Você está na página 1de 7

A contribuição do artesanato do nordeste do Brasil na moda

brasileira

The contribution of Brazil’s northeastern handicraft in the Brazilian


fashion

Pedro Henrique Couto


Centro Universitário SENAC
Bacharelado em Design de Moda – Habilitação em Estilismo.

Resumo.

Palavras-Chave:

Abstract.

Key Works:
1. Introdução

Este artigo tem por objetivo refletir sobre a contribuição do trabalho artesanal feito na região
nordeste do brasil, na identidade e produção da Moda brasileira.

A Moda Brasileira, ainda é uma das mais jovens do mundo. As criações feitas por brasileiros
começaram a ser populares e comercializadas com mais força na década de 90 e passaram por
uma série de evoluções até hoje, onde já ganha destaque inclusive internacionalmente.
Atualmente, os estilistas brasileiros apresentam suas principais coleções na São Paulo Fashion
Week (a mais importante semana de Moda da América Latina), e no Fashion Rio. Mesmo com
o mercado de Moda mais solidificado no Brasil nos últimos anos, muito ainda se fala sobre “O
que é a Identidade de Moda Brasileira”. Afinal, pra Moda ser “brasileira” basta ser produzida no
Brasil? A moda brasileira ainda é conhecida só pelos biquínis e pelas “Havaianas”?

Contudo, o autor deste artigo tem como objetivo compreender a contribuição da manufatura
do nordeste na moda brasileira, através dos seguintes questionamentos: Que influência o
ambiente e a cultura influenciam na identidade do produto artesanal? Qual é o conceito de
“DNA brasileiro” na moda atual? Como a manufatura do Nordeste é utilizada hoje na moda
brasileira?

Para responder aos questionamentos pertinentes à Cultura e Identidade, recorreu-se aos


conceitos apresentados por Katia Castilho (2005) e ao pensamento de Geertz (1978). Já o
conceito de DNA Brasileiro foi extraído de estudo feito pelo SENAI/CETIQT (Centro de
Tecnologia e Indústria Química e Têxtil) e da prática de pesquisa de tendências de Dario
Caldas (2004). Além disso, contém relatos de estilistas brasileiro feitos por Titta Aguiar
(2012).

2. O Ambiente e a Cultura: A relação entre Homem, Corpo e Espaço

Alguns dos significados básicos de “Ambiente”, são: ¹Que está à roda ou em volta de (pessoa
ou coisa) e Conjunto das particularidades de um meio social, natural ou histórico em que se
situa uma ação. As relações entre o homem e o ambiente influenciam diretamente na maneira
como ele se desenvolve em vários aspectos, como se alimentar, se vestir, e até mesmo na
maneira de falar, ou seja, essas relações que geram a cultura e a identidade. O corpo, é o
responsável por essa adaptação do homem ao seu ambiente. Ele funciona como um canal que
permite através dos sentidos que o ser humano se interaja com o local onde vive e se
desenvolva a partir disso. Katia Castilho (2005) define o corpo como um canal de naturalização
do processo:

“(...) é um dos canais de naturalização do pensamento, de perceber e


do sentir o espaço circundante, o si mesmo e também o “outro”. A
condição humana é corpórea; suas fronteiras são traçadas pela carne,
limite físico que a compõe, cujos traços a distinguem dos “outros”
indivíduos. É, em suma, o corpo que nos presentifica e nos torna
presentes no mundo. Padrão de comportamento, traços de uma cultura,
diálogos sociohistóricos são aspectos que podem ser reconhecidos nos
“corpos”, cuja realidade se funda no caráter comunicacional dos seres
humanos. ” (CASTILHO, 2005, p.87)
A relação entre corpo e ambiente na construção do vestuário existe desde a pré-história, onde
se vestir surgiu como necessidade por causa do clima. Vale ressaltar que a maioria dos
autores, como (Lipovestski,1989, p.24), acreditam que “A moda não pertence a todas as
épocas nem a todas as civilizações: essa concepção está na base das análises que se seguem.
(...)”. Nos dias atuais, tanto a moda quantos os trajes típicos são resultados dessa relação,
que é influenciada por clima, cultura e identidade. Castilho (2005) define a roupa nos dias de
hoje como forma de representação do homem a partir de uma “inteligência coletiva”. A
cultura, produto da relação entre homem e ambiente é definida por Geertz (1978) através da
semiótica citando o pensamento Weber como ponto de partida.

“ O conceito de cultura que eu defendo, (...) é essencialmente


semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal
amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura
como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência
experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à
procura de significado. ” (GEERTZ, 1978, p.15).
Sendo assim, compreende-se que cultura é a construção daquilo que se regionaliza a partir
das relações dos seres que habitam um determinado ambiente, com o próprio ambiente e com
seus diálogos histórico-sociais. Já a identidade, é a relação de duas ou mais culturas onde a
busca é pelo “distinto” através das diferenças culturais.

3.DNA BRASIL: A identidade Brasileira como tendência e produto de Moda

Um dos principais objetivos das etiquetas brasileiras atualmente, tem sido o de criar produtos
que tenham “DNA Brasileiro” mas que ao mesmo tempo sejam globais. Isso se dá no intuído
de que se possa adotar a identidade (construída a partir da mistura das culturas brasileiras)
para a criação, fazendo com que o brasileiro passe a consumir algo com que se identifique
através do design e que possa ser exportado.

Sobre o DNA Brasileiro, Caldas (2004) fala sobre o Design e a Identidade no Brasil
Contemporâneo e destaca justamente a busca dessa “globalização” do produto brasileiro.

“De fato, temos visto na última década, realizar-se de maneira mais


expressiva o debate em torno da identidade do design brasileiro, seja
pelo aumento da confrontação com os produtos de outros países, em
função da própria exportação, seja no contexto de uma presença
cultural brasileira mais forte no exterior em alguns setores como a
música e as artes plásticas, incrementando as trocas simbólicas e
criando, além da ponte comercial, uma outra, imaginária. Junte-se isso
ao próprio movimento de globalização, em sua face mais perversa de
achatamento das diferenças e homogeneização dos modos de vida,
acabou por criar o movimento que lhe é oposto e complementar, o da
reemergência das especifidades culturais e regionais, e temos a questão
da identidade cultural brasileira recalcada no centro das preocupações
contemporâneas. (...) “ (CALDAS, 2004 p.147)
Essa dificuldade de identificação da identidade brasileira para o produto do Design, acontece
porque o Brasil ainda é relativamente novo no setor “criativo”. Caldas (2004) descreve essa
falta de cultura de design no Brasil:

“À ausência de uma cultura de Design irraizada no Brasil, soma-se a


falta de instrumentos para a realização de uma gestão eficiente do
design. O apoio governamental ainda é tímido, se comparado a outros
países do Mundo, embora, no nível de discurso, a importância do design
seja cada vez mais reconhecida e incorporada em programas políticos à
direita e à esquerda. (...) “ (CALDAS, 2004 p.151)
Além disso, pelo campo de Design ser novo no Brasil, o que se fez por muito tempo foi copiar
ou adaptar o produto vindo do exterior. Caldas (2004) relata que o brasileiro é conhecido
(principalmente no exterior) pelas cópias.

“(...) Os brasileiros carregam a má fama de copiadores periféricos –até


mesmo quando realizam criações autênticas! É o que também acontece
com as inovações em produtos projetados por designer brasileiro e,
depois apropriados por marcas de países centrais apresentados como
suas. Como o hábito fez o monge, ninguém duvida da idoneidade do
primeiro mundo, nem da malandragem brasileira, mesmo quando ela
não existe. (...) “ (CALDAS, 2004 p.153)
Na Moda, esse debate sobre identidade brasileira se faz presente a todo instante. Algumas
iniciativas como a adaptação do calendário oficial da moda feita pela Luminosidade (empresa
organizadora do São Paulo Fashion Week e Fashion Rio), e a promoção de debates acerca do
tema tem levantado alguns pontos de vista. Entretanto, algumas divergências acontecem
porque muitos criadores acreditam que seus produtos não são “tipicamente brasileiros” por
possuírem um produto autoral em que não se identifica elementos nativos. “(...) alguns
profissionais, tomaram o território como medida, afirmando que o “autenticamente nacional”
era tudo aquilo que se fazia dentro das fronteiras do Brasil.” (Caldas 2004, p.155)

Por outro lado, alguns estilistas acreditam que a inserção de alguns aspectos típicos do brasil
na confecção dos produtos, como a produção da ‘renda filé’ do Nordeste já tornam os produtos
de Moda brasileiros. As faculdades de Moda brasileiras, tem buscado cada vez mais que seus
alunos busquem este equilíbrio entre a identidade cultural brasileira e o globalizado.
Entretanto, alguns elementos negativos nesse tipo de didática vêm sendo encontrados, hora
pelo uso do literal, hora pelo uso do folclórico (que não é considerado moda). Caldas (2004
descreve a solução adotada.

“(...) por parte dos estilistas, mas também por alunos de escolas de
moda, de criar relações a partir de um repertório de tipos de brasileiros,
extraídos do folclore nacional. Foi uma das respostas mais fáceis, mas
que logo se mostrou equivocada. O fato é que, frequentemente,
obtinham-se coleções que transmitiam uma imagem de “tipos brasileiros
de exportação”, ou seja, já filtrados pelo olhar estrangeiro ou pelo que
se imagina ser uma baiana ou um cangaceiro. (...)” (CALDAS, 2004 p.
155)
Segundo o Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), na copa do Mundo da FIFA,
realizada em 2014, o Brasil recebeu cerca de 1 milhão de estrangeiros, estes vindos de 203
países diferentes. Sites como o WGSN e o Use Fashion apontaram o “Brasil” e a “Brasilidade”
como conceitos fortes para tendências no setor da Moda, e que se refletiram em coleções
apresentadas por inúmeras marcas como Prada, Animale e Paula Raia.

Com a aprovação tanto interna quanto externa do evento, os brasileiros passaram a olhar mais
para si mesmos e observar o que faz dessa mistura de culturas de tantos lugares construírem
a identidade brasileira, tão aprovada pelos estrangeiros. “Nunca o brasileiro interessou-se
tanto por si mesmo: melhor assim, pois não há outro caminho, além da história, para a
construção da identidade de um país. ” (CALDAS, 2004 p.171)

4.O Nordeste e a Moda: O feito à mão e a produção industrial

A região nordeste é uma das cinco regiões brasileiras definidas pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística em 1969. A região é formada por nove estados (é a região que possui o
maior número de estados) e é mundialmente conhecida pelo litoral paradisíaco, pela culinária
típica e pelos movimentos culturais, tanto os tradicionais (em sua maioria regionais) quanto os
mais vanguardistas.

Essa troca entre passado/tradicional e o presente/vanguardista que acontece no Nordeste, é


bem similar com a do processo de criação da Moda atual. Reflexo disso, é a releitura
constantes de referências tiradas de épocas como o século XIX, em coleções com artigos
contemporâneos, como o jeans.

A manufatura do nordeste, por sua vez tem entrado nesse processo de dinamismo de raízes
pelo fato da moda estar saturada de produtos de fast fashion, termo adotado nos anos 90 pelo
comércio que classifica as peças que são fabricadas com menor custo e mais próximas ao
período de venda. Esse tipo de consumo, vem crescendo ainda mais nos últimos anos com a
chegada de grandes grupos estrangeiros, fato que pode ser atribuído ao crescimento da
economia brasileira, que fez emergir uma nova classe média sedenta por consumo.

Assim, a busca pelo feito à mão tem sido classificada como “o novo luxo”. Isso se dá pelo
artesanal, por mais que seja feito por uma mesma pessoa e pelo mesmo processo, sempre se
sairá diferente; o produto carrega uma força pessoal sobre o resultado final. Barroso (2002,
p.13) ressalta que, entretanto deve-se aplicar uma adequação do artesanato ao mercado, e
que a intimidade do artesão com o produto, é o grande diferencial entre o produto industrial e
despersonalizado e o produto artesanal.
Os estilistas brasileiros Walter Rodrigues e Lino Villaventura, fizeram fama e ambos têm o
artesanato nordestino como principal elemento na identidade de seus produtos, tanto na
confecção, quanto na estética. Outro defensor do trabalho artesanal nordestino é o estilista
mineiro Ronaldo Fraga, que citado por AGUIAR (2012), disse:

“Meus olhos entram em festa por um Brasil feito à mão. Um país


bordado de avessos reveladores... Ponto e linha desenham histórias de
sobrevivência, amor e dor, refletindo a alma de um povo gentil, festivo,
generoso e lindo. Embolo-me de “pontos cheios”, “crivos”, “matames”,
“pontos-sombras”, “renda-renascença”...Literalmente por um fio, pontos
de um ofício ameaçado de extinção. ” Ronaldo Fraga, estilista (AGUIAR,
2012 p.26)
Em contraponto ao pensamento de Ronaldo Fraga, que acredita que o artesanato esteja
“ameaçado extinção”, Walter Rodrigues defende que o artesanato pode ser aplicado à moda,
desde que seja de uma maneira não-folclórica e, que além disso, é necessário modernizar o
processo. Walter Rodrigues, citado por Aguiar (2012) completa:

“ Nós designers, temos a obrigação de dar retorno, pois não existe para
mim uma via de mão única. Meu trabalho sempre foi pensado e
proposto para que tivesse um retorno, para que cada vez mais eu
pudesse conhecer pessoas com talentos incríveis, para que eu tivesse a
chance de falar sobre isso e divulgar. [...] O artesanato tem a
possibilidade de fixar as pessoas no lugar, fazer com que as pessoas
olhem para a natureza de uma forma diferente, apaixonante. ” Walter
Rodrigues, estilista (AGUIAR, 2012 p.128)
Walter Rodrigues possui um trabalho com as rendeiras da Comunidade do Morro da Mariana,
no Piauí desde 2000. O estilista, citado por Aguiar (2012 p.128), e Barroso (2002, p.25)
acreditam que para que o artesanato brasileiro ganhar força de mercado na produção da moda
brasileira, deve-se implantar programar governamentais com o intuito de que as capacidades
produtivas e tecnológicas das comunidades aumentem, mas que a as características do
trabalho que são justamente construídas a partir da cultura daquela comunidade, não se
percam.

5. Considerações finais

Referências

AGUIAR, Titta. “Moda Artesanal brasileira na visão de um personal stylist” Asão Paulo:
Editora SENAC SP, 2012.

BARROSO, Eduardo Neto. “Curso Design, Identidade Cultural e Artesanato” (Módulos 1 e


2) Fortaleza: SEBRAE/FIEC,2002

CALDAS, Dario. “Observatório de Sinais: teoria e pratica da pesquisa de tendências”.


Rio de Janeiro: Editora SENAC Rio, 2004.

CUNHA, Kathia Castilho; GARCIA, Carol (organizadora). “Moda Brasil: Fragmentos de um


vestir tropical”. (Textos de vários autores). São Paulo: Anhembi Morumbi, 2001.

CUNHA, Kathia Castilho; MARTINS, Marcelo M. “Discursos da Moda: Semiótica, design e


corpo”. 2ª edição revisada e atualizada. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2005.
DALPRA, Patricia (organizadora). “DNA Brasil: Tendências e Conceitos Emergentes para
as cinco regiões brasileiras”. (SENAI/CETIQT) – São Paulo: Estação das Letras e Cores,
2009.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa.


Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 214.

LAGES, Cinthia Maria Neves. “Moda + Artesanato”. Piauí: SEBRAE (Publicação), 2003

LIPOVESTKI, Gilles. “O Império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades


modernas”. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

PALOMINO, Erika; “A Moda” (Coleção Folha Explica) – São Paulo: Publifolha, 2002

PRADO, Luis: BRAGA, Joao. “História da Moda no Brasil: das Influências às auto
referências”. 2ª edição. São Paulo: Disal Editora, 2011.

“Hospitalidade do brasileiro é destaque entre turistas estrangeiros durante Copa do Mundo”


Disponível em: <http://blog.planalto.gov.br/hospitalidade-do-brasileiro-e-destaque-entre-
turistas-estrangeiros-durante-copa-do-mundo/> Acesso em 20.ago.2014

Você também pode gostar