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ARTEMIS DE ARAÚJO SOARES
Organizadora

SOCIEDADE, CULTURA, EDUCAÇÃO


E EXTENSÕES NA AMAZÔNIA

A presente obra foi financiada pela

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Comitê Científico - Alexa Cultural
Presidente
Yvone Dias Avelino (PUC/SP)
Vice-presidente
Pedro Paulo Abreu Funari (UNICAMP)
Membros
Adailton da Silva (UFAM – Benjamin Constant/AM)
Aldair Oliveira de Andrade (UFAM - Manaus/AM)
Alexandre de Oliveira (IFRO – Porto Velho/RO)
Alfredo González-Ruibal (Universidade Complutense de Madrid/Espanha)
Ana Cristina Alves Balbino (UNIP – São Paulo/SP)
Ana Paula Nunes Chaves (UDESC – Florianópolis/SC)
Arlete Assumpção Monteiro (PUC/SP - São Paulo/SP)
Barbara M. Arisi (UNILA – Foz do Iguaçu/PR)
Benedicto Anselmo Domingos Vitoriano (Anhanguera – Osasco/SP)
Carmen Sylvia de Alvarenga Junqueira (PUC/SP – São Paulo/SP)
Claudio Carlan (UNIFAL – Alfenas/MG)
Débora Cristina Goulart (UNIFESP – Guarulhos/SP)
Denia Roman Solano (Universidade da Costa Rica)
Diana Sandra Tamburini (UNR – Rosário/Santa Fé – Argentina)
Edgard de Assis Carvalho (PUC/SP – São Paulo/SP)
Estevão Rafael Fernandes (UNIR – Porto Velho/RO)
Fábia Barbosa Ribeiro (UNILAB – São Francisco do Conde/BA)
Fabiano de Souza Gontijo (UFPA – Belém/PA)
Gilse Elisa Rodrigues (UFAM – Benjamin Constant/AM)
Gilson Rambelli (UFS – São Cristóvão/SE)
Graziele Acçolini (UFGD – Dourados/MS)
Iraíldes Caldas Torres (UFAM – Manaus/AM)
Jacó César Piccoli (UFAC – Rio Branco/AC)
Juan Álvaro Echeverri Restrepo (UNAL – Letícia/Amazonas – Colômbia)
Júlio Cesar Machado de Paula (UFF – Niterói/RJ)
Karel Henricus Langermans (Anhanguera – Campo Limpo - São Paulo/SP)
Kelly Ludkiewicz Alves (UFBA – Salvador/BA)
Leandro Colling (UFBA – Salvador/BA)
Lilian Marta Grisólio (UFG – Catalão/GO)
Lucia Helena Vitalli Rangel (PUC/SP – São Paulo/SP)
Luciane Soares da Silva (UENF – Campos de Goitacazes/RJ)
Mabel M. Fernández (UNLPam – Santa Rosa/La Pampa – Argentina)
Marilene Corrêa da Silva Freitas (UFAM – Manaus/AM)
María Teresa Boschín (UNLu – Luján/Buenos Aires – Argentina)
Marlon Borges Pestana (FURG – Universidade Federal do Rio Grande/RS)
Michel Justamand (UFAM – Benjamin Constant/AM)
Patricia Sposito Mechi (UNILA – Foz do Iguaçu/PR)
Paulo Alves Junior (FMU – São Paulo/SP)
Raquel dos Santos Funari (UNICAMP – Campinas/SP)
Renata Senna Garrafoni (UFPR – Curitiba/PR)
Rita de Cassia Andrade Martins (UFG – Jataí/GO)
Roberta Ferreira Coelho de Andrade (UFAM - Manaus/AM)
Tharcisio Santiago Cruz (UFAM – Benjamin Constant/AM)
Thereza Cristina Cardoso Menezes (UFRRJ – Rio de Janeiro/RJ)
Vanderlei Elias Neri (UNICSUL – São Paulo/SP)
Vera Lúcia Vieira (PUC – São Paulo/SP)
Wanderson Fabio Melo (UFF – Rio das Ostras/RJ)

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ARTEMIS DE ARAÚJO SOARES
Organizadora

SOCIEDADE, CULTURA, EDUCAÇÃO E


EXTENSÕES NA AMAZÔNIA

Embu das Artes - SP


2020

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
CONSELHO EDITORIAL
Presidente
Henrique dos Santos Pereira

Membros
Antônio Carlos Witkoski
Domingos Sávio Nunes de Lima
Edleno Silva de Moura
Elizabeth Ferreira Cartaxo
Spartaco Astolfi Filho
Valeria Augusta Cerqueira Medeiros Weigel

COMITÊ EDITORIAL DA EDUA


Louis Marmoz Université de Versailles
Antônio Cattani UFRGS
Alfredo Bosi USP
Arminda Mourão Botelho Ufam
Spartaco Astolfi Ufam
Boaventura Sousa Santos Universidade de Coimbra
Bernard Emery Université Stendhal-Grenoble 3
Cesar Barreira UFC
Conceição Almeira UFRN
Edgard de Assis Carvalho PUC/SP
Gabriel Conh USP
Gerusa Ferreira PUC/SP
José Vicente Tavares UFRGS
José Paulo Netto UFRJ
Paulo Emílio FGV/RJ
Élide Rugai Bastos Unicamp
Renan Freitas Pinto Ufam
Renato Ortiz Unicamp
Rosa Ester Rossini USP
Renato Tribuzy Ufam

Reitor
Sylvio Mário Puga Ferreira

Vice-Reitor
Jacob Moysés Cohen

Editor
Sérgio Augusto Freire de Souza

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Agradecimentos

À Capes, FAPEAM e PPGSCA


pelo fomento à pesquisa e publicação desta coletânea

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© by Alexa Cultural

Direção
Gladys Corcione Amaro Langermans
Nathasha Amaro Langermans
Editor
Karel Langermans
Capa
Rubens Luiz Silva Belém
Revisão Técnica
Artemis de Araújo Soares, Michel Justamand e Shigeaki Ueki Alves da Paixão
Revisão de Língua
Sandra Milena Palomino Ortiz, Pedro Vitorino de Oliveira Neto,
Shigeaki Ueki Alves da Paixão, Sandra Oliveira de Almeida e
Vânia Cristina Cantuário de Andrade
Editoração Eletrônica
Alexa Cultural

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


S429a - SOARES, Artemis de Araújo

Sociedade, cultura, educação e extensões na Amazônia - Artemis de


Araújo Soares (org), Manaus: EDUA/ São Paulo: Alexa Cultural, 2020.

14x21cm -260 páginas

ISBN - 978-65-87643-82-3

1. Ciências Sociais - 2. Sociedade - 3. Educação - 4. Cultura - 5.


Corpo - I. Índice - II Bibliografia


CDD - 300

Índices para catálogo sistemático:


Ciências Sociais
Sociedade
Políticas Públicas
Cultura
Todos os direitos reservados e amparados pela Lei 5.988/73 e Lei 9.610

Alexa Cultural Ltda Editora da Universidade Federal do Amazonas


Rua Henrique Franchini, 256 Avenida Gal. Rodrigo Otávio Jordão Ramos,
Embú das Artes/SP - CEP: 06844-140 n. 6200 - Coroado I, Manaus/AM
alexa@alexacultural.com.br Campus Universitário Senador Arthur Virgilio
alexacultural@terra.com.br Filho, Centro de Convivência – Setor Norte
www.alexacultural.com.br Fone: (92) 3305-4291 e 3305-4290
www.alexaloja.com E-mail: ufam.editora@gmail.com

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PREFÁCIO

Uma obra, encontros e muitas contribuições!

A vida é arte do encontro, embora haja


tanto desencontro pela vida.
(Vinícius de Moraes)

O aceite do convite para prefaciar a obra veio atrelado, entre


tantos, aos sentimentos de alegria pela consideração e apreensão pela
responsabilidade. Mas, no transcorrer da leitura da obra, esses senti-
mentos foram se misturando e o que ficou foi a satisfação de poder
contribuir com a apresentação de um material de muita qualidade, de
resultados interessantes e de significativas abordagens cultuais para o
mundo acadêmico, em especial para Educação Física.
Artemis Soares é uma amiga de longa data, profissional
competente, que vem produzindo projetos de ensino, se envolvendo
com a extensão e fazendo ciência há muito tempo. Sempre engajada
com assuntos culturais que permeiam a vida e os habitantes do seu
Estado e da Amazônia.
Que desfastio, chega a ser uma euforia poder saborear os
saberes presentes na obra, que tem como foco as temáticas sobre so-
ciedade, cultura, educação e extensões na Amazônia, além de contar
com textos de convidados de outras instituições, trazendo uma riqueza
teórica para o material ora apresentado.
São treze textos, nos quais nove abordam manifestações
culturais e situações sociais relacionadas ao campo da educação fí-
sica, tendo a cultura manauara como referencial; os outros quatros
apresentam propostas de extensão e pesquisa de outras instituições, do
estado de São Paulo, na mesma área de conhecimento.
É uma valiosa coletânea de nove textos, num primeiro mo-
mento, que nos conduzem olhar a cultura manauara e conhecer, um
pouco, do nosso país, que é imenso, com mais propriedade. É uma
sucessão de textos, que provocam encantamento a cada conhecimento
adquirido.
Primeiramente, instigantes reflexões sobre corpo e erotismo,
presentes no estudo sobre mulheres em academia e escola de dança.

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Assim, Jeane Chaves de Abreu, nos perturba, quando afirma: “Do cor-
po estudado pela anatomia ao corpo social, as ciências que investem
em perscrutar os seus mistérios”. Ela nos sinaliza que o corpo é indis-
sociável da cultura do povo.
Na sequência um interessante trabalho realizado com os ca-
deirantes basquetebolistas, em treinamento e testes. Lucas Nascimento
e Karla de Jesus nos presenteiam com um texto claro e com abordagem
expressiva sobre o esporte adaptado, trazendo as classificações funcio-
nais dos atletas de basquetebol em cadeira de rodas, tão fundamental,
para quem quer trabalhar com esta área.
Deixem fruir a emoção com Lionela Corrêa, Leila Nunes e
Artemis Soares, pois memórias são sempre bem-vindas para relembrar
bons momentos de vivências e ações pedagógicas. As autoras nos con-
templam com a história da ginástica rítmica no Amazonas. Um texto
muito especial, para mim especificamente, que há anos desenvolvo a
modalidade no outro lado do país.
A magia ficou por conta dos relatos de vivências sócio-his-
tóricas dos Sateré-Mawé, de Inês Paiva e Artemis Soares. As autoras
trazem uma abordagem humana e ao mesmo tempo conflitante, pois
a realidade do povo indígena, mostra a luta e o descaso, como nessas
palavras: “Os Sateré-Mawé, nesses anos de contatos, protagonizaram a
resistência de manter suas linguagens e seus costumes, embora muitos
desses costumes tenham se ressignificado, o grupo continua mantendo
sua identidade, como todo grupo que faz parte de um contexto social”
A leitura, também, instiga o trânsito pelas políticas públicas
habitacionais no Brasil e na Amazônia e pela leitura detalhada do viés
ideológico dos livros didáticos. Angélica Carvalho e Evandro Ramos
nos levam a trilhar os caminhos da urbanização no contexto histórico e
socioeconômico do país, em especial pelo programa Minha Casa Mi-
nha Vida, criado em 2009 e, atualmente, com a denominação de Minha
Casa Verde e Amarela. Já Marcos Dutra e Artemis Soares, mostram a
destruição da criatividade, quando se trata de entregar algo pronto para
crianças e jovens estudarem.
Mas, a embriaguez veio por quanta do mergulho no universo
indígena, quando as autoras propuseram uma reflexão acerca da orga-
nização do ensino superior para esse grupo de pessoas. Elas nos mos-
tram que existe “uma riqueza em termos de etnia no Brasil, com 274
línguas faladas, 896 mil indígenas”. A preocupação é necessária e real!

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A sensibilidade aflora, quando se lê o texto Artemis Soares e
se dá conta dos dados sobre a violência e os conflitos contra os povos
indígenas. Só se acalma o caração, quando na sequência, se entretém
com as práticas lúdicas apresentadas para o ensino fundamental I de
Manaus, no texto de Aline Pedraça, Claudenor Piedade, Shigeaki Pai-
xão e Sebastião Oliveira.
Depois dos textos que espelham realidades sociais, fenôme-
nos e práticas pedagógicas presentes na cultura manauara, a coletânea
ainda contém quatro textos de convidados, a saber: dois trabalhos rea-
lizados na Universidade Estadual de Campinas/SP, sendo o primeiro
sobre um projeto de extensão de circo, especificamente, sobre a mul-
tiplicidade dos ensinos de palhaças e palhaços e o segundo sobre uma
investigação na área da ginástica para todos e dois trabalhos realizados
no Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Liceu/Campinas/SP,
sendo um sobre brinquedos e brincadeiras na educação infantil e dis-
cussão de gênero e o outro sobre atuação e formação na área de dança.
Os textos dos convidados enriquecem a coletânea e sinali-
zam a relevância de uma boa parceria, principalmente, quando o apar-
ceiramento se dá com uma pessoa como Artemis Soares e seus/suas
colaboradores/as. Como diz o ditado popular: Diga-me com quem an-
das e te direi quem és!
Artemis Soares, uma genuína amazonense, de sorriso fácil
e de coração bom. Estas características agregadas à competência e di-
namismo, só pode promover espaços férteis para o conhecimento e, a
obra é consequência desse ambiente. Assim, mesmo que a distância
exista, nada é impossível para quem promove encontros.
É com muito carinho e, também, com ênfase na qualidade
dos textos, que indico esta coletânea, certa que, as palavras, os dados,
as teorias, presentes em cada texto, podem provocar, instigar, paralisar,
impulsionar, de diferentes formas, cada leitor/a, fruto dos significados
que podem emergir, em momentos de reflexões. Vale conferir!

Roberta Gaio
UNISAL/Campinas

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SUMÁRIO

PREFÁCIO
Roberta Gaio
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APRESENTAÇÃO
Sérgio Freire
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MULHERES EM ACADEMIAS, CORPO E EROTISMO
Jeane Chaves de Abreu
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ASPECTOS FISIOLÓGICOS E CINEMÁTICOS DE
CADEIRANTES BASQUETEBOLISTAS DE MANAUS
DURANTE UM TESTE INCREMENTAL
Lucas de Souza Nascimento e Karla de Jesus
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GINÁSTICA RÍTMICA NO AMAZONAS:


memórias de alguns atores desse processo histórico
Lionela da Silva Corrêa, Leila Márcia De Azevedo Nunes e
Artemis de Araújo Soares
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PROTAGONISMO INDÍGENA: OS SATERÉ-MAWÉ E SUAS
VIVÊNCIAS SÓCIOHISTÓRICAS
Ignês Tereza Peixoto de Paiva e Artemis de Araújo Soares
- 65 -
UM BREVE HISTÓRICO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
HABITACIONAIS NO BRASIL E NO AMAZONAS
Angélica de Matos Carvalho e Evandro de Morais Ramos
- 77 -
POLÍTICA E O “VIÉS” IDEOLÓGICO NO LIVRO DIDÁTICO:
algumas considerações
Marcos Afonso Dutra e Artemis de Araújo Soares
- 93 -

- 13 -
REFLEXÃO ACERCA DA ORGANIZAÇÃO DO ENSINO
SUPERIOR PARA OS INDÍGENAS
Joyce Karoline Pinto Oliveira Pontes e Artemis de Araújo Soares
- 107 -
VIOLÊNCIA E CONFLITOS CONTRA OS POVOS INDÍGENAS
DA AMAZÔNIA EM 2019
Artemis de Araújo Soares
- 131 -
BRINCADEIRA DE MENINO OU DE MENINA?
o que dizem os/as professores/as de educação infantil
Roberta Cortez Gaio, Ida Carneiro Martins e
Perge Cipriano Alves
- 143 -
FORMAÇÃO E ATUAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE OS
PROFISSIONAIS DE DANÇA
Thaís Paulino Rodrigues e Roberta Cortez Gaio
- 165 -
A MULTIPLICIDADE DOS ENSINOS DE PALHAÇAS E
PALHAÇOS NA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
Felipe Braccialli e Marco Antonio Coelho Bortoleto
- 181 -
GINÁSTICA PARA TODOS NA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA:
um olhar sociométrico sobre as relações entre os participantes
Fernanda Raffi Menegaldo e Marco Antonio Coelho Bortoleto
- 201 -
O LÚDICO E AS PRÁTICAS DE APRENDIZAGEM
SIGNIFICATIVA: UM ESTUDO VOLTADO AO ENSINO
FUNDAMENTAL I EM MANAUS-AM
Aline Dos Santos Pedraça, Claudenor De Souza Piedade,
Shigeaki Ueki Alves da Paixão e Sebastião Monteiro Oliveira
- 225 -
SOBRE OS AUTORES DA COLETÂNEA
- 243 -
POSFÁCIO
Afonso Celso Brandão Nina
- 257 -

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APRESENTAÇÃO
É com imenso prazer aceitei o convite para fazer a apresen-
tação deste livro. E uma primeira pergunta surge de imediato: por que
um professor da área de Linguística está ocupando esse lugar? Há ra-
zões e eu as explico.
Primeiramente, o sentido é a matéria-prima da linguagem.
Os artigos dessa coletânea trabalham, cada um a seu modo, com a
significação de seus objetos e temas. Por todos eles estão esparzidos
conceitos como gênero, lúdico, saúde, cultura, espaço, educação, entre
outros. Essa polissemia de temas transversalizados é uma das singula-
ridades do conjunto de reflexões que agora você, leitor, tem em mãos.
A polissemia, acredito, é parte da riqueza da vida material e a vida
material é o lugar em que as práticas são exercitadas pelos sujeitos
reais. Sentido.
Sujeito é um segundo termo-chave que nos toca profunda-
mente nos estudos da linguagem. Por ser caro a nós, estudiosos da
linguagem, ele nos aproxima deste livro e dos artigos que o compõem.
A subjetividade repete aqui a mesma riqueza plural dos temas trans-
versalizados. São vários os sujeitos que compõe o tecido textual desta
obra: mulheres, palhaços, cadeirantes, ginastas, indígenas, moradores,
meninos e meninas, dançarinos. Sujeitos.
Por fim, uma terceira aproximação se dá pela multidisci-
plinaridade. A escolarização tradicional nos ensina, desde cedo, a
fragmentar o conhecimento e, por essa prática de pensamento, cria a
cultura do isolamento. No entanto, o nosso lugar de pesquisador, que
compreende a vida na sua complexidade, nos faz saber que essa divi-
são é meramente didática e para fins de recorte de objeto. Os textos
aqui presentes dialogam entre si, tecendo um mosaico interessante da
realidade estudada e devolvendo à sociedade uma leitura rica e neces-
sária sobre si. Multidisciplinaridade.
Sentido, Sujeito, Multidisciplinaridade. É o tripé que susten-
ta qualitativamente este livro.
Por meio do olhar fenomenológico, em “Mulheres em aca-
demias, corpo e erotismo”, Jeane Abreu traz à tona a discursividade
sobre o corpo. A autora levanta a questão de que, nestes tempos, a
busca pelo trabalho corporal secundariza o foco na saúde em direção

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à procura da imagem idealizada, uma imposição tácita da sociedade
da espetacularização. Atravessada nessa discussão, tem-se o erotismo
como conceito de inquérito na composição dessa subjetivação imposta
e, ao mesmo tempo, buscada. A relação com o corpo e o prazer se rea-
liza nesse espaço de gozo coletivo que são as academias.
Narrar a experiência de criar um espaço para experimenta-
ção inicial na linguagem do palhaço e da palhaça e oportunizar o de-
senvolvimento pedagógico para pesquisadores da área é o que fazem
Felipe Braccialli e Marco Antônio Coelho Bortoleto no artigo “A mul-
tiplicidade dos ensinos de palhaças e palhaços na extensão universitá-
ria”. O texto discute o lúdico como categoria importante, trabalhada
pela conexão da universidade com a sociedade por meio da extensão
universitária. Os autores concluem que o espaço da extensão pode con-
tribuir para o desenvolvimento das pedagogias palhacescas, somando-
-se às pesquisas acadêmicas e artísticas, e, ainda, funcionar como um
impulsionador da cultura popular.
Em “Aspectos fisiológicos e cinemáticos de cadeirantes
basquetebolistas de Manaus durante um teste incremental”, Lucas de
Souza Nascimento e Karla de Jesus discutem o perfil fisiológico e ci-
nemático de jogadores de basquetebol em cadeira de rodas. Os auto-
res apontam que um melhor desempenho pode ser alcançado com o
monitoramento de variáveis fisiológicas e cinemáticas durante testes
tradicionais do treinamento de basquetebolistas em cadeira de rodas,
indivíduos que se subjetivam dentro da normalidade simbólica pela
prática do esporte, ainda que limitados fisicamente.
Fernanda Raffi Menegaldo e Marco Antônio Coelho Borto-
leto apresentam no texto “Ginástica para todos na extensão univer-
sitária” um olhar sociométrico sobre a relação entre os participantes,
como o subtítulo sugere. Por meio de testes e da metodologia da Aná-
lise de Conteúdo, os autores mostram que a ginástica não-competitiva
pode fomentar as relações sociais, inclusive em ações de curta duração,
como é o caso do projeto de extensão universitária analisado.
Em “Ginástica Rítmica no Amazonas: memórias de alguns
atores desse processo histórico”, Lionela da Silva Corrêa, Leila Már-
cia de Azevedo Nunes e Artemis de Araújo Soares buscam recuperar
e comentar a história da Ginástica Rítmica no Amazonas a partir das
memórias dos seus autores. Em um país cuja prática de cuidado com

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a memória não é uma prioridade, resgatar a história é uma maneira
potente de compreender o atual estado de coisas. Porque somos o que
temos sido e compreender o que foi permite se saber o que é.
O artigo seguinte é “Protagonismo indígena: os Sateré-Ma-
wé e suas vivências sócio-históricas”, de Ignez Tereza Peixoto de Pai-
va e Artemis de Araújo Soares. As autoras mostram, ao trazer sujeitos
indígenas para o centro das reflexões, que as vivências ocorridas no
processo de transformações dos Sateré-Mawé não ocorrem sem que
suas lideranças elaborem estratégias de resistência contra a degradação
de suas identidades étnicas culturais, buscando manter sua linguagem
e seus costumes, embora muitos desses costumes tenham se ressigni-
ficado no contato com a sociedade envolvente. Desafios histórico para
as comunidades tradicionais.
Angélica de Matos Carvalho e Evandro de Morais Ramos,
em “Um breve histórico das políticas públicas habitacionais no Brasil
e no Amazonas”, descrevem o agravamento do problema habitacio-
nal que se reflete na conformação/deformação das cidades brasileiras.
Analisam o desenvolvimento das políticas de habitação no Brasil e
discutem as principais políticas públicas habitacionais, como o Progra-
ma Minha Casa Minha Vida e o programa Casa Verde e Amarela, que
o substituiu. Os autores concluem que as políticas habitacionais im-
plantadas não são suficientes para atender a população em situação de
vulnerabilidade social e habitacional e que essas políticas apenas mas-
caram o problema, beneficiando o setor privado e as classes mais ricas,
perpetuando um problema histórico de acesso à casa própria no país.
Em “Política e o viés ideológico no livro didático: algumas
considerações”, Marcos Afonso Dutra e Artemis de Araújo Soares, por
meio da Análise de Conteúdo, abordam o livro didático como instru-
mento escolar e sua relação com a ideologia. Essa é uma discussão
que sempre retorna e cada vez retorna em um cenário diverso, alterado
pelas configurações políticas e socioeconômicas. Os autores concluem
que o livro didático, como qualquer gênero de linguagem, é um locus
para o exercício de processos ideológicos e que dele não consegue se
deslindar.
Outro artigo que traz a questão indígena é “Reflexão acerca
da organização do ensino superior para os indígenas”, de Joyce Karoli-
ne Pinto Oliveira Pontes e Artemis de Araújo Soares. O recorte do tex-

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to é o ensino superior indígena. As autoras recorrem aos documentos
oficiais a fim de provocar uma discussão a respeito das reais demandas
e desafios na educação superior indígena. Elas apontam que deve ha-
ver uma articulação que, de fato, execute um sistema que levem em
consideração as particularidades dessa população e de seu universo
cosmogônico.
Ainda dentro da temática indígena, Artemis de Araújo Soa-
res, em “Violência e conflitos contra os povos indígenas da Amazônia
em 2019”, evidenciar a violência e os conflitos contra os povos indíge-
nas da Amazônia no ano de 2019. O trabalho tem por base a Análise de
Conteúdo e como corpus é o relatório de Violência contra os Povos In-
dígenas no Brasil, lançado em 30 de setembro de 2020 pelo Conselho
Indigenista Missionário (CIMI). Após análise, a autora chama a aten-
ção para o fato de que a violência contra os povos indígenas não pode
ser banalizada, pois continua presente nas aldeias e no meio urbano.
O artigo “Brincadeira de menino ou de menina? O que di-
zem os/as professores/as de educação infantil” tem como tema a cons-
trução de sentidos lúdicos a partir da temática do gênero. Por meio de
snowball sampling, Roberta Cortez Gaio, Ida Carneiro Martins e Perge
Cipriano Alves trabalham com uma rede de sujeitos para dar segui-
mento ao seu ponto de inquérito. Os resultados levam à necessidade de
que a sociedade e os atores educacionais quebrem paradigmas estrutu-
rais. Os autores sugerem que uma possibilidade de fazer isso acontecer
é trabalhar por uma formação profissional que leve a temática para o
centro das discussões na elaboração de sua política.
A formação é também o tema do artigo seguinte. Em “For-
mação e atuação: um estudo sobre os profissionais de dança”, de Thaís
Paulino Rodrigues e Roberta Cortez Gaio é discutida a formação cir-
cunscrita aos profissionais de dança. As autoras mostram que há um
descompasso na regularização, na fiscalização e na atuação profissio-
nal quando se trata de profissionais da dança, o que tem prejudicado,
por consequência, a valorização da área.
Por fim, mas não menos importante, temos o texto “O lú-
dico e as práticas de aprendizagem significativa: um estudo voltado
ao Ensino Fundamental I em Manaus-AM”. Nele, Aline dos Santos
Pedraça, Claudenor de Souza Piedade, Shigeaki Ueki Alves da Paixão
e Sebastião Monteiro Oliveira trazem o lúdico como categoria funda-

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mental a ser trabalhada no processo ensino-aprendizagem. Apresentam
a necessidade de incluir o lúdico como elemento na práxis pedagógica
a fim de fomentar um processo de subjetivação escolar equilibrado e
eficiente do ponto de vista da inserção social do estudante.
Como se pode ver por essa breve apresentação, os textos
compõem um rico mosaico de assuntos, temas e métodos que, certa-
mente, irão provocar no leitor questões subjetivas particulares e ressig-
nificações necessárias para a compreensão do mundo que nos cerca,
mais especificamente o nosso espaço mais imediato, objeto de pesqui-
sa dos autores. É nele que nós nos fazemos sujeitos. É nele que exerce-
mos sentidos. E é pela multidisciplinaridade que caminhamos melhor.
Que sua leitura seja tão proveitosa quanto a minha.

Prof. Dr. Sérgio Freire


Doutor em Linguística pela UNICAMP.
Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da
Faculdade de Letras da Universidade Federal do Amazonas.

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MULHERES EM ACADEMIAS, CORPO E
EROTISMO
Jeane Chaves de Abreu1

RESUMO: O presente estudo aborda a relação do gênero feminino com o seu


corpo, erotismo e sexualidade no âmbito das escolas de dança e academias. Na
atualidade, há uma preocupação constante na vigilância do estar bem e sentir-se
em forma com seu corpo. No templo do culto ao corpo o “deus” todo poderoso é o
corpo perfeito e nele a beleza estética corporal reina absoluta. Na ânsia de agradar
ao seu amo e senhor que é o corpo perfeito, seus seguidores fazem sacrifícios ini-
magináveis. Já não existe o corpo livre e natural, os corpos vivem a ditadura da be-
leza. Esses signos de morte são as amarras sociais que os prendem às convenções e
estereotipias dos modismos em voga. A perquirição do corpo perfeito comparado à
imagem dos deuses gregos Afrodite e Apollo assenhora-se da mente dos aficiona-
dos pela corpolatria. As academias e escolas de dança de Manaus foram tomadas
de sobressalto por mulheres e homens ávidos em adquirirem em curto espaço de
tempo o corpo idealizado. Os fanáticos usuários da academia passam até 06 horas
por dia se exercitando, na ânsia de conquistarem uma silhueta admirável e admira-
da. É a emergência na conquista do corpo almejado e propagado pela mídia televi-
siva e aclamado nas redes sociais. Longe estamos de um tempo em que os corpos
robustos eram admirados. Esse tempo passado nesses espaços, faz com que seus
usuários ampliem sua sociabilização enveredando por novas amizades, que muitas
vezes acabam em relações mais afetivas. Nosso estudo teve como objetivo perce-
ber se no trânsito intenso do vai e vem de corpos suados é possível à percepção de
um ambiente propicio a exacerbação do erotismo e consequentemente a sexuali-
dade. Nossa ancora metodológica foi a fenomenologia com imersão no campo de
cunho qualitativa e participativa. A pesquisa foi realizada em uma Academia e uma
Escola de Dança de Manaus e elencamos cinco sujeitos entre instrutores e usuários
os quais nominamos com nomes de flores para resguardar o sigilo das informações
coletadas. Ao longo da história da humanidade, o corpo vem sendo parte indisso-
ciável da cultura dos povos. Do corpo estudado pela anatomia ao corpo social, as
ciências investem em perscrutar os seus mistérios.
Palavras chave: corpo; erotismo; sexualidade;

Introdução
Na corrida em perseguição do sonhado corpo perfeito, os
clientes dos templos de adoração de corpos, não medem esforços para
1 Doutora e mestra em Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA/UFAM; Professora e
Coordenadora do Curso de Dança da Escola Superior de Artes e Turismo da Universidade do
Estado do Amazonas (ESAT/UEA); Diretora Artística e coreógrafa da PAJÊ Cia. De Dança
(PEJAC/PAJÊ/UEA), membro do grupo de pesquisa GEPOS/UFAM.

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conquistá-lo. Geralmente nas academias consideradas de primeira linha,
existe o espaço “fitness” onde são comercializados diversos produtos
para aumentarem o potencial dos exercícios físicos e diminuir o tempo
de espera para a aquisição do corpo idealizado. São vendidos, então,
todo tipo de fórmulas e energéticos para turbinar a musculatura num
tempo breve. A palavra de ordem é não a massa gorda e sim à massa
magra. Nesse contexto criam-se dietas das mais variadas possíveis como
a dieta da lua, da sopa, do limão, balanceada, dietas líquidas entre outras,
com restrição de calorias para promover o emagrecimento.
As dietas preferidas e com maior número de adeptos são a
“lowcarb” (baixo ou zero carboidrato) e a jejum intermitente. Alguns
indivíduos conquistaram em até um ano a perda de até 40 kg de peso
ao adicionar no seu cotidiano, uma dessas duas dietas de forma natural
sem a utilização de drogas. Todavia, dificilmente as pessoas tem pa-
ciência para aguardar todo esse tempo, então preferem arriscar suas vi-
das no consumo de anfetaminas, anabolizantes e injeções de hormônio
do crescimento e testosterona. Fraga (2006, p.63) sugere que,

A engenharia genética, cirurgia a laser, transplantes, silicones, ali-


mentos transgênicos, esteroides anabolizantes compõem um ins-
trumental contemporâneo diversificado, que vai redimensionando
um corpo numa velocidade espantosa, ao mesmo tempo em que o
torna radicalmente contingente.

Além de todo o aparato tecnológico, os sujeitos com um


maior poder aquisitivo buscam na medicina estética a solução para
seus problemas. Nesse caso a solução mais procurada é a lipoaspiração
ou a plástica abdominal e glútea para conquistar-se a “barriga tanqui-
nho ” e o “bumbum empinado”. Feitosa (2004, p.251), esclarece que,

Beleza e feiura não é questão de gosto de cada um. Está na época


em que se vive. A preocupação com as transformações do corpo
para se adequar a certos padrões reflete um contexto, em que a me-
dicina está dando condições para produzir esse corpo idealizado,
perfeito, e isso não é questão de uma pessoa específica, e sim de
um momento cultural.

As razões da repentina irrupção do corpo nas ciências do


homem devem ser buscadas, nas transformações políticas e mutações
sociais dos anos de 1960/70. Courtine (2013, p.15), prescreve que “o

-22 -
corpo sem dúvida, não sustentou as promessas de revolução das quais
se podia espera-lo portador. Mais sem dúvida alguma ele conservou
as lutas sociais e as inspirações individuais deste momento histórico”.
Este é um momento único na história da atividade física, em que um
público significativo se preocupa com a prevenção de doenças, en-
quanto que outro público preocupa-se unicamente com a beleza es-
tética das transformações corporais. Vivemos uma época de culto ao
corpo perfeito, “mas o corpo é também diretamente mergulhado num
campo político, as relações de poder operam sobre ele uma influência
imediata; elas investem contra ele, o marcam, o adestram, o supliciam,
o constrangem a trabalhos, o obrigam a cerimonias, cobram dele sig-
nos”. (COURTINE, 2013, p. 16).
A mídia impressa e televisiva assim como as redes sociais
são disseminadoras do culto ao corpo perfeito criando nos sujeitos as
ansiedades que incluem e a insegurança na esfera pública. Isto contri-
bui para criar indivíduos dependentes do julgamento do outro. Então,
o indivíduo passa a ser visto em sua aparência e não na sua “essência”
ou naquilo que o indivíduo é em sua identidade. A domesticação e mo-
delagem do corpo assumem primazia sobre a constituição da pessoa
enquanto ser social e histórico. De acordo com Rabinow (1991, p.85),
“toda cultura se transforma em prática de remodelamento técnico da
natureza. Base para superação de todos os problemas humanos advin-
dos da separação entre cultura e natureza”. Na história do corpo as
modificações antinaturais começam a acontecer por volta da década
de 1960 quando iniciam as campanhas “seja sempre jovem”, o culto a
beleza é imperativo e a intensa exploração comercial dos corpos é ini-
ciada de forma acirrada. Os artistas passam a utilizar seus corpos para
denunciar coações sociais, sexuais e identitárias.

Corpo, erotismo, sedução e sexo


A procura por um corpo belo não encontra barreiras, apesar
dos riscos e perigos. Busca-se o corpo perfeito que possa impressionar
a sociedade, na medida em que a aparência é um dado importante no
âmbito da moral burguesa e das forças de mercado. Goffman (1985, p.
38), sugere que “pode-se chamar de ‘aparência’ aqueles estímulos que
funcionam no momento para nos revelar o status social do ator”.

- 23 -
Mulheres precavidas vêm buscando um modelo corporal que
as afastem da imagem frágil e anoréxica tão sonhada por modelos e
manequins. A nova mulher deseja um corpo mais vibrante e atlético e
essa conquista é alcançada de forma natural com a prática da muscula-
ção, caminhadas, corridas e alimentação balanceada. Bourdieu (2011,
p. 83), considera que “a prática intensiva de um determinado esporte
determina nas mulheres uma profunda transformação da experiência
subjetiva e objetiva do corpo”. A atividade física, a busca da liberdade
de ir e vir, os desafios do mercado de trabalho vêm mudando o perfil
corporal da mulher. Esse corpo pode estar influenciando o surgir de
uma mulher mais determinada, convicta de sua posição na sociedade,
adepta da liberdade pessoal.
As mulheres que frequentam as academias de ginástica e
musculação têm como objetivo principal o emagrecimento e as trans-
formações corporais. As consideradas magras exercitam-se em busca
de um corpo com maior definição muscular. As mulheres com mais
tecido adiposo, com índice de massa corpórea acima da tabela são con-
sideradas obesas e buscam no exercício físico um corpo mais esbelto.
O corpo feminino sempre foi marcado por preocupações de natureza
estética. A apresentação pessoal é motivo de orgulho para a maioria
das mulheres. “O corpo humano era, e permanece para nós, coberto de
signos, mesmo se a natureza destes, o olhar que os decifra, a posição de
quem os interpreta e a intenção de que os exprime se modificaram his-
toricamente”. (COURTINE, 2013, p. 78). Um dos sujeitos da pesquisa
Amor Perfeito (26 anos) em relato revela o seguinte:

você não acredita, mas eu já pesei mais de cem quilos, tive uma
adolescência muito triste porque eu era rejeitada e sofria “builling
” por causa do meu excesso de peso. Sentia necessidade de afeto
e carinho, mas até isso era difícil porque as pessoas se afastam
da gente, parece que a obesidade é doença contagiosa (entrevis-
ta/2017).

Goellner (2010, p. 37), indica que a partir do século XVIII


“o corpo retilíneo, vigoroso, elegante, educado e comedido nos ges-
tos traduzia o pertencimento a burguesia da época, enquanto o corpo
volumoso, indócil, desmedido, fanfarrão e excessivo era representado
como inferior e abjeto ao que se desejava produzir”. Passa-se a dividir

-24 -
os corpos em magros (belos) e gordos (feios) os excluídos pela socie-
dade burguesa.
O problema da obesidade prejudicou intensamente o desen-
volvimento social de Amor Perfeito, a saber:
Fiquei tão gorda que não saía de casa para nada, ir pra escola era
um tormento, entrar no ônibus nem pensar, morria de medo de não
passar na roleta. Passear, dançar, nada disso eu tinha coragem de
enfrentar, minha vida se resumia as quatro paredes do meu quarto,
pois, até em casa minha mãe enchia meu saco. Minha vida amoro-
sa e sexual não existia, passei muitos anos da minha vida sem saber
o que era beijar. Então, não tinha amigos e nem namorado, vivia
só. (entrevista/2017).

Goellner (2010, p. 39), assinala que “a individualização das


aparências produzida a partir da valorização por vezes exacerbada da
imagem transformada em performance tem levado os indivíduos a
perceberem que o corpo é o local primeiro da identidade, o lócus a
partir do qual cada um diz do seu íntimo, da sua personalidade, das
suas virtudes e defeitos”. A obesidade é uma doença crônica e Amor
Perfeito mesmo tendo emagrecido 48 quilos, terá que fazer tratamento
preventivo a vida inteira, para não ocorrer a recidiva. Prosseguindo em
seu relato nos conta que, “a primeira coisa que fiz, quando estava em
processo de emagrecimento foi procurar uma academia. Estou aqui há
quase dois anos e nesse lugar encontrei a felicidade, a mim mesma e o
amor da minha vida, o meu porto seguro que me ajudou a chegar onde
estou. “Nós, eu e ele temos orgulho do meu sucesso” (entrevista/2017).
Percebe-se a dependência afetiva e emocional ainda presente no corpo
da entrevistada.
No mundo globalizado e com as informações chegando aos
domicílios em tempo real, a moda e toda a indústria da beleza, se im-
põem de forma agressiva aos consumidores em que o “eu quero”, “eu
preciso” e “eu posso” funcionam como um dispositivo. Essa é uma
exigência que se impõe tanto em tempos de guerra quanto em tempos
de paz. Sobretudo nesses últimos, “quando costumamos achar que está
tudo bem, que está tudo “numa boa”; quando recebemos informações
de todos os lados, sem tentar, nem ao menos, analisá-las, e terminamos
por engolir qualquer coisa”. DEL PRIORE (2013, p. 281).
O veículo de comunicação de massa que mais dissemina
o poder do consumo é a mídia televisiva, seguida da enxurrada

- 25 -
de propagandas de venda de bens e consumo nas redes sociais. As
pessoas estão presas a uma sociedade que escraviza e mata, pois todos
os dias, presencia-se através das notícias vinculadas nos meios de
comunicação, jovens e adultos não medindo esforços para acumularem
bens, independente da forma que se processa essa conquista. No tempo
presente, pessoas trocam seus aparelhos celulares todos os meses,
somente com a intenção de exibirem o último modelo lançado no
comércio. O consumo exacerbado de bens gera as mesmas ansiedades
provocadas pela busca do estar belo. O acúmulo de bens é uma
exigência também da sociedade. É preciso “ter” para ser incluído.
Há uma velocidade de respostas breves, sendo, pois, neces-
sário correr, correr para “ser” e correr para “ter”. Independente de gê-
nero a corrida exibicionista é fato, vide o vício das “selfies”, marca pre-
sente do narcisismo. O narcisismo impera no mundo fitness. O espelho
que revestem as paredes dos salões de ginástica, dança e musculação
que na sua origem servia para que os praticantes realizassem as auto-
correções dos exercícios, perderam essa função. Hoje é exclusivo para
fotografias do tipo “faça você mesmo”. Alguns instrutores se deixam
empolgar com a própria imagem e esquecem-se de prestar atenção no
aluno que muitas vezes está executando o exercício de forma inade-
quada. Esse despreparo pode levar o aluno a graves lesões, as mais
comuns são as distensões e luxações, assim como alguns problemas
posturais e de coluna vertebral.
Outra função dos espelhos nos salões das atividades físicas
é o de facilitador das paqueras e relacionamentos, com as trocas de
olhares através da imagem refletida no espelho. Dessa maneira, alguns
relacionamentos são iniciados. Em entrevista Flor (48 anos) chama
atenção para o fato de que,

É incrível como as relações afetivas e sociais são construídas aqui


dentro, os olhares entre os que se paqueram geralmente no início
são através dos espelhos, não importa a distância que separa esses
corpos, como aqui é tudo espelhado, um pode estar bem longe do
outro, mas o espelho aproxima. Porque onde quer que estejam um
vai ter a visão do outro. (Entrevista/2017).

Dependendo da resposta do outro, o processo de aproxima-


ção pode ser iniciado a partir desse momento. Ressalte-se que as mu-

-26 -
lheres manauaras conseguem com facilidade iniciar uma amizade, são
extremamente simpáticas e muitas pessoas confundem esse comporta-
mento como oferecimento. Seu jeito de ser carinhoso e afetuoso pode
ser confundido como lascividade da chamada “mulher fácil”. Para Ra-
mos (2003, p. 108), “a mulher amazonense alcançou uma liberação
sexual bem nos moldes que defendia o movimento feminista. A sua
liberalidade é consequência das suas particularidades culturais”. Ou
melhor dizendo “a mulher amazonense não conquistou na verdade, a
liberação sexual através do movimento feminista, mas sim do reflexo
cultural em que ela está inserida”. (IDEM, p. 108).
No âmbito das academias de ginastica e musculação há uma
diferença de público significativa. O público da manhã, em geral, é
formado por pessoas da meia idade que vão malhar antes de se deslo-
carem ao trabalho, pois certamente não terão tempo no decorrer do dia
para ir à academia. Nesse mesmo horário também encontramos o pú-
blico aposentado. No período entre o final da manhã e o início da tarde
há um arrefecimento de público, talvez provocado pelo calor excessivo
da tarde. É, pois, a partir da segunda metade da tarde que ocorre uma
invasão de jovens que é justamente o público que sustenta o empreen-
dimento. Conforme Vaz (1999, p.190),
Durante o capitalismo de produção, o corpo entrava no mercado
como força de trabalho. Pesquisava-se o corpo como força a ser
domada e preservada. Atualmente, vivemos um capitalismo da su-
per produção, onde o que faz problema é consumir o que se produz
em excesso comparativamente a necessidade. Desde então, o corpo
entra no mercado como capacidade de consumir e ser consumido.

O desfilar de corpos de homens e mulheres nas academias


chega ao nível de um concurso de beleza, haja vista a qualidade e a
diversidade dos trajes utilizados. Calças extremamente colantes apre-
sentando bumbuns avantajados à base de próteses de silicone, assim
como seios volumosos em riste. Shorts curtíssimos capazes de exibir
coxas e pernas torneadas com músculos em hipertensão. Nos pés, há o
destaque para os tênis de marca onerosa. O público das academias ló-
cus de nosso estudo é constituído de clientes com alto poder aquisitivo
pertencente à classe média alta. Le Breton (2011, p. 254), preconiza
que “o corpo é um belo objeto cujos melhores efeitos é preciso saber
tirar”. E acrescenta dizendo que,

- 27 -
Se o mima, acaricia, massageia, se o explora como um território
distinto a conquistar, ou melhor, como uma pessoa a seduzir. O
corpo torna-se uma propriedade de primeira ordem, objeto (ou, an-
tes, sujeito) de todas as atenções, de todos os cuidados, de todos os
investimentos (com efeito, também aí é preciso preparar o porvir),
cuidar bem de seu “capital” saúde, fazer prosperar seu “capital”
corporal sob a forma simbólica da sedução. (LE BRETON, 2011,
p. 254).

Homens e mulheres investem capital financeiro para estarem


bem apresentados nesse círculo narcísico onde há uma necessidade de
ser notado e apreciado. Nesse espaço de atividades físicas, mas tam-
bém de conquistas amorosas, homens investem na sedução sem muitos
circunlóquios.

Essa nova erótica deve, portanto, reger-se por noções independen-


tes de uma prejudicial crítica ou metafísica. Entre estas, melhor
que a noção de fascínio, muito ligada a magia sedutora do olhar e
aos seus poderes maléficos, chama atenção a palavra charme, sus-
cetível de um uso muito variado e apta a designar tanto as emoções
divinas como a atração sexual”. (PERNIOLA, 2000, p.41).

No entanto, se as mulheres tiverem comportamento idêntico


ao do homem ficarão mal vistas. É preciso discrição por parte do gêne-
ro feminino. De acordo com Strathern (2006, p.74), “as mulheres vem
ocupar um espaço público, mas o fazem ainda se distinguindo contras-
tivamente dos homens”. Na investigação de campo percebemos que
as mulheres ainda são retraídas no quesito de assédio ou abordagem
ao gênero masculino, elas preferem a paquera a distância através das
trocas de olhares, não obstante haver outras que investem na conquista.
“As mulheres do século XXI são feitas de rupturas e permanências.
As rupturas empurram-nas para frente e as ajudam a expandir todas
as possibilidades, a se fortalecer e a conquistar. As permanências, por
outro lado, apontam fragilidades”. DEL PRIORE (2013, p. 7).
No mundo das academias respira-se erotismo e sensualida-
de. Os corpos malhados, suados e energizados exalam sexualidade,
existe uma atmosfera de prazer. A endorfina liberada provoca a sen-
sação de bem-estar e alegria contagiando os frequentadores desse es-
paço social. A música ambiente provoca uma sensação de liberdade,
de estimulação dos sentidos e percepção de sensações prazerosas. O

-28 -
odor que emana nesse lugar é uma mistura de cheiros de perfumes,
desodorizantes corporais, desodorizantes de ambiente e suor. Essa mis-
tura de cheiros chega a ser inebriante. O mundo fitness é provocador e
viciante, a visão dos corpos, o ambiente, os cheiros, a música e todo o
ao amor contexto provocam nos frequentadores sensações prazerosas
e um convite e prazer. Com relação a contextualização desse espaço
como “templo do corpo”, Dama da noite (21 anos) revela que,

No meio das academias percebo diversas formas de relacionamen-


tos afetivos entre homens e mulheres, é muito comum ver casais
malhando ao mesmo tempo. É muito comum ver homens traindo
suas esposas no ambiente da academia. Lembro-me bem de ver
homens com alianças no dedo paquerando mulheres que vão para
a academia sozinha, vejo também os mesmos com aliança no dedo
dando em cima de outros homens. (Entrevista, 2017).

Observe-se que há um tom de censura no comentário da


Dama da Noite, talvez herança de uma educação normatizada pela mo-
ral judaico-cristã ou ainda resquícios de uma moral ajuizada sobre uma
disciplina doméstica exacerbada. Vaz (1999, p. 188), recorda que,

O cristianismo, para nossa memória de homens do final do sécu-


lo XX, resume a atitude de recusa: cabia ao homem descobrir-se
como mais do que seu corpo, descobrir-se como alma que deve
lutar contra os desejos para escapar da morte e conquistar a eter-
nidade bem-aventurada. Hoje, porém, o corpo começa a habitar o
campo de nossa liberdade.

Ao ouvirmos outro sujeito da pesquisa que trabalha na mes-


ma academia, percebemos que as relações afetivas dentro desse espa-
ço são bem assimiladas por muitas pessoas, e que os casos amorosos
geralmente não permanecem em sigilo. Entretanto, existe um código
de ética entre eles que evita que ali dentro ocorram conflitos. Já ocorre-
ram casos de os parceiros descobrirem traições e até escândalos foram
provocados, tudo resolvido com civilidade. Sobre escândalos Miosótis
(23 anos), revela que “os encontros flagrados geralmente são com os
parceiros praticando sexo oral. Este fato é comum acontecer nos ba-
nheiros e no estacionamento da academia”. (Entrevista 2017). Cancela
e Santos (2010, p. 131), chamam a atenção para o fato de que “refle-
xões ao dessencializar a noção de corpo nos ajudam a ir mais longe nas

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discussões sobre a relação entre corpo, práticas sexuais e identidades
sexuais”. Pode-se dizer que a prática do sexo oral nos dias atuais é
utilizada por parte de ambos os gêneros e por pessoas com diferentes
orientações sexuais. Nossa entrevistada segue seu relato nos seguintes
termos:

Conheço aqui também donos de empresas do segmento fitness, que


faz amizade com as alunas mais bonitas, adiciona elas em grupos
de redes sociais, compartilha fotos de nudez, e após isso marca en-
contros com as mesmas para concluir o ato, visto que sendo casado
com filhos e tudo mais não poderia estar fazendo isso. (Miosótis,
entrevista/2017).

O erotismo e o jogo de sedução apresentam-se muito forte


no âmbito das academias de ginástica e musculação. As relações afeti-
vas iniciadas nesse ambiente são frequentes, intensas e não duradouras.
Del Priore (2014, p. 175), assinala que a partir da década de 1960 “o
direito ao prazer tornou-se norma. E norma cada vez mais interioriza-
da. Apenas conformando-se a essa regra seria possível sentir-se feliz,
alegre e saudável”. Nos diversos relatos coletados percebemos que são
aventuras passageiras, não obstante, já terem ocorrido alguns casos de
uniões e casamentos. Há os flertes que duram alguns dias de sondagem
e outros em que o paquerador não espera para chegar junto ao objeto
de desejo. Esse tipo de abordagem ainda assusta alguns dos assediados.
Com relação aos assédios, Cravo (25 anos), revela o seguinte:

Estava malhando braços quando percebi um rapaz que me olhava


insistentemente. Da máquina de braços fui fazer exercícios de per-
nas, então o rapaz se aproximou e perguntou se podíamos alternar
a máquina o que é muito comum em academia, falei que não havia
problema. Me apresentei a ele e ele a mim e por alguns momentos
ficamos malhando em silencio. Fiquei com vontade de fazer xixi
e fui ao banheiro, qual não foi minha surpresa ao vê-lo entrar em
seguida. Fiz de conta que estava tudo normal, e continuei a fazer
xixi, ele ficou do meu lado fazendo xixi também. Então ele balan-
çou o pênis que já estava em ereção, então eu fui para dentro do
box, assim que entrei ele começou a empurrar a porta, aí eu gritei
– Porra! Será que eu não posso cagar sossegado nesse caralho?
Aí ele gritou: porra cara tu veio pra cá, eu pensei que tu estava
me chamando. Eu respondi: tu é doido porra! Ele pediu desculpas
disse que tinha me entendido errado e se retirou. Confesso que não
fiquei surpreso, isso é muito comum lá na academia. Você aceita
ou não (entrevista, 2017).

-30 -
Sabe-se que esse tipo de assédio é frequente tanto com ca-
sais heterossexuais quanto com homossexuais, não obstante alguns não
apreciarem esse tipo de abordagem, não há grandes conflitos quando
a investida não resulta em aprovação entre os pares. Hoje, vive-se a
sexualidade de forma mais libertária, as amarras da moralidade estão
aos poucos se desfazendo. “A humanidade sempre buscou formas de
regulamentar as condutas amorosas, conjugais e sexuais”. FURLANI
(2009, p. 178) nos diz que,

As concepções atuais daquilo tido como ‘certo’ ou ‘errado’ na se-


xualidade humana, dos relacionamentos afetivos e amorosos per-
mitidos e tidos como normais, as concepções acerca da noção de
masculino e feminino, da ideia de homem e mulher, entre outras,
são construções históricas e poderiam ter sido concebidas diferen-
temente em outros tempos. FURLANI (2009, p. 179).

A maior liberdade sexual veio contribuir para que as pes-


soas falem e exibam sua sexualidade com maior liberdade. Del Priore
(2014, p. 236), lembra que, “antes encerrada em espaços restritos e
secretos, onde se exercia o controle disciplinar e repressivo sobre a
sociedade, a sexualidade tornou-se pública. Hoje o sexo se ostenta.
Divulga-se o corpo e a alma, sem meios-termos. Vivemos numa socie-
dade narcisista e confessional”. Atos sexuais parecem ser frequentes
nas academias, a qual passa a ser um lugar de “pegação” e às vezes até
de promiscuidade. De acordo com Cravo,

Um dos lugares requisitados dentro da academia são os vestiários


onde tive oportunidade de presenciar homens alimentando seus
prazeres carnais no momento do banho com outro homem. Como
vejo também instrutores de academia, paquerando mulheres casa-
das. Onde a busca pelo corpo perfeito, as vezes são desvirtuados
para o uso do mesmo com fins promíscuos. (Entrevista 2017).

As relações sexuais fora do ambiente reservado para tal fim,


reserva aos seus praticantes a delícia da aventura e a adrenalina ativada
nos corpos no momento de ser surpreendido por olhos indiscretos. É
crescente o número de adeptos dessa forma de relacionamento sem
que isso seja considerado promiscuidade. Vaz (1999, p. 187), assinala
que “vários de nós experimentaram nos anos recentes uma imensa mu-
dança de valores. Estamos deixando de ser o que somos. Cabe, então,

- 31 -
comparar a sociedade contemporânea com a sociedade moderna para
estimar este deslocamento de nós mesmos”. “A questão em si, passa
pela necessária e vital separação da vivencia sexual com os aspectos da
ordem moral”. (FURLANI, 2009, p. 174).
Não são só o sexo e encontros casuais que movem as acade-
mias de ginástica. Existem também os usuários que estão preocupados
com a manutenção da saúde através da prática saudável da atividade
física. As relações construídas nesse espaço não são somente casuais
e inconsequentes, trata-se de mais um espaço de estabelecimento de
encontros e relações interpessoais que podem redundar em amor ro-
mântico. Conforme Del Priore (2013, p. 106),
Tudo indica que o século XXI será um laboratório amoroso. O de-
safio será fazer o amor durar e, com ele, o desejo. As experiências
poli amorosas revelam que somos capazes de amar mais do que
uma pessoa ao longo da vida. A vida privada vai tomando espa-
ço à vida pública e nos ensinando a cultivar sensibilidades novas.
E, na fragilidade do efêmero, somos convidados a elaborar novas
respostas.

No templo de culto ao corpo outras relações são formali-


zadas: amizades são construídas, negócios são planejados, a política
é discutida, conselhos são dados, trocas de informações disponibili-
zadas e tristezas percebidas. Alguns usuários procuram esse espaço
como forma de fugir da depressão. A convivência com outras pessoas
mesmo que forçada e a prática da atividade física contribui para que
alguns indivíduos que estejam passando por um período de atribula-
ções encontrem nesse convívio uma motivação para saírem do estado
de marasmo a qual se encontram, mesmo que aparentemente. Perniola
(2000, p.146) sinaliza que “a pura aparência, ela designa precisamente
o velho conceito metafísico segundo o qual a aparências oculta o ser e
este nunca pode nem sequer aparecer”.
Geralmente nas grandes academias, os encontros para “bate
papos” com a intenção de colocar a conversa em dia se dão na lancho-
nete. O excesso de informações é típico da sociedade atual globaliza-
da que se mistura com a irreverência dos espaços informais. Freitas
(1999, p. 145), reitera que “o corpo diz, por si só, uma série de coisas,
inclusive algumas que as pessoas nem sempre estão podendo dizer.
O corpo é um instrumento de comunicação; ele é uma das máquinas
informacionais de consumo e lazer no cotidiano urbano”.

-32 -
Nos espaços não formais as relações de amizade ou amoro-
sas são comumente sinalizadas. O corpo é o veículo da primeira co-
municação entre os pares, é por ele e com ele, que essas relações são
efetivadas. O corpo é o veículo pelo qual a relação do sujeito com o
mundo se estabelece. “Herdamos e construímos, a cada dia, um meio
sociocultural que vigia a sexualidade alheia na tentativa de coagir as
ações individuais e enquadrá-las nos modelos hegemônicos e permiti-
dos, inventando inúmeras representações sexuais através de diversos
discursos”. (FURLANI, 2009, p. 178).
A academia de ginástica é um espaço público onde a diver-
sidade de pessoas se relaciona de forma pacífica. Nesse ambiente de-
mocrático há a liberdade para a integração dos diversos tipos de indi-
víduos que convivem em irmandade de forma que comportam, no seu
meio, as diferentes orientações sexuais sem que haja conflitos de qual-
quer espécie. É um lugar onde respira-se sensualidade, sexualidade e
erotismo exalado por corpos que são veículos de desejos e paixões.

Considerações Finais
Desde o século XVII, época em que os primeiros viajantes
chegaram a Amazônia, as mulheres dessa região são estereotipadas
como pessoas de sangue quente e lascivas sexuais. Torres (2008, p.171)
considera que, “tanto o determinismo geográfico do clima quente que
tornava as pessoas preguiçosas e lascivas sexuais, quanto o infernis-
mo das doenças tropicais e mesmo o edenismo que concebeu a Ama-
zônia como o jardim das delícias, colocou os indivíduos amazônicos
em suspensão, desarticulado do contexto histórico que o formou”. Ao
encontrar mulheres que andavam despidas, os viajantes não entende-
ram que a nudez do indígena é um elemento constitutivo cultural do
modo de ser e estar no mundo. Complementamos a fala da autora ao
inserir que, na época atual, ainda estão presentes olhares atravessados
e moralistas que condenam a forma como a mulher nortista se traja e
comporta-se no âmbito do público. Em relato, Tulipa revela que,

Como sou da dança e da Educação Física, uso muito shortinho


curto, camiseta e top. Meu corpo fica sempre à mostra. Ando de
ônibus pra cima e pra baixo. Passo o dia todo com o uniforme da
loja e quando saio de lá, já saio de shorts e camiseta. É só botar
o pé na rua que a coisa começa: são assobios, gritos de gostosa,

- 33 -
boazuda, aquele nome horroroso que eu odeio, convite para dar
“uma” e outras putarias que a senhora já sabe. Em Manaus, tem
muito homem mal-educado, parece que nunca viu mulher (Tulipa,
entrevista/2017).

Reconhecer que as mulheres amazônicas trazem no seu cor-


po uma gama de intenções vistas pelo viés do preconceito e das más
intenções que buscam denegrir a imagem do seu corpo estigmatizando-
-o como objeto à disposição do homem é uma falácia iniciada nos pri-
mórdios da colonização cujos respingos são sentidos até os dias atuais.
Na academia de ginástica, as relações entre instrutores e fre-
quentadores são de amizade, desde que se respeite o “eu pago, você me
serve”. Casos amorosos e sexuais entre clientes e clientes, instrutores
e clientes, proprietários e clientes, instrutores e proprietários é comum,
sem que isso seja considerado promiscuidade ou falta de moralidade,
são pessoas que dão importância a sua sexualidade e a sua libido.
Nas academias o clima entre os frequentadores é de corte-
sia e amabilidade. Laços de amizade e amorosos são construídos com
certa facilidade, assim como podem gerar conflitos sem grandes con-
sequências. Entendemos que na diversidade de corpos, cujo objetivo é
a perfeição das linhas anatômicas, a inveja também se mostra presente,
desencadeando naqueles menos favorecidos pela estética, baixa estima
e depressão.
A corpolatria é um fator contribuinte para algumas dissen-
ções em tal ambiente, cujo frequentantes geralmente são turbinados
pelo uso das drogas anabólicas. Observamos a vaidade e o orgulho
com o qual algumas mulheres expõem seus corpos sarados, suados,
bronzeados, enquanto que outras procuram timidamente esconder a
obesidade aparente. Os olhares que os homens lançam às mulheres
com abundância de seios e glúteos é de pura cobiça. A academia de
ginástica e dança, lócus da presente pesquisa, é um local democrático,
desde que se respeite o lugar do outro e todos mantenham uma aparen-
te simpatia.

Referências
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Trad. Maria Helena
Kuhner. 10ª Ed. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro/RJ: 2011.

-34 -
CANCELA, Cristina Danza e SANTOS, Elayne de Nazaré Almeida
dos. Sexualidades, parcerias, trajetórias: relações homo-afetivas
em Belém. In: Dossiê Sexualidade e gênero: reflexões teóricas e empí-
ricas. Ed. Letras e Margens, 2010.
COURTINE, Jean-Jacques. Decifrar o corpo, pensar com Foucault.
Trad. Francisco Morás. Petrópolis/RJ: Vozes, 2013.
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-36 -
ASPECTOS FISIOLÓGICOS E
CINEMÁTICOS DE CADEIRANTES
BASQUETEBOLISTAS DE MANAUS
DURANTE UM TESTE INCREMENTAL
Lucas de Souza Nascimento1
Karla de Jesus2

Resumo: O Basquetebol em Cadeira de Rodas (BCR) é um esporte praticado por


pessoas com deficiência física permanente nos membros inferiores causadas pela
poliomelite, má formação congênita ou lesão medular, apresentando um sistema
de classificação funcional que permite a inclusão de vários níveis de lesão, fator
esse, que depende da realização de avaliações e análises fisiológicas e cinemáticas.
O estudo tem como objetivo analisar o perfil fisiológico e cinemático de jogadores
de basquetebol em cadeira de rodas durante o teste físico intermitente incremental.
A amostra foi composta por 10 jogadores do sexo masculino com idades (37.44
± 7.32) que realizou o teste de campo incremental “YoYo”– IR1. Pico do Consu-
mo de Oxigênio (VO2pico), limiares ventilatórios (LV1 e LV2), flexão do cotovelo,
rotação interna e externa do ombro e flexão e extensão do tronco durante o ciclo
propulsivo foram mensurados. Foi verificada a normalidade dos dados utilizando o
teste de Shapiro-Wilk (P<0.05). Observou-se correlação moderada entre as mensu-
rações de VO2pico, LV1 e LV2 (r=0.674, 0.62 e 0.67; P≤0.01). Houve alterações cine-
máticas na flexão do cotovelo, rotação interna do ombro e flexão do tronco, assim
como houve compensação de movimento nas variáveis angulares. Conclui-se que
o monitoramento de variáveis fisiológicas e cinemáticas durante testes tradicionais
do treinamento de basquetebolistas em cadeira de rodas deve ser prática sistemáti-
ca nas equipes da cidade de Manaus para melhor desempenho.
Palavras-Chave: Fisiologia, Cinemática, Cadeirantes, Basquetebol.

Introdução
O basquetebol em cadeira de rodas é um esporte praticado
por pessoas com deficiência física permanente nos membros inferiores
causadas pela poliomelite, má formação congênita ou lesão medular
(GOOSEY-TOLFREY, 2005). Para minimizar a desigualdade entre os
jogadores durante os jogos é realizada uma subdivisão denominada
sistema de classificação funcional, o qual cada jogador de acordo com
movimentos e habilidades com pontuação variante de 1.0 a 4.5 entre os
1 Mestrando do Programa Saúde, Sociedade e Endemias da Amazônia da Universidade Fe-
deral do Amazonas-UFAM.
2 Professora da Universidade Federal do Amazonas-UFAM. Doutora em Ciências do Des-
porto pela Universidade do Porto, Portugal.

- 37 -
participantes, possibilitando a inclusão de vários níveis de deficiências
(MOLIK et al., 2017).
A quantidade de atletas praticantes de uma modalidade espe-
cífica em cadeira de rodas é usualmente pequena e heterogênea, devido
à diversidade das patologias (GOOSEY-TOLFREY, 2005), havendo
correlação entre as classes funcionais com as condições fisiológicas.
De fato, quanto mais baixa a classe funcional, menores são os valores
de consumo de oxigênio pico (VO2pico; BERNARDI et al., 2010).
A otimização do desempenho de atletas cadeirantes advém
da perspectiva ergonômica. Através de estudos cinemáticos, pode-se
analisar o atleta cadeirante para obter um melhor desempenho no es-
porte (COOPER et al., 2002; NUNOME et al., 2002). Alterações ci-
nemáticas lineares e angulares do ciclo propulsivo da cadeira de rodas
ao decorrer de um teste de campo incremental podem ser identifica-
das, as quais estão podem influenciar a eficiência do atleta cadeirante
(CHOW; LEVY, 2010; COOPER et al., 2002).
Em praticantes de basquetebol em cadeira de rodas, a prá-
tica de métodos exaustivos de treinamento físico tende a proporcio-
nar compensações e alterações biomecânicas durante a execução de
movimentos, desta forma, faz-se necessária a análise de parâmetros
confiáveis para a prescrição adequada do treinamento, os quais devem
ser relacionados com a classificação funcional.
O presente artigo propõe: analisar o perfil fisiológico e ci-
nemático angular de cadeirantes basquetebolistas do time “Basquete
sobre rodas” de Manaus durante o teste intermitente incremental “Yo-
-Yo”. Foi hipotetizado que o VO2 pico dos jogadores estaria correlacio-
nado diretamente com a classe funcional dos jogadores, bem como
alterações cinemáticas angulares seriam observadas na intensidade
severa de esforço durante o teste de “Yo-Yo”.

Materiais e Métodos
Foram selecionados 10 jogadores de basquetebol em cadeira
de rodas com mais de 03 anos de treinamento, acometidos com de-
ficiência física, adquirida ou congênita, podendo ser lesão medular,
paraplegia, poliomielite, mielomeningocele, paralisia cerebral (Tabela
1). Todos participantes do time “Basquete sobre rodas”, que ocorre no

-38 -
conjunto Viver Melhor da cidade de Manaus, caracterizando uma pes-
quisa não probabilística intencional.

Tabela 1 – Perfil demográfico e clínico dos 10 basquetebolistas parti-


cipantes da pesquisaFonte: Os autores (2020).

O teste intermitente “YoYo” consiste em uma corrida de 20


m entre a linha de partida, virada e chegada, a uma velocidade pro-
gressivamente incremental controlada por sinais via “beep” através de
um aplicativo chamado “YoYo Test”. Entre cada estágio do teste, os
participantes têm um tempo de recuperação ativa de 10 s, consistin-
do em 2 x 5 m de corrida. O teste pode ser executado em dois níveis
distintos, com velocidades diferentes (níveis 1 e 2). Quando os partici-
pantes não conseguiram chegar à linha de partida a tempo, ou quando
alcançarem a exaustão volitiva, a distância percorrida foi registrada e
representou o resultado do teste (KRUSTRUP et al., 2003).
O teste foi realizado em quadra coberta, com cones, com
largura de 4 m e comprimento de 10 m. Um cone colocado a 5 m atrás

- 39 -
da linha de chegada registrou a distância percorrida durante o período
de recuperação ativa. Antes do teste, todos os participantes realizaram
um aquecimento que consistia nas quatro primeiras sessões de corrida
do teste. A duração total do teste foi de 3 a 20 min. Todos os sujeitos
foram familiarizados com o teste por pelo menos um pré-teste (duas
sessões de corrida a 10 km • h-1).
Os dados de consumo de oxigênio (VO2), a produção de gás
carbônico (VCO2) e a ventilação pulmonar (VE), foram obtidos ao de-
correr do teste incremental por meio do analisador de gases metabóli-
cos VO-2000 (Medical Graphics, IMBRAMED, Porto Alegre, Brasil),
o qual a medida de amostragem será a cada três respirações.
O VO2pico foi determinado como a maior absorção de consu-
mo de oxigênio alcançado durante o exercício até a exaustão voluntária
em litros por minuto expresso em condições normais de temperatura
e pressão (SILVA; TORRES, 2002). O limiar ventilatório 1 (LV1) foi
identificada no ponto a partir do qual, a relação VE/VO2 aumenta-
va continuamente, acompanhada por um aumento na fração expirada
de oxigênio (FeO2) (SILVA; TORRES, 2002). O limiar ventilatório 2
(LV2) foi identificado para cada atleta usando o método da inclinação
em “V”, maior aumento na produção de dióxido de carbono em relação
ao consumo de oxigênio (BERNARDI et al., 2010).
A análise cinemática ocorreu a cada final estágio do teste até
a exaustão volitiva do cadeirante através do marcador tridimensional,
denominado de Central Inercial (Functional Assessment of Biome-
chanics System – FAB; Biosyn Systems INC., Canadá). Os sensores
eletrônicos foram postos nos segmentos do cadeirante para definição
dos ângulos do tronco, ombro e cotovelo (cf. PÉREZ et al., 2010): ca-
beça-occipital; tronco-torácica (T10 a T11); pélvis: lombar L5 e Sacro
S1; braços direito e esquerdo-parte lateral do bíceps acima do cotove-
lo; antebraços direito e esquerdo-lado dorsal do punho logo acima do
processo estilóide da ulna.
Pelo teste da normalidade verificou-se que o VO2pico, LV1,
LV2 apresentaram distribuição normal, sendo o oposto observado para
o ângulo do tronco, ombro e cotovelo. Foi realizada a correlação de
Pearson entre o VO2pico e a classificação funcional. Para comparações
dos ângulos de tronco, ombro e cotovelo entre LV1* LV2*VO2pico foi
realizado o teste de Friedman’s 2-way ANOVA, assim como effect size

-40 -
utilizando o Kendall’s W (efeito pequeno = 0.1 a 0.2; efeito médio =
0.3 a 0.4; efeito largo acima de 0.5; BATTERHAM; HOPKINS, 2006).

Resultados
Houve diferença entre as variáveis fisiológicas LV1 e LV2,
VO2pico entre as intensidades moderada e severa de esforço. No presen-
te estudo, cada jogador atingiu o LV2 na porcentagem de VO2pico, faixa
entre 54.69% e 94.85% durante o teste incremental (Tabela 2).
Tabela 2. Média ± desvio padrão de limiar ventilatório (LV1
e LV2), consumo de O2 pico (VO2pico), comparação entre momentos (va-
lor de P) e tamanho do efeito.

LV1/LV2/VO2pico
Momento P
(ml.kg-1.min-1)
<
1a 14.81 ± 3.72
0.001b
<
2b 20.69 ± 5.62
0.001c
<
3c 29.18 ± 6.10
0.001a

Effect Size 0.86

Verificou-se a correlação direta dos dados fisiológicos e a


classificação funcional (Tabela 3).

Tabela 3 - Coeficiente de correlação entre classificação fun-


cional e variáveis fisiológicas (VO2pico, LV1 e LV2).

VO2pico
P LV1 LV2
(ml.kg.min-1)
Classificação
< 0.05 0.674 0.620 0.672
Funcional

Nas variáveis cinemáticas angulares houve redução do ângu-


lo de flexão do cotovelo direito entre os momentos LV1 e LV2 (67.34º

- 41 -
± 8.77, 64.01º ± 10.32; P<0.05; W = 0.3), rotação interna do ombro di-
reito entre LV1 e LV2 (15.64º ± 2.61, 15.39º ± 3.32; P<0.01; W = 0.40),
LV1 e VO2pico (15.60º ± 2.80; P<0.01; W = 0.40), flexão do tronco entre
LV1 e LV2 (17.10º ± 3.72, 20.86º ± 5.50; P<0.01; W= 0.21).

Discussão
O presente estudo analisou o perfil fisiológico e cinemático
de cadeirantes praticantes de basquetebol durante o teste intermitente
incremental Yo-Yo. Os principais resultados indicaram: (i) correlação
direta e moderada entre o VO2pico e a classe funcional, (ii) redução do
ângulo de flexão do cotovelo direito entre os momentos LV1 e LV2, (iii)
rotação interna do ombro direito entre LV1 e LV2, LV1 e VO2pico, e (iii)
flexão do tronco entre LV1 e LV2 .
Os valores médios do VO2pico (29.13 ± 6.51 ml.kg-1.min-1)
conferem com pesquisas de populações cadeirantes treinadas, os quais
atingiram um VO2pico de (30.8 ± 6.1; 30.65 ± 6.05 ml.kg-1.min-1) em pro-
tocolos incrementais (DE LIRA et al., 2010; SKUCAS; POKVYTY-
TE, 2017). O exercício que recruta uma massa muscular relativamente
pequena (e.g. propulsão em cadeira de rodas) produz menor VO2pico
do que o exercício dinâmico de corpo inteiro (e.g. corrida; GOOSEY-
-TOLFREY et al., 2008). Adicionalmente, a habilidade dos atletas
cadeirantes é influenciada pela aptidão cardiorrespiratória, aptidão
anaeróbia e coordenação dos membros superiores. Quanto mais alto o
nível de lesão, mais comprometido torna-se o valor do VO2pico (GOO-
SEY-TOLFREY et al., 2008; 2010).
A prescrição de treinamento para cadeirantes basquete-
bolistas deve incluir exercícios para melhorar a potência aeróbica e
anaeróbica, conforme as demandas do basquete em cadeira de rodas
sem sofrer fadiga rapidamente (BLOXHAM et al., 2001), uma vez
que 22% de tempo de um jogador durante um jogo é gasto realizando
intensidades acima do limiar ventilatório, e 48% descansando (GOO-
SEY-TOLFREY et al., 2013). As zonas de intensidade de esforço no
treinamento devem considerar a correlação direta e moderada entre o
VO2pico e a classificação funcional maior a classe funcional, maior o
tecido muscular magro envolvido no exercício (VANLANDEWIJCK
et al., 2004; DE LIRA et al., 2010).

-42 -
A variação do ângulo do tronco ocorre pelo fato que para
permanecer no teste intermitente incremental, a cinemática da pro-
pulsão da cadeira de rodas varia conforme o aumento da intensidade
solicitada até o atleta se adaptar com as diferentes intensidades (GAG-
NON, et al., 2015). Desta forma, os achados confirmam com o estudo
de Gagnon et al. (2015), o qual afirma que no geral, os atletas apresen-
tam alterações cinemáticas ao decorrer do teste incremental, para se
adaptarem as diferenças de intensidade. É possível que o aumento das
diferenças da flexão do cotovelo e da rotação interna do ombro foram
necessárias para acomodar a flexão do tronco com a finalidade de pre-
servar a eficiência mecânica.

Considerações Finais
Atletas do para desporto apresentam diferentes respostas
durante uma avaliação física, devido a fatores determinantes como de-
ficiência/patologia, nível de lesão, classificação funcional e histórico
de lesões articulares, os quais interferem na execução de um teste de
campo. Posto isso, nossos resultados podem contribuir para a carac-
terização destas influências durante o teste incremental tradicional de
campo “Yo-Yo” em basquetebolistas em cadeira de rodas. Sugere-se
que investigações futuras considerem o efeito do posicionamento no
jogo no comportamento das variáveis fisiológicas e cinemáticas, e da
lateralidade e assimetrias no desempenho do teste.

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- 45 -
-46 -
GINÁSTICA RÍTMICA NO AMAZONAS:
memórias de alguns atores desse processo
histórico
Lionela da Silva Corrêa1
Leila Márcia De Azevedo Nunes2
Artemis de Araújo Soares3

RESUMO:A Ginástica Rítmica (GR) é uma modalidade esportiva que se constitui


da combinação de elementos corporais, manuseio de aparelhos e ritmo. Originou-
-se no início do século XX, na Europa central, sendo difundida a vários outros
países no decorrer dos tempos. Chegou ao Brasil na década de 1950 e no Ama-
zonas na década de 1970. Este estudo tem como objetivo evidenciar e comentar a
história da Ginástica Rítmica no Amazonas a partir das memórias dos seus autores.
Caracteriza-se como pesquisa sócio-histórica com abordagem qualitativa, tendo
como participantes sete sujeitos que fizeram parte das primeiras manifestações de
Ginástica Rítmica no Amazonas. Para coleta de dados, utilizou-se a entrevista se-
miestruturada com base em Triviños (1987). Percebemos a partir dos resultados
que o esporte se iniciou no Amazonas como esporte educacional, mas que foi mi-
grando para esporte de competição no decorrer dos tempos. Atualmente a GR já
está consolidada no Estado, possuindo um centro de treinamento próprio para a
modalidade. Acreditamos que socializar a história é fundamental para a divulgação
do esporte e subsidiar estudos científicos e acadêmicos com informações pouco
conhecidas sobre essa modalidade esportiva de grande caráter plástico.
Palavras- chaves: História; ginástica; pesquisa qualitativa.

Introdução
A ginástica rítmica (GR) é uma modalidade esportiva que
envolve estética, técnica e expressão. De acordo com Soares e Barros
(2012), exige de seus praticantes variadas qualidades, capacidades e
1 Doutoranda do programa de Pós-Graduação em Educação Física e Esporte da Universi-
dade de São Paulo, EEFE/USP. Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do
Amazonas – Ufam. Professora Adjunto I da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da
UFAM, Manaus, Brasil, lionela@usp.br, lionela@UFAM.edu.br
2 Graduada em Educação Física pela Universidade Federal do Amazonas (2016).Especia-
lização em ginástica rítmica pela instituição UNOPAR-Universidade do norte do Paraná;
Experiência com dança para deficientes físicos; ; Experiência como professora de ginástica
rítmica e Educação física escolar. Dedica-se ao estudos da ginástica rítmica tanto no âmbito
escolar quanto no competitivo. Coreógrafa e dançarina de dança folclórica árabe; Colabora-
dora do programa de dança, artes circenses e ginástica (PRODAGIN/UFAM).
3 Doutora em Ciências do Desporto pela Universidade do Porto, Professora Titular da Fa-
culdade de Educação Física e Fisioterapia da UFAM, Manaus, Brasil, membro da Academia
Amazonense de Letras e da Academia Brasileira de Educação Física. artemissoares@ufam.
edu.br

- 47 -
originalidade. Para Boaventura (2016), a GR é uma modalidade des-
portiva que incorpora a arte do movimento expressivo do corpo, com
a utilização de aparelhos portáteis (corda, arco, bola, maças e fitas) e a
interpretação musical, no que se supõe formar uma síntese harmoniosa
de elementos corporais técnicos e estéticos.
Praticada a nível olímpico por mulheres, teve sua origem
pautada em pelo menos quatro correntes: dança, arte cênica, música e
pedagogia (GAIO, 2007). Originou-se na ginástica moderna, no início
do século XX, na Europa Central, fundamentada na teoria do movi-
mento natural do corpo do filósofo Jean-Jaques Rousseau e nas grandes
contribuições do século XIX, advindas da evolução do conhecimento
sobre o movimento como arte de expressão natural do homem total
com base nos estudos pedagógicos de Johan Heinrich Pestalozzi; da
arte e expressão de François Delsarte e Geneviève Stebbins; do ritmo
de Emile Jaques-Dalcroze, Rudolf Bode, Heinrich Medau e da dança
de Isadora Ducan, Rudolf Laban e Mary Wigman (ALONSO, 2011).
Dentre as precursoras da GR no Brasil, podemos destacar a
professora austríaca Margareth Fröhlich, que trouxe essa nova moda-
lidade, apresentando-a no III e IV Curso de Aperfeiçoamento Técnico
e Pedagógico, de 1953 e 1954, promovido e realizado pelo Departa-
mento de Esportes do Estado de São Paulo, e Erica Saur, da Escola
Nacional de Educação Física e Desportos da Universidade do Brasil,
atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a qual se tornou
uma estudiosa do assunto e fomentou a ginástica moderna no âmbito
dos cursos de graduação de professores de Educação Física (PORPI-
NO, 2007).
Também podemos destacar Ilona Peuker, que foi uma das
responsáveis pela divulgação da Ginástica Rítmica no Brasil. Criou
uma escola própria de movimento e implantou-a em todo o território
nacional, ministrando vários cursos dirigidos a ginastas, a profissionais
de educação e de educação física.
No Amazonas, a modalidade tem sido incentivada nos últi-
mos anos, despertando o interesse em novas praticantes e profissionais,
tanto técnicos como árbitros da modalidade. No entanto, esse tema
nunca foi explorado em pesquisas acadêmicas, o que, no nosso enten-
der, é um imenso prejuízo, visto que envolve uma grande história, pois
descreve a vida de pessoas que passaram por esse esporte na região e
deixaram suas marcas.

-48 -
Registrar essa história é algo fundamental, para que os fatos
não se percam e nomes sejam lembrados no decorrer dos tempos e, as-
sim, as novas gerações possam conhecer os colaboradores da modali-
dade no Amazonas e dar continuidade na história da Ginástica Rítmica,
que vem tomando diversos rumos, ganhando espaço e conquistando
cada vez mais adeptos. Assim, o objetivo desse estudo é relatar a histó-
ria da ginástica rítmica no Amazonas a partir das memórias de alguns
atores.

Procedimentos metodológicos
Este estudo teve uma abordagem qualitativa e caracteriza-se
como pesquisa sócio-histórica, que, de acordo com Liberali (2008),
lidam com eventos que já tenham ocorrido, focalizando-se neles, nas
organizações, nas instituições e nas pessoas.
O método de investigação foi a história oral, a qual, segundo
Cappelle, Borges e Miranda (2010), é um método que se embasa na
realização de entrevistas com pessoas que presenciaram ou testemu-
nharam acontecimentos ou circunstâncias, como forma de se aproxi-
mar do objeto de estudo. É um meio privilegiado por recuperar me-
mórias e resgatar experiências de histórias vividas, trabalhando com o
testemunho oral de indivíduos ligados por traços comuns.
Também foi realizado uma análise documental a partir dos
acervos dos sujeitos da pesquisa, a fim de oferecer um panorama mais
claro e coerente da história contada.
Os atores da pesquisa foram sete pessoas que fizeram par-
te das primeiras manifestações de Ginástica Rítmica no Amazonas: o
primeiro presidente da Federação Amazonense de Ginástica, cinco ex-
-atletas de Ginástica Rítmica e uma ex-técnica.
O instrumento da pesquisa foi a entrevista semiestruturada,
aplicada aos sujeitos, a fim de relatar o histórico da GR no Amazonas
por meio da história oral. Para Triviños (1987, p. 146), a entrevista
semiestruturada tem como característica questionamentos básicos que
são apoiados em teorias e hipóteses que se relacionam ao tema da pes-
quisa. As entrevistas foram gravadas e transcritas a fim de não perder-
mos nenhuma informação dos sujeitos.
A análise dos dados foi realizada por meio da análise de Nar-
rativas, por apresentar-se como ótimo meio para examinar o discurso

- 49 -
gerado em diferentes contextos, como em interações cotidianas, insti-
tucionais, em entrevistas de pesquisa e em grupos focais (BASTOS;
BIAR, 2015). Obedeceu a seguinte estrutura:
» Sumário: resumo inicial, no qual se apresenta o assunto
em questão;
» Orientação: identificação de personagens, narração do
tempo, lugar e atividades, enfim, todos os elementos neces-
sários para que se tenha uma sequência de eventos (NUNES
et al., 2017);
» Ação Complicadora: o narrador deixa de contextualizar e
começa a contar o que aconteceu. Este momento é entendido
como o elemento fundamental para a caracterização de um
discurso narrativo (BASTOS; BIAR, 2015);
» Avaliação: enfatiza a relevância de algumas partes da nar-
rativa em comparação com as outras. Pode acontecer de pelo
menos duas maneiras: a) na avaliação externa, o narrador
suspende o fluxo narrativo como uma pausa para observar o
seu ponto; b) na avaliação encaixada não há interrupção do
fluxo dos eventos narrados, o narrador, por meio de recur-
sos expressivos, coloca dramaticidade ao relato, indiciando
o sentido como os acontecimentos devem ser entendidos
(BASTOS; BIAR, 2015);
» Resultado: revelação do desfecho da Ação Complicadora;
» Coda: sentença final que retorna a narrativa ao tempo
presente da interlocução. (LABOV, 1997).

A história da ginástica rítmica no Amazonas


A partir das entrevistas, foi possível registrar alguns fatos
históricos da GR no Amazonas com base no relato de alguns autores.
A Federação Amazonense de Ginástica (FAG) foi fundada
no dia 7 de outubro de 1978. Fizeram parte deste momento histórico
os clubes que funcionavam na época e seus respectivos representantes:
América Futebol Clube, Lucicléia Queirós Cristino; Bancrévea Clube,
Ártemis de Araújo Soares; Grêmio Guanabara, Odi de Jesus Mendes
(FAG, S/D).
Segundo a Federação, também fizeram parte Thales Freire
de Verçosa, Hermes Zanandréa, Arnaldo Santos de Andrade, Namir

-50 -
Dantas Pio e as ginastas pertencentes à Seleção Estudantil de Ginástica
Rítmica do Amazonas.
O primeiro presidente eleito da FAG foi o professor Thales
Freire de Verçosa. Assim que tomou posse, o presidente eleito deu por
fundada a Federação Amazonense de Ginástica do Amazonas.
Segundo o Professor Thales Verçosa, hoje professor da Uni-
versidade Federal do Amazonas – UFAM e presidente do Rio Negro
Clube em Manaus, a Ginástica Rítmica no Amazonas começou na dé-
cada de 1970, com a iniciativa da professora doutora Artemis de Araú-
jo Soares, que, na época, era professora do Instituto de Educação do
Amazonas – IEA. Juntamente com um grupo de outras professoras,
dentre elas, a professora Teresa Torres, começaram a treinar um grupo
de alunas do IEA. Além disso, por meio de cursos ministrados com o
apoio da professora Daisy Barros, a GR começou a crescer na cidade.

Foi formado no IEA o primeiro grupo de alunas e a professora


começou a treinar. A partir disso, em razão de apresentações, ou-
tras escolas começaram a desenvolver também. Outro fator que
ajudou na divulgação da modalidade na nossa região foi os cursos
que a professora Artemis e outras professoras ministravam, com o
apoio, também, da professora Daisy Barros, que ajudou muito o
desenvolvimento aqui no Amazonas. Elas contribuíram para que o
Amazonas tivesse um esplendor na GRD (Thales Verçosa).

A professora doutora Carmen da Silvia Martini, atualmente


professora da Ufam, fez parte da primeira equipe de ginástica rítmica
do Amazonas. Segundo ela, os treinos eram realizados na própria esco-
la (IEA), no contraturno das aulas, pelas professoras Artemis Soares e
mais duas professoras: Waldeciria Melo e Fátima Motta, esta última de
atletismo. Posteriormente, os treinos passaram a ser realizados no Ideal
Clube, quando novas participantes aderiam ao grupo.

Eu fazia o sexto ano, sexta série na época, e sempre tive vontade


de fazer dança, foi quando eu ouvi falar que iria começar o grupo
de Ginástica Rítmica no IEA, eu tinha, na época, 13 anos de idade.
Eu comecei a praticar tarde a modalidade. Descobri que as profes-
soras, na época, que trabalhavam juntas eram a professora Artemis,
com o apoio da professora Valdecíria, e a professora Fátima, que
era professora de atletismo. Tínhamos uma única série, chamada
Manjadinha, que era com coco, a coreografia na ginástica era feita
com coco partido ao meio, uma parte em cada mão. Um dia ti-
vemos que sair do IEA, e a professora Artemis levou a Ginástica

- 51 -
Rítmica para o Ideal Clube, quando houve a renovação do grupo,
tendo em vista que muitas alunas deixaram o grupo, dessa forma
novas alunas começaram a participar como a Jeanne, Lane, Beth, a
Beth já veio um pouquinho mais tarde (Carmem da Silva Martini).

O grupo de ginástica do IEA começou de forma empírica. A


maioria das alunas que iniciou a prática dessa nova modalidade estava
em uma idade avançada, quando comparadas com as idades das atle-
tas que começam hoje em dia, com manejo de diferentes aparelhos e
atividades corporais. No entanto, quando a equipe passou a participar
de competições houve a necessidade de criar a Federação Amazonense
de Ginástica.

Houve a necessidade, para que nós pudéssemos participar de com-


petições nacionais, da criação da Federação Amazonense de Gi-
nástica, e aí nós reunimos alguns professores na casa da professora
Artemis, e regado a um bobó de camarão, nós fundamos a Fede-
ração de Ginástica. De lá para cá a Federação só se desenvolveu
(...) a professora Artemis não poderia ser a presidente, pois era a
treinadora, então, eu me dispus a ser o presidente e organizar a Fe-
deração porque nós já tínhamos fundado outras federações (Thales
Verçosa).

Também fez parte da primeira equipe de ginástica a ex-atleta


Ruth Alencar, hoje professora da Ufam. Segundo ela, em 1973, um
grupo de oito meninas participaram dos Jogos Estudantis Brasileiro,
em Brasília, dentre elas: Jeanne Abreu, Carmem Silvia Azevedo da
Silva, Alane Braga, Elizabeth Braga, Elaine Rabelo, Zuleide Socorro
e Leila Alencar. A ex-atleta, assim como o professor Thales Verçosa,
também enalteceu a contribuição da professora Artemis Soares para a
difusão da modalidade no Amazonas.

Éramos oito meninas, na faixa etária entre 14 e 17 anos. Eu


estava com 16 anos, isso em 1973, quando o Amazonas se fez
representar pela primeira vez em Brasília nos Jogos Estudantis
Brasileiros. A coreografia dessa época exigia oito meninas com
uma apresentação no aparelho corda. A nossa querida técnica
e criadora, incentivadora que fez os contatos com todas nós, é
a Artemis Soares que até hoje é uma das mais renomadas, é um
baluarte na ginástica no Amazonas (Ruth Alencar).

-52 -
A GR teve uma expansão no Amazonas graças à colaboração de
muitas pessoas, mas principalmente com o trabalho da professo-
ra Artemis, que capitaneou outras professoras do IEA e de outros
lugares. Podemos citar também a professora Jane Chaves, que foi
da primeira equipe que deu continuidade ao trabalho no Colégio
Auxiliadora, onde eu era o coordenador de Educação Física. E ti-
vemos sempre no nível escolar excelentes competições. Não po-
demos esquecer o Eduardo Monteiro de Paula, o Dudu, que por
muitos anos foi o apresentador das provas (Thales Verçosa).

A princípio, apenas o Instituto de Educação do Amazonas –


IEA possuía equipe de Ginástica Rítmica. Depois, com a transferência
de algumas alunas para o colégio Auxiliadora, em Manaus, essa escola
também passou a ter a modalidade, assim como em outras. A partir de
então, a Ginástica Rítmica passou a ter mais força nas competições
estudantis do Estado.
Na década de 1970, nos primeiros Jogos Estudantis do Ama-
zonas, destacaram-se as atletas do IEA, que foram campeãs em con-
junto durante 7 anos seguidos de competições. A professora Carmen
Silvia, aqui entrevistada, chegou a ser campeã no aparelho corda indi-
vidual em Manaus.
Nos Jogos Estudantis Brasileiros, em Brasília, 1973, a equi-
pe amazonense ficou em 5.º lugar. Em Porto Alegre, 1976, ficou em
segundo lugar no conjunto geral, o primeiro lugar ficou com a equipe
do Rio de Janeiro, de acordo com as professoras Carmem Silvia e Ruth
Alencar:

Em 1976 nós fomos vice-campeãs brasileiras (Carmem da Silvia


Martini).

Nos jogos de 1973, competindo com 22 Estados, nós ficamos em


5.º lugar, perdendo para as já consolidadas, com anos de treina-
mento, como Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Pernam-
buco, mesmo sendo estreantes, com apenas 5 meses de treino.
Treinos intensivos, virávamos a noite, no IEA, num salão com a
técnica Artemis (Ruth Alencar).

Na década de 1980, a GR no Amazonas continuou crescen-


do, com a segunda geração de ginastas, como aponta a ex-atleta Ana
Paula Castelo Branco. Esse grupo foi formado pelo professor Arnal-
do Peduto, da academia de jazz, juntamente com a professora doutora

- 53 -
Artemis Soares. Os treinos aconteciam nas dependências do Nacional
Clube, nas dependências da escola Técnica Federal do Amazonas –
ETFAM (Atual Instituto Federal do Amazonas – IFAM) e nas depen-
dências do Colégio Militar de Manaus.
A geração de ginastas da década de 1980 era formada por:
Ana Paula Castelo Branco, Sâmia Maia, Milena Sarmanho, Roseane
Sahdo, Priscila Loureiro, Rosária Lopes, Patrícia Marques, Itemar
Medeiros, Mariluce e Marlucia, Monique Andrade, Neila Sena. Essa
equipe viajava com frequência para representar o Amazonas nas com-
petições.

Figura 1: Geração de GR do Amazonas da década de 1980.

Fonte: Jornal do Comércio.

Nós chegamos a disputar competições em Ouro Preto, Brasília,


Rio de Janeiro, Paraná e, principalmente, Brasília, onde nós íamos
todo mês de julho para os jogos escolares brasileiros, o JEBS (Ana
Paula Castelo Branco).

-54 -
Figura 2: Participação da seleção amazonense de Ginástica Rítmica
em Ouro Preto.

Fonte: Jornal A Crítica, 1982.

Figura 3: Destaque das Amazonenses em GR

Fonte: Jornal do comércio, 1982

- 55 -
Figura 4: Destaque das amazonenses em GR.

Fonte: Jornal do Comércio, 1983.

Na década de 1980, outros colégios, além do IEA, já dispu-


tavam os campeonatos no Estado do Amazonas, por exemplo, o colé-
gio Auxiliadora, ETFAM, Ida Nelson e Santa Doroteia, aumentando
a competitividade na região. Ana Paula Castelo Branco lembra como
eram as competições e suas vitórias na época:
Eu cheguei a ser pentacampeã amazonense, e o meu principal apa-
relho eram as maças, que naquela época, eram de madeira. Então,
quando a gente perdia o aparelho, doía muito, pois caía na cabeça,
na perna, no braço, ficava, às vezes com hematomas. Cheguei a
ser quarto lugar individual numa competição (Ana Paula Castelo
Branco).

-56 -
Figura 5: Ana Paula Castelo Branco, duas medalhas de ouro no JEAS
de 1984.

Fonte: Jornal A Notícia, 1984.

Ana Paula também ressalta as mudanças sofridas no decor-


rer dos anos pela modalidade. Segundo a ex-atleta, as competições em
conjunto eram realizadas com um único aparelho, não havia série com
dois aparelhos como atualmente. Não era permitido usar brilhos em
collants e nem usar sainhas ou macacões, e as músicas eram acompa-
nhadas por piano.
Não tinha essa opção de cantar, rock, jamais!!! Então, teve muita
evolução na ginástica, com certeza, os campeonatos não eram tão
frequentes quanto hoje em dia, e nem era reconhecida como espor-
te olímpico (Ana Paula Castelo Branco).

Em 1985, o comando da seleção amazonense de ginástica


passou para a técnica Maria Antonieta Tinoco (hoje docente do Insti-
tuto Federal do Amazonas – IFAM), que, nesse ano, disputou os Jogos
Escolares em São Paulo e a primeira Copa Brasil em Londrina. Com
poucos recursos, foi a primeira vez que o Amazonas disputava cam-
peonatos promovidos pela Confederação Brasileira de Ginástica com
os clubes.

Participamos dos Jogos Escolares em São Paulo, ficamos em quin-


to lugar, e participamos da 1.ª Copa Brasil, que foi em Londrina,
em 1985, no Paraná. Nós chegamos atrasadas, porque a passagem
saiu de última hora, nós praticamente nos apresentamos, porque
nós perdemos a primeira parte do campeonato, mas foi a partir
daí que o Amazonas participou, pela primeira vez, de campeona-
tos promovidos pela Confederação Brasileira de Ginástica com os

- 57 -
clubes, porque até então o Amazonas só participava de Jogos Es-
colares Brasileiros (Maria Antonieta Tinoco).

Figura 6: Maria Antonieta Tinoco com a Seleção Amazonense de GR.

Fonte: Acervo Leila Azevedo.

A fim de aumentar o nível técnico das ginastas, a ginástica


Amazonense iniciou seus intercâmbios com técnicas internacionais.
Esses intercâmbios foram cruciais para o desenvolvimento técnico/
corporal das ginastas. O que antes somente era adquirido por meio das
vivências delas em campeonatos brasileiros, com a vinda da Búlgara
Giurga Nedialkova para o Amazonas melhorou ainda mais a técnica e
a postura das atletas. De acordo com a treinadora Maria Antonieta Ti-
noco, “Os dirigentes do esporte de Manaus trouxeram uma treinadora
internacional que ajudou muito no desenvolvimento técnico/ corporal
das ginastas amazonenses.”
Em relação às dificuldades apontadas pela técnica Antonieta,
a ex-ginasta Leila Azevedo recorda como era difícil para atletas do
Amazonas se deslocarem para competições fora do Estado:
Nessa época, o professor Celso Brandão Nina nos apoiava bas-
tante, e ajudava a Nieta a correr atrás de passagens, o que não era
fácil. Foi um ano muito difícil para o esporte amazonense. E nós
continuávamos a treinar. Acreditamos no que nos foi prometido
(...) em uma competição que seria em Campo Grande, arrumamos
nossas malas, e no dia que seria a viagem recebemos a triste no-

-58 -
tícia que não íamos embarcar. O restante do ano de 1987 foi de
competições em Manaus mesmo, pois passagens estavam difíceis,
e a Nieta aproveitou para lapidar nosso conjunto (Leila Azevedo)

Apesar das dificuldades, as técnicas de GR sempre busca-


vam melhorias. Desde cedo buscava-se intercâmbio com outros gru-
pos. Já em 1976 a equipe escolar, com apoio do governo, realizou trei-
namento com Rio de Janeiro com a profa. Daisy Barros, o que voltou
a acontecer em outras oportunidades. Em 1991, algumas atletas foram
fazer intercâmbio mais uma vez com a técnica Daisy Barros na cidade
do Rio de Janeiro, da qual referem:
Daisy era muito atenciosa com nossa equipe e nos ajudou bastante
para a competição que iríamos enfrentar (Leila Azevedo).

Ainda tivemos intercâmbios no Rio de Janeiro, a Liene foi empres-


tada para a seleção do Rio de Janeiro, para tentar seletiva do con-
junto. Ficamos um mês treinando com a Dayse e Letícia Barros. A
Giurga Nadialkova, nessa época, foi uma das primeiras vezes que
ela foi dar treino em Manaus. Ela treinou conjunto e individual. A
professora Nieta sempre tentava promover esses intercâmbios pra
gente (Adriana Goes).

Os nossos atores da história da GR no Amazonas ressaltam a


evolução da modalidade na região, lembrando das dificuldades passa-
das e enaltecendo o seu crescimento. Todos destacaram, por exemplo,
a construção do Centro de Ginástica do Amazonas Bianca Maia Men-
donça, localizado na Vila Olímpica de Manaus, no bairro Dom Pedro.

Hoje nós podemos dizer que tivemos uma grande atleta na Seleção
Brasileira Olímpica, que foi a filha do nosso amigo Mendonça,
Bianca Maia. Sua mãe, Sâmia Maia também foi ginasta e hoje é
treinadora também. Seu pai foi atleta, inclusive foi meu atleta de
voleibol (Thales Verçosa).

Então, a gente teve muito avanço aqui na Ginástica no Amazonas.


Temos até um ginásio hoje em dia, específico para o Amazonas,
porque, antigamente, o treino era, como dizem, ralado (Ana Paula
Castelo Branco).

O centro de ginástica tem por finalidade receber competi-


ções locais, nacionais e internacionais, além de servir para preparação
e aprimoramento das ginastas, por meio de treinamento e intercâmbios,
além de fomentar talentos.

- 59 -
A inauguração oficial aconteceu no dia 24 de junho de 2016
com a presença da ex-atleta Bianca Maia Mendonça. Mas as ativida-
des começaram de forma extraoficial no dia 22 de junho, recebendo o
Campeonato Brasileiro Individual e Copa Brasil de Conjuntos de 22 a
26 de junho de 2016 com disputas nas categorias Pré-Infantil e Infantil,
que também serviu de seletiva para o Campeonato Sul-Americano de
Ginástica ˗ 2016.
A ex-atleta Bianca Maia, que deu nome ao centro de treina-
mento, foi uma atleta amazonense que teve destaque nacional. Com
informações do Portal Amazônia (2017), podemos destacar sua tra-
jetória na modalidade: iniciou na ginástica aos cinco anos de idade,
estreando em competições aos seis, em 1999, pelo Colégio La Salle,
consagrando-se de 2002 a 2007 hexacampeã dos Jogos Escolares do
Amazonas – JEA’s.
Em 2004, a ginasta entrou para o Centro de Treinamento
de Alto Rendimento da Amazônia (CTARA) e, aos 12 anos de idade,
teve a oportunidade de realizar o primeiro intercâmbio internacional,
na Bulgária, com a técnica búlgara Giurga Nedialkova, conquistando
o terceiro lugar no aparelho arco durante o Torneio de Kyustandil. O
intercâmbio foi promovido pela Secretaria de Esportes do Amazonas
e Federação Amazonense de Ginástica. Em 2007 Bianca ficou entre as
10 melhores do campeonato Brasileiro Juvenil de Ginástica.
Em 2009, Bianca Maia recebeu o primeiro convite para inte-
grar a seleção brasileira como reserva do conjunto nacional. Em 2010,
foi vice-campeã das Olimpíadas Escolares, organizada pelo Comitê
Olímpico Brasileiro (COB), deixando, na mesma época, Manaus para
atuar e treinar em Florianópolis, pela Associação Desportiva do Insti-
tuto Estadual de Educação (ADIEE).
Em 2011 foi convocada para fazer parte da seleção brasileira
permanente de ginástica, quando conquistou na modalidade de conjun-
to, três medalhas de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara
(geral de conjunto, conjunto bola e conjunto fita e arco). Em 2013, na
Copa do Mundo, em Bielorrússia, o Brasil fatura a medalha inédita de
bronze no conjunto três bolas e duas fitas e a quinta colocação na série
com cinco pares de maças. E no Campeonato do Mundo, na Ucrânia,
alcançou a 12.ª posição no quadro geral, o melhor resultado já conquis-
tado por uma equipe brasileira na competição até então.

-60 -
Em 2014, Bianca retorna para o clube de Florianópolis parti-
cipando de competições estaduais e nacionais, e em 2015 anuncia apo-
sentadoria e faz sua última apresentação como atleta no Troféu Brasil.
Toda a contribuição de Bianca Maia Mendonca à ginástica é reconhe-
cida com a inauguração oficial do Centro de Ginástica do Amazonas
Bianca Maia Mendonça em 24 de junho de 2016.
Atualmente, a GR no Amazonas já está bem difundida, vá-
rias escolas e clubes competem entre si, além de representarem o Es-
tado do Amazonas em eventos nacionais e internacionais. Podemos
destacar a escola Adalberto Vale, comandado pela técnica Fabrícia Via-
na, que foi campeã sul-americana em 2016, na Colômbia, junto com
as atletas Clara Mendes, 10, Camila Cunha, 10, Evelyn Lamego, 10,
Isabela Lages,10 e Raicca Tomé, 8.
Para quem iniciou a história da GR no Amazonas, a sensação
é de satisfação por ter feito parte do processo histórico e de dever cum-
prido, mas o que se espera é que a modalidade cresça cada vez mais e
que novos talentos sejam descobertos:
Eu não estou acompanhando nesse momento as atividades de GR,
mas eu penso que o que foi plantado pelo grupo da professora Ar-
temis Soares e com a nossa colaboração e de outras pessoas, deu
uma sólida estrutura para que se possa ter a GR perenemente no
nosso Estado... O que a gente pode esperar é que as pessoas que di-
rigem continuem essa trajetória e sempre pensando no Amazonas.
Não pensando individualmente, porque, apesar de terem provas
individuais, a GR também é coletiva e nós temos que pensar no
coletivo... (Thales Verçosa).

Eu, com muita honra, vou lembrar que fiz parte desse seleto grupo
de meninas, que algumas seguiram, investiram na carreira e tive-
ram sucesso, como é o caso da Jeanne, da Carmem Sílvia, hoje
professoras doutoras nessas áreas específicas, e eu, que atuo como
professora na UFAM (Ruth Alencar).

Quando começou a formar o grupo de Ginástica Rítmica, que a


professora Artemis levou lá pro IEA, eu fui a primeira atleta da
primeira equipe de Ginástica Rítmica (Carmem Silvia Martini).
A ginástica amazonense teve outras técnicas, e minhas sementes
começaram a dar frutos como técnicas. Ana Larissa e Fabrícia Via-
na, que atualmente estão à frente da equipe Associação Atlética
Adalberto Vale, estão fazendo um trabalho belíssimo e já despon-
tam com suas ginastas. Me sinto honrada, pois o que fiz por amor,
na ginástica, transformou a vida de muitas pessoas (Maria Anto-
nieta Tinoco).

- 61 -
Considerações finais
Registrar a história da Ginástica Rítmica no Amazonas é
fundamental para conhecer como a modalidade começou no Estado
e como foi ganhando moldes no decorrer dos anos. Sempre ouvimos
falar de pessoas que foram primordiais para o avanço do esporte no
Estado, mas ouvir e escrever de forma cronológica os acontecimen-
tos, com certeza, facilita compreender inteiramente o processo, e a
participação e colaboração de pessoas que, com fibra e determinação,
construíram a história da Ginástica Rítmica no Amazonas. Pessoas que
deixaram sua marca na história e que lutaram para que esse esporte fos-
se reconhecido. Acompanhando esse crescimento, percebemos a evo-
lução da GR não só no Estado, mas em todo o Brasil, que a cada dia
vem conquistando mais adeptos. Portanto, esperamos com esse estudo
também divulgar um pouco da história da modalidade no Amazonas,
além de contribuir na área cientifica e acadêmica com informações que
certamente serão adensadas ao conhecimento acerca da história dessa
modalidade.

Referências
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ca: teoria e prática. São Paulo: Phorte, 2011.
BASTOS, Liliana Cabral; BIAR, Liana de Andrade. Análise de narrati-
va e práticas de entendimento da vida social. DELTA: Documentação
e Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, v. 31, n.º especial, p.
97-126, 2015.
BOAVENTURA, Patrícia Luiza Bremer. Técnica, estética, educação:
os usos do corpo na ginástica rítmica. Tese (Doutorado em Ciências
Humanas), Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências
Humanas (PPGICH), Universidade Federal de Santa Catarina, Floria-
nópolis, 2016.
CAPPELLE, Mônica Carvalho Alves; BORGES, Ceyça Lia Palerosi;
MIRANDA, Adílio Rene Almeida. Um exemplo do uso da História
Oral como técnica complementar de pesquisa em Administração. In:
VI Encontro de Estudos Organizacionais da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Administração ˗ ANPAD, 6.º, Floria-
nópolis. Anais do Encontro de Estudos Organizacionais da Asso-

-62 -
ciação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração,
Florianópolis, Brasil, 6.º, Florianópolis: ANPAD, 2010.
FEDERAÇÃO AMAZONENSE DE GINÁSTICA – FAG. Ginástica
Rítmica. Disponível em: http://www.feginamazonas.com.br
GAIO, Roberta. Ginástica Rítmica Popular: uma proposta educacio-
nal. 2 ed. Jundiaí: Fontoura, 2007.
LABOV, William. Some further steps in narrative analysis. Trad. FER-
REIRA NETTO, Waldemar Journal of Narrative and Life History,
v. 7, n.º, 1-4, p. 1-18, 1997 Numbers 1-4
LIBERALI, Rafaela. Metodologia científica prática: um saber fazer
competente da saúde à educação. Florianópolis: (s.n.), 2008.
NUNES, Larissa Soares et al. A análise da narrativa como instrumento
para pesquisas qualitativas. Revista Ciências Exatas, v. 23, n.º 1, p.
9-17, 2017.
PORPINO, Karenine de Oliveira. Metodologia do ensino da Ginástica
Rítmica. In: Universidade Federal do Amazonas. Pró-reitoria de Ensi-
no de Graduação. Centro de Educação a Distância. Guia de referência
para produção de material didático em educação a distância. Or-
ganizado por Zeina Rebouças Corrêa Thomé. Manaus: EDUA, 2007.
PORTAL AMAZÔNIA. Referência na Ginástica, Bianca Maia minis-
tra curso em Manaus. Manaus, jan. 2017. Disponível em: http://porta-
lamazonia.com/noticias/referência-na-ginastica-bianca-maia-ministra-
-curso-em-manaus.
SOARES, Artemis; BARROS, Daisy. Ginástica Rítmica. Manaus:
Editora Valer, 2012.

- 63 -
-64 -
PROTAGONISMO INDÍGENA: OS SATERÉ-
MAWÉ E SUAS VIVÊNCIAS SÓCIO-
HISTÓRICAS
Ignês Tereza Peixoto de Paiva4
Artemis de Araújo Soares5

Resumo: Este estudo tem como objetivo verificar o protagonismo indígena: dos
Sateré-Mawé e suas vivências sócio-históricas, suas lutas e resistências da aldeia
no fortalecimento da autonomia e da autodeterminação. Os estudos sobre o pro-
tagonismo dos Sateré-Mawé foram direcionados a partir de autores Viveiros de
Castro (1996), Almeida (2008), Pacheco de Oliveira (2016), Lorenz (1992), que
elaboraram uma literatura específica sobre sua história e vivências, quer seja em
um processo de pesquisa, ou da simples convivência com os indígenas, que são
construídas em um encontro de relação entre os sujeitos, sendo cada um com suas
especificidades que os identificam nos seus espaços de relações sociais. A perspec-
tiva metodológica e teórica que foi desenvolvida baseada na cartografia simbólica
proposta por Boaventura Santos (1995), que considera como uns dos principais
destaques para a investigação qualitativa, tendo a simbolização como uma repre-
sentação da realidade a ser pesquisada. Evidenciamos no decorrer do processo de
investigação, que as vivências ocorridas nesse processo de transformações dos Sa-
teré-Mawé não ocorrem sem que suas lideranças elaborem estratégias nos núcleos
fundamentais de suas culturas, resistindo contra a degradação de suas identidades
étnicas culturais. Os Sateré-Mawé, nesses anos de contato, protagonizaram a resis-
tência de manter sua linguagem e seus costumes, embora muitos desses costumes
tenham se ressignificado, o grupo continua mantendo sua identidade como todo
grupo que faz parte de um contexto social.
Palavras-Chave: Protagonismo Indígena. Sateré-Mawé. Vivências Sócio-Histó-
ricas.

Introdução
Esta pesquisa assume o propósito de verificar o protagonis-
mo indígena: dos Sateré-Mawé e suas vivências sócio-históricas, suas
lutas e resistências da aldeia, no fortalecimento da autonomia e da au-
todeterminação. O estudo atende a uma perspectiva metodológica e
4 Professora do Instituto de Ciências Exatas e Tecnologia da Universidade Federal do Ama-
zonas ICET/UFAM. Doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Fede-
ral do Amazonas-UFAM.
5 Doutora em Ciências do Desporto pela Universidade do Porto, mestre em m Educação
Física na Escola de Educação Física e Esporte na Universidade de São Paulo, EEFE/USP.
Professora titular da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da UFAM, Manaus, Brasil,
membro da Academia Amazonense de Letras e da Academia Brasileira de Educação Física.
artemissoares@ufam.edu.br

- 65 -
teórica que foi desenvolvida baseada na cartografia simbólica proposta
por Boaventura Santos (1995), que considera como uns dos principais
destaques para a investigação qualitativa, tendo a simbolização como
uma representação da realidade a ser pesquisada.
Os estudos sobre o protagonismo dos Sateré-Mawé foram di-
recionados a partir de autores que elaboraram uma literatura específica
sobre sua história e vivências, quer seja em um processo de pesquisa,
ou da simples convivência com os indígenas, que são construídas em
um encontro de relação entre os sujeitos, sendo cada um com suas es-
pecificidades que os identificam nos seus espaços de relações sociais.
Sateré-Mawé é a denominação atribuída a um dos grupos
tribais sobrevivente ao processo histórico de colonização ao qual os in-
dígenas nativos foram submetidos ao longo da ocupação da Amazônia
e do Brasil. São habitantes da Terra Indígena Andirá-Marau, localizada
na região do médio rio Amazonas, entre os Estados do Amazonas e
Pará. Ocupa também uma pequena área dentro da Terra indígena Koa-
tá-Laranjal junto com o povo Munduruku no Pará (TEIXEIRA, 2005).
Segundo Uggé (1992) o primeiro nome, Sateré, significa
“lagarta de fogo’’ e é referência ao clã dos antigos chefes, ou seja,
os mais importantes, o que indica tradicionalmente a linha sucessória
dos chefes políticos”. O segundo nome, Mawé, quer dizer “papagaio
falante e é o nome mais comum de um dos grupos tribais que conse-
guiram sobreviver à extinção das numerosas tribos indígenas da ilha
Tupinambarana do baixo Amazonas” (UGGÉ, 1992, p. 05). Esse povo
habita uma vasta área entre os rios Tapajós e Madeira, delimitado ao
norte pelas Ilhas Tupinambaranas (no rio Amazonas) e ao sul pelas
cabeceiras do rio Tapajós.
Em seus aspectos culturais, com quase 300 anos de interfe-
rências religiosas, o povo Sateré-Mawé sofreu uma grande perda cultu-
ral de seus costumes e tradições, visto que a imposição da ideologia re-
ligiosa prevalecia sobre os aspectos culturais. A luta pela revitalização
de sua cultura vem sendo encarada por todos eles como um desafio.
Com a ajuda dos mais velhos, tradições e lendas vem sendo repassadas
às gerações mais novas, visando à manutenção de práticas de rituais
significativos para eles.
Os Sateré-Mawé hoje são um grupo de 8.500 indígenas, dos
quais 7.502 moram na terra indígena Andirá-Marau, nos municípios

-66 -
de Barreirinha, Maués e Parintins e aproximadamente 1000 deles re-
sidem nas áreas urbanas destes municípios. Outro grupo vive na Terra
indígena Coatá-Laranjal junto ao grupo Munduruku e no município de
Borba. Outro grupo está radicado na cidade de Manaus há pelo menos
três gerações (TEIXEIRA, 2005).
O reconhecimento de ser ou não ser indígena é um direito
que os Sateré-Mawé se reservam, como forma de autodeterminação e
pertencimento étnico, nas dimensões históricas, culturais e sócio políti-
cas. A autodeclaração não é critério suficiente para que uma pessoa seja
considerada indígena (VIVEIROS DE CASTRO,1996). É uma tentati-
va de criar uma definição que reconheça a resposta à questão de quem
é índio, devendo caber às comunidades que se sentem interessadas e
implicadas por ela. Para o autor, não cabe ao antropólogo definir quem
é índio; cabe ao antropólogo criar condições teóricas e políticas para
permitir que as comunidades interessadas articulem sua indianidade.
Historiadores, hoje, tendem a adotar as noções de prota-
gonismo, agente, ator e sujeito histórico. Eles descobriram o que as
sociedades diferenciadas já tinham conhecimento e, há muito tempo,
haviam incluído em suas cosmogonias indígenas, seja em dimensão
pessoal como membro do grupo, chefe; ou coletiva como etnia, ONG
ou gênero pensam, agem e sentem de maneira singular. São produtores
e portadores de culturas, são construtores de trajetórias históricas, to-
mam decisões, são vítimas, são algozes, e também vítimas e algozes ao
mesmo tempo, pois na verdade, ao tempo que lhes convém (CUNHA,
1992). A historiografia interpreta os contatos interétnicos como fenô-
menos de resistência, adaptação e transformação cultural capitaneados,
inclusive, pelos povos indígenas.
A dinamicidade das relações sociais complexas entre indíge-
nas e não indígenas, de acordo com Thompson e Mintz (1981; 2010),
se dá entre grupos e indivíduos em contextos históricos definidos, per-
mitindo uma nova compreensão sobre a trajetória dos povos indígenas,
que de acordo com Barth (2000), por muito tempo foram vistos como
misturados e desaparecidos.

Os Sateré-Mawé: vivências sócio-históricas


O protagonismo dos Sateré-Mawé se fortalece a partir da di-
nâmica das práticas culturais e identitárias, como instrumentos de lutas

- 67 -
e resistências que são representadas por meio de ações determinantes
para o reconhecimento de sua cidadania, emancipação e autodetermi-
nação.
Os Sateré-Mawé, como os outros povos, estão inclusos num
amplo processo de transformação cultural e sócio econômica, viven-
ciando mudanças operadas em sua organização social e política, cos-
mologia, concepções míticas estáticas, magia, ritos, bases materiais e
língua, produzidas por múltiplas relações tecidas ao longo da história
de conflitos com os brancos, há muitos séculos.
No decorrer do processo de investigação, percebeu-se que as
vivências ocorridas nesse processo de transformações dos Sateré-Ma-
wé não ocorrem sem que suas lideranças elaborem estratégias nos nú-
cleos fundamentais de suas culturas, resistindo contra a degradação de
suas identidades étnicas culturais. As estratégias desenvolvidas pelas
lideranças têm envolvido de um lado, a apropriação crítica de muitos
elementos da cultura dos brancos, e de outro, a aliança com outros se-
tores da sociedade civil e do próprio Estado, favoráveis à preservação
e ao desenvolvimento das culturas e identidades étnicas.
É importante destacar como o povo Sateré-Mawé se
organiza, simbolicamente e socialmente, levando em consideração suas
especificidades sócio históricas e culturais, para autoconhecimento
da identidade étnica, ao elaborar estratégias sociais e políticas de
convivência da aldeia a cidade, para romper com a visão de população
tradicional6. Almeida (2008) conceitua que o tradicional está ligado ao
biologismo, que está preso a ideia de natural, mas com a ampliação da
visão política há a separação da natureza e rompe com o biologismo.
O reconhecimento de ser ou não ser indígena é um direito
que os Sateré-Mawé se reservam, como forma de autodeterminação e
pertencimento étnico, nas dimensões históricas, culturais e sócio polí-
ticas.
Como diz Viveiro de Castro (1996):

6 Para Almeida (2008), o termo “população” está vinculado ao natural e atribui aos povos e
às regiões, características fixas como ocorre com Tocantins, Maranhão e Piauí. [...] No biolo-
gismo, essas figuras estão amarradas à natureza. O índio não se separa da floresta. O advento
das identidades coletivas, principalmente nos anos de 1980, promoveu uma ruptura entre o
homem e a natureza. Essa separação do quadro natural é uma ruptura com o biologismo. Ou
seja, no plano do conhecimento, a intenção é de romper com o biologismo vinculado à ideia
positivista de que tudo aquilo que se pode provar, está inserido no campo das evidências.

-68 -
Índio não é uma questão de cocar de pena, urucum e arco e flecha,
algo de aparente e evidente nesse sentido estereotipificante, mas
sim uma questão de ‘estado de espírito’. Um modo de ser e não
um modo de aparecer. Na verdade, algo mais (ou menos) que um
modo de ser: a indianidade designava para nós um certo modo de
devir, algo essencialmente invisível mas nem por isso menos efi-
caz: um movimento infinitesimal incessante de diferenciação, não
um estado massivo de ‘diferença’ anteriorizada e estabilizada, isto
é, uma identidade. (p. 54).

Em sua produção intelectual o autor afirma que a autodecla-


ração não é critério suficiente para que uma pessoa seja considerada
indígena. Essas reflexões são uma tentativa de criar uma definição a
mais larga possível, que reconheça que a resposta à questão de quem
é índio cabe às comunidades que se sentem concernidas, implicadas
por ela. Para o autor, não cabe ao antropólogo definir quem é indígena,
cabe ao antropólogo criar condições teóricas e políticas para permitir
que as comunidades interessadas articulem sua indianidade.
Para os Sateré-Mawé, povo da Amazônia Brasileira, a auto-
determinação é uma conquista resultante de lutas ao longo da história
da sua relação com o branco, que sofreram com o processo de domina-
ção, deslocamentos para cidades mais próximas, invasões dos territó-
rios e a fragmentação das relações sociais, que resultou muitas vezes,
de acordo com Pereira (2003), em expedições que eram organizadas
por colonizadores portugueses cujo intuito era punir as “insubordina-
ções” praticadas pelos indígenas Maué, tudo isso visava a cobiça do
guaraná.
A denominação aos Sateré-Mawé (Maweri’a)7 compreen-
dia, à medida que se percebe que este termo é antigo com grande sig-
nificado para o grupo, pouco usado hoje pelos membros do mesmo,
é de ordem polissêmica. Esta denominação antiga retrata não apenas
a denominação do grupo, mas sobretudo o que foram no passado, no
decorrer de sua formação social.
Sobre os Maweri’a é importante uma análise de como os
Sateré-Mawé foram no passado. O passado revela o que nós somos no
presente, como também o presente revela o que fomos ao passado. É
nessa busca da compreensão da construção étnica que será traçado o
7 O termo Maweria, tem como significado a palavra Sateré-Mawé no plural. Porém o mais
curioso da palavra é que ela representa um termo antigo usado pelo povo, quando não se
chamavam Sateré-Mawé, mas Mawé.

- 69 -
estudo da dinâmica nas práticas culturais e identitárias Sateré-Mawé,
e a cultura como discurso simbólico na construção dessas identidades.
Os Maweri’a é um termo da língua Sateré-Mawé, que indi-
ca um sentido bem claro daquilo que para nós, seria povo, sociedade.
Enfatizar a sua historicidade é considerar as características culturais
que constituem a identidade Sateré-Mawé, a partir de uma categoria
construída historicamente por eles.
SER-MAWÉ não depende unicamente de um nome para so-
breviver ao tempo, mas das circunstâncias determinantes de se auto
identificarem como MAWERIA, que vem a ser uma compreensão que
os Sateré-Mawé têm de si mesmos como grupo, ou seja: (o Povo Mawé
/ Maweria significa = todos os que pertencem ao grupo). Por se tratar
de peculiaridades culturais deste povo, a denominação que se construiu
pelo grupo ou, pelo branco, revela esta especificidade de caráter pes-
soal e social.
A denominação Sateré-Mawé tem controvérsias para algu-
mas lideranças atuais como diz o Parente 2, no sentido da “apropriação
do termo Sateré” compor o Mawé, como uma criação de um grupo de
lideranças pertencentes ao clã Sateré que em um determinado momen-
to, ao serem perguntados a qual povo pertenciam, responderam que
eram o povo Sateré-Mawé. O termo prevaleceu como uma forma im-
positiva sem nenhuma forma de diálogo com o povo, e assim passaram
a serem chamados Sateré-Mawé.
Os Sateré-Mawé vivem em um território reconhecido pelo
Estado Brasileiro que possui uma extensão de 788.528 km², formam
uma população de 13.310 pessoas, dos quais 11.060 moram na ter-
ra indígena Andirá-Marau, nos municípios de Barreirinha, Maués e
Parintins e uma estimativa de 2.250 reside em outras localidades, de
acordo com os dados do IBGE (2010). Outros vivem nas cidades de
nas cidades de Parintins, Maués, Barreirinha, Iranduba e Manaus e nas
proximidades há pelo menos três gerações (ALVAREZ, 2005). O nú-
mero de pessoas que falam Sateré-Mawé, segundo Teixeira (2005), é
de 5.510, os que leem equivale a 2.992 e que escrevem somam 2.980.
O território está identificado nos mapas abaixo.
O êxodo dos Maués está nos mapas e envolve um conjunto
de mitos que expressam os seus lugares de passagem. A figura 14 re-
presenta o território ancestral, de acordo com a história oral dos velhos

-70 -
Sateré-Mawé, seus antepassados habitavam um vasto território entre
os rios Madeira e Tapajós, limite ao norte pelas Ilhas Tupinambaranas,
no Rio Amazonas, e ao sul, nas cabeceiras do Tapajós.
A maioria dos relatos dos Sateré-Mawé refere-se ao seu lugar
de origem - Noçoquém8- localizado na margem esquerda do Tapajós,
constituía uma paisagem magnífica, com lagos e rios que irrigavam
as terras, e florestas ricas em caças de todas as espécies, “lá onde as
pedras falam”. Este é um lugar de morada dos heróis míticos de acordo
com os Sateré-Mawé.
Curt Nimuendajú considera o ano de 1669 o início do con-
tato com os Maué com os não indígenas, com os Jesuítas portugueses,
logo após a fundação da Ilha de Tupinambarana. Nunes Pereira (1954),
após ter percorrido as aldeias no Andirá e no Maué-Assú, concluiu
que o contato entre os Maués e os portugueses aconteceu em tempos
mais remotos, que os viajantes descidos do Alto Madeira e Alto Ari-
nos, realizam a compra do guaraná, a troca do ouro e outros gêneros
da natureza.
No decorrer da história de contato com os Sateré-Mawé,
Nunes Pereira (1954) destaca que ocorreram vários conflitos como o
movimento da Cabanagem, que resultou em guerras, epidemias, perse-
guições aos indígenas, devastações de suas terras, que culminaram nos
deslocamentos dos Maués que foram de seus territórios tradicionais
para outros lugares, havendo uma redução na população indígena.
A redução territorial dos Sateré-Mawé foi confirmada pelos
viajantes do século XVIII, pois diversas áreas do território indígena
foram comprometidas com o deslocamento, e sobre os novos sítios dos
Sateré-Mawé foram fundadas as cidades de Maués, Parintins e Itaitu-
ba. Para Lorenz (1992), isso coincide com a passagem oral desse povo.
O território demarcado dos Sateré-Mawé pela FUNAI, que
conseguiram manter somente uma parte privilegiada, apesar de sabe-
rem que representa apenas uma pequena parte que era o seu território
tradicional. Desde o século XVIII, de acordo com Teixeira o território
Sateré-Mawé vem sendo reduzido consideravelmente:

8 Para Nunes Pereira (2003), Noçoquém, o sítio onde se encontravam todas as plantas e
animais úteis aos Maués, segundo a Lenda do Guaraná, deveria, corresponder, outrora, o
território por eles habitado. Na década 1950, o autor tratou como lenda e tradição os mitos
que compõem a cosmologia Sateré-Mawé.

- 71 -
Essa redução se deu a partir das tropas de resgate que penetraram
grandes áreas da Amazônia; da implantação de missões jesuítas
e carmelitas ao longo dos principais rios amazônicos; da busca
desenfreada das drogas do sertão; com a exploração da borracha
durante o século XIX e início do XX; e, por fim, da expansão eco-
nômica das cidades de Maués, Barreirinha, Parintins e Itaituba
para o interior dos municípios, alocando fazendas, extraindo pau
rosa, abrindo garimpos, dominando a economia indígena através
de regatões. As cidades de Maués, Parintins e Itaituba, inclusive,
foram fundadas sobre restos de malocas dos Sateré-Mawé. (Tei-
xeira 2005, p 142).

Várias foram às nomeações que os Sateré-Mawé receberam


que levou o etnólogo Nunes Pereira consultar os códices dos Arquivos
das Bibliotecas do Pará e Amazonas, para verificar que, desde o início
da Conquista Espiritual da Amazônia9, dos descimentos e amarrações,
e a confusão acerca dos nomes dos indígenas “teria sido agravada,
principalmente pelos cronistas, expedicionários, predadores de índios,
desbravadores de sertões e pelos próprios missionários” (PEREIRA,
1954, p. 15).
É importante destacar que, no passado, os Sateré-Mawé
eram chamados regionalmente de “Mawés”, mas há muito tempo se
autodenominam Sateré-Mawé. Na língua Sateré-Mawé que integra o
tronco linguístico Tupi, o primeiro nome (Sateré-Mawé) quer dizer
“lagarta de fogo” e consiste no clã mais importante dentro da divisão
clânica10 dessa etnia. O segundo nome (Mawé) que quer dizer “papa-
gaio inteligente”, não se trata de uma designação clânica, mas de um
pássaro totêmico escolhido para nomear a etnia.
A estrutura social Sateré-Mawé, as suas normas, a tradição e o
parentesco são bem definidos. Em um estudo realizado acerca das relações
de parentesco dos Sateré-Mawé na TI Andirá-Marau, Alvarez aponta que,
9 A Lei de 1611 classificava os índios em duas categorias: repartidos ou livres e escravos,
cujas formas de capturas consistiam em três: descimento, resgate e guerra justa. Livres eram
todos aqueles que aceitavam ser descidos sem resistência para os aldeamentos missionários;
“escravos” eram os recrutados por resgate e guerra justa. Os descimentos eram expedições
em princípio não militares, realizadas pelos missionários com o objetivo de fazer com que
as comunidades indígenas descessem para os aldeamentos missionários. Os resgates eram
expedições armadas realizadas pelas tropas de resgate, objetivando troca comercial entre
os portugueses e as tribos consideradas aldeias – os colonos trocam objetos (miçangas, fer-
ramentas, mercadorias) por índios que capturados em guerras intertribais (FREIRE, 1991).
10 Entre os diferentes clãs, Alvarez (2005) menciona: Sateré-Mawé (Lagarta de fogo); Wuar-
ná (Guaraná); Akurí (Cutia); Awkuy (Guariba); Nhap (Cava); As’ho (Tatu); Ywaçai (Açaí);
Iaguarete (onça); Moei (Cobra); Hwi (Gavião); Piriwato (Rato grande); Akyi (Morcego);
Uruba (Urubu); Nhampo (Pássaro do mato).

-72 -
Os Sateré-Mawé possuem grupos de descendência unilinear e uma
organização mínima em clãs ou ywania. Tal como afirma diversos
autores, trata-se de clãs não localizados, exogânicos, pátrilineares
e patrilocais, com espaço para a manipulação das regras de resi-
dência. O grupo residencial está composto pela família extensa,
o grupo de siblins aparece como unidade que organiza o sistema
de atitudes do grupo. Cabe ressaltar que na geração de ego, as ca-
tegorias de consangüinidade se projetam na organização em clãs,
de forma que os homens e mulheres do clã são considerados como
irmãos e irmãs [...]. Espera-se do irmão mais velho uma atitude
de liderança e de conselho para os mais novos. (Alvarez 2008, p.
17-18).

O processo de resistência étnica dos Sateré-Mawé deu-se,


através dos séculos, pela sua localização geográfica, por ficar longe do
acesso aos grandes rios, e por sua forte organização da estrutura social.
Nos dias atuais, há ainda a família extensa que tem uma organização
social dualista, porque dividem o mundo ao meio. São patrilineares,
pois “ao nascer o filho pertence ao clã do pai, podendo casar somente
com pessoa de diferente clã” (UGGÉ, 1992, p. 18). Nas aldeias, a troca
matrimonial funda e organiza a vida social por gerar uma relação de
reciprocidade, isto é, o casamento exogâmico possibilita a prática do
princípio da reciprocidade que fortalece as relações sociais, econômi-
cas e políticas entre os distintos grupos.
A história nos informa que a origem dos Sateré-Mawé re-
monta ao povo Tupinambá. Curt Nimuendajú (1954) foi um dos pri-
meiros a classificar a língua Sateré-Mawé como pertencente ao tronco
Tupi. Pereira (1954) faz uma ressalva a esta classificação, por ter obser-
vado a presença de um vocabulário específico que difere das palavras
utilizadas no Guarani-Tupinambá. Lorenz (1992) defende que, desde
o século XVIII, foram incorporadas inúmeras palavras da língua geral
no repertório dessa etnia. A pesquisadora, não contradizendo Curt Ni-
muendajú, observou que os pronomes concordam perfeitamente com
a língua Curuaya-Munduruku, mas a gramática, ao que tudo indica, é
Tupi. No entanto, outros pesquisadores constataram que o vocabulá-
rio Sateré-Mawé contém elementos completamente estranhos ao Tupi,
que não podem ser relacionados a nenhuma outra família linguística.
Para todas essas nomeações, podemos destacar que assim
como na história da Amazônia os Sateré-Mawé passaram por diversas
interpretações metafóricas, de datas canônicas, construções literárias

- 73 -
exageradas, equívocos léxicos e em quadros naturais, como os defini-
dos nos “ciclos”. É quando Almeida (2008) descreve que a história da
Amazônia foi fundada pelo “inconsciente coletivo”, com explicações
usuais, compondo uma Amazônia ideal.
Isso se comparando aos conflitos em relação a “classifi-
car”, ocorrido com os Maués, quando receberam várias nomenclatu-
ras, sendo que as classificações são arbitrárias no momento em que
pretendem definir a identidade étnica e regional. Muitas vezes esses
esquemas interpretativos de classificação impostos pelas forças hege-
mônicas da sociedade impõem denominações a grupos, pessoas e ob-
jetos. Para tanto é importante um trabalho científico sistemático, que
possa romper os dispositivos de silêncio com o acúmulo de esquemas
institucionalizados de classificação, e reconstruir definições legítimas
de representatividade da Amazônia e suas expressões culturais, para
reforçar a autodefinição, a emergência de novas identidades coletivas
e sujeitos sociais organizados, principalmente em movimentos sociais
(ALMEIDA, 2008).

Considerações Finais
Todo o processo histórico e cultural vivido pelos Sateré-Ma-
wé provoca uma mudança no grupo, no qual implicam modificações
nas suas crenças, seus hábitos, e principalmente seu jeito de pensar. Os
Sateré-Mawé resultam dos contatos ocorridos com os não indígenas,
dos quais os levaram a assimilar novos padrões sociais, que são iden-
tificados a partir da complexidade que é a estrutura da sociedade. A
afirmação de Sahlins (2006) explica, é nessa ação que o indivíduo que
“faz história” produz efeito histórico. Um efeito que somente pode ser
avaliado a partir de sua posição, ou seja, “a história faz os que fazem
história” (SAHLINS, 2006, p.148).
Os Sateré-Mawé, nesses anos de contato, protagonizaram a
resistência de manter sua linguagem e seus costumes, embora muitos
desses costumes tenham se ressignificado, o grupo continua mantendo
sua identidade como todo grupo que faz parte de um contexto social.
É nesse sentido que a análise desse processo histórico, pode ser esta-
belecida pela imersão dos agentes em suas específicas tradições, rea-
gindo às exigências que o encontro entre o evento e a estrutura possa

-74 -
produzir, e vai mais além, os interesses e a ação histórica sempre irão
depender de esquemas culturais, é a cultura que faz tudo, e o agente
histórico é sempre representativo da cultura, que tudo faz e tudo pos-
sui. É da cultura que derivam todas as razões, e o sentido da história é a
troca entre indivíduo e coletivo, estrutura e evento (SAHLINS, 2006).
Os registros e as interpretações feitas pelos colonizadores,
cronistas, missionários e pela história oficial, anulavam os indígenas
enquanto protagonistas da história, considerando-os apenas como exó-
ticos, restos de um passado que ficou para trás. Ao contrário disso, é
preciso ver os povos indígenas como indivíduos, vivos e participantes
de sua história, resistentes e criativos, cuja forma de alteridade está
sendo reconstruída em suas TI e em suas lutas políticas, práticas cultu-
rais e na vida cotidiana.
O protagonismo indígena no decorrer do seu processo his-
tórico se impôs pelo fortalecimento de suas práticas culturais e iden-
titárias e na articulação entre a tradição e a política na busca da con-
cretização dos seus direitos assegurados nas legislações, sobre suas
organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições. Tudo isso
leva a um repensar de como os indígenas, sujeitos individuais ou cole-
tivos em seus múltiplos cenários e diferentes dinâmicas compõem as
diversas maneiras criativas de resistências, constituição de novas iden-
tidades, campos de saberes, ressignificação dos discursos, organização
dos movimentos, que garanta a esses povos tomadas de decisões, ao
levar em consideração suas práticas culturais e sociais para a consagra-
ção do seu protagonismo que há tempos sofrem uma negação de seus
direitos. (PACHECO DE OLIVEIRA, 2016).

Referências
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- 75 -
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dual de Política Indigenista do Amazonas, 2005.
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VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Os Pronomes Cosmológicos e o
Perspectivismo Ameríndio. Mana, 1996.

-76 -
UM BREVE HISTÓRICO DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS HABITACIONAIS NO BRASIL E
NO AMAZONAS
Angélica de Matos Carvalho11
Evandro de Morais Ramos 12

RESUMO: O presente texto descreve o processo de urbanização no contexto his-


tórico e socioeconômico do país: o agravamento do problema habitacional refle-
tindo na conformação das cidades brasileiras, o desenvolvimento das políticas pú-
blicas de habitação no Brasil e análise das principais políticas públicas que foram
executadas para minimizar os problemas habitacionais, diversos programas foram
implantados para enfrentar o déficit habitacional do país, o Programa Minha Casa
Minha Vida, criado em 2009, e atualmente substituído pelo programa Casa Verde
e Amarela. O objetivo deste artigo é apresentar um breve relato histórico sobre as
políticas habitacionais brasileiras que foram executadas para minimizar os proble-
mas habitacionais. Para a elaboração deste artigo foi realizado estudo bibliográfico
e documental como procedimento metodológico a partir da leitura de fontes pri-
márias e pesquisa de mestrado e doutorado relacionado ao tema, e que abordam o
assunto. Enfim, após analisar os programas implantados no Brasil, percebe-se que
as políticas habitacionais implantadas não são suficientes para atender a população
em situação de vulnerabilidade social e habitacional da sociedade, e que apenas
mascaram o problema e beneficiam o setor privado e as classes mais influentes na
geração de riquezas do país.
Palavras-chave: habitação social; políticas habitacionais; precariedade social.

INTRODUÇÃO
O processo de crescimento urbano no Brasil ocorreu a partir
do sistema capitalista com a revolução industrial, um processo acelera-
do com vindas de muitas pessoas que migraram de várias localidades
e principalmente das sociedades rurais, trabalhadores do campo em
busca de trabalho nas indústrias para melhoria de vida na cidade, mas
nem todos foram inseridos nas indústrias.

11 - Mestranda no Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia – PPGS-


CA/UFAM. Pesquisadora bolsista da CAPES, pesquisadora do Laboratório de Interdiscipli-
naridade das Ciências Sociais do PPGSCA/UFAM. Projeto: Políticas públicas de habitação
versus moradias (im)próprias no bairro Nova Esperança, uma realidade na cidade de Manaus
E-mail: angelfamiliaa@gmail.com.
12 - Professor, orientador e pesquisador do PPGSCA/UFAM. Doutor em Tecnologias Educa-
tivas pela Universidade de Ilhas Baleares. Professor da Universidade Federal do Amazonas.
E-mail: evandromramos@hotmail.com

- 77 -
A industrialização foi um fator que atraiu muitas pessoas
para a cidade, mas a cidade não tinha e nem tem estrutura e nem po-
líticas públicas que acompanhasse e ainda não acompanha o processo
urbano acelerado. A cidade sem as mínimas estruturas e sem condi-
ções de acompanhar a expansão urbana, se inicia os problemas sociais
como: saúde, alimentação e educação precária, a falta de emprego, a
violência, a falta de moradia, a degradação de meio ambiente.
O déficit habitacional causa a origem das favelas com habi-
tações subnormais, casa autoconstruídas em locais inadequados para a
moradia, porém é a única solução para a classe de renda baixa, outros
construíam cortiços e cobravam alugueis das casas muito altos, conhe-
cidas casas de alugueis, um dos problemas habitacionais que atinge
milhões de brasileiros.
A questão habitacional se constituiu um desafio ao po-
der público em geral e passou a receber um tratamento por parte do
Estado, ao agravamento da questão habitacional, cujas intervenções
ainda se davam através da prática higienista, legitimando a intervenção
disciplinadora do Estado na área das edificações urbanas, acentuando
os desequilíbrios que a cidade moderna gerava.
A partir de 1942 passou a constituir como uma política pú-
blica a partir da Lei do Inquilinato, instituída no governo Vargas,
cujo objetivo era desestimular a casa de aluguel, outras medidas
foram tomadas para resolver o problema de habitação em busca
de amenizar a situação, somente em 1964, através da Lei nº 4.380,
foi criado o Banco Nacional de Habitação-BNH, a partir desta data
foram criados vários programas habitacionais e continuam sendo
criados até os dias atuais. Porém, a problemática habitacional ainda
não foi resolvida.
Neste texto os termos têm os seguintes significados, se-
gundo Houaiss (2004), o termo demográfico é relativo à população
de um determinado lugar, o termo precário é relativo à empéssimas
condições e o termo vulnerabilidade é o sujeito a ser atacado, preju-
dicado.
O objetivo principal deste artigo é dar conhecimento a minha
pesquisa de mestrado na qual pretendo conhecer e verificar as políticas
habitacionais brasileiras que tenham sido executadas na busca de mini-
mizar os problemas habitacionais brasileiros.

-78 -
Para a elaboração deste artigo foi realizado estudo bibliográ-
fico e documental como procedimento metodológico a partir da leitura
de fontes primárias e pesquisa de mestrado e doutorado, sites relacio-
nados ao tema.
Enfim, após analisar os programas implantados no Brasil,
percebe-se que as políticas habitacionais implantadas não são suficien-
tes para atender a população em situação de vulnerabilidade social e
habitacional da sociedade, e que apenas mascaram o problema e be-
neficiam o setor privado e as classes mais influentes na geração de
riquezas do país.

O processo de urbanização no contexto histórico e socioeconô-


mico do país: o agravamento do problema habitacional refletin-
do na conformação das cidades brasileiras
Segundo Lourenço e Valéria (2015), as cidades no Brasil não
iniciaram apenas com processos de industrialização e de urbanização
que aconteceram ao longo do século XX. Mas teve sua origem a par-
tir da sua geografia, a localização facilitava a ocupação dos europeus,
efetivava e possibilitava a expansão da colonização nos mais diversos
pontos do território sob domínio português.
As primeiras cidades no Brasil estavam intimamente ligadas ao
seu meio geográfico, cuja função era facilitar a ocupação efetiva
dos exploradores e possibilitar a expansão da colonização nos mais
diversos pontos do território sob domínio português, A ordem de
ocupação do novo território, definida pela Coroa Portuguesa, se
destinava somente para as pessoas livres, brancas e católicas. O
fim do sistema colonial estabelece uma nova forma de organização
do espaço, seja pelo novo arranjo político-institucional que a Re-
pública exige, seja pelo arranjo econômico-demográfico com base
na centralidade cafeeira. A cidade torna-se, cada vez mais, a refe-
rência das decisões políticas, ao passo que a fazenda ainda é a base
da economia nacional. (LOURENÇO e VALÉRIA, 2015. Apud.
MOREIRA, 2011, p. 79).

Desde o período colonial as desigualdades eram imensas e


voltadas aos interesses da elite, as terras eram doadas às famílias no-
bres, com plenos poderes sobre o território, a ordem de ocupação do
novo território, definida pela Coroa Portuguesa, se destinava somente
para as pessoas livres, brancas e católicas. O berço da exclusão social

- 79 -
com impedimento ao acesso à terra e à propriedade pela população em-
pobrecida, afetando principalmente os negros e índios, à exploração do
trabalho e também a ausência de políticas públicas que dessem conta
das demandas da população do campo. Mesmo com o fim do período
colonial ainda perpetuam os problemas sociais.
Os sistemas financeiros apresentam desenvolvimento econô-
mico, mas também apresenta consequências negativas para a socieda-
de como: social, econômico, político, devido aos interesses da elite.
O sistema capitalista, com a revolução industrial, apresentou aumento
demográfico exorbitante, e causou o desenvolvimento desigual na so-
ciedade e também o crescimento urbano desordenado nas cidades, as
quais estavam e continuam despreparadas para atender às necessidades
básicas das populações, a sociedade ainda hoje apresenta uma série de
problemas sociais e ambientais.
Dentre eles destacam-se: o desemprego que provoca um gran-
de crescimento no número de pessoas que atuam no mercado informal,
além de promover o aumento da violência, pois muitas pessoas, pela
falta de oportunidades, optam pelo crime, surgindo a criminalidade; as
favelas que apresentam uma concentração de casebres e barracos em
situação precária, desprovidos, em sua maioria, de serviços públicos
básicos, geralmente estão situadas em áreas de risco e abrigam grandes
grupos criminosos, como o tráfico de drogas; os cortiços corresponde
a moradias que abrigam um grande número de famílias, quase sempre
são cômodos alugados em antigas casas enormes situadas no centro,
essas construções se encontram em condições deterioradas.
A moradia precária apresenta péssimas condições sanitárias
e de segurança aos seus moradores; loteamentos populares que ocor-
rem em áreas periféricas, a camada da população que habita esses lu-
gares é de baixa renda, os lotes possuem preços acessíveis e longos
prazos para o pagamento. O maior problema desse tipo de habitação é
que quase sempre os loteamentos são clandestinos. As casas são cons-
truídas pelo próprio morador ou em forma de mutirão, devido a impos-
sibilidade financeira de adquirir um imóvel adequado.
A questão da habitação vincula-se às condições de mercado,
apesar da moradia ser um direito constitucional, esta tem se tornado
uma difícil aquisição para as camadas sociais pobres, que trabalham de
modo informal, ou que recebem um salário mínimo no trabalho formal,
nesta sociedade capitalista.

-80 -
Na obra de Covre (1989), está compreendido que a crise
habitacional representa um dos pontos centrais gerados pelo sistema
capitalista, que em seu bojo está a formação de problemas em cujo
reflexo é possível perceber o grande fosso que há entre as necessidades
humanas postas, os salários pagos à classe trabalhadora, a oferta de
moradias além de suas condições aquisitivas. Uma das problemáticas
sociais na sociedade, que tem sua grande solidez, a partir das forma-
ções de cortiços que são os arranjos habitacionais no perímetro urbano
das grandes cidades, como forma de enfrentamento que a população
empregou para fixar-se nas proximidades de seu local de trabalho.
Segundo Bonduki (2004), o problema da falta de moradia
é uma das faces da questão social, portanto, resultado de problemas
políticos, sociais e econômicos que em conjunto, refletem o sofrimento
da classe trabalhadora, que está na base do sistema produtivo, mas, que
embora represente a grande fonte de energia humana a dar suporte para
o modo de produção capitalista, não tem o reconhecimento de que para
si, também, deve haver o reconhecimento de um direito determinado
por sua própria condição humana.
Continuando com conceitos de Bonduki (2004) relata que os
investimentos em habitação apareceram entre 1933 e 1938 com a cria-
ção de seis Institutos de Aposentadorias e pensões - IAP, regulamen-
tados por leis específicas a cada IAP. Mas somente em 1937 é que os
IAPs passaram a atuar no campo habitacional, onde poderiam investir
até 50% de suas reservas para o financiamento habitacional.
Silva (1989) faz uma abordagem a partir da intervenção go-
vernamental, no incentivo à aquisição de imóveis, como contraponto à
utilização do aluguel. Além disso, situa a criação de novas políticas, de
acordo com o contexto histórico, político e social. A exemplo, iniciado
com o IAPAS lei do inquilinato em 1942, pode-se citar a criação do
BNH, na década de 1960, o Programa de Erradicação de Submoradia
- PROMORAR, na década de 1970, a criação de Cooperativas Habi-
tacionais, do Projeto João de Barro, todos refletindo uma preocupação
do governo com o déficit habitacional e com necessidade de oferecer
respostas à população.

- 81 -
O desenvolvimento das políticas públicas de habitação no Bra-
sil até a atualidade com o Programa Casa verde e amarela
Os primeiros indícios para o desenvolvimento das políticas
públicas de habitação no Brasil se iniciaram com o governo de Getúlio
Vargas nos anos trinta. Através de muita pressão e lutas (greves) pela
classe trabalhadora para conquista de alguns direitos sociais.
Em 1931 foi realizado o I Congresso de Habitação em São
Paulo, que tratou da importância de redução dos custos da moradia,
garantindo o acesso habitacional à população mais carente. E somente
em 1937 com os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP), se inicia
a tentativa de minimizar a questão habitacional para classe de traba-
lhadores ligados à indústria e ao comércio, mas o acesso está restrito e
somente os Idosos e pensionistas terão acesso à habitação financiada,
conforme Bonduki (2004):
Em 1931 foi realizado o I Congresso de Habitação em São Paulo,
onde se tratou da importância de redução dos custos da moradia,
garantindo o acesso da população mais carente. Assim, pensou-se
em mudanças nas legislações como o Código de Obras. Foi discu-
tida, então, a questão do crescimento horizontal das cidades, que
gera altos custos de urbanização e manutenção de serviços para os
cofres públicos, e foram pensadas medidas para combater a espe-
culação e reduzir custos, facilitando o acesso da população carente
a terra. São datados dessa época os Institutos de Aposentadoria e
Pensão (IAPS), para solucionar a questão habitacional da classe de
trabalhadores ligados à indústria e ao comércio. Houve preocupa-
ção com a racionalização, produção em larga escala de moradias e
normatização dos materiais. Os investimentos em habitação apa-
receram entre 1933 e 1938 com a criação de seis IAPS, regula-
mentados por leis específicas a cada IAP. Mas somente em 1937,
os IAPS passaram a atuar no campo habitacional, onde poderiam
investir até 50% de suas reservas para o financiamento habitacio-
nal. (BONDUKI, 2004, p. 89).

A partir da intervenção governamental no incentivo à aquisi-


ção de imóveis para trabalhadores formais através do IAP, que garantia
o acesso a moradia foi somente para uma parte da população carente,
aos idosos aposentados e para pensionistas. Os demais cidadãos não
têm direito algum sobre essa iniciativa ao acesso à habitação adequada.
Em 1942 houve uma nova política pública de habitação atra-
vés da Lei do Inquilinato, a política habitacional brasileira recebe um
tratamento por parte do Estado, passando a se constituir como uma

-82 -
política pública a partir desta lei, cujo objetivo era desestimular a casa
de aluguel, conforme relata o autor nesta citação:
Portanto, em 1942, Getúlio Vargas impõe a Lei do Inquilinato, con-
gelando os aluguéis nos níveis de 31 de dezembro de 1941, o que
representa uma intervenção direta do governo para desestimular a
casa de aluguel. Essa medida deve ser compreendida num quadro
mais amplo, onde o Estado passa a intervir nos diversos setores da
economia, fixando preços, influenciando na distribuição dos ga-
nhos e perdas entre os diversos segmentos da classe capitalista e
na regulamentação das relações de trabalho (SILVA, 1989, p. 38).

A nova lei regulamenta as relações entre locatários e inqui-


linos, os aluguéis residenciais ficaram congelados por dois anos, seja
o contrato de aluguel firmado de forma oral ou escrito, e também di-
ficulta a ação de despejo dos inquilinos. Diante dessa nova realidade, os
construtores sentiram-se desestimulados a realizar novos investimentos em
residências para aluguéis.
Em 1946 foi criada a Fundação Casa Popular, que foi o pri-
meiro órgão federal brasileiro na área de moradia com a finalidade de
centralizar a política de habitação, além da construção de moradias, o
apoio e estímulo de toda a cadeia produtiva da construção civil, locação
de imóveis, investimentos em infraestrutura e saneamento. No entanto,
desde sua criação, foi utilizada com fins partidários e clientelistas, o
que ocasionou o fracasso do programa, atingindo pequena faixa da
população de baixa renda do país. A Fundação da Casa Popular foi
extinta em 1964, mas é considerada como a precursora do Banco Na-
cional da Habitação – BNH, criada em 1964. (SILVA, 1989).
A Lei nº 4. 380, de 21 de agosto de 1964, é a lei do Sistema
Financeiro de Habitação-SFH, juntamente com o Banco Nacional de
Habitação – BNH, e deu respaldo jurídico para a criação das Compa-
nhias de Habitação-COHAB como forma de dar assistência na ela-
boração e execução de planos diretores, projetos e orçamentos para a
solução do problema habitacional. A missão de estimular a construção
de habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da
casa própria, para todas as classes econômicas, por meio das Compa-
nhias de Habitação Popular e pela incorporação imobiliária. O BNH
amenizou, mas não erradicou o problema habitacional.
Na década de 1970 o BNH em sua competência adotou mo-
dalidades de financiamento que permitiu a aquisição de casas através

- 83 -
das Companhias de Habitação – COHABs, criadas para estado ou mu-
nicípio executar atividades na área da habitação, por via amigável ou
mediante a desapropriação, de áreas destinadas a conjuntos habitacio-
nais de interesse sociais.
Em 1973 foi criado o Plano Nacional de Habitação Popu-
lar-PLANHAP, e institucionalizado pela Resolução de 01/1973, com
objetivo de eliminar o déficit e assegurar atendimento de deman-
da adicional de habitações para as famílias urbanas de baixa ren-
da.  PROFILURB, de que trata a lei nº 2.416, de 15 de junho de 1978:
criados para resolver o problema da subhabitação, financiava lotes com
prazo máximo de financiamento de 25 anos. (SILVA, 1989).
Em I979 foi criado o Programa de Erradicação de Subhabita-
ção-PROMORAR, representou a versão mais acabada da nova política
habitacional que objetivava erradicar subhabitações a partir de inter-
venções visando a melhoria dos núcleos habitacionais de favelas, sem
implicar, portanto, a remoção dos moradores. É com o PROMORAR
que a produção de habitações populares nos moldes de programas al-
ternativas atinge o recorde histórico em termos quantitativos.
O projeto João de Barro, Programa Nacional de Autocons-
trução, em geral, instituído em abril de 1984 (RC 05/84), o projeto
João de Barro representa a consolidação de um programa de autocons-
trução em larga escala e se distingue dos programas de autoconstrução
em geral por se destinar a núcleos urbanos de pequeno e médio portes.
O BNH apresentou no período entre 1964 a 1986, um peque-
no desenvolvimento na Política Nacional de Habitação, minimizou,
mas não erradicou a problemática habitacional. Na reestruturação do
formato institucional da política habitacional no governo José Sarney,
institui o Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente em
março de 1985, decreto 91.145/85 e que culminou com a extinção do
BNH, com Decreto nº 2 291 de 21 de novembro de 1986, suas funções
foram incorporadas pela Caixa Econômica Federal, desde então a úni-
ca agência financiadora dos programas relacionados à habitação.
Em 1988, no governo José Sarney, foi promulgada a nova
Constituição Federal, em 05 de outubro, uma grande conquista para a
população brasileira, um respaldo legal importante e contém o direito
à habitação, o planejamento e gestão urbana, que estabelecem a gestão
da política urbana brasileira, conforme o capítulo da Política Urbana

-84 -
nos artigos:182 e 183. Mesmo assim, não se garantiu a efetiva justiça
social e a gestão democrática nas cidades brasileiras. (SIANO, 2003).
Gonçalves (2006), relata que em 1990, foi lançado no go-
verno do Presidente Fernando Collor de Melo, o Plano de Ação Ime-
diata para Habitação-PAIH. No Governo do Presidente Itamar Franco,
o Programa Habitar Brasil e o Morar Município, mas ao longo de seu
mandato os dois programas não tiveram êxito. No governo de Fernan-
do Henrique Cardoso foi criado a Secretaria de Política Urbana, vincu-
lada ao Ministério do Planejamento, no segundo mandato de FHC, cria
o Ministério de Política Fundiária e o Estatuto das Cidades, que visava
atender a demanda habitacional no país.
A partir de 2003, com o Governo do Presidente Luiz Iná-
cio Lula da Silva, implanta novas medidas iniciando com a criação do
Ministério das Cidades, em 1 de janeiro de 2003 a partir da Medida
Provisória nº 103/2003, convertida na Lei nº 10.683 de 28 de maio de
2003, com os objetivos de combater as desigualdades sociais, transfor-
mar as cidades em espaços mais humanizados e ampliar o acesso da
população a moradia, saneamento e transporte.
Em 2009, instituído pela Lei n. 11.977, de 7 de julho de
2009, o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV, com objetivo
da construção de moradias, visando à melhoria do sistema habitacional
para a população de baixa e média renda. No âmbito do PMCMV estão
previstos dois subprogramas: o PNHU – Programa Nacional de Habi-
tação Urbana e o PNHR – Programa Nacional de Habitação Rural. O
PNHU “tem por objetivo promover a produção ou aquisição de novas
unidades habitacionais ou a requalificação de imóveis urbanos” (Art.
4º, Lei n. 12.124/2011), enquanto cabe ao PNHR “subsidiar a produ-
ção ou reforma de imóveis aos agricultores familiares e trabalhadores
rurais [...]” (Art. 11, Lei n. 12.124/2011-CASA CIVIL, 2011).
No ano de 2011, uma mulher eleita presidente no Brasil foi
a Dilma Rousseff (2011-2016), prosseguiu com as políticas sociais
de Lula, sendo a terceira fase do Programa Minha Casa, Minha vida,
mas enfrentou processo de impeachment, sendo afastada em 2016, e
Michel Temer assumiu a presidência (2016-2018), representa um re-
trocesso nas políticas sociais principalmente no Programa de habitação
que fica estagnado neste período tendo a especulação de término. (Jor-
nal do Comércio, 2017).

- 85 -
Em 2019 com o presidente Bolsonaro esse quadro das polí-
ticas sociais se agrava, no início de seu governo, extingue o Ministério
das Cidades e o Ministério da Integração Nacional, dentre outros. E
cria o Ministério do Desenvolvimento Regional que é um órgão do
Poder Executivo Federal resultante da Medida Provisória n° 870, de 1°
de janeiro de 2019 e oficializada pelo decreto 9.666 de 2 de janeiro de
2019. O órgão foi constituído pela união do Ministério da Integração
Nacional com o Ministério das Cidades. (JÚNIOR, 2020).
O Programa Minha Casa, Minha Vida foi reformulado para o
programa habitacional Casa Verde e Amarela, o presidente Bolsonaro
assinou a Medida Provisória 996/2020, (PLANALTO, CASA CIVIL,
2020), produziu o programa habitacional Casa Verde Amarela, com a
finalidade de promover o direito à moradia a famílias residentes em
áreas urbanas e em áreas rurais e associados ao desenvolvimento eco-
nômico, à geração de trabalho e renda e à elevação dos padrões de
habitabilidade e de qualidade de vida da população urbana e rural.

O desenvolvimento das políticas públicas de habitação no Esta-


do do Amazonas
No estado do Amazonas especialmente a cidade de Manaus
teve um crescimento demográfico súbito, a partir do ciclo da borracha
e da criação da Zona Franca de Manaus e não estava preparada para
atender as crescentes demandas por habitação, emprego, educação,
saúde, e demais serviços urbanos, pois as riquezas produzidas na cida-
de não são distribuídas de forma que possa beneficiar a população de
um modo geral, além da ausência de planejamento das ações do gover-
no, tanto local como nacional, iniciando problemas de ordem social e
urbana, conforme relata:
Manaus explodiu demograficamente e economicamente com
o êxodo interiorano e regional, provocado pelo abandono de pequenas
e medianas cidades do interior do Amazonas e dos Estados vizinhos,
bem como pela centralização em seu perímetro urbano. A invasão des-
controlada de áreas de periferias, transformou Manaus numa espécie
de inferno demográfico urbano. A dicotomia e os contrastes sociais
saltavam aos olhos (FERREIRA, 2003, p.38).
Desta forma o crescimento demográfico e urbano desordena-
do causaram consequências para a população de baixa renda, que sem

-86 -
condições financeiras para adquirir um imóvel financiado, constrói
casebres (barracos), em locais impróprios iniciando as favelas, como
exemplo temos: a cidade flutuante localizada da orla de Manaus, sem
infraestrutura, fatos que desde os primórdios da sociedade são consi-
derados problemas sociais.
Segundo Salazar (1985), A cidade flutuante eram habitações
flutuantes sobre as águas do Rio Negro ou em palafitas, à beira do rio,
nas proximidades do centro da cidade, essa cidade surgiu aproximada-
mente em 1920, uma alternativa de moradia mais barata, para os que
não tinham condições de habitar em terra. Em 1965, houve a remoção
dos habitantes da cidade flutuante para os primeiros conjuntos habita-
cionais na cidade Conj. Flores I e II, Conj. Costa e Silva, Conj. Raiz
I e II, Conj. 31 de Março, gerido pelo Governo Estadual Arthur Cezar
Ferreira.
Inicia na década de 60, o desenvolvimento das políticas
públicas de habitação na cidade de Manaus, município do Estado do
Amazonas, com o governador Arthur Cézar Ferreira Reis, que sancio-
na através da lei 226, funda em 27 de junho de 1965. A Companhia de
Habitação do Estado do Amazonas – COHAB/AM com a finalidade de
estudar as questões relacionadas com a habitação de interesse social
e de executar as suas soluções, de acordo com a lei federal 4.380 de
1964, do recém-criado Sistema Financeiro de Habitação.
A COHAB-AM construiu em áreas distantes do centro da ci-
dade com infraestruturas financiadas também pelo Estado, vários con-
juntos habitacionais tais como: Conjunto Ajuricaba, Conj. Parque 10
I, Conj. Castelo Branco, Conj. Flores I e II, Conj. Costa e Silva, Conj.
Raiz I e II, Conj. 31 de Março. Num total de 5.071 unidades habita-
cionais com padrão arquitetônico de qualidade mais simples, já que o
propósito era atender a uma demanda de classe de renda baixa. Desta
forma contribuindo para o aumento do perímetro urbano da cidade.
Na década de 70 no governo de Henoch da Silva Reis, trans-
formou a COHAB-AM na Sociedade de Habitação do Estado do Ama-
zonas - SHAM. Uma empresa pública que atendia o Plano de Desen-
volvimento do Amazonas - PDA, implantado pelo então governador. A
lei 1.172 de 29 de dezembro de 1975 estabelecia a aprovação de todas
as diretrizes e prioridades estabelecidas no Plano de Desenvolvimento
do Amazonas do programa de 1975 e os projetos e atividades de 1976
a 1979. (REVISTA HABITAÇÃO, 2002).

- 87 -
Em 1995, foi criada a Superintendência Estadual do Ama-
zonas-SUHAB/AM, na administração do governador Amazonino
Mendes em 29 de maio de 1995, através da lei 2.330, constrói casa
populares para tentar amenizar a problemática habitacional e desen-
volveu vários programas habitacionais financiados e não-financiados
voltados a população de classe de renda baixa, a exemplo de imóveis
financiados: conj. Cidade Nova I, II, III, IV, conj. Galileia I e II, conj.
Vila da barra, e conj. Nova Cidade dentre outros e não-financiados:
Conj. Carlos Braga, conj. Cidadão I, II e III, conj. Carlos Braga, conj.
João Paulo I e II, conj. Amine Lindoso dentre outros. (REVISTA HA-
BITAÇÃO, 2002).
O Governo do Amazonas através da Superintendência Esta-
dual de Habitação- SUHAB por meio do Programa Minha Casa, Mi-
nha Vida do Governo Federal, realizou entrega em 2016 do conjunto
Viver Melhor I, II, III, beneficiando mais de 10 mil famílias carentes
de baixa renda em Manaus. (GOVERNO DO AMAZONAS-SUHAB,
2020).
O Governo do Amazonas através do Programa Social e Am-
biental dos Igarapés de Manaus –PROSAMIM, área de abrangência
de trabalho, Bacias dos igarapés de Manaus, Educandos e do São Rai-
mundo. O propósito é ajudar na solução dos problemas ambientais,
urbanísticos e sociais que afetam a cidade de Manaus e seus habitantes
residentes próximas dessas bacias.
Os parques contemplados foram: Parques residenciais Pro-
fessor Jefferson Peres, Residencial Cajual e Parque Residencial Gil-
berto Mestrinho, localizados no bairro Morro da Liberdade, zona sul, o
Parque Residencial Mestre Chico, no bairro da Cachoeirinha, zona sul,
e o Residencial Manaus, no Centro, zona sul, com área para o lazer que
conta com pistas de skate, tanto para adultos quanto crianças, quadras e
uma ciclovia, beneficiando quase 900 famílias que residiam em condi-
ções de vulnerabilidade e precariedade habitacional (GOVERNO DO
AMAZONAS-PROSAMIM, 2020).
A Prefeitura de Manaus, através da Lei nº 1605, de 09 de
novembro de 2011, cria a Subsecretaria de Habitação e Assuntos Fun-
diários da Casa Civil-SUBHAF, tem por finalidades o planejamento, a
proposição e a execução das políticas públicas municipais relativas a
questões fundiária e habitacional.

-88 -
A Prefeitura de Manaus, através da Subsecretaria de Habita-
ção e Assuntos Fundiários da Casa Civil-SUBHAF, por meio do Progra-
ma Minha Casa, Minha Vida do Governo Federal. Realizou em 2016
a entrega dos conjuntos Manauara I e II com área para o lazer, benefi-
ciando 1.400 famílias que residiam em condições de vulnerabilidade e
precariedade habitacional. (JORNAL EM TEMPO, 2016).

Considerações Finais
Desse modo, a questão da moradia no Brasil sempre esteve
atrelada à dependência de políticas públicas, as quais negligenciam ao
atendimento da totalidade de problemáticas que envolvem o déficit ha-
bitacional e à infraestrutura e acabam beneficiando o setor privado e as
classes mais influentes na geração de riquezas do país. Esse processo
de valorização dos interesses de uma minoria prevalece há muito tem-
po e só poderemos contar com uma solução para os problemas urbanos
das classes menos favorecidas quando essas ideias forem colocadas de
lado, dificilmente serão solucionados.
As autoridades governamentais não conseguem monitorar
todos os problemas devido ao acelerado crescimento demográfico
ocorrido no passado e que ainda continua crescendo, não somente pela
migração, mas também pela falta de políticas sociais que incluem o
controle de natalidade, muitas famílias possuem mais de cinco filhos e
vivem em condições precárias e em vulnerabilidade social; esses são
alguns dos problemas vividos nas cidades brasileiras.
Quando o BNH iniciou suas atividades no setor habitacio-
nal, o problema da moradia já estava bastante agravado no país e, as-
sim, as principais críticas à sua atuação são de conjuntos habitacionais
construídos sem qualidade urbanística e/ou arquitetônica, apenas para
resolver o problema habitacional em números e não em eficiência e
qualidade.
O Programa Minha Casa Minha Vida foi o programa de
maior duração e que beneficiou milhões de brasileiros. Mas esses vul-
tosos resultados quantitativos iniciou um trabalho na tentativa de ame-
nizar, mas não foi resolvido o problema da habitação.
Para que o problema habitacional brasileiro seja amenizado
serão necessárias políticas de habitação que sejam mais inclusivas e

- 89 -
que tenham políticas sociais de controle de natalidade porque as famí-
lias estão crescendo em números de pessoas e as políticas de desenvol-
vimento urbano das cidades não acompanham esse crescimento demo-
gráfico e urbano. Um dos problemas sociais das cidades com soluções
longínquas e de difícil solução, pois não há um compromisso sério por
parte de nossos governantes.

Referências
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os riscos de construção de cidades intolerantes, injustiças e antide-
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-90 -
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-92 -
POLÍTICA E O “VIÉS” IDEOLÓGICO NO
LIVRO DIDÁTICO: algumas considerações
Marcos Afonso Dutra1
Artemis de Araújo Soares2

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo apresentar algumas considera-


ções acerca do livro didático, sendo tal estudo parte integrante da pesquisa de dou-
torado que estamos realizando e que se encontra em andamento. A fim de darmos
conta dos subsídios teóricos para este trabalho recorremos a vários autores que
apresentam estudos acerca do livro didático e de sua relação com a educação, a
saber: Apple, Choppin, Freitag, Freire, Harvey, Bittencourt dentre outros. A estru-
tura do artigo está assim disposta: inicialmente lançamos mão de um breve resumo
histórico; em seguida apresentamos uma análise sobre algumas matérias jornalís-
ticas que ganharam destaque na mídia após falas proferidas pelo atual Presidente
da República acerca do livro didático, segundo ele o livro didático está carregado
de discurso “ideológico”. Desse modo, o objetivo do referido artigo foi traçar al-
gumas considerações sobre o livro didático e sua relação com a questão cultural e
ideológica produzida pelo homem.
Sem entrar na seara densa acerca do sistema político neoliberal, ressaltamos que
o referido sistema promove, conforme David Harvey, uma “destruição criativa”3
nas estruturas institucionais, por conseguinte a escola não seria um caso à par-
te, uma vez que a ideologia dominante faz uso da estrutura para sedimentar suas
ideias. O método de estudo se deu através de revisão bibliográfica e de análise de
conteúdo de matérias publicadas em jornais eletrônicos cujo teor versa sobre o
livro didático. Ao final pudemos perceber, que o livro didático é utilizado como
instrumento “ideológico”, pois, tanto na fala daqueles que estão no poder quanto
nas produções acadêmicas, ele apresenta um campo de estudo com diferentes abor-
dagens e interesses.

Introdução
A partir dos debates estabelecidos na disciplina Tópicos Es-
peciais II, resolvemos fazer um entrelaçamento, ou por assim dizer,
um breve recorte do nosso objeto de pesquisa “livro didático” com
1 Professor da Secretaria Municipal de Educação - SEMED, doutorando do Programa de
Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazonia – PPGSCA/UFAM e-mail: marcosdu-
tra30@gmail.com
2 Doutora em Ciências do Desporto pela Universidade do Porto, mestre em m Educação
Física na Escola de Educação Física e Esporte na Universidade de São Paulo, EEFE/USP.
Professora titular da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da UFAM, Manaus, Brasil,
membro da Academia Amazonense de Letras e da Academia Brasileira de Educação Física.
artemissoares@ufam.edu.br
3 HARVEY, David. Neoliberalismo: história e implicações. trad. Adail Sobral, Maria Estela
Gonçalves. São Paulo: Loyola, 2008.

- 93 -
o material disponibilizado para estudo e que também serviu de base
teórica dos diálogos estabelecidos na sala de aula. Para início de con-
versa lançamos mão da seguinte frase para justificar a construção desse
artigo: “torna-se cada vez mais necessário compreender a pesquisa em
livros didáticos, discutir tendências e perspectivas.” Silva (2010, p.14)
Em função da sua complexidade, vários são os vieses em
que se pode analisar o livro didático. Neste artigo apresentamos uma
breve exposição acerca do processo histórico que envolve este objeto,
de antemão ressaltamos que a ênfase recairá sobre a questão política,
entendermos que não há como dissociá-la, devido ao fato dela ser um
elemento determinante para seleção, aquisição e distribuição do livro
didático no Brasil, pois envolve forças com diferentes interesses, den-
tre elas está o mercado editorial, o capital e suas motivações econômi-
cas.
No bojo dessa discussão também é objeto de análise a ques-
tão da construção ideológica que está subjacente, conforme alguns
pesquisadores, no livro didático. Isto porque “A vertente crítica em re-
lação a ideologia é ainda bastante presente e importante para a pesqui-
sa, sendo especialmente marcante nos países que ainda não possuem
tradição nesta área.” Silva (2010, p.15)
Sobre a questão cabem algumas indagações: o livro está,
verdadeiramente, a serviço da construção do conhecimento em sala de
aula? Quais são os interesses que o cercam?
Tratar a questão livro didático como objeto de pesquisa não
uma das tarefas mais fáceis, pois há um emaranhado e complexo cam-
po de inferências e posicionamentos nas mais variadas frentes em âm-
bito nacional e internacional que envolvem o livro didático. Embora
possa parecer clichê, entendemos nunca ser demasiado pontuar que o
livro didático é um instrumento poderoso nas mãos do Estado, sobre-
tudo porque este último faz usufruto do mesmo para transmitir valo-
res e orientações ideológicas, principalmente no campo do mercado
editorial e seus interesses econômicos, culturais etc. como asseguram
Martins, Sales e Souza (2009, p. 11) “O livro didático é uma poderosa
ferramenta pedagógica. Além de ser uma fonte de pesquisa e orienta-
ção para professores e alunos. Exerce papel de grande importância na
política educacional e na aprendizagem, transmitindo conhecimentos,
ideias e valores sobre determinado conteúdo. Implicitamente, o livro
didático abrange interesses sociais, políticos, econômicos e culturais.”

-94 -
A metodologia escolhida foi a revisão bibliográfica,
com objetivo de analisar a importância do livro didático enquanto ele-
mento de transmissão da cultura. O referido trabalho está dividido em
duas partes, a saber: primeiro apresentamos uma breve retrospectiva
histórica do livro didático e em seguida algumas considerações sobre
questões políticas a respeito do livro didático.

Breve contextualização histórica sobre o livro didático


O professor Diogo Francisco Cruz Monteiro, assegura que o
“o livro didático, geralmente, é o único material de leitura à disposição
do público em idade escolar. Ele faz parte do cotidiano dos estudan-
tes.” (MONTEIRO, 2014, p.21). Ousamos complementar a citação do
autor com a seguinte frase: “é o “único”, principalmente quando se
refere aos estudantes das escolas públicas.
Cabe destacar que, nas escolas privadas é possível encontrar
itens que serão utilizados no ano letivo, dentre eles destacam-se ou-
tros materiais didáticos considerados como aporte complementar para
o incentivo à leitura no âmbito escolar, como por exemplo os livros
paradidáticos. Portanto, entendemos ser pertinente quando o autor, a
partir da sua experiência profissional, faz tal afirmação, como também
consideramos pertinente nosso adendo.
O livro didático, como tantos outros elementos que depen-
dem de decisões políticas, possui uma relação histórica com o Estado,
uma vez que este é o provedor de políticas públicas para manutenção
das instituições educacionais. Conforme Cassiano (2007, p. 19) “A
relação oficial do Estado com livro didático, na perspectiva de uma
história recente, foi instituída no Estado Novo, pelo Ministério da Edu-
cação, com a criação do Instituto Nacional do Livro (INL), por meio
do Decreto Lei Nº 93, de 21/12/1937.” Cassiano ressalta também que
em 1938, através do Decreto Lei nº 1.006, de 30/12/1938, foi criada a
CNLD (Comissão Nacional do Livro Didático).
A autora citada recorre a várias outras fontes: Franco (1982),
Choppin (1998) a fim de sustentar seus argumentos acerca do caráter
político do livro didático. De acordo com ela em todos os países do mun-
do ele se constitui como objeto de disputa tanto real quanto simbólica,
deixando claro ao leitor que o livro didático é um instrumento de poder.

- 95 -
Dalva Alexandrino Camilo, em comunicação feita no V CO-
NEDU, apresenta trajetória do livro didático de 1945 até 1985, ela
destaca a implementação do Decreto-Lei 8.460, de 26/12/1945; o acor-
do em 1966 entre o Ministério da Educação (MEC) e a Agencia Norte
Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID), este acor-
do visava a criação de uma comissão para coordenar as ações refe-
rentes à produção, edição e distribuição do livro didático denominada
de (COLTED), afirma ainda que no ano de 1970 houve a criação do
Instituto Nacional do livro (INL), que a partir deste programa foi ins-
tituído o primeiro programa do Livro do Brasil (PLIDEF) – Programa
do Livro Didático para o Ensino Fundamental, mantido por verbas de
contribuição financeira MEC/USAID, posteriormente extinto.4
Cabe destacar, nesse ínterim, a criação do Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia vinculada ao go-
verno federal criada pela lei nº 5.537 de novembro de 1968, e alterada
pelo Decreto nº 872, de 15 de novembro de 1969, é responsável pela
execução de políticas educacionais vinculadas ao Ministério da Educa-
ção (MEC). Dentre as atribuições deste órgão está o repasse de verbas
para que os estados e municípios, devidamente cadastrados no sistema
do MEC, possam adquirir o livro didático.5 É importante lembrar que
o órgão referenciado tem como incumbência, além do repasse de ver-
bas, primar pela qualidade na aquisição do livro didático.
Dando prosseguimento a questões históricas e avançando na
cronologia, saímos de décadas anteriores e localizamos o livro didático
na década de 80, mais precisamente no momento em que ele é instituí-
do, ou seja, passa a se tornar instrumento de uma política pública mais
ampla por intermédio do decreto 91.542, de 19/08/1985. Conforme o
Decreto em questão, fica designada a Política do Livro Didático ou
Programa Nacional do Livro Didático - PNLD, que se constituiu em 9
artigos, abaixo, destados.
Art. 1º. Fica instituído o Programa Nacional do Livro Didático,
com a finalidade de distribuir livros escolares aos estudantes
matriculados nas escolas públicas de 1º Grau.

4 http://querepublicaeessa.an.gov.br/temas/57-filme/177-um-livro-na-mao.html acessso em
03.01.2020
5https://www.fnde.gov.br/index.php/acesso-a-informacao/institucional acesso em
02.01.2020.

-96 -
 Art. 2º. O Programa Nacional do Livro Didático será desenvolvido
com a participação dos professores do ensino de 1º Grau, mediante
análise e indicação dos títulos dos livros a serem adotados.
 Art. 3º. Constitui requisito para o desenvolvimento do Programa,
de que trata este Decreto, a adoção de livros reutilizáveis.

     § 1º Para os efeitos deste artigo, deverá ser considerada


a possibilidade da utilização dos livros nos anos
subsequentes à sua distribuição, bem como a qualidade
técnica do material empregado e o seu acabamento.

     § 2º A reutilização deverá permitir progressiva constituição de


bancos de livros didáticos, estimulando-se seu uso e conservação.

     Art. 4º. A execução do Programa Nacional do Livro Didático


competirá ao Ministério da Educação, através da Fundação de
Assistência ao Estudante - FAE, que deverá atuar em articulação
com as Secretarias de Educação dos Estados, Distrito Federal
e Territórios, e com órgãos municipais de ensino, além de
associações comunitárias.6

O Art. 4º explicita que a execução do PNLD fica a cargo do


Ministério da Educação, através da Fundação de Assistência ao Estu-
dante – FAE, implementações feitas a partir da chamada Era Sarney.
Diante do exposto, foi possível perceber que a história do
livro didático engloba diversos entrelaçamentos políticos, econômi-
cos, sociais, culturais e ideológicos nem sempre articulados harmoni-
camente entre si. Silva (2010), apresenta dois casos, um internacional
e outro nacional que justificam nosso argumento. Conforme este au-
tor, ambos há embates entre forças políticas, sociais e ideológicas que
envolvem o livro didático. Outros autores também assume o mesmo
posicionamento.

O livro se constitui, em relação aos outros, em poderosa ferramenta


política, ideológica e cultural, pois produz e representa os valores
da sociedade quanto à visão da ciência, da história, da interpreta-
ção dos fatos e do próprio processo de construção do conhecimen-
to. (MARTINS, SALES e SOUZA, 2009, p. 17)

Compete dizer que não é de hoje que o livro didático se


constitui um instrumento nas mãos do Estado com a finalidade de di-
vulgar seu “modo” de “ver” e de “pensar” a sociedade. Num processo
6 https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-91542-19-agosto1985-44
1959-publicacaooriginal-1-pe.html consultado em 30/12/2019.

- 97 -
democrático, não é incorreto afirmar que o livro didático serviu a dife-
rentes interesses em diferentes governos mundo a fora, pois é através
desse instrumento que valores, conceitos, concepções ideológicas são
trabalhadas pedagogicamente em forma de ensino para sedimentar o
que governo pensa sobre educação, cultura e sociedade. Nesse sentido,
o livro didático é um excelente canal de comunicação, distribuição e
inculcação de um determinado “viés ideológico.
Vejamos como o governo, por intermédio do Decreto-Lei
n.1006 de dezembro de 1938, faz usufruto de mecanismos legais para
impor seus critérios e interesses acerca da seleção do livro didático:
a) O livro que atente de qualquer forma, contra a unidade, a
independência ou a honra nacional.
b) Que contenha de modo explícito ou implícito, pregação
ideológica ou indicação de violência contra o regime político adotado
ela nação.
Gadotti (2012) comenta que os aparelhos ideológicos ser-
vem de veículos de ocultação e de distorção, mesmo quando não di-
retamente ligados à doutrinação política da classe dominante. Eles as-
sumem uma postura supostamente neutra. Eles são justamente mais
eficientes no seu trabalho ideológico, quando se omitem, quando ‘não
querem fazer política.
Como visto no decreto acima citado, o livro didático é um
instrumento, que desde a década de 30, era usado como fortalecimento
da política educacional do Estado, do modo como o mesmo concebe
a educação, porém tudo o que se mostra contrário, que se opõe a essa
linha política é excluído da seleção, sendo automaticamente eliminado.
Cassiano (2007, p. 3), ressalta que “Devido à centralidade que o ma-
nual escolar assume na educação, por ser a o mesmo tempo mercadoria
e elemento fundamental da cultura escolar, para além das análises in-
trínsecas do mercado, há questões que se relacionam com a educação.”
Monteiro (2014, p. 25), assume alinhamento com os auto-
res acima citados, ao afirmar que “[...] a natureza do livro como um
veículo portador de um sistema de valores, ideologias, de uma cultura
de determinada época e determinada sociedade”. É por esse viés que
iremos abordar o livro didático no próximo tópico.

-98 -
O “viés” ideológico no livro didático: uma reflexão

“um elemento crítico para ampliação da dominação ideológica de


determinadas classes sobre as outras é o controle do conhecimento
que preserva e produz as instituições de determinadas sociedades”.
Gramsci apud Apple (2006, p. 61)),

Os autores anteriormente citados são enfáticos em afirmar


que o livro didático compreende diferentes interesses, ora para sedi-
mentar campos políticos e econômicos ora para divulgar ideologias, a
escolha do livro didático não se dá através de um processo neutro, nela
convergem múltiplas ambivalências, sobretudo as econômicas. Grosso
modo, os interesses mercadológicos não iriam deixar esse “filão” de
fora, afinal ele representa um nicho poderoso para o mercado edito-
rial, na sua maioria pertencente à iniciativa privada, pois encarna os
interesses dos detentores de propriedade privada, dos negócios, das
corporações multinacionais e do capital financeiro.
Para além das questões econômicas, embora esteja claro que
não há como fugir das amarras engendradas por ela, a economia está
presente nos governos, nas instituições e na sociedade como um todo.
O atual cenário político no Brasil remete há tempos remotos que não
trazem boas recordações para a democracia e para os grupos que lutam
por igualdade de condições sociais, principalmente aqueles que veem
a educação como instrumento de promoção humana e de ascensão so-
cial.
É necessário mantermos vivo o regime democrático, e a escola
é uma instituição social que pode promover vivencias democráticas,
“Pois os cursos dessas escolas estariam aptos a reestruturar e
reorganizar a sociedade global, que muitas vezes apresenta desvios
em relação os princípios da democracia, seja no campo econômico,
político ou ideológico.” Freitag (2007, p. 39)
Nos últimos meses o livro didático tem estado no centro do de-
bate político e tem alcançado espaço significativo nos mais diversos canais
de comunicação tanto virtual quanto impresso, essa visibilidade seu deu a
partir da fala do Presidente Jair Bolsonaro. Nela, ao que nos parece, o Bra-
sil está resgatando ações regulatórias do passado para colocar em prática
políticas de controle que possam servir aos interesses “ideológicos” dos
seus governantes. Trata-se, portanto de uma espécie de Déjà vu.

- 99 -
“Viés ideológico” é a uma frase recorrente na fala do atual
Presidente, sobretudo quando ele diz que irá banir o viés ideológico
para justificar as ações do seu governo diante daquela que pertenceu a
gestão passada. Vale lembrar o papel do Estado enquanto provedor de
políticas que venham a garantir a manutenção do sistema regulador,
principalmente num sistema político Neoliberal que massifica e pro-
põe que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-
-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito
de uma estrutura social onde a ideologia assume papel preponderante.
(HARVEY, 2005).
Sobre ideologia, Gadotti, (2012, p. 44) apresenta o seguinte
esclarecimento:
Minha primeira colocação visa apenas esclarecer o que significa
“ideologia” e como funciona. Tomo a palavra “ideologia”, portan-
to, como superestrutura ligada à distorção, à intenção de enganar,
à dissimulação da situação real, agindo sobre os indivíduos de uma
sociedade à maneira da coerção. Nesse sentido, podemos chamar
de “ideológico”, todo pensamento, todo discurso que, interpretan-
do o mundo, o representa de maneira falsa, distorcida, cujos com-
ponentes essências ocultam suas raízes, suas origens, econômicas,
políticas e sociais. (p. 44)

Em reportagem publicada na revista Veja, “O presiden-


te Jair Bolsonaro defendeu, recentemente, mudanças nos atuais livros
didáticos distribuídos nas escolas públicas. Diante de apoiadores na
saída do Palácio da Alvorada, ele afirmou que o material entregue a
partir de 2021 será feito integralmente por seu governo. O presidente
também disse que o livros didático em vigor têm “muita coisa escrita”7.
Sobre a fala do presidente Bolsonaro reproduzida nos canais
de comunicação, trazemos o excerto abaixo, retirado do livro Ideo-
logia e Currículo, (Apple). Nela é possível vislumbrar simetria com
reportagem da revista. Ora, ao proferir tal fala, o referido presidente
da república deixa claro que “o material entregue em 2021 será feito
integralmente por seu governo” indicando que sua gestão não permi-
tirá que o livro didático possua “acordes dissonantes” da política de
educação pensada por ele e por sua equipe. A reportagem ainda cita
que na capa do livro didático, conforme o Presidente, virá a bandeira
do Brasil. Assim...
7 https://veja.abril.com.br/politica/bolsonaro-critica-livros-didaticos-muita-coisa-escrita/
acessado em 06/01/2020

-100 -
[...] o próprio liberalismo está sob ataque da direita, a partir da
coalizão de neoconservadores, “modernizadores econômicos” e
novos grupos de direita que têm buscado construir um novo con-
senso acerca de seus próprios princípios. Seguindo uma estratégia
mais bem identificada como “populismo autoritário”, essa coalizão
combina uma “ética de livre-mercado” com uma política populista.
O resultado tem sido o desmantelamento das políticas de demo-
cracia social que em geral beneficiam os trabalhadores, pessoas de
cor e mulheres (esses grupos obviamente não se excluem mutua-
mente), a construção de uma relação mais intima entre o governo
e a economia capitalista, um declínio radical das instituições e do
poder da democracia política, e tentativas. Todo isso tem sido asso-
ciado de maneira muito inteligente as necessidades, aos medos, as
esperanças de muitos grupos de pessoas que se sentem ameaçadas
durante uma época de crise aberta na economia, nas relações de
autoridade, na família e em outros aspectos. (2006, p. 26)

O excerto em questão foi publicado originalmente em 2004.


Passado quase vinte anos de sua publicação, ele se mostra perfeitamen-
te cabível no cenário atual. Como não fazer uma ligação entre a fala
do presidente nos primeiros dias do ano de 2020 com a citação acima?
Muda apenas o tempo histórico, mas as relações de poder, a política de
governo e a forma como ela se apodera do aparelho ideológico, neste
caso a educação por intermédio do livro didático, são tão evidentes que
basta apenas uma leitura não tão densa para que o leitor identifique que
há simetria entre passado e presente.
Furtado e Gagno (2009) afirmam que desde 1996 a Secreta-
ria de Educação Básica (SEB) coordena o processo de avaliação peda-
gógica sistemática das obras inscritas no PNLD. Salientam ainda que
esse processo se dá em parceria com as universidades públicas que
se responsabilizam pela avaliação do livro didático, e que ao final de
cada processo de avaliação do livro didático, é elaborado o Guia do
Livro Didático, no qual são apresentados os princípios, os critérios, as
resenhas das obras aprovadas e as fichas que norteiam a avaliação dos
livros. Sobre a avaliação do livro didático, de acordo com Martins, Sa-
les, Souza (2009, p. 15) “O período autoritário do Estado Novo tornou
a avaliação do livro didático de responsabilidade única dos órgãos de
execução, estabelecendo critérios para aprovação do livro a partir do
projeto de soberania nacional.”
A partir das colocações de Furtado e Gagno (2009) algumas
indagações se fazem pertinentes quando associadas a fala do atual Pre-

- 101 -
sidente da República. Afinal, o governo vai “subverter” as políticas
efetivadas com relação ao processo de seleção e avaliação do livro
didático? Nesse sentido, cabe ressaltar

A presença do Estado se faz marcante por suas políticas, em espe-


cial pelo Programa Nacional do Livro (PNLD), criado em 1985.
Desde então, mais claramente e enfaticamente, o Estado passou a
regular a oferta e criar uma demanda. Por um lado, O Estado es-
tabelece de produção e também as formas de avaliação dos livros,
atuará como principal comprador das editoras. (p. 12)

Sobre a seguinte fala do presidente: “o material entregue em


2021 será feito integralmente pelo meu governo” podemos fazer algu-
mas conjecturas: as políticas para aquisição do Livro Didático serão
reavaliadas? “Qual será o rumo que a educação irá tomar a partir de
2021 com a proposta de mudança que incluem o processo de avaliação
do livro didático? Não é demasiado afirmar que o livro didático é um
canal pelo o qual o Estado pode regular conceitos, ideologias, formas
de dominação que se assemelham com o modelo de homem a ser pen-
sado para atuar na sociedade.
Ao que nos parece, a preocupação do presidente ao dizer
“tem muita coisa escrita” preconiza novos critérios na política do livro
didático a fim de que haja alinhamento do conteúdo presente no mes-
mo com a política do seu governo.
No dia 02.01.2020 o Presidente falou que os livros didáticos
dos governos anteriores “eram carregados de ideologias, ofendiam as
famílias e atentavam contra inocência.”1 Após repercussão negativa, o
Presidente voltou atrás, disse que foi mal interpretado, que não foi bem
isso que ele quis dizer. “Quando eu falei o amontoado de palavras, teve
idiota falando um bocado de besteiras. Um livro que você não consegue
entender nada. Tem coisa escrita, sem parágrafos, sem nada. Não tem como
apreender nada”2.
Nessa mesma linha de discussão, dias após a fala do presi-
dente, O Estadão, publicou matéria acerca da fala do ministro da edu-
cação Abraham Weintraub onde ele divulgou um vídeo na sua conta do
Twiter. Nele, o ministro defende a distribuição do livro didático pelo
1 https://www.metropoles.com/brasil/educacao-br/bolsonaro-livros-nos-governos-anterio-
res-ofendiam-as-familias Acesso em 14.01.2020.
2 https://www.metropoles.com/brasil/educacao-br/presidente-sobre-livros-didaticos-nao-
-tem-como-aprender-nada Acesso em 14/01/2020.

-102 -
atual governo. Contudo, de acordo com a matéria3, ao fazer tal defesa,
o referido ministro afirma que o material não deve ter “ideologia”. “É
para ler, escrever, ciências, matemática, não é para doutrinar”. Ainda
segundo a reportagem, ancorada na fala do ministro, o governo federal
tem um custo de 2 bilhões anuais para 165 milhões de livros didáticos.
Tanto o presidente Bolsonaro quanto o ministro Weintraub
argumentam que o livro didático do governo atual não irá conter “ideo-
logia”. Em parágrafo anterior recorremos ao esclarecimento do pro-
fessor Moacir Gadotti sobre o que vem a ser “ideologia”, a partir de
tal esclarecimento foi possível perceber que em ambas as falas há um
entendimento equivocado sobre o conceito de ideologia.
Ao falarem a respeito das mudanças nas políticas em relação
ao livro didático, Presidente e Ministro estão propondo que a educação,
e consequentemente a escola, divulgue a “ideologia” proposta por este
governo, principalmente quando o presidente afirma que “A partir de
2021, todos os livros serão nossos, feitos por nós. Os pais vão vibrar.
Vai estar lá a bandeira do Brasil na capa. Vai ter lá o hino nacional.”
A ideia é promover patriotismo, civismo, moralismo, de um
governo que se assume de direita (ou de extrema direita) por intermé-
dio de um elemento educacional, o livro didático, não é outra coisa
senão reprodução ideológica. Qual outra denominação seria possível
aplicar? No parágrafo a seguir encontramos ecos que justificam nosso
questionamento, “É triste demais que a qualidade desses livros esteja
tão perigosamente ameaçada. Inclusive de passar a conter conteúdo
anticientífico, revisionismo histórico, teoria da conspiração, pregação
religiosa, moralismo e preconceitos.”4
Em resenha intitulada “Futuro do Livro Didático no Brasil:
como evitar a ideologia direitista e o lucro de empresários inescrupulo-
sos?5 Amélia de Araújo, revê o processo de seleção que ocorria, até o
governo Dilma, com o livro didático:

3 https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,governo-bolsonaro-tem-livro-barato-e-
-sem-ideologia-diz-weintraub,70003153889. Acessado em 14/01/2020.
4 disponível em https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/19.217/7584.
5 https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/19.217/7584 acessado em
15.01.2020

- 103 -
PNLD estabeleceu, ao longo dos anos, comissões de pesquisadores
que realizavam uma análise minuciosa de todos os livros didáticos
lançados pelas editoras. E a partir daí elaboravam pareceres. Cada
escola então reunia seus professores para decidirem (lendo esses
pareceres encadernados em um guia) qual coleção de livro, de cada
disciplina, eles pretendiam adotar. E o governo federal comprava o
que foi escolhido em cada lugar.

Enfim, o cenário que vislumbramos com relação as políticas


que incluem o livro didático no atual momento histórico não parece
nada animador. Em meio a tantas falas proferidas pelo Presidente da
República e os membros do seu ministério, é possível perceber que a
educação parece sofrer ameaças quanto aos conteúdos expressos no
livro didático. O governo, caso siga o protocolo, deverá lançar edital
para seleção do livro didático, porém ao nos parece, o processo deverá
sofrer modificações, deixará de lado o caráter científico, realizado por
especialistas , professores das diferentes áreas do conhecimento, para
dar lugar a um olhar unilateral de cunho tradicional e conservador,
pois ao rechaçar com os conteúdos de viés ideológico e tecer críticas
recorrentes aos livros didáticos atuais, ele talvez não se dê conta que
está assumindo postura ideológica semelhante.

Algumas considerações
No artigo em questão procuramos fazer uma abordagem sem
grandes aprofundamentos teóricos acerca do livro didático. Trata-se,
portanto, de pesquisa em andamento sendo realizada na Universidade
Federal do Amazonas em nível de doutorado, no PPGSCA - Programa
de Pós-graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia. Nesse senti-
do, realizamos uma breve incursão pelo tempo histórico, necessária,
para em seguida direcionamos nosso olhar para o momento atual, ou
seja, discussões sobre o livro didático a partir da fala da atual Pre-
sidente da República, Jair Bolsonaro, e do ministro responsável pelo
ministério da educação Abraham Weintraub.
O estado da arte sobre o tema nos levou a um arcabouço
teórico de considerável envergadura. Ao consultarmos livros, disser-
tações, teses, artigos e resenhas fomos convidados a imergir num vas-
to e profundo universo histórico, pois o livro didático desde décadas
passadas, mais precisamente a partir da década de 30, passou a figurar

-104 -
como política de governo. Assim, constamos que a trajetória do livro
didático envolve diferentes campos: políticos, econômicos, culturais e
ideológicos.
Percebemos que há um consenso entre os autores a respeito
das questões que envolvem o livro didático. Boa parte concorda que ele
é o único material de leitura à disposição do público em idade escolar,
Monteiro (2014); que após ter sido negligenciado, por historiadores
quanto por bibliógrafos, os livros didáticos vêm suscitando um vivo
interesse entre os pesquisadores de uns anos para cá, (Choppin, 2004);
que tensões políticas e educacionais recaem sobre o livro didático por
uma série de motivos, dentre eles, sua posição como currículo escrito,
Silva (2010); que ele exerce forte atração no mercado das editoras,
pois o governo brasileiro é o maior comprador de livros do país (quiçá
do mundo), se pensarmos em termos de distribuição de livros para as
escolas públicas, Cassiano (2007). Por fim, que o livro didático é uma
poderosa ferramenta pedagógica, que transmite conhecimentos, ideias
e valores sobre determinados conteúdos, Martins et al (2009)
Por se tratar de um elemento que está sobre a tutela do go-
verno federal, articulado ao ministério da educação, o livro didático
está sujeito a intervenções dos sujeitos que estão no poder. Partindo
dessa afirmação, o atual governo passou a proferir falas acerca do livro
didático, deixando claro que a partir do edital que sairá nesse ano, ele
sofrerá modificações.
Nesse sentido, sairá o cunho “ideológico, para entrar uma
nova maneira de pensar a educação, ou seja, os conteúdos passarão
pelo crivo de uma nova equipe educacional, a fim de atender as de-
mandas do governo para colocar em prática sua “ideologia” nas es-
colas pelo viés da educação, pois conforme entrevista do presidente
Bolsonaro, nos atuais livros didáticos “tem muita coisa aí, precisar
suavizar.”
Enfim, sem pretensões de finalização desse trabalho, enten-
demos que o processo de pesquisa e do conhecimento se dá de forma
contínua, em construção, portanto, inacabado. Após os argumentos
aqui apresentados sobre o livro didático constatamos que ele está en-
volto a uma série de determinantes político-econômicos e sociocultu-
rais, percebemos que, dependendo de quem esteja no poder, a educação
será utilizada como instrumento a favor ou não da promoção humana.

- 105 -
Pelo visto, conforme os argumentos já expostos, o livro didático está
inserido nesse processo. Mas não há porque desanimar, Paulo Freire já
advertia “É importante ter sempre claro que faz parte do poder ideoló-
gico dominante a inculcação nos dominados da responsabilidade por
sua situação” (2003, p.83) grifo nosso.

Referencias
FURTADO, Andréa Garcia; GAGNO, Roberta Scrocaro. Políticas do
Livro Didático e o Mercado Editorial. IX Congresso Nacional de
Educação. EDUCERE, Out. 2009. PUCPR
APPLE, Michael W. Ideologia e Currículo. Trad. Vinicius Figueira. 3.
ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
CASSIANO, Célia Cristina de Figueiredo. O mercado do livro di-
dático no Brasil: da criação do Programa Nacional do Livro Didático
à entrada do Capital Internacional. Tese de doutorado apresentada a
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2007.
CHOPPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o
estado da arte. São Paulo: Educação e Pesquisa, 2004. v.30 n.3 set/dez.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à pra-
tica educativa. 27. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
FREITAG, Bárbara. Escola, estado e sociedade. 7. ed. rev. São Paulo:
Centauro, 2007.
GADOTTI, Moacir, Educação e Poder: introdução à pedagogia do
conflito. 16. ed. São Paulo: Cortez, 2012.
MARTINS, Eliecília de Fatima. et al. O Estado, o mercado editorial
e o professor no processo de seleção dos livros didáticos. Est. Aval.
Educ. São Paulo, 2009. v. 20, n 42.
MONTEIRO, Diogo Francisco Cruz Monteiro. Indígenas e iconogra-
fia didática: a imagem dos índios nos manuais de História do Progra-
ma Nacional do Livro Didático. Jundiaí: Paco Editorial, 2014.
SILVA, Daniel Romão da Silva. Livro Didático de Matemática: lu-
gar histórico e perspectivas. Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Grduação da Faculdade Educação da Universidade de São Paulo.
2010.

-106 -
REFLEXÃO ACERCA DA ORGANIZAÇÃO
DO ENSINO SUPERIOR PARA OS
INDÍGENAS
Joyce Karoline Pinto Oliveira Pontes6
Artemis de Araújo Soares7

RESUMO: Durante o século XIX, os índios eram qualificados como invisíveis e


até mesmo negados. Com o surgimento da Educação Escolar Indígena, mesclou-se
com outras práticas de ensino das Ciências Humanas, como a Antropologia, His-
tória, Sociologia, Pedagogia, Ciência Política, entre outras que contribuem para os
processos de aprendizagem. Consequentemente, há um desafio grande nesta luta,
porque se tem uma riqueza em termos de etnias no Brasil, com 274 línguas faladas,
896 mil indígenas, então é uma população grande e que demanda inicialmente de
uma política pública voltada a essa questão, que aconteça de forma planejada a
partir do contato com as nações indígenas, que precisam estar presentes nessas
políticas. E diante dessa perspectiva, os Referenciais Curriculares para Formação
do Professor Indígena incentivam estas interações e trocas de saberes, experiências
e conhecimentos de culturas distintas. Verifica-se então, que os cursos de formação
dos professores, pouco a pouco, devem considerar as aulas presenciais e não-pre-
senciais como um aprendizado eficaz que age na teoria e prática se tornando situ-
ações formativas. Deste modo, este artigo tem como objetivo a reflexão acerca da
organização do ensino superior para os indígenas.
Palavras-Chave: Educação Indígena. Cultura indígena. Ensino Superior Indíge-
na. Indígenas.

Introdução
Quando se fala em educação superior indígena, em muitas
das vezes a formação intelectual de um docente é de suma importân-
cia para o sucesso em sala de aula no Ensino Fundamental, Médio ou
Superior, mas não se pode deixar a cultura desses povos de lado, mas
sim colocá-la neste contexto educacional. Não basta uma reprodução
do conhecimento, são necessários processos cognitivos eficazes que
contribuam para a qualificação deste profissional. Bem como um índio
ao conquistar um título em uma formação superior específica, a luta
pelos direitos e garantias deve continuar não só nas aldeias, mas tam-
6 Doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia - (PPGSCA/UFAM). Email: joycekaroline-
pontes@gmail.com.
7 Professora Titular da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da Universidade Federal
do Amazonas (FEFF/UFAM) e do Programa de Pós-graduação em Sociedade e Cultura na
Amazônia – (PPGSCA/UFAM). Email: artemissoares@yahoo.com.br

- 107 -
bém se pode fazer dentro das instituições, Organizações não Governa-
mentais (ONGs), entidades, e universidades públicas. De 2009 a 2019,
modalidade de Educação a Distância (EaD) teve salto de 378,9% em
matrículas de ingressantes, mostra os dados são do Censo de Educação
Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep), divulgados em 23 de outubro de 2020, um au-
mento de 4,7 vezes. Nos cursos presenciais, crescimento foi de 17,8%.
Já o índice de ingressantes em graduações presenciais foi ampliado em
escala bem menor: 17,8%.
O Estado do Amazonas é composto no geral por 20 Institui-
ções de Ensino Superior (IES), destas três são públicas subdivididas em
duas federais, uma estadual, nenhuma municipal e 17 privadas, confor-
me o Censo da Educação Superior 2017 do Inep. No que diz respeito
às matrículas nos cursos de graduação presenciais e a distância, por cor
/ raça, segundo a Unidade da Federação e a Categoria Administrativa
das IES – 2017, consta que no Amazonas há um total de 166.098, deste
quantitativo 21.799 é de cor/raça branca; 12.176 cor/raça preta; 75.297
cor/raça parda; 2.688 cor/raça amarela; 3.638 cor/raça indígena; 1.140
cor/raça que não dispõe de informação; 49.360 cor/raça não declarada.
Antigamente, as práticas pedagógicas das missões impulsio-
nadas pelo domínio colonial concentravam seus esforços na destruição
da influência dos pajés, dos velhos, ou das instituições tribais nuclea-
res, assim como dos ritos de iniciação, do xamanismo e da poliginia8,
entre outros costumes. “A história da educação imposta ao índio está
intimamente ligada com a história da Igreja no Brasil, pelo menos até a
expulsão dos jesuítas em 1759” (MELIÁ, 1979, p.44). Logo, segundo
Bartomeu Meliá (1979), a educação, como processo civilizatório, fun-
damenta-se em três áreas principais: a catequese, a escola e a capacita-
ção técnico profissional.
A instrução de conduta dos povos indígenas se dava de duas
formas: a primeira era a cristianização e a segunda correspondia ao seu
envolvimento com o trabalho braçal, porque era a principal fonte de ri-
queza a ser explorada pelo colono. Mas apesar de trabalharem, muitos
indígenas recusavam-se à submissão plena do trabalho, e devido a isso,
colonos e os próprios jesuítas os atribuíam como preguiçosos e inú-

8 Estado de um homem casado simultaneamente com várias mulheres.

-108 -
teis à sociedade9. “Os funcionários da política pombalina “educadores
laicos”, privilegiaram o ensino da língua portuguesa para a conversão
forçada dos índios em súditos e para a criação do mercado colonial
regional”. (SILVA, 1996, p.109).
Vale ressaltar que o padre João Daniel (2004) reitera que
os povos indígenas são habilidosos no manuseio braçal das ativida-
des práticas, mas que ainda que tivessem aprendido e desenvolvido
uma atividade, eram considerados preguiçosos e seus modos de pensar
eram incompatíveis com a dos cristãos, tendo outras relações com a
natureza. Além disso, vale destacar que as ausências às missas acarre-
tavam em castigos aplicados pelos missionários aos indígenas.
À medida que o antropólogo Pierre Clastres (2004) descre-
ve que os indígenas não queriam suas vidas submetidas ao Estado e
em decorrência das diversas etnias tanto no aspecto da cultura e da
língua, não se torna possível uma padronização cultural. Nesse bojo,
José Vicente de Souza Aguiar em sua Tese de Doutorado defendida em
2011, adverte que os indígenas não foram afetados pelas investidas dos
jesuítas que fizeram com que eles acreditassem na fé representada pela
religiosidade cristã.
Diante da diversidade de línguas e de culturas, imagina-se que era
mais cômodo para o jesuíta tratar os indígenas por meio do uso de
expressões generalizantes que lhes atribuía a ideia de incapacida-
de, ao invés de reconhecer que eram sujeitos plurais. Daí a ideia
de incapacidade em ter fé na existência em Deus ser ressaltada
e atribuída aos povos indígenas reiteradamente. (AGUIAR, 2011,
p.138).

Outro aspecto que o padre João Daniel atribuía aos indígenas


é que no âmbito educacional a escola seria o meio universal para a ci-
vilização, mas os índios eram ignorantes e rústicos, além de outras ca-
racterísticas que enfatiza ser uma “resistência; não seriam vícios, mas
um modo de não responder ao poder exercido pelo colonizador para
submeter” (ORLANDI, 2003, p.21).

9 Os índios, efetivamente, só dedicavam pouco tempo àquilo a que damos o nome de tra-
balho. E apesar disso não morriam de fome. As crônicas são unânimes em descrever a bela
aparência dos adultos, a boa saúde das numerosas crianças, a abundância e variedade dos
recursos alimentares. Por conseguinte, a economia de subsistência das tribos indígenas não
implicava de forma alguma a angustiosa busca, em tempo integral, de alimento. (CLAS-
TRES, 2003, p.211).

- 109 -
Ensino superior e sua inserção aos indígenas
Ao longo das décadas de 1980 e 1990, Organizações Não
Governamentais (ONGs) fundadas por antropólogos e o Conselho
Indigenista Missionário e a Operação Anchieta, que hoje é Operação
Amazônia Nativa10 passaram a contestar a ação educativa da Fundação
Nacional do Índio (Funai) e das missões tradicionais, propondo mode-
los alternativos de escolarização.11
Como desafios específicos na formação docente na e para a di-
versidade destacam-se vários pontos. Diante do caráter majorita-
riamente diagnóstico dos produtos, é necessário apoiar a pesquisa
de pós-graduação dos centros formadores de docentes, baseando-a
em fundamentos teórico-metodológicos próprios da antropologia
educativa, da pedagogia, da sociolinguística e da história, assim
como efetuar ações de difusão e extensão que abram o cerco da
produção endógena e vinculem, de maneira criativa, a formação
docente ao debate da Educação Intercultural Bilíngue com atores
emergentes e posicionamentos diversos. (MEC, 2007, p.59).

Essas novas proposições integraram o leque mais abrangente


da crítica à tutela de Estado, em especial na área da educação escolar,
e ao mesmo tempo sua ação se potencializa com a ruína progressiva do
monopólio tutelar. A partir dessas as iniciativas no campo da educação
escolar indígena passariam a estar marcadas pelas orientações em fa-
vor de práticas diferenciadas e interculturais para os povos indígenas
instituídas pela Constituição de 1988.
O Decreto N⁰ 26/199112, que atribuiu ao Ministério da Edu-
cação (MEC) as responsabilidades principais na formulação e coorde-
nação de uma política nacional de educação escolar indígena ficando a
sua execução na esfera municipal e estadual, não pôs fim às ações da
Funai nesse setor específico, mas foi do MEC que partiram as grandes
transformações do período.
O momento político atual da sociedade brasileira é favorável
para discussões sobre as questões étnico-raciais no tocante ao acesso
a um importante e estratégico espaço do País, que são as Universi-
dades, sobretudo as públicas. Depois de treze anos de tramitação foi
sancionada pela então presidente da República, Dilma Roussef, a Lei
10 Ver em: http://www.amazonianativa.org.br/
11 Para uma amostra no cenário global, ver LEVINSON; FOLEY, 1996; SIMPSON, 1999.
12 BRASIL. DECRETO No 26, DE 4 DE FEVEREIRO DE 1991.Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0026.htm> Acesso em 11 jan. 2019.

-110 -
Nº 12.71113, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre a forma de in-
gresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino
técnico de nível médio. Estabelece seu artigo primeiro:
Art. 1º. As instituições federais de educação superior vinculadas
ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo
para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no míni-
mo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que
tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.
(BRASIL, 2012).

A lei origina que o ingresso acontecerá por meio do proces-


so interno seguido pelas instituições, a saber, o vestibular e os resul-
tados obtidos pelos estudantes no Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM). Sobre os critérios étnico-raciais estabelece que:
Art. 3º. Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas
de que trata o art. 1o desta Lei serão preenchidas, por curso e tur-
no, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção
no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da
unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo
o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). (BRASIL, 2012).

Em 2013, o Governo Federal cria o Programa de Bolsa Per-


manência por meio da Portaria n° 389, de 9 de maio de 201314, vincu-
lado às ações do Governo Federal referentes à política de assistência
estudantil. Os objetivos do programa são:
I – viabilizar a permanência de estudantes em situação de vulnera-
bilidade socioeconômica, em especial os indígenas e quilombolas;
II – reduzir custos de manutenção de vagas ociosas em decorrência
de evasão estudantil; e
III – promover a democratização do acesso ao ensino superior, por
meio da adoção de ações complementares de promoção do desem-
penho acadêmico. (BRASIL, 2013).

Essa orientação é um reconhecimento das dificuldades finan-


ceiras pelas quais sofrem esses estudantes quando ingressam no Ensino
Superior, que levam a um alto índice de evasão. Há um tratamento
diferenciado para alunos indígenas e quilombolas, com relação ao in-
cremento do valor da bolsa, conforme segue:
13 BRASIL. LEI Nº 12.711, DE 29 DE AGOSTO DE 2012. Disponível em:http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm> Acesso em: 11 jan. 2019.
14 BRASIL. Portaria n° 389, de 9 de maio de 2013. Disponível em: <http://sisbp.mec.gov.
br/docs/Portaria-389_2013.pdf> Acesso em 11 jan. 2019.

- 111 -
Art. 4° A Bolsa Permanência é um auxílio financeiro que tem por
finalidade minimizar as desigualdades sociais, étnico-raciais e
contribuir para permanência e diplomação dos estudantes de gra-
duação em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
§ 2°A Bolsa Permanência para estudantes indígenas e quilombolas,
matriculados em cursos de graduação, será diferenciada em
decorrência das especificidades desses estudantes com relação
à organização social de suas comunidades, condição geográfica,
costumes, línguas, crenças e tradições, amparadas pela Constituição
Federal.
§ 3° O valor da Bolsa Permanência concedida a estudantes
indígenas e quilombolas será estabelecido por Resolução do
FNDE, após manifestação técnica da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, do Ministério
da Educação, em valor não inferior ao dobro do valor da Bolsa
Permanência destinada aos demais estudantes. (BRASIL, 2013).

Essas ações visam diminuir as desigualdades nesse nível de


ensino, no entanto são objeto de controvérsia nacional. Diante deste
cenário, esta seção objetiva analisar o histórico das ações afirmativas
no Brasil, as discussões que estas ações vêm causando na noção de
democracia racial, sua constitucionalidade, as influências advindas das
ações afirmativas nos Estados Unidos da América (EUA) e a forma
como se insere a discussão de ações afirmativas para indígenas nesse
contexto.
Para refletir acerca da organização do ensino superior para
os indígenas, um olhar sistemático aos pressupostos que tornam possí-
vel a atitude do docente. Mas, para compreender o contexto histórico
da educação indígena, é necessário entender o pensamento social bra-
sileiro, para se chegar ao Pensamento social amazônico, para a cons-
trução da realidade.
Estudiosos do Brasil agregam ao conhecimento produzido
sobre o pensamento social brasileiro recortes que são consequência dos
interesses da construção da realidade por abordagens sociológicas, ou
por aquelas que, mesmo fora do quadro clássico da reflexão das ciên-
cias sociais, apresentam contribuições de enorme importância para a
afirmação do campo de influência dessas ciências. (BASTOS; PINTO,
2007, p. 32).

-112 -
Avanço da educação superior indígena
É com esses pensamentos dos intelectuais que se constituiu
o desenvolvimento da região amazônica, em todos os âmbitos e, prin-
cipalmente, no ensino, com os recursos didáticos utilizados desde os
jesuítas nas escolas indígenas, até o uso atual das tecnologias nos cur-
sos de licenciatura indígena. Nas décadas de 1980 e 1990, educadores
trabalharam e conviveram com povos indígenas, partilhando de suas
alegrias cotidianas, apreensões e dores em face de um mundo domina-
dor cada vez mais presente, mas, também, que incorporaram aos seus
conhecimentos saberes, sabores e sensações muito além dos encontra-
dos em seus estudos acadêmicos15.
Então, os jesuítas foram, em nome de um governo secular, os su-
jeitos que agiram no sentido de fazer com que os indígenas acredi-
tassem na necessidade de transformação de suas vidas. A ideia da
transformação compreende atos de como acreditar na salvação da
alma de forma cristã, no pecado e, consequentemente, no Satanás,
e no poder dos referenciais sagrados do cristianismo. Fazer os in-
dígenas acreditarem na existência de um mundo do bem e do mal,
nesse binarismo que envolve a vida, talvez tenha sido uma das
principais bases de sustentação do projeto missionário jesuítico na
Amazônia. (AGUIAR, 2011, p.117).

No mesmo período, um conjunto de medidas legais fez com


que as questões que envolvem a Educação Escolar Indígena passassem
a fazer parte do rol de responsabilidades do Estado e, atualmente, vá-
rios Programas de Formação de Professores Indígenas são conduzidos,
mas, conforme destaca Grupioni (2006), foi na década de 1970 que
realmente tiveram o início os cursos de formação voltados para o pro-
fessor indígena.
A percepção da importância de que a escolarização formal de alu-
nos indígenas fosse conduzida pelos próprios índios começou a
se instalar, no Brasil, somente a partir da década de 70, época em
que os primeiros Programas de Formação de Professores Indíge-
nas foram implementados por organizações não-governamentais
(GRUPIONI, 2006, p.23).

15 Verificar na Resenha da obra GUIMARÃES, Susana Martelletti Grillo. A aquisição da


escrita e diversidade cultural: a prática de professores Xerente. Brasília: FUNAI/CG-
DOC, 2002. Disponível em: <http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/cogedi/pdf/Revis-
ta-Estudos-e-Pesquisas/revista_estudos_pesquisas_v1_n2/Resenha.pdf> Acesso em 24 dez.
2018.

- 113 -
E, para dar suporte à educação que ora está em sala de aula,
fazendo uso do método tradicional de ensino e que, em muitas situa-
ções, se faz na própria comunidade indígena - ao qual chamamos de
espaço não-formal -, foi iniciado, em 1995, no Brasil, um projeto de
formação de professores falantes da língua indígena, tanto nas etapas
presenciais como nas não-presenciais: era o projeto Yanomami.
Em seguida, surgia a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB), Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 199616, que abraçou o
princípio de que os objetivos, currículos e calendários escolares, nas
escolas indígenas, seriam definidos por cada comunidade. No que diz
respeito à educação superior, a Lei pontua que deve ser estimulada a
criação cultural, o desenvolvimento do espírito científico e o do pen-
samento reflexivo; além disso, nas suas disposições gerais, ressalta:
Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das
agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios,
desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para
oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos in-
dígenas.

Com as discussões e os movimentos indígenas em torno da


temática da educação, foi criado, em 1998, o Referencial Curricular
Nacional para as Escolas Indígenas. Com este documento e a Resolu-
ção nº 03/99, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação (CEB/CNE), as Diretrizes Curriculares Nacionais da Edu-
cação Escolar Indígena foram aprovadas, em 14 de setembro de 1999,
tendo como fundamento o Parecer nº 14/99 (BRASIL, 1999) do CNE.
Dessa forma, ficou determinado que os professores das esco-
las indígenas sejam, prioritariamente, membros de suas próprias comu-
nidades, ou seja, índio ensinando índio, através das Políticas Públicas
estabelecidas pelo MEC. Mas, para isso, é necessária a formação supe-
rior. Surgiu então, em julho de 2001, a primeira licenciatura indígena
do Brasil, através da Universidade do Estado do Mato Grosso (UNE-
MAT). A Universidade Federal de Roraima (UFRR) também implan-
tou cursos específicos para formar professores índios, em dezembro do
mesmo ano.
Porém, em 2004, houve mudanças no MEC, com a criação
16 BRASIL. Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: <http://www.planal-
to.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm> Acesso em 11 jan. 2019.

-114 -
da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(SECAD) e, dentro dela, passou a existir uma Coordenação Geral de
Educação Escolar Indígena (CGEEI). Nesse Período, em 2004, a Or-
ganização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) realizou uma consultoria para a Secretaria de Educação
Superior (SESU), que faz parte do MEC, com o objetivo de aperfei-
çoar o ensino básico indígena, através da formação e da capacitação de
professores índios.
Neste contexto, foi lançado, em 29 de junho do ano de 2005,
o Edital do Programa de Formação Superior e Licenciaturas Indígenas
(PROLIND), cujo objetivo era promover a elaboração de Projetos de
Cursos de Licenciaturas específicas com a finalidade de graduar pro-
fessores indígenas em nível superior17.
(...) mobilizar e sensibilizar as instituições de ensino supe-
rior, com vistas à implantação de políticas de formação superior indí-
gena e de Cursos de Licenciaturas específicas; mobilizar e sensibili-
zar as instituições de educação superior, com vistas à implantação de
políticas de permanência de estudantes indígenas nos Cursos de Gra-
duação; promover a participação de indígenas como formadores nos
cursos de licenciaturas específicas.18
Oito universidades públicas foram as primeiras a oferecer,
em 2005, cursos de licenciatura intercultural, a partir do edital do
PROLIND - SESU/SECAD.
No primeiro momento, participaram do certame oito univer-
sidades, ofertando licenciaturas interculturais indígenas com habilita-
ções em áreas como Línguas, Literatura e Arte, Ciências da Natureza e
Matemática, Ciências Sociais e Humanidades. Dados disponibilizados
em 2014, pela Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena da
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e In-
clusão (CGEEI/SECAD/MEC), mostram que 18 Instituições de Ensi-
no Superior (IES) oferecem curso PROLIND19 (Quadro 1).

17 Ver Edital N° 5, de 29 de junho de 2005, publicado no D.O.U. de 30 de junho de 2005,


seção 03, página 49.
18 Conferir os objetivos do PROLIND. (BRASIL. PROLIND. 2016)
19 Os dados foram fornecidos pela Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena da
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (CGEEI/SECAD/
MEC), via e-mail da pesquisadora em: 02 jul. 2014.

- 115 -
NOME INSTITUIÇÃO CURSO CURSISTAS
Universidade Federal de Goiás PROLIND 215
(UFG)
Universidade Federal de Minas PROLIND 262
Gerais (UFMG)
Universidade Federal de Santa PROLIND 120
Catarina (UFSC)
Universidade Federal de Rorai- PROLIND 120
ma (UFRR)
Universidade Federal de Rondô- PROLIND 125
nia (UNIR)
Universidade Federal do Ama- PROLIND 546
zonas (UFAM)
Universidade Federal de Mato PROLIND 120
Grosso do Sul (UFMS)
Universidade Federal do Amapá PROLIND 90
(UNIFAP)
Instituto Federal de Educação, PROLIND 40
Ciência e Tecnologia do Amazo-
nas (IFAM)
Instituto Federal de Educação, PROLIND 80
Ciência e Tecnologia da Bahia
(IFBA)
Universidade Federal da Gran- PROLIND 140
de Dourados (UFGD)
Universidade Federal do Ceará PROLIND 80
(UFC)
Universidade Federal de Per- PROLIND 160
nambuco (UFPE)
Universidade Federal de Campi- PROLIND 46
na Grande (UFCG)
Universidade Federal do Acre PROLIND 52
(UFAC)
Universidade do Estado do Cea- PROLIND 122
rá (UECE)
Universidade do Estado de Ala- PROLIND 80
goas (UNEAL)

-116 -
Universidade do Estado da PROLIND 108
Bahia (UNEB)
18 IES 2506
Quadro 1- Universidades Públicas com Licenciatura Intercultural
Indígena
Fonte: Elaborado pelas autoras da pesquisa (2015). Dados obtidos via email com
a CGEEI/SECAD/MEC.

Já em oito de julho de 2016, a partir de dados obtidos pes-


soalmente em Brasília no Ministério da Educação, com a responsável
pela Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena da Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (CGEEI/
SECAD/MEC), Susana Grillo Guimarães, há cinco universidades es-
taduais brasileiras que promovem o ensino superior para indígenas,
Universidade do Estado de Mato Grosso, Universidade do Estado do
Amazonas, Universidade do Estado da Bahia, Universidade do Estado
de Alagoas e Universidade do Estado do Ceará.
Ao passo que as federais contabilizam 14, dentre elas: a Uni-
versidade Federal de Roraima, Universidade Federal de Minas Gerais,
Universidade Federal do Amapá, Universidade Federal de Campina
Grande, Universidade Federal de Pernambuco, Universidade Federal
do Ceará, Universidade Federal da Grande Dourados, Universidade
Federal de Góias, Universidade Federal do Acre, Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul, Universidade Federal de Rondônia, Universi-
dade Federal do Amazonas, Universidade Federal de Santa Catarina e
Universidade Federal do Espírito Santo.
E os institutos Federais apenas dois: Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, Instituto Federal de Educa-
ção, Ciência e Tecnologia do Amazonas. No entanto, ainda não há um
balanço de quantos indígenas já se graduaram e desistiram dos cursos
superiores, pois consoante o MEC, ainda há uma dificuldade em obter
esses dados, pois as instituições de ensino devem estar encaminhando
essas informações ao Ministério da Educação.
As Instituições de Ensino Superior (IES) do Amazonas que
possuem cursos de graduação voltados para o indígena (Quadro 2) são:
A universidade do Estado do Amazonas (UEA), seguida da Universi-
dade Federal do Amazonas (Ufam) e Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Amazonas (Ifam).

- 117 -
INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR INÍCIO DO
CURSO
Universidade Estadual do Amazonas (UEA) 2006
Universidade Federal do Amazonas (UFAM) 2008
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia 2012
do Amazonas (IFAM)
Quadro 2- IES no Amazonas com cursos de graduação aos indígenas
Fonte: Elaborado pelas autoras da pesquisa (2015). Dados obtidos via e-mail com
a CGEEI/SECAD/MEC.

Consoante dados do Ministério da Educação, referentes ao


período de 2007-2012, a matrícula na educação básica, nas escolas lo-
calizadas em terras indígenas, apresentou ligeira queda entre os anos
de 2011 e 2012. No Ensino Médio, incluíram-se matrículas no ensi-
no integrado à educação profissional e no ensino normal/magistério
(BRASIL, 2012). A Fundação Nacional do Índio (FUNAI, 2016) es-
clarece que a ampliação da oferta do Ensino Fundamental e do aces-
so ao Ensino Médio resultou no crescimento da demanda pelo Ensino
Superior.
Conforme Paladino (2012, p.177) atualmente no Brasil mais
de 70 universidades possibilitam através de programas um acesso dife-
renciado para povos indígenas através de reserva de vagas, acréscimo
de pontos no vestibular e ainda pelo sistema de vagas suplementares
para a inclusão de estudantes indígenas nos cursos regulares. “Esses
números demonstram o resultado das políticas de ação afirmativa,
principalmente das cotas reservadas aos indígenas”.
Cada comunidade indígena tem sua própria organização,
além dos costumes e tradições. O acesso à educação promove o diálo-
go intercultural assim como beneficia as crianças e os jovens indígenas
para cursarem o Ensino Fundamental nas aldeias e em escolas dire-
cionadas a este público. Guimarães e Villardi (2010, p. 45) declaram:
O grande desafio que se apresenta às instituições brasileiras é
como viabilizar o acesso de estudantes indígenas à educação su-
perior. A conclusão do ensino médio já é, em si, uma conquista
obtida com grande sacrifício pelos jovens e suas famílias. Além
das questões de ordem econômica [...]. Estudantes indígenas en-
frentam, nas escolas, discriminação e preconceito. Estudantes in-

-118 -
dígenas enfrentam o despreparo até mesmo de gestores e docentes
das escolas, regulares ou supletivas, nas quais o direito à diferença
é simplesmente ignorado.
As culturas não existem abstratamente, são saberes de gru-
pos e de pessoas históricas, das quais jamais podem ser completamente
separáveis. As pessoas são formadas em contextos culturais determina-
dos, mas, são as pessoas que fazem cultura.
Nesta concepção, a estratégia intercultural do ensino e a me-
todologia a ser aplicada durante um curso superior ao indígena consiste
antes de tudo em promover a relação entre as pessoas, enquanto mem-
bros de sociedades históricas, caracterizadas culturalmente de modo
muito variado, nas quais são sujeitos ativos, diante desse contexto pas-
sa a ter a partir de 2005 os cursos com educação superior indígena no
Brasil (Quadro 3).

UF INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR – ANO DO INÍCIO


ESTADUAL E FEDERAL DO CURSO
MT Universidade do Estado de Mato Grosso 2005
(UNEMAT)
AM Universidade Estadual do Amazonas (UEA) 2006
MS Universidade Federal da Grande Dourados 2006
(UFGD)
MG Universidade Federal de Minas Gerais 2006
(UFMG)
AP Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) 2007
RR Universidade Federal de Roraima (UFRR) 2007
AM Universidade Federal do Amazonas (UFAM) 2008
CE Universidade do Estado do Ceará (UECE) 2008
CE Universidade Federal do Ceará (UFC) 2008
AC Universidade Federal do Acre (UFAC) 2008
PB Universidade Federal de Campina Grande 2009
(UFCG)
PE Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) 2009
RO Universidade Federal de Rondônia (UNIR) 2009
BA Universidade do Estado da Bahia (UNEB) 2009
BA Instituto Federal de Educação, Ciência e Tec- 2010
nologia da Bahia (IFBA)

- 119 -
AL Universidade do Estado de Alagoas (UNEAL) 2010
MS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul 2010
(UFMS)
GO Universidade Federal de Goiás (UFG) 2010
SC Universidade Federal de Santa Catarina 2011
(UFSC)
AM Instituto Federal de Educação, Ciência e Tec- 2012
nologia do Amazonas (IFAM)
Quadro 3 – Início dos cursos com educação superior indígena
Fonte: Elaborado pelas autoras da pesquisa (2014). Dados obtidos em julho de
2014 pela CGEEI/SECAD/MEC, via e-mail, em resposta à consulta feita.

É recente essa discussão, na mudança da política indigenista


nacional. Por isso, toda vez que se fala de índio, não se está diante de
um problema, mas sim de uma questão política, antes de ser educacio-
nal. O Ensino Básico é responsabilidade dos Estados e Municípios,
desde a Constituição de 19461. O Ministério da Educação (MEC) ins-
titucionalmente, não toma conta dessa situação, porque a responsabili-
dade do órgão é o Ensino Superior2.

Educação superior indígena


Vale ressaltar que o curso de Pedagogia da UEA realizado
pelo Programa de Formação de Professores Indígenas (PROIND), por
ser vinculado a uma Universidade Estadual, possui um regimento pró-
prio, logo, não se reporta ao Ministério da Educação, mas sim ao Con-
selho Estadual de Educação que aprova e autoriza o funcionamento
dos cursos. À proporção que no caso do Instituto Federal do Amazonas
(IFAM) e da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), estas sim,
se reportam ao MEC.
Já UFAM e IFAM apoiam-se no modelo praticado pela maior parte
das instituições partícipes do Sistema UAB, pois empregam ma-
terial didático impresso previamente preparado por professores
1Art. 171 - Os Estados e o Distrito Federal organizarão os seus sistemas de ensino. (BRASIL,
1946)
2 A Secretaria de Educação Superior (SESu) é a unidade do Ministério da Educação res-
ponsável por planejar, orientar, coordenar e supervisionar o processo de formulação e im-
plementação da Política Nacional de Educação Superior. A manutenção, a supervisão e o
desenvolvimento das instituições públicas federais de ensino superior (Ifes) e a supervisão
das instituições privadas de educação superior, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação Nacional (LDB), também são de respsabilidade da SESu.

-120 -
conteudistas, aplicam esse material didático ao AVA, customiza-
do para esse fim, e complementam o emprego dos impressos e do
AVA com vídeo-aulas. O modelo empregado por UFAM e IFAM
tem uma vantagem sobre o presencial mediado por tecnologias: os
alunos não estão obrigados a cumprir uma jornada em sala de aula
e, caso sejam professores, não se distanciam de seus ambientes de
trabalho. A possibilidade de formação em serviço torna-se mais
atrativa para os cursistas e possibilita melhor planejamento para a
rede pública de ensino (TUCCI; ALBUQUERQUE; BRITO, 2016,
p.144-145).

A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) é responsável


pelos dados oficiais da educação indígena no Amazonas, através da
Gerência de Educação Escolar Indígena (GEEI)3, logo, não é respon-
sabilidade do Governo Federal. Esse departamento é responsável em
preparar professores.
Quando a questão indígena passou a ser discutida, também
se politizou esse departamento que incorporou uma série de preocupa-
ções com a preservação cultural da língua e não essa política de dar os
conteúdos nacionais, para integrar o índio. Educação para o indígena
é a aplicação dos parâmetros e conteúdos nacionais de ensino, como
História, Geografia, Língua Portuguesa, entre outras disciplinas. Acon-
tece que se tem uma questão indígena, e quando se fala em índio não
se pode falar no singular, mas sim no plural. E no Estado Amazonas a
educação superior indígena tem avançado?
O estudo limita-se ao campo da formação superior do pro-
fessor indígena, pois cada etnia tem práticas culturais diferenciadas.
Diante do exposto, é perceptível que os valores, conhecimentos e ri-
quezas sejam levados em consideração dentro do Sistema Educacional
de cada povo indígena.
Constituem princípios para a elaboração de projetos de escola em
áreas indígenas a efetiva participação das comunidades indígenas,
a partir do desenvolvimento de currículos específicos, com calen-
dários escolares que respeitem as atividades tradicionais dos di-
ferentes grupos, com metodologias de ensino diferenciadas, com
a incorporação dos processos próprios de aprendizagem de cada
povo e com a implementação de programas escolares e processos
de avaliação de aprendizagem flexíveis (BRASIL, 2016).
3 A Seduc possui a Gerência de Educação Escolar Indígena (Geei) que tem como missão
assegurar às populações indígenas condições de acesso e permanência na escola.O objetivo
é executar a Política de Educação Escolar Indígena específica, diferenciada, multilíngue e
intercultural nos Territórios Etnoeducacionais (TEE).

- 121 -
Em concordância com dados do Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatística (IBGE), 517.383 índios estão vivendo em Terras
Indígenas, enquanto 379.534 pessoas vivem fora destas Terras. É im-
portante ressaltar que apenas na década de 1990, o índio brasileiro pas-
sou a ser inserido na educação superior. Eles ainda lutam pelos seus
direitos através do Ministério da Educação (MEC), Fundação Nacional
do Índio (FUNAI), entre outras entidades.
Assim, a evolução da educação superior indígena tendo
como marco a Constituição Federal Brasileira de 1988, até chegar ao
Amazonas, especificamente na Universidade do Estado do Amazonas
(UEA), através do Programa de Formação do Magistério Indígena
(PROIND) em Manaus e na UFAM com o curso de Licenciatura Espe-
cífica Formação de Professores Indígenas da FACED, foi um marco na
história da educação superior indígena no Amazonas.
Assim, uma prática pedagógica intercultural, estabelece um di-
álogo, a construção de uma cultura da diversidade no âmago da
escola, como política de inclusão. Silenciar, simplificar e excluir o
diferente são práticas veladas e permanentes nas práticas escolares,
que somente poderão ser mudadas a partir da mudança de concep-
ção e paradigma. (SOARES; LIMA, SOLART, 2012, p.19).

No entanto, é necessário haver subsídios acessíveis aos dis-


centes indígenas de um curso de nível superior, com uma metodologia
que leve em consideração a oralidade, tradições, a utilização da língua
de cada povo e até mesmo quem sabe, o espaço/local que represente
a sintonia natureza e elementos indígenas, saindo do modelo conven-
cional de ensino. A questão do ensino nas universidades públicas do
Amazonas teve uma mudança considerável, conforme explica o antro-
pólogo brasileiro e estudioso em sociedades indígenas, João Pacheco
de Oliveira4.
Quando eu vim pela primeira vez a Manaus, a Universidade Fe-
deral do Amazonas era diferente, a Antropologia não existia aqui
dentro. Quem mais faziam estudos com indígenas era o pessoal do
Departamento de História, e até na região que pesquisei no Alto
Solimões a formação mais elaborada que havia era a nível de Giná
sio. Hoje há três universidades situadas lá: Campus da Ufam, Cam

4 Entrevista concedida à pesquisadora na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) em 16


de dezembro de 2017, durante o Seminário: Estrutura e História organizado pelo Departa-
mento de Filosofia da Ufam.

-122 -
pus da UEA e o Campus da Universidade Nacional em Colômbia
em Letícia, mas também muito próximo. (Entrevista antropólogo,
João Pacheco – Dezembro 2016).

Para permear as discussões e dar orientação no sentido de


concretização dessa política, formou-se uma comissão, denominada
Comissão Universidade para os Índios (CUIA), composta por três do-
centes de cada instituição de Ensino Superior, indicados pelas reitorias
e nomeados pela Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia e Ensi-
no Superior (SETI).
No que tange à normatização da CUIA, em outubro do mes-
mo ano foi publicada a Resolução Conjunta n.º 002/2004 entre a SETI,
as universidades estaduais e a Universidade Federal do Paraná, que
instituiu a Comissão como permanente, com a finalidade de viabilizar
aos membros das comunidades indígenas o acesso, a permanência e a
conclusão nos cursos de graduação. Segundo esta Resolução, a CUIA
será composta por três membros de cada uma das universidades públi-
cas, indicados pelos reitores mediante experiência na área de ensino,
pesquisa e extensão com populações indígenas ou tradicionais e com-
prometimento com as políticas de inclusão.
Recentemente, uma das instituições de ensino mais impor-
tantes do Brasil, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
apresentou proposta de adoção do vestibular indígena para 2019 reali-
zado em 2 de dezembro de 2018. O Exame foi aplicado no município
de São Gabriel da Cachoeira (distante a 853 quilômetros de Manaus),
com objetivo de aumentar a inclusão social e a diversidade étnica e cul-
tural5. A avaliação foi composta por redação e 50 questões de múltipla
escolha: linguagens e códigos (14), ciências da natureza (12), matemá-
tica (12) e ciências humanas (12). A universidade recebeu 610 inscri-
ções, contudo, houve abstenção de 41,96%, índice que para a comissão
organizadora pode ter refletido dificuldade de locomoção dos candida-
tos e confusão com fuso horário para a prova6.

5 Conforme a Unicamp, entre os convocados há estudantes de 23 etnias, a maioria deles


Baré, Tukano e Baniwa. Além disso, o maior percentual de aprovados é do Estado do Ama-
zonas - 36 deles de São Gabriel da Cachoeira e 11 de Manaus.
6 G1. Identificação com prova, confusão com horário: como foi o primeiro vestibu-
lar indígena da Unicamp. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/no-
ticia/2018/12/02/identificacao-com-prova-confusao-com-horario-como-foi-o-primeiro-ves-
tibular-indigena-da-unicamp.ghtml> Acesso em 25 jan. 2019.

- 123 -
Quando um estudante indígena ingressa em uma instituição
de Ensino Superior há um movimento daquilo que nos documentos da
política e nas discussões teóricas da área tem sido chamado de relações
interculturais. Neste contexto, as comunidades passam por transforma-
ções à medida que seus membros ingressam na universidade e retor-
nam a elas atuando como profissionais, e a universidade, por sua vez,
é instada a pensar/repensar seus ritos: métodos de ensino, conteúdos,
formas de avaliação, etc., uma vez que tem a oportunidade de entrar
em contato com outras formas de produzir e disseminar conhecimen-
tos, os etnoconhecimentos que consistem na tradição e no saber.

Considerações
Os povos indígenas do Brasil estão chegando à Academia e
este é um fato praticamente recente, apesar de parecer comum. Res-
salta-se que esta inserção do indígena nas Universidades atuado como
discentes se deu principalmente a partir de 2005, onde oito universida-
des públicas foram as primeiras a oferecer, cursos de licenciatura inter-
cultural, a partir do edital do PROLIND - SESU/SECAD. A educação
indígena surge neste cenário, não como algo inovador, mas como um
meio que possibilita a ressignificação de valores, os quais, postos em
prática pelas políticas públicas de educação escolar indígena, aumen-
tam as oportunidades de acesso a todos os níveis de ensino, principal-
mente ao superior.
Com isso, os impasses, ou uma modernidade inconclusiva
deixam rastros não acabados no âmbito da ciência, onde os pesqui-
sadores não devam mais falar pelos excluídos, não devam mais falar
pelos trabalhadores, não devam mais falar em nome dos índios, pelas
chamadas minorias sociais, é um momento agora de conceder ao “ex-
cluído” a palavra, que por sinal é autoral, no sentido em que os índios
são autores dos seus conhecimentos, e os trabalhadores são autores da
sua história, contudo não é alguém que vai chegar e fazer a história
destes.
Surge então dentro da ciência aquilo que se chama de co-
nhecimento tradicional, onde é preciso fazer a escavação das tradições,
escavar os problemas de pesquisa, ir ao rizoma das questões que são
instauradas, deixando um pouco de lado esse laboratório de pesquisa

-124 -
cartesiano. É necessário que o pesquisador leve à Academia, elementos
instauradores e não fique só na teoria se tornando meros reproduto-
res. É importante ser inventivo. Consequentemente, Santos (2009), diz
que é necessário dar voz autoral, reconhecendo o senso comum, que é
um tipo de conhecimento. Por conseguinte, no caso de uma educação
superior indígena, é necessária uma pedagogia voltada aos contextos
socioculturais, para fazer parte da demanda e especificidade das etnias
no que diz respeito ao campo educacional, atendendo a realidade de
cada povo e região.
O conhecimento tradicional do índio, precisa ser mantido e
valorizado, no qual é necessário manter as tradições destes povos que
ajudaram e continuam contribuindo para a história social e cultural
do Brasil. O tempo contemporâneo exige outras conexidades, logo a
ciência tem que responder a um tempo atual, com a valorização da
Educação bilíngüe intercultural entre povos indígenas brasileiros.

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-130 -
VIOLÊNCIA E CONFLITOS CONTRA OS
POVOS INDÍGENAS DA AMAZÔNIA EM 2019
Artemis de Araújo Soares1

Resumo:Este artigo tem o objetivo de evidenciar a violência e os conflitos contra


os povos indígenas da Amazônia no ano de 2019, com base na análise de conteúdo
presente no relatório de Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, lançado em
30 de setembro de 2020, pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). A região
do Alto Solimões no Estado do Amazonas é uma das mais afetadas, pois abrange
uma área de 214 mil quilômetros quadrados, onde vivem aproximadamente 240
mil habitantes. Com base na Lei de Acesso à Informação, o Cimi obteve da Sesai
dados parciais de suicídio e mortalidade na infância indígena. Foram registrados
133 suicídios em todo o país em 2019; 32 a mais que os casos registrados em 2018.
Os Estados do Amazonas (59) e Mato Grosso do Sul (34) foram os que registraram
as maiores quantidades de ocorrências. A violência aos povos indígenas não pode
ser banalizada e sim enfrentada, já que o relatório demonstra um total de 277 casos
de violência praticados contra a pessoa indígena em 2019 no cenário brasileiro,
seja nas aldeias ou no meio urbano.
Palavras – Chave: Violência Indígena. Indígenas. Conflitos Indígenas. Amazônia.

Introdução
Este artigo tem como objetivo relatar os casos de violência
e mortes que os povos indígenas da Amazônia vêm sofrendo. A partir
dessa premissa, passo a verificar que a análise deve ser feita a partir da
técnica de categorização, como ensina Laurence Bardin (2011), visto
que é um dos mecanismos utilizado para conseguir identificar as men-
sagens contidas nas produções. Destarte, será realizada algumas análi-
ses como suicídios, assassinatos, invasão de terras, a partir do relatório
de Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, lançado em 30 de
setembro de 2020, pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Invariavelmente, as violências praticadas contra os indíge-
nas e suas comunidades estão associadas à disputa pela terra. Em rela-
ção ao segundo capítulo “Violência contra a Pessoa”, foram registra-
dos os seguintes dados em 2019: abuso de poder (13); ameaça de morte
(33); ameaças várias (34); assassinatos (113); homicídio culposo (20);
lesões corporais dolosas (13); racismo e discriminação étnico cultural
1 Professora Titular da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da Universidade Federal
do Amazonas (FEFF/UFAM) e do Programa de Pós-graduação Sociedade e Cultura na Ama-
zônia – (PPGSCA/IFCHS/UFAM). email: artemissoares@yahoo.com.br.

- 131 -
(16); tentativa de assassinato (25); e violência sexual (10); totalizando
o registro de 277 casos de violência praticadas contra a pessoa indíge-
na em 2019. Este total de registros é maior que o dobro do total regis-
trado em 2018, que foi de 110.
Em três décadas foram 1.119 casos de assassinatos de in-
dígenas no País. Todos os dados obtidos pelo Cimi são a partir dos
relatos das organizações indígenas, comunidades, missionárias e mis-
sionários que atuam nas aldeias, através do Ministério Público Federal
(MPF), por entidades ambientalistas e indigenistas, por órgãos oficiais,
além das matérias jornalísticas propagadas pelos veículos de comuni-
cação de massa.
Os direitos dos índios estão nas Constituições desde 1934,
e em 1988 os Direitos Constitucionais destes povos apesar de serem
expandidos, não são levados em consideração. E se não bastassem as
violências aos povos indígenas, outra realidade os acometem, que é a
proliferação do Coronavírus (Covid-19). Um misto de conflitos, capaz
de reduzir a existência das populações tradicionais, bem como a prática
dos seus rituais, da cultura popular, que é tão rica e bela na história do
Brasil.

VIOLÊNCIAS PRATICADAS AOS POVOS INDÍGENAS


Segundo o relatório “Violência contra os Povos Indígenas
no Brasil”, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi),
a dor, o sofrimento e as angústias dos povos indígenas, gerados pelas
violências praticadas ao longo do ano de 2018, demonstram que os
estados com maior número de mortes foram: Roraima, com 62 casos,
seguido de Mato Grosso do Sul com 38.
Já os dados de 2019, divulgados através de uma live de lan-
çamento do relatório2, no dia 30 de setembro de 2020, representantes
do Cimi falaram da relação que existe entre as várias formas de violên-
cia, de como o governo também contribuiu para as violações e de como
as agressões são consequência das disputas por terra.
A live de lançamento do relatório “Violência contra os Po-
vos Indígenas no Brasil” (2019) foi mediada pela missionária do Cimi,
Marline Dassoler, e se fizeram presentes os seguintes debatedores:
2 CIMI. Live de Lançamento do Relatório Violência contra os Povos Indígenas
no Brasil - 2019. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=zsDh_RJ-
qIWU> Acesso em 02 out. 2020.

-132 -
• Maryelza (Makaya) Apurinã, da Terra Indígena (TI)
Valparaíso, localizada em Boca do Acre (AM);
• Wagner Krahô-Kanela, da TI Krahô-Kanela, localizada
em Lagoa da Confusão (TO);
• Lenice Paulino Guajajara e José Maria Guajajara, da Al-
deia Mucura, na Terra indígena Arariboia (MA);
• Dom Roque Paloschi, presidente do Cimi e arcebispo de
Porto Velho;
• Dom Walmor Oliveira de Azevedo, presidente da Con-
ferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
• Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira, secretário-exe-
cutivo do Cimi;
• Lucia Rangel, antropóloga, professora da PUC/SP e or-
ganizadora do Relatório;
• Roberto Liebgott, coordenador do Cimi Regional Sul e
organizador do Relatório

De acordo com Maryelza (Makaya) do Povo Apurinã, lo-


calizada na Terra Indígena, Valparaíso, no município amazonense de
Boca do Acre, há 29 anos os indígenas locais lutam protegendo o seu
território, sofrendo bastantes ameaças de madeireiro, fazendeiros e
grileiros. Em agosto de 2019, houve uma intensa queimada realizada
por fazendeiros que destruiu 600 hectares de aproximadamente 27 mil,
ocasionando na perda de árvores de castanheira que era fonte de sub-
sistência de muitas famílias.
Se as autoridades não agilizarem para demarcar o território, nós
não vamos ter o nosso território infelizmente. Vivemos sob ame-
aças, inclusive de parlamentares. É necessário que as autoridades
tenham um olhar mais humano para todos os povos indígenas. E
estimo minha solidariedade como mulher e liderança jovem a to-
dos que perderam seus entes queridos para o Covid-19, meus pê-
sames, mas unidos venceremos, e que a nossa terra seja demarcada
rapidamente para que nossos direitos sejam respeitados. Diante das
ameaças estamos resistindo. (Maryelza (Makaya) do Povo Apurinã
– 2020)3.

3 CIMI. Live de Lançamento do Relatório Violência contra os Povos Indígenas


no Brasil - 2019. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=zsDh_RJ-
qIWU> Acesso em 02 out. 2020.

- 133 -
Este é o retrato da grave realidade vivenciada por estes po-
vos, onde a Terra Indígena Boca do Acre, área habitada por Apurinã,
possui uma população de 248 indígenas4. Os dados objetivos atestam
um aumento intenso das violências contra os povos no ano de 2019.
“Situação semelhante foi vivenciada pela comunidade Huni
Kuī do Centro Huwá Karu Yuxibu, uma área de 200 hectares na zona
rural de Rio Branco, no Acre” (CIMI, 2019, p.22).
O incêndio atingiu justamente as plantas que eram usadas
pelos indígenas para fazer o chá de seus rituais de ayahuaska. Até
agosto de 2020, a investigação policial sobre o caso não tinha chegado
a nenhum resultado e os povos indígenas também aguardam a demar-
cação de terras.
Os registros nas outras categorias relatadas no relatório “Vio-
lência contra os Povos Indígenas no Brasil” em 2019 foram: desassis-
tência geral (65); desassistência na área de educação escolar indígena
(66); desassistência na área de saúde (85); disseminação de bebida al-
coólica e outras drogas (20); e morte por desassistência à saúde (31).

MORTES DE INDÍGENAS
Entre os povos indígenas que habitam o território brasileiro
há uma recorrência de situações violentas, pressões sociais e racismos
que podem estar associadas a práticas suicidas, envolvendo alguns,
ou muitos, indivíduos. “O estado do Amazonas, cujos casos afetam
os povos Tikuna, do Alto Solimões, e moradores de São Gabriel da
Cachoeira, cidade que abriga 95% de população indígena, envolvendo
os povos do Alto Rio Negro” (CIMI, 2029, p.44).
O suicídio do povo Tikuna no Alto Solimões se torna mais
intenso devido o alto consumo de bebidas alcoólicas, e pela própria
cultura, pois a norma nas aldeias determina que se o noivo falhar em
seu compromisso será espancado por seus cunhados, e sua família so-
frerá muita humilhação.
Este jovem noivo recorre ao suicídio para escapar da situação e
assim livra sua família da humilhação. Ele inova na técnica, e se
enforca. Logo em seguida, seu melhor amigo faz o mesmo e, daí,
seguem muitos casos de enforcamento, como num efeito dominó.
(CIMI, 2019, p.44).
4 TERRAS INDÍGENAS DO BRASIL. Municípios Terra Indígena Boca do Acre.
disponível EM:<https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3621#direitos>
Acesso em 02 out. 2020.

-134 -
De acordo ainda com o Cimi (2019) outro fato constatado é o
registro de mortes de crianças de zero a cinco anos de idade aumentou
no Alto Solimões. Em 2017 foram 89, no ano de 2018 foram 82 e em
2019 ocorreram 88 mortes.
O maior número de mortes se deu entre crianças do sexo
masculino, com 447 óbitos, sendo que os casos de crianças do sexo
feminino foram 378. O estado do Amazonas registrou o maior núme-
ro de óbitos de crianças indígenas, com 248 ocorrências, seguido de
Roraima, 133 óbitos. Mato Grosso vem a seguir, com o registro de
100 óbitos de crianças, especialmente entre o povo Xavante, com 71
mortes. (CIMI, 2019, p.186).
O número elevado de casos de suicídio de indígenas no
Amazonas surpreendeu se tornando o Estado com mais casos de sui-
cídio registrados no Brasil, em 2019, onde foram registrados 59 casos,
destes, 34 aconteceram na região do Alto Solimões, número igual ao
do estado do Mato Grosso do Sul, que fica em segundo lugar em casos
de suicídio de indígenas no País.
As relações entre as populações indígenas do Alto Solimões
no Estado do Amazonas vêm sendo retratada por violências associadas
à exploração de recursos naturais, ocasionando em constantes genocí-
dios.
A ideia ou o sentido de genocídio [...] leva à imagem do holocausto
nazista perpetrado durante a Segunda Guerra Mundial, em uma
visão eurocêntrica, impregnada de razões sociológicas e políticas,
apegada à valorização da ideologia, do aparelho burocrático do Es-
tado e de mortes em massa (SANTOS, 2017, p. 155).

O levantamento aponta, ainda, que Roraima foi o segundo


estado do País com maior número de assassinato de indígenas no ano
passado: foram registrados 26 homicídios, ficando atrás do Mato Gros-
so, que contabilizou 40 casos. O Amazonas contabilizou 16 homicí-
dios. Em todo o país, foram 113 mortes e em 2018 foram 135. Esses
agentes que invadem as terras indígenas se apoiam nas falas do presi-
dente da república, e entram nas Terras Indígenas (TI) e nas Unidades
de Conservação (UCs).

- 135 -
Território indígena
Mineração, agronegócio e extração de madeira são os setores
que mais geram conflitos em terras indígenas, e diante deste cenário,
tem-se como órgão responsável pela demarcação das Terras Indígenas,
a Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
O Estado brasileiro, amparado pela ação de setores eco-
nômicos e políticos, especialmente relacionados ao agronegócio, às
mineradoras e à grilagem de terras, busca de todas as formas colocar
as terras indígenas à disposição do mercado. Desse modo, inimigos
históricos dos povos indígenas são legitimados pelo não cumprimento
da Constituição Federal (CF) e de políticas públicas de fiscalização e
proteção territorial e agem com o aparato legal, sem a lei ou apesar da
lei, quando seus interesses estão em disputa. Os Artigos 231 e 232 da
CF enfatizam o direito à diferença e protagonismo indígena na defesa
de seus interesses:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social,


costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários
sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. (BRA-
SIL. Constituição Federal de 1988).
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são par-
tes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos
e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do
processo. (BRASIL. Constituição Federal de 1988).

As terras indígenas, conforme dados de 2020 do Instituto


Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são aquelas tradicional-
mente ocupadas pelos índios em caráter permanente, as utilizadas para
suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos re-
cursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua
reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Também são consideradas terras indígenas as áreas reserva-
das destinadas à posse e ocupação pelos índios (reservas e parques in-
dígenas) e aquelas de domínio das comunidades indígenas, nos termos
do artigo 231º da Constituição da República, da Lei n. 6.001, de 1973
– Estatuto do Índio e do Decreto n. 1.775, de 1996.

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, cos-
tumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre

-136 -
as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União de-
marcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por
eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas
atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos
recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias
a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e
tradições.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-
se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das
riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os
potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais
em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do
Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-
lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da
lei.
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e
indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, sal-
vo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe
ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da
soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, ga-
rantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse
o risco.
§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os
atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das
terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas na-
turais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado
relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei
complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a inde-
nização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto
às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.
§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§
3º e 4º.

É importante ressaltar que a partir dos dados do Censo


de 2010 do IBGE, há no Brasil 305 povos indígenas que falam 274
línguas, habitando 1.290 terras indígenas, sendo que naquela épo-
ca 408 estavam homologadas e 821 em processo de regularização e/
ou reivindicadas. O Instituto estima atualmente que no Brasil possua
7.103 localidades indígenas de acordo com a Base de Informações
Geográficas e Estatísticas sobre os Indígenas e Quilombolas, feitas em
2019 e divulgadas no primeiro semestre de 2020, a partir da base terri-
torial do próximo Censo, adiado para 2021, e do Censo 2010.

- 137 -
Destaca-se que a divulgação foi antecipada para subsidiar
o desenvolvimento de políticas, planos e logísticas para enfrentar a
Covid-19 junto aos povos tradicionais (quilombolas e indígenas). Os
dados atualizados sobre os contingentes dessas populações serão co-
nhecidos após o Censo 2021.

Tabela 1 - Municípios amazonenses com maior número estimado de


indígenas
Município Localidades Indígenas
São Gabriel da Cachoeira 429
Lábrea 140
Autazes 133
Borba 131
Barcelos 107
Manicoré 103
Atalaia do Norte 91
Fonte: IBGE (2019) – Elaborado pela Autora (2020)

O estudo de 2019 mostra que as localidades indígenas estão


distribuídas em 827 municípios brasileiros. Do total de localidades,
632 são terras indígenas oficialmente delimitadas. O restante constitui
5.494 agrupamentos indígenas, sendo 4.648 dentro de terras indígenas
e 846 fora desses territórios. As demais 977 são denominadas outras
localidades indígenas, aquelas onde há presença desses povos, mas a
uma distância mínima de 50 metros entre os domicílios.
A região Norte é a com o maior número de localidades indí-
genas, 4.504, reunindo 64% do total. Em seguida vem o Nordeste com
1.211 (17%), o Centro-Oeste com 713 (10%), o Sudeste com 374 (5%),
e o Sul, com 301 (4%) localidades indígenas.

-138 -
Gráfico 1: Localidades Indígenas no Brasil

Fonte: IBGE (2020) - Gráfico Elaborado pela Autora (2020)

Se não bastassem os casos de violência , segundo dados di-


vulgados em 07 de outubro de 2020, pelo Comitê Nacional de Vida e
Memória Indígena, são 35.024 indígenas infectados, 838 mortes e 158
povos afetados pela Covid-19 no Brasil.

Proteção às terras e povos indígenas


Na segunda semana do mês de outubro de 2020, a oposição
liderada pela deputada de origem indígena Joenia Wapichana (Rede-
-RR), com o apoio de parlamentares dos partidos políticos: PT, PSB,
PDT, PCdoB, Rede e PSOL, deram entrada na Câmara dos Deputados
em um pedido para a criação de uma comissão externa a fim de acom-
panhar a situação dos povos indígenas durante a epidemia do corona-
vírus.
Assinam o requerimento os seguintes deputados: Joenia
Wapichana (Rede-RR), Perpétua Almeida (PCdoB-AC), Alice Por-
tugal (PCdoB-BA), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Renildo Calheiros
(PCdoB-PE), Patrus Ananias (PT-MG), Camilo Capiberibe (PSB-AP),
Fernanda Melchionna (PSOL-RS), Edmilson Rodrigues (PSOL-PA),
Nilto Tatto (PT-SP), Professora Rosa Neide (PT-MT), Ivan Valente
(PSOL-SP), Túlio Gadêlha (PDT-PE), Erika Kokay (PT-DF), Airton

- 139 -
Faleiro (PT-PA), Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e Rodrigo Agostinho (PS-
B-SP).
No documento, os parlamentares apontam uma situação crí-
tica com a diminuição das ações de proteção e vigilância dos territó-
rios por parte da Funai. Segundo eles, isso deixou os povos indígenas
vulneráveis às ameaças de grileiros, garimpeiros, madeireiros e outros
agentes que agem criminosamente. Ressaltando que sete indígenas
foram mortos protegendo seus territórios no ano de 2019. E com a
pandemia a situação se agrava nas terras dos povos indígenas isolados,
afetadas tanto pelas queimadas criminosas, desmatamento descontro-
lado, ocupação e exploração ilegal.
Apesar de no dia 08 de julho de 2020, o presidente do Brasil,
Jair Bolsonaro ter sancionado, com vetos, a Lei nº 14.021, de 7 de julho
de 2020, com medidas de proteção a povos indígenas durante a pande-
mia do Coronavírus, a pandemia continua avançando nas aldeias. O
texto determina que os povos indígenas, as comunidades quilombolas
e demais povos tradicionais sejam considerados “grupos em situação
de extrema vulnerabilidade” e, por isso, de alto risco para emergências
de saúde pública.
Informações contidas no Relatório Violência contra os Po-
vos Indígenas no Brasil (2019) e repassadas por lideranças, conselhei-
ros locais, distritais e agentes indígenas de saúde às equipes do Cimi
evidenciam que a política de atenção à saúde nos municípios de Itama-
rati, Carauari, Tefé, Maraã e Japurá tem muito a melhorar. As ações do
Dsei do Médio e Alto Solimões não são suficientes para atender todos
os casos. As estruturas, de grande parte dos polos base, estão em pés-
simas condições, dado que necessitam de reformas ou de novas edifi-
cações. Os equipamentos são precários, e não atendem as necessidades
dos pacientes. Os indígenas denunciam a falta de medicamentos nas
aldeias, e que o combustível é insuficiente para realizar as remoções
dos pacientes.

Considerações
Os dados impactam e traz uma reflexão sobre a dor e a an-
gústia que os povos indígenas vêm passando. Observam-se muitas fa-
mílias tendo que se mudar para outros locais, já que a terra está sendo

-140 -
devastada pela invasão sistemática de grileiros, fazendeiros, garimpei-
ros, aliada ao desmatamento através das queimadas.
Apesar da sanção da Lei nº 14.021/2020, que estabelece me-
didas de proteção às populações tradicionais durante a pandemia, o
Governo continua se omitindo, porque além das mortes, os povos indí-
genas brasileiros vêm enfrentando um aumento das invasões em terras
indígenas, da grilagem de terra, do roubo de madeira, do garimpo, e até
mesmo da implantação de loteamentos em seus territórios tradicionais,
apontando que o pleito emergente por estas áreas atinge um nível preo-
cupante, já que coloca em risco a própria sobrevivência de diversas
comunidades indígenas no País.
O governo acabou por transformar o órgão indigenista oficial
em uma espécie de agência reguladora de negócios dentro de terras in-
dígenas demarcadas, firmando acordos com latifundiários. Além disso,
determinou a suspensão de todos os estudos demarcatórios e mandou
rever os que estavam em andamento. (CIMI, 2019, p.14)

Além das invasões de terras indígenas, o relatório do Cimi


(2019) também aponta um grande aumento na quantidade de casos de
violência direta contra indígenas. Em 2018, foram 110 registros dessas
ações, número que subiu para 276 em 2019. Portanto, o Cimi desta-
ca-se por ser fiel à sua missão de apoio aos povos e comunidades in-
dígenas. Verificou-se através da análise do Relatório Violência contra
os Povos Indígenas no Brasil divulgado em setembro de 2020, que
historicamente continuam sendo vítimas do Estado brasileiro. Solida-
riedade a todos os povos indígenas que perderam seus familiares, suas
lideranças, devido o agronegócio e invasores.

Referências
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70,
2011.
BRASIL. Artigo 231 da Constituição Federal de 1988. Disponível
em: <https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10643688/artigo-231-da-
-constituicao-federal-de-1988> Acesso em 02 out. 2020.
BRASIL. Lei nº 14.021, de 7 de julho de 2020. Disponível em:<ht-
tp://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.021-de-7-de-julho-

- 141 -
-de-2020-265632745> Acesso em 27 jul. 2020.
CIMI. Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Bra-
sil (2019) . Disponível em: <https://cimi.org.br/wp-content/uplo-
ads/2020/10/relatorio-violencia-contra-os-povos-indigenas-brasil-
-2019-cimi.pdf> Acesso em 04 out. 2020.
CIMI. Violência contra os Povos Indígenas no Brasil (2018). Dis-
ponível em: <https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2019/09/relato-
rio-violencia-contra-os-povos-indigenas-brasil-2018.pdf> Acesso em
01 out. 2020.
IBGE. Base de informações sobre Indígenas e Quilombolas
(2019/2020). Disponível em:<https://covid19.ibge.gov.br/> Acesso
em 02 out. 2020.
SANTOS, Carlos Frederico. Genocídio indígena no Brasil: uma
mudança de paradigma. Belo Horizonte: Del Rey, 2017.
SESAI. Boletim Epidemiológico da SESAI. Disponível em: <https://
saudeindigena.saude.gov.br/corona> Acesso em 06 out. 2020.

-142 -
BRINCADEIRA DE
MENINO OU DE MENINA?
o que dizem os/as professores/as de educação
infantil
Roberta Cortez Gaio
Ida Carneiro Martins
Perge Cipriano Alves

RESUMO:Esse texto pretende contribuir com as recentes discussões sobre os


conteúdos trabalhados na educação infantil e as relações estabelecidas na perspec-
tiva do gênero. O olhar está voltado para o/a educador/a, com intuito de observar
se, em seu trabalho, os jogos, os brinquedos e as brincadeiras são classificados por
sexo ou há um entendimento de que o gênero é construção de uma sociedade que
se constituiu patriarcal e, portanto a relação de poder presente nessa cultura deve
ser repensada e ressignificada. Realizou-se uma pesquisa, por meio de formulário
Google Forms, na qual se questionou os/as docentes da educação infantil da cidade
de Campinas se os jogos, as brincadeiras e os brinquedos são diferentes para me-
ninos e meninas. A técnica de amostragem foi não probabilística, denominada de
snowball sampling ou popularmente conhecida de “Bola de Neve”, pois se forma
uma rede de sujeitos participantes por indicação, até o ponto de saturação. Parti-
ciparam da investigação sete sujeitos e os resultados apontam para necessidade de
quebrar paradigma estrutural e portanto a formação profissional tem papel funda-
mental para discussões sobre essa temática.
Palavras Chave: brincadeiras; educação infantil; gênero

Introdução
Brincar é fundamental para que a criança alcance o melhor
desenvolvimento de suas qualidades humanas. Na escola os jogos e
brincadeiras ganham um cunho educativo, podem contribuir efetiva-
mente para a aprendizagem infantil e colaboram para que a criança
tenha melhor compreensão do mundo que a cerca, pois por meio deles
as crianças se expressam, se divertem, promovem diálogos e reconhe-
cem os pares.
Segundo Oliveira (2000, p.67):
O brincar não significa apenas recrear, é muito mais, caracterizan-
do-se como uma das formas mais complexas que a criança tem de
comunicar-se consigo mesma e com o mundo, ou seja, o desenvol-
vimento acontece através de trocas recíprocas que se estabelecem

- 143 -
durante toda sua vida. Assim, através do brincar a criança pode
desenvolver capacidades importantes como a atenção, a memória,
a imitação, a imaginação, ainda propiciando à criança o desenvol-
vimento de áreas da personalidade como afetividade, motricidade,
inteligência, sociabilidade e criatividade.

A relevância dos jogos, dos brinquedos e das brincadeiras


para crianças nos leva a destacar a importância do papel do/a educa-
dor/a na mediação dos processos com as crianças, o que contribui de
modo especial ao desenvolvimento humano e na aquisição de conheci-
mentos sobre o mundo que as cerca.
Observando tais pressupostos, o objetivo da investigação foi
dar vozes aos/as professores/as de educação infantil das escolas, defi-
nidas como universo da pesquisa, sobre as relações de gênero presentes
nos jogos e brincadeiras vivenciados, trazendo à baila possíveis dife-
renças de concepção relativas aos meninos e às meninas, determinadas
por um olhar sexista.
Em todo contexto histórico vemos que os jogos, os brinque-
dos e as brincadeiras infantis acompanham a evolução da humanidade,
nas perspectivas social, cultural, econômica e, especial, tecnológica. O
mundo não é mais o mesmo, grandes transformações e algumas perma-
nências, porém há cada vez mais, a busca pela valorização da diversi-
dade da condição humana.
Em contrapartida percebemos que, ainda existem profissio-
nais em geral e educadores/as em especial, que mesmo com as trans-
formações sociais, a ascensão da mulher, a aceitação da pluralidade
cultural, entre outros fatores, ainda continuam a olhar o mundo com as
lentes do passado.
É sempre muito preocupante que meninos e meninas nasçam
já determinados para ser, viver e sentir de acordo com pressupostos
impostos por uma sociedade que define cor, movimento, gestos,
sentimentos dos seres humanos, antes mesmos deles poderem falar,
expressar e impor seus pensamentos, anseios e desejos.

Brincar, brinquedos e brincadeiras na Educação Infantil


Se perguntarmos às pessoas que compõem o contexto es-
colar – professores/as, gestores/as, pais, mães, funcionários/as em ge-
ral – se o brincar é importante para a criança da Educação Infantil,

-144 -
fatalmente nos responderão que tal prática é fundamental. Todavia, a
valorização que encontramos em discurso, nem sempre é percebida no
cotidiano educacional. (MARTINS, 2009)
Para que o brincar se estabeleça nas práticas educativas coti-
dianas é necessário que observemos uma série de condições nos espa-
ços e nas relações escolares, a saber: de espaço físico, de materiais, da
valorização dada pelos/as próprios/as professores/as, do apoio de seus
pares, do incentivo dos/as gestores/as, do apoio de pais e mães, dentre
outras (MARTINS, 2010). Não podemos afirmar que é fundamental
que todas as condições se apresentem ao mesmo tempo, mas que o
brincar na escola seja um processo planejado para que possamos usu-
fruir de todo o seu potencial educativo. Não podemos torná-lo como
mero instrumento de aprendizagem de conteúdos, pois
Brincar é, sem dúvida, uma forma de aprender, mas é muito mais
que isso. Brincar é experimentar-se, relacionar-se, imaginar-se, ex-
pressar-se, compreender-se, confrontar-se, negociar, transformar-
se, ser. Na escola, a despeito dos objetivos do professor e de seu
controle, a brincadeira não envolve apenas a atividade cognitiva da
criança. Envolve a criança toda. É prática social, atividade simbó-
lica forma de interação com o outro. Acontece no âmago das dis-
putas sociais, implica a constituição do sentido. É criação, desejo,
emoção, ação voluntária. (FONTANA; CRUZ, 1997, p. 139)

Tal afirmação se torna, ainda, mais significativa quando es-


tamos falando de Educação Infantil, pois as crianças desta faixa etária
tem como sua atividade principal as brincadeiras. Quando falamos
em atividade principal queremos dizer que “cada estágio de desenvol-
vimento da criança é caracterizado por uma relação determinada, por
uma atividade principal que desempenha a função de principal forma
de relacionamento da criança com a realidade, todavia ela não é a úni-
ca. (FACCI, 2004, p. 66)
Quando nos referimos aos termos brincar, brincadeira, jogo,
brinquedo, lúdico, dentre outras, percebemos que não existem frontei-
ras bem delimitadas entre eles, assim, para efeito deste trabalho, nos
utilizaremos das seguintes conceituações:
[...] o brincar e a brincadeira enquanto a ação desenvolvida pela
criança; o brinquedo enquanto o objeto que dá suporte ao brincar
e o jogo, enquanto categoria desta ação, podendo encontrar nesta
última, tipos diversificados como: os jogos de exercício, os jogos

- 145 -
de papéis ou protagonizado, os jogos de construção, os jogos de
regras e dentre estes últimos os jogos tradicionais infantis. No es-
paço educacional, pelo objetivo a que se destina encontraremos,
ainda, a denominação de jogo educativo. (MARTINS, 2009, p. 9)

Pelo jogo de faz de conta, um tipo específico de brincadeira


infantil, a criança se apropria das concepções e dos modos de agir de
seu grupo social, por meio da representação de papéis e ações que ela
vivencia. Mas esse processo não é uma cópia da realidade, mas sim
uma ressignificação de sua vivência
De suas discussões, pode-se derivar a idéia de que esse tipo de
brincadeira tem sua gênese naquilo que é vivenciado e conhecido,
embora a atividade imaginativa envolvida não seja apenas recor-
dar, mas reelaborar experiências, combinando e criando novas rea-
lidades, de acordo com necessidades e preferências. (GÓES, 2000,
p.122)

Assim, a criança deste período de vida tem necessidades e


desejos que nem sempre podem ser atendidos, então para resolver tal
questão ela brinca de faz de conta. Nesse processo ela vai tomando
consciência de si e do outro, pois
Ela brinca daquilo que já́ vivencia (filha); daquilo que ainda não
pode ser (mãe, médica, professora); daquilo que o código social
censura (ladrão, bêbado, sequestrador); daquilo que aspira ser (pai,
mecânico, astronauta); e assim por diante. [...] Ao experimentar
ser o eu e ser o outro, a criança reproduz modelos sociais e rituais
de vários espaços da cultura, experiências que propiciam a ela sin-
gularizar-se e construir seu eu. Trata-se de um eu com múltiplas
faces, impregnado que está da dinamicidade vinculada aos vários
personagens e seus papéis. (GÓES, 2000, 123)

Na medida em que as ações infantis passam a ser determina-


das pelas ideias, as quais elas gradativamente representam, elas passam
a ser regidas por regras, melhor dizendo pelas normas sociais do grupo
que é representado. Por isso que para Vigotski (2003) a brincadeira
cria uma zona de desenvolvimento proximal, pois a criança, buscando
se adaptar ao enredo do jogo, passa a ser portar de maneira superior à
habitual, o que impulsiona o seu desenvolvimento.
Inicialmente a criança começa a brincar representando pe-
quenas ações domésticas e, gradativamente os enredos vão se amplian-

-146 -
do, pois a criança passa a representar papéis sociais, depois os temas e
grupos vão se ampliando, o que exige dela maior coordenação de suas
ações. (CRUZ, 2015)
Como já apontamos, para a criança da Educação Infantil os
jogos e as brincadeiras tem papel fundamental para o seu desenvolvi-
mento, o que impulsiona a aprendizagem e vice-versa, num processo
dialético. Desta forma esta prática social precisa estar presente na es-
cola, pois apresenta um grande potencial educativo.
Criança e relações de gênero
Vivemos num período em que a preocupação com a infância
é uma realidade e, as crianças são foco de estudos de diversas áreas do
conhecimento. Porém, nem sempre foi assim e a história nos mostra
que, por muito tempo, as crianças foram consideradas adultos em mi-
niaturas. A preocupação com a educação adequada da criança e com as
fases da infância, enquanto períodos relevantes para o desenvolvimen-
to do ser humano são ideias que surgiram na modernidade, pois nos
períodos históricos anteriores
(...) a criança era tida como uma espécie de instrumento de ma-
nipulação ideológica dos adultos e, a partir do momento em que
elas apresentavam independência física, eram logo inseridas no
mundo adulto. A criança não passava pelos estágios da infância
estabelecidos pela sociedade atual. Outro fator importante era que
a socialização da mesma durante a Idade Média não era controlada
pela família, e a educação era garantida pela aprendizagem atra-
vés de tarefas realizadas juntamente com os adultos. (BARBOSA;
MAGALHÃES, 2008, p. 03)

Apesar da evolução humana, fruto do conhecimento cien-


tífico sobre o organismo, fato comprovado pela ciência, que trouxe
vida longa para estes pequenos seres, acha visto à perspectiva de vida,
atualmente; a criança sempre sofreu com o comportamento de uma
sociedade que tinha na figura do homem o pátrio poder.
Os meninos nasciam numa condição mais favorável que as
meninas (porém sofriam tensão em função disso, também); havia sem-
pre uma esperança pelo nascimento de um “macho”, pois assim teria
a continuação da família. Tudo sempre girava em torno do homem e
das suas possibilidades de definir a sociedade, comandar as instituições
sociais e determinar o rumo da vida das mulheres.

- 147 -
Mais isso não é apenas uma questão de sexo, já que as di-
ferenças sociais não podem ser consideradas inatas, fruto da condição
biológica do ser humano. As crianças sofreram e ainda sofrem, em al-
guns casos, a imposição social e cultural das relações de gênero, que
definem o lugar de homens e mulheres na sociedade, bem como a luta
por espaços antes nunca percorridos e frequentados.
Gênero é um elemento constitutivo das relações sociais ba-
seado nas diferenças percebidas entre os sexos. O gênero é uma forma
primária de dar significado às relações de poder. (SCOTT, 1995)
Gênero, diferente de sexo biológico, é construído historica-
mente, nas perspectivas cultural e social e, se refere a tudo aquilo que
foi definido por séculos e que é entendido como o papel, função ou
comportamento esperado de alguém com base em seu sexo biológico.
O termo “gênero”, na sua acepção gramatical, designa indivíduos
de sexos diferentes (masculino/feminino) ou coisas sexuadas, mas,
na forma como vem sendo usado, nas últimas décadas, pela lite-
ratura feminista, adquiriu outras características: enfatiza a noção
de cultura, situa-se na esfera social, diferentemente do conceito de
“sexo”, que se situa no plano biológico, e assume um caráter in-
trinsecamente relacional do feminino e do masculino. (ARAÚJO,
2005, p. 42)

O sistema patriarcal dividiu o mundo em binário. Para exem-


plificar como esses papéis são nos dados, basta pensarmos em uma
criança que acaba de nascer; se ela for do sexo feminino então deverá
sair da maternidade com roupa rosa, se for do sexo masculino usará
azul. Depois com o tempo, quando estiver andando e brincando, rece-
berá de presentes utensílios domésticos se for menina (pois a mulher
por muito tempo só teve o espaço da casa para viver) e se for menino
carrinhos e pequenas armas (pois ao homem o poder da força e de mo-
vimentar por onde o vento puder lhe levar)
Apesar da palavra gênero, surgir por meio do movimento
feminista que se instalou na Inglaterra e depois nos Estados Unidos da
América e, de certa forma, se alastrou por todo o planeta, no final do
século XIX (em pelo menos três ondas, como dizem os relatores desse
movimento social, político e filosófico), quando se luta pela emancipa-
ção e pelos espaços da mulher, consequentemente está se movimentan-
do, culturalmente, a vida e as possibilidades do homem; além de outras

-148 -
categorias que são subjacentes a categoria de gênero, tais como: etnia,
classe social, faixa etária, entre outras.
Conforme coloca Gonçalves (2006, p. 16):
(...) o movimento feminista, com destaque para o norte-america-
no, nasceu sob o impulso da luta contra a escravidão de africanos
e seus descendentes. Talvez mais por seu valor simbólico – pois,
como veremos, é praticamente impossível situar um marco preciso
para o início do movimento feminista, mesmo que organizado.

Com certeza, toda essa movimentação em prol a valorização


da mulher em diversos espaços, inclusive no mercado de trabalho, na
área da ciência, nos espaços públicos, entre outros, afetaram e ainda
afetam a vida coletiva de crianças, jovens, adultos e idosos, homens
ou mulheres, presentes ou não na militância por igualdade de direitos
e de voz.
As questões de gênero têm relação direta com a forma como
as pessoas se comportam politica e socialmente, se distinguindo entre
homens e mulheres como se fossem comportamentos inatos do femi-
nino e do masculino, pois “muito tempo se passou até que as desi-
gualdades entre homens e mulheres fossem sendo respostas não com
a ênfase em fatores biológicos, supostamente naturais, mas como re-
lações sociais hierarquizadas e, como tal, construídas historicamente”.
(GONÇALVES, 2006, p. 52)
Isso ressalta a importância do papel do/a professor/a enquan-
to orientador para a desconstrução de papéis estabelecidos pelo patriar-
cado, já a partir da educação infantil.
O espaço escolar tem sido usado para perpetuação desses
papéis como afirma Louro (1997, p57):
A escola entende disso. Na verdade, a escola produz isso. Desde
seus inícios, a instituição escolar exerceu uma ação distintiva. Ela
se incumbiu de separar os sujeitos — tornando aqueles que nela
entravam distintos dos outros, os que a ela não tinham acesso. Ela
dividiu também, internamente, os que lá estavam, através de múl-
tiplos mecanismos de classificação, ordenamento, hierarquização.

Até porque a história da humanidade e as relações de poder


presentes no bojo das diversas culturas e sociedades, constituídas a
partir da leitura de mundo, de política, de educação, de mulher,

- 149 -
não se limitaram a uma evolução linear, em que direitos foram pau-
latina e inexoravelmente conquistados. E, mais ainda, que muitas
mulheres souberam resistir às tendências contrárias à sua emanci-
pação, resistindo mesmo que a trincheira se limitasse ao acanhado
espaço do lar. (GONÇALVES, 2006, p. 44)

E nesses desencontros de pensamentos, as crianças e jovens
se veem presos a posições que, ainda definem “as diferenças sexuais
como o fator determinante na constituição de identidade do femini-
no ou do masculino”, mesmo que a masculinidade e a feminilidade,
encaradas como condições dos sujeitos, não sejam, necessariamente,
restritas a machos ou fêmeas biológicos. (GONÇALVES, 2006, p.46)
Ademais:
[...] não há, contudo, a pretensão de negar que gênero se constitui
com ou sobre corpos sexuados, ou seja, não é negada a biologia,
mas enfatizada, deliberadamente, a construção social e histórica
produzida sobre as características biológicas (LOURO, 2003, p.
22)

O que tudo isso significa, considerando a relação que se esta-


belece entre as crianças e os/as educadores, em especial nesse texto, na
educação infantil? A escola não é somente um espaço de aprendizagem
cognitiva, mas um lugar de ser, viver e conviver e as brincadeiras são
os instrumentos para essa aprendizagem ampla acontecer, na educação
infantil, principalmente. E ai, o que dizem os/as professores/as? Exis-
tem brincadeiras de meninos e meninas? As brincadeiras na educação
infantil são perpetuações sexistas, fruto da naturalização do gênero?

O que disseram os/as professores/as


A pesquisa foi realizada, por meio de formulário Google
Forms, na qual se questionou os/as docentes da educação infantil da
cidade de Campinas se as brincadeiras são diferentes para meninos
e meninas, entendendo que os jogos e os brinquedos são elementos
tão presentes nesse processo lúdico. A técnica de amostragem foi não
probabilística, denominada de snowball sampling ou popularmente co-
nhecida de “Bola de Neve”, pois se forma uma rede de sujeitos partici-
pantes por indicação, até o ponto de saturação. (VINUTO, 2014)
Participaram da investigação sete sujeitos, que assinaram

-150 -
o Termo de Consentimento Livre Esclarecido, pois a pesquisa tem a
aprovação do Comitê de Ética do Centro Universitário Salesiano de
São Paulo – UNISAL, sob o CAAE nº 31670920.3.000.5695. Apresen-
tamos em seguida o que nos disseram os/as professores/as.

Como você entende os brinquedos no trato com as crian-


ças na Educação Infantil?

1. Uma parte importante na formação das crianças, promovendo di-


versos aprendizados, resolução de conflitos, amizade.
2. Uma parte importante na formação das crianças, promovendo di-
versos aprendizados, resolução de conflitos, amizade.
3. Extremamente importante tendo em vista o desenvolvimento da
criança.
4. Eu acho que brinquedos não tem gênero, mas temos um preconceito
quando meninos brincam de bonecas, mas se pensar nas meninas reproduzem
o que a mãe faz em casa, o menino faz o mesmo.
5. Os brinquedos no trato com as crianças na Educação Infantil, pois
elas trabalham coordenação motora fina dos braços.
6. Primordial.
7. Fundamental para auxiliar na formação da criança.
8. De suma importância pois com a presença deles podemos transfor-
mar um ambiente lúdico no contexto infantil.

Podemos perceber nas respostas dos/as professor/as, em


especial os/as de número 1, 2, 5, 6 e 7, que o brincar é reconhecido
como fundamental ao desenvolvimento da criança, todavia o que per-
cebemos no cotidiano escolar é que ele nem sempre está presente nas
rotinas da educação da infância. (MARTINS, 2009)
Já a professora 3 dá indícios que as crianças reproduzem
aquilo que vivenciam, ou seja, são das condições sociais em que vive
que a criança que ela retira o conteúdo para o jogo de faz de conta, ou
seja, a “base do jogo é social devido precisamente a que também o são
sua natureza e sua origem, ou seja, a que o jogo nasce das condições de
vida da criança em sociedade”. (ELKONIN, 2009, p. 36-37)
Por outro lado, o/a professor/a 4 parece restringir a possi-
bilidade educativa do brincar e do brinquedo quando afirma que são
importantes, pois trabalham a “coordenação motora fina dos braços”

- 151 -
e não, que tal prática social permite o amplo desenvolvimento infantil.

Há uma aplicação sistematizada das brincadeiras na


Educação Infantil? Como?
1. Acredito que sim, através do ensinamento das regras, formas
de jogar.
2. Uma escala dos dias de cada brinquedo, bandinha, parqui-
nho, peças de montar, bonecas e carrinhos.
3. Não.
4. Nas minhas aulas de Educação Física sim. Dialogo a siste-
matização dos mesmos com os objetivos das minhas aulas e do cur-
rículo de Ribeirão Preto.
5. Sim através de situações problema.

Cinco professores/as responderam a presente questão


e, com exceção do/a número 3, afirmam que possuem uma prática
educativa sistematizada. Todavia, elas se apresentam de modos di-
ferenciados. O/a número 1 aponta o jogo de regras presente em suas
aulas. Claro que este contribui ao desenvolvimento da crianças, mas
a presença de atividades que sejam organizadas e mediadas pelos/as
professores/as e que favoreçam os jogos de faz de conta, os quais po-
tencializem a capacidade de representação infantil, são fundamentais
neste ciclo de ensino.
A resposta do/a número 2 destaca que disponibiliza brin-
quedos, aspecto importante para o trabalho com as crianças. Quando
a estes são atribuídos significados pelas próprias crianças, diferen-
ciado daquilo que é percebido, há uma separação do pensamento e o
brinquedo é o “pivô” que permite que a criança transforme um brin-
quedo em outra coisa, cumprindo o enredo que ali se encaminha. Já
o/a número 4 parece indicar que a brincadeira está associada a jogos
de movimento e a 5 enquanto instrumento de problematização.

-152 -
A escola oferece espaços adequados para as brincadeiras
acontecerem livremente?
1. Sim, espaços como a quadra, parquinho e pomar.
2. Sim.
3. Sim, nas duas creches que atuei tinha opções de parquinho, grama-
do, pátio e solário.
4. Sim
5. Sim
6. Mais ou menos
7. Sim com certeza

Em sua ampla maioria os/as professores/as apontaram que


os espaços são adequados para que as brincadeiras aconteçam. Maki-
da-Dyonísio, Martins; Gimenez (2016) já apontavam que a ambiência
das instituições infantis são mais favoráveis para as atividades que
permitem interações entre as crianças, dentre elas o brincar. Todavia
o/a professor/a número 5 aponta que as condições em sua escola não
são totalmente favoráveis para o brincar, o que também acontecem
em muitas instituições. (MARTINS, 2010)

Como você vê a atuação dos/das professores/as nos espa-


ços dos brinquedos e das brincadeiras na Educação Infantil?
1. Como um mediador, que vai auxiliar as crianças no entendimento
das brincadeiras.
2. Acredito que muitas vezes há a interferência do professor de ma-
neira exagerada, não deixando as crianças trabalharem livremente.
3. Nas creches ela deixa a criança a vontade e só intervém quando há
brigas ou disputada por brinquedos.
4. Muito envolvido e dedicados.
5. A maioria dos professores de sala são muito passivos, os de Educa-
ção Física direcionam mais o ensino nesses espaços.
6. Muito importante pois o professor induz o aluno a um saber espe-
cífico no contexto de aula.

Os/as entrevistados/as apontam para a relevância do/a pro-


fessor/a enquanto mediador/a no processo da brincadeira. O brincar
não é um processo natural da infância, a criança aprende a brincar com

- 153 -
o adulto ou com outra criança mais experiente, assim tal mediação é
fundamental.
Todavia, para que intervenhamos na brincadeira é preciso,
como diz Usova (1979), reconhecer a plasticidade do processo que ali
se desenvolve e, também, como afirma Cruz (2015) ter delicadeza para
intervir durante a brincadeira. Já o/a professor/a de número 5 aponta
certa passividade dos professores de “sala de aula”, tal afirmação pode
estar associada à uma visão de que brincar envolve, necessariamente,
movimento. Todavia, há formas bastante diferenciadas de brincar.

Você relaciona os jogos, os brinquedos e as brincadeiras


com a BNCC em suas aulas?
1. Sim, procuro manter uma relação entre os dois.
2. Sim
3. Sim, quando você consegue compreender as atividades se encai-
xavam.
4. Sim
4. Sim
6. Em sua maioria sim, mas de forma indireta, pois para os alunos não
faria muito sentido.

Em resposta a esta pergunta, 6 professores/as dizem que re-


lacionam suas práticas educativas às propostas da Base Nacional Co-
mum – BNCC que aponta o brincar enquanto um direito da criança.
Apesar disso, os/as professores 3 e 6, indicam que tal relacionamento
se dá quando as “atividades se encaixam” ou que trabalham de “forma
indireta”, pois para os alunos “não faria muito sentido” o que nos faz
pensar que o referido documento, ainda, não está apropriado pelos/as
docentes/as em suas práticas educativas.

Há interesse em desenvolver um trabalho lúdico especí-


fico? Qual? Você se sente preparado/a para realização de projetos
envolvendo os jogos, os brinquedos e as brincadeiras área?
1. Não me sinto preparada para realizar projetos exclusivamen-
te com jogos e brincadeiras.

-154 -
2. Eu já fiz uma oficina de jogos é muito interessante a diversi-
dade de brincadeiras, me sinto preparada.
3. Sim. Pois quando trabalhamos o lúdico com a criança ela
vai se interessar mais ainda pelo brinquedo. Eu acho que eu me sinto
preparada para a realização de projetos envolvendo os jogos, os brin-
quedos e as brincadeiras na área.
4. Sim
5. Sim, qual eu não sei te dizer, mas me interesso em trabalhar
com projetos que envolvam essa temática. Sim, me sinto parcialmen-
te preparada.
6. Com certeza, a ludicidade nesta faixa etária é de suma im-
portância pois traz um significado e contexto maior a eles, fazendo
assim o processo de assimilação ser potencializado.

Nesta resposta a maioria dos/as professoras, com exceção do


número 1, apontam que se sentem preparados para desenvolver proje-
tos que envolvem jogos e brincadeiras. Todavia podemos perceber que
na formação inicial de professores, ainda, é dada pouca importância
para um componente curricular que trate especificamente de jogos e
brincadeiras. Usova (1979) aponta que para os/as professores estarem
preparados para trabalhar com jogos é preciso que eles/as dominem a
teoria sobre os jogos e, também, conheçam um números significativo
de brincadeiras.

Você divide a classe em grupos para as atividades de jo-


gos, brinquedos e brincadeiras? Como?
1. Em algumas atividades sim, geralmente, escolho duas pes-
soas e elas escolhem os grupos, sempre mesclando entre meninas e
meninos
2. Não, a não ser que a atividade peça essa dinâmica
3. Eu era auxiliar e a Monitora sempre deu espaço para praticar
minha ideias.
4. Não, eu deixo eles livres para se dividirem pela sala.
5. Sim
6. Não. Trabalho com todos juntos.
7. Depende da necessidade levando em conta o contexto do
jogo ou brincadeira.

- 155 -
Percebe-se pelas respostas dos/as professores/as que, na
maioria das vezes a divisão não é uma prática, somente se a atividade
solicitar, exceto o/a professor/a 5 que foi afirmativo em relação a divi-
são da classe. Porém, não se tem clareza pelas respostas oferecidas se
a divisão acontece em função do sexo.
Relevante pensarmos nos direitos de desenvolvimento e
aprendizagem posto pela Base Nacional Comum Curricular (BRASIL,
2017), que são conviver, brincar, explorar, participar, explorar, expres-
sar e conhecer-se, e o quanto podemos trabalhar esses direitos sem,
contudo, haver a necessidade de dividirmos as crianças por sexo, pois
o relevante é construirmos espaços de “co-educação”, nos quais meni-
nos e meninas se interajam na construção da brincadeira e socializem
brinquedos. Como nas palavras de Finco (2003, p. 95):

Considera-se que as relações das crianças na educação infantil


apresentam-se
como forma de introdução de meninos e meninas na vida social,
quando passam a conhecer e aprender seus sistemas de regras e
valores, interagindo e participando nas construções sociais. Porém,
ao observar as relações entre as crianças, foi possível levantar a
hipótese de que os estereótipos dos papéis sexuais, os comporta-
mentos pré-determinados, os preconceitos e discriminações são
construções culturais, que existem nas relações dos adultos, mas
ainda não conseguiram contaminar totalmente a cultura da criança.
São os adultos que esperam que as meninas sejam de um jeito e os
meninos de outro.

O que é gênero para você?


1. A forma que a pessoa se identifica.
2. Gênero é uma palavra muito abrangente e não consigo dar
uma explicação correta.
3. Gênero para mim é um conjunto de seres ou objetos que pos-
suem a mesma origem ou que se acham ligados pela similitude de
uma ou mais particularidades.
4. Igualdade.
5. Sempre tenho dúvida sobre isso, mas são características so-
ciais e biológicas que identificam os grupos existentes na sociedade.

-156 -
6. Na questão teoria geral: “conjunto de seres ou objetos que
possuem a mesma origem ou que se acham ligados pela similitude de
uma ou mais particularidades.” Transportando para seres humanos:
“Gênero pode ser definido como aquilo que identifica e diferencia
os homens e as mulheres, ou seja, o gênero masculino e o gênero
feminino.”

Percebe-se a ausência de leitura sobre a temática de gêne-


ro, o que traz uma preocupação quanto ao entendimento de mundo, de
ser humano e de sociedade que permeiam o trabalho com brinquedos e
brincadeiras na educação infantil. As discussões sobre gênero não sur-
giram agora e há todo um contexto histórico, que transpassa a realidade
de mulheres e homens no Brasil e no mundo.
Como dito, anteriormente, a palavra gênero aparece pela pri-
meira vez no movimento feminista, isto é, em meados do século XIX
e é interessante observar que esse movimento “tem uma característica
muito particular que deve ser tomada em consideração pelos interes-
sados em entender sua história e seus processos: é um movimento que
produz sua própria reflexão crítica, sua própria teoria”. (PINTO, 2010,
p. 15)
No decorrer da história do ocidente, sempre existiram mu-
lheres que lutaram contra as imposições que marcavam o não lugar de-
las no mundo e, muitas morreram por essa causa. A própria “Inquisição
da Igreja Católica foi implacável com qualquer mulher que desafiasse
os princípios por ela pregados como dogmas insofismáveis”. (PINTO,
2010, p. 15)
No século XIX surge um movimento organizado, denomi-
nado como a primeira onda do feminismo, no qual a luta se deu pelo
direito ao voto, primeiro na Inglaterra (direito conquistado em 1918),
depois nos Estados Unidos da América e em seguida foi se alastrando
por outros países. No Brasil o direito ao voto pelas mulheres se deu em
1932. (PINTO, 2010)
Esse movimento inicial se enfraquece e vai reaparecer, como
segunda onda em 1960, com força total, em especial nos Estados Uni-
dos com o movimento hippie, com destaque para a revolução sexual
(na ocasião surge a pílula anticoncepcional); em outros lugares do
mundo outros movimentos de repúdio a ordem vigente vão aparecer,

- 157 -
também, e destaque para “o ‘Maio de 68’, em Paris, quando estudantes
ocuparam a Sorbonne, pondo em xeque a ordem acadêmica estabeleci-
da há séculos”. (PINTO, 2010, p. 16)
O feminismo aparece como um movimento libertário, que não
quer só espaço para a mulher – no trabalho, na vida pública, na
educação –, mas que luta, sim, por uma nova forma de relaciona-
mento entre homens e mulheres, em que esta última tenha liberda-
de e autonomia para decidir sobre sua vida e seu corpo. (PINTO,
2010, 17)

Já a terceira onda, no final do século XX traz um olhar mais


amplo para luta dos direitos e valorização da mulher nos diversos es-
paços públicos e privados, quando assumi outras categorias como, por
exemplo, de etnia e de classes sociais. A luta é de todas as mulheres e
não de algumas.
Mas quando abordamos a história da mulher e a busca por
igualdade de direitos, estamos, também, nos referindo aos homens e
as contradições que se instalam em função de posições definidas por
grupos detentores do poder. Ou nas palavras de Muszjat (2018, p. 8)
Fala-se muito a respeito da desigualdade entre os sexos, do poder,
da bravura e da braveza dos homens e de sua violência. Mas pouco
ou nada se diz a respeito das matrizes subjetivas e das bases cul-
turais que perpetuam tais modelos. Da mesma forma, quase não
se dá atenção às dores e aos dissabores gerados por essas motiva-
ções. Defendo a tese de que o masculino em nossa cultura é tão
subordinado quanto o feminino, embora isso não seja reconhecido
como tal no imaginário coletivo. Ambos são subjugados ao con-
junto de representações de um imaginário social criado por grupos
detentores de poder suficientemente fortes para mantê-los – senão
ampliá-los.

Não é uma questão simples, sem tanta importância definir


que existem brinquedos de menino e de menina. Há todo um contexto
simbólico, que reforça estereótipos de gênero, construídos historica-
mente e que trazem nos seus alicerces relações de poder e dominação,
tal qual podemos observar no modelo familiar brasileiro na década de
1950, segundo Muszjat (2018, p. 52):

(...) família hierárquica, organizada em torno da supremacia do


masculino. Tal como numa pirâmide, os mecanismos eram de su-

-158 -
bordinação entre seus vários membros, tendo a figura do pai no
topo. Este se apresentava como alguém que sabe, mais e melhor, o
que é bom para sua família, cabendo a ele zelar por ela por meio do
exercício legítimo da disciplina e da manutenção da honra.

Atualmente, a família tem várias configurações, nem sempre


a família tradicional está presente nos lares brasileiros e isto, levou até
as escolas a trocarem as comemorações do dia dos pais ou das mães,
para dia da família. Há uma construção social da realidade, numa pers-
pectiva coletiva, na qual homens, mulheres, crianças, jovens, adultos
e idosos, com ou sem deficiência, de diversas etnias, “em conjunto
produzem um ambiente humano, com a totalidade de suas forma-
ções socioculturais e psicológicas. Nenhuma dessas formações pode
ser entendida como produto da constituição biológica.” (BERGER;
LUCKMANN, 1985, p. 75)

Sua graduação ofereceu debates sobre gênero e a relação


com os jogos, os brinquedos e as brincadeiras?
1. Sim.
2. Poucas vezes, mas sim.
3. Sim, tivemos oficinas praticas de jogos e foi muito divertido.
4. Ainda não.
5. Não.

Percebe-se que alguns indicam certo contato com as discus-
sões de gênero, quanto se trata de refletir sobre os jogos, os brinquedos
e as brincadeiras; porém outros não. Numa sociedade tão plural como
a nossa, a busca pelo entendimento da diversidade da condição hu-
mana deve ser uma constante, pois apesar de muitas crianças estarem
brincando e aprendendo num único espaço (a escola) na educação
infantil; são várias as características que essas crianças apresentam,
transfazendo desse lugar uma multiplicidade de formas, cores, pensa-
mentos, sons, emoções e sentimentos.
São escassas as pesquisas sobre gênero na educação infantil,
mas numa delas podemos observar esse universo plural de crianças
num único espaço, brincando e aprendendo a conviver, expressar, des-
cobrir, explorar, entre outros aspectos.

- 159 -
(,,,) meninos que têm vontade de brincar de cozinhar na casinha,
brincar com boneca, brincar de salão de beleza e meninas que têm
vontade de subir em árvores, jogar futebol e brincar com espada e
carrinho. Através da observação na instituição de educação infan-
til, foram registradas brincadeiras coletivas, nas quais meninos e
meninas se revezam nos papéis, sem menosprezar ou desprezar pa-
péis considerados masculinos ou femininos; as crianças buscavam
um companheiro para brincar e vivenciar momentos agradáveis,
não importando ser homem ou mulher, ser menino ou menina.
(FINCO, 2003, p. 94)

Existem brinquedos de meninas e de meninos? Por quê?


1. Não. Os brinquedos não possuem gênero, independente do brinque-
do, qualquer pessoa pode usar.
2. Não!
3. De acordo com a sociedade sim, quando você vai nas lojas de brin-
quedos, são sessões separadas de menino e menina, mas na prática não
deveria acontecer isso porque homem cozinha, cuida de filho.
4. Sim, pois as meninas brincam com as bonecas e os meninos com
os carrinhos
5. Não.
6. Para mim não, todos os brinquedos são pra todos.
7. Culturalmente sim, mas na prática não! Porque brinquedos consi-
derados de meninos como carrinho e bola, as meninas também podem e
devem usar e brincar na busca de uma maior vivência, pois na educação
o valor está na vivência e não se “pode ou não pode” por ser de “x ou y”.
O mesmo serve para boneca(o), meninos podem brincar com boneca e
ainda serão meninos.
O impasse sobre a existência de brinquedos de meni-
nos e de meninas é uma construção histórica, que necessita ser quebra-
do, a partir de uma leitura de mundo plural, no qual cada ser humano
tem sua característica, que deve ser respeitada. Ou como diz Freire
(1992, p. 206):

É importante não homogeneizar a classe. As crianças são diferen-


tes no início e serão diferentes no final do processo educativo. Não
adianta querer transformá-las em iguais segundo padrões estabe-
lecidos. Quem é igual não tem o que trocar; por isso, é necessário
conservar-se diferente. As relações, os direitos, as oportunidades,
é que têm de ser iguais não os gestos, os comportamentos, os pen-
samentos, as opiniões.
Considerações Finais

-160 -
A criança aprende em todos os espaços sociais, o entorno
tem uma participação muito expressiva na sua vida, apesar da escola
ser o locus do conhecimento planejado, estruturado e pedagógico (pelo
menos é o seu papel). A brincadeira é uma possiblidade constante na
vida da criança, mas é na escola que ela pode ir além, se despertar para
o sensível, ampliar suas ações, suas criações, além de apreciar e ques-
tionar. E os/as professores/as devem estar preparados/as para propiciar
campos de experiências, nos quais sejam mediadores/as de processos
educativos que desenvolvam as melhores qualidades humanas.
A Educação Infantil é um período diferente na vida das
crianças, pois tem, ao mesmo tempo, uma forte ligação com o entorno
familiar e, representa um novo referencial para as crianças, a escola
(com uma nova rotina). A Base Nacional Comum Curricular reforça
a consolidação da concepção do educar e cuidar, como um processo
indissociável, pois os/as professores/as
(...) ao acolher as vivências e os conhecimentos construídos pelas
crianças no ambiente da família e no contexto de sua comunidade,
e articulá-los em suas propostas pedagógicas, têm o objetivo de
ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades
dessas crianças, diversificando e consolidando novas aprendiza-
gens, atuando de maneira complementar à educação familiar – es-
pecialmente quando se trata da educação dos bebês e das crianças
bem pequenas, que envolve aprendizagens muito próximas aos
dois contextos (familiar e escolar), como a socialização, a autono-
mia e a comunicação. (BRASIL, 2017)

A formação inicial de professores/as não é suficiente para


trabalhar com um universo tão amplo, considerando os conhecimentos
implícitos nos campos de experiências propostos pela BNCC, as crian-
ças e suas necessidades, fruto das características pessoais e culturais
diversas, adquiridas com o entorno familiar, com a comunidade onde
vivem, entre outros aspectos.
Entretanto, em se tratando das relações de gênero no ato de
brincar e, especialmente, relacionado aos brinquedos, há que se refor-
çar a necessidade de leituras específicas, que possam desconstruir a
feminilidade e a masculinidade como natural do sexo biológico e de-
terminante para se definir o lugar de meninas e meninos, ou o que é de
homem e o que deve ser de mulher. Assim,

- 161 -
(...) é essencial um entendimento do desenvolvimento histórico-
-cultural dos estereótipos sexuais e o conhecimento de algumas
teorias explicativas, ou seja, reconhecer e compreender o discurso
histórico-hegemônico a respeito das funções de homens e mulhe-
res na sociedade, o que pode possibilitar a desmitificação dessas
funções, com vistas à compreensão/elaboração de novas relações
sociais para ambos os sexos. Nesse sentido, o desvelamento dos
estereótipos pode favorecer a compreensão dos processos de do-
minação a serem superados. (SARAIVA, 2005, p. 33)

Nada é posto como condição inata, tudo é construções cul-


tural e social, que devem ser ressignificadas, para que possamos valo-
rizar a diversidade que existe na condição de ser e viver com liberdade.

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-164 -
FORMAÇÃO E ATUAÇÃO: UM ESTUDO
SOBRE OS PROFISSIONAIS DE DANÇA
Thaís Paulino Rodrigues
Dra. Roberta Cortez Gaio

RESUMO: Esse estudo apresenta um levantamento sobre os/as profissionais da


dança que atuam na cidade de Campinas/SP, com foco na formação, na atuação e
no perfil desses/dessas, com o intuito de trazer um panorama atual do mercado de
trabalho na área da dança. Os resultados apontam que 37,5% desses/dessas pro-
fissionais são graduados em Educação Física, 15% em Dança e, o mais alarmante,
17,5% não possui qualquer formação, já que a área não tem um conselho específico
para controlar esse mercado e, portanto, não há exigência de formação específica.
Apesar da pluralidade de profissionais que compõe o mercado da dança, foi iden-
tificado que 45% deles/delas, incluindo os/as que não possuem formação, consi-
deram um mercado de trabalho desvalorizado, porém 40% acredita que apenas a
vivência é o suficiente para se tornar um/a bom/boa professor/a, desacreditando
na formação em cursos superiores. Dessa maneira, nota-se um descompasso na
regularização, na fiscalização e na atuação profissional em dança, evitando, conse-
quentemente, a valorização da área.
Palavras-chave: dança; atuação profissional; formação.

Introdução
O ensino da dança está cada vez mais presente nas cidades
brasileiras, pois vários são os espaços, como escolas, clubes, acade-
mias, entre outros, os quais oferecem possibilidades de vivenciar e
aprender essa linguagem da arte. Com isso, surge uma demanda de
novos/as profissionais na área, a fim de atender a esse mercado em
crescimento.
Segundo Strazzacappa (2011), muitos profissionais que atuam
no ensino da dança, nos mais diversos espaços não escolares, não pos-
suem, necessariamente, uma formação, pois não é uma exigência. A
Classificação Brasileira de Ocupações – CBO – diz que o/a Professor/a
e o/a Ensaiador/a de Dança em espaços não escolares são enquadrados
como “Artistas da Dança”, e na descrição sumária desta função é expos-
to que: “Podem ensinar dança”. (BRASIL, 2002, p. 415).
Neste mesmo documento (BRASIL, 2002, p. 415) descre-
ve-se a formação desses profissionais, dizendo que “não exige esco-
laridade formal determinada”. Assim, ocorria que “nos cursos de for-

- 165 -
mação artística, as escolas se retroalimentavam, formando artistas da
dança que, por sua vez, acabam se tornando os instrutores da própria
instituição, perpetuando a genealogia de um estilo ou linha de dança”.
(STRAZZACAPPA, 2011, p. 28).
Mesmo a área não exigindo uma formação específica, a CBO
menciona uma tendência à profissionalização. Strazzacappa (2011)
menciona a Lei do Artista (6533/78), a qual apresenta três possibili-
dades de se profissionalizar como artista de dança, ou seja, como um
profissional apto a ministrar aulas de dança, sendo:
1. Obtenção de um registro profissional (DRT), por meio
do reconhecimento dos anos de experiência com dança,
por parte do Sindicato da Dança (SINDDANÇA) ou do
Sindicato dos Artistas (SATED);
2. Formação em curso técnico de dança, e que seja reco-
nhecido pelo MEC (Ministério da Educação);
3. Formação em curso de graduação em Dança, a qual
oferte um diploma ao final, para que possa validar seu
registro profissional (DRT) na Diretoria Regional do
Trabalho.

Além dessas três maneiras mencionadas por Strazzacappa


(2011), uma quarta possibilidade de profissionalização em dança seria
a formação no curso de bacharelado em Educação Física. O Conselho
Federal de Educação Física (CONFEF), descreve em uma de suas re-
soluções (CONFEF, 2002, p.1) que “o profissional de Educação Física
é especialista em atividades físicas, nas suas diversas manifestações”,
incluindo as atividades rítmicas e expressivas, ou seja, a dança.
Analisando essas quatro possibilidades de profissionaliza-
ção, percebemos que a visão de arte, bem como a vivência que cada
profissional tem não é a mesma. Um exemplo é a análise de Pereira
(2006), a qual expõe as diferenças entre os cursos de Educação Física e
Dança, demonstrando que, o primeiro estuda alterações físicas, moto-
ras e as capacidades físicas em qualquer tipo de atividade, e o segundo
estuda mais detalhadamente o corpo em conjunto com a expressivi-
dade corporal, um curso voltado mais, especificamente, para a dança.
Assim, com o intuito de termos um panorama atual do mer-
cado, a pesquisa se propôs a identificar o perfil dos/das profissionais

-166 -
da dança na cidade de Campinas/SP, para que possamos enxergar o
cenário e contribuir com as discussões que permeiam a valorização
desta área, enquanto espaço facilitador do desenvolvimento humano.

Metodologia da Pesquisa
A fim de coletar os dados para analisar os profissionais da
dança de Campinas/SP, foi realizada uma pesquisa de campo quanti-
tativa-descritiva, a qual Marcone; Lakatos (2003) a referem como ne-
cessária para estudos de descrição de população. Assim, foi levantado
o perfil desses/dessas profissionais por meio de questionários online.
Com um total de 17 questões, sendo elas abertas, fechadas, semiabertas
e de múltipla escolha. O questionário foi dividido em três partes:
I. Identificação: Dez questões destinadas a compreensão de
quem são os profissionais que atuam na cidade de Campinas/SP;
II. Dança – Conceitos: Quatro questões designadas na in-
vestigação dos conceitos de dança que esses profissionais têm;
III. Dança – Área Profissional: Três questões reservadas a vi-
são desses profissionais sobre a área em que eles atuam.

O questionário foi desenvolvido em uma plataforma Google


Forms, a qual gera um link de acesso às perguntas. Assim que os par-
ticipantes finalizam, as respostas são enviadas instantaneamente para
o/a autor/a do questionário. Dessa forma, os profissionais que atuam no
ensino da dança foram pesquisados por meio das redes sociais e o link
foi enviado via mensagem. O questionário online foi enviado entre o
período de 22 a 28 de fevereiro de 2019, durante 7 dias, a um total de
63 professores de dança da cidade de Campinas/SP. Dos 63, obtivemos
40 participantes, ou seja, tivemos 63,5% de retorno dos questionários.
Com respeito à ética em pesquisa, o questionário iniciava
com um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual
informava sobre a temática em torno da pesquisa, bem como sua fina-
lidade e seus métodos de coleta de dados, deixando claro que a partici-
pação não ofereceria riscos à integridade moral, física, mental, efeitos
colaterais ou qualquer tipo de constrangimento.
No TCLE também foi informado que os dados pessoais dos
participantes seriam mantidos em sigilo, pois seriam utilizados de ma-

- 167 -
neira anônima e os resultados obtidos por meio da pesquisa seriam
utilizados apenas para alcançar os objetivos já mencionados. Assim, os
participantes colocavam seus dados informando que estariam de acor-
do e que concordariam em participar da pesquisa.

Análise dos profissionais de dança de Campinas/SP


Identificação dos profissionais
Com um total de 40 participantes da investigação e a fim de
analisarmos e entendermos quem são esses profissionais, a primeira
parte do questionário se baseava no que se refere à idade, sexo, forma-
ção profissional, tempo de trabalho com dança, locais de trabalho, os
estilos de dança que trabalha, sua condição enquanto professor/a e/ou
artista e se possui DRT.
Em Campinas/SP, 60% dos profissionais da dança são jovens
entre 20 e 29 anos de idade, sendo que 70% desse público é do gênero
feminino, reforçando a afirmativa da autora Susan Stinson (1998) de
que os papéis de gênero continuam enraizados na sociedade.
Quanto à formação, os participantes poderiam fazer mais
do que uma escolha. Assim, identificou-se que, dos 40 profissionais,
37,5% possuem graduação em Educação Física (bacharelado e/ou li-
cenciatura), 15% possuem graduação de Dança (bacharelado e/ou li-
cenciatura) e 8% possuem curso técnico em Dança. Além disso, 17,5%
alegaram não possuir nenhum tipo de formação e 15% disseram que
fizeram cursos livres na área da Dança. Curiosamente, há ainda 27,5%
que alegou ter formação em outras áreas de conhecimento. Assim, com
as informações coletadas acima pode-se perceber que o campo profis-
sional da dança ainda não é definido.
Quanto ao tempo de profissão, notou-se que 40% deles dão
aulas há no máximo 5 anos, indicando uma amostra de jovens profis-
sionais. Além disso, 52,5% vivencia a dança há um período de 11 a 20
anos, indicando que a maioria vivencia esta linguagem da arte desde
criança ou adolescente.
Sobre os locais em que esses profissionais atuam, quase
metade deles (47,5%), sendo a maioria, trabalham em escolas espe-
cializadas em dança. O segundo local onde mais encontramos esses
profissionais são em escolas do ensino básico, as quais ofertam progra-

-168 -
mas extracurriculares aos alunos que ficam no período integral. Além
desses, os participantes disseram trabalhar em locais como academias,
escolas especializadas em dança das quais são proprietários, universi-
dades, a domicílio (com aulas particulares), ONGs, praça de esportes
da prefeitura, clubes e escolas de circo. Uma pessoa alegou não estar
atuando em nenhum local no momento e 4 não definiram onde traba-
lham.
Como parte da identificação desses profissionais, foi feito
um levantamento sobre quais estilos de dança eles ensinam em suas
aulas. Nota-se que, dos 19 estilos mencionados pelos participantes,
há uma predominância no ensino de 6, sendo eles: Jazz (35%), Ballet
Clássico (30%), Hip Hop (25%), Dança de Salão (22,5%), Contempo-
râneo (17,5%) e Stiletto (15%).
Além desses, os outros estilos apontados, que são ensinados,
foram Dança Acrobática, Sapateado, Dança Aérea, Expressão Corpo-
ral, Afro-brasileiros, Angolanos, Dança do Ventre, FitDance, Folclóri-
cos, Funk, K-Pop, Lírico e Moderno.
Na investigação sobre a identificação dos profissionais, ob-
teve-se que 97,5% deles se apresentam em espetáculos e/ou eventos,
sendo que 77,5% são remunerados por apresentação. Porém apenas
50% possui o DRT, registro que permite a remuneração de Artistas de
Dança, salientando a falta de regularização da área, não somente no
ensino.

Conceitos de Dança: o que dizem os/as profissionais


A segunda parte do questionário teve o intuito de dar vozes
aos participantes da pesquisa e observar conceitos teóricos e a relação
com a prática. Assim, foram feitas quatro perguntas, a saber: O que
é dança para você? Quais estilos de dança você conhece? A dança é
importante? Por quê? Quais os efeitos que a dança traz para seus/suas
alunos/as?

O que é a dança
Observa-se dois tipos de respostas acerca do significado da
dança para o participante: definições objetivas e outras com ênfase
na subjetividade. As respostas objetivas foram a maioria, sendo iden-
tificadas nos questionários de 21 dos 40 participantes. Dentre esses

- 169 -
foram coletadas definições diretas como: “Arte”; “Arte do movimen-
to”; “Arte e minha profissão”; “Linguagem Artística”; “Liberdade de
expressão”; “Forma de comunicação”; “Qualquer movimentação com
o corpo”.
Houve, também, respostas mais estruturadas como: “É a
Arte de expressar o que a alma fala através do corpo. É a sintonia
entre a música e o movimento! ”; “É o corpo em movimento no espaço
conduzido pelo som, pela música ou em total silêncio, impregnado de
grande conteúdo emocional e psíquico”; “Forma artística e expressiva
fundamentada em poéticas criadas a partir do corpo e do movimento”.
Já nas respostas subjetivas, encontradas em 19 dos 40 ques-
tionários, foram detectadas peculiaridades individuais, caracterizadas
pela interpretação/ponto de vista dos próprios autores a respeito do
que é a dança para eles. Dentre os participantes que foram subjetivos,
notou-se uma predominância de: “Minha vida”; “Amor”; “Uma forma
de conhecer a minha essência”.
Ainda, existiram outros relatos subjetivos, como: “...ser você
mesma, sem amarras”; “...algo que me completa”; “...uma vivência
inexplicável”; “Uma forma de conexão comigo mesma e com o outro.
Uma forma de expressão do meu interior. Comunicação das emoções
com o outro: uma troca através da beleza da arte da dança”; “A dança é
o que me alimenta em relação ao bem-estar, me ajuda contra estresse,
me faz sentir bem a todo momento”; “...é movimento gerando emoção
e emoção gerando movimento a todo instante”.
Assim, para esta primeira pergunta, obtivemos um resultado
amplo sobre significados da dança, porém que expõe dois tipos de res-
postas: as objetivas e as subjetivas, ou seja, as respostas que possam
identificar uma relação mais direta e conceitual sobre a temática e ou-
tras que traduzem um sentimento mais pessoal com a dança e o ato de
dançar.

Estilos de dança
Já na segunda pergunta “quais estilos de dança você conhe-
ce?”, apenas 3 participantes não listaram os estilos, tendo dado como
resposta “inúmeros”, “vários” e “incontáveis”. Quanto aos outros 37
questionários, diversos estilos foram mencionados.

-170 -
Ilustração 01 – Quais estilos você conhece?

Ao todo foram listados 40 estilos de dança. Dentre esses, há


13 estilos que predominaram mais no conhecimento dos profissionais,
como mostra no gráfico acima (Ilustração 01).
O estilo Hip Hop foi mencionado 36 vezes entre os 40 par-
ticipantes, mostrando a popularização desse tipo de dança. Dentro do
Hip Hop, algumas vertentes foram expostas tais como: Break, Street
Dance, Waacking, Popping, Locking, Krump, House, Vog, Swag e
Dancehall. O segundo estilo mais conhecido entre os profissionais par-
ticipantes foi o Ballet Clássico, sendo mencionado 31 vezes entre eles.
O terceiro estilo foi o Jazz, mencionado 29 vezes e em quarto lugar
foi o estilo Contemporâneo, sendo conhecido por 26 dos participantes.
O quinto estilo mais mencionado foi a Dança de Salão, sendo que, às
vezes, esse estilo foi especificado entre: Forró, Zouk, Samba, Tango,
Salsa, Bolero, Sertanejo Universitário e Kizomba. Já o Sapateado, foi
detectado por 12 dos profissionais.
A Dança Aérea e a Dança Flamenca foram reportadas 6 ve-
zes, sendo que da primeira também foram constatadas duas vertentes:
Pole Dance e Tecido Acrobático. As danças Irlandesa, Stiletto, do Ven-
tre e Zumba foram citadas 5 vezes e o estilo de dança Moderna foi
mencionado 4 vezes. Quanto a este último, também foram indicadas
algumas técnicas em conhecimento como: Horton Technique, Marta
Graham e Doris Hamphrey.
Além desses 13 estilos apontados acima, outros 27 foram
mencionados, porém podemos perceber que estes não são bem difun-
didos, já que foram estilos mencionados apenas uma ou duas vezes en-
tre os 40 participantes. São eles os estilos: Afro-brasileiro; Folclórico;
Adaptado; Ballet Moderno; Ballet Contemporâneo; Corpo Coreográ-

- 171 -
fico; Dança Esportiva; Ritmos; Dabke; Cigano; Brasileiro; Capoeira;
Fit Dance; Acrobático; Espanhol; Axé; Livre; Funk; Popular; Indiano;
Lírico; Pessoal; Gaga; Balinês; Kabuki; Árabe; Africano.
Dentre esses 27 estilos apontados acima, nota-se que a ca-
poeira foi mencionada, mesmo sendo considerada também um estilo
de luta (FRIGERIO, 1989). Além disso, como uma vertente da Dança
Indiana foi citado o estilo Odissi. Há também situações em que o estilo
de dança mencionado é muito mais um exercício físico a se apoderar
do contexto artístico, do que uma dança propriamente dita, caso a aná-
lise seja realizada com o olhar da Arte, como é o caso do Fit Dance,
por exemplo.
Percebe-se que dentre uma variedade tão grande de estilos
de dança, há alguns que predominam no conhecimento dos profissio-
nais e que podemos relacionar ao que foi exposto anteriormente sobre
os estilos ensinados por estes/estas profissionais. Assim, percebemos
que os estilos que são mais difundidos na cidade de Campinas/SP, são
os que predominam no conhecimento dos/das profissionais atuantes.
Os demais estilos talvez ainda não tenham sido popularizados devido
à falta de estudos e experiências dos profissionais de dança que atuam
na cidade.

A importância da dança
Quanto às respostas da terceira pergunta, observa-se a una-
nimidade na importância da dança e muitas foram as justificativas.
Alguns participantes alegaram que a dança traz qualidade de vida e
bem-estar, podendo ser um meio de lazer e distração diante de um
mundo tão corrido e estressante. A dança foi considerada uma lingua-
gem universal de comunicação, sem a necessidade de utilizar palavras
para isso.
A dança foi considerada um conhecimento para si mesmo e
para o mundo, trazendo a possibilidade de entender o corpo e a relação
que se tem com ele. Além disso, traz uma relação com a saúde, com o
desenvolvimento das capacidades físicas, mentais e emocionais e tam-
bém com a socialização. As respostas dos profissionais destacam as
diversas vertentes do trabalho com dança e os possíveis benefícios que
sua prática proporciona.

-172 -
Efeitos que a dança traz aos/as alunos/as
Com relação a última pergunta, desta segunda parte, muitos
foram os benefícios elencados pelos profissionais, porém os mais ob-
servados foram o aprimoramento das capacidades físicas, a melhoria
da consciência corporal, a aquisição de postura e de uma noção espa-
cial.
Devido a dança ser um exercício aeróbico, alguns/as profis-
sionais relataram que seus alunos/as comentam sobre a melhoria da
saúde em certos aspectos como queima calórica, redução de coleste-
rol/triglicérides, emagrecimento e alívio de dores físicas e emocionais.
Não só para o físico, mas também para o mental, notou-se que os alu-
nos obtêm bem-estar, descontração e vivacidade por ser uma atividade
prazerosa e divertida. Alguns/as afirmam ser a dança uma atividade
que promove transformações físicas e mentais, pois ela também traz
uma adaptação neural.
Descreveram, também, que os/as alunos/as adquirem técnica
corporal, ritmo, musicalidade e leveza na execução dos movimentos,
além de trabalhar com a concentração e memorização no decorrer das
aulas. Por meio da dança pode-se obter mais disciplina, nas aulas e
fora delas.
Um outro benefício muito notado entre os profissionais, é o
de que a dança desperta uma melhora na autoestima, na autoconfiança
e no autoconhecimento. Dessa forma, verifica-se que os/as alunos/as
adquirem satisfação e realização pessoal por meio da prática da dança.
Além disso, os/as profissionais relataram que os/as alunos/as superam
seus limites, pois a dança é muitas vezes um desafio pessoal. Muitos
afirmam que a dança promove a socialização e melhora a comunicação.
Entretanto, houve apenas um relato acerca de dois malefí-
cios: as lesões e a depressão relacionadas ao processo de treinamento
e profissionalização na área. Por fim, uma última observação feita por
dois participantes é a de que os efeitos da dança nos alunos variam de
acordo com o local e o objetivo da turma, sem mencionar qualquer
fator.
Então, os únicos aspectos negativos expostos foram relaciona-
dos à prática profissional, evidenciando que há mais benefícios na prá-
tica voltada ao lazer. Sendo assim, conclui-se que a dança como lazer é
capaz de promover diversos aspectos positivos aos seus praticantes.

- 173 -
Visão acerca da área profissional
A terceira e última parte do questionário teve três questões
relacionadas com a profissionalização da dança, a saber: Como você
enxerga o campo profissional da dança?; Qual a formação que, aos
seus olhos, o profissional da dança deve ter? e Onde você aprendeu o
método de ensino que aplica em suas aulas?

Visão sobre o campo profissional


Analisando o que foi dito pelos 40 profissionais, sobre como
enxergam a área profissional da dança, a resposta que teve maior fre-
quência (45%) foi a da falta de valorização. Muitos alegaram que a
dança é valorizada apenas pelos praticantes e pelos profissionais, jus-
tificando que poucos entendem sua importância para a vida do ser hu-
mano em geral. Houve ainda um participante que afirmou que qualquer
tipo de arte não é valorizado no Brasil.
Algumas causas dessa desvalorização foram identificadas
em alguns discursos como sendo o governo o principal culpado pela
falta de investimento na área. Além disso, foi apontado o pouco conhe-
cimento que a população em geral tem sobre a área da dança, desconsi-
derando os seus aspectos pedagógicos e positivos com relação a saúde
e ao desenvolvimento do ser humano. Assim, boa parte da população
não reconhece o profissional da dança, pois acham que dar aulas de
dança faz parte de um lazer e de um hobby pessoal.
Essa desvalorização, segundo eles, também, é fruto do olhar
das próprias escolas de dança, pois estas preferem pagar menos a al-
guém que não possui formação em detrimento daqueles que estão, pro-
fissionalmente, preparados e certificados. Assim, para estes, é extrema-
mente difícil conseguir uma remuneração justa.
Aqueles que possuem algum tipo de formação voltada a
dança, como graduação em Educação Física, Dança ou curso técnico,
se sentem injustiçados pela falta da regulamentação dessa profissão.
Alguns depoimentos mostram a frustração que eles têm com relação
a pessoas que dão aulas de dança só porque foram praticantes em um
curto período de sua vida. Dessa forma, tais profissionais se sentem
desvalorizados com relação a contratação de professores desqualifica-
dos e com pouca experiência.

-174 -
Alguns dos profissionais participantes alegaram ser uma
área profissional pouco estruturada em termos trabalhistas, já que ra-
ramente as escolas registram os/as professores/as. Dessa maneira, os/
as profissionais ficam desamparados frente aos benefícios e ao auxílio
desemprego.
Assim, as próprias escolas de dança alimentando esse mer-
cado informal acabam por desvalorizar o serviço do profissional da
dança. Mesmo sendo um campo de trabalho difícil, a maioria dos de-
poimentos revelaram que a dança é uma área profissional prazerosa e,
portanto, a maioria acaba optando em seguir tal profissão por amor a
arte.

Visões sobre a formação ideal


Quando questionados sobre qual formação, aos olhos deles/
as, o/a profissional da dança deveria ter, 40% deles acreditam que ape-
nas a vivência, o acompanhamento e a experiência sejam os quesitos
mais importantes para se formar um bom/boa professor/a.
Apenas 27,5% diz que o profissional da dança deve ter a
formação em Educação Física, e outros 27,5% que acreditam que de-
vem ser formados em Dança. Dentre os que acreditam que o curso de
Dança é o mais indicado, houve um participante o qual defendeu que
o profissional deve ter a graduação em Dança, enfatizando que o curso
de Educação Física não deve ser feito por quem quer atuar na área
da dança. Assim, põe-se em evidência o que foi discutido por Pereira
(2006) sobre o embate entre essas duas graduações que tentam defen-
der seus próprios interesses. Ademais, houve ainda 15% que alegaram
ser o curso técnico em Dança a formação mais importante a um profis-
sional desta área.
Apesar desses apontamentos, 12,5% dos participantes acre-
ditam não ser uma formação única que definirá um bom profissional.
Esses argumentaram que cada curso e vivência traz uma especificidade
diferente aos olhos do/a professor/a, sendo que apenas uma formação
tornaria o/a profissional incompleto.
Na análise também foi coletado que 25% dos/das profissio-
nais que atuam em Campinas/SP esclareceram que os professores/as de
dança devem possuir conhecimentos fisiológicos e anatômicos, como
forma de compreender o corpo e, assim, evitar lesões. Embora estes

- 175 -
acreditem que o profissional da dança deva possuir esses conhecimen-
tos, não especificaram em qual curso deveriam aprender tais assuntos.
Além disso, 10% relataram que o/a profissional da dança
deve possuir o registro DRT, porém sem mencionar por qual meio de-
veria o adquirir (curso técnico em Dança, graduação em Dança ou pela
banca do SINDDANÇA). Houve, ainda, 7,5% que não soube definir a
formação ideal e há ainda aqueles/as que acreditam que alunos/as de
dança podem se tornar bons professores/as, sem qualquer formação, já
que possuem conhecimento sobre a técnica.
Dessa forma, percebe-se que a formação ideal a um profes-
sor de dança ainda não é bem definida nem entre os/as próprios/as pro-
fissionais.

Métodos de ensino – onde aprenderam?


Por fim, a terceira questão foi feita a fim de averiguarmos
onde os profissionais participantes aprenderam os métodos de ensino
os quais aplicam em suas aulas, sendo que podiam escolher mais do
que uma alternativa. Examinando as respostas, verifica-se que a maio-
ria aplica métodos de ensino aprendidos durante a própria vivência em
aulas de dança (vejam que, na questão anterior, muitos disseram que a
vivência é o quesito mais importante como formação).
Já um número significativo alegou que aprendeu em aulas de
dança (cursos livres e workshops). Os/As demais entrevistados/as dis-
seram que aprenderam os métodos de ensino na graduação de Dança,
no curso de Educação Física ou no curso técnico em Dança.
Sendo assim, 65% da nossa amostra aprendeu a metodolo-
gia de ensino por meio da vivência prática, 35% aprendeu em cursos
livres, 15% aprendeu no curso superior de Dança, 12,5% no curso su-
perior de Educação Física e 5% no curso técnico de Dança. Existe,
também, quem mencionou ter construído sua própria metodologia em
aulas (12,5%), conforme a prática e o ajuste dia após dia, e outros que
mencionaram terem aprendido em livros (5%).
Sendo assim, não foi observado uma unanimidade de onde
os profissionais aprenderam os métodos de ensino, porém ficou evi-
denciado que a maioria deles aprendeu em suas vivências práticas de
aulas de dança.

-176 -
Considerações Finais
A dança como campo profissional ainda não tem um cenário
definido, pois a Classificação Brasileira de Ocupações não exige uma
formação específica para atuação, mas, mesmo assim, observa-se uma
tendência a profissionalização. Dentre os cursos que oferecem uma
formação para o profissional da dança, temos os cursos de graduação
em Educação Física e em Dança, ou o curso técnico em Dança. Con-
forme mostra autores, há embates entre essas áreas de formação, que
tentam estipular qual a melhor maneira de qualificar um profissional.
Embora uma grande maioria dos participantes da investiga-
ção tenha dito que a dança como profissão é desvalorizada, tanto pela
população, quanto pelas próprias escolas de dança e pela falta de re-
gulamentação, não há um consenso quanto a formação ideal para um
profissional da dança. Percebe-se que apesar de haver possibilidades
no curso de graduação em dança ou no curso de graduação – bacharela-
do em Educação Física, há pouca procura, como mostram os resultados
da investigação. A vivência, ou melhor dizendo, a prática é a opção que
se apresenta como sendo a mais frequente no mundo artístico da dança.
Percebe-se que, a maioria dos profissionais da dança argu-
menta ser um espaço profissional desvalorizado, porém despreza a
formação baseada em cursos superiores, o que não contribui para a
possível regulamentação da profissão. Dessa maneira, a cultura ins-
talada entre os/as próprios/as professores/as de dança atuantes, acaba
por influenciar e impedir um possível crescimento e melhoria na área
profissional da dança. Porém, conforme foi investigado, um número
alarmante de profissionais aprendeu sua metodologia de ensino apenas
com a vivência prática, demonstrando uma possível falha nos siste-
mas de ensino dos cursos de formação, ao qual deveríamos nos atentar
mais.
Com a atual pesquisa, pôde-se perceber que a valorização
de uma profissão muito está relacionada a sua regulamentação, porém,
mesmo a área da dança não sendo regulamentada, notou-se que os pro-
fissionais que trabalham nessa área demonstram não fazer questão des-
sa profissionalização, pois acreditam que, para o profissional da dança,
a vivência é o quesito mais importante.
Considerando que o lugar da nossa fala é a partir do curso
de formação profissional em Educação Física, vale nesse momento as

- 177 -
palavras de Gaio; Góis (2013, p. 251) que trabalham com a dança há
muito tempo:
Não defendemos uma única área como detentora do perfil
para se desenvolver a dança, mas acreditamos e compartilhamos da
competência dos professores da área de Educação Física, valorizando
sua inserção no mercado de trabalho e ampliando suas relações nos
diversos espaços de prática da dança. Mesmo com tantas críticas le-
vantadas por diversos autores da dança no país, no que se refere aos
professores de Educação Física e sua relação com o desenvolvimento
da dança, registramos importante avanço no ensino superior, conside-
rando, inclusive, o número crescente de docentes com formação em
Educação Física nos cursos de licenciatura em dança no Brasil, garan-
tindo, assim, a visão plural e multidisciplinar da própria dança.

Entretanto, a pesquisa indica que o rumo da área profissio-


nal da dança depende de uma regulamentação mais rígida, incluindo
nisso a regulamentação e supervisão dos profissionais que atuam nela.
Dessa maneira, surgem possibilidades de novas investigações sobre a
temática.

Referências
BRASIL. Ministério do Trabalho. Classificação brasileira de ocupa-
ções. Brasília, 2002.
CONFEF. Dispõe sobre a Intervenção do Profissional de Educação Fí-
sica e respectivas competências e define os seus campos de atuação
profissional. Resolução nº 046, de 18 de fevereiro de 2002, Rio de
Janeiro.
FRIGERIO, Alejandro. Capoeira: de arte negra a esporte bran-
co. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 4, n. 10, p. 85-98, 1989.
GAIO, Roberta; GÓIS, Ana Angélica Freitas. Educação Física e dança:
possibilidades e contribuições para formação profissional. In GAIO,
Roberta; SEABRA JUNIOR, Luiz; DELGADO, Maurício Delgado
(in memoriam). Formação profissional em Educação Física. Várzea
Paulista: Fontoura, 2013.
MARCONE, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamen-

-178 -
tos da metodologia científica. 5º edição. São Paulo: Editora Atlas SA,
2003.
PEREIRA, Mariana Lolato. Dança e Educação Física no Brasil: ques-
tões polêmicas In Revista Digital - Buenos Aires - Ano 11 - N° 96
- Maio de 2006.
STINSON, Susan. Reflexões sobre a dança e os meninos.  Pro-posi-
ções, v. 9, n. 2, p. 55-61, 1998.
STRAZZACAPPA, Márcia. PROFISSÃO PROFESSOR DE DAN-
ÇA: UMA BREVE CARTOGRAFIA DO ENSINO DE DANÇA NO
ESTADO DE SÃO PAULO - Occupation dance teacher: a short carto-
graphy of dance teaching in the state of Sao Paulo. MORINGA-Artes
do Espetáculo, v. 2, n. 2, 2011.

- 179 -
-180 -
A MULTIPLICIDADE DOS ENSINOS DE
PALHAÇAS E PALHAÇOS NA EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIA
Felipe Braccialli
Marco Antonio Coelho Bortoleto
Grupo de Pesquisa em Circo (CIRCUS/FEF-Unicamp)\

RESUMO: Contribuir para o reconhecimento da extensão universitária por meio


do oferecimento regular de projetos de múltiplos formatos e de sua consistente
relação com as ações de ensino e pesquisa tem sido um importante referente para
nosso trabalho na FEF-UNICAMP. Nesse contexto, construímos um importante
espaço extensionista para o debate e a vivência no campo do circo, atraindo cen-
tenas de pessoas semestralmente para nossas ações, dentre elas eventos, cursos
e, principalmente, projetos de extensão (programas de um semestre de duração).
Nessa oportunidade discutimos a criação e implementação do projeto Introdução
ao Palhaço (2018-2019), cujo objetivo central foi criar um espaço para experimen-
tação inicial na linguagem do palhaço e da palhaça, bem como uma oportunidade
de desenvolvimento pedagógico para pesquisadores da área.
PALAVRAS-CHAVE: Circo; Extensão Universitária; Palhaço.

Introdução
A disposição da Faculdade de Educação Física (FEF) da
Unicamp no desenvolvimento de ações extensionistas é reconhecida e
bem documentada (BORTOLETO et. al. 2017). Nesse contexto favo-
rável, foi implementando no ano de 2006 um projeto na área do Circo,
dando início a um profícuo espaço de fomento e difusão dos seculares
saberes circenses no contexto dessa importante universidade brasilei-
ra (BORTOLETO; DUPRAT; TUCUNDUVA, 2016; ONTAÑÓN et.
al. 2016). Desde então, initerruptamente, as acrobacias, malabarismos,
as acrobacias aéreas (tecido, trapézio, lira) e outras modalidades cir-
censes não deixaram de ocupar os espaços dessa faculdade, recebendo
centenas de pessoas de todas as idades, semestralmente, e contribuindo
para uma forte presença e reconhecimento do circo no âmbito da Uni-
camp (BORTOLETO; CELANTE, 2011).
No entanto, foi somente em 2018 que foram materializadas
as condições para iniciar um projeto de ensino do palhaço e da palhaça

- 181 -
nesse contexto da extensão. Cabe destacar que a temática em questão –
formação de palhaços e palhaças – já havia sido abordada em experiên-
cias anteriores. A Prof. Dra. Ana Elvira Wuo, atualmente docente do
curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), desen-
volveu por anos, antes e depois de sua pesquisa de doutorado (WUO,
2016) e durante o pós-doutorado (2019-2020), ações nessa área. Além
disso, de modo regular, a disciplina de graduação “EF962 Atividades
Circenses e Educação Física” (FEF-UNICAMP) inclui desde 2006 em
cada oferecimento uma oficina sobre palhaços, lançando sementes pe-
los solos da Unicamp ao longo desses 15 anos1.
Dito isso, é sobre a experiência do ensino do palhaço e pa-
lhaça no contexto da extensão universitária que trataremos nesse texto,
esperando compartilhar nossas aventuras, conquistas e dificultades.

Um palhaço na extensão
A proposta de iniciar um projeto de extensão de introdução
ao palhaço surge quando Felipe Braccialli inicia sua pesquisa de dou-
torado junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação Física sob
orientação do Prof. Dr. Marco Bortoleto, autores desse texto. Felipe
trazia, para além de sua graduação e mestrado em artes cênicas na
UFU, uma carreira artística como palhaço atuando em diversos espa-
ços (ruas, teatro, hospitais, entre outros), e também com uma já ini-
ciada atividade ministrando cursos de diferentes formatos, iniciando
diversos palhaços e palhaças por Minas Gerais e São Paulo. Uma ação
otimizada junto ao Grupo Galhofas2, cuja pesquisa continuada incide
sobre a arte da palhaçada. Confluem então, o interesse e o desejo do
grupo CIRCUS (e da FEF-Unicamp, por consequência), com a vonta-
de do doutorando em dar início a uma experiência extensionista. Uma
aposta que, de algum modo, representava uma oportunidade para todos
no sentido de ampliar os conhecimentos no campo pedagógico.
Desse modo, a pesquisa de doutorado foi desenhada, ten-
1 Nesses muitos anos, muitos palhaços, alguns renomados (Ésio Magalhaes; Biribinha; Paco
Pacolmo; Ana Elvira Wuo; Leris Colombaioni; Olivier-Hugues Terreault; Lu Lopes – Rubra;
...) passaram pela FEF, alimentando nossos conhecimentos nesse campo específico. Mais
em: https://www.fef.unicamp.br/fef/noticia/2018-09-13-palestra-palhaco-idoso-e-demencia;
https://www.youtube.com/watch?v=-hB9EUGkVjs&spfreload=10. (Visitado em 17 de nov.
2020).
2 Grupo teatral sediado em Descalvado no interior de São Paulo, que trabalha entre diversas
artes, com a linguagem do palhaço. https://grupogalhofas.wixsite.com/website (visitado em
10 de nov. 2020)

-182 -
do como objetivo central discutir as múltiplas formações de palhaços
e palhaças que acontecem na atualidade no Brasil, tentando pontuar
possíveis caminhos que os profissionais possam questionar, discutir e
refletir sobre a sua pedagogia. Essa pesquisa possibilitou, ainda, di-
fundir a arte do palhaço para a comunidade, constituindo na extensão
universitária um espaço para experimentar e ecoar questões relevantes
para o desenvolvimento da mesma.
O projeto de extensão foi estruturado em 15 semanas – pe-
ríodo normativo do programa de extensão da FEF, tendo um encontro
semanal de 2h. O dia e o horário desses encontros foram escolhidos
conforme as disponibilidades dos responsáveis e, também, de espaço
apropriados. De forma geral, esse projeto transcorreu utilizando a Sala
de Multiuso (fig. 1) e, às vezes, o Cinema, do Espaço Cultural Casa
do Lago3 da Unicamp, que fica bem próximo à FEF. Eventualmente,
outros espaços externos da Unicamp eram usados para as atividades,
mas falaremos disso mais adiante.
A escolha de solicitar o espaço da Casa do Lago foi devido
à necessidade de um espaço com certa privacidade, e outras adequa-
ções, considerando as atividades que seriam realizadas. A sala Multiu-
so, que de fato é um amplo espaço “vazio” – muitas vezes utilizado
pelo Coral da Unicamp (Ziper na Boca) e para apresentações artísticas,
nos pareceu idôneo para as experimentações corporais e jogos cênicos
pretendidos. Essa sala dava liberdade de deslocamento para os apren-
dizes, além das diferentes formas de ser ressignificada, considerando
que o piso frio da sala tem demarcações geométricas. Apesar do grande
espaço, a sala tem problema na acústica, sendo muitas vezes necessário
gritar para direcionar os comandos do exercício para que todos conse-
guissem ouvir dos diferentes pontos da sala. Outro problema eram as
interferências de pessoas circulando pela sala, pois é o caminho mais
fácil para um dos estacionamentos do espaço cultural, situação que
agrava a falta de privacidade já presente pela grande quantidade de
janelas.

3 Espaço Cultural vinculado a Diretoria de Cultura da Pró-reitoria de Extensão e Cultura


da UNICAMP. https://www.casadolago.proec.unicamp.br/ (Visitado em 09 de nov. 2020).

- 183 -
Figura 1. Sala Multiuso – Espaço Cultural Casa do Lago

Fonte: Acervo pessoal

Por outro lado, a sala do Cinema (Fig.2), também perten-


cente às instalações da Casa do Lago, possibilitava um espaço mais
intimista, tendo um pequeno palco bem iluminado e o resto do espaço
preenchido por poltronas. O palco possibilitava um espaço de cena,
facilitando jogos de improvisação solos ou em grupos pequenos. Com
isolamento acústico e tendo a circulação de pessoas restrita, tínhamos
vantagens. No entanto, ao realizar exercícios em que todos os apren-
dizes estivessem participando, se tornava um espaço muito limitado
para as experimentações. Em suma, cada espaço tinha prós e contras, e
nossas atividades foram sendo planejadas conforme a disponibilidade
desses espaços, forçando mudanças e até improvisações sobre o plano.

-184 -
Figura 2: Exercício realizado no Cinema da Casa Lago

Fonte: Acervo pessoal.


O projeto de extensão de introdução ao palhaço teve início
no segundo semestre de 2018, continuando por todo o ano de 2019,
ou seja, totalizando 3 semestres. Ao longo de todos eles o doutorando-
-pesquisador foi o responsável pelas atividades, sendo supervisionado
pelo orientador e recebendo o apoio de duas pesquisadoras do Grupo
Circus, a Dra. Ana Wuo e a doutoranda Lua Barreto, ambas com muita
experiência na área.
O projeto foi planejado para atender o público adulto - com
idade superior a 18 anos-, e durante os três semestres de oferecimen-
to recebemos uma grande diversidade de participantes. Participaram
pessoas com diferentes graus de experiência com arte em geral, ex-
periência com artes circenses e experiência com palhaço (sendo que
dentro das turmas tinha pessoas com certa experiência e outros que
relataram ser o primeiro contato com essas artes), como também das
mais distintas área de atuação profissional (ou formação em andamen-
to). Além da idade mínima, não existia nenhum pré-requisito para a
participação da aula, mas era pedido que os alunos viessem com roupas
confortáveis para o trabalho e com suas garrafas d’água, para diminuir
as interferências no desenrolar dos exercícios. Também era pedido que
os participantes viessem disponível para as práticas e para o jogo. Por
razões organizativas e didáticas a cada semestre foi estabelecido uma
quantidade máxima de 20 vagas.

- 185 -
Os encontros foram desenhados a partir da experiência que
o monitor possui com formação de palhaços e palhaças, em consonân-
cia com a literatura constituída por livros de jogos teatrais (SPOLIN,
2005), pedagogias circenses (BORTOLETO, 2008 e 2010), pedagogia
e do palhaço (JARA, 2007; LECOQ, 2010; GAULIER, 2016), histó-
ria do palhaço (BOLOGNESI, 2003; CASTRO, 2005), como também
sobre questões filosóficas na discussão do riso na sociedade (PROPP,
1992; BERGSON, 1980; XIMENES, 2010).
Nosso planejamento inicial foi engendrado, reconhecendo
desde o prncípio, que o mesmo serviria como um norte para o desen-
volvimento do projeto, mas que ele poderia ser modificado em função
do grupo, suas inquietudes, e outros elementos conjunturais. Algumas
das diretrizes indicadas nesse plano de trabalho foram:
• as atividades elementares se mantiveram nos três semes-
tres, como um núcleo edificante. Tinham como objetivo
criar um espaço de acolhimento para os/as participantes,
apresentar o monitor e explicitar o processo de forma-
ção que seria realizado. Permitia ainda que os partici-
pantes se apresentassem, sondar os conhecimentos e
experiências dos mesmos sobre a arte do palhaço, expor
as “regras do jogo” realizando as primeiras brincadeiras
de socialização entre todos;
• os encontros seriam estruturados a partir de jogos e
brincadeiras trazidos pelo monitor, como também pelos
aprendizes, que os ajudassem a se reconectarem com as
memórias de infância e a vivacidade do estado de brin-
cadeiras muito frequentemente encontrado na criança.
Também seriam usados jogos de improvisação indivi-
duais ou em grupos;
• dialogar sobre as “regras” do projeto, que embora sim-
ples precisam de um entendimento de modo a estimular
o participante a estar mais receptivo/aberto aos jogos
e exercícios propostos. A primeira regra era que tudo
fosse visto a partir do olhar do palhaço, ou seja, como
uma experiência onde a brincadeira e o prazer no jogo
são pontos essenciais; a segunda, que os participantes
dissessem “sim” aos jogos propostos, mesmo que fosse

-186 -
necessário ressignificar os mesmos para que fossem ca-
pazes de realiza-los; por último, aceitar o erro no jogo e
receber as consequências dele, buscando não julgar a si
mesmo e aos outros; as regras são criadas com objetivo
de direcionar os aprendizes para a lógica diferenciada
dos palhaços e palhaças, ou seja, as regras existem sem-
pre com a abertura delas serem transgredidas no enten-
dimento padrão da sociedade;
• ênfase no processo, não tendo nenhum resultado
específico a se alcançar, e possibilitando que qualquer
produto emergente fosse resultado das vontades e
experimentações dos próprios participantes.

Com efeito, o planejamento esteve em constante transforma-


ção para melhor direcionar os interesses e necessidades dos aprendi-
zes. Sendo assim, os três semestres tiveram a estrutura das primeiras
três aulas muito similar, pois era o tempo de o coletivo se conhecer e se
reconhecer como grupo, as questões iniciais sobre o palhaço surgirem,
e a lógica do jogo se instaurar nas aulas.
Durante os encontros iniciais foram usados jogos e brinca-
deiras4 com objetivo de ativar a energia de jogo nos participantes, bem
como criando diferentes situações lúdicas para reconhecer e minimizar
a vergonha e, por conseguinte, ampliar a confiança no grupo5. Também
foram propostos jogos de concentração coletiva6, experimentações
corporais7 experimentações a partir de sentimentos, experimentação da
máscara do palhaço e, ainda, jogos de improvisações individuais ou
coletivas8

.
4 Batatinha 1,2,3, pega-pega de nomes, escravos de jó...
5 Mostra de talentos, troca de olhares, jogo do espelho...
6 Zip-zap, parada sincronizada, detetive...
7 Diferentes caminhadas, câmera lenta, dança individual...
8 Muitas dessas atividades podem ser encontradas em “Jogos teatrais: o fichário de Viola
Spolin” de Viola Spolin (2001) e “El Clown, um navegante de las emociones” de Jesús Jara.

- 187 -
Figura 3 - Experimentação da Máscara do Palhaço – Tampinha (Lua
Barreto)

Fonte: Arquivo pessoal

Como já dito, buscamos que o primeiro encontro fosse simi-


lar para todos os semestres. Ele consistia em receber os participantes
no curso, organizar uma roda de conversa inicial para a apresentação
do professor, como também expor as regras do jogo que será desenvol-
vido durante todo o curso, um jogo repleto de palhaçadas, risos e ques-
tionamentos. Em seguida, realizávamos a apresentação dos participan-
tes, dividindo a dinâmica em duas partes: na primeira era proposto a
todos que falassem três coisas (nome, as experiências que já tiveram
com arte, e a terceira pergunta era escolhido pelo próprio grupo sobre
o que eles gostariam de saber de seus colegas). Como era esperado,
surgiam inúmeros questionamentos, tais como: o nome do animal de
estimação, signo ou comida predileta. Quanto mais falavam, melhor
era a troca e mais se sentiam confortáveis no grupo.
A segunda parte da apresentação era a partir de um exercício
corporal. Todos de pé em roda, uma pessoa entrava ao centro da roda
e ela tinha que olhar nos olhos de cada pessoa que compunha a roda,
em seguida falar novamente seu nome e apresentar um talento especial,
sendo que qualquer talento é aceito, contanto que seja feito para que as
pessoas vejam e a pessoa se sinta confiante fazendo aquilo que consi-
dera seu grande talento/habilidade. Ao final, sempre com os aplausos
de todos antes de voltar ao seu lugar na roda.

-188 -
Essas escolhas, muitas vezes estranhas ao olhar dos parti-
cipantes, contribuem para compartilhar experiências uns com os ou-
tros, abrindo caminho para as atividades seguintes. Notamos que al-
guns pré-conceitos que “surgem” ao defrontarem com desconhecidos
são superados paulatinamente ao perceberem que, muitas vezes, essas
pessoas têm interesse similares, ou, até mesmo, tinham experiências
artísticas que não podiam ser notadas a simples vista. Mais ainda, as
peculiaridades de cada um foi sendo reconhecida como algo especial
e único, um fundamento para a arte palhacesca. Ao mesmo tempo, de
modo sutil cada participante foi sendo colocados em “exposição”, sen-
do vistos e vendo os outros, se conectando pelo olhar e, frequente-
mente, possibilitando o surgimento de um riso coletivo e espontâneo
(BRACCIALLI; SANCHEZ, 2020). Essa ambientação com o espaço e
colegas é um passo importante!
Os dois encontros seguintes eram dedicados a ampliar essa
relação de coletividade e confiança entre os aprendizes, algo de grande
importância para um curso de palhaço, pois os processos de formação
de palhaços e palhaças muitas vezes coloca em exposição fragilidades,
vergonhas e medos dos participantes, pois algumas situações que sur-
gem podem ser socialmente mal vistas.
Figura 4 - Improvisações coletivas

Fonte: Acervo pessoal

Durante essas aulas também são propostos jogos que estimu-


lem os aprendizes a trabalhar sua atenção, criatividade, reflexo, agilida-
de e aceitar suas incapacidades e erros, sempre regados de muito bom
humor. Outro exercício que se repetiu durante os três semestres foi o da

- 189 -
escrita sobre o palhaço. Nesse momento eram distribuídos papéis e ca-
netas para todos os participantes e pedido que eles respondessem a três
perguntas por escrito: o que é palhaço?; onde se encontra o palhaço?; e
quais suas referências de palhaços?. Uma forma de sondar a percepção
que os aprendizes têm da figura do palhaço e das possíveis atuações,
como também, os palhaços que são relevantes para os mesmos.
Ao final de cada encontro, realizávamos uma roda de conver-
sa na qual o espaço de fala era dos aprendizes. Desse modo, o monitor
evitava interferir ou julgar/analisar os comentários, mas, pelo contrá-
rio, estimular os participantes a relatarem suas experiências, reflexões
e opiniões sobre a vivência. Nesse espaço livre em que todas as ques-
tões eram relevantes, era possível o surgimento de dúvidas, individuais
e/ou coletivas, problematizando as experiências, fossem elas positivas
ou não. Esse tempo de conversa variava em cada encontro conforme
a necessidade do coletivo e o envolvimento com os exercícios do dia.
Outra estratégia adotada para os três semestres foi a criação
de um grupo no Whatsapp para a comunicação. Buscamos outro meio
para ampliar as conversas que surgiam durante os encontros. Além
disso, facilitando a comunicação com o grupo para casuais avisos e
divulgação de material de audiovisual de palhaços para ampliar as re-
ferências que o coletivo tinha sobre o assunto. Todos tinham a liber-
dade de compartilhar materiais que achassem relevantes para o curso,
tanto divulgações de outros cursos e espetáculos, vídeos de palhaços,
imagens, memes, músicas, poesias, ou qualquer outro material que pa-
recesse relevante.
Em seguida, as aulas, apesar de uma lógica de funcionamen-
to similar, começaram a tomar rumos diferentes, construídos coletiva-
mente com o grupo de aprendizes. As estruturações das aulas seguintes
acompanhavam o ritmo da turma, como também as dúvidas, questões,
discussões e percepções que eram trazidos para a sala de aula. Essa es-
colha metodológica é realizada de acordo com o entendimento se tem
sobre o palhaço, ou seja, que o palhaço é o ser do encontro, está sempre
aberto a perceber e se relacionar com tudo que acontece ao seu entorno,
as situações acontecem ou são intensificadas a partir do encontro com
o outro. Dessa maneira, a relação com o aprendiz é estabelecida pelos
constantes encontrar que acontecem, sendo importante destacar que o
professor não assume uma postura unicamente de orientador de exercí-

-190 -
cios, mas se insere nos jogos junto com todo o coletivo como mais um
jogador, estando assim em relação direta de jogo com os aprendizes.

Semestre da experimentação
Nossa primeira experiência aconteceu no segundo semestre
de 2018 (BRACCIALLI; MELO; BORTOLETO, 2019) com um grupo
de 20 participantes. O grupo desde o princípio se mostrou interessado
em vivenciar um processo de formação de palhaço como um espaço de
aprendizagem de uma nova prática artística, um percurso para entender
a lógica da atuação antes do anseio de se expor para o público externo
ao curso. Ao mesmo tempo notamos que muitos buscavam conseguir
aprimorar o trabalho artístico que já desenvolviam fora da extensão
(dança, circo, teatro, ...).
As dinâmicas e seus respectivos exercícios propostos ao lon-
go dos encontros se conectavam com a pesquisa pessoal (de cada par-
ticipante) e, consequentemente, de suas sensações e sentimentos como
matéria prima para despertar a energia e o movimento necessário para
o jogo do palhaço. Buscávamos fomentar a relação consigo mesmo,
identificando suas qualidade e limitações, possibilitando ampliar o
jogo relacional estabelecido com os demais participantes. Nessas ex-
perimentações corporais de busca interna da “sua verdade”, constante-
mente nos deparávamos com fragilidades, medos e vergonhas, um ca-
minho que, como mencionam estudiosos (WUO, 2019), é fundamental
para a desconstrução do ser social e para a reelaboração de uma lógica
pessoal, entendendo e aceitando o estado de vulnerabilidade necessário
para o jogo do palhaço, e a relação com a comicidade, o riso, as falhas,
sofrimentos, como também a superação delas.
Os relatos resultantes dessas experimentações ressaltavam
uma potência da vida, ajudando a reconhecer e superar barreiras pes-
soais, bem como a construir um espaço de segurança e liberdade, o que
facilita a aceitação do que somos, do corpo, dos trejeitos, das particu-
laridades individuais, “sem julgamentos”, sem pré-estabelecer o que é
certo ou errado. Um trajeto que pretende aflorar a individualidade de
cada aprendiz e com isso potencializar o estado do palhaço e da palha-
ça. Ao mesmo tempo, notamos que a maioria saía esgotada dos encon-
tros e, paradoxalmente, afirmando que sentiam o corpo mais leve, com
menos tensões e em um estado de alerta (BOURNIER, 2009).

- 191 -
Esse grupo não se focou em construção de cenas roteirizadas
ou estruturadas, mas se dedicou a diversos jogos de improvisações,
individuais e coletivas, por esse motivo optaram em fazer uma expe-
rimentação prática ao final do curso em um espaço público sem aviso
prévio dos espectadores. Dessa forma, foi proposta a realização de um
piquenique de palhaços e palhaças em uma tarde na praça da Unicamp.
Foi combinado meia hora antes da saída que todos que quisessem par-
ticipar se encontrassem na FEF com comidas para o piquenique. A pre-
paração para a saída (figurino e maquiagem) aconteceu coletivamente,
aproveitando o tempo para que as brincadeiras e jogos começassem
a surgir entre os participantes. Com todos prontos, fizemos uma pa-
lhaceata até o espaço escolhido e nesse percurso o jogo se desenrolou
entre os palhaços e palhaças e o público.

Figura 5 - Relações espontâneas pelo Campus da Unicamp – Tampi-


nha (Lua Barreto)

Fonte: Arquivo pessoal

Apesar de ser o primeiro encontro com o público a relação


aconteceu com tranquilidade, pois os aprendizes estavam a todo mo-
mento se relacionando uns com os outros, isso assegurou que todos
tivessem confiança de se encontrar com a plateia espontânea que sur-
giu. Durante o piquenique os jogos se mantiveram basicamente entre
os palhaços e palhaças, retornando ao ponto de início logo em seguida.

-192 -
Uma roda de conversa foi organizada para que todos pudessem falar
suas sensações nessa primeira saída com a máscara do palhaço.

Semestre da apresentação
A segunda turma de extensão em introdução ao palhaço
aconteceu no primeiro semestre de 2019 e contou com 12 participan-
tes na turma. O interesse que surgiu do coletivo foi o de desenvolver
trabalhos práticos com intuito de criação de esquetes, ensaios, aperfei-
çoamento da dramaturgia de cena e apresentações.
Os aprendizes mostraram uma maior dificuldade nos exer-
cícios relacionados ao estado de vulnerabilidade, sendo percebido a
partir das respostas encontradas para as três questões escritas que a
relação que traziam sobre o palhaço é a de uma personagem que é inse-
rida em um contexto para o desenvolvimento de uma cena estruturada
e que é representada pelo artista. Percebendo isso, as estratégias foram
mudadas e as aulas foram focadas na criação de cena a partir de rotei-
ros preexistentes e improvisações, sendo que algumas improvisações
sem o uso da máscara do palhaço, trazendo em questão os conceitos de
palhaço com objetivo de ampliar a percepção sobre o assunto e possi-
bilitar que os participantes percebam a multiplicidade dos palhaços e
palhaças.
O desejo das apresentações também direcionou os encontros
para a aprendizagem de questões técnicas da cena, como espacialida-
des, percepção do corpo na cena, escuta ampliada, contrarregragem,
projeção vocal, construção dramatúrgica da comédia e busca da viva-
cidade na repetição da cena. Sutilmente, cada elemento era conversa-
do e, na medida do possível, incorporado à cena que os participantes
estavam trabalhando.
Como finalização do processo, foram apresentados duas es-
quetes desenvolvidos ao longo do projeto: “Abelha Abelhinha”9, no
XXV Festival da FEF realizado pela FEF-Unicamp; e “Caçador”10
no Domingo no Lago, evento realizado pelo Espaço Cultural Casa do
Lago como parte da programação cultural promovida pela universida-
de. Ambas as apresentações ocorreram em espaços predefinidos, pos-
sibilitando que se preparassem para a performance. O público que os
9 Cena recorrente em cursos e, também, em espetáculos circenses, como melhor relatado por
Bolognesi (2003: p.234-236).
10 (p. 228-230)

- 193 -
assistiu já estava acompanhando os eventos, estando “aquecidos” para
a apresentação, facilitando a receptividade. Nos pareceu importante
começar por espaços “favoráveis”, e parece ser que a essas experiên-
cias se converteram em ótimas oportunidades para todos.
De modo geral, ambas as apresentações foram bem recebi-
das pelo público, apesar de pequenos problemas técnicos e da ansie-
dade de todos. Ao final, conseguimos, juntos, contornar os problemas,
improvisando o necessário para retornar ao roteiro original e mantem
uma dinâmica palhacesca que resultasse no riso do público.

Semestre da sociologia
A terceira experiência de ensino do palhaço como projeto
estruturado de aulas regulares na extensão aconteceu no segundo se-
mestre de 2019 e tivemos 13 alunos inscritos para o curso. Diferente
das duas turmas anteriores, essa direcionou as aulas para reflexões de
cunhos teóricos muito mais do que sobre as experimentações práticas
dos exercícios. Com isso, o tempo separado para as falas coletivas foi
sendo ampliada a cada aula e os exercícios práticos finalizavam com
mais agilidade.
As aulas começaram com propostas práticas de jogos e im-
provisações, mas tomaram um rumo diferente. Muitas vezes a turma
antecipava a roda de conversa final no meio da aula para discutir algu-
ma temática que ganhou destaque durante algum exercício. Essas con-
versas foram ganhando maior relevância durante as aulas, conseguindo
assim aprofundar as discussões do coletivo. Interessante de perceber
que a conversa era fluida entre os participantes e o pesquisador que
entrava estimulando que os alunos ampliassem suas questões e percep-
ções sobre o palhaço.
Durante as rodas de conversa vários temas foram abordados,
desde a história do palhaço e de figuras relacionadas à comicidade, as
diferentes percepções do palhaço pela história, as possíveis funções
sociais que assume em diferentes sociedades, o movimento de palha-
ças mulheres, filosofia, teoria do riso, política brasileira, palhaço em
espaços de vulnerabilidade social, música, psicologia, como também
a relação pessoal dos aprendizes com a sociedade e as travas sociais a
que estão sujeitos em suas vidas.

-194 -
O grupo se tornou o moderador da própria roda de conver-
sa, chegando em algumas reflexões coletivas como, por exemplo, que
o palhaço tem uma função política e social relevante (OSTHUES,
2017), isso porque a sociedade está estruturada em um modo de vida
que reprime cada vez mais as pessoas, as setorizando de forma que
suas ações são pré-definidas, muitas vezes até antes de nascer. A forma
como agimos, como pensamos, os nossos desejos são controlados por
uma sociedade de consumo e o palhaço pode contribuir para descons-
trução – ou ao menos para a crítica/suspensão - dessa ordem vigente;
criando uma ação transgressiva e que pode minimizar as repressões
sociais a que estamos constantemente sujeitos, dilatando o espaço de
liberdade e ampliando o questionamento e o autoconhecimento.
Como resultado do rumo proposto pelo grupo, a finalização
do curso não teve nenhuma experiência prática, mas sim um encontro
informal para a socialização dos participantes, onde o foco da conversa
era a reflexão do semestre e de todas as questões que foram conversa-
das, como também, cada participante pontuar o impacto que o curso de
extensão de introdução do palhaço teve para eles. Essa escolha também
foi uma forma encontrada pelo grupo de transgredir uma expectativa
social de como seria uma finalização de um curso sobre palhaço.

O que aprendemos dos palhaços e palhaças


Ao observar as três experiências citadas de um curso de ex-
tensão em introdução de palhaço é possível levantar alguns questiona-
mentos sobre o ensino dessa arte tão múltipla. Durantes os três semes-
tres o processo inicial das aulas se manteve o mesmo, como também o
espaço onde era realizado e o monitor da prática, mas, ainda assim, os
caminhos traçados pelos aprendizes foram diversos. São várias as pos-
sibilidades de abordar a arte da palhaçada, tanto com um formato de
vivências mais sensitivas e individuais, a partir de criações coletivas,
ensaios e apresentações, como também voltado à teoria e filosofia do
palhaço, como tantos outros caminhos possíveis.
Ao final de um ano e meio de ensino dentro da extensão uni-
versitária é razoável afirmar que os processos de formação de palhaços
e palhaças são múltiplos e estão sempre ligados as relações instauradas
no grupo. Estar dentro do jogo proposto em aula cria um ambiente de

- 195 -
segurança para os participantes, diminuindo a verticalidade recorrente
dos processos de ensino brasileiro e abrindo portas para uma relação
horizontal entre mestre e aprendizes. Esse processo facilita o envolvi-
mento do aluno na aula, nas propostas corporais, reflexivas, sensitivas
e expressivas. Com isso, a relação do grupo se fortalece possibilitando
que todos transformem o processo que está sendo realizado.
Ana Wuo (2016), em sua tese de doutorado, apresenta o con-
ceito da “desforma”, propõe que em um processo de ensino do palhaço
é necessário primeiro desformar o corpo e as travas internas do apren-
diz para assim criar um espaço de liberdade para a aceitação do próprio
ser com um ser risível. Se as palhaças e palhaços trabalham em uma
lógica diferenciada da naturalizada pela sociedade e tem uma visão
ampliada ao mundo que o contorna, se faz necessária a desconstrução
da “normalidade” de cada um para que seja possível estar verdadeira-
mente no jogo da palhaçada. Mesmo que sutilmente, vimos esse con-
ceito emergir em nossas práticas extensionistas e, parece-nos que pode
contribuir não somente para a formação de palhaços e palhaças mas
para o desenvolvimento pessoal de modo amplo.
Parece-nos, ainda, não existir um único caminho a ser segui-
do para a formação de palhaços e palhaças, mas processos em cons-
tantes transformações. Ao considerar a diversidade de interesses e de
possibilidades que um mesmo formador conseguiu com três grupos
diferentes podemos estimar a multiplicidade de experiências pedagógi-
cas que podem ser engendradas pelos muitos formadores que atuam no
Brasil, permitindo ainda indicar que não existe uma única pedagogia
do palhaço e, sim, pedagogias para o ensino dos palhaços, palhaças,
brincantes, cômicos, excêntricos, ...
Ao observar pluralidade dos participantes e dos grupos que
se instauraram durante as três experiências citadas, como também as
diferenças resultantes de seus processos artísticos, não há dúvidas que
a extensão, tem contribuído para o debate realizado na pesquisa de
doutorado em curso.
Com esse pensamento, é reafirmado que o espaço da exten-
são universitária pode contribuir para o desenvolvimento das peda-
gogias palhacescas, somando-se às pesquisas acadêmicas e artísticas,
e, ainda, como um impulsionador da cultura popular (FORPROEX,
2012), e em particular à circense, tão potentes no Brasil. Além disso, a

-196 -
vivência de um processo de (de)formação de palhaços e palhaças pode
promover uma reflexão sobre o cotidiano individual e também coletivo
no contexto universitário, ampliando vínculos sociais, e, quem sabe,
fortalecendo as experiências de vida de cada participante, para que
usufruam de cada oportunidade para expressar o que pensam, sentem,
desejam, como vem fazendo palhaços/as há tanto tempo.

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para iniciação à comicidade. Paco e Littera, 2019.

- 199 -
-200 -
GINÁSTICA PARA TODOS NA EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIA: um olhar sociométrico sobre
as relações entre os participantes
Fernanda Raffi Menegaldo
Marco Antonio Coelho Bortoleto
Grupo de Pesquisa em Ginástica (GPG, FEF-Unicamp)

RESUMO: Esta pesquisa teve como objetivo analisar as relações sociais no con-
texto da prática da Ginástica para Todos (GPT), observando as possíveis alterações
na rede de relações entre os participantes de um projeto extensionista, conside-
rando a primeira e a décima quinta semana de atividades. Caracterizada como um
estudo de caso, a pesquisa possui uma abordagem quali-quanti, propondo a apli-
cação de um questionário composto por perguntas sobre o perfil dos integrantes e
um teste sociométrico, preenchido no início e ao final do projeto. Para a análise de
dados no que se refere às perguntas fechadas e ao teste sociométrico foi utilizada
a estatística descritiva, enquanto que para as perguntas abertas foram realizadas
categorizações temáticas com base na Análise de Conteúdo. O perfil traçado dos
participantes revela um grupo inicial (26) com predomínio de integrantes do sexo
feminino (22), com faixa etária entre 18 e 29 anos, com experiências corporais an-
teriores significativamente heterogêneas, sendo que 61,5% relatou possuir alguma
experiência prévia com práticas gímnicas (GPT, Ginástica Artística e Ginástica
Acrobática). A análise sociométrica revela um aumento de 79,11% das relações
entre os integrantes após 15 semanas (média 1,01 para 1,81), corroborando di-
ferentes estudos recentes que afirmam existir um latente potencial da ginastica
não-competitiva realizada em grupo (GPT) para o fomento das relações sociais,
inclusive em ações de curta duração, como é o caso do projeto de extensão univer-
sitária ora estudado.
Palavras-chave: Ginástica não-competitiva, Extensão universitária, Praxiologia
Motriz.

Sobre Ginástica para Todos, extensão universitária e sociedade


Entre os muitos olhares possíveis para compreender e de-
senvolver a prática da Ginástica para Todos (GPT), escolhemos o do
referencial construído por Pierre Parlebas (2001), intelectual francês
autor da teoria da Ação Motriz, também conhecida como Praxiologia
Motriz. A perspectiva praxiológica situa a GPT como uma situação so-
ciomotriz (PARLEBAS, 2001), de caráter expressivo (BORTOLETO,
2012; MATEU; BORTOLETO, 2017), cujos códigos gestuais não são

- 201 -
regulamentados, revelando-se uma prática que se dissemina, priorita-
riamente, por meio de apresentações coreográficas em festivais ginás-
ticos não-competitivos (PATRÍCIO; CARBINATTO; BORTOLETO,
2016). Diversos estudiosos da GPT já haviam apontado essas caracte-
rísticas, fundamentados não só por pesquisas, mas principalmente por
relevantes constatações empíricas no campo (PEREZ-GALLARDO;
SOUZA, 1995; SOUZA, 1997; AYOUB, 2013; PAOLIELLO et al.,
2014; FIG, 2019).
A ausência de regras e de um sistema esportivo que defi-
nam de modo rígido a prática da GPT permite-nos indicá-la como uma
prática que resiste ao que denominamos processo de esportivização
(ELIAS; DUNNING, 1992; PARLEBAS, 2001; SILVA et al., no pre-
lo). Com efeito, sua prática pode ser desenvolvida desprendida dos
modelos e padrões associados ao que Guttman (1978) propõe como
Esporte Moderno, e, mais especificamente, dos moldes do que chama-
mos de ginásticas esportivizadas (Ginástica Artística e Ginástica Rít-
mica, por exemplo). Desse modo, a GPT pode constituir-se por meio
de múltiplas lógicas internas (MENEGALDO; BORTOLETO, 2020a),
pluralidade que justamente oportuniza o caráter inclusivo dessa verten-
te da ginástica voltada para o lazer (FIG, 2019).
Uma parte expressiva da literatura produzida sobre a GPT,
especialmente no campo acadêmico-científico brasileiro, destaca
as possibilidades educacionais dessa prática (BORTOLETO, 2012;
AYOUB, 2013; LIMA et al., 2015; LOPES et al., 2015), ressaltando
características como a diversidade, a criatividade e a coletividade, su-
gerindo com frequência que sua prática regular representa uma oportu-
nidade de ênfase no caráter social, ou, dito de outro modo, no fomento
das relações humanas (WICHMANN, 2015; GRANER; PAOLIELLO;
BORTOLETO, 2017; MENEGALDO, 2018; BORTOLETO et al.,
2019).
Vemos, portanto, que a prática da GPT é diversa, e é precisa-
mente essa uma de suas virtudes, implícitas em sua – ou em suas – ló-
gica interna. Nesse sentido, abundam na literatura relatos pedagógicos
que registram a presença dessa prática no âmbito escolar, um dos con-
textos sociais mais diversos e complexos (OLIVEIRA; LOURDES,
2004; SILVA, 2005; AYOUB, 2013; LIMA et al., 2015; LOPES et
al., 2015). Seu desenvolvimento também é possível e coerente com as

-202 -
premissas associadas aos mais distintos espaços de lazer (OLIVEIRA,
2007; FERNANDES; EHRENBERG, 2012), em programas e projetos
de Organizações não Governamentais (ONGs) e instituições do ter-
ceiro setor (ASSUMPÇÃO, 2018). De forma geral, a prática da GPT
legitima-se como uma alternativa de prática para grupos heterogêneos,
inclusive para grupos intergeracionais e também compostos por pes-
soas com diferentes deficiências (MAYEDA, 2004). No entanto, ao
falarmos de GPT no cenário brasileiro, ainda é significativo o domínio
da extensão universitária no que diz respeito a formação de grupos
dessa prática (BATISTA; 2019)1, contexto responsável inclusive pela
formulação e disseminação de propostas pedagógicas para o seu desen-
volvimento (GRANER; PAOLIELLO; BORTOLETO, 2017; LOPES,
2020).
Nesse sentido, considerando a extensão universitária nos
termos de Gadotti (2017), fica evidente que a presença da GPT nesse
contexto não acontece de forma fortuita ou em consequência do acaso.
Para além do princípio da indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão
(FORPROEX, 2012), a extensão representa um espaço de troca, de
comunicação e produção de saberes, onde se almeja construir práticas
que estejam ancoradas no diálogo entre a universidade e a comunidade.
Nessa perspectiva, ainda, a ação extensionista não pode estar descola-
da dos engendramentos sociais da vida cotidiana, buscando a produção
de conhecimento advindo das experiências de ensino e da pesquisa,
mas de modo atento às demandas sociais (SANTOS JUNIOR, 2013).
Sendo, portanto, a vertente da universidade que, histori-
camente, se encarrega da manutenção de vínculos com a sociedade
(SOUSA, 2000) e, levando em conta o potencial social e coletivo da
GPT inscrito em sua lógica interna e amplamente reconhecido na li-
teratura (MENEGALDO; BORTOLETO, 2020b), parece ser que um
projeto de extensão dessa prática gímnica pode contribuir ofertando
um espaço de prática do corpo que atue na contramão de tendências
sociais. Entre elas, destacamos o estímulo a produtividade e ao de-
sempenho (SENNETT, 2014; TAYLOR, 2011) e o fomento da com-
petitividade (DARDOT; LAVAL, 2017), traços que se desdobram na
1 São exemplos de grupos de GPT no contexto da extensão universitária CarimbóGin (PA),
Cia Gímnica UEM (PR), Cignus (GO), Grupo Ginástico Diamantina (MG), Grupo Ginástico
Meraki (ES), Labgin (ES), Gymnusp (SP), Lapegi (SP), Grupo Ginástico Unicamp (SP),
Gymnarteiros (CE), entre muitos outros, que reforçam o papel dos projetos extensionistas
como grandes difusores dessa prática no âmbito nacional.

- 203 -
fragilização das relações humanas e solidárias, dos vínculos sociais
e no definhamento daquilo que é comum, compartilhável e coletivo.
Frente a essas fortes engrenagens que atuam na sociedade atual, a GPT
emerge como uma alternativa de prática corporal em grupo que pode
operar de forma a potencializar as relações entre seus integrantes.
Considerando este cenário, temos empregado esforços para
compreender o desenvolvimento da GPT no contexto da extensão uni-
versitária. De modo mais específico, temos especial interesse em in-
vestigar as relações e os vínculos sociais constituídos nos espaços de
prática da GPT a partir de diferentes abordagens metodológicas. As-
sim, o presente estudo faz parte de uma série de pesquisas que buscam
aperfeiçoar o processo metodológico para esse tipo de investigação.
Neste caso particular, nosso objetivo foi analisar as relações sociais de
um grupo extensionista de GPT, identificando as possíveis alterações
na rede de relações dos integrantes entre a primeira a décima quinta
semana – e também última – de suas atividades.

Transitando entre o quali e o quanti: as escolhas e passos me-


todológicos
Este estudo caracteriza-se como um estudo de caso (TRI-
VIÑOS, 1987), tipo de pesquisa que busca investigar a atividade reali-
zada por um determinado grupo, que apresenta características próprias,
buscando compreender suas particularidades e seu modo de funciona-
mento (FONSECA, 2002). Com uma abordagem quali-quanti (CRES-
WELL, 2010) e de natureza exploratória, a presente pesquisa trata-se
de um “estudo piloto”, projetando a realização de pesquisas acerca da
temática estudada também com instrumentos quantitativos, o que não é
comum nas produções científico-acadêmicas até o momento.
Como instrumento de coleta de dados foi utilizado um
questionário, preenchido pelos participantes, presencialmente. Cabe
destacar que o principal intuito da utilização deste instrumento foi a
aplicação de um teste sociométrico, também conhecido como socio-
metria. Esse método quantitativo consiste, em concordância com Mo-
reno (1992), em uma abordagem que tem como intuito analisar redes
complexas de relacionamentos no interior de grupos. A forma de cole-
ta de dados para esse instrumento pode ser considerada relativamente

-204 -
simples (LUSHER et al., 2010). De forma breve, a coleta de infor-
mações na sociometria é basicamente conduzida por um questionário
com perguntas objetivas que serão respondidas pelos membros de um
determinado grupo, com objetivo de identificar as relações positivas e,
por vezes, negativas, presentes nesse espaço social (VAZ, 2009; VIE-
RIMAA; CÔTÉ, 2008; FERREIRA et al., 2018).
Desta forma, os participantes deste estudo foram os alunos
adultos – maiores de 18 anos – regularmente matriculados no projeto
Grupo Ginástico da Faculdade de Educação Física da Unicamp (GG-
FEF) no oferecimento do segundo semestre de 2019. Trata-se de uma
extensão gratuita de GPT, oferecida semestralmente desde de 1993,
sendo considerado um projeto tradicional da área da ginástica nessa
instituição. O projeto é aberto aos interessados da comunidade interna
e externa à Unicamp e os encontros são realizados duas vezes na sema-
na, com carga horária de 90 minutos por encontro, sob a coordenação
de um experiente docente da instituição. Suas atividades são acompa-
nhadas por monitores que são, geralmente, integrantes do Grupo Gi-
nástico Unicamp (GGU) e que vivenciaram o GGFEF anteriormente.
O questionário foi aplicado em dois momentos distintos con-
forme o cronograma do projeto: primeira semana de aula (início do
oferecimento) e última semana de aula (fim do oferecimento). A es-
colha por esses dois momentos se justifica pelo fato de representarem
dois momentos distintos no que tange as relações entre os participan-
tes: o primeiro e o último contato entre os integrantes, separados por
um processo de, aproximadamente, quatro meses.
O primeiro momento de aplicação do questionário con-
tou com a participação de 26 integrantes (2 monitoras e 24 alunos2),
que concordaram em participar da pesquisa-piloto e responderam o
questionário no próprio local das aulas (Laboratório Integrado de En-
sino, Pesquisa e Extensão, LABFEF), ao final do segundo encontro
da primeira semana de aulas. Nesta primeira aplicação, o questioná-
rio foi composto por perguntas abertas e fechadas sobre o perfil dos
participantes e pela sociometria. A sociometria basicamente consistiu
em uma lista com o nome de todos os matriculados no projeto e cada
2 A escolha por incluir as monitoras entre os sujeitos participantes da pesquisa é justificada
pelo fato de os monitores serem diferentes a cada semestre e pensamos que fosse coerente
colocá-las como participantes justamente para acompanhar se as interações entre elas e os
integrantes também teriam alterações.

- 205 -
participante teve que indicar, a partir de uma escala de 0 a 3, o nível
de relação que possuía com os demais integrantes, onde 0 significava
“não possui relação” e 3 significava “possui uma relação que envolve
afetividade”.
No segundo momento de aplicação, o questionário foi res-
pondido por 13 integrantes (2 monitoras e 11 alunos) e foi composto
apenas pela sociometria, justamente para verificar possíveis alterações
na rede de relações sociais. Destacamos que a variação no número de
respondentes do questionário se deu em função da dinâmica do projeto
que finaliza suas atividades semestralmente por meio da composição
e apresentação de uma coreografia, processo similar ao descrito por
Almeida (2016). No entanto, alguns dos integrantes, por vezes, não
podem se comprometer com demandas externas aos encontros, como
a participação em um festival, por exemplo. Além disso, é comum que
haja uma diminuição entre o número de participantes no início e no fim
do projeto, em função da desistência por conta de demandas externas,
atividades acadêmicas, conflitos de horário, entre outras razões.
Os dados dos questionários foram todos tabulados utilizando
o programa Excel, tendo os nomes dos participantes substituídos pela
letra P seguidos de um número (sendo de P1 a P13 os integrantes que
responderam as duas aplicações e de P14 a P26 os que responderam
apenas a primeira). Após a tabulação, o processo de análise dos dados
foi realizado atendendo a natureza de cada pergunta: as questões fe-
chadas e o teste sociométrico foram analisados por meio de estatística
descritiva, enquanto que para as questões abertas foram feitas peque-
nas categorizações, subsidiadas pelo aporte da Análise de Conteúdo
(KRIPPENDORFF, 2004).
Este estudo de caso é parte, como dito anteriormente, de um
projeto de doutorado que teve início em 2019 e que foi aprovado nes-
te mesmo ano no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP-Unicamp), via
sistema on-line Plataforma Brasil. A aprovação resultou no n° CAAE
13426719.3.0000.5404 e parecer nº 3.402.681.

Resultados e discussões
Os dados serão apresentados em duas seções. A primeiro traz
as respostas e possíveis análises dos dados sobre o perfil dos partici-
pantes, com as respostas de P1 a P26 obtidas por meio da primeira

-206 -
aplicação do questionário. Na segunda seção, apresentamos os dados
obtidos pela sociometria e, em função da natureza do teste sociométri-
co, serão utilizados apenas os dados de P1 a P13, pois foram os inte-
grantes que realizaram o preenchimento das duas aplicações da socio-
metria, possibilitando as análises comparativas entre os dois momentos
do projeto (início e fim).

O perfil dos integrantes


O GGFEF é um projeto de extensão com grande rotativi-
dade, isto é, a cada semestre a quantidade de alunos diferentes dos
períodos anteriores é sempre significativa, o que implica que a cada
oferecimento o projeto possua um perfil distinto de integrantes. Nesse
sentido, para que pudéssemos conhecer o perfil da turma na qual rea-
lizamos a pesquisa, foi colocado no início do primeiro questionário
(primeira semana de aulas) um conjunto de perguntas referentes a faixa
etária, sexo, experiências anteriores com práticas corporais e motivos
pelos quais os alunos escolheram participar do GGFEF. A seguir, os
Gráficos 1 e 2 apresentam os dados com relação a idade e o sexo dos
26 participantes que preencheram o instrumento na primeira aplicação:

Gráfico 1: Quantidade de participantes por faixa etária

- 207 -
Gráfico 2: Quantidade de participantes por sexo

Vemos que a faixa etária dos participantes varia entre 18 e


29 anos, correspondendo a faixa etária do público universitário, es-
pecialmente no âmbito da graduação. Ainda que o projeto seja aberto
para a comunidade externa, existe uma predominância de participantes
vinculados a comunidade interna da Unicamp, com uma diversidade
significativa em relação aos cursos e institutos aos quais os alunos es-
tão vinculados. O mesmo parece ocorrer com outros projetos extensio-
nistas de ginástica voltados para o público adulto da FEF-Unicamp,
que possuem, em sua maioria, participantes dessa mesma faixa etária.
O Gráfico 2 corrobora um padrão no que tange aos prati-
cantes da GPT. No projeto em questão vemos, assim como no cenário
nacional (SOUZA, 2020) e internacional (BORTOLETO et al., 2019)
uma maior presença de mulheres na prática. No entanto, essa caracte-
rística não é particular da GPT, uma vez que essa preferência também
atravessa a prática de outras modalidades gímnicas esportivizadas em
diferentes contextos, desde o rendimento esportivo (LIMA et al., 2016;
IWAMOTO, 2019), o contexto escolar e até mesmo as experiências
na formação superior (SOUSA; ALTMANN, 1999; GAIO; SANTOS,
2010; NASCIMENTO et al., 2013).
Analisando as experiências corporais prévias dos participan-
tes, tratando das experiências com práticas gímnicas (Gráfico 3), com
a GPT (Gráfico 4) e com outras práticas corporais (Gráfico 5), vemos:

-208 -
Gráfico 3: Integrantes que tiveram experiências com ginástica
anteriormente

Gráfico 4: Tempo de contato com a Ginástica para Todos

Entre os integrantes que iniciaram o projeto nesse semestre


(26), 61,5% já possuíam alguma experiência em ginástica. Entre as
práticas que foram citadas pelos 16 integrantes que alegaram ter expe-
riências anteriores, destacam-se a Ginástica Artística (6) e a Ginástica
Acrobática (1) entre as práticas esportivizadas e 9 indicaram já terem
praticado GPT. Este último dado está relacionado com o Gráfico 4,
onde é possível ver o tempo de contato com a GPT desses 9 integran-
tes, podendo identificar que apenas três deles possuíam dois ou mais
anos de experiência com a prática.
Notamos que esse foi o primeiro contato com a GPT por par-
te da maioria do grupo. Ainda que 7 dos 26 tenham tido experiências

- 209 -
com outras práticas gímnicas que não a GPT, é difícil dizer o quanto
essa experiência auxilia/facilita a compreensão da prática, principal-
mente, no que diz respeito ao seu caráter inclusivo e diverso – que é
amplamente considerado na proposta pedagógica que subsidia o de-
senvolvimento do GGFEF – e também e principalmente no seu caráter
heterogêneo no que tange os sujeitos constituintes do grupo. Em outras
palavras, ao falarmos da prática da Ginástica Artística, por exemplo,
principalmente voltada para crianças e adolescentes, falamos de uma
modalidade que tem regras muito bem delimitadas e, por vezes, es-
paços de prática bastante homogêneos com relação aos praticantes e
objetivos. Um indício dessa homogeneidade pode ser encontrado nos
próprios dados do estudo, uma vez que todos os integrantes que indica-
ram possuir experiências com práticas esportivizadas eram mulheres,
corroborando o ambiente predominantemente feminino de prática da
ginástica comentado anteriormente.
Dessa forma, é possível perceber que a maioria do grupo
teve contato não apenas com uma nova prática corporal, mas com uma
nova ginástica, que se diferencia consideravelmente das modalidades
mais popularizadas pela mídia (LIMA et al., 2016), conhecendo uma
vertente da ginástica voltada para o lazer que possui suas particula-
ridades, muitas delas acentuadas pela proposta pedagógica utilizada
nesse projeto extensionista (GRANER; PAOLIELLO; BORTOLETO,
2017), que será melhor detalhada mais a frente. De forma complemen-
tar, o Gráfico 5 revela outras experiências que contribuíram para o me-
lhor delineamento do perfil do grupo estudado:

Gráfico 5: Experiências anteriores com outras práticas corporais

-210 -
A categoria de prática mais citada acima foi “Dança”, prática
que merece destaque por possuir certas semelhanças com as práticas
gímnicas e, mais especificamente, com a GPT (como, por exemplo, as
composições coreográficas). Em concordância com Mateu e Bortoleto
(2017), é possível compreendermos as danças como Situações Motri-
zes de Expressão (SME), que são
situaciones en las que el objetivo final no se resume únicamente en
una acción motriz o a una marca, sino que exigen una comunica-
ción de orden referencial, expresivo y poético. […] Dicho de otro
modo, las decisiones que define las interacciones entre los com-
ponentes sistémicos se explicitan en el marco de una interrelación
comunicativa emotiva/poética simbólica entre los protagonistas
(artistas) e los espectadores (actuantes y expectantes), condición
muy distinta de las observada en situaciones motrices por ejemplo
de naturaleza deportiva (MATEU; BORTOLETO, 2017, p. 51-52).

A Dança, junto ao Circo (4), Teatro (2), Patinação Artística


(1) e Cheerleading (1) formam um conjunto de SME, que compar-
tilham a busca por uma comunicação/expressão, assim como a GPT
(MENEGALDO; BORTOLETO, 2020a). A proximidade entre essas
manifestações é visível tanto nos espaços de prática regular – onde
é comum encontrarmos pessoas que transitam entre essas diferentes
situações expressivas porque possuem afinidade com este tipo de ma-
nifestação – mas também em eventos, onde também observamos gru-
pos que participam de festivais de GPT e que tem como base a dança,
fazendo algumas adaptações e adequando suas coreografias para estes
eventos gímnicos. Parece ser, então, que a GPT é convidativa aos olha-
res de praticantes das mais variadas SME, justamente por possibilitar,
por meio de suas múltiplas lógicas internas, aspectos e elementos co-
muns as outras manifestações sem regulamentos e que buscam maior
liberdade de expressão corporal.
Por outro lado, notamos que a Ginástica de Academia (10),
Lutas (10), Esportes Coletivos (8) e Natação (8) aparecem de forma sig-
nificativa entre as respostas. Do ponto de vista praxiológico, nenhuma
delas se caracteriza como prática sociomotriz apenas de cooperação,
como é o caso da GPT: as práticas elencadas na categoria Academia
e Natação são individuais, ou nos termos de Parlebas (2001), psico-
motrizes; as lutas são práticas sociomotrizes, por possuírem interação,

- 211 -
no entanto, são classificadas como práticas de oposição; e, por fim, os
Esportes Coletivos, que possuem o caráter cooperativo/colaborativo,
mas são também constituídos de oposição. Nesse sentido, destacamos
que o tipo de lógica que opera na GPT (sociomotriz de cooperação/
colaboração) é distinta das experiências corporais pregressas da grande
maioria dos praticantes do projeto, o que se revela como um desafio
ao longo do processo e como uma nova experiência para os mesmos.

Gráfico 6: Motivos para a escolha pelo Grupo Ginástico da FEF


(GGFEF)

Quanto ao Gráfico 6, vale destacar que a pergunta foi aber-


ta, possibilitando que cada integrantes registrasse mais de um motivo
para o início da prática. Entre os motivos principais, foram apontados
“Iniciou porque conhece pessoas/tem amigos no projeto” e “Queria
conhecer/fazer uma prática gímnica”, com 9 aparições cada uma. Com
menor frequência, destacamos o desejo de retornar a prática da ginás-
tica e de fazer uma atividade física, com 5 e 4 incidências, respectiva-
mente. Por fim, o conhecimento prévio da proposta utilizada no projeto
aparece como resposta para 4 participantes, sendo que duas delas são
as monitoras, que são integrantes do GGU.

Análise das relações por meio da Sociometria


Como mencionado, o teste sociométrico teve como objetivo
principal identificar as alterações na rede de relações entre os integran-
tes do projeto entre o início e o fim de seu oferecimento, especifica-
mente com o intuito de compreender se o processo desenvolvido neste
grupo (GGFEF) implicou no aumento das relações entre os participan-
tes.

-212 -
Para isso, apresentamos a seguir as Tabelas 1 e 2, onde é pos-
sível observar a pontuação que cada integrante (eixo y) atribuiu para
cada colega (eixo x) nos diferentes momentos do projeto:

Tabela 1: Sociometria das relações entre os integrantes na primeira


semana de aulas

*Monitoras do projeto

Tabela 2: Sociometria das relações entre os integrantes na última


semana de aulas

*Monitoras do projeto

- 213 -
A escolha por apresentar os dados tabulados com a escala de
cores correspondentes aos valores do teste é justamente para facilitar a
visibilidade e a percepção de alterações entre os dois momentos. Nes-
se sentido, é possível observar que, em relação ao primeiro momento
(Tabela 1), a Tabela 2 nos mostra uma maior quantidade de células de
tonalidade mais escura, tons correspondentes aos valores “2” e “3” do
teste sociométrico (relações mais densas). Essa percepção viabilizada
pelas diferentes tonalidades é confirmada por cálculos básicos, como
a soma das relações de ambos os momentos. Como resultado desta
soma, tivemos um total de 158 pontos na primeira aplicação, com uma
média de 1,01. Após 14 semanas de encontros regulares, esse total sobe
para 283 pontos na décima quinta semana, um aumento de 79,11% em
relação ao início do projeto, com uma média das relações agora de
1,81.

Tabela 3: Média de relação na perspectiva dos participantes do grupo


sobre cada integrante

*Monitoras do projeto

Tabela 4: Média de relação na perspectiva de cada integrante sobre


sua relação com os demais

*Monitoras do projeto

Notamos que, assim como a média do grupo, as médias in-
dividualizadas dos participantes corroboram o aumento nas relações
sociais. A Tabela 3 acima diz respeito a média individual dos valores
de como cada integrante foi avaliado/classificado pelos demais cole-
gas, isto é, a média dos valores de cada coluna das Tabelas 1 e 2. Já a
Tabela 4 representa a média dos valores referente a forma como cada

-214 -
integrante analisou suas relações com os demais, sendo, portanto, a
média dos valores de cada linha das Tabelas 1 e 2. Ao nos atentarmos
aos valores, portanto, é possível verificar que não houve nenhuma va-
riação negativa. Com exceção do valor P13 na Tabela 4, que não sofreu
alteração, todos os demais participantes tiveram suas médias aumenta-
das em relação ao primeiro contato com os demais integrantes. Embora
seja um comportamento esperado, previsto pela lógica operativa dessa
prática (MENEGALDO, BORTOLETO, 2020a), a obtenção de da-
dos por meio de uma metodologia consolidada, como é a Sociometria
(MORENO, 1992), e que no seu conjunto evidencia essa tendência,
nos parece uma contribuição significativa para os estudiosos da GPT.
Dito isso, parece-nos que a tendência geral de aumento nas
relações sociais converge com a hipótese de que a prática da GPT in-
tensifica esse tipo de relação entre os participantes, principalmente,
quando desenvolvida de forma a aproveitar seu potencial cooperativo
e de trabalho coletivo (MENEGALDO, 2018). Nesse sentido, vale des-
tacar que o GGFEF tem como subsídio para suas atividades a proposta
pedagógica do GGU (GRANER; PAOLIELLO; BORTOLETO, 2017),
a qual se constitui numa metodologia que promove um ambiente de
compartilhamento de ideias e experiências dos próprios integrantes do
grupo, que são expostos a uma convivência que preza pela participação
e voz ativa, pelo respeito as individualidades e fomento das relações
humanas (PAOLIELLO et al., 2014; SAROA, 2018). Além disso, pro-
põe como um dos eixos centrais da prática a composição coreográfica
por meio de um processo de construção coletiva de coreografias.
Com base nessas proposições, durante as primeiras semanas
do projeto, a rotina do grupo é composta por encontros onde os mo-
nitores e, por vezes, professores convidados, oferecem vivências dos
diferentes fundamentos das modalidades gímnicas e outras atividades
afins, como expressão corporal, ritmos, dança, jogos teatrais, práticas
que entendemos serem interessantes para construir um repertório cor-
poral e, quando possível, uma linguagem comum do grupo, que como
vimos anteriormente, costuma ser bastante heterogêneo. Esse crono-
grama de “oficinas”, no caso do GGFEF, é planejado pelos monitores,
mas é bastante flexível às demandas e novos interesses que possam
vir dos próprios integrantes ou até mesmo de ajustes a partir da esco-
lha – por vezes também coletiva – em desenvolver mais ou menos os

- 215 -
conteúdos apresentados nas oficinas. De qualquer forma, duas ques-
tões merecem destaque. A primeira é que a construção gradual desse
repertório tem como um de seus principais objetivos viabilizar a com-
posição de uma coreografia ao final do projeto. Além disso, desde o
início das aulas, ainda que os primeiros encontros sejam compostos
prioritariamente pelas oficinas, o grupo já é exposto a dinâmicas coo-
perativas que incentivam, de forma criativa, a construção de pequenas
sequências coreográficas3. Essa dinâmica reforça a ideia de “materiali-
zar” o processo experienciado por meio de uma coreografia, que pode
ou não, ser apresentada em um evento.
Assim, o que resulta de antemão deste “formato” é que, para
além da prática da ginástica, aprendizagem e contato com novos mo-
vimentos, o grupo também é constantemente estimulado a desenvolver
as relações cooperativas, que também podem ser consideradas uma ha-
bilidade a partir das proposições sociológicas de Sennett (2012). Para
esse autor, a cooperação é entendida como uma habilidade social e,
portanto, como outras habilidades, ela pode ser aprimorada. Na medi-
da em que os integrantes de um grupo são expostos a dinâmicas dessa
natureza, eles acabam por “exercitar” essa habilidade que, com um
convívio prolongado, pode resultar em um espaço de relações horizon-
tais, onde a cooperação será desenvolvida e aprimorada “de baixo para
cima”, se instalando no dia a dia das atividades do grupo.
Mas se as dinâmicas em grupo estão previstas na proposta
pedagógica do GGU, porque ainda assim podemos dizer que a coo-
peração nesse espaço será construída e não imposta aos praticantes,
uma vez que faz parte da metodologia utilizada? Primeiramente, pela
importância que se dá ao processo, isto é, as atividades cotidianas e a
operação entre conflitos e consensos entre os integrantes, considerando
a possibilidade de participação ativa dos mesmos. Nesse sentido, tendo
em vista a importância de uma dimensão dialógica no ato de cooperar
(SENNETT, 2012), a ênfase na formação humana inscrita nessa forma
3 Na proposta do Grupo Ginástico Unicamp, uma dinâmica intitulada “soma de frases” (PA-
OLIELLO et al., 2014) figura como um dos caminhos possíveis para a construção coletiva,
com sociabilização das experiências de forma progressiva. Individualmente, os praticantes
criam pequenas sequências de movimentos que, em seguida, são compartilhadas em duplas,
podendo se combinar e formando uma única sequência. Essa pequena composição é poste-
riormente compartilhada em quartetos, formados por duas duplas da fase anterior, e o obje-
tivo é aumentar a sequência de movimentos, acrescentando novas ideias. A mesma dinâmica
de agrupamento das sequências pode ser realizada mais vezes, dependendo do tamanho do
grupo.

-216 -
de trabalho da GPT (GRANER; PAOLIELLO; BORTOLETO, 2017)
prioriza o que se “ganha” nas relações e não das relações. Poderíamos
pensar ainda que, ao adotar essa proposta, o fim de um projeto teria
como produto não só a coreografia, mas justamente o adensamento das
relações entre os integrantes do grupo que foi possível identificar nos
dados acima.
Além de se ater ao caráter processual e dialógico da rela-
ção cooperativa, é importante mencionar que adensar as relações não é
algo “obrigatório” ou, do ponto de vista da lógica interna da GPT, algo
extremamente essencial para a sua performance, estando nesse caso
performance associada ao produto corporal, isto é, as coreografias. A
cooperação e a colaboração entre os sujeitos estão previstas na lógica
da prática pelo fato da mesma ser realizada em grupo, porém essas in-
terações, na perspectiva praxiológica, são interações necessárias para a
GPT como para qualquer outra situação sociomotriz (Ginástica Rítmi-
ca de conjunto, Nado Sincronizado, Futebol, Vôlei); todas essas práti-
cas exigem interações entre os sujeitos para que sejam desenvolvidas.
Essas interações inscritas nas lógicas sociomotrizes das prá-
ticas em grupo poderiam ser denominadas como cooperação instru-
mental ou “forçada” (SENNETT, 2012): quando se coopera para fazer
algo que sozinho não poderíamos fazer. Porém, essa interação não se
dá, necessariamente, de forma dialógica, empática e inclusiva. Dessa
forma, quando falamos do potencial coletivo da GPT (MENEGALDO,
2018) estamos nos referindo a algo que está inscrito em sua lógica so-
ciomotriz, mas que deve ser otimizado e favorecido durante o proces-
so/escolhas do grupo para que seja possível transformar as interações
“instrumentais” em algo mais; estamos nos referindo a um avanço em
relação aos vínculos estabelecidos entre os sujeitos da prática. Podería-
mos pensar numa espécie de “superação” da cooperação instrumental
– muitas vezes associada a ambientes cooperativos “verticalizados” –
por relações horizontalizadas, justamente para que o espaço de práti-
ca permita transformações nas habilidades do corpo, mas também nas
habilidades sociais.
Dito isso, é importante reconhecermos que propostas dia-
lógicas e de participação ativa de sujeitos para um grupo social tende
a ocupar um tempo diferente, mais lento (MENEGALDO; BORTO-
LETO, 2020c; LOPES, 2020) e, por vezes, exigir um modo de operar

- 217 -
mais engajado, talvez mais comprometido, encarando o espaço de prá-
tica como um espaço de troca e de constituição de experiências cole-
tivas (BENJAMIN, 2012). Esse processo, no entanto, não tende a ser
mais “fácil” ou mais ameno, e o que parece ser essencial para a manu-
tenção e permanência na prática é justamente os vínculos sociais que
vão sendo constituídos ao longo do processo. Embora por suas carac-
terísticas o GGFEF não seja um espaço de permanência a longo prazo,
a diferença nas relações obtidas com quase quatro meses de atividades
já se mostra significativa. Qual seria o alcance, por exemplo, de grupos
de GPT constituídos por participantes que permanecem anos, por ve-
zes, décadas em um mesmo grupo? Não se propõe nem com a prática
da GPT, nem com a proposta pedagógica neste estudo utilizada e nem
com as reflexões tecidas neste e em outros estudos sobre o tema uma
mudança radical ou ainda o desejo de uma erradicação das fragilida-
des das habilidades sociais ou das coletividades. Se propõe apenas que
consigamos reconhecer espaços que são potentes para que, minima-
mente, possamos constituir pequenos “comuns” (DARDOT; LAVAL,
2017), buscando afiliações que não sejam meramente instrumentais
nas atividades da vida cotidiana (TAYLOR, 2011).

Considerações e perspectivas de futuro


Considerando a ideia de um produto que vá além das com-
posições coreográficas e participação em festivais, parece ser que o
GGFEF, mesmo com suas particularidades e sua curta duração, per-
mite o alcance de outros produtos, mais especificamente, do aumen-
to das interações e possíveis relações sociais entre seus participantes.
Com efeito, esse projeto extensionista pode, para além de ofertar ati-
vidade física, construir uma prática corporal que esteja alinhada com
outras demandas sociais relacionadas a fragilização das coletividades
e laços comunitários (BAUMAN, 2009; DARDOT; LAVAL, 2017;
SENNETT, 2014; 2004) e de um antropocentrismo radical (TAYLOR,
2011).
É importante, nesse momento final do manuscrito, retomar-
mos a proposta dessa pesquisa, que também pretendia “contribuições”
no âmbito metodológico. Nesse sentido, dois tipos de questões nos cha-
maram atenção. Primeiro, quanto ao contexto do projeto, destacamos

-218 -
como dificuldades a rotatividade e, por vezes, a desistência por parte
dos integrantes, fato que pode estar associado a gratuidade do projeto
e também as demandas externas vinculadas ao público universitário,
que é maioria dos participantes. Isso dificultou, ainda que parcialmente
(reduzindo a amplitude), nosso estudo sociométrico, uma vez que a
análise comparativa não pôde ser realizada com todo o grupo inicial.
Outras dificuldades relacionadas a estruturação do teste so-
ciométrico foram identificadas. A primeira trata da subjetividade ou,
em outras palavras, da tentativa de objetivar as relações por meio da
atribuição de valores objetivos. Isso nos levou a repensar e ajustar as
definições de cada valor utilizado na escala (de 0 a 3), a partir de co-
mentários e sugestões dos participantes. Outro ponto foi a necessidade,
no momento das análises, de outras perguntas – tanto abertas acerca de
questões pedagógicas, processuais, para cruzar com os dados sociomé-
tricos, como também outras questões objetivas de validação dos valo-
res da sociometria, ou seja, questões que, indiretamente, questionem
as relações entre os integrantes (perguntas sobre interação em redes
sociais, encontros e atividades extragrupo, entre outras).
Desse modo, o presente estudo nos permitiu aprimorar o de-
senho metodológico e o processo de aplicação do teste sociométrico,
bem como amadurecer algumas proposições interpretativas sobre os
dados que são produzidos por este instrumento. Isso nos permite, deste
modo, avançar com dados concretos nos estudos acerca do potencial
coletivo da GPT. Por fim, os princípios praxiológicos que nortearam
nosso olhar possibilitam um interessante diálogo com outras práticas
corporais, que também possuem potenciais de fomento da sociabilida-
de, e que em conjunto, ampliam as discussões sobre essa temática no
campo da Educação Física e do Esporte.

Agradecimentos
Agradecemos ao integrante do Grupo Ginástico Unicamp,
Gabriel Franco, que pacientemente vem nos auxiliando no trato esta-
tístico de nossas pesquisas sobre a Ginástica para Todos. Além disso,
agradecemos também a todas(os) as(os) participantes e monitoras do
Grupo Ginástico da FEF (oferecimento segundo semestre de 2019) por
viabilizarem a realização deste estudo.

- 219 -
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-224 -
O LÚDICO E AS PRÁTICAS DE
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA:
UM ESTUDO VOLTADO AO ENSINO
FUNDAMENTAL I EM MANAUS-AM
Aline Dos Santos Pedraça 1
Claudenor De Souza Piedade 2
Shigeaki Ueki Alves da Paixão 3
Sebastião Monteiro Oliveira 4

RESUMO: O despertar das habilidades está muito voltado ao meio em que a


criança exercita sua percepção e o lúdico faz parte do cotidiano das crianças, as
habilidades das mesmas são desenvolvidas pelo simples ato de brincar. Nesse que-
sito, elas exercitam a autonomia de escolhas de ações, diversidade de objetos e
mecanismos de atuação.
Nas primeiras fases da vida o ser humano vai acionando as informações do am-
biente e vai incorporando em seu dossiê, informações, aquelas oriundas de expe-
riências que são vivenciadas no seu espaço de vivência, e tais informações são
elementos essências que caracterizam os indivíduos através da sua personalidade e
atuação social. Para tal pesquisa se pretende abordar a elaboração de metodologias
que utilizam o lúdico para sugerir intervenções no processo ensino aprendizagem,
utilizando a instrução de autores como Vygotsky, Wallon e Jean Piaget para em-
basamento das teorias e compreensão das competências a serem aplicadas nas me-
todologias lúdicas acionadas que vão conversando com os autores mais contem-
porâneos com destaque para: Bezerra, Campos, Chateau, Moraes, Pereira, Santos
que discutem as diretrizes metodológicas que embasam a aplicação do lúdico nas
práticas educacionais. Com base nas capacidades se fez um estudo bibliográfico
sobre o lúdico, verificando as possibilidades de valorização das metodologias não
convencionais no desenvolvimento de habilidades nos alunos de escola pública na
cidade de Manaus-AM.
Palavras Chave: Lúdico, aprendizagem, metodologia e autonomia.

1 Doutoranda em Ciência da Educação pela UNIT Brasil - Universidad del Sol - UNADES.
Mestra e Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia-PPGSS\UFAM; Engenheira Eletri-
cista -UNINORTE-AM. Bacharela em Serviço Social -UNINILTON LINS-AM. E-mail:
Alinepedraca7@gmail.com
2 Mestre em Biotecnologia Pela Universidade do Estado do Amazonas-UEA; Licenciado
em Química Professor pela Secretaria do Estado da Educação do Amazonas-SEDUC-AM.
E-Mil: claubertcaetano@gmail.com
3 Doutorando do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia -PPGSCA
-IFCHS -UFAM. E-mail:shigeakiturismo@hotmail.com
4 Editor responsável pela Edição temática – Paulo Freire Professor Adjunto IV da Universi-
dade Federal de Roraima Doutor em Educação pela Universidade Nove de Julho.

- 225 -
INTRODUÇÃO
No Anuário da Educação Brasileira de 2018, destaca que
para cada 100 estudantes que ingressaram na escola 90 concluem o
ensino Fundamental 1 aos 12 anos e que 60,7 % tem aprendizagem
adequada em português e 21, 5 % tem aprendizagem adequada em ma-
temática.
Esses dados parecem ser confortáveis, pois, a educação
apresenta indicadores positivos e animadores, mas uma parcela da so-
ciedade que não conseguem ser atingidas por essa estatística se mostra
desafiador diagnosticar e avaliar as condições de acesso.
Os resultados das últimas edições da prova Brasil (2014 e
2016) mostram que os problemas de aprendizagem começam cedo: o
Brasil não consegue alfabetizar adequadamente a maioria das crianças.
Em 2016, menos da metade dos alunos do 3o ano do Ensino Fundamen-
tal atingiram níveis de proficiência suficientes em Leitura e Matemáti-
ca: 45,3% e 45,5%, respectivamente.
Como se pode impactar na educação e reformular os perfis
educacionais para tingir, de fato, a alunos que mantém problemas de
aprendizagem? Que metodologias exploram as novas possibilidades de
personalizar a educação saindo do convencional para as implementa-
ções voltadas ao desenvolvimento cognitivo e que culmine com uma
aprendizagem significativa para todos?
A personificação de fatores que podem ser agregados para
produzir melhorias no sistema de educação e que aumente o alcance
em nível de proficiência, corrobora com estudos de impacto, com as
metodologias modificadas se pode adequar meios para validar as inter-
venções, valorização das pessoas envolvidas e o lúdico como mecanis-
mo de inserção de novas capacitações.
A educação básica, do ensino fundamental I pode ser me-
lhorada com a implementação de metodologias lúdicas, as condições
de acesso ao lúdico pode auxiliar na melhoria de aprendizagem dos
alunos do Ensino Fundamental I e possibilita adequações para a inser-
ção dos jogos, brincadeiras e desafios no processo educacional para se
tornar mais eficiente, assim, os fatores lúdicos podem agregar novos
olhares para alunos das escolas públicas na cidade de Manaus. O es-
tudo buscou analisar as dificuldades de aprendizagem em alunos do

-226 -
Ensino Fundamental I, em tomando como base escolas de diferentes
zonas de Manaus, para a implementação de metodologias lúdicas em
busca da melhoria do ensino aprendizagem.
Para tanto foi possível levantar a realidade sobre a proble-
mática de dificuldade de aprendizagem em alunos de escola de ensino
fundamental I, fazendo a exploração das possibilidades de combinação
de utilização de metodologias lúdicas na busca da melhoria do proces-
so ensino-aprendizagem.
A elaboração de um layout de possibilidades de utilização de
metodologias mais adequadas para a utilização de jogos, brincadeiras
e desafios para impactar no processo ensino aprendizagem frente às
limitações existentes foi sugerido com aplicação de técnicas lúdicas
para observação das atividades combinadas e aplicação de métodos
não convencionais e verificar o desempenho.
Em meio a necessidade de, cada vez, mais amplificar os re-
sultados referente ao ensino aprendizagem de alunos de escola pública
do Amazonas, com um IDEB de 3,5 no Ensino Médio, em 2017, apre-
sentou defasagem significativa no aprendizado com um percentual de
16,6% que apresentam aprendizado adequado em língua Portuguesa e
3% em matemática.
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)
para o Ensino Fundamental I é 5,4 e para os estudantes do 3º ano com
uma proficiência considerada suficiente, sendo: leitura com 33,7%,
escrita 47,5% e matemática 32,6% e os resultados da Prova Brasil e
ANAB destacou um aprendizado adequado com língua portuguesa de
50,7 % com alunos do fundamental, no 5º ano e 37,3% em matemática,
os dados vão mostrando a defasagem quando se observa os resultados
para o 9º ano Fundamental que em Língua Portuguesa destacou 33,1%
e 12,8% em Matemática e fica mais crítico no 3º ano do ensino Médio
que destaca 16,6% em língua Portuguesa e 3% em matemática.
O destaque está numa escala evolutiva que a educação bra-
sileira vai se defasando a medida que se exige mais aprimoramento
do saber, como a educação das séries iniciais são fundamentais para o
desenvolvimento dos estudantes, cabe ao sistema de gerenciamento da
educação implementar novas metodologias que possam corrigir essa
defasagem e aprimorar as formas de desempenho.
Quanto aos alunos das séries iniciais no Amazonas para o
IDEB 2017 este foi um dos sete estados a alcançar a meta do ano,

- 227 -
com 5,8 mesmo índice conquistado pelo País acima da meta de 5,5 de
acordo com dados do MEC. O Instituto Nacional de Estudos e Pesqui-
sas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) utiliza as avaliações de larga
escala para mensurar o desempenho do sistema educacional brasileiro
a partir da combinação da proficiência obtidas pelos estudantes nas
avaliações de larga escala (SAEB) onde avalia as progressões, a taxa
de aprovação e as influencias no fluxo escolar, colocando essas dimen-
sões para corrigir problemas estruturais da educação básica do Brasil.
Com base em dados que mostram uma progressão no desem-
penho de alunos, não é suficiente para a acomodação e a sinalização
que uma parcela significativa dos estudantes tem baixo desempenho
e que necessita de apoio para superar as dificuldades. Com vista na
parcela de alunos que tendem a ter a dificuldade de aprendizado se jus-
tificou a realização desse trabalho, explorando as metodologias lúdicas
para compreender e diagnosticar os problemas, intervir em suas causas
e colaborar para a melhora sucessiva de resultados.

Desenvolvimento
A viabilidade do estudo
A proposta aqui apresentada se mostrou viável devido a ofer-
ta de escolas nas mais variadas zonas da cidade de Manaus e que os
indivíduos alvo da pesquisa estavam acessíveis para que se permitisse
interagir com a comunidade escolar. Com a perspectiva de resultados
promissores, sabe-se que uma parcela de alunos está abaixo da margem
e isso precisa ser trabalhada, integrando professores, alunos, pais, ad-
ministrativos e outros indivíduos que fazem parte da rede de educação.
Para a realização da pesquisa se utilizou dados de alunos
de escola da rede estadual de duas zonas distintas da cidade de Ma-
naus, compreendendo os alunos do ensino Fundamental I, avaliando
suas atribuições e deficiências, implementando métodos lúdicos para
mediar problemas e gerenciar os pontos de divergência. A escolha das
escolas se deu pela observação dos resultados de seu desempenho.

Avaliação de Deficiências de Conhecimento do Problema


A inserção do lúdico como ferramenta de formatação de au-
las dinâmicas que promoveram autonomia aos estudantes das séries

-228 -
iniciais, colaborando com as escolas e professores numa interação de
execução de aulas com a inserção de brincadeiras e jogos e desafios,
como as escolas já adota o lúdico para suas atividades, a iniciativa foi
inovar nas formas de implementação e na escola que não desenvolve
o lúdico, nesse caso foi inserido os métodos com a inclusão do lúdico
para diversificar e realizar o estudo de impacto no meio.
Pode-se considerar fator limitante, a falta de iniciativa de al-
guns profissionais da educação, que não se dispõem a interagir com os
jogos e brincadeiras, na ocorrência, foi trabalhado, também, a postura
do docente para que se integre às inserções e realize e aprenda para
implantações futuras.
Outro aspecto que se mostrou relevante foi a escassez de
material ou a falta de disposição dos mesmos, mas isso pode ser con-
tornado com a inserção de matérias reaproveitados, onde os instrumen-
tos das aulas foram produzidos artesanalmente para permitir que os
estudantes aprendessem as noções de matemática, e das ciências da
natureza, fazendo assim uma composição de ideias, desde a construção
até sua aplicação.
Ainda, devido a pandemia o acesso às escolas foi um pou-
co impactante, mas se permitiu modificar as formas de abordagens e
inserindo meios capazes de amenizar o distanciamento e o desenvolvi-
mento de habilidades.

Consequências do trabalho
O foco é o aluno, mas espera-se que toda a comunidade es-
colar seja atingida e na aplicação dos instrumentos de coleta, as inter-
venções no processo e a releitura das metodologias, a pesquisa frisou
novas perspectivas, descontruindo velhos hábitos e edificando novas
formas de agir. A educação como fator de impacto social, precisa ser
auto regenerativa e todas as demandas de problematização sejam tra-
balhadas como se fazendo parte de um corpo, onde todas as partes
tem que funcionar efetivamente, e no caso, algumas dessas partes,
implicando em dificuldade de se integrar, foi organizado mecanismos
para mostrar que a escola tem seu funcionamento comprometido, pode
comprometer todo o sistema se o professor não se integrar e buscar se
aprimorar em novas metodologias e ações integradoras.
Como consequência a educação que mostra sinais de ascen-
são, pode ser ainda mais impulsionada a integrar todas as variáveis e

- 229 -
aqueles traços de dificuldades, que outrora, eram intocáveis, possam
ser vistas como etapas em construção e contorno, pois a educação é
aprimorada quando todas as instâncias que a compõe funcionam para
promover pessoas, indiscriminadamente.

Procedimentos Metodológicos
A estimativa para a realização do estudo foi a necessidade
de dinamizar cada vez mais as aulas, tornando-as prazerosas e voltadas
para a valorização do ser, pois se objetivou estudar o comportamento
dos estudantes frente a uma realidade de brincadeiras e jogos, com a
intuição de mobilizar elementos que auxiliam na identidade dos mes-
mos, como a composição de seu olhar baseado na sua cognição, condi-
ção afetiva e na autonomia, facilitar o desenvolvimento das aulas com
a inclusão do lúdico.
A hipótese alternativa tem como requisitos estatísticos pois
associa a qualidade de um sistema e avalia os dados e correlaciona-os.
Assim, o estudo que visou inserir o lúdico nas atividades de sala de
aula do ensino Fundamental 1 em escolas de duas zonas de Manaus,
cujas variáveis podem ser dependentes e independentes, a partir da hi-
pótese alternativa e estatística. Dessa maneira o lúdico pé aplicado e a
avaliação interna e externa nas escolas de Ensino Fundamental I, são
os pontos de acesso a informações de proficiência que permite ver que
o ensino aprendizagem significativo nas escolas de Ensino Fundamen-
tal I pode ser inovado.
Como Variável independentes se utilizou a percepção dos
alunos, pais de alunos e comunitários; profissionais da educação. To-
dos esses fundamentos foram para identificar a correspondência do
problema com a possibilidade de solução.

O Projeto de Pesquisa
Para a realização desta pesquisa foi feita uma abordagem
metodológica que incluiu o levantamento bibliográfico em livros, re-
vistas, periódicos de internet de demais fontes que trouxe clareza sobre
a utilização do lúdico na educação. Com se trata de um estudo que pre-
tendeu analisar fenômenos do processo ensino aprendizagem, se uma
pesquisa inicia como ponto de partida por um questionamento e termi-
na com a produção que o leva a interpretar e entender esse universo.

-230 -
Minayo (2000) destaca que a pesquisa é o percurso siste-
mático que objetiva a entender o assunto estudado, trazendo à tona
detalhes do problema levantado. A abordagem quantitativa se difere da
qualitativa pois a primeira trata os dados através de correlações com
números, associada a filosofia da ciência, pois o pesquisador a descre-
ver os fatos gerais e reproduzi-los fazendo uma conjuração de dados, e
a segunda com aspectos subjetivos, onde se considera as características
para abordagens que envolvem o caráter qualitativo. Onde a investiga-
ção se apoia a diferentes âmbitos de orientação teórica e metodológica.
O lócus da pesquisa forma duas escolas do sistema Estadual
do Amazonas, do município de Manaus- AM, e os sujeitos foram: pro-
fessores, alunos, pais de alunos e técnicos de Educação do município
de Manaus.
Atualmente, a pesquisa qualitativa também é conhecida
como abordagem qualitativa e tem como objetivo descrever de for-
ma sistemática a realidade pesquisada. Assim como se acessou dados
como gráficos, tabelas e relatórios do desempenho dos alunos do ensi-
no fundamental I para relacioná-los com os dados dos resultados obti-
dos pelas intervenções, aplicação de instrumentos e outros.
Na pesquisa foi incluída algumas categorias e a principal,
cujo objeto de estudo, tão logo fenômeno “ensino-aprendizagem e os
desafios de avaliação na escola com a inclusão do lúdico”, dessa for-
ma, foi necessário compreender as realidades das escolas e a intera-
ção com as mesmas. Em relação às técnicas de pesquisa, a entrevista
semiestruturada possibilitou inferir novos questionamentos diante das
dúvidas surgiram no momento da entrevista. Dessa forma, ela se de-
senvolveu de forma livre e maleável, ainda se teve que tomar todas as
providências para manter a confidencialidade, não precisando subme-
ter aos órgãos de credenciamento.

Tipo de Pesquisa
A pesquisa qualitativa, pela visão de Godoy (1995, p.62) se
trata de um estudo empírico, sendo realizado no seu ambiente natural,
onde os fatos sociais são observados e analisados e inseridos no con-
texto a que pertencem. Bauer (2017) corrobora que essa abordagem
evita números, lida com interpretações das realidades sociais e é consi-
derada pesquisa suave (soft).

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Oliveira (2013) cita que se trata de um processo de reflexão e
análise da realidade através do uso de métodos e técnicas que promul-
garão a compreensão mais detalhada do que se estuda em seu contexto
histórico ou sua estruturação. Assim, todos os fenômenos observados
e percebidos dão relevância ao estudo, pois a visão conceitual desta-
ca a o pesquisador o fenômeno, não tendo a preocupação com fatores
estatísticos e gráficos, só frisando a qualidade e as incidências de re-
sultados voltados a compreensão da avaliação e desenvolvimento da
modalidade na realidade social.
Ferreira (2015) destaca que é através de contato direto, que
o pesquisador exerce um papel fundamental na observação, seleção,
consolidação e análise dos dados gerados; como os diferentes tipos
de dados existentes na realidade são considerados importantes para
a compreensão do fenômeno social em estudo, o pesquisador realiza
entrevistas, reúne fotografias, desenhos e depoimentos e outros dados
que ajudam na descrição do fato; o trabalho é realizado com base na
perspectiva que as pessoas pesquisadas têm sobre o objeto de estudo,
devendo-se primar pela fidedignidade desses dados obtidos; a análise
dos dados computados é feita de forma indutiva e, ao longo dela, dá-se
a construção paulatina do quadro teórico, sem a formulação de uma
hipótese anterior que precisa ser testada com a pesquisa.
Já a abordagem quantitativa, de acordo com Wilson (1996)
uma pesquisa só tem validade cientifica se der margem à classificação,
testagem de hipótese, medição e tabulação, sendo um processo carre-
gado numa estrutura rígida onde seus resultados não revelam nenhum
aspecto significativo dos fenômenos sociais. Rangel (2018) destaca os
seguintes elementos: hipótese de explicação de fatos observados; ve-
rificação da hipótese (experimentação): coleta de dados e análise dos
dados e a previsão: explicação das leis que regem os fenômenos obser-
vados e dedução aplicada a outros fenômenos que estão sob as mesmas
leis (CHIZZOTTI, 2013, p. 31).
Assim, a pesquisa aqui expressa assumiu caráter quali-quan-
ti, pois se objetivou avaliar os aspectos de ensino aprendizagem fa-
zendo a descrição dos fatores cognitivos e afetivos com a utilização
do lúdico, com a correlação de dados oriundos de gráficos, tabelas,
relatórios e instrumentos de coleta.

-232 -
Nível Esperado de Conhecimento
Para este estudo se preteriu impactar sobre as práticas tradi-
cionais que alienam alunos que tem mais dificuldades de aprendizado,
a parcela de alunos que não consegue obter êxito nas operações ma-
temáticas e em linguagem, com a inserção do lúdico se espera que os
alunos que já tem certas habilidades aumentem suas competências e
aqueles, que por ventura, ainda não despertaram para o aprendizado se
encaminhem, uma vez que as brincadeiras e jogos, colocados didatica-
mente, dentro de uma proposta educativa, faz com que os alunos com
autonomia e acesso para aprimorar sua visão e melhoras de rendimento
e nas avaliações.

População e Amostra
O Lócus da pesquisa foram duas escolas de ensino funda-
mental 1 na Cidade de Manaus, uma na Zona Sul (CDE 1) e outra na
Zona Norte (CDE 6), como a cidade é muito extensa e diversificada em
relação às populações que habitam certas regiões, se buscou entender
o impacto social da aplicação das metodologias que inclui o lúdico no
contexto das escolas.
A população da pesquisa refere-se a um quantitativo de 70
alunos do ensino Fundamental 1, professores, pais de alunos, técnicos
e administrativos das escolas e da Secretaria de educação. As amostras
foram colhidas com a intervenção das aulas, aplicação de instrumentos
elaborados, e consulta em livros, anuários e relatórios internos e exter-
nos às escolas. A organização dos dados se dará com auxílio de meios
estatísticos e amostragem com gráficos e tabelas.

Instrumentos e Técnica de Coleta de Dados


As formas de coletas de dados forão feitas pela observação,
questionários para alunos, pais e professores, com perguntas abertas,
fechadas; questionários estruturados para os gestores da secretaria de
educação, questionário e entrevistas semiestruturados para professores
e técnicos de educação. Além de analise em relatórios de desempenho
interno e externo dos estudantes.
As atividades se processaram pela intervenção direta nas sa-
las de aula e aplicação de questionários e entrevistas, a tabulação dos
dados e analise dos desempenhos dos alunos. Dessa forma, os dados

- 233 -
foram expostos, dentro de uma abordagem qualitativa e quantitativa e
compreende entender as questões com utilização de instrumentos ela-
borados para facilitar a relação de respostas.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
A aprendizagem é um processo contínuo e requer, sempre,
que sejam implementadas ações que corroborem com a evolução do
processo ensino-aprendizagem para uma aprendizagem mais signifi-
cativa. Muitos são os desafios que causam transtornos no processo de
ensino, muitas das vezes, depende do profissional da educação em su-
gerir mudanças de posturas, de encaixe de novos meios de intervenção,
sobretudo, aqueles não convencionais, que abordem possibilidades de
explorar novas maneiras de ensinar, aprender e partilhar.
A utilização do “lúdico” para potencializar mudanças no
processo ensino aprendizagem, a demanda de problemas dentro do âm-
bito educacional de crianças com dificuldades de aprendizagem, exige
tomadas de decisão, frente a necessidade de modificar a visão de inte-
gração de metodologias tradicionais engessadas, e sim, levantar ideias
que abordem jogos, brincadeiras, desafios que potencializem a utili-
zação da tecnologia disponível para acionar mecanismos que possam
ir além do tradicional, que sobreponha a expectativa de uma aprendi-
zagem gotejada de doses de saberes, minimamente, e sim o fomento
de uma aprendizagem que promova a inclusão, que impacte de fato,
criando novas perspectivas nos estudantes.
Para tal pesquisa se utilizou A abordagem pela elaboração
de metodologias que utilizam o lúdico para sugerir intervenções no
processo ensino aprendizagem, utilizando a instrução de autores como
Vygotsky, Wallon e Jean Piaget para embasamento das teorias e com-
preensão das competências a serem aplicadas nas metodologias lúdicas
acionadas que vão conversando com os autores mais contemporâneos
com destaque para: Bezerra, Campos, Chateau, Moraes, Pereira, San-
tos que discutem as diretrizes metodológicas que embasam a aplicação
do lúdico nas práticas educacionais.
Em vista da dificuldade de acesso a sala de aula e o formato
de estudo, em decorrência da pandemia da COVID 19, que faz exi-
gência da educação se desenvolver on line, condição que exige novas

-234 -
concepções para a aplicação de metodologias inovadoras para manter
e requerer a emancipação no saber, essa nova forma de aplicar o ensino
exige tomadas de decisão amparadas em teorias sérias que compreenda
o comportamento humano e suas necessidades, implementação novas
metodologias articuladas.
O lúdico faz parte do cotidiano das crianças, as habilidades
das mesmas são desenvolvidas pelo simples ato de brincar, nesse que-
sito elas exercitam a autonomia de escolhas de ações, diversidade de
objetos e mecanismos de atuação. Nas primeiras fases da vida o ser
humano vai acionando as informações do ambiente e vai incorporando
no seu dossiê de informações aquelas experiências que são vivenciadas
no seu espaço de vivencia, e essas informações são elementos essên-
cias que caracterizam os indivíduos pela sua personalidade e atuação
social.
Gomes (2018) destaca que “a música, o jogo e a brincadeira
são importantes na primeira infância como instrumento de estimulo e
indicador de habilidades e competências”. As manifestações humanas
são despertadas pelo ato de brincar que contribui na formação das es-
truturas físicas e mentais superiores.
Das atividades realizadas na escola se observou a necessida-
de de estímulo das crianças com certas dificuldades de aprendizagem
em participar das brincadeiras e jogos, isso fica claro que me rotinas
normais, essas crianças ficam, a margem das atividades e vão sendo
empurradas para outro nível, pois a demanda para cada professor é
grande.
A base dos estudos sobre o lúdico destaca os teóricos con-
temporâneos Winnicott, Vigotski, Wallon, Piaget, Brunner, Santini,
Luckesi e Parker, que demonstraram os impactos do lúdico na forma-
ção das pessoas. O ato de brincar pode estimular a formação do cará-
ter individual ambiente onde o pesquisador pode observar os aspectos
dinâmicos, voltados para o desenvolvimento de estímulos lúdicos e
direcionados com fins na potencialização de habilidades para prevenir
possíveis dificuldades em todos os aspectos educativos (sociais, afeti-
vos, emocionais, cognitivos e físicos).
Na atividade na escola 1, preservando o nome da escola que
se situa na Zona Sul de Manaus, no Bairro da Cachoeirinha, se percebe
que os professores ao responderem aos questionamentos fazem uso de

- 235 -
metodologias encaixadas e que se preocupam com o desempenho dos
alunos, mas que a rotatividade de alunos fragiliza as atividades e se
perde o fluxo quando esse aluno troca de escola.
Moraes (2016) cita que as brincadeiras e jogos sempre foram
atividades que se fizeram importantes na vida das civilizações antigas,
mesmo que no período da Idade Média as crianças eram vistas como
um ser qualquer, eram tratadas de igual com adultos, e se vestiam da
mesma forma assim como o trabalho era feito de igual condição, pois
não se tinha a ideia voltada à natureza infantil.
Quanto aos pais e profissionais eles entendem que o sistema
precisa se ajustar e as tomadas de decisões no processo educacional tem
que trazer as formas de aproveitamento das competências das crianças
para a o cotidiano, não tem mágica no processo ensino aprendizagem,
como destaca a Professora Maria, tem comprometimento de todos, do
sistema, do professor e dos pais que tem que acompanhar seus filhos.
Por essa forma de tratamento, as crianças eram expostas a
ambientes com toda a forma de atividades e as colocava em exposição
a inúmeros fatores de risco. Cuja a atividade de brincar era negligen-
ciado, e logo, o aprendizado comprometido por suprimir etapas de de-
senvolvimento.
As crianças precisam ser vistas como seres em formação e
as etapas do desenvolvimento cognitivo deve ser observado e redire-
cionado métodos de inclusão e o lúdico, não pode ser somente uma
distração e sim uma ferramenta de impacto nas dificuldades de apren-
dizagem.
Mas, como destaca Silva (2017) o brincar é essencial para
a expressão da natureza da infância, com essa atividade o indivíduo
desenvolve suas habilidades que vai, continuamente, se moldando e
transformando para se tornar o ser cultural. A ludicidade leva a criança
a desvendar seu mundo, com atividades que a motivam, que exprimem
significados, ressignifica os saberes e desenvolvem os aspectos cogni-
tivos, afetivos, social e motor.
Na escola 2, situada no Bairro Cidade Nova, as dificuldades
com o desenvolvimento dos estudantes se mostraram mais evidentes e
que já é destacado nas avaliações que a escola apresenta, por atender a
um público de menos recursos, o nível de dificuldades nessa escola é
maior, e que as mesmas atividades desenvolvidas nas escolas apresen-
taram resultados totalmente diferentes.

-236 -
O aprendizado está voltado aos fatores em a criança é co-
locada para sua absorção, por isso uma forma organizada e embasada
de selecionar as ferramentas que potencializem as possibilidades de
construção de sua visão do mundo, de modo contínuo e sem esforço.
Na escola da Zona Sul tinha 25 alunos por sala e a maioria
interagiu, fortemente com a atividade, mas na escola da zona Norte
houve maior resistência. O que chamou atenção para que se modifi-
casse a metodologia de aplicação e assim fazer a participação maciça
de alunos.
Vygotsky (1991) cita que as características infantis ao apon-
tar a importância da linguagem e da percepção que dão a noção de
mundo, pois o imaginário infantil é muito amplo e ao ser estimulado
que é revelado pelos movimentos espontâneos, ações involuntárias e
ingênuas, que destacam a naturalidade em relação ao lúdico é verda-
deira e de extrema importância para o desenvolvimento da criança em
todos os aspectos.
As características que são despertadas quando a criança en-
tra no ambiente de exercício de suas percepções e que deixa fluir seu
imaginário que vai construindo suas condições de vivencia, com a cer-
teza que as experimentações da criança ao universo de expansão de seu
desenvolvimento.
O lúdico vem do latin “Ludus” se referindo ao ato de brincar
ou jogar, nessa o interface o som, a animação e o imaginário, Wal-
lon (1992) frisa que o brincar, desenhar, pintar participar e conceber a
criação do faz de conta se constitui um ato mental, que se desenvolve
a partir de um ato motor e a seguir passa a se inibir sem deixar de ser
uma atividade corpórea.
No desenvolvimento das brincadeiras, a perde o medo de er-
rar e passa a atribuir a noção com prazer, passando assim, a brincar em
meio às danças, as cantigas de roda e poemas, lendas e mitos, expande
o pensar sobre o mundo. Piaget e Vygotsky são referências no universo
lúdico. Para conceituar o ato de brincar, Piaget usava a palavra jogo, e
Vygotsky a palavra brinquedo.
Contudo, o lúdico faz parte do desenvolvimento das crian-
ças, mas os dados educacionais destacam que parte das crianças, não
conseguem desenvolver certas habilidades no contexto educacional,
principalmente, nas disciplinas de linguagens e matemática, nas fases
de construção.

- 237 -
Dados do Ministério da Educação (MEC, 2019) pelo levan-
tamento realizado, aponta que o crescimento pelas matrículas em cre-
ches, com 167,8 mil registros a mais em 2019 do que em 2018, ou
seja, uma variação de 4,7%. Em 2015, as matrículas em creches cres-
ceram 23,2%, a rede municipal de ensino concentra a maior parte das
matrículas da educação infantil: 71,4%, a rede privada com 27,9% do
total. Das matrículas da rede privada, 29,4% pertencem a instituições
particulares, comunitárias, confessionais e filantrópicas conveniadas
com o poder público. Na análise da educação infantil por localidade,
percebe-se que 10,5% das matrículas encontram-se na zona rural, e a
quase totalidade (96,8%) das matrículas são atendidas por estabeleci-
mentos da rede pública. O censo apurou que 13,2% das crianças que
frequentam a pré-escola estão na zona rural e 6,7% estão matriculadas
nas creches rurais (BRASIL, 2020).
A escola precisa atuar de modo sincronizado e valorizando
as competências dos estudantes, o problema de aprendizagem também
pode ser combatido com atitudes sensatas da integração de jogos e
brincadeiras para ensinar, e fazer valer o saber compartilhado.

CONCLUSÃO
Para este estudo que trouxe o lúdico na formulação de im-
pactar nas dificuldades de ensino aprendizagem em crianças do Ensino
Fundamental 1, cujo trabalho se baseia nas necessidades de abraçar a
parcela de alunos que não são contemplados com metodologias tradi-
cionais e mesmo com as metodologias inovadoras não conseguiram
adentrar no universo das condições de aprendizagem significativas.
A idealização da proposta surgiu na observação do fator
autonomia de busca do conhecimento, que se observa na medida que
a escola vai se alinhando e exigindo postura de obediência cega dos
alunos, que os delimita a criar, buscar soluções para seus problemas
na subjetividade. O que se espera é que com a inserção do lúdico, o
estudante passe a requerer para si outras formas de desafios, possibili-
tando, assim, que o pesquisador verifique os pontos que impactam de
forma negativa no aprendizado de tais estudantes e dessa forma, inter-
vir, sugeri e aplicar mecanismos de ajuste aproveitando as habilidades

-238 -
e expertise dos referidos estudantes.
Esta pesquisa foi recomendada para o público que se preo-
cupa com a qualidade da educação das crianças nas séries iniciais, tra-
zendo para dentro das discussões oportunidades de testar mecanismos,
que mesmo que não sejam, exatamente novos, mas que tem um olhar
diferenciado, voltado a impactar nas problemáticas e citar pontos de
diferenciação.
A educação básica nas séries iniciais é como uma porta para
a sequência do ensino, pois nela, se encerram todas as possibilidades
de ascensão do estudante, por isso se ele for dinâmico e capaz de inse-
rir conceitos que se efetivem na vida do estudante.

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SOBRE OS AUTORES DA COLETÂNEA
ORGANIZADORA: Artemis de Araújo Soares
+55 92 981714448 artemissoares@yahoo.com.
br
Pesquisadora e professora titular da UFAM. Doutora
em Ciências do Esporte pela Universidade do Por-
to. Professora e orientadora de Mestrado e Doutora-
do no PPGSCA. Pesquisadora e Professora Titular
da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da
UFAM, Manaus, Brasil; Lider do grupo de pesquisa
Corpo, Gênero, Corporeidade, Ensino e Multiculturalidade; membro
da Academia Amazonense de Letras e da Academia Brasileira de Edu-
cação Física.
Artemis de Araújo Soares
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/0487210816377783
ID Lattes: 0487210816377783
Última atualização do currículo em 20/01/2021Orcid - https://orcid.
org/0000-0002-9678-2937

2.MULHERES EM ACADEMIAS, CORPO E EROTISMO


Jeane Chaves de Abreu +55 92 99281-6675 < je-
chabreu@gmail.com> <jechabreu@gmail.com>
Doutora e Mestra em Sociedade e Cultura na Ama-
zonia, especialização em ginástica escolar UFAM),
ginástica rítmica (FAFICLA) e Metodologia do En-
sino Superior (UNILASALLE); Coordenadora do
Curso de Educação Física da Universidade Paulis-
ta/ Campus Manaus(de 2013 a 2015), Coordenado-
ra do Curso de Dança da Universidade do Estado do Amazonas desde
2015; professora do Curso de Dança da Universidade do Estado do
Amazonas desde 2001, professora do Curso de pós graduação “Dança
e Educação” da Universidade do Estado do Amazonas, Professora do
Curso de Pós Graduação Educação Física Infantil da UNILASALLE/
AM, Diretora Artística da Cia. Pajé de dança..
Jeane Chaves de Abreu

- 243 -
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/2707740880059445
ID Lattes: 2707740880059445
Última atualização do currículo em 12/01/2021

3.A MULTIPLICIDADE DOS ENSINOS DE PALHAÇAS E PA-


LHAÇOS NA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
Felipe Braccialli +55 14 99710-8028 <braccial-
li@me.com>
Graduado no Curso de Bacharelado em Teatro na
modalidade de interpretação e atuação pela Univer-
sidade Federal de Uberlândia (UFU). Especialista
em Iluminação e Design de Interiores pela IPOG.
Mestre em Artes no Programa de Pós Graduação
em Artes pela UFU. Doutorando em Educação
Física pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Tea-
tro, atuando principalmente nos seguintes temas: atuação, iluminação,
teatro físico, palhaço e circo. Membro do Grupo Galhofas e Grupo de
Pesquisa em Circo (CIRCUS).
Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Circo CIRCUS) e membro do
Grupo Galhofas (SP). Mestre em Artes (UFU) e Doutorando em Edu-
cação Física (UNICAMP).
Felipe Braccialli
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/4877154505049568
ID Lattes: 4877154505049568
Última atualização do currículo em 11/02/2021
Orcid - https://orcid.org/0000-0002-8344-5130 [23:04, 10/02/2021]

Marco Antonio Coelho Bortoleto +55 19 98176-


1985 <bortoleto@fef.unicamp.br>
Professor Associado da Faculdade de Educação Fí-
sica da Unicamp. Doutor pela Univ. de Lleida (Es-
panha). Pós-doutorado Univ. Lisboa (Portugal) e
Univ. Manitoba (Canadá). Graduado (Licenciatura
Plena) em Educação Física pela Universidade Me-
todista de Piracicaba (1997), Mestrado em Educa-
ção Física pela Universidade Estadual de Campinas (2000). Professor

-244 -
visitante na Universidad A Coruña (Espanha) em 2011 e na Universi-
dad de La Plata (Argentina, 2017). Professor de Acrobacia na Escola
de Circo de Barcelona (Espanha, 2001-2005). Casado e pai da Leticia e
da Alicia! Atualmente é Professor MS5 (Livre Docente / Associado) do
Departamento de Educação Física e Humanidades (DEFH) da Facul-
dade de Educação Física da UNICAMP. Membro do Comitê de Ginás-
tica para Todos (GPT 2012-2020) e da Comissão de Educação (2017-
20) da Federação Internacional de Ginástica (FIG). Pesquisa na área de
Educação Física, com ênfase na Ginástica e no Circo, enfocando nas
seguintes temáticas: pedagogia e segurança das atividades circenses;
cultura de treinamento da ginástica artística; formação em Ginástica
para Todos; Tecnologias elásticas e formação de acrobatas. Tem suas
pesquisas fundamentadas principalmente na Praxiologia Motriz.
Marco Antonio Coelho Bortoleto
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/8517706988302686
ID Lattes: 8517706988302686
Última atualização do currículo em 11/02/2021
ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4455-6732

4.ASPECTOS FISIOLÓGICOS E CINEMÁTICOS DE CADEI-


RANTES BASQUETEBOLISTAS DE MANAUS DURANTE UM
TESTE INCREMENTAL
Lucas de Souza Nascimento
Mestrando do Programa Saúde, Sociedade e En-
demias da Amazônia da Universidade Federal do
Amazonas-UFAM. Graduado em Licenciatura em
Educação Física pela Universidade Federal do
Amazonas.
Lucas de Souza Nascimento
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.
br/4211067482364855
ID Lattes: 4211067482364855
Última atualização do currículo em 04/12/2020

- 245 -
Karla de Jesus +55 9984176289
Possui graduação em Educação Física pela Pon-
tifícia Universidade Católica do Paraná (2003),
mestrado em Desporto para crianças e jovens pela
Faculdade de Desporto da Universidade do Por-
to (2008) e doutorado em Programa Doutoral em
Ciências do Desporto pela Universidade do Porto
(2015). Professora da Faculdade de Educação Fìsica e Fisioterapia da
Universidade Federal do Amazonas, Coordenadora do curso de gra-
duação de Bacharelado em Treinamento Esportivo e Vice Coordena-
dora do Programa de Pós Graduação Saúde, Sociedades e Endemia na
Amazônia. Membro da Sociedade Brasileira de Biomecânica (SBB).
Tem experiência na área de Educação Física, com ênfase em Bioe-
nergética dos desportos aquáticos, atuando principalmente nos seguin-
tes temas: biomecânica, fisiologia, treinamento desportivo e desporto
aquático.
Karla de Jesus
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/2199536836070155
ID Lattes: 2199536836070155
Última atualização do currículo em 18/08/2020

5.GINÁSTICA PARA TODOS NA EXTENSÃO UNIVERSITÁ-


RIA: um olhar sociométrico sobre as relações entre os participantes
Fernanda Raffi Menegaldo +55 (19) 998088500
fernandamenegaldo@hotmail.com
Doutoranda e mestra em Educação Física na área de
Educação Física e Sociedade na Faculdade de Edu-
cação Física da Universidade Estadual de Campinas
(FEF-Unicamp). Tem graduação em Educação Fí-
sica também pela FEF-Unicamp, nas modalidades
Bacharelado e Licenciatura. Membro do Grupo de
Pesquisa em Ginástica (GPG, desde 2013) da Faculdade de Educação
Física (UNICAMP) e do Grupo de Estudos Praxiológicos (GEP, desde
2020), vinculado ao Centro de Educação Física e Desportos da Univer-
sidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Bolsista de Doutorado do CNPq
Fernanda Raffi Menegaldo

-246 -
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/9301283237600840
ID Lattes: 9301283237600840
Última atualização do currículo em 23/01/2021
Marco Antonio Coelho Bortoleto
6.GINÁSTICA RÍTMICA NO AMAZONAS: memórias de alguns
atores desse processo histórico
Lionela da Silva Corrêa +55 92 9183-5734
<lionela@ufam.edu.br>
Possui graduação em Educação Física pela Uni-
versidade Federal do Amazonas (2009) e mestrado
em Ciências da Saúde pela Universidade Federal
do Amazonas (2011). Atualmente é professor as-
sistente ii da Universidade Federal do Amazonas.
Tem experiência na área de Educação Física, com
ênfase em Ginástica e dança
Lionela da Silva Corrêa
Bolsista de Doutorado do CNPq
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/0276334550669174
ID Lattes: 0276334550669174
Última atualização do currículo em 31/01/2021
Leila Márcia Azevedo Nunes +55 <nunes.lei-
la@hotmail.com>
Graduada em Educação Física pela Universida-
de Federal do Amazonas (2016).Especialização
em ginástica rítmica pela instituição UNOPAR-
-Universidade do norte do Paraná; Experiência
com dança para deficientes físicos; ; Experiên-
cia como professora de ginástica rítmica e Edu-
cação física escolar. Dedica-se ao estudos da ginástica rítmica tanto
no âmbito escolar quanto no competitivo. Coreógrafa e dançarina de
dança folclórica árabe; Colaboradora do programa de dança, artes cir-
censes e ginástica (PRODAGIN/UFAM).
Leila Marcia Azevedo Nunes
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/4187157864386057
ID Lattes: 4187157864386057 Última atualização do currículo em
04/02/2021

- 247 -
Artemis de Araújo Soares

7.PROTAGONISMO INDÍGENA: OS SATERÉ-MAWÉ E SUAS


VIVÊNCIAS SÓCIO-HISTÓRICAS
Ignês Tereza Peixoto de Paiva
Possui Doutorado em Sociedade e Cultura na Ama-
zônia pela Universidade Federal do Amazonas .
Mestrado em Educação pela Universidade Fede-
ral do Amazonas, Especialização em Educação de
Jovens e Adultos pela Universidade do Amazonas.
Graduação em Pedagogia pela Universidade Fede-
ral do Amazonas; Atualmente é professora Adjunta
no Instituto de Ciências Exatas e Tecnologia-Universidade Federal do
Amazonas. Tem experiência na área de Educação, da Antropologia,
com ênfase em Antropologia Educacional, atuando principalmente nos
seguintes temas: Educação Escolar Indígena, cultura, identidade e in-
terculturalidade, didática, estágio supervisionado. Projetos de PIBIC e
Extensão voltados para Educação e Temática Indígena.
Ignês Tereza Peixoto de Paiva
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/5082131459505712
ID Lattes: 5082131459505712
Última atualização do currículo em 11/02/2021

Artemis de Araújo Soares

8.UM BREVE HISTÓRICO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS HA-


BITACIONAIS NO BRASIL E NO AMAZONAS
Angélica de Matos Carvalho +55 (92)99513-1859
angelfamiliaa@gmail.com
Mestranda do Programa de Pós-Graduação Socie-
dade e Cultura na Amazônia – PPGSCA – IFCHS
- UFAM (2020).
Angélica de Matos Carvalho
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.
br/5828459150987557
ID Lattes: 5828459150987557
Última atualização do currículo em 06/02/2021

-248 -
Evandro de Morais Ramos +55 (92) 99985-5270
evandromramos@ufam.edu.br
Professor Associado IV, lotado na Faculdade de Artes
da UFAM há mais de 30 anos, doutor em Tecnologias
Educativas, orientador do PPGSCA, diretor do Cen-
tro de Educação a Distância (CED/UFAM) no perío-
do de julho 2017 a junho 2021.
Evandro de Morais Ramos
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/0764449120814936
ID Lattes: 0764449120814936
Última atualização do currículo em 01/08/2020

9.POLÍTICA E O “VIÉS” IDEOLÓGICO NO LIVRO DIDÁTI-


CO: algumas considerações
Marcos Afonso Dutra +55 92 8112-9602
Professor em regime estatutário da Secretaria Mu-
nicipal de Educação - SEMED, mestre em Socie-
dade e Cultura na Amazônia pelo Programa de Pós
Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia
- PPGSCA/UFAM. Docente do Ensino Superior
nas seguintes instituições: Faculdade Tahirih, Uni-
versidade Luterana do Brasil - ULBRA, Universi-
dade Federal do Amazonas -UFAM, Plano Nacional de Formação de
Professores da Educação Básica - PARFOR/UFAM. Possui vínculo
empregatício com a Faculdade de Tecnologia da Amazônia – FA-
TEC; Doutorando do PPGSCA/UFAM.
Marcos Afonso Dutra
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/3550669425589821
ID Lattes: 3550669425589821
Última atualização do currículo em 09/12/2020

Artemis de Araújo Soares

- 249 -
10. REFLEXÃO ACERCA DA ORGANIZAÇÃO DO ENSINO
SUPERIOR PARA OS INDÍGENAS
REFLEXÃO ACERCA DA ORGANIZAÇÃO DO ENSINO SU-
PERIOR PARA OS INDÍGENAS
Joyce Karoline Pinto Oliveira Pontes +55 92
<joycekarolinepontes@gmail.com>
Doutora e Mestre em Sociedade e Cultura na
Amazônia nas linhas de pesquisa: Sistemas Sim-
bólicos e Manifestações Socioculturais e Redes,
Processos e Formas de Conhecimentos, pela Uni-
versidade Federal do Amazonas (UFAM/PPGS-
CA). Jornalista graduada pelo Centro Universi-
tário do Norte (Uninorte/Laureate). Especialista
em Informática Aplicada à Educação pela Universidade do Estado do
Amazonas (UEA). MBA Executivo em Gerenciamento de Projetos
pela Faculdade Arthur Thomas (Londrina/PR). Membro dos grupos
de pesquisa certificados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPQ): Corpo, Corporeidade e Multicultu-
ralidade, na linha de pesquisa - Práticas Corporais e Interculturalidade
na Amazônia; Centro de Estudos e Pesquisas em Filosofia e Ciências
Humanas-CEFCH, na linha de pesquisa - Filosofia, Cultura e Ciência
na Amazônia.
Joyce Karoline Pinto Oliveira Pontes
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/7782395461074629
ID Lattes: 7782395461074629
Última atualização do currículo em 03/02/2021

Artemis de Araújo Soares

11. VIOLÊNCIA E CONFLITOS CONTRA OS POVOS INDÍ-


GENAS DA AMAZÔNIA EM 2019

Artemis de Araújo Soares

-250 -
12. BRINCADEIRA DE MENINO OU DE MENINA? o que dizem
os/as professores/as de educação infantil
Roberta Cortez Gaio +55 (19) 997791024 rocorte-
zgaio@gmail.com
Doutora em Educação; mestra em Educação – Edu-
cação Motora; Pesquisadora e professora do Centro
Universitário Salesiano de São Paulo Liceu (Unisal/
Campinas) e coordenadora do projeto de extensão
Grupo de Ginástica e Dança do Unisal - GGDSAL.
Especialista em Ginástica Rítmica e Motricidade Hu-
mana; graduada em Educação Física e autora de vários
livros, entre eles Ginástica Rítmica Popular: uma pro-
posta educacional e Para além do Corpo Deficiente: histórias de vida,
ambos publicados pela Fontoura. Coordenadora do projeto de extensão
Ginástica Rítmica Popular, de 1989 a 2006 (Universidade Metodista de
Piracicaba). Membro do Grupo de Pesquisa/ - CNPq - Corpo, Gênero,
Corporeidade, Ensino e Multiculturalidade, da Universidade Federal
do Amazonas.
Roberta Cortez Gaio
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/2410231315930325
ID Lattes: 2410231315930325
Última atualização do currículo em 08/02/2021
Orcid: 0000-0002-0378-3616.

Ida Carneiro Martins +55 (19) 991907559


titaef1@hotmail.com
Doutora em Educação - Formação de Professo-
res, mestra em Educação Física – Pedagogia do
Movimento, especialista em Educação Motora
na Escola e Educação Física na Educação In-
fantil, coautora do livro Aulas de Ensino Médio,
organizadora do livro No Palco da Infância; publicou artigos e capí-
tulos sobre as temáticas de jogos, brincadeiras, e movimento e suas
contribuições ao desenvolvimento infantil. Professora do Programa de
Pós-Graduação em Educação e do Mestrado Profissional em Formação
de Gestores Educacionais da Universidade Cidade de São Paulo.
Ida Carneiro Martins

- 251 -
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/1316783235568969
ID Lattes: 1316783235568969
Última atualização do currículo em 15/02/2021
Orcid: 000-0001-7140-159.

Perge Cipriano Alves +55 (19) 992930551 per-


gealvess@gmail.com
Graduanda em Licenciatura em Pedagogia pelo
Centro Universitário Salesiano de São Paulo/Li-
ceu/Campinas (UNISAL), bolsista PIBIC-CNPq e
membro do núcleo de estudos Étnico-Racial (GE)
do UNISAL.
Perge Cipriano Alves
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.
br/5266253738601677
ID Lattes: 5266253738601677
Última atualização do currículo em 30/01/2021
Orcid: 0000.0002.5746-3626

13 FORMAÇÃO E ATUAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE OS PRO-


FISSIONAIS DE DANÇA
Thaís Paulino Rodrigues +55 (19) 981810421
thais.pprodrigues@gmail.com
Thaís Paulino Rodrigues - Graduada em Educação
Física (bacharelado e licenciatura) e Arquitetura e
Urbanismo, já foi bolsista pelo CNPq. Dançarina
profissional, artista circense, ex-ginasta e criadora
da modalidade de dança acrobática e marca Acro
Bungee®, registrada pelo INPI. Proprietária do
Acro Studio – Bungee & Pilates, situado em Campinas/SP.
Thaís Paulino Rodrigues
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/4396576729402903
ID Lattes: 4396576729402903
Última atualização do currículo em 10/09/2018
Orcid: 0000-0003-3914-0273

Roberta Cortez Gaio

-252 -
14. O LÚDICO E AS PRÁTICAS DE APRENDIZAGEM SIG-
NIFICATIVA: UM ESTUDO VOLTADO AO ENSINO FUNDA-
MENTAL I EM MANAUS-AM
Aline dos Santos Pedraça
Doutoranda em Ciência da Educação pela UNIT
Brasil - Universidad del Sol - UNADES, Mestra
em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazô-
nia- PPGSS\UFAM; Engenheira Eletricista pelo
Centro Universitário do Norte- UNINORTE-AM
Bacharela em Serviço Social pela Faculdade UNI-
NILTON LINS-AM. Coordenadora de projetos e
qualificação do Instituto Joana Galante; Vice-presidente da Aliança
em Inovação Tecnológica e Ações Sociais do Amazonas -AITAS-AM;
Conselheira Consultiva da Associação Brasileira dos Engenheiros Ele-
tricistas Sessão do Amazonas- ABEE-AM.
Aline dos Santos Pedraça
CV: http://lattes.cnpq.br/2302805452035186
ID Lattes: 2302805452035186
Última atualização do currículo em 14/09/2020

Claudenor De Souza Piedade (92) 99299 2690 |


claudenor.piedade@seducam.pro.br
Mestre em Biotecnologia e Recursos Naturais da
Amazônia, pela Universidade do Estado do Ama-
zonas - UEA (2009) com ênfase em Físico-Quí-
mica, voltada a bioatividade de moléculas; Espe-
cialista em Metodologia do Ensino de Química
do Ensino Médio pela Universidade do Estado do
Amazonas - UEA (2016) com enfoque em software educativos- Simu-
ladores; Graduado em Licenciatura Plena em Química pela Universi-
dade do Estado do Amazonas- UEA (2005).
Claudenor de Souza Piedade
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/4474209904149085
ID Lattes: 4474209904149085
Última atualização do currículo em 21/01/2021

- 253 -
Shigeaki Ueki Alves da Paixão (95) 981117510 |
(92) 9 shigeakiturismo@hotmail.com
Doutorando do Programa de Pós-Graduação So-
ciedade e Cultura na Amazônia-PPGSCA/IFCHS,
da Universidade Federal do Amazonas - UFAM.
Pesquisador integrante do grupo de pesquisa Cor-
po, Gênero, Corporeidade, Ensino e Multicultura-
lidade; tendo como linhas de pesquisa: Aspectos
Socioantropológico da Educação Física e Esportes;
Corporeidade, saúde gênero e interação social; Práticas Corporais e
interculturalidade na Amazônia. Pesquisador constituinte do Grupo de
Pesquisa Estudos Interdisciplinares no Contexto dos Povos Indígenas:
educação, saúde e território, Universidade Federal de Roraima - UFRR.
Integrante do grupo de pesquisa em Geopolítica e Modernização na
Amazônia Setentrional - UFRR. Membro do Grupo de Pesquisa do
Laboratório Lugares e Espaços Contemporâneos: Jornalismo, Migra-
ções e Audiovisual - UFRR. E vinculado ao grupo de estudo, pesquisa
e observatório social: Gênero, Política e Poder - GEPOS - PPGSCA -
IFCHS - Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Especialização
em Metodologia do ensino da língua portuguesa e estrangeira por meio
do Grupo Educacional UNINTER (2012); Mestre em Geografia pelo
PPGGEO/ UFRR (2014). Membro do Conselho Editorial do Periódico
Científico SOMANLU do PPGSCA|IFCHS|UFAM.
Shigeaki Ueki Alves da Paixão
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/0325797446283826
ID Lattes: 0325797446283826
Última atualização do currículo em 01/06/2020
ORCID: http://orcid.org/0000-0001-7327-5644

Sebastião Monteiro Oliveira +55 95 8111-6283~


Professor Associado I, possui graduação em Peda-
gogia com Habilitação Administração Escolar pela
Universidade Federal do Amazonas (1987) com
registro no MEC N. 008/94 - AM. Mestrado em
Educação pela Universidade Federal do Amazonas
em dezembro de (2004). Doutor em Educação pela
Universidade Nove de Julho (UNINOVE) em abril

-254 -
de 2016. Foi coordenador Geral do Curso de Pedagogia (2001-2002),
(2010-2012) e Coordenador do Curso de Especialização em Educação
de Jovens e Adultos na UFRR, curso de Especialização Mídias na Edu-
cação e do Curso de Especialização em Educação Infantil. Atualmente
é professor adjunto IV da Universidade Federal de Roraima. Participa
do Programa de Pós Graduação em Educação (Mestrado Acadêmico)
na UFRR. Líder do Grupo de Pesquisa Paulo Freire e Educação
de Adultos na Amazônia Setentrional e Coordenador do Fórum
Permanente de Debates da Educação de Jovens e Adultos de
Roraima. Membro da Comissão Permanente de Pessoal Docente
(CPPD). É editor Adjunto da Revista Educação, Pesquisa e
Inclusão do PPGE da UFRR. Também é membro do Núcleo de
Pesquisas Eleitorais da Amazônia (NUPEPA). Membro da Câmara
de Afastamento e Regime de Trabalho (CART). Atualmente é aluno do
PPGE/UFAM como pós doutorando em educação.
Sebastião Monteiro Oliveira
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/6815395333404967
ID Lattes: 6815395333404967
Última atualização do currículo em 11/02/2021

- 255 -
-256 -
Posfácio
A princípio certa dificuldade cercou o ato de elaborar pos-
fácio para essa obra. Não pelo seu valor intrínseco, mas por um con-
dicionamento pessoal de procurar enquadra-la em nicho específico ou
melhor nas já conhecidas “áreas de conhecimento”.
Na abordagem contemporânea de que o conhecimento hu-
mano deva ser organizado a partir de suas afinidades técnicas e teóricas
a multiplicidade de temas desenvolvidos implica uma certa complexi-
dade na análise.
O título da obra nos encaminha para, guardadas as exigên-
cias dos rigores metodológicos, buscarmos a noção de diversidade
como pedra angular para o escrutínio não descurando sempre da busca
de uma unidade temática.
Essa unidade temática é dada a partir de uma posição políti-
ca esposada por Umberto Eco da qual me aproprio livremente, de que
o papel fundamental do labor universitário através da produção de pes-
quisa, criação de metodologias de ensino e extensão de suas atividades
para a sociedade “contribui de forma decisiva para a defesa inteligente
da memória social e para a construção de identidades culturais”.
A consolidação e o registro dessas identidades, além da des-
crição e proposição de metodologias de ação pedagógica contidas nos
estudos aqui publicados dificilmente poderia ser realizado em outra
instituição que não a do mundo universitário. Por definição um espaço
aberto à discussão das diferenças teóricas e políticas, da tolerância à
variedade de pensamento da defesa intransigente da liberdade de in-
vestigar.
É fundamental que os programas de pós-graduação, obvio
que atendendo suas especificidades epistemológicas, tenham como
preocupação manter essa vocação milenar da Universidade para a bus-
ca da construção e consolidação da memória social que se alicerça no
incentivo à diversidade, no registro e análise dos fatos, na investigação
rigorosa e metódica.
Assim compreendo que a Coletânea Sociedade, Cultura,
Educação e Extensões na Amazônia se enquadra nessa vocação secu-
lar da Universidade de, investigando o particular buscar o universal,
ao mesmo tempo que destaca a existência da diversidade para a com

- 257 -
preensão da sociedade estabelece teias ou linhas de continuidade repre-
sentadas pelo reconhecimento das identidades culturais, a construção
da memória e a proposição de metodologias que intervindo no real
também constroem o imaginário.

Prof. Dr. Afonso Celso Brandão Nina


Professor Doutor em Educação
Professor Associado da FEFF - UFAM

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