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(GT 2 – OS MARXISMOS)
1.INTRODUÇÃO
Karl Marx inaugurou no século XIX uma vertente de teóricos que ousam fazer um
estudo crítico do capitalismo, apontando novos caminhos. O grande continuador dessa obra
no século XX foi Vladmir Lênin, que conseguiu aliar teoria e prática, e liderou a primeira
experiência de superação do capitalismo: a Revolução Russa. Mas esta se degenerou no
burocratismo com o seu sucessor, Stálin. Isso fez com que, muitas vezes, os teóricos
marxistas se perdessem ou no revisionismo, ou no apoio cego ao stalinismo. Entretanto,
alguns teóricos conseguiram resgatar a tradição marxista e fizeram estudos críticos do
capitalismo e do socialismo degenerado do século XX, essa tradição tem como um dos
expoentes Ernest Mandel.
Ernest Mandel foi um economista marxista, alemão de nascimento (1923) e radicado
na Bélgica, onde morreu em 1995. Suas principais influências intelectuais são, em primeiro
lugar, o próprio Karl Marx, cuja obra foi objeto de estudo de Mandel; Rosa Luxemburgo, que
exerceu grande influência sobre seu pensamento político, como a sua defesa da revolução e da
democracia socialista; e Leon Trotsky, o primeiro grande crítico do stalinismo e fundador da
IV Internacional, da qual Mandel foi dirigente e principal teórico entre os anos 1950 e 1990.
Mandel é autor de vasta obra que abrange não só a teoria econômica marxista, como também
a teoria política marxista; e grande parte de suas obras tem um cunho didático, dirigido aos
trabalhadores para a sua formação e conscientização. Mandel foi um estudioso sistemático do
capitalismo do seu tempo, período que denominou de 'capitalismo tardio'2, que não se limitou
a uma análise meramente econômica, levando também em consideração a luta de classes.
Além do conceito de 'capitalismo tardio', Mandel tem outras contribuições ao
marxismo, sendo a principal a teoria marxista das ondas longas do desenvolvimento
capitalista, que trata dos longos períodos históricos do capitalismo de expansão e
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Mestrando em Desenvolvimento Econômico na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
E-mail de contato: nelson.granato@hotmail.com
2
A denominação se deve a saturação do modo de produção capitalista no pós-guerra, é um período de crise da
fase imperialista do capitalismo, isso será melhor explicado posteriormente.
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Mandel foi proibido de entrar em muitos países capitalistas ocidentais por ser um
revolucionário socialista; e também em países comunistas por ser trotskista e crítico do
stalinismo. Mesmo em seu país, a Bélgica, Mandel sofreu perseguições: foi expulso do
Partido Socialista Belga nos anos 1950, e diante disso fundou o Partido Socialista Operário.
Como guardião da tradição trotskista, Mandel não deixou a sua militância para trás
nem mesmo com o colapso do socialismo soviético no final dos anos 1980. Para Mandel isso
era um resultado inevitável, já que os regimes que existiam na União Soviética e Europa
Oriental tratavam-se de degenerações burocráticas do socialismo (MANDEL, 1989). Mandel
continuou na militância política pelo socialismo até a sua morte em 1995.
Sobre as suas influências intelectuais, podemos destacar três teóricos: Karl Marx, Rosa
Luxemburgo e Leon Trotsky. Sobre a influência de Marx, pode-se dizer que Ernest Mandel
foi um dos poucos teóricos que tentaram fazer uma análise do capitalismo em seus múltiplos
aspectos (econômico, político, ideológico,...); ele conseguiu isso resgatando o conceito
fundamental de Marx que é a luta de classes, visível, por exemplo, na importância que esta
tem como desencadeador das ondas longas em sua teoria. Apesar da influência de Marx sobre
Mandel ser muito maior do que esse aspecto, pode-se destacá-lo como o principal: Mandel é
um continuador do método de Marx ao estudar a história da humanidade em seus múltiplos
aspectos a partir da perspectiva da luta de classes.
A influência de Rosa Luxemburgo sobre Mandel é principalmente política. Rosa
Luxemburgo já era crítica do burocratismo e do centralismo do Partido Bolchevique desde
antes da Revolução Russa, para ela socialismo e democracia não existem separados. Apesar
das críticas de Mandel às teorias subconsumistas e de empobrecimento absoluto da classe
trabalhadora de Luxemburgo, ele sempre declarou admiração por ela, sendo um dos grandes
estudiosos da obra desta3.
De Leon Trotsky, Mandel absorve a sua crítica ao stalinismo sem abandonar a luta
pelo socialismo; a teoria da revolução permanente4 é a origem da teoria do mercado mundial
que Mandel esboça em 'O Capitalismo Tardio'; além disso, a crítica de Trotsky a Kondratiev
exposta em 'A Curva do Desenvolvimento Capitalista' (TROTSKY, 2008) é o ponto de
partida para Mandel elaborar a sua teoria das ondas longas do desenvolvimento capitalista.
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Como bem atesta o prefácio à Introdução à Economia Política de Rosa Luxemburgo (1978), cuja autoria é de
Ernest Mandel.
4
Teoria trotskista segundo a qual as revoluções proletárias, independentemente do estágio do desenvolvimento
capitalista do lugar onde ocorre, têm um caráter socialista mesmo com a necessidade de cumprir tarefas de uma
revolução tipicamente burguesa como a reforma agrária (TROTSKY, 2007).
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Vale lembrar que essa contribuição lhe rendeu o Prêmio Alfred Marshall da Universidade de Cambridge (Reino
Unido) em 1978.
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crescimento da produtividade nos demais setores da economia), e isso provocaria uma série
de dificuldades ao funcionamento do capitalismo como paralisia do sistema de crédito,
obstrução do capital comercial e desemprego em massa; a inflação corrige essa tendência a
deflação (MANDEL, 1985).
Segundo Mandel (1985) as causas da inflação são o déficit público e principalmente o
crédito bancário, que é o fator que possibilita aos capitalistas transferirem os aumentos dos
custos de produção aos consumidores e que cria um amplo mercado para setores-chave da
economia (automóveis e moradias). Apesar de a inflação ter efeitos positivos na economia
capitalista no curto prazo, uma vez que o dinheiro extra emitido estimula a economia e pode
ser empregado como capital, produzindo mais-valia (amenizando as crises, principalmente
durante as ondas longas expansivas); no longo prazo a inflação torna-se um problema, uma
vez que faz com que as taxas de juros nominais aumentem constantemente inviabilizando
investimentos, o que acaba por aprofundar as crises (principalmente durante as ondas longas
de enfraquecimento). A tendência a inflação permanente descrita por Mandel dá uma
interpretação marxista à ineficiência da política econômica durante os períodos em que a taxa
de lucro está em queda.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao fim deste artigo pode-se dizer que o legado de Ernest Mandel ao marxismo é uma
obra extensa e de grande robustez teórica, mas o espaço aqui disponível permitiu apenas citar
e explicar brevemente algumas de suas principais contribuições. Atualmente o seu legado está
praticamente esquecido no meio acadêmico marxista: só é lembrado em alguns círculos
políticos trotskistas e, infelizmente, de forma distorcida na maior parte das vezes.
Para os próximos estudos, o título deste artigo já sugere um caminho: revisitar a obra
de Ernest Mandel, e as contribuições aqui estudadas podem ser um passo inicial. A evolução
do trabalho manual para o intelectual só se fez aprofundar nas mais diferentes esferas da
produção capitalista desde os anos 1970. O problema da inflação permanente, ou seja, o
caráter essencialmente inflacionário do sistema bancário no capitalismo é um conceito
interessante para analisar a atual crise do capitalismo que vem desde 2008; o mesmo pode-se
dizer da teoria das ondas longas – não seria esta crise um resultado histórico de uma onda
longa expansiva que começou no final dos anos 1980, ou de uma continuação prolongada da
onda longa recessiva iniciada em princípios dos anos 1970? Para responder a esta pergunta
não basta simplesmente desqualificar a teoria de Mandel com argumentos de autoridade, mas
sim é necessário reestudá-la e ver no que ela pode contribuir no estudo da história do
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4. BIBLIOGRAFIA
ERNEST MANDEL: UNA VIDA PARA LA REVOLUCIÓN. Vídeo. Chris Den Hond. 2005.
Disponível em: <http://ernestmandel.org/es/index.html> Acesso em: 03/02/2012.
LUXEMBURGO, Rosa. Introdução à Economia Política. São Paulo: Martins Fontes, 1978.
MANDEL, Ernest. Além da Perestroika. 2v. São Paulo: Busca Vida, 1989.
MANDEL, Ernest. Formação do pensamento econômico de Karl Marx. São Paulo: Zahar,
1968.
MANDEL, Ernest. Las ondas largas del desarrollo capitalista – La interpretación marxista.
Madrid: Siglo XXI, 1986.
MARX, Karl. O Capital – Livro III: O processo global de produção capitalista. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.