O enca-
cas pode melhorar a auto-estima e o autocontrole. minhamento psiquiátrico em geral é inaceitável,
A moralização e censura são ineficazes devendo uma vez que põe em risco uma solução sintomáti-
ser evitadas. Com freqüência, somente a separação ca do paciente (e da família).
do ambiente prejudicial e disciplina externa e sis- O tratamento envolve o desenvolvimento de um
temas de controle comportamental consistente ofe- relacionamento médico-paciente positivo com vi-
recem esperança de êxito. sitas relativamente curtas ao médico, tranqüiliza-
ção, reexames completos e perguntas sobre áreas
DISTÚRBIO SOMATOFORME não médicas. Esta abordagem pode aliviar a ansie-
dade subjacente e desabituar o paciente de uma
(Ver também M EDICINA P SICOSSOMÁTICA no multiplicidade de queixas. A tranqüilização e apoio
Cap. 185.) por parte dos membros da família ajudam a mini-
Estes distúrbios começam geralmente no início mizar os sintomas somáticos como um “ingresso”
da adolescência precoce, ocorrem freqüentemente para a atenção médica contínua. A intervenção
associados, são pouco diagnosticados e podem ser médica e cirúrgica, que pode fortalecer a sintoma-
inadvertidamente reforçados por intervenção mé- tologia, deve ser evitada sem indicações inequívo-
dica vigorosa. cas. Ao mesmo tempo, esses pacientes geralmente
O distúrbio de conversão ocorre quando um experimentam de fato patologia orgânica subse-
conflito psíquico inaceitável é expresso como qüente, assim, é prudente deixar de lado a so-
um sintoma somático, geralmente como uma doen- matização como “meramente funcional” ou “que
está apenas em sua cabeça”.
ça neurológica. A incidência em crianças é igual
em ambos os sexos, porém mais comum em meni-
nas no meio da adolescência. É comum o desen- DEPRESSÃO EM ADOLESCENTES
volvimento subseqüente em distúrbio da dor.
O distúrbio de somatização envolve a mul- A depressão leve ocorre em até 10% dos estu-
dantes colegiais, a depressão moderada em 5 a 6%
tiplicidade de sintomas em pacientes – quase todos e a depressão importante em 1 a 2%. A freqüência
mulheres – que fazem da doença uma forma de vida. diagnóstica eleva-se quando é utilizada uma rela-
Os distúrbios de somatização e de conversão ção de depressão padrão, e os adolescentes rara-
ocorrem mais freqüentemente quando os pais e mente são objeto desses questionários. Existe uma
outros membros da família são sintomáticos, pro- contribuição genética significativa para a depres-
porcionando modelos para a sintomatologia do jo- são do adolescente, e quanto mais cedo tenha co-
vem. Cada distúrbio pode resultar em ganho pri- meçado a depressão de um genitor mais cedo ocor-
mário (mantendo o conflito básico inconsciente) e rerá no adolescente. Mais da metade dos compor-
ganho secundário (evitando uma situação não de- tamentos suicidas dos adolescentes originam-se da
sejada ou conseguindo atenção extra). Embora an- depressão. A variação dos sintomas é semelhante à
teriormente sinônimos de histeria, ambas as condi- dos adultos, mas os sinais de depressão modificam-
ções, atualmente ocorrem em ampla variação de dis- se pelas circunstâncias na vida do adolescente. Por
túrbios psicológicos, particularmente na depressão, exemplo, o abuso de substância é geralmente a
mas também na esquizofrenia, retardamento mental automedicação para depressão. Adolescentes mais
bem como muitos distúrbios de personalidade. jovens podem ser menos capazes de explicar os
O diagnóstico não é feito por exclusão. Os sin- sentimentos mais profundos por razões de desen-
tomas sugerem uma condição clínica ou neuroló- volvimento, enquanto adolescentes mais velhos ou
gica aparentemente precipitada por conflito ou es- no meio da adolescência acham que fazer isso é
tresse emocional, não conscientemente produzidos fraqueza. A depressão em adolescentes é menos-
e não explicáveis por uma condição médica ou por prezada, pelo menos, tão freqüentemente quanto
abuso de substância. Se houver suspeita de um dis- em outros grupos etários. A depressão deve ser con-
túrbio somatoforme, deve-se proceder à avaliação siderada quando um jovem com bom desempenho

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CAPÍTULO 274 – CONDIÇÕES PSIQUIÁTRICAS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA / 2401

anterior vai mal na escola, isola-se da sociedade terapia contínua pode ser reavaliada após, pelo
ou comete atos de delinqüência. As categorias diag- menos, 1 ano de tratamento bem-sucedido.
nósticas e o tratamento da depressão do adolescen- Os antidepressivos também podem ser indica-
te são similares aos da depressão do adulto. dos, mas geralmente devem ser combinados com
uma medicação antimaníaca para prevenir possí-
DISTÚRBIO BIPOLAR vel escalada para a mania.
(Psicose Maníaco-depressiva)
O distúrbio bipolar é raro antes da puberdade. SUICÍDIO EM CRIANÇAS
Algumas crianças manifestam realmente acentua-
das oscilações do humor (temperamento ciclo-
E ADOLESCENTES
tímico), mas essas não atingem proporções psicó- (Ver também Cap. 190.)
ticas, a não ser quando decorrentes de exposição a O suicídio tem aumentado na infância, pelo me-
toxinas e drogas. nos em meninos, e aumentou particularmente em
adolescentes (a segunda causa de óbito em adoles-
Sintomas, sinais e diagnóstico centes depois dos acidentes). Na faixa etária entre
As manifestações depressivas em adolescentes, 15 e 24 anos, o suicídio de homens aumentou em
especialmente quando acompanhadas de episódios 50% desde 1970; o suicídio feminino, apenas li-
psicóticos ou letárgicos, geralmente prenunciam o geiramente. Para todos os adolescentes entre 15 e
início de um distúrbio bipolar. A mania em adoles- 24 anos de idade, nos EUA, os índices de suicídio
centes é comumente confundida com esquizofre- nos anos 90 foram de 12/100.000 com uma pro-
nia, pois esta quase sempre assume a forma de um porção de masculino:feminino de 4:1. Os índices
ataque de excitação psicótica. Um padrão cíclico de suicídio para crianças entre as idades de 5 e 14
de depressão retardada e psicose acelerada com bom anos continua a ser muito menor visto que a desig-
funcionamento pré e intermórbido favorece forte- nação oficial de morte por suicídio geralmente re-
mente o diagnóstico de distúrbio bipolar. quer prova de intenção. Assim, muitos óbitos atri-
buídos a acidentes (por exemplo, veículos a motor
Tratamento e armas de fogo) são suicídios.
Os fatores predisponentes incluem história de
Uma vez que a prevenção de episódios psicóticos suicídio em membros da família ou amigos ínti-
de ruptura é importante, deve-se iniciar lítio, mos, mortes recentes na família, abuso de drogas e
valproato ou carbamazepina após um episódio distúrbios de conduta (ver anteriormente).
maníaco ou estado psicótico misto em um adoles- Os fatores precipitantes freqüentemente en-
cente ou jovem adulto com história familiar de dis- volvem perda de auto-estima (por exemplo, re-
túrbio bipolar. Está ainda por ser estabelecido se o sultante de discussões familiares, episódio disci-
lítio pode prevenir recorrências; não existem da- plinar humilhante, gravidez ou falha na escola);
dos sobre possíveis efeitos tóxicos no desenvolvi- perda de um namorado ou namorada; ou perda
mento, particularmente dos rins, tireóide e cérebro da vizinhança familiar (escola, vizinhos, ami-
em crianças. O valproato é preferido ao lítio por gos) devido a mudança geográfica. Outros fato-
muitos médicos devido à familiaridade do tratamen- res podem ser a falta de estrutura e limites, le-
to epiléptico, mas este pode causar lesão hepática, vando a um sentimento dominante de falta de
particularmente em crianças pequenas. Os níveis direção, ou a intensa pressão que ocorre em al-
sangüíneos são melhores com a variação terapêuti- gumas famílias acompanhada da sensação do ado-
ca maior da droga (50 a 100µg/mL). A carbamaze- lescente ou da criança de estar abaixo da expecta-
pina é eficaz a 4 a 12µg/mL, mas os efeitos colate- tiva. Um motivo freqüente de tentativa de suicí-
rais neurológicos e hematológicos algumas vezes dio é o esforço para manipular ou punir outros
são problemáticos. Ocasionalmente, a gabapentina com a fantasia “Você se arrependerá depois que
e a lamotrigina são úteis pois não apresentam rea- eu morrer”. A grande publicidade sobre suicídios
ção cruzada com outros anticonvulsivantes. A pre- dramáticos freqüentemente é seguida por episó-
venção de episódios psicóticos de ruptura na esco- dios similares (por exemplo, de um ídolo do rock)
la ou em outros locais públicos é importante, devi- e entre populações auto-identificadas (por exem-
do a possíveis repercussões sociais e constrangi- plo, colégio, um dormitório do colégio), indican-
mento. Assegurar a adesão é o maior desafio em do a importância da sugestão. A intervenção pre-
pacientes adolescentes, que geralmente experimen- coce da comunidade com a intenção declarada
tam episódios repetidos antes de aceitar a necessi- de dar apoio aos jovens que têm pensamentos
dade de continuar a medicação. A necessidade de suicidas pode ser útil.

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2402 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

Prevenção Tratamento
Identificação do paciente suicida – Inciden- Cada tentativa de suicídio é uma emergência mé-
tes suicidas freqüentemente são precedidos por dica. Quando a ameaça imediata à vida é afastada,
alterações de comportamento (por exemplo, hu- deve-se decidir sobre a necessidade de internação. Esta
mor melancólico, baixa auto-estima, distúrbios necessidade depende do equilíbrio entre o grau de risco
do sono e apetite, incapacidade de concentração, e a capacidade de apoio da família. A mortalidade da
vadiagem na escola, queixas somáticas e preocu- intenção suicida pode ser avaliada pelo grau de pla-
pação suicida), que geralmente levam a criança nejamento (por exemplo, escrever uma carta suici-
ou adolescente ao consultório médico. Afirma- da), o método de suicídio (armas de fogo habitual-
ções tais como “Eu queria nunca ter nascido” ou mente são mais mortais que pílulas), o grau de
“Eu gostaria de dormir e nunca mais acordar” autolesão atingido e as circunstâncias ou fatores pre-
devem ser encaradas seriamente como possíveis disponentes imediatos que envolveram a tentativa.
indicações de intenção suicida. Uma resposta negativa ou falta de apoio dos pais é
Resposta ao comportamento suicida – Uma preocupante. Se a família mostrar amor e compreen-
ameaça ou tentativa de suicídio representa uma são, é possível uma evolução positiva. Se necessária,
comunicação importante sobre a intensidade do a hospitalização (mesmo em uma enfermaria médica
desespero experimentado. O reconhecimento pre- ou pediátrica aberta com enfermagem obrigatória
coce dos fatores de risco mencionados anterior- especial) é a forma mais segura de proteção e geral-
mente pode ajudar a evitar a tentativa de suicí- mente está indicada se depressão intensa e/ou psico-
dio. Em resposta a estas indicações precoces, ou se forem suspeitadas. A terapia medicamentosa pode
quando confrontadas com ameaça ou tentativa ser indicada para a condição de base (por exemplo,
de suicídio, é apropriada a intervenção vigorosa depressão, distúrbios bipolar ou de impulso, psicose)
e os pacientes devem ser questionados direta- mas não pode por si mesma impedir o suicídio. Dro-
mente sobre sua infelicidade ou sentimentos de gas potencialmente fatais (por exemplo, antidepres-
autodestruição; esse questionamento direto di- sivos tricíclicos) devem ser evitados. O encaminha-
minui o risco de suicídio. O médico não deve dar mento psiquiátrico é melhor sucedido se for assegu-
tranqüilização sem o total entendimento das cir- rada a continuidade com o provedor primário. É es-
cunstâncias, uma vez que fazendo isso pode di- sencial no seguimento do processo de tratamento a
minuir sua credibilidade e/ou diminuir mais a reconstrução da moral e a restauração do equilíbrio
auto-estima do adolescente. emocional da família.

275␣ /␣ PROBLEMAS FÍSICOS


NA ADOLESCÊNCIA
Os problemas de saúde mais comuns na adoles- e fornecer informação e aconselhamento referente
cência relacionam-se ao crescimento e desenvolvi- a comportamentos de risco para a saúde. Para pro-
mento, doenças da infância que continuam na ado- cedimentos de imunização em adolescentes, ver em
lescência e experimentação (resultando em proble- Imunizações na Infância no Capítulo 256.
mas tais como gravidez na adolescência, acidentes O crescimento físico do adolescente inclui a
e violência, incluindo suicídio – ver SUICÍDIO EM maturação somática e sexual. A idade de início e
CRIANÇAS E ADOLESCENTES no Cap. 274). rapidez do desenvolvimento varia em cada indiví-
duo sendo influenciada por fatores genéticos e
ambientais. A maturidade começa em idade mais
CRESCIMENTO E precoce atualmente que há um século, provavel-
mente por melhora na nutrição, saúde geral e con-
DESENVOLVIMENTO dições de vida. Por exemplo, a idade da menarca
(Ver também DOENÇA DE OSGOOD-SCHLATTER nos EUA diminuiu 2 meses/década entre 1850 e
em OSTEOCONDROSES no Cap. 270.) 1950, embora tenha se nivelado atualmente.
As avaliações médicas periódicas são importan- O crescimento somático de homens e mulhe-
tes para estimar o crescimento e desenvolvimento res inclui o alcance do peso e altura do adulto, cres-

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CAPÍTULO 275 – PROBLEMAS FÍSICOS NA ADOLESCÊNCIA / 2403

cimento musculoesquelético e aumento do tama- A maturação sexual tardia estará presente em


nho de todos os órgãos, exceto os vasos linfáticos, meninos se não houver aumento testicular na ida-
que diminuem de tamanho, e o cérebro, que atinge de de 13 anos e meio ou nenhum pêlo pubiano por
o peso máximo durante a adolescência. O estirão volta de 15 anos ou passar mais de 5 anos entre o
de crescimento em meninos ocorre entre as idades crescimento inicial e completo da genitália. Em
de 13 e 15 anos e meio; um ganho de 10,16cm pode meninas, a maturação tardia estará presente se não
ser esperado no ano de velocidade máxima. Para houver desenvolvimento das mamas por volta dos
meninas, o estirão de crescimento começa por vol- 13 anos ou nenhum pêlo pubiano se passar mais
ta dos 11 anos de idade e pode alcançar 9cm no de 5 anos entre o início do crescimento das mamas
ano de velocidade máxima e está quase completo e a menarca, ou caso a menstruação não tenha ocor-
em torno de 13 anos e meio de idade. Em geral, os rido por volta dos 16 anos. A pequena estatura si-
meninos são mais pesados e mais altos que as me- naliza maturação atrasada em ambos os sexos.
ninas quando o crescimento está completo, porque As principais causas da puberdade tardia são deta-
têm um período de crescimento maior. Por volta lhadas na TABELA 275.1.
dos 18 anos de idade o crescimento está 99% com-
pleto nas meninas; restam cerca de 2cm de cresci- PUBERDADE PRECOCE
mento para os meninos e um pouco menos para as
meninas. Um adolescente pode desenvolver-se mais É o início da maturação sexual antes dos 8 anos de
cedo, outro mais tarde, mas ambos podem alcan- idade em uma menina e antes dos 9 anos de ida-
çar a mesma altura. de em um menino.
A maturação sexual geralmente ocorre em uma A puberdade precoce verdadeira é a ativação
seqüência estabelecida em ambos os sexos. No sexo do eixo hipotálamo-pituitário, com aumento e ma-
masculino, as alterações sexuais começam com o turação conseqüentes das gônadas e o desenvolvi-
crescimento da bolsa escrotal e testículos, segui- mento de características sexuais secundárias, níveis
das de crescimento do pênis e vesículas seminais e séricos de esteróides gonadais de adulto e esper-
próstata. Em seguida, começa a aparecer o pêlo matogênese ou oogênese.
pubiano. Pêlos axilares e faciais aparecem cerca Na puberdade pseudoprecoce, em contraste,
de 2 anos após os pêlos pubianos. O estirão de cres- as características sexuais secundárias desenvolvem-
cimento geralmente começa 1 ano após o início do se pelos altos níveis circulantes de androgênios ou
crescimento dos testículos. A média etária para a estrogênios, que podem ser secretados por um tu-
primeira ejaculação (entre 12 anos e meio e 14 anos mor gonadal ou adrenal, mas sem ativação do eixo
de idade nos EUA) é afetada por fatores psicológi- hipotálamo-pituitário.
cos, culturais e biológicos. A primeira ejaculação As causas da puberdade pseudoprecoce em me-
ocorre cerca de 1 ano após o crescimento acelera- ninos incluem tumores secretores de gonadotropina
do do pênis. Ginecomastia uni ou bilateral é co- coriônica humana (hCG), tais como hepatoblas-
mum em adolescentes jovens e geralmente desa- tomas e raros tumores pineais; tumores testicula-
parece em 1 ano. res; defeitos enzimáticos e testotoxicose. Em me-
Na maioria das mulheres, o desenvolvimento das ninas, as causas incluem cistos foliculares do ová-
mamas é o primeiro sinal visível da maturação, se- rio; tumores das células da granulosa e/ou tecais;
guido de perto pelo início do estirão de crescimento. defeitos das enzimas adrenais e, raramente, tumo-
Pouco depois, aparecem os pêlos pubianos e axila- res adrenais feminilizantes.
res. A menarca ocorre em cerca de 2 a 2 anos e meio A testotoxicose é um distúrbio raro em meni-
após o início do desenvolvimento das mamas e quan- nos envolvendo puberdade precoce masculina fa-
do ocorre desaceleração do estirão de crescimento após milial independente de gonadotropina. Nesta sín-
ter atingido o máximo. Os estádios do crescimento drome, tanto a gametogênse como a esteroidogê-
das mamas e dos pêlos pubianos podem ser detalha- nese são estimuladas sem aumento na secreção da
dos usando-se os critérios de Tanner (ver FIGS. 235.1 gonadotropina.
e 235.2). Se a ordem das mudanças sexuais for per- A síndrome de McCune-Albright descreve a
turbada, o crescimento pode ser anormal e o médico clássica tríade de pseudopuberdade precoce asso-
deve suspeitar de razões patológicas. ciada a displasia fibrosa poliostótica e pigmenta-
ção café com leite. Geralmente, o eixo hipotála-
MATURAÇÃO SEXUAL TARDIA mo-pituitário é pré-puberal, com cistos de ovário
responsáveis pela maturação sexual.
(Ver também BAIXA ESTATURA POR HIPOPITUITA- A pubarca precoce refere-se ao aparecimento
RISMO no Cap. 269.) de pêlos pubianos apenas antes dos 8 anos de ida-

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2404 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

de em meninas e antes dos 9 anos de idade em TABELA 275.1 – PRINCIPAIS CAUSAS DO


meninos; a adrenarca precoce refere-se ao apare- RETARDO NO DESENVOLVIMENTO
cimento de pêlos axilares e pubianos apenas antes SEXUAL
dos 8 anos de idade em meninas e antes dos 9 anos Retardo constitucional que ocorre em adolescentes com
de idade em meninos; e a telarca precoce refere- história familiar de retardo de crescimento (veloci-
se ao início do desenvolvimento das mamas antes dade de crescimento pré-puberal e estirão de cresci-
dos 8 anos de idade em uma menina. Estas condi- mento na adolescência retardados)
ções podem prenunciar o início da puberdade pre-
coce, mas a pubarca, adrenarca e telarca precoces Distúrbios genéticos
podem ocorrer independentemente de qualquer Síndrome de Turner (XO; disgenesia gonadal) no sexo
outro desenvolvimento. Quando estas condições feminino
ocorrem sem progressão puberal, elas são geral- Síndrome de Klinefelter (XXY; disfunção testicular
mente benignas. O seguimento cuidadoso das cria- primária) no sexo masculino
ças afetadas por qualquer uma destas afecções é Condições neurológicas, por exemplo, tumor destrutivo
necessário, especialmente para verificar a progres- da pituitária, que resulta em diminuição da secreção
são do desenvolvimento puberal. de gonadotropina
Etiologia e incidência Doenças crônicas, por exemplo, diabetes melito, doen-
ça renal crônica, fibrose cística
Na maioria dos casos de puberdade precoce ver-
dadeira, em meninas ≥ 4 anos, não é possível iden-
tificar uma causa específica, mas lesões neurológi-
cas são com freqüência encontradas em meninas sulfato de desidroepiandrosterona, 17-hidroxiproges-
< 4 anos com puberdade precoce verdadeira. Em terona, hormônio luteinizante (LH), hormônio folí-
contraste, 60% dos meninos têm uma doença de culo-estimulante (FSH) e prolactina. Estudos diagnós-
base identificável. As causas orgânicas em cada ticos por imagem devem incluir o raio X da mão e
sexo inclui tumores intracranianos, especificamente punho esquerdos para detecção da idade óssea, bem
como a ultra-sonografia pélvica e adrenal e IRM e
lesões do hipotálamo (hamartoma, raramente cra- TC do cérebro. A puberdade precoce independente
niofaringioma) ou região da glândula pineal (tera- de gonadotropina pode ser documentada pelo estabe-
toma, pinealoma); neurofibromatose e algumas lecimento de respostas gonadotrópicas pré-púberes
doenças raras. A incidência de puberdade precoce ao hormônio liberador de gonadotropina (GnRH, tam-
é 2 a 5 vezes maior no sexo feminino. bém conhecido como hormônio liberador do hormô-
Sintomas, sinais e diagnóstico nio luteinizante) exógena em meninos ou meninas
sem neoplasias ou outra causa óbvia de desenvolvi-
Tanto na puberdade precoce verdadeira como na mento precoce. Uma resposta puberal ao teste de es-
puberdade pseudoprecoce, os meninos podem exi- timulação com GnRH necessita exploração para de-
bir pêlos pubianos, axilares e faciais; crescimento tecção de lesão do SNC antes do diagnóstico de pu-
peniano e aumento da masculinidade. As meninas berdade precoce idiopática.
desenvolvem mamas e pêlos pubianos e axilares. É
mais comum as meninas começarem a menstruar Tratamento
na puberdade precoce verdadeira, mas a menstrua- Para a puberdade precoce verdadeira, podem
ção também pode ocorrer na puberdade pseudo- ser administrados para supressão da secreção de
precoce (como na síndrome de McCune-Albright). gonadotropina da hipófise (LH e FSH) até o início
O odor do corpo e a acne, bem como alterações do da puberdade normal: um agonista do GnRH (um
comportamento podem ocorrer em ambos os se- análogo do GnRH) – tal como acetato de histrelina
xos, mas a altura do adulto pode diminuir devido na dose de 10µg/kg ao dia s.c.; ou acetato de
ao fechamento prematuro das epífises. O aumento nafarelina 1.600µg ao dia por via intranasal em
testicular ou ovariano, que ocorre na puberdade doses divididas a cada 12h ou acetato de leuprolida
precoce verdadeira, está geralmente ausente na na dose de 0,2 a 0,3mg/kg/dse (mínimo, 7,5mg)
puberdade pseudoprecoce. Entretanto, podem ocor- IM a cada 4 semanas. As respostas do paciente ao
rer cistos ovarianos em alguns casos de síndrome tratamento devem ser monitoradas e as doses da
de McCune-Albright ou em associação com mens- droga modificadas de acordo.
truação esporádica. Para a puberdade precoce independente de
A avaliação laboratorial depende da avaliação gonadotropina (testotoxicose em meninos e sín-
clínica após história e exame físico completos. Os drome de McCune-Albright) antagonistas de an-
seguintes níveis podem ser medidos: gonadotropina drogênios (por exemplo, espironolactona ou aceta-
coriônica humana β, estradiol sérico, testosterona, to de ciproterona) melhoram os efeitos do excesso

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CAPÍTULO 275 – PROBLEMAS FÍSICOS NA ADOLESCÊNCIA / 2405

de androgênios. O agente antifúngico cetoconazol topedista, inclui diagnóstico e aconselhamento so-


reduz a testosterona em meninos com testotoxicose. bre opções de tratamento e adaptação.
A testolactona, um inibidor de aromatase, reduz o
estradiol sérico e trata eficazmente meninas com
síndrome de McCune-Albright. DESLIZAMENTO DA EPÍFISE DA
Na maioria dos casos, os tumores produtores de CABEÇA FEMORAL
hormônios, especialmente os tumores de células da
granulosa em meninas, devem ser excisados. Entre- É o movimento para cima do colo femoral e para a
tanto, um seguimento prolongado é necessário no caso frente sobre a epífise femoral.
de recorrência no ovário contralateral. A excisão tam- O distúrbio é freqüentemente observado em ado-
bém pode ser feita nas várias neoplasias que causam lescente obesos, geralmente meninos. A causa é
pseudopuberdade no sexo masculino. Entretanto, es- desconhecida mas pode se relacionar aos efeitos
tes tumores habitualmente são agressivamente ma- do hormônio de crescimento e estrogênio sobre a
lignos e estão associados a mortalidade elevada. placa epifisária.
O início é geralmente insidioso e os sintomas
ESCOLIOSE IDIOPÁTICA estão associados ao estágio do deslizamento. Ini-
cialmente, pode haver rigidez do quadril que me-
É uma curvatura lateral estrutural da coluna. lhora com o repouso, seguido por claudicação e
Sessenta a 80% dos casos ocorrem em meninas. depois dor no quadril irradiada pela face ântero-
Dois a 3% das crianças com idade de 10 a 16 anos medial da coxa em direção ao joelho. Muitos pa-
apresentam escoliose idiopática detectável. cientes apresentam-se apenas com dor no joelho e
Pode-se suspeitar de escoliose a princípio quan- a verdadeira patologia do quadril pode não ser per-
do um dos ombros do adolescente está mais alto cebida antes da piora do deslizamento. O exame
que o outro ou quando as roupas não caem simetri- do quadril nos estádios iniciais pode não revelar
camente, mas é geralmente detectada ao exame fí- dor ou limitação do movimento. Em estádios mais
sico. A queixa inicial pode ser fadiga na região avançados, pode haver dor à movimentação do qua-
lombar após sentar ou ficar em pé por um tempo dril afetado, com flexão, abdução e rotação medial
prolongado. Esta pode ser seguida por dores mus- limitadas; dor no joelho, sem achados específicos
culares em áreas de tensão, como o ângulo lom- e claudicação. A perna afetada gira externamente.
bossacral. A dor é incomum em adolescentes com Se o suprimento sangüíneo para a área estiver com-
escoliose idiopática e, portanto, requerer avalia- prometido podem ocorrer necrose avascular e co-
ção adicional. lapso da epífise.
A curva espinhal é mais pronunciada quando o O diagnóstico precoce é vital, já que o tratamento
adolescente inclina-se para frente. A maioria das torna-se mais difícil nos estágios mais avançados.
curvas são convexas para a direita na área torácica Radiografias ântero-posteriores e em “pernas de rã”
e para a esquerda na área lombar, de modo que o laterais dos quadris devem ser obtidas. Radiogra-
ombro direito é mais alto que o esquerdo. Um qua- fias da articulação afetada mostram alargamento da
dril pode ser mais proeminente que o outro. O exa- linha epifisária ou deslocamento posterior e infe-
me radiológico deve incluir vistas ântero-posterio- rior da cabeça femoral.
res e laterais da espinha com o paciente em pé. O encaminhamento ao ortopedista é importante
As complicações relacionam-se ao tipo de cur- para confirmar o diagnóstico e avaliar a necessidade
va: curva maior, probabilidade maior de progres- de cirurgia corretiva. O deslizamento da epífise fe-
são após maturidade esquelética. O prognóstico moral da cabeça geralmente é progressivo e requer
depende do local e gravidade da curva e idade de atenção cirúrgica logo que o diagnóstico seja feito.
início dos sintomas. Menos de 10% dos casos re-
quer tratamento ativo.
O encaminhamento imediato ao ortopedista está GRAVIDEZ NA
indicado, e o tratamento inclui a prevenção de de-
formidade importante (colete ou fixação de ADOLESCÊNCIA
Milwaukee) ou a correção cirúrgica das deformida- Nos EUA > 1 milhão de adolescentes ficam grá-
des (estimulação eletroespinhal ou cirurgia) pode ser vidas a cada ano; 85% dessas gravidezes não são
instituída. A escoliose e seu tratamento ameaçam a intencionais. Dentre as gravidezes não intencionais
auto-imagem do adolescente; o uso de um colete ou de adolescentes, 53% resultam em aborto. Em 1966,
fixação pode causar problemas de autoconsciência. estimava-se em 505.514 o número de bebês nasci-
O papel dos cuidados médicos primários para ado- dos de adolescentes nos EUA. Sessenta e nove por
lescentes com escoliose, em colaboração com o or- cento das mães adolescentes não são casadas.

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2406 / SEÇÃO 19 – PEDIATRIA

As conseqüências maternas da gravidez da ado- plantes subdérmicos (cápsulas de polissiloxano


lescente podem incluir educação incompleta, au- contendo levonorgestrel) agem continuamente du-
mento de risco de desemprego e maior índice de rante 5 anos. Embora possam provocar mais efei-
gravidezes repetidas. tos colaterais que os contraceptivos orais, assegu-
ram a adesão, e os adolescentes descrevem taxas
Cuidados Pré-natais maiores de satisfação e continuação com os mes-
A abordagem pré-natal deve incluir cuidados mos. Apesar destas dificuldades, mesmo adoles-
clínicos e psicológicos rigorosos, enquanto se faz centes jovens podem manusear eficazmente técni-
o planejamento sobre o futuro da adolescente. cas contraceptivas com aconselhamento profissio-
Adolescentes grávidas, particularmente as mui- nal adequado.
to jovens, que não participam dos cuidados pré-
natais, podem ter maior incidência de anemia e to-
xemia que em mulheres com 20 anos de idade, mas, ACIDENTES E VIOLÊNCIA
se receberem cuidados pré-natais elas não apresen- Os acidentes (muitos devido a colisões de veí-
tarão morbidade obstétrica maior que mulheres culos automores) são a principal causa de óbito
adultas com os mesmos antecedentes. Crianças de durante a adolescência (ver também ACIDENTES no
mães jovens (especialmente de mães < 15 anos de Cap. 263). Acidentes não fatais, por exemplo, quei-
idade) têm maior incidência de prematuridade e maduras e fraturas múltiplas são responsáveis por
baixo peso ao nascimento.
muitas hospitalizações. A violência se tornou uma
Aspectos psicossociais causa importante de doença e óbito. Muitos fatores
Os adolescentes encontram-se em transição do contribuem para o aumento da violência dos ado-
desenvolvimento e a gestação ou casamento geral- lescentes, incluindo itens de desenvolvimento, en-
mente acrescenta estresse emocional. Meninas grá- volvimento com gangues, acesso a armas de fogo,
vidas e seus parceiros tendem a abandonar a escola uso de substâncias e pobreza. Deve ser obtida uma
ou treinamento vocacional, aumentando assim seus história completa e detalhada visto que proble-
problemas econômicos, diminuição da auto-estima mas pré-mórbidos de comportamento são comuns
e relações interpessoais tensas. O acesso ao aborto em adolescentes que experimentam lesões graves.
não remove os problemas psicológicos da gravi- Uma história significante de problemas compor-
dez indesejada para a menina ou seu parceiro. tamentais, por exemplo, fuga, depressão, ou va-
Podem ocorrer crises emocionais quando a gra- diagem, requer uma abordagem psicossocial à
videz é diagnosticada, ao se tomar a decisão de fa- avaliação e tratamento.
zer aborto, durante o período pós-aborto, na data
em que o bebê deveria ter nascido e em aniversá-
rios desta data. Os cuidados no seguimento são obri- OBESIDADE
gatórios e devem incluir aconselhamento familiar É o acúmulo excessivo de gordura corpórea.
e planejamento psicossocial, educação e tratamen-
to contraceptivo para a menina e seu parceiro. (Ver também Cap. 5.)
A obesidade é uma das razões mais comuns para
Prevenção a visita de adolescentes aos consultórios médicos.
Apesar da atividade sexual, muitas adolescen- A maioria dos casos de obesidade são decorrentes
tes não estão totalmente informadas sobre a con- de ingerir mais alimentos que o necessário. As in-
tracepção, gravidez e doenças sexualmente trans- fluências genéticas são comuns, e atualmente es-
missíveis. Adolescentes sexualmente ativas devem tão sendo identificados os genes responsáveis (ver
ser aconselhadas sobre escolhas de contraceptivos Cap. 5). As causas endócrinas primárias (por exem-
(ver Cap. 246). As áreas de preocupação incluem plo, hiperadrenocorticismo, hipotireoidismo) ou
irregularidade na ingestão da pílula; o desejo ro- metabólicas são incomuns. Hipotireoidismo deve
mântico de pensar que o envolvimento é espontâ- ser descartado como causa. Se a criança tem baixa
neo e não planejado, o que complica o uso de con- estatura e hipertensão, deve ser considerada a sín-
traceptivos; a tendência à ocorrência de “aciden- drome de Cushing.
tes”; preocupações com a pílula, freqüentemente Freqüentemente, uma criança ligeiramente obe-
por informações erradas adquiridas de outros e sa ganha peso rapidamente durante a adolescência
opções limitadas quanto aos métodos de controle tornando-se significativamente obesa. O adolescen-
da natalidade, já que o diafragma, em particular, te obeso desenvolve auto-imagem precária e torna-
requer pré-planejamento e deve ser colocado antes se desinteressado em exercícios, mais sedentário e
da relação sexual. Novos métodos, como os im- possivelmente isolado socialmente. Os problemas

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CAPÍTULO 275 – PROBLEMAS FÍSICOS NA ADOLESCÊNCIA / 2407

médicos secundários incluem hipertensão e proble- exercícios especializados, mas existem poucos des-
mas no joelho e lombares. Se não tratada, a obesi- ses programas. As abordagens cirúrgicas, tais como
dade continua por toda a vida adulta; quase sempre cirurgias para reduzir o tamanho do estômago são
os pais se acham incapazes de ajudar. reservadas aos gravemente obesos. A redução da
Apesar das muitas abordagens terapêuticas, a ingestão calórica em uma dieta bem-equilibrada e
obesidade é um dos problemas mais difíceis e aumento da atividade física (andar de bicicleta,
desencorajadores de tratar, e as taxas de sucesso a caminhar, nadar e dançar) podem ser úteis. Altera-
longo prazo permanecem baixas. A escola é um ções permanentes nos hábitos alimentares devem
local apropriado para programas nutricionais e de ser encorajadas através de apoio psicológico.

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