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Leitura da Secção de Economia e de Empresas sobre o Orçamento de Estado para 2022

22/11/2021

A proposta do Orçamento de Estado para 2022 reflete um conjunto de escolhas que o atual
Executivo, liderado por António Costa, intuiu terem sido as mais adequadas para a realidade
social e económica do país. No entanto, tal intuição revelou-se errada – tão errada que os
parceiros da coligação governamental decidiram votar contra, dando expressão à desconfiança
vinda da generalidade da sociedade portuguesa.

Esta desconfiança assenta em três pilares que identifico em redor de três problemas –
desatenção, empobrecimento e virtualidade.

O primeiro problema – a desatenção – sobretudo sobre os problemas reais das gerações


futuras. A proposta do Orçamento de Estado para 2022 não é em nada clara sobre a
necessidade de políticas que aproveitem as gerações mais qualificadas da História de Portugal,
lutando contra as elevadas taxas de desemprego jovem, das mais altas da Europa. Como
Professor Universitário, sou particularmente sensível para a transição no mercado de trabalho
dos jovens licenciados e mestres! É muito dramático vermos jovens felizes em maio a
terminarem os seus cursos e reencontrá-los em novembro desesperados à procura de um
estágio qualquer que lhes dê acesso à entrada na vida ativa e a compensar junto da sociedade
o avultado investimento que a mesma sociedade neles deixou ao longo de quase duas décadas
de formação, na maioria das vezes, suportada pelo ensino público. Se somos atentos perante
este problema, ficamos perplexos que outros, noutras responsabilidades, não o sejam!

O segundo problema – o empobrecimento – acontece por canais diversos, uns mais invisíveis e
opacos do que outros. O afastamento dos países mais ricos da Europa não pára de acontecer e
sobejam os indicadores que o demonstram. Os estudos académicos abundam, salientando
causas e propondo soluções. No entanto, uma das causas que vem da responsabilidade
evidente da capacidade regulatória do Estado está na Política Salarial. Numa economia
moderna e dinâmica, a Política Salarial é um instrumento ativo e eficaz na prossecução do
crescimento económico. Em Portugal, a Política Salarial tem sido um instrumento que esgota a
capacidade de aumento salarial das empresas e das instituições, fazendo com que cada vez
mais o país se configure como uma terra do Salário Mínimo. Em concreto, muitos quadros
intermédios das empresas e das instituições no geral não têm sido aumentados em termos
remuneratórios há anos, levando a que a folha salarial venha ganhando uma concentração
cada vez mais expressiva na base remuneratória. O que acontece depois no país é tão-só o que
vai sendo percebido pelas empresas hoje. Dá votos aumentar o Salário Mínimo? Dá. É de
elementar justiça? É. É imoral impedir que todos progridam e evoluam? Nós dizemos que
“Sim”; o Orçamento de Estado para 2022 aparenta dizer que “Não”.

Finalmente, o terceiro problema – a virtualidade – vê-se na artificialidade com que os


problemas da coesão territorial são tratados. Não se escrutina uma linha clara – além de
intenções cuja concretização ultrapassa o horizonte deste Orçamento de Estado – que abone
em favor de uma alavancagem de quem investe, de quem gera e usufrui de rendimentos, de
quem tem necessidades de consumo, nas áreas menos densas do país. Na Ciência Económica,
desde há muito sabemos que conseguimos caracterizar os agentes económicos pela
auscultação das suas faturas e dos seus recibos. Percebemos aí quais as suas principais
necessidades e as suas fontes de rendimento. Olhando para um Orçamento de Estado,
percebemos também os interesses, os grupos de interesses e os grupos de interesse, por
detrás do Estado. Quem gasta o quê e com quem. Na proposta apresentada, percebemos que
o atual Executivo não quer gastar nada com ninguém que viva no interior, a leste da Nacional 2
ou do semimeridiano de 8ºW. Contentam-se as autarquias com os fundos de participação
previstos constitucionalmente, silenciam-se as vozes críticas com figuras de estilo, atiram-se as
vagas intenções de alguma execução plurianual para vagas de contingência futura. Portanto,
cala-se os pedidos como se fossem pedintes. Mas estes pedintes são cidadãos, que depositam
mais do que pedem emprestado, que asseguram a dinâmica económica das mesmas regiões e
que ainda pagam impostos que vêem aplicados em favor de grupos de interesse e de grupos
de interesses longe do seu alcance de bem-estar.

Enquanto estes três problemas não tiverem uma expressão de resposta válida, as intenções de
Orçamentos de Estado alheadas dessa expressão só podem ser chumbadas.

Professor Doutor Paulo Reis Mourão

(Coordenador Distrital da Secção de Economia e de Empresas)

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