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O DIREITO ACHADO NA RUA: 25 ANOS DE

EXPERIÊNCIA DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

Nair Heloisa Bicalho de Sousa


Alexandre Bernardino Costa
Lívia Gimenes da Fonseca
Mariana de Faria Bicalho

RESUMO

Este artigo trata da experiência desenvolvida pela corrente crítica denominada “O Direito Achado na Rua”, seus fun-
damentos teóricos e práticas realizadas nos últimos vinte e cinco anos na UnB. Neste texto, foram selecionados os
principais projetos implementados na área da extensão universitária relacionados aos temas do direito, justiça, direitos
humanos, trabalho, saúde, questão agrária, moradia, educação popular e gênero. Essas diferentes iniciativas configu-
ram uma proposta voltada para a educação em direitos humanos e a cidadania.

Palavras-chave: Direito Achado na Rua; Extensão universitária; Educação em direitos humanos; Cidadania.

ABSTRACT

This article addresses the experience of the critical stream of scholarship called “The law found on the streets”, includ-
ing its theoretical basis and the practical outcomes it has generated over the past 25 years at the University of Brasilia
(UnB).The article focuses on leading projects of community service in the areas of law, justice, human rights, labor,
health, land use, dwelling, community education, and gender. Together, these different initiatives amount to a common,
pedagogical project on human rights and citizenship.

Key words: The law found on the streets; Community service; Education in human rights; Citizenship.

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O LUGAR DE O DIREITO exatamente o da UnB, acima de tudo, res, comissões de direitos humanos,
ACHADO NA RUA NA EXTEN- diz ele, “pelo modo como procurou movimentos sociais, organizações
SÃO UNIVERSITÁRIA DA UNB articular a tradição elitista da uni- não-governamentais, professores,
versidade com o aprofundamento de professoras e estudantes de direito
seu compromisso social”. Ao apontar que buscavam uma forma crítica de
Que O Direito Achado na Rua repre-
a experiência da UnB, o caso para- compreensão do fenômeno jurídico,
sente na UnB uma identidade consti-
digmático que ele destaca é precisa- sob o título de Introdução crítica ao
tutiva do grande alcance da extensão
mente O Direito Achado na Rua: “De direito (1986).1
universitária, tanto em seu âmbito
salientar ainda o projecto do Direito Este primeiro volume, voltado para
teórico, quanto em seu alcance práti-
Achado na Rua, que visa recolher e uma reflexão sobre a práxis social
co, é um fato que tem reconhecimen-
valorizar todos os direitos comunitá- configurada na experiência de luta
to e confirmação institucional.
rios, locais, populares, e mobilizá-los por direitos e justiça obteve um êxito
No prefácio que escreveu para o livro
em favor das lutas das classes popu- expressivo. Alguns anos mais tarde o
A experiência da extensão universitá-
lares, confrontadas, tanto no meio professor José Geraldo, juntamente
ria na Faculdade de Direito da UnB (
rural como no meio urbano, com um com o professor Roberto A. Ramos
COSTA, 2003), a então Decana de
direito oficial hostil ou ineficaz”. de Aguiar, organizaram o segundo
Extensão da universidade, Leila Cha-
Não por outra razão, Leila Chalub- volume do que veio a se tornar uma
lub-Martins, é enfática na afirmação
Martins, no texto citado, faz afirma- série, intitulado Introdução Crítica ao
dessa identidade: “Muito mais do
ção categórica do vínculo identitário Direito do Trabalho, vol 2 (1993). Des-
que dirigir leitores deste livro, apon-
entre a concepção ordenadora de O tinado aos advogados e advogadas
tando-lhes o que há para ler, apro-
Direito Achado na Rua e a utopia ori- das centrais sindicais e dos sistemas
veito o espaço para considerar o que
ginária da UnB: “O Direito Achado na de apoio jurídico e formação político-
aprendemos, a comunidade da UnB,
Rua, a meu juízo, foi a primeira e mais -profissional, juízes trabalhistas, pro-
com o trabalho da extensão realiza-
significativa iniciativa intelectual, no curadores e membros do Ministério
do ao longo dos últimos 20 anos, em
sentido de responder ao que cobrava Público, além de professores e estu-
grande medida incentivados pelo que
Darcy Ribeiro, no momento do ‘renas- dantes de direito, o curso deu ênfa-
acontecia na Faculdade de Direito e
cimento’ da Universidade de Brasília”. se à abordagem interdisciplinar do
o seu ‘Direito Achado na Rua’”. mundo do trabalho, tendo como foco
Este projeto, cuja fortuna crítica a organização dos trabalhadores e
hoje tem impacto nacional e inter- PRESSUPOSTOS TEÓRICOS trabalhadoras na luta por seus direi-
nacional, como se poderá consta- DO DIREITO ACHADO NA RUA tos. Cabe ressaltar que durante este
tar ao longo deste artigo, abriga período, a divulgação e o impacto das
em seu núcleo epistemológico, a O Direito Achado na Rua surge como ideias contidas na linha teórica de O
representação do que, Boaventura corrente crítica de pensamento jurí- Direito Achado na Rua tiveram uma
de Sousa Santos, a ele referindo-se, dico na obra de Roberto Lyra Filho, repercussão na esfera acadêmica e
caracteriza como “a teorização hoje professor da Faculdade de Direito da foram utilizados em trabalhos de pós-
dominante dos programas de exten- Universidade de Brasília na década -graduação em todo o país, sobretu-
são universitária”, para revelar “os de 1980. Esta vertente se consoli- do na Universidade de Brasília. Nes-
limites de abertura da universidade dou em um movimento denominado se momento, o trabalho acadêmico
à comunidade e dos objectivos que Nova Escola Jurídica Brasileira – NAIR ali desenvolvido já era reconhecido
lhe subjazem (SANTOS, 2002). , corrente teórica crítica do direito como uma corrente de pensamento
Para essa caracterização Sousa brasileiro (WOLKMER, 2001). Após a sobre o direito, com características e
Santos alude ao contexto de compro- morte de Roberto Lyra Filho em 1986, especificidades próprias.
misso social desenvolvido no âmbito o professor José Geraldo Sousa Jú- José Geraldo de Sousa Júnior, junta-
universitário para mediar o processo nior deu continuidade ao trabalho mente com Mônica Molina Castanha
de aprofundamento democrático vi- iniciado na Universidade de Brasília e o desembargador federal Fernando
venciado em países da América Lati- e elaborou um curso de educação à Tourinho Neto, elaboraram o tercei-
na em conjunturas recentes. No caso distância pelo NEP (Núcleo de Estu- ro volume da série, calcado na luta
do Brasil, que vivenciou fortemente dos para a Paz e os Direitos Huma- do movimento sem-terra pela refor-
essa experiência, o exemplo que o nos), dirigido a advogados e advoga- ma agrária no Brasil, que veio a se
autor português põe em relevo, é das de assessorias jurídicas popula- chamar Introdução Crítica ao Direito

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Agrário (2002). Este volume veio re- volume, da mesma perspectiva que . Dessa maneira, o Direito Achado na
forçar a linha político-epistemológica o Direito Achado na Rua, busca uma Rua se coloca contra a possibilidade
desta corrente de pensamento ao visão social do fenômeno jurídico, o de uma formulação teórica dogmá-
buscar a afirmação e implementação direito sanitário é abordado como tica que preceda a compreensão do
de direitos para os setores excluídos a construção social da saúde, para direito em sua práxis social, pois o
e subalternos da sociedade. além das instituições, ao contrário complexo fenômeno da prática do
Neste momento, a vertente crítica de de uma visão centrada na perspec- direito, além de momento de elabo-
O Direito Achado na Rua já ganhava tiva hospitalar e medicamentosa. No ração teórica, não pode restringir-se
forte consistência teórico-metodoló- momento, a OPAS está viabilizando ao discurso de um grupo seleto que
gica, desenvolvida por um grupo de a reprodução deste volume da série elabora a chamada dogmática (LYRA
pesquisadores e pesquisadoras na em toda a América Latina, traduzido FILHO, 1980).
Universidade de Brasília em interlo- para o espanhol, para alcançar apro- Outro elemento básico na formu-
cução com colegas de todo o país e ximadamente um público de vinte mil lação teórica do Direito Achado na
do exterior. Vários livros foram publi- pessoas, composto por agentes de Rua é a interdisciplinaridade. É
cados a partir desta linha de pensa- saúde, professores e professoras, ju- conhecido o fato da modernidade
mento, obtendo forte repercussão no ízes, membros do Ministério Público e ter criado especializações que se
meio acadêmico e profissional. 1 de conselhos de saúde entre outros. aprofundaram, gerando campos de
Paralelamente à repercussão positi- A concepção teórica de O Direito conhecimento específicos, que por
va, há também uma forte reação por Achado na Rua exige a superação sua vez, tornaram-se disciplinas do
parte de setores conservadores da de algumas visões que, por sua tra- saber científico rigorosamente se-
comunidade acadêmica e da socie- dição no mundo jurídico, aparecem à paradas. Contudo, a realidade não
dade em geral, contrários à perspec- primeira vista como óbvias. A primei- possui essa divisão que foi criada ar-
tiva teórica de que o direito é resulta- ra delas é a separação entre teoria tificialmente pela modernidade, mas
do das lutas sociais, ou seja, nasce e prática, muito comum nos manu- ao contrário, o fenômeno jurídico por
no cotidiano das reivindicações da ais de direito e no cotidiano jurídi- ocorrer na sociedade, necessita dos
sociedade por dignidade e justiça. co, onde está presente a separação olhares das mais diversas disciplinas
Essa repercussão faz-se sentir inclu- entre um momento no qual haveria para sua integral compreensão. Nes-
sive na mídia conservadora, que pas- a elaboração teórica sobre o direito, te sentido, uma combinação de pon-
sa a combater esta corrente teórica sobretudo sob forma dogmática, e tos de vista oriundos da sociologia,
sem que haja um diálogo acadêmico outro, no qual é feita a aplicação do antropologia, ciência política, psico-
consistente. O Direito Achado na Rua direito nesta perspectiva teórica, am- logia, educação, história e economia
ganha, inclusive, espaço institucional bos completamente separados um do é necessária para dar conta da com-
ao ser utilizado como fundamento de outro, a tal ponto de, por vezes, gerar plexidade deste fenômeno .
decisões e de políticas públicas, tan- antagonismo entre uma visão teórica Além disso, diferentes saberes se
to em sua fundamentação, quanto e uma visão prática do direito. cruzam na compreensão da reali-
em oposição às suas idéias. 1 O Direito Achado na Rua questiona dade não-linear que contextualiza o
O quarto volume da série surge essa divisão, na medida em que as- fenômeno jurídico , logo, não é su-
de uma parceria com a Fundação sume não haver teoria sem prática ficiente uma visão hierarquizada e
Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, o Centro e prática sem teoria. Por ser uma ci- compartimentada dos olhares disci-
de Pesquisas de Direito Sanitário – ência social aplicada, fica mais aces- plinares para sua compreensão. Faz-
CEPEDISA-USP e a Universidade de sível ao campo do direito entender se necessária a correlação das dis-
Brasília, por intermédio do Núcleo de que sua formulação teórica é feita a ciplinas para que seja possível uma
Estudos para a Paz e Direitos Huma- partir de e tendo em vista a realidade explicação mais adequada, assim
nos – NEP, patrocinado pela Orga- social, pois se destina a ela e dela é como uma formulação de soluções
nização Panamericana de Saúde – oriunda. De igual forma, toda práti- dos problemas enfrentados na vivên-
OPAS para a elaboração de um curso ca do direito tem uma fundamenta- cia do direito.
de educação a distância com público ção teórica, ainda que o aplicador do Dois aspectos são essenciais para
alvo composto de trabalhadoras e direito ignore-a no momento de sua a prática da interdisciplinaridade no
trabalhadores do direito e da saúde, aplicação. A verdade teórica posta de direito: a sociologia jurídica, tal como
denominado Introdução Crítica ao forma dogmática fere a possibilidade entendida por Roberto Lyra filho, e a
Direito à Saúde, vol. 4 (2008). Neste da construção democrática do direito historicidade do fenômeno jurídico.

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Neste caso, a centralidade da socio- do ponto de vista jurídico. Somente do Acampamento da Telebrasília,
logia jurídica é importante para a ex- após a mobilização do movimento fe- nos anos 1990, como intermediador
plicação e a prática do direito, bem minista e das mulheres em geral con- na efetivação do direito de moradia,
como se deve ter como referência a tra os processos de violência física e inserido definitivamente no sistema
historicidade da construção social psicológica a que milhares foram e de proteção internacional dos direi-
do direito. Ou seja, “o Direito não é; são submetidas diariamente é que tos humanos.
ele se faz, nesse processo histórico foi possível compreender a situação Nesta comunidade, o direito à mora-
de libertação (...). Nasce na rua, no como um problema jurídico. Desde dia era compreendido “não apenas
clamor dos espoliados e oprimidos.” então, teve início a proposição de (como) o direito a um simples teto,
(LYRA FILHO, 1986, p. 312) O Direito mas o direito de morar em um local
soluções para esses problemas, seja
Achado na Rua, ao incorporar a com- adequado, com acesso a serviços bá-
do ponto de vista normativo, com a
plexidade e a interdisciplinaridade, sicos de fornecimento de água trata-
Lei Maria da Penha, seja do ponto de
coloca-se em contraponto com uma da, luz, captação de esgoto, transpor-
vista de políticas públicas, tal como
visão dogmática do direito, e ao que te, pavimentação de ruas, escola, cre-
é feito por meio do atendimento de
Luiz Alberto Warat (1993) denominou che, centro de saúde e áreas de lazer”
vítimas e da realização de campa-
de senso comum teórico dos juristas, (SOUSA JR e COSTA, 1998, P.11).
nhas contra a violência. O Direito
que consiste em um conjunto de A Lei 161/91 que determinou a fixa-
Achado na Rua não compreende o
“representações, imagens, preconcei- ção do Acampamento da Telebrasília,
tos, crenças, ficções, hábitos de cen-
processo histórico como uma dádi- teve sua operacionalização garanti-
sura enunciativa, metáforas, estereó- va do legislador ou das instituições. da pelo Instituto de Desenvolvimen-
tipos e normas éticas que governam e Pelo contrário, só é possível afirmar to Habitacional do DF (IDHAB). Este
disciplinam anonimamente seus atos o Direito a “partir da legítima orga- processo, dividido em etapas, incluiu
de decisão e enunciação (...). Visões,
nização social da liberdade” (LYRA a elaboração do projeto urbanístico, a
fetiches, lembranças, ideias disper-
sas, mentalizações que beiram as FILHO, 1982). realização de mapeamento socioeco-
fronteiras das palavras antes que elas nômico e habitacional das famílias re-
se tornem audíveis e visíveis, mas que DIREITO À MEMÓRIA E À sidentes, realização de obras de infra-
regulam o discurso...”
MORADIA estrutura a cargo do GDF e, ao final,
a entrega dos títulos de permissão
Tendo em consideração esta pers-
A reforma do ensino jurídico realiza- de uso aos moradores como direito
pectiva, o direito não se explica pelo
da no final dos anos 1990, teve como individualizado.A elaboração de 136
sistema normativo, mas está referido
referência os fóruns de discussão recursos jurídicos por parte do Núcleo
à vida humana, logo não pode ser
do ENAJU – Encontro Nacional de permitiu que 250 famílias se fixassem
restrito à explicação do texto legal,
Assessoria Jurídica, onde a partici- com seus títulos garantidos.
mas deve vir associado ao seu con-
pação dos estudantes de Direito em Devido à implementação de seu pro-
texto, ao seu processo histórico e à
trabalhos comunitários de assessoria jeto urbanístico aprovado pelo De-
sua dinâmica social. Assim, é possí-
jurídica se tornou um polo de refle- creto 19. 807, de 23 de novembro de
vel, por exemplo, explicar a igualda-
xão e ação para projetos desenvolvi- 1997, diversas áreas passaram a ter
de de gênero pela luta das mulheres
dos em diferentes partes do país. A destinações diferenciadas de outrora:
organizadas socialmente em torno ressignificação do papel da extensão surgiram novos espaços para uso resi-
da afirmação de seus direitos, ao universitária, articulando trocas com dencial, comercial e de serviços, pra-
longo da história, inclusive revendo e modos de conhecer interdisciplinares ças comunitárias e de atividades de
reafirmando seus direitos após cada socialmente produzidos, estabele- lazer. Com esta nova territorialidade,
conquista. cendo um diálogo entre a universida- os históricos moradores conseguiram
Outro exemplo bastante claro da for- de e os movimentos sociais, permitiu efetivar o seu direito à moradia no DF.
ma de explicação do fenômeno jurídi- a entrada da prática jurídica no pro- Um outro aspecto a ser destacado
co pelo Direito Achado na Rua ocorre jeto emancipatório da realização dos desta experiência de luta pela mo-
na compreensão da problemática da direitos humanos. radia inclui o direito à memória com-
violência contra a mulher. Quando, A experiência do Núcleo de Prática preendida como memória coletiva
até pouco tempo atrás, a própria si- Jurídica e Escritório de Direitos Hu- (HALBWACHS, 1990), constituída
tuação de violência não era proble- manos e Cidadania da Faculdade de por lembranças dispersas que rea-
matizada e muito menos analisada Direito atuou no processo de fixação firmam a identidade e coesão dos

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grupos sociais.Le Goff (1984) com- CEILÂNDIA: MAPA DA CIDA- de uma rede de direitos humanos na
plementa esta ideia com a articula- DANIA. EM REDE NA DEFESA comunidade. Os auxiliares da pes-
ção existente entre memória, clas- DOS DIREITOS HUMANOS quisa foram os alunos da disciplina
ses sociais e poder, atribuindo aos Direitos Humanos e Cidadania do
E NA FORMAÇÃO DO NOVO
indivíduos, grupos e classes sociais NEP/CEAM, ministrada no NPJ da
PROFISSIONAL DO DIREITO
o papel de senhores da memória e Ceilândia, os quais participaram ati-
do esquecimento. Pollack (1989) vamente da proposta e implementa-
Esta proposta surgiu também da par-
finaliza com a referência às memó- ção da investigação. Ao final, foi re-
ceria entre a Faculdade de Direito
rias subterrâneas das culturas mi- alizado o cadastramento de 57 orga-
e a Secretaria de Estado de Direitos
noritárias ou dominadas, formadas nizações civis e estatais da cidade,
Humanos, vinculada ao Ministério da
por lembranças proibidas que são que permaneceu como um banco de
Justiça em 1997, tendo como referên-
transmitidas pelas famílias, associa- dados disponível para consulta das
cia “construir um modelo exemplar de
ções civis e redes de sociabilidade organizações públicas e privadas in-
excelência para a defesa dos direitos
afetiva e política que se contrapõem teressadas em desenvolver trabalho
humanos e da cidadania, a partir das
à memória oficial registrada como com aquela comunidade.
novas exigências de prática jurídica
documento histórico. Os resultados alcançados foram ani-
necessária à formação do novo perfil
A memória do Acampamento da Te- madores: as ONGs e associações de
do profissional do Direito”(MACHADO
lebrasília, antigo acampamento da bairro mostraram-se interessadas
e SOUSA, 1998 , P. 11).
Construtora Camargo Correa, para em partilhar da iniciativa de criação
abrigar operários, criado no final de O objetivo central desse projeto, na de uma rede de defesa dos direitos
1956, inclui a busca de legitimidade linha teórica do Direito Achado na humanos em Ceilândia. Da parte das
do seu pertencimento à sociedade Rua, buscava uma compreensão e ONGs, a ênfase foi dada na troca de
brasiliense como parte integrante reflexão sobre a atuação jurídica de experiências realizadas nesta área,
do seu patrimônio histórico e social novos sujeitos sociais, tendo como entre as diversas entidades, e ao inte-
(MELLO, 1998: 78), cuja associação referência a análise de experiências resse em desenvolver trabalhos com
de moradores se tornou um instru- populares de criação de direitos em órgãos públicos ou educacionais; no
mento de conquista de direitos. O Ceilândia, ou seja: 1. delimitar o es- caso das associações de bairro, as
resgate da memória subterrânea paço político das práticas sociais prioridades apontadas incluíam a
desta comunidade se deu neste que enunciavam direitos; 2. conhe- apresentação de suas experiências e
processo de luta pelo seu reconhe- cer a natureza jurídica dos sujeitos a oferta de informações úteis à comu-
cimento como um território urbano coletivos emergentes neste processo nidade.
enraizado na história social e cultu- e 3. sistematizar os dados originados Como resposta geral das organiza-
ral de Brasília. dessas práticas sociais criadoras de ções entrevistadas, a contribuição da
O balanço desta experiência demons- direitos e a partir deles elaborar no- rede de defesa dos direitos humanos
tra a presença de novos significados vas categorias jurídicas na perspec- para a população de Ceilândia seria
partilhados pela equipe universitária tiva do direito como legítima organi- um instrumento capaz de: 1. fomen-
em várias dimensões: a construção zação social da liberdade. tar a ação conjunta das diferentes
da memória da comunidade e sua Com esta perspectiva, foi elaborada organizações; 2. manter a comuni-
identidade coletiva; o caráter multi- uma pesquisa de campo com 35 en- dade mais participativa na questão
disciplinar da equipe voltada para a tidades e grupos da sociedade civil política e de direitos humanos; 3.
consciência de cidadania; a consci- (organizações não governamentais, incorporar as lideranças locais na
ência dos moradores como sujeitos associações de bairro e grupo de rede; 4. atuar como uma instância
de direitos e a compreensão da prá- informação) e organizações esta- informativa, educativa e de assesso-
tica jurídica como momento de refle- tais, tendo em vista conhecer o ano ramento técnico e jurídico no campo
xão em torno do desempenho profis- de fundação, o perfil dos dirigentes, dos direitos humanos e 5. fortale-
sional e da mudança de paradigmas a organização interna e externa , o cer o diálogo entre as organizações
no processo formativo. programa de trabalho e sua vincula- existentes para exercer uma pressão
ção com o campo dos direitos huma- mais efetiva em relação à garantia
nos, as parcerias com o setor público dos direitos humanos.
e privado, assim como a contribuição Este trabalho de mapeamento das
das organizações para a formação organizações civis e organismos pú-

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blicos voltados para a defesa e cria- Legais Populares e da organização A transversalidade da temática de
ção de novos direitos foi utilizado não-governamental AGENDE (Ações gênero está ligada à desigualdade
pelo programa Justiça Comunitária em Gênero, Cidadania e Desenvolvi- específica existente na sociedade,
do Tribunal de Justiça do DF, imple- mento). Conta ainda com o apoio de relativa à construção dos papéis so-
mentado em Ceilândia anos depois diversas entidades na realização das ciais desenvolvidos por homens ou
e tem servido como referência para oficinas, em especial, do Fórum de mulheres, a partir do que histórico-
diferentes atividades sociais e cultu- Promotoras Legais Populares do DF culturalmente se diferenciam as con-
rais desenvolvidas na comunidade . constituído por egressas do próprio cepções de feminino e masculino.
curso PLPs/DF. Essa transversalidade deve estar pre-
DIREITOS HUMANOS E GÊ- O curso de Promotoras Legais Popu- sente no curso como um meio de aná-
NERO: PROMOTORAS LEGAIS lares se configura como uma ação lise da realidade e de interpretação
POPULARES afirmativa em gênero, a ser reali- dos direitos humanos. Como defende
zada através da educação jurídica Magendzo (1999), “dizer que o gênero
Vinculado à Faculdade de Direito e popular. O objetivo do projeto é pos- é transversal significa penetrar, desde
à linha de pensamento de O Direito sibilitar que as mulheres, por meio esta ótica, uma série de outros temas
dele, reconheçam a sua autonomia, como, por exemplo, a educação, o tra-
Achado na Rua, o projeto de exten-
enquanto sujeitos, na construção de balho, a política, a literatura, etc (...)
são Direitos Humanos e Gênero:
um direito que contemple as deman- Em outras palavras, atender ao espe-
Promotoras Legais Populares (PLPs
das específicas originadas das rela- cífico, neste caso o gênero, não aten-
DF) atua em duas vertentes: de um
ções desiguais de gênero existentes ta contra a universalidade”.
lado, como um grupo de estudos
na sociedade. No caso das PLPs, busca-se a liber-
multidisciplinares de Gênero e Direi-
Nesse sentido, as oficinas são me- tação das amarras do machismo que
to, e de outro, como uma coordena-
todologicamente pensadas para por séculos aprisionou as mulheres
ção do curso de extensão com esta
possibilitar o empoderamento das ao espaço privado e, por meio desse
denominação.
mulheres e a socialização de conhe- processo educativo, elas se sentem
Em relação à primeira, o grupo de
cimentos a partir da valorização, não empoderadas a liberar a sua voz e
estudos é composto por estudantes
apenas do saber técnico-jurídico ou seus sonhos nos espaços públicos da
de graduação e de mestrado, de di-
acadêmico, mas dos saberes popu- política e realizam, dessa maneira,
ferentes unidades acadêmicas da
lares advindos da experiência e da uma transformação da sua realidade
UnB: direito, antropologia, geografia,
vida cotidiana. e de toda a coletividade. Em resumo,
serviço social e relações internacio-
Dessa forma, o curso e as oficinas o curso de PLPs serve de porta para
nais, e anteriormente, teve em sua
caminham no sentido de propor- que as mulheres saiam de casa para
composição estudantes de educa-
cionar a todas as participantes, um construir os seus direitos na rua.
ção, biblioteconomia e psicologia,
que se organizaram para debater e espaço ativo de fala, onde o direito
refletir o que aprendem na prática positivado é discutido de forma críti- PROJETO UNB / TRIBUNA
extensionista, na coordenação do ca e o conhecimento construído seja DO BRASIL : COLUNA DE O
curso de PLPs/DF. Dessas reflexões, multiplicado, de maneira que as PLPs DIREITO ACHADO NA RUA
foram organizadas duas semanas de contribuam para a diminuição da ex-
debate sobre Gênero e Direito, aber- clusão social, a transformação da Uma outra experiência significativa
tas a toda a comunidade acadêmica, comunidade na qual atuam, tendo o com fundamentação teórica no Di-
além de terem sido publicadas mo- processo de libertação das mulheres reito Achado na Rua, realizada junto
nografias, artigos acadêmicos e uma como meta a ser atingida. ao Núcleo de Prática Jurídica (NPJ)
revista sobre o tema. Assim, a prática educativa deve reco- da Faculdade de Direito, foi a coluna
A coordenação do curso de PLPs/DF nhecer a situação concreta e histórica semanal do jornal Tribuna do Brasil
teve início em 2005 e, atualmente, é que evidenciam as diversidades cultu- do DF. Totalizando mais de uma cen-
uma parceria com o Núcleo de Gê- rais, étnico-raciais, de gênero, orien- tena de artigos e autores, estudan-
nero Pró-Mulher do Ministério Públi- tação sexual, identidade de gênero, tes de graduação sob a supervisão
co do Distrito Federal (MPDFT), mas geracionais, físicas, sensoriais, inte- de alunos da pós-graduação e de
já contou também com as parcerias lectuais e socioambientais, de modo a professores da unidade acadêmica,
do Centro Dandara de Promotoras assegurar o desenvolvimento de pos- tinham como referência as pergun-
turas críticas frente à realidade. tas dos leitores, questões formula-

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das por um coletivo organizado em FD da Universidade de Brasília-UnB, Com a adoção da proposta pela
listas de discussão e demandas de surgiu em março de 2005, a partir comunidade e o efetivo início das
consultoria formuladas nos balcões do seguinte questionamento: como aulas, o Projeto Tororó, que inicial-
de atendimento do NPJ. A disciplina fazer valer nosso direito à educação mente se voltou para a construção
O Direito Achado na Rua – produção para jovens e adultos da comunida- conjunta de bases para a articulação
de textos coordenava este projeto, de? Esta pergunta foi apresentada e mobilização comunitárias rumo à
de modo a manter um amplo deba- aos alunos e professores de direito conscientização e concretização de
te entre os alunos inscritos e outros da Universidade de Brasília por mo- direitos, apresentou a necessidade
participantes de diferentes projetos radores da área rural do Tororó, os de se reformular para acompanhar
de extensão da faculdade. quais, após serem alfabetizados por a nova realidade que se deparava.
O alvo das matérias incluiu temas di- professores voluntários da região, Diante da certeza de que o debate
versos, tais como os direitos dos tra- encontravam-se impedidos de con- entre educação, direito e cidada-
balhadores, das mulheres, dos presi- tinuar os seus estudos por ausência nia deveria continuar, o projeto foi
diários, dos empregados domésticos, de escolas na localidade que ofertas- reconstruído para se inserir dentro
de paternidade, do consumidor, ao sem o programa de Educação para do conteúdo programático do EJA,
passe livre, além de discutir o papel Jovens e Adultos (EJA). no eixo transversal da cidadania.
da defensoria pública e da assistên- Para responder à questão formulada, Baseando-se nos ensinamentos da
cia jurídica aos necessitados, entre foi constituído um grupo de aproxi- linha de pesquisa de O Direito Acha-
outros1. As abordagens adotadas per- madamente 15 membros, entre estu- do na Rua, bem como nas diretrizes
mitiram a tomada de posição por par- dantes, professores, técnicos-admi- da educação popular e nas próprias
te dos alunos-autores em situações nistrativos e colaboradores vincula- reflexões gestadas na primeira fase
jurídicas no limite hermenêutico, tal dos à Faculdade de Direito (FD/UnB) do projeto, criou-se, como estratégia
como ocorreu com a defesa do argu- e ao programa de pós-graduação da de atuação junto à comunidade do
mento da possibilidade constitucional Faculdade de Educação (FE/UnB). Tororó, círculos de cidadania, tendo
de progressão de regime de pena de O grupo, assim que constituído, ini- como inspiração os círculos de cultu-
preso condenado por crime hediondo ciou uma série de encontros com a ra de Paulo Freire.
e quando sustentaram a razoabilida- comunidade do Tororó, objetivando Esses círculos constituíram-se pro-
de jurídica, contra legem, da união es- dimensionar, de um lado, o contexto posta metodológica que buscava a
tável entre pessoas do mesmo sexo. e as expectativas da comunidade e, possibilidade de todos se percebe-
O propósito principal estava voltado de outro, as possibilidades reais de rem dentro de uma relação horizon-
para o exercício de habilidades para atuação do grupo. tal de troca e construção conjunta de
um desempenho de consultoria e de Como resultado desses encontros, conhecimento. Nessa dinâmica, as
produção de textos, de modo a incenti- foram construídas algumas vias prin- práticas eram pautadas no diálogo e
var a emergência de uma consciência cipais de atuação dentre as quais, a no reconhecimento de si como pes-
crítica para uma cultura de cidadania que obteve mais destaque, foi aquela soa e sujeito de direito, tornando-se
e de protagonismo democrático. referente à proposta de negociação e todos, simultaneamente, educadores
O impacto deste projeto extrapolou os pressão junto à Secretaria de Educa- e educandos.
limites da universidade, com comentá- ção do Distrito Federal. Após a elabo- É preciso ressaltar que toda a traje-
rios de deputados distritais na tribuna ração de abaixo-assinado e diversas tória do Projeto Tororó foi orientada
da Câmara Legislativa do DF e, inclu- reuniões com autoridades compe- pela matriz epistemológica de O Di-
sive, o recebimento pela Faculdade de tentes, que ora ofertavam matrículas reito Achado na Rua, ou seja, a re-
Direito de medalha da Ordem do Mé- em escolas próximas, mas não se alidade política e social dos atores
rito do Judiciário do Trabalho (TST), comprometiam com a disponibiliza- envolvidos foi compreendida como
devido à relevância do trabalho. ção de transporte, ora declaravam a fator fundamental na elaboração de
impossibilidade de se realizar matrí- novas categorias jurídicas, voltadas
A EXPERIÊNCIA DA COMUNI- culas no ano de 2005, foi encontrada para a construção de uma sociedade
DADE DO TORORÓ a seguinte solução: trazer a escola mais justa e igualitária.
até a comunidade. Para tanto, o sa- Por essa razão, não foi alvo do pro-
O Projeto de Extensão Tororó1 , vin- lão paroquial da Igreja da região foi jeto a prestação de uma mera assis-
culado ao Núcleo de Práticas Jurídi- transformado em anexo da Escola tência judiciária, descomprometida
cas (NPJ) da Faculdade de Direito- Classe Agrovila de São Sebastião. com a emancipação da comunidade

49
titular do direito. Ao contrário, foi desse consórcio, com a responsabi- merecem destaque, como a impor-
proposto a realização de uma asses- lidade de desenvolver uma pesquisa tância do uso cidadão dos meios de
soria jurídica inovadora, que, além centrada no “Alargamento da noção comunicação de massa como estra-
de instrumentalizar as necessidades de acesso à justiça e identificação tégia de acesso à justiça, bem como
da comunidade, fosse comprome- de experiências não convencionais a sensibilização dos operadores
tida com a sua organização e com de criação e distribuição do direito de direito e a conscientização dos
a afirmação das subjetividades do a partir do protagonismo dos movi- membros dos grupos sociais vulne-
grupo, incentivando a descoberta e mentos sociais”. ráveis acerca das violações de direi-
a construção de sujeitos de direito. As finalidades do trabalho desse gru- tos. Finalmente, pontua-se a ideia
A concepção de direito seguida pelo po incluíam três aspectos: 1. contri- da necessidade de reconhecimento
projeto ganhou um sentido pedagó-
buir para um alargamento teórico e das iniciativas de mediação comu-
gico, que permitiu o acolhimento das
empírico da noção de acesso à jus- nitária por justiça e de acesso à jus-
demandas comunitárias e o trato
tiça; 2. identificar experiências não tiça como contraponto à cooptação
do fenômeno jurídico, a partir de um
convencionais de criação e distri- ou absorção das comunidades pelos
processo de aprendizagem dialógico,
buição do direito a partir do prota- modelos e práticas estatais.
horizontal e emancipatório.
gonismo dos movimentos sociais e
Uma análise mais detalhada e críti-
ca dessa experiência foi desenvolvi- 3. analisar os sentidos emergentes EDUCAÇÃO POPULAR
da no livro organizado por Alexandre dessas experiências, situando-os no E DIREITOS HUMANOS:
B. Costa (2007), da qual podem ser contexto de consolidação da demo- CAPACITAÇÃO DE ATORES
extraídas algumas conclusões preli- cracia brasileira. SOCIAIS NO DISTRITO
Os resultados desse trabalho rea-
minares: 1. a relevância do trabalho FEDERAL E ESTADO DE GOIÁS
de O Direito Achado na Rua com lizado por meio de entrevistas com
grupos sociais que ainda não pos- 19 representantes de movimentos,
Este projeto, em andamento, visa a
suem a consciência de sua condição redes e organizações da socieda-
capacitação de 500 atores sociais re-
coletiva de direitos; a experiência da de civil, geralmente silenciados por presentantes da sociedade civil orga-
comunidade do Tororó como fonte e uma concepção restrita de justiça nizada, residentes em comunidades
estímulo para a ação no campo da e de acesso à justiça, podem ser caracterizadas pela vulnerabilidade
assessoria jurídica popular e, final- articulados em alguns pontos para social, localizadas no Distrito Federal
mente, 3. a dimensão pedagógica reflexão (SOUSA JR, J.G; SILVA, F. e no Estado de Goiás. A ideia central
oriunda desta vertente teórica que de S.; PAIXÃO, C.; MIRANDA, A. A., é contribuir para o fortalecimento de
permitiu o exercício do diálogo frei- 2009, p. 21-22). O primeiro, registra suas formas organizativas por meio
riano e de uma experiência de as- a importância do respeito às tempo- da educação popular, objetivando a
sessoria popular emancipatória. ralidades democráticas pelo Poder constituição de núcleos comunitários
Judiciário, ou seja, a dissonância de direitos humanos. Nesse sentido,
OBSERVATÓRIO existente entre a formulação de de- a proposta afirma a educação popu-
PERMANENTE DA JUSTIÇA mandas e a tomada de decisões por lar como uma ferramenta indutora
BRASILEIRA parte dos diferentes sujeitos coleti- dos direitos humanos, da autonomia
vos da sociedade civil e a temporali- e da emancipação dos sujeitos en-
Com o apoio do Programa das Na- dade normatizada dos processos ad- volvidos nesse processo.
ções Unidas para o Desenvolvimento ministrativos ou judiciais. Em segun- A concepção de educação popular
(PNUD), projeto BRA/07/004 e por do, a necessidade de fortalecimento que permeia o projeto, implica sua
iniciativa da Secretaria de Assuntos das instâncias comunitárias e do integração em um conjunto mais
Legislativos do Ministério da Justiça reconhecimento das demandas dos amplo de atividades educativas, cul-
(SAL), foi realizado em 2008 um con- diferentes grupos ou movimentos turais e pedagógicas (ALFONSIN,
sórcio entre as Faculdades de Direito sociais como demandas coletivas. 2005, p.1), buscando a superação
da Universidade de Brasília e da Uni- Em terceiro, a necessidade desses das desigualdades sociais, assim
versidade Federal do Rio de Janeiro, sujeitos coletivos de direitos (grupos como sua operacionalização por in-
com o objetivo de elaborar um pro- sociais vulneráveis) serem informa- termédio da práxis sobre o saber, a
jeto do Observatório Permanente da dos acerca dos direitos humanos por universidade, sua estrutura e sua
Justiça Brasileira. A equipe do Direito meio de um processo educativo. função, possibilita que a educação
Achado na Rua participou do Grupo 1 Além desses três pontos, outros popular seja instrumento indispensá-

50
vel à produção de um saber emanci- Sem perder sua face extensionista,
patório e contextualizado com o seu seu horizonte de sentido, lembram
tempo e espaço. Lívia Gimenes Dias Fonseca e Rena-
Este projeto concretiza duas ações ta Cristina Costa (UnB, 2010) está em
programáticas do Plano Nacional não perder de vista orientar projetos
de Educação em Direitos Humanos que protagonizem ações que visem
(2006) comprometidas com a for- a alterar e superar a realidade de in-
mação permanente da população, justiças sociais presentes em nossa
especialmente de lideranças co- sociedade: “Como instrumento de al-
munitárias, nesta área específica1. teração desse quadro, os projetos de
Além disso, propõe a capacitação de Educação Jurídica Popular, como as
agentes multiplicadores capazes de Promotoras Legais Populares, bus-
assumir projetos na área da educa- ca ser um espaço de diálogo entre o
ção em direitos humanos em temas conhecimento popular e acadêmico
de educação popular. com o objetivo de construir uma no-
Essa proposta também se articula ção de direito que sirva à transforma-
com o Programa Nacional de Direitos ção dessa realidade de opressão”.
Humanos 3, instituído pelo Decreto Assim, está em preparo um novo vo-
7.037/2009, que consolida a pers- lume da Série O Direito Achado na
pectiva do reconhecimento da edu- Rua, voltado para capacitação de
cação não formal, também reconhe- Promotoras Legais Populares, proje-
cida como educação popular, como to descrito neste artigo, mostrando,
política pública norteadora de ações diz Carolina Pereira Tokarski UnB,
capazes de tornar a educação um 2010) que “a busca por um Direito
espaço de defesa e promoção dos di- Achado na Rua só está começan-
reitos humanos. O Programa afirma do”. O que essa busca representa é o
o compromisso do Estado brasileiro inserir-se num conjunto de experiên-
de incentivar e apoiar iniciativas de cias, como a de O Direito Achado na
educação popular em direitos huma- Rua assinalada expressamente por
nos, desenvolvidas por organizações Boaventura de Sousa Santos (2007),
comunitárias, movimentos sociais, entre as que resistem e abrem novas
organizações não governamentais e possibilidades de formação contra-
outros agentes organizados da so- hegemônicas para forçar o que ele
ciedade civil, além de apoiar e incen- denomina de revolução democrática
tivar a capacitação de agentes multi- da justiça 1.
plicadores para atuar em projetos de Ao fim e ao cabo, trata-se, como
educação em direitos humanos2. muito bem mostra o mais importante
constitucionalista português J. J. Go-
ABRINDO PERSPECTIVAS mes Canotilho (1998), de recuperar o
PARA OUTROS MODOS DE “impulso dialógico e crítico que hoje
DETERMINAÇÃO DA JUSTIÇA é fornecido pelas teorias políticas
E DO DIREITO da justiça e pelas teorias críticas da
sociedade”, por meio de “compromis-
O Direito Achado na Rua, como ex- sos com formas alternativas do direi-
periência de extensão universitária, to oficial como a do chamado direito
não se esgota no catálogo das prá- achado na rua, compreendendo nes-
ticas que aqui foram relacionadas e ta última expressão, um importante
descritas. No arranque de sua con- movimento teórico-prático centrado
cepção ele fundamenta novas pro- no Brasil e na UnB”, para abrir-se a
posições e orienta a formulação de “outros modos de compreender as
novos projetos. regras jurídicas”.

51
NOTAS

Roberto Lyra Filho (1986) utilizou a expressão “direito achado na rua” baseando-se em Marx: “Kant e Fitche buscavam o país distante, / pelo
gosto de andar lá no mundo da lua, / mas eu tento só ver, sem viés deformante,/ o que pude encontrar bem no meio da rua”.

2
SOUSA JR., José Geraldo. Movimentos sociais e práticas instituintes de direito.Perspectivas para a pesquisa sócio-jurídica no Brasil.Coimbra:
Boletim da Faculdade de Direito no. 6, Portugal, 1999/2000; SOUSA JR., José Geraldo.Sociologia jurídica: condições sociais e possibilidades
teóricas.Porto Alegre: Sérgio A. Fabris, 2002; NOLETO, Mauro de A. Subjetividade jurídica.A titularidade de direitos em perspectiva eman-
cipatória.Porto Alegre: Sérgio A. Fabris, 1998.;PORTO, Inês da F.Ensino jurídico, diálogos com a imaginação.Construção do projeto didático
no ensino jurídico.Porto Alegre: Sérgop A. Fabris, 1998; APOSTOLOVA, Bistra.Poder Judiciário: do moderno ao contemporâneo.Porto /alegre:
Sérgio A. Fabris, 1998.

3
GUSTIN, Miracy B. Sousa. (Re)pensando a inserção da universidade na sociedade brasileira atual.In:SOUSA JR. , José Geraldo et al. Educan-
do para os direitos humanos: pautas pedagógicas para a cidadania na universidade.Porto alegre: Síntese, 2004; Projeto Pólos de Cidadania
coordenado pela profa. da UFMG Miracy B. Sousa; Projetos do PET- Faculdade de Direito da UnB; ,fundamento de políticas públicas, tal como
a concepção do Observatório Permanente da Justiça Brasileira do Ministério da Justiça (Observatório da Justiça, 2009) e fundamento para
decisões importantes dos tribunais superiores, inclusive no STF.

4
Diversos artigos selecionados que foram publicados na coluna O Direito Achado na Rua da Tribuna do Brasil foram publicados em SOUSA
JR, José Geraldo; COSTA, Alexandre B.; MAIA FILHO, Mamede S. (orgs.) A prática jurídica na UnB: reconhecer para emancipar. brasília: Univer-
sidade de Brasília/Faculdade de Direito, 2007

5
Uma análise mais crítica dessa experiência foi desenvolvida em trabalho coletivo de PINHEIRO, Carolina de M; PASSOS, Luisa de M. X. dos;
BENÍCIO, Miliane N. M.; BICALHO, Mariana de F.Eu, sujeito de direitos?Me conta essa história, p. 123-169, para o livro organizado por Alexan-
dre B. Costa A experiência de extensão universitária na Faculdade de Direito / UnB, Coleção “ O que se pensa na Colina”, vol. 3, 2007

6
Ação programática 2 : “ investir na promoção de programas e iniciativas de formação e capacitação permanente da população sobre a com-
preensão dos direitos humanos e suas formas de proteção e eetivação; Ação programática 4: “ apoiar e promover a capacitação de agentes
multiplicadores para atuarem em projetos de educação em direitos humanos nos processos de alfabetização, educação de jovens e adultos,
educação popular, orientação de acesso à justiça, atendimento educacional especializado às pessoas com necessidades educacionais espe-
ciais, entre outros. PNEDH (2006, p. 45).

7
PNDH 3, diretriz 20, objetivo estratégico I, ação programática b : apoiar iniciativas de educação popular em Direitos Humanos desenvol-
vidas por organizações comunitárias, movimentos sociais, organizações não governamentais e outros agentes organizados da sociedade
civil. Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Secretaria Especial de Políticas de Promoção
da Igualdade Racial da Presidência da República; Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República; Ministério
da Cultura; Ministério da Justiça; c) Apoiar e promover a capacitação de agentes multiplicadores para atuarem em projetos de educação em
Direitos Humanos. Responsável: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.

8
Para uma revolução democrática da Justiça, Cortez Editora, Coleção Questões da Nossa Época, 134, São Paulo, 2007.

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Nair Heloísa Bicalho de Sousa é professora doutora, coor-


denadora do Núcleo de Estudos da Paz e Direitos Huma-
nos (NEP/CEAM/UnB) e atuante na linha de pesquisa Direito
Achado na Rua, nair.bicalho@gmail.com .

Alexandre Bernardino Costa é professor doutor, Adjunto, da


Faculdade de Direito da UnB, atuante na linha de pesquisa
Direito Achado na Rua e coordenador do Projeto de extensao
Universitários vão à escola-UVE, abc.alexandre@gmail.com

Lívia Gimenes Dias da Fonseca é mestranda em Direito na UnB,


integra a equipe de coordenação do projeto Promotoras Legais
Populares do Distrito Federal (PLPs/DF) ,atuante na linha de
pesquisa O Direito Achado na Rua, liviagdf@gmail.com .

Mariana de Faria Bicalho é graduada em Direito pela UnB e


membro do grupo de pesquisa do Cnpq, O Direito Achado
na Rua, mfbicalho@gmail.com.

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