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VII COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX E ENGELS

(GT 2 – OS MARXISMOS)

REVISITANDO O MARXISMO DE ERNEST MANDEL

Nelson Nei Granato Neto


(Mestrando - UFPR)1

1.INTRODUÇÃO
Karl Marx inaugurou no século XIX uma vertente de teóricos que ousam fazer um
estudo crítico do capitalismo, apontando novos caminhos. O grande continuador dessa obra
no século XX foi Vladmir Lênin, que conseguiu aliar teoria e prática, e liderou a primeira
experiência de superação do capitalismo: a Revolução Russa. Mas esta se degenerou no
burocratismo com o seu sucessor, Stálin. Isso fez com que, muitas vezes, os teóricos
marxistas se perdessem ou no revisionismo, ou no apoio cego ao stalinismo. Entretanto,
alguns teóricos conseguiram resgatar a tradição marxista e fizeram estudos críticos do
capitalismo e do socialismo degenerado do século XX, essa tradição tem como um dos
expoentes Ernest Mandel.
Ernest Mandel foi um economista marxista, alemão de nascimento (1923) e radicado
na Bélgica, onde morreu em 1995. Suas principais influências intelectuais são, em primeiro
lugar, o próprio Karl Marx, cuja obra foi objeto de estudo de Mandel; Rosa Luxemburgo, que
exerceu grande influência sobre seu pensamento político, como a sua defesa da revolução e da
democracia socialista; e Leon Trotsky, o primeiro grande crítico do stalinismo e fundador da
IV Internacional, da qual Mandel foi dirigente e principal teórico entre os anos 1950 e 1990.
Mandel é autor de vasta obra que abrange não só a teoria econômica marxista, como também
a teoria política marxista; e grande parte de suas obras tem um cunho didático, dirigido aos
trabalhadores para a sua formação e conscientização. Mandel foi um estudioso sistemático do
capitalismo do seu tempo, período que denominou de 'capitalismo tardio'2, que não se limitou
a uma análise meramente econômica, levando também em consideração a luta de classes.
Além do conceito de 'capitalismo tardio', Mandel tem outras contribuições ao
marxismo, sendo a principal a teoria marxista das ondas longas do desenvolvimento
capitalista, que trata dos longos períodos históricos do capitalismo de expansão e

1
Mestrando em Desenvolvimento Econômico na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
E-mail de contato: nelson.granato@hotmail.com
2
A denominação se deve a saturação do modo de produção capitalista no pós-guerra, é um período de crise da
fase imperialista do capitalismo, isso será melhor explicado posteriormente.
2

enfraquecimento da acumulação de capital. Há também a crítica à tese da tendência do


empobrecimento absoluto da classe trabalhadora, o estudo da evolução do trabalho manual
para o intelectual no capitalismo; além da teoria da inflação permanente, que aborda o
problema da política econômica no capitalismo pós-guerra.
Assim, o objetivo geral deste artigo é revisitar as contribuições de Ernest Mandel ao
marxismo. Para isto serão apresentados uma pequena biografia intelectual dele (seção 2) e
suas principais contribuições à teoria econômica marxista (seção 3), ao final, na seção 4, serão
feitas algumas considerações finais. E assim este artigo cumpre sua missão, que é a de
contribuir para a divulgação da teoria de Mandel, hoje praticamente esquecida nos meios
acadêmicos.

2. ASPECTOS BIOGRÁFICOS, INFLUÊNCIAS INTELECTUAIS E PRODUÇÃO


BIBLIOGRÁFICA DE ERNEST MANDEL
Ernest Mandel nasceu em Frankfurt, Alemanha, em 1923 em uma família de judeus
poloneses. Devido ao envolvimento político nos movimentos socialistas do pai de Mandel, a
família se estabelece na Bélgica em 1928, onde Mandel permaneceu o resto da vida. O jovem
Ernest Mandel foi criado em um ambiente politizado: a casa de sua família era ponto de
encontro de refugiados políticos socialistas da Europa. Ele ingressou no IV Internacional aos
16 anos, e durante a II Guerra Mundial escreveu textos, sob o pseudônimo de Ernest Germain,
incitando os soldados alemães a abandonarem suas tropas e lutarem pelo socialismo; em 1944
é capturado pelos nazistas, felizmente consegue sobreviver à guerra.
Em 1952 torna-se dirigente da IV Internacional, junto com Michel Pablo, e torna-se
seu mais destacado intelectual. A IV Internacional é uma organização mundial de partidos e
movimentos operários fundada no México em 1938 por Leon Trotsky, um dos líderes da
Revolução Russa. Esta organização nasceu da crítica ao stalinismo, mas mantendo o caráter
revolucionário socialista. Trotsky morreu em 1940 (assassinato a mando de Stálin), e a IV
Internacional ficou órfã de seu quadro mais bem preparado politicamente, sendo isso uma das
principais causas da sua grande fragmentação a partir dos anos 1950. Das diversas frações da
IV Internacional, Mandel foi o líder da organização Secretariado Unificado, que existe até
hoje.
Mesmo com grande produção intelectual, Ernest Mandel nunca se afastou da
militância socialista, tendo atuado no movimento operário europeu e nos “novos movimentos
sociais” em especial o movimento estudantil, feminista e ambientalista na Europa, sempre
com a mensagem da revolução socialista. Devido à sua militância, entre os anos 1960 e 1980
3

Mandel foi proibido de entrar em muitos países capitalistas ocidentais por ser um
revolucionário socialista; e também em países comunistas por ser trotskista e crítico do
stalinismo. Mesmo em seu país, a Bélgica, Mandel sofreu perseguições: foi expulso do
Partido Socialista Belga nos anos 1950, e diante disso fundou o Partido Socialista Operário.
Como guardião da tradição trotskista, Mandel não deixou a sua militância para trás
nem mesmo com o colapso do socialismo soviético no final dos anos 1980. Para Mandel isso
era um resultado inevitável, já que os regimes que existiam na União Soviética e Europa
Oriental tratavam-se de degenerações burocráticas do socialismo (MANDEL, 1989). Mandel
continuou na militância política pelo socialismo até a sua morte em 1995.
Sobre as suas influências intelectuais, podemos destacar três teóricos: Karl Marx, Rosa
Luxemburgo e Leon Trotsky. Sobre a influência de Marx, pode-se dizer que Ernest Mandel
foi um dos poucos teóricos que tentaram fazer uma análise do capitalismo em seus múltiplos
aspectos (econômico, político, ideológico,...); ele conseguiu isso resgatando o conceito
fundamental de Marx que é a luta de classes, visível, por exemplo, na importância que esta
tem como desencadeador das ondas longas em sua teoria. Apesar da influência de Marx sobre
Mandel ser muito maior do que esse aspecto, pode-se destacá-lo como o principal: Mandel é
um continuador do método de Marx ao estudar a história da humanidade em seus múltiplos
aspectos a partir da perspectiva da luta de classes.
A influência de Rosa Luxemburgo sobre Mandel é principalmente política. Rosa
Luxemburgo já era crítica do burocratismo e do centralismo do Partido Bolchevique desde
antes da Revolução Russa, para ela socialismo e democracia não existem separados. Apesar
das críticas de Mandel às teorias subconsumistas e de empobrecimento absoluto da classe
trabalhadora de Luxemburgo, ele sempre declarou admiração por ela, sendo um dos grandes
estudiosos da obra desta3.
De Leon Trotsky, Mandel absorve a sua crítica ao stalinismo sem abandonar a luta
pelo socialismo; a teoria da revolução permanente4 é a origem da teoria do mercado mundial
que Mandel esboça em 'O Capitalismo Tardio'; além disso, a crítica de Trotsky a Kondratiev
exposta em 'A Curva do Desenvolvimento Capitalista' (TROTSKY, 2008) é o ponto de
partida para Mandel elaborar a sua teoria das ondas longas do desenvolvimento capitalista.

3
Como bem atesta o prefácio à Introdução à Economia Política de Rosa Luxemburgo (1978), cuja autoria é de
Ernest Mandel.
4
Teoria trotskista segundo a qual as revoluções proletárias, independentemente do estágio do desenvolvimento
capitalista do lugar onde ocorre, têm um caráter socialista mesmo com a necessidade de cumprir tarefas de uma
revolução tipicamente burguesa como a reforma agrária (TROTSKY, 2007).
4

A produção bibliográfica de Mandel é muito extensa, neste artigo consegue-se apenas


citar e comentar algumas de suas principais obras. Muitas delas têm um caráter didático,
dirigidas à formação política da classe trabalhadora, dentre elas a de maior destaque é a
'Introdução ao marxismo' que em 16 capítulos oferece um panorama da teoria marxista em
seus aspectos econômico, político, histórico e metodológico em uma linguagem muito
acessível, um verdadeiro manual para iniciantes no marxismo (MANDEL, 1982). Isso,
entretanto, não significa que Mandel era pouco rigoroso como teórico marxista.
O rigor de Ernest Mandel como teórico já se manifestava em suas primeiras obras
como 'Tratado de Economia Marxista' e 'Formação do Pensamento Econômico de Karl Marx'.
Em 'Tratado de Economia Marxista', Mandel aborda todos os aspectos mais importantes do
capitalismo sem fazer citações dos principais autores marxistas, evitando até mesmo citar
Marx; o objetivo de Mandel era mostrar o quanto a é válido aplicar o método marxista na
economia, sem a necessidade do uso de citações como argumentos de autoridade (MANDEL,
1969). Em 'Formação do Pensamento Econômico de Karl Marx', Mandel mostra passo a passo
como Marx foi construindo seus conceitos (como valor-trabalho e alienação) desde os
primeiros escritos da juventude até a redação de 'O Capital' (MANDEL, 1968).
Ernest Mandel atinge a maturidade intelectual em 'O Capitalismo Tardio', onde estão
expostas todas as suas principais contribuições à teoria econômica marxista. Devido à sua
teoria das ondas longas Mandel recebeu o Prêmio Alfred Marshall da Universidade de
Cambridge em 1978, na ocasião proferiu uma série de palestras sobre o tema, que é a base de
outro importante livro seu, o 'Ondas Longas do Desenvolvimento Capitalista '.

3. CONTRIBUIÇÕES DE MANDEL À TEORIA ECONOMICA MARXISTA.


De todas as contribuições de Ernest Mandel à teoria econômica marxista, destacam-se
cinco: a crítica à tese de empobrecimento absoluto da classe trabalhadora, a progressão do
trabalho manual para o trabalho intelectual no capitalismo, a teoria marxista das ondas longas,
o conceito de capitalismo tardio e a teoria da inflação permanente. Aqui serão expostos
resumos dessas contribuições.
Mandel critica a tese de muitos economistas marxistas que diziam haver uma
tendência ao empobrecimento absoluto da classe trabalhadora no capitalismo, como Rosa
Luxemburgo (1978). Mandel (1985) dizia que não há tendência de queda absoluta dos salários
na teoria marxista; há sim uma tendência de queda relativa (quantia de valor) dos salários ao
longo do tempo, ainda que os salários tenham a tendência de aumentar em termos absolutos
(quantia de valores de uso) ao longo do tempo. Isso ocorre porque o capitalismo precisa
5

expandir o consumo ao longo do tempo para poder realizar mais-valia crescentemente, a


transformação do capitalismo em uma 'sociedade do consumo' é uma conseqüência disso.
Ademais, os trabalhadores podem incorporar novas mercadorias a sua cesta de
subsistência, devido a concessões da burguesia conforme exige a conjuntura da luta de
classes; com isso, o padrão de vida e o nível cultural da classe trabalhadora se elevam ainda
sob o capitalismo, fenômeno que Mandel intitulou de “função civilizatória do capital”
(MANDEL, 1985, p. 276). Entretanto, essa expansão da sociedade do consumo prejudica a
própria existência do ser humano na Terra, devido à produção de mercadorias que prejudicam
a saúde e degradam o meio ambiente (MANDEL, 1985).
Outra contribuição de Mandel à teoria econômica marxista é o estudo do fenômeno da
evolução do trabalho manual para o intelectual no capitalismo. Isso ocorre, segundo Mandel,
devido ao uso intensivo da automação e da aceleração da inovação tecnológica no atual
estágio do capitalismo – o capitalismo tardio. Estes dois fenômenos fazem com que haja uma
maior necessidade de trabalhadores intelectuais, o que, segundo Mandel, baseado no 'Capítulo
VI inédito do Capital', é trabalho produtivo (que produz mais-valia). Essa necessidade
crescente por trabalho intelectual faz com que as universidades públicas tenham um papel
importante no capitalismo, sendo cada vez mais necessário a educação estar a serviço do
capital (MANDEL,1985). E a integração do trabalho intelectual ao processo de produção
também é acompanhada de sua integração nas instituições superestruturais e na administração
das forças produtivas (MANDEL, 1985).
A maior de todas as contribuições de Mandel à teoria econômica como um todo5 é a
teoria marxista das ondas longas do desenvolvimento capitalista. Ele construiu a sua teoria
das ondas longas a partir da lei da tendência de queda da taxa média de lucro, que foi
formulada por Karl Marx (2008) no livro III de “O Capital”. As ondas longas refletem as
tendências ora de ascensão e estabilidade, ora de queda da taxa média de lucro no capitalismo,
com as conseqüentes expansão e enfraquecimento das forças produtivas, com duração
aproximada de 20 a 25 anos.
A idéia original das ondas longas é de Kondratiev (2012), que associou a duração das
ondas longas aos bens de capital de longa duração (MANDEL, 1985). Em resposta a
Kondratiev, Trotsky rejeita a idéia de que os pontos de inflexão das ondas longas são
mecânicos, ele propunha que esses pontos de inflexão fossem estudados como produtos

5
Vale lembrar que essa contribuição lhe rendeu o Prêmio Alfred Marshall da Universidade de Cambridge (Reino
Unido) em 1978.
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históricos do capitalismo, frutos de fases históricas diferentes do capitalismo (TROTSKY,


2008). Mandel fez a síntese da crítica de Trotsky a Kondratiev.
Mandel chegou às ondas longas a partir do estudo dos ciclos de rotações de Marx, isso
da seguinte forma: durante a fase de crise dos ciclos de rotações ocorre um subinvestimento
de capital que proporciona condições de recuperação e saída da crise; com a taxa de lucro em
queda (onda longa de enfraquecimento) ocorre um período de subinvestimento prolongado
que é interrompido com um aumento súbito da taxa média de lucro, que, se for uma ascensão
estável, devido a força de ação dos fatores contrários à queda da taxa de lucro, dá início a um
longo período de expansão do capitalismo (onda longa expansiva) que permite a aplicação de
novas tecnologias na produção (ocorre uma revolução tecnológica). Durante a onda longa
expansiva, os períodos de crescimento são vigorosos e as crises são amenas.
Esse aumento da taxa média de lucro ocorre, segundo Mandel (1985), por fatores
exógenos à acumulação capitalista, tais como: 1) diminuição súbita da composição orgânica
do capital, 2) aumento súbito da taxa de mais-valia; 3) diminuição súbita do preço dos
componentes do capital constante; 4) diminuição súbita do tempo de rotação do capital
circulante. Para que esses fatores exógenos ocorram, os desfechos da luta de classes com
grandes derrotas para a classe trabalhadora são fundamentais: Segundo Mandel, a aparição de
uma nova onda longa expansiva não pode ser um resultado endógeno (mais ou menos
espontâneo, mecânico, autônomo) da onda longa depressiva precedente, qualquer que seja a
duração e a gravidade desta. Para Mandel as ondas longas são resultado direto dos resultados
decisivos na luta de classes (MANDEL, 1986), isto é o que lhe permite dizer que longe de
serem meros ciclos longos da economia as ondas longas são, na verdade, períodos históricos
específicos do capitalismo:

As ondas longas não são somente empiricamente demonstráveis. [...] Elas


representam realidades históricas, segmentos da história global do modo de
produção capitalista que possuem umas quebras claramente distintivas. Por
essa mesma razão são de duração irregular. A explicação marxista das
ondas longas, através de sua mistura peculiar dos fatores econômicos
endógenos, as mudanças ambientais exógenas e a forma em que são
mediados os processos sócio-econômicos (quer dizer, as mudanças
periódicas no equilíbrio geral entre as forças de classe e a correlação
intercapitalista de forças, os resultados das guerras e as lutas de classes mais
importantes) dá esta realidade histórica das ondas longas um caráter “total”
integrado. (MANDEL, 1995. p. 76)
7

O fim do período de expansão ocorre devido a sobreacumulação de capital que faz a


taxa média de lucro cair, geralmente termina com graves crises financeiras devido à
instabilidade monetária conseqüente da “explosão creditícia necessária para manter o ritmo de
crescimento apesar das crescentes contradições” (MANDEL, 1986, p. 52). E durante o
período de depressão as forças que no período de expansão mantinham a taxa média de lucro
em um patamar elevado ficam mais frágeis, os períodos de crescimento são fracos e as crises
são mais prolongadas.
Até 1980 houve, segundo Mandel (1985), oito ondas longas no capitalismo: 1) 1793 –
1825 (expansão); 2) 1826 – 1847 (enfraquecimento); 3) 1848 – 1873 (expansão); 4) 1874 –
1893 (enfraquecimento); 5) 1894 – 1913 (expansão); 6) 1914 – 1939 (enfraquecimento); 7)
1940-1967 (expansão); 8) 1968 – … (enfraquecimento).
Autores como Hilferding, Lênin e Rosa Luxemburgo caracterizaram o período a partir
de 1890 como a fase imperialista do capitalismo, com a concentração e centralização do
capital a nível internacional sob o domínio do capital financeiro, fase considerada a fase
suprema do capitalismo – que já está maduro o suficiente para a revolução socialista a nível
mundial. Ernest Mandel complementa essa análise ao considerar o período a partir de 1940
como 'capitalismo tardio', que é a fase de decadência do modo de produção capitalista, ou a
fase de crise do capitalismo imperialista. Mandel cunhou o termo ‘capitalismo tardio’ para
designar essa fase que, embora tenha períodos de expansão, é uma fase de crise das relações
de produção capitalistas; como pontua Mandel nessa passagem:

O conceito de capitalismo tardio como uma nova fase do imperialismo ou


da época do capitalismo monopolista é caracterizada por uma crise
estrutural do modo de produção capitalista […] A marca distintiva do
imperialismo e de sua segunda fase, o capitalismo tardio, não é um declínio
das forças produtivas, mas um acréscimo no parasitismo e no desperdício
paralelos ou subjacentes a esse crescimento. A incapacidade inerente ao
capitalismo tardio, de generalizar as vastas potencialidades da 3ª revolução
tecnológica ou da automação, constitui uma expressão tão forte dessa
tendência quanto a sua dilapidação de forças produtivas, transformadas em
forças de destruição: desenvolvimento armamentista permanente, fome nas
semicolônias e ruptura do equilíbrio ecológico (MANDEL, 1985, p. 150-
151).

Dentre as características do capitalismo tardio destaca-se a tendência a inflação


permanente, estudada sistematicamente por Mandel. Segundo Mandel (1973), a inflação é um
mecanismo de defesa do capitalismo em sua fase tardia, isso devido à tendência à deflação no
capitalismo (já que o crescimento da produtividade na indústria do ouro não acompanha o
8

crescimento da produtividade nos demais setores da economia), e isso provocaria uma série
de dificuldades ao funcionamento do capitalismo como paralisia do sistema de crédito,
obstrução do capital comercial e desemprego em massa; a inflação corrige essa tendência a
deflação (MANDEL, 1985).
Segundo Mandel (1985) as causas da inflação são o déficit público e principalmente o
crédito bancário, que é o fator que possibilita aos capitalistas transferirem os aumentos dos
custos de produção aos consumidores e que cria um amplo mercado para setores-chave da
economia (automóveis e moradias). Apesar de a inflação ter efeitos positivos na economia
capitalista no curto prazo, uma vez que o dinheiro extra emitido estimula a economia e pode
ser empregado como capital, produzindo mais-valia (amenizando as crises, principalmente
durante as ondas longas expansivas); no longo prazo a inflação torna-se um problema, uma
vez que faz com que as taxas de juros nominais aumentem constantemente inviabilizando
investimentos, o que acaba por aprofundar as crises (principalmente durante as ondas longas
de enfraquecimento). A tendência a inflação permanente descrita por Mandel dá uma
interpretação marxista à ineficiência da política econômica durante os períodos em que a taxa
de lucro está em queda.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao fim deste artigo pode-se dizer que o legado de Ernest Mandel ao marxismo é uma
obra extensa e de grande robustez teórica, mas o espaço aqui disponível permitiu apenas citar
e explicar brevemente algumas de suas principais contribuições. Atualmente o seu legado está
praticamente esquecido no meio acadêmico marxista: só é lembrado em alguns círculos
políticos trotskistas e, infelizmente, de forma distorcida na maior parte das vezes.
Para os próximos estudos, o título deste artigo já sugere um caminho: revisitar a obra
de Ernest Mandel, e as contribuições aqui estudadas podem ser um passo inicial. A evolução
do trabalho manual para o intelectual só se fez aprofundar nas mais diferentes esferas da
produção capitalista desde os anos 1970. O problema da inflação permanente, ou seja, o
caráter essencialmente inflacionário do sistema bancário no capitalismo é um conceito
interessante para analisar a atual crise do capitalismo que vem desde 2008; o mesmo pode-se
dizer da teoria das ondas longas – não seria esta crise um resultado histórico de uma onda
longa expansiva que começou no final dos anos 1980, ou de uma continuação prolongada da
onda longa recessiva iniciada em princípios dos anos 1970? Para responder a esta pergunta
não basta simplesmente desqualificar a teoria de Mandel com argumentos de autoridade, mas
sim é necessário reestudá-la e ver no que ela pode contribuir no estudo da história do
9

capitalismo contemporâneo. O “empobrecimento” relativo acompanhado de “enriquecimento”


absoluto da classe trabalhadora é um fenômeno interessante de se estudar para compreender
as transformações no conflito de classes ao longo do tempo, e a abordagem de Mandel é um
bom ponto de partida. E, finalmente, o conceito de “capitalismo tardio” e as crises econômica,
ambiental e civilizatória do capitalismo dele decorrentes são cada vez mais atuais e urgentes,
o que mostra atualidade da obra de Ernest Mandel e a grande importância de estudá-lo.

4. BIBLIOGRAFIA
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Acesso em: 03/02/2012.

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10

TROTSKY, Leon. El capitalismo y sus crisis. Buenos Aires: CEIP, 2008.

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