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Departamento de Linguística Geral e Românica

Sintaxe, 2021-2022 Docente: Madalena Colaço

Guião 3 – Adenda

Sobre ambiguidade estrutural

Após o estudo dos processos de identificação de constituintes, vamos retomar a questão da


ambiguidade estrutural.

Vejamos a seguinte frase:

(1) O Pedro trouxe o vinho do Porto.

Esta frase é ambígua, pode ter duas interpretações diferentes, e essas interpretações são o
resultado de duas estruturas de constituintes diferentes que a frase pode ter.

As duas interpretações da frase podem ser parafraseadas da seguinte forma:


(a) O Pedro trouxe um produto designado vinho do Porto.
(b) O Pedro trouxe um produto – o vinho – de um lugar – do Porto.

Quando fazemos a interpretação correspondente a (a), estamos a considerar que a sequência “o


vinho do Porto” é uma unidade, é a expressão que designa aquilo que foi trazido: é um constituinte.

Quando fazemos a interpretação correspondente a (b), estamos a considerar que a sequência “o


vinho” é uma unidade que designa o que foi trazido – ou seja, é um constituinte – e que a sequência
“do Porto” é outra unidade, que designa o lugar de onde foi trazido – ou seja, é outro constituinte.

Usando os testes de constituência (= identificação de constituintes), podemos mostrar a


ambiguidade estrutural da frase, isto é, podemos mostrar que, nesta frase, a sequência “o vinho do
Porto” tanto pode corresponder a um único constituinte como pode corresponder a dois
constituintes.

Exemplos:

● Teste da pronominalização (ou substituição por pronome):

(a) O Pedro trouxe-o.


(b) O Pedro trouxe-o do Porto.

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Em (a), vemos que é possível pronominalizar a sequência “o vinho do Porto”. Em (b), vemos que,
alternativamente, podemos pronominalizar apenas a sequência “o vinho” (note-se que o SP “do
Porto” não pode ser pronominalizado porque apenas podem ser pronominalizados alguns SPs
iniciados pela preposição “a”).

● Teste da deslocação à esquerda:

(a) O vinho do Porto, o Pedro trouxe.


(b) O vinho, o Pedro trouxe do Porto. / Do Porto, o Pedro trouxe o vinho.

Em (a), vemos que é possível deslocar para a esquerda a sequência “o vinho do Porto”. Em (b),
vemos que, alternativamente, tanto a sequência “o vinho” como a sequência “do Porto” podem ser
deslocadas à esquerda.

● Teste da clivagem:

(a) Foi o vinho do Porto que o Pedro trouxe.


(b) Foi o vinho que o Pedro trouxe do Porto. / Foi do Porto que o Pedro trouxe o vinho.

Em (a), vemos que é possível clivar a sequência “o vinho do Porto”. Em (b), vemos que,
alternativamente, tanto a sequência “o vinho” como a sequência “do Porto” podem ser clivadas.

Os resultados destes testes permitem mostrar que a frase (1) pode ser analisada de duas formas
alternativas, uma vez que a sequência que ocorre à direita do verbo pode corresponder a duas
diferentes estruturas de constituintes: numa delas, toda a sequência é um constituinte; na outra, a
sequência estrutura-se em dois constituintes.

Assim, os testes de constituência podem ser usados para mostrar a ambiguidade estrutural de
frases como (1).

Outros exemplos de frases com o mesmo tipo de ambiguidade, que pode ser mostrada da mesma
forma:

(2) O Pedro ouviu o ruído da janela.


(3) O Pedro tirou a chave do armário.

Sobre a estrutura interna do Sintagma Nominal

● Complementos dos Nomes

Nem todos os Nomes selecionam complementos. Para além disso, os complementos dos Nomes
não são obrigatórios (ou seja, não são necessários para a gramaticalidade).

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Nomes que selecionam complementos:

- Nomes relacionais (que estabelecem uma relação entre entidades); ex: irmão, vizinho, amigo,
colega

(4) O vizinho do Pedro é simpático. → “do Pedro” é complemento do Nome “vizinho”

- Nomes deverbais (formados morfologicamente a partir de verbos); ex: reunião, redação, revisão,
oferta

(5) O Pedro terminou a redação do texto. → “do texto” é complemento do Nome “redação”

- Nomes icónicos (que significam representação ou imagem); ex: fotografia, imagem, desenho,
figura

(6) O Pedro fez o desenho de uma árvore. → “de uma árvore” é complemento de “desenho”

- Nomes que designam a parte de um todo; ex: braço, cabeça, perna, encosto

(7) O encosto da cadeira partiu-se. → “da cadeira” é complemento de “encosto”

- Nomes abstratos que ocorrem com SPs que incluem orações; ex: ideia, facto, vontade, desejo

(8) A ideia de irmos ao cinema esta noite agrada-me muito. → “de irmos ao cinema esta noite” é
complemento de “ideia”

● Modificadores dentro do Sintagma Nominal

Dentro do SN, os modificadores podem corresponder a Sintagmas Preposicionais, a Sintagmas


Adjetivais ou a orações relativas:

(9) O Pedro comprou um banco de madeira.


(10) O Pedro comprou um armário metálico.
(11) O Pedro comprou um livro que encontrou na Fnac.

Generalizando, podemos, então, dizer que, quando ocorre um SP no interior de um SN, esse SP
poderá, à partida, corresponder a um complemento do Nome ou a um modificador. Para os
distinguirmos, temos de ter em conta o tipo de Nome envolvido. Quando, no interior de um SN,
ocorre um SA ou uma oração relativa, estes constituintes são sempre modificadores.

Sobre os modificadores do Sintagma Verbal

Através dos dados que estão no exemplo (25) do Guião 3, vemos que pode haver modificadores do
SV. Em (25a), o SP “no sofá” é um modificador do SV; em (25b), a oração subordinada adverbial
“para descansar do trabalho” é um modificador do SV.

Os modificadores do SV são, então, constituintes que podem estar presentes nas frases, embora
não sejam necessários para a sua gramaticalidade.

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No entanto, nem todos os constituintes que podem não estar presentes nas frases são
modificadores do SV, existem também os modificadores da frase. Para distinguir os modificadores
do SV dos modificadores da frase, podemos usar dois testes sintáticos.

Vamos partir da frase (12). Nesta frase, como podemos confirmar aplicando os testes estudados
anteriormente, os constituintes “na Faculdade” e “provavelmente” não são complementos do
verbo ler, são modificadores.

(12) O Pedro leu os livros na Faculdade provavelmente.

Para sabermos se cada um destes constituintes é um modificador do SV ou da frase, vamos aplicar


os seguintes testes:

● Teste da negação: apenas os modificadores do SV podem ser negados

(12.1) O Pedro leu os livros não na Faculdade mas em casa provavelmente.

O facto de o constituinte “na Faculdade” poder ser negado mostra que se trata de um modificador
do SV.

(12.2) *O Pedro leu os livros na biblioteca não provavelmente mas certamente.

O facto de o constituinte “provavelmente” não poder ser negado mostra que se trata de um
modificador da frase.

● Teste da clivagem: apenas os modificadores do SV podem ser clivados (ou seja, inseridos entre
uma forma flexionada do verbo ser e a partícula que)

(12.3) Foi na Faculdade que o Pedro leu os livros provavelmente.

O facto de o constituinte “na Faculdade” poder ser clivado mostra que se trata de um modificador
do SV.

(12.4) *Foi provavelmente que o Pedro leu os livros na Faculdade.

O facto de o constituinte “provavelmente” não poder ser clivado mostra que se trata de um
modificador da frase.

Então, os resultados dos testes mostram que estes dois constituintes, embora sejam ambos
modificadores, modificam categorias diferentes: “na Faculdade” modifica o SV, mas
“provavelmente” modifica a frase.

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