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DÓLAR DIGITAL: UMA FERRAMENTA TECNOLÓGICA REALMENTE

IRRECUSÁVEL DE PROTEÇÃO À SUPREMACIA ECONÔMICA AMERICANA?1

Máina Caroline Antunes Dias2

RESUMO

Este trabalho visa discutir as motivações e os obstáculos inerentes ao processo de


digitalização do dólar segundo a percepção dos atores estadunidenses. Objetiva-se
compreender como os atores - figuras do governo, organizações não governamentais, bancos,
empresários e mais lideranças que discutem o tema - se posicionam em relação à digitalização
em curso. A investigação será conduzida por meio da análise de conteúdo, aprofundando-se
em documentos e discursos que tratam do dólar digital, buscando realizar uma categorização
detalhada do material. A interpretação e análise dos dados deve se dar pelo tratamento e
codificação, visando verificar se, independente dos desafios e obstáculos, a tendência
posicional que se sobrepõe é de continuidade do processo de digitalização, uma vez que este
implica tanto um mecanismo de proteção à supremacia econômica americana, quanto uma
pressão inevitável dos avanços tecnológicos internos e externos.

Palavras chaves: Dólar digital; Estados Unidos; Digitalização da moeda;

1 Bolsista de iniciação científica do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados
Unidos (INCT-INEU). Orientação da Professora Doutora Aline Regina Alves Martins.
2 Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás (UFG).

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1. INTRODUÇÃO

Os Estados Unidos da América criaram, ao longo do tempo, diversas condições que


possibilitaram a primazia do dólar, tais como, uma economia baseada em políticas
macroecômicas e fiscais sólidas, um sistema político considerado confiável e transparente,
uma diplomacia centrada e um esforço contínuo pela preservação de sua liderança econômica
(PAULSON, 2020). A conjunção destes e de outros fatores possibilitou que o dólar
assumisse o papel de principal moeda de reserva global, tornando possível para os Estados
Unidos pagar taxas mais baixas sobre ativos em dólares, além da possibilidade de incorrer em
déficits do balanço de pagamentos maiores e liquidez aumentada dos mercados financeiros.
Além disso, a supremacia do dólar no sistema financeiro internacional implica que a maior
parte das transações financeiras são feitas em dólar, mesmo os Estados Unidos não estando
envolvidos, fazendo com que os bancos centrais mantenham reservas internacionais nesta
moeda (METRI, 2004).

Desse modo, é notável a atual durabilidade do dólar enquanto principal moeda do


sistema financeiro internacional e no que está baseado o interesse estadunidense na
preservação deste papel exercido por sua moeda. No entanto, é possível constatar um
movimento de uma dissolução das fronteiras entre tecnologia e finanças, especialmente no
momento atual e no que se refere ao sistema de pagamentos, este movimento tem como um de
seus principais aspectos a fundação de um mundo experimental no qual as finanças são
descentralizadas e o Bitcoin é a moeda protagonista (THE ECONOMIST, 2021). Alguns
autores apontam a iniciativa do Bitcoin como sendo uma utopia de descentralização
progressiva, prometida ainda na introdução das criptomoedas:

O Bitcoin, que foi lançado ao mundo pelo misterioso Satoshi Nakamoto em 2009, é
baseado em uma visão tecno-utópica de uma moeda global descentralizada que
proporcionaria anonimato e segurança, ao mesmo tempo que permitiria aos usuários
subverter o sistema financeiro estabelecido e seus guardiões. A base dessa
tecnologia é o blockchain (NAST, 2020, tradução nossa3).

O resultado deste quadro de inovação foi o início de uma corrida pela criação de
moedas digitais governamentais, na qual aproximadamente cinquenta autoridades monetárias
3 No original: "Bitcoin, which was released into the world by the mysterious Satoshi Nakamoto in 2009, is
based on a techno-utopian vision of a decentralised global currency that would provide anonymity and security,
while allowing users to subvert the established financial system and its gatekeepers. Underpinning this
technology is the blockchain."

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já começaram a explorar a possibilidade de adoção de sua própria moeda digital, movidas
principalmente pelo medo da perda de controle. Com o direcionamento dos pagamentos,
depósitos, e empréstimos, para redes privadas não supervisionadas, esse movimento
tecnológico pode acabar realmente implicando descentralização, algo que não é interesse dos
governos. Para os Estados Unidos, em particular, isso poderia ser preocupante, se as 1600
criptomoedas atualmente ativas já não o são.

Nessa corrida pela moeda digital governamental, que representa uma tentativa dos
governos de retomar o controle, as Bahamas assumiram a frente, tendo a China, líder do
campo dos pagamentos digitais, também lançado uma versão digital de sua moeda ( 数字货
币 ), a princípio para 500.000 pessoas no ano de 2020, nas cidades de Shenzhen, Suzhou,
Chengdu and Xuna (PETERS, Michael A.; GREEN, Benjamin; YANG, Haiyang, 2020). Para
alguns leitores deste processo, e também para variados atores estadunidenses, este movimento
chinês de digitalização de sua moeda não apenas representa um passo para
internacionalização, mas uma forma de se proteger e combater a hegemonia do dólar
americano (PETERS, Michael A.; GREEN, Benjamin; YANG, Haiyang, 2020). Dentro do
contexto do conflito e competição sino-americana, esta iniciativa chinesa exige uma resposta
rápida e construção de um cenário no qual o dólar digital se torne ferramenta para defesa da
supremacia econômica americana (UNITED STATES COMMITTEE ON BANKING,
HOUSING, AND URBAN AFFAIRS, 2020).

Com o fim do sistema de Bretton Woods, em 1971, um novo caminho para a


globalização financeira foi estabelecido, tendo sido possível reorganizar as finanças e a
economia, fornecendo acesso aos mercados financeiros mundiais (MOFFIT, 1984). Com a
mais recente informatização das finanças, uma nova transformação do sistema financeiro
pode estar em curso. Neste processo, o país que possui sua moeda como sendo a moeda
central do sistema monetário internacional sente as pressões dos movimentos
descentralizantes e da pulsão tecnológica deste grande novo experimento em finanças.

Desse modo, este trabalho se justifica na necessidade de compreender o impacto das


mudanças experimentadas pelos atores estadunidenses, traduzido em seus posicionamentos,
em relação ao processo de digitalização do dólar. A hipótese que esta pesquisa pretende
verificar está baseada na seguinte proposição: ainda que o processo de digitalização seja visto
de forma diversa, por diferentes agentes internos ao processo, a necessidade de acompanhar o
desenvolvimento tecnológico, e a necessidade de proteção da supremacia americana,

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transpassam as posições, inserida enquanto motivação subjacente em seus discursos e ações,
tornando quase previsível o futuro da digitalização.

2. OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

Este trabalho tem como objetivo geral compreender o processo, atualmente em curso,
de digitalização do dólar, investigando a atuação de atores específicos para dar a conhecer o
fenômeno a partir da perspectiva dos sujeitos.

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Para compreender o desenrolar do processo de digitalização, através das diferentes


percepções dos atores envolvidos, este trabalho pretende:

● Determinar os atores que protagonizam as discussões e iniciativas no que tange


o processo de digitalização e determinar seu posicionamento em relação à
realização do mesmo;
● Investigar as motivações que definem interesses, questões e posicionamentos
dos atores em relação ao processo de digitalização do dólar;
● Encontrar padrões e modelos comportamentais que ajudem a fornecer uma
categorização dos atores e uma comparação entre as posições através de seu
próprio processo interativo;
● Inferir das concepções a possibilidade de existência de uma motivação
subjacente que se mostra nos documentos enquanto índices, relacionados à
pulsão tecnológica e salvaguarda de soberania;

3. METODOLOGIA

Este trabalho pretende trazer uma pesquisa qualitativa, que oferece uma forma eficaz
de compreensão de fenômenos pertencentes ao âmbito social (MINAYO, 2007), tal qual o
fenômeno que se pretende estudar. Nesse sentido, o método de Análise de Conteúdo,
enquanto metodologia de pesquisa de natureza qualitativa, será adotado aqui devido à

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necessidade de analisar os dados provenientes das comunicações, discursos e documentos do
processo. Serão consideradas, enquanto material da pesquisa, notícias e discursos de figuras
governamentais, disponibilizados em sites oficiais do governo ou transmitidos na mídia. Além
disso, serão analisados os discursos de autoridades do Sistema de Reserva Federal dos
Estados Unidos (FED) e documentos oficiais do órgão que tratam da digitalização do dólar.
Por último, serão também analisados os documentos e discursos referentes ao Digital Dollar
Project, uma iniciativa privada dentro das movimentações para digitalização da moeda.

A pesquisa possui como etapa fundamental a referenciação de índices e indicadores, a


partir dos documentos e discursos selecionados, seguindo com codificação e categorização do
material. Desse modo, a adoção do método está fundamentada no objetivo de testar a hipótese
levantada, a saber, que o elemento tecnologia e primazia do princípio de proteção do status
quo, perpassam os documentos e discursos emitidos pelos atores. Será, portanto, realizada
uma busca pelo sentido não explícito imediatamente no texto ou não imediatamente
anunciado nos posicionamentos.

REFERÊNCIAS

PETERS, Michael A.; GREEN, Benjamin; YANG, Haiyang. Cryptocurrencies, China's


sovereign digital currency (DCEP) and the US dollar system. 2020. Disponível em:
https://www.tandfonline.com/doi/epub/10.1080/00131857.2020.1801146?needAccess=true.
Acesso em: 03 ago. 2021.

METRI, Mauricio M. Acumulação de poder, sistemas e territórios monetários: uma


análise teórica sobre a natureza da moeda e sua relação com a autoridade central.
Ensaios FEE, Online, v. 33, n. 2, p. 397-422, nov. 2012. Disponível em:
http://200.198.145.164/index.php/ensaios/article/download/2571/3105. Acesso em: 02 ago.
2021.

MINAYO, M. C. S. O desafio da pesquisa social. In: DESLANDES, S. F.; GOMES, R.;


MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Revista e
atualizada. 25. ed. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 9-29.

MOFFITT, M. O dinheiro do mundo: de Bretton Woods à beira da insolvência. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1984.

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NAST, Condé. Inside China’s mission to create an all-powerful cryptocurrency. Wired
UK, Disponível em: <https://www.wired.co.uk/article/china-digital-currency-crypto>. Acesso
em: 11 ago. 2021.

PAULSON JR, Henry M. The Future of the Dollar. Foreign Affairs, v. 19, 2020.

UNITED STATES COMMITTEE ON BANKING, HOUSING, AND URBAN AFFAIRS.


US-China: Winning the Economic Competition. 2020. Disponível em:
<https://www.banking.senate.gov/hearings/us-china-winning-the-economic-competition>.
Acesso em: 11 ago. 2021.

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