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Relatório 1 - DIAS, Maria Odila Leite da Silva, “A interiorização da metrópole” in:

Interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda, 2005, pp. 7-38.

Maria Odila Leite da Silva Dias inicia o ensaio “A interiorização da metrópole”


relembrando algumas balizas específicas já bem fundamentadas pela historiografia sobre a
emancipação política brasileira e o período da primeira metade do século XIX. Dias aponta
a continuidade do processo de transição da colônia para o Império e o fato de que a
separação política de Portugal, em 1822, não coincidiu com a consolidação da unidade
nacional que, por sua vez, ocorreu nas décadas de 1840-1850. (DIAS, 2005, p.7)

As diretrizes fundamentais da atual historiografia da emancipação política brasileira


foram lançadas na obra de Caio Prado Jr, Formação do Brasil Contemporâneo, em 1944.
Prado estuda a finalidade mercantil da colonização portuguesa e aponta que, pela
organização meramente produtora e fiscal, além da dispersão e fragmentação do poder pelo
território, há uma consequente falta de nexo moral que caracteriza a sociedade existente no
Brasil na faixa transitória entre os séculos XVIII e XIX. A autora também tece uma crítica
à historiografia brasileira, afirmando que, apesar das diretrizes da transição do Brasil
colonial para o Império estarem bem fundamentas, certos vícios de interpretação
provocados por enfoques europeizantes ainda não foram descartados. (DIAS, 2005 p.11)

Dias analisa que a vinda da Corte para o Brasil e a opção de fundar um novo
império nos trópicos já significaram uma ruptura interna nos setores políticos do Velho
Reino. A interiorização da metrópole no Brasil e o processo de emancipação política
brasileira, no que se refere à separação da antiga metrópole, se relaciona aos conflitos
internos de Portugal. A crise política interna, ocorrida após a Revolução Francesa pela
ascensão de novas ideias liberais, e a situação socioeconômica do reino complicada pela
guerra contra Napoleão geraram um cenário de instabilidade gigantesca e tensões entre
portugueses do reino e portugueses da nova corte formada. O Brasil se tornara peça
fundamental para a reconstrução de Portugal. No entanto, A Nova Corte no Brasil se
dedicava à consolidação do império absolutista no Brasil, relegando a um segundo plano as
reformas moderadas de liberalização e reconstrução propostas ao Reino, o que, por
consequência, eleva ainda mais as tensões no Velho Reino, culminando na Revolução do
Porto. (DIAS, 2005 pp.12-17)
No panorama interno brasileiro, Dias aponta que a transferência da metrópole para a
Nova Corte fez com que o Rio de Janeiro lançasse os fundamentos do novo império,
tomando para si o controle e a exploração econômica das outras regiões que, por sua vez, se
tornariam colônias da nova metrópole. O surto de reformas ocorrido no Rio de Janeiro
visou a reorganização da metrópole no Brasil e, no que diz respeito às outras províncias,
foram tomadas apenas medidas que levaram à intensificação do processo de colonização,
agravando, por consequência, o regionalismo no Brasil. (DIAS, 2005 p.22)

As tensões vividas no início do século XIX no Brasil, a ampla desigualdade


socioeconômica, a dispersão e a fragmentação do poder no Brasil demonstram a
necessidade da figura do príncipe regente. A imagem de um “Bom pai que cura as feridas”
era uma atração messiânica para uma massa de povos mestiços e desempregados
descontentes e incapazes de se afirmar politicamente. As classes dominantes também se
apegavam à corte pela falta de perspectiva política e pelo desejo de se afirmar diante de
facções rivais na disputa do poder e autonomia locais. (DIAS, 2005, p.26).

Dias aponta que a estrutura social brasileira, caracterizada por profunda


desigualdade social com a presença de uma elite muito minoritária e uma massa
empobrecida, polarizaria as forças políticas e manteria os interesses da classe dominante
unidos. A sensação de insegurança social e o pavor da elite de uma insurreição de escravos
ou mestiços (“Haitianismo”) agiu, segundo Dias, como uma força catalisadora essencial em
um momento em que regionalismos e multiplicidades de interesses poderiam ter separado
as classes dominantes do Brasil. (DIAS, 2005, p.23).

A semente da integração nacional seria lançada pela nova Corte como uma
continuidade da administração e estrutura coloniais, alicerçada pela colaboração de elites
nativas e forjada por pressões externas dos ingleses, interessados no comércio brasileiro,
mas sem querer administrá-lo. Essa colaboração mútua fez, segundo Dias, com que o
“Elitismo Burocrático” entre portugueses e classes dominantes nativas funcionasse como
uma válvula de escape da instabilidade socioeconômica e servisse para a manutenção
harmônica do corpo social brasileiro. (DIAS, 2005, p.32-33)

Frente ao exposto, Dias demonstra o quão essencial foi o “elitismo burocrático” e a


colaboração entre as elites foram essenciais à formação do império e à manutenção dos
interesses da classe dominante em um cenário marcado por desigualdades sociais e
regionalismos em decorrência do processo de interiorização da metrópole.
Relatório 2 - MATTOS, Ilmar R. O tempo de saquarema. A formação do estado imperial.
São Paulo: Hucitec, 1990, parte II, pp. 103-192.

Ilmar Mattos contesta a ideia do provérbio imperial “nada tão parecido com um
saquarema como um luzia no poder”. Mattos mostra as diferenças e hierarquias entre os
partidos liberais e conservadores, denominados, respectivamente, como luzias e
saquaremas. (MATTOS, 1990, p.103)

Os conceitos dos 3 mundos (Governo/casa/rua), utilizados por Mattos, são


essenciais para entender a realidade política imperial e as concepções de governo e
sociedade das elites senhoriais. O mundo do Governo é a administração do estado e fazem
parte dele os cidadãos ativos, ou seja, basicamente senhores de escravos que são
hierarquizados por critérios censitários. (MATTOS, 1990, p.117).

O mundo da Ordem, denominação utilizada por Mattos, é basicamente composto


por Casa e Trabalho. Pela incorporação do trabalho aos domínios da fazenda senhorial
escravista, pode-se agrupar Trabalho e Casa no Mundo da Casa. Governar a Casa consistia
em governar a escravaria de forma a criar condições para a interiorização das relações de
poder escravistas, além de, consequentemente, coordenar, gerir e fiscalizar o trabalho dos
escravos. (MATTOS, 1990, p.119). Cabe aqui citar que tanto conservadores, quanto
liberais convergiam na defesa do sistema escravista, com exceção de uma parcela de
liberais exaltados.

Ao Mundo da Casa se opunha o Mundo da Rua. O mundo da Rua era composto por
homens e mulheres, livres ou libertos, não proprietários ou por escravos evadidos do
domínio do Mundo da Ordem. O mundo da Rua era visto como turbulento e desordenado e
seus habitantes não tinham ocupação no Mundo da Casa ou do Governo. (MATTOS, 1990,
p.121) Nesse aspecto, liberais e conservadores tinham uma percepção muito negativa em
relação aos pobres livres, tratando-os, de modo geral, como ameaça ao mundo da Casa e,
portanto, aos direitos e interesses da elite senhorial, assim como à ordem.

Quanto à atuação e funcionamento do governo central, Mattos afirma que liberais e


conservadores geralmente se opuseram. Os liberais defendiam a descentralização do poder
e que o governo central não interferisse na liberdade da Casa, ou seja, na liberdade do
senhor, como um déspota de seu próprio domínio, na gestão da escravidão, na participação
no tráfico negreiro e no monopólio da violência no âmbito privado. (MATTOS, 1990,
p.163) Os liberais defendiam uma concepção de Liberdade equivalente à ideia de “não
impedimento”, o que significaria o direito de fazer tudo o que as leis permitirem, com
mínima ou nenhuma interferência estatal

Os conservadores, ao contrário dos liberais, vão defender uma estrutura de governo


centralizado. Os saquaremas adotam um conceito de liberdade requalificado para
contemplar a noção de ordem e segurança. (MATTOS, 1990, p.145). Frente às muitas
disparidades sociais, juntamente com o medo do mundo do Mundo da Rua, os
conservadores defendem a centralização do poder e um Estado forte e capaz de defender os
direitos de propriedade dos Senhores das ameaças do Mundo da Desordem/Rua.

Os Conservadores propõem a cessão de parte de sua liberdade para que o Estado o


proteja da “Tirania da Plebe”. Nesse sentido, a emergência da liderança conservadora na
regência e no regresso é explicada pela capacidade do projeto conservador em lidar com as
agitações sociais da época. Um estado forte e centralizado permitia a manutenção dos
interesses da Elite senhorial frente às turbulências do mundo da desordem, ao contrário da
ideia dos liberais de descentralização política e liberdade incompatíveis com a noção de
ordem. Temos, por conseguinte, a adoção de um “liberalismo” que privilegia a segurança e
que assegura o direito à propriedade, em que o Estado se sobreporia à esfera do privado em
determinadas situações, seja para coibir excessos ou para evitar crises na ordem escravista.

Mattos entende os processos de constituição da classe senhorial e de construção do


Estado imperial como recíprocos. A elite senhorial consegue estar, ao mesmo tempo, no
domínio da Casa e do Estado e Mattos compreende essa dimensão dupla no ato de
governor, levando em consideração as capacidades de dirigir e dominar do Estado.
(MATTOS, 1990, p.168)

Mattos apresenta um arsenal conceitual essencial para a compreensão do período


imperial e as categorias expostas são de enorme valia para auxiliar na análise de muitos
aspectos das relações sociais entre as elites e o restante da sociedade no período.
Relatório 3 - SILVA, José Bonifácio de Andrada e. "Representação à Assembléia
Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura", pp. 27-40.

Na “Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do


Brasil sobre a Escravatura”, José Bonifácio apresenta uma série de propostas que previam
alterações significativas do Regime escravista no Brasil. Apesar de certo tom humanista no
discurso, utilizando, inclusive, de aspectos religiosos na construção retórica do texto,
percebe-se a visão estadista de Bonifácio ao tecer suas considerações.

Bonifácio visa a construção do Estado Nacional e apresenta medidas que


permitiriam a intervenção do Estado no mundo da Casa ao regulamentar vários aspectos da
relação entre escravos e senhores. Bonifácio argumenta sobre o caráter negativo da
escravidão ao desenvolvimento nacional, afirmando que não poderia haver “Indústria
segura e verdadeira, nem agricultura florescente e grande com braços de escravos viciosos e
boçaes” (SILVA, p.38).

Bonifácio é um crítico ferrenho do tráfico de escravos e defensor da abolição


gradual do regime escravista. O autor apresenta propostas para cessar o tráfico em poucos
anos após a representação, com taxação extra a Escravos homens “importados” antes do
fim do tráfico (SILVA, art. 1 p.27). Bonifácio também defendeu a obrigatoriedade do
registro de cada escravo, importado ou não, em um livro público de notas, o que facilitaria
o controle administrativo das transações de cativos. (SILVA, art. 2, p.27)

A intromissão do estado no mundo da Casa também é visível nas questões


trabalhistas. Bonifácio propõe, no artigo XVI, a proibição do emprego de escravos menores
de 12 anos em trabalhos insalubres e propõe que Conselhos conservadores vigiem a
execução do artigo. Caberia também a esses Conselhos, em cada província, determinar as
horas de trabalho, o sustento e o vestuário a ser concedido a cada escravo pelo senhor, a
depender da natureza do trabalho realizado. (SILVA, Art. XVII, p.31). Também seriam
impostos limites à aplicação de castigos violentos aos cativos no âmbito privado, sendo
estes permitidos apenas no Pelourinho público, após o julgamento do delito do escravo por
um “Juiz Policial”. (SILVA, art. XIII, p.30).

Bonifácio também apresenta regulamentações para a obtenção de alforrias,


garantindo a libertação do escravo caso este indenizasse o valor de sua “aquisição” ao
Senhor de escravos, (SILVA, art. V, p.28) o direito a pelo menos um dia livre mediante
pagamento de ao menos uma sexta parte do valor de alforria (SILVA, art. VI, p.28) e a
imposição da obrigatoriedade do senhor de escravos sustentar escravos velhos e doentes
alforriados por ele. (SILVA, art. VIII, p.29).

Bonifácio, no entanto, também propõe medidas para a obtenção ou manutenção de


mão de obra, permitindo que o senhor de escravo mantenha seu cativo por determinado
período após alforriá-lo voluntariamente (SILVA, art. VII, p.29) e que o governo possa
executar leis policiais contra “vadios e mendigos” para obter força de trabalho, desde que
estes fossem, nos termos de Bonifácio, “Homens de côr” (SILVA, Art. XXIV, p. 33).

A questão fundiária também ganha espaço na representação de Bonifácio,


especialmente pela ideia de ceder uma pequena sesmaria de terra ao escravo forro que não
tenha modo certo de vida. O projeto também prevê o financiamento, por parte do Estado, de
recursos para que seja possível produzir o espaço de terra concedido, o que representaria
um modelo muito distinto da estrutura fundiária da elite escravista.

Quanto à intromissão do Estado no mundo da Casa, Bonifácio também apresenta


propostas em relação às famílias, mulheres escravas e casamentos como por exemplo a
proibição da venda de escravos casados sem seus filhos menores de 12 anos ou esposas
(SILVA, Art. IX, p.29), o impedimento da realização de trabalhos extenuantes às escravas a
partir de 3 meses de gestação (SILVA, art. XVIII, p.31), o direito a horas extras de
descanso para cada filho que a escrava tiver após o primeiro filho, com a alforria da mulher
escrava após a gestação de 5 filhos (SILVA, art. XIX, p.131), a desautorização imposta ao
senhor de evitar o casamento de seus escravos com mulheres livres (SILVA, art. XX, p. 32)
e a imposição da libertação da mãe e filhos provenientes da relação entre Senhor de
escravos e escrava, com a obrigatoriedade outorgada ao senhor de cuidar da educação
desses filhos até a idade de 15 anos. (SILVA, art. XI, p.30).

Inovações jurídicas também aparecem no rol de propostas da representação. Além


das limitações aos direitos dos senhores de escravos já citados, Bonifácio sugestiona a
possibilidade do escravo testemunhar em juízo contra senhores de escravos alheios
(SILVA, art. XV, p.31). Ademais, o autor propõe um artigo que facultava ao escravo que
comprovasse uma violência excessiva sofrida a um Juiz policial o direito de buscar um
novo Senhor e, no mesmo artigo da representação, é dito que todo escravo mutilado ou
“estropiado” seria imediatamente alforriado, aspecto que ainda mais demonstra a
intromissão do Estado nas relações escravistas na Representação de Bonifácio. (SILVA, art.
XIV, p.31),

Por fim, cabe afirmar o interesse de Bonifácio pela europeização da sociedade e pela
mistura das raças existentes/ “amalgamação” da sociedade, para que, segundo ele, se forme
um “todo” homogêneo e compacto, que não se desfizesse em qualquer convulsão política.
Relatório 4 - WERNECK, Francisco Peixoto de Lacerda (Barão Pati do Alferes). Manual
sobre a Fundação de uma Fazenda na Província do Rio de Janeiro. Brasília: Senado
Federal/Casa Rui Barbosa, 1985, pp. 49-84.

O Barão Pati dos Alferes apresenta em sua obra uma série de instruções e
recomendações para a fundação de uma fazenda na província do Rio de Janeiro, incluindo
indicações da ordem das tarefas a serem realizadas. Werneck também apresenta uma série
de características necessárias ao Senhor de Escravos/fazendeiro. Entre as qualidades, se
destaca o conhecimento da natureza da região no que compreende ao tipo do solo para
melhor escolha da localização do plantio e aos recursos naturais disponíveis como madeiras
para corte e acesso à água (WERNECK, 1985, pp. 57-60). Outro aspecto ressaltado por
Werneck é a capacidade do senhor de escravos em gerir a escravatura de forma moderada.
O Barão do Pati afirma que o senhor, ao castigar o escravo, deve fazê-lo de maneira “justa”
e moderada, sem demasiada severidade ou frouxidão excessiva. O mesmo também não
deve deixar acumular os delitos dos escravos para puni-los de uma só vez. (WERNECK,
1985, p.64). Isso, segundo Werneck, evitaria revoltas dos escravos e manteria os cativos
sob controle, mantendo a estabilidade das relações sociais escravistas

Werneck também mostra que compete ao senhor dos escravos certa racionalidade
no trato com a escravatura, afirmando que escravos doentes ou feridos não devem trabalhar
enquanto estiverem debilitados, por exemplo. (WERNECK, 1985, pp. 64-65). O Barão do
Pati também aponta como deve ser a alimentação desses escravos, indica um modelo para a
localização da senzala, evitando danos à força de trabalho por condições muito insalubres
de habitação e delimita as ferramentas que os escravos devem possuir para a realização de
seus ofícios. (WERNECK, 1985, p. 58, p.64 e pp.65-66).

O Barão do Pati também apresenta a necessidade da responsabilidade econômica


por parte do Senhor, afirmando, por exemplo, que não se deve comprar escravos fiados,
para evitar endividamentos. (WERNECK, 1985, p.63)

Frente ao exposto, cabe citar os pilares em que se assenta a administração da


propriedade cafeeira para o barão. O principal deles é a gestão escravista, mantendo a força
de trabalho ordenada e em minimamente sadias. Em sequência, destaca-se a boa escolha do
local da fazenda para a produção eficiente, a instalação de maquinário e a autossuficiência
da fazenda no que se refere ao cultivo de gêneros alimentícios para consumo interno e
obtenção de recursos como a madeira.

O texto também cita mecanismos que, segundo Werneck, ajudariam a apaziguar a


relação entre Senhor e escravos. A cessão de uma pequena porção de terra para o plantio
dos escravos, com posterior compra da produção pelo Senhor, permitiria que os escravos
comprassem tabaco, roupas e gêneros alimentícios mais variados do que a dieta padrão,
promovendo uma melhor qualidade de vida ao cativo. Werneck aponta que o cultivo dessas
roças “distrai” os escravos em relação ao regime escravista e os entretém com esse pequeno
direito de propriedade (WERNECK, 1985 pp.63-64). A religião também é citada pelo
Barão do Pati. Segundo Werneck, o Escravo deve ouvir missa (caso haja na fazenda), se
confessar anualmente e guardar dias santos e o domingo. O barão afirma que a religião é
essencial para que os escravos mantenham bons costumes e obediência aos senhores
(WERNECK, 1985 p.63).

É difícil imaginar o ponto de vista dos escravos sobre esses temas, é possível que,
especialmente em relação ao cultivo de roças, os escravos tivessem uma visão positiva,
principalmente pela possibilidade de alguma melhora das suas condições de vida. Em
relação à religião, os “bons costumes, moralidade e obediência”, citados por Werneck,
podem ser muito mais frutos do medo dos cativos em relação aos castigos aplicados do que
propriamente a aceitação de uma moralidade e costumes cristãos. Vale ressaltar, no entanto,
que o direito de “folgar” aos domingos e dias santos possa ter sido algo que os escravos
considerassem benéfico.

O texto indica também algumas brechas do controle senhorial exploradas pelos


escravos. A embriaguez, severamente proibida pelo barão, era algo que possivelmente
atrapalhava o bom andamento do trabalho e ordem escravistas. (WERNECK, 1985 p.64).
Pela proibição de Werneck, com delimitação de um rigoroso castigo a ser dado, pode se
dizer que talvez o ato de se embriagar fosse relativamente comum entre os escravizados e
um problema a ser resolvido pela administração da fazenda. Werneck também cita que a
coleta da madeira, mais distante das zonas de plantio, deveria ser feita por quantidade
pequenas de trabalhadores para que a tarefa fosse realizada com eficiência. (WERNECK,
1985, p.62). É possível depreender que os escravos aproveitassem a distância maior em
relação ao núcleo da fazenda para reduzir a intensidade do trabalho e, por estarem na região
de mata da fazenda, uma maior quantidade de escravos dificultaria a fiscalização por parte
dos administradores.

Por fim, é possível relacionar a gestão escravista proposta pelo barão com a
ideologia conservadora discutida por Ilmar Mattos. O Barão do Pati era um homem da
“Ordem”/mundo da Casa e em seu texto são apresentadas instruções claras , assim como
certas limitações à ação do senhor de escravos, especialmente no que se refere à aplicação
de castigos, para a manutenção do sistema escravista. Isso se relaciona com a ideologia
conservadora à medida em que o Barão visa orientar a ação de senhores de escravos para a
manutenção da ordem escravista. Werneck apresenta um modelo de construção,
organização e gestão de uma fazenda, o que contrapõe a noção de uma gestão de
propriedade escravista feita tendo em base as vontades individuais de cada senhor de
escravos. Em suma, a visão do Barão do Pati é diferente da noção do Senhor como déspota
de seu próprio domínio.
Relatório 5 - BARROS, Maria Paes. No Tempo de Dantes in: MOURA, Carlos Eugênio
Marcondes de (org.). Vida Cotidiana em São Paulo do século XIX. São Paulo: Ateliê
Editorial/ Imprensa Oficial/Unesp, 1999, pp. 115-133.

O texto de Maria Paes de Barros apresenta memórias da infância/juventude da


autora. Paes de Barros apresenta muitos aspectos do cotidiano nas fazendas escravistas de
seus pais, servindo como fonte para analisar as relações sociais entre escravos e senhores,
assim como as tarefas de gestão do mundo da “casa” e aspectos relacionados a estereótipos
raciais.

Paes de Barros descreve a bondade da mãe e seu espírito caridoso e benevolente,


descrevendo a felicidade dela em curar os escravos doentes (BARROS, 1999, p.124), assim
como “alegres manifestações” dos escravos em relação ao Senhor (comendador), na festa
do de São João (BARROS, 1999, p.128). Apesar das descrições de certa “admiração” e de
expressões de alegria por parte dos escravos, percebe-se, dentro do próprio texto, passagens
que demonstram a grande ambivalência das relações escravistas. Exemplo dessa
ambiguidade está presente no momento em que a matriarca da família Paes de Barros
relembra a morte de um filho de uma escrava e a orienta a “criá-lo” direito para que o
menino não morresse. (BARROS, 1999, p.117) A fala da Senhora é de uma violência
gigantesca e contrasta com a “benevolência” afirmada por Paes de Barros. Além da
completa falta de compaixão por uma mãe que perdeu o filho, ela ainda culpabiliza a
escrava pela morte do próprio filho. Outros exemplos dessas relações violentas e desiguais
são demonstrados no episódio em que um escravo acorrentado suplica que fosse aliviado do
castigo (BARROS, 1999, p.120) e na exposição do severo castigo aplicado a um escravo
que fugisse de forma reincidente. (BARROS, 1999, p.128)

Nas memórias de Paes de Barros, são mostrados aspectos relacionados à escravidão


feminina. Dentre as funções desempenhadas, destacam-se cozinhar a refeição dos escravos,
socar café torrado, além de atividades no processo de produção da fazenda, como debulhar
milho (BARROS, 1999, p.117 e 119). Na questão do trabalho das escravas, o ofício de
Joaquina é muito explicitado no texto. Joaquina era a escrava que cuidava e acompanhava,
na maior parte do tempo, as filhas dos senhores de escravos. Suas funções eram muito
variadas e iam de acompanhar as meninas nos passeios a coloca-las para dormir. Paes de
Barros a definia como a personificação da devotada afeição que as africanas sentem em
geral pelas crianças o que, de certa forma, é uma visão muito estereotipada da figura de
Joaquina baseada em seu ofício dentro da dinâmica de relações escravistas. (BARROS,
1999, p.120)

Os estereótipos raciais no texto não se resumem à figura de Joaquina. Paes de


Barros define os “pretos” em geral como uma “raça resistente e prolífera” que não se
queixava de excesso de trabalho e vivia satisfeita se lhes desse trato, comida e roupa.
(BARROS, 1999, p.128) Noções de superioridade racial também aparecem nas memórias
de Paes de Barros, sendo o exemplo mais evidente disso a ação do pai no arranjo dos
casamentos das filhas, já que Paes de Barros afirma que o pai sempre buscou saber se havia
“qualquer mescla” de sangue de cor na família dos potenciais noivos (BARROS, 1999,
p.131).

O pai/comendador era figura essencial na gestão do mundo da casa, visto que todas
as decisões deveriam passar por sua análise. O comendador também era o elo entre o
mundo da Casa e o mundo exterior e era o principal responsável pelas decisões
relacionadas à gestão da produção e da escravaria. No entanto, a Senhora/Mãe também
tinha importantes funções, principalmente voltadas à manutenção da força de trabalho em
estado saudável e à garantia da reprodução dos escravos e, por consequência, da mão de
obra, conforme episódio já citado da cobrança em relação ao falecimento do filho de uma
escrava.

Paes de Barros também analisa a experiência do trabalho livre em uma das fazendas
da família retratadas no texto. A autora apresenta as qualidades da adaptabilidade e bom
resultado do trabalho livre, além de elogiar o empenho e o quão econômicos eram os
trabalhadores alemães. Estereótipos e ideias de superioridade racial também se fazem
presentes, já que Paes de Barros afirma que a colônia ali fundada dava a satisfação ao pai
de poder trabalhar com pessoas brancas. No entanto, Paes de Barros também apresenta a
desvantagem de que o trabalho livre era dispendioso em relação ao uso de mão de obra
escrava. (BARROS, 1999, p. 123-124)
Frente à análise, conclui-se que as memórias de Paes de Barros são de grande valia
no estudo das relações sociais escravistas e correspondem a uma fonte importante na
avaliação do cotidiano de uma fazenda escravista.

Relatório 6 - DIAS, Maria Odila Leite da Silva Dias, “Senhoras e ganhadeiras: elos
na cadeia dos seres”, in Quotidiano e Poder em São Paulo no século XIX. São Paulo:
Brasiliense, 1984, pp. 83-128.

REIS, João José, “A Greve Negra de 1857 na Bahia”, Revista da USP, n. 18, 1993,
pp. 6-29 (http://www.usp.br/revistausp/18/01-joaojose.pdf).

Maria Odila Leite da Silva Dias e João José Reis vão tratar sobre a escravidão
urbana no Brasil do século XIX nas cidades de São Paulo e Salvador, respectivamente. A
escravatura urbana assume diferentes faces em ambas as regiões abordadas e os autores
também delimitam recortes temporais distintos. Enquanto Reis trabalha com a escravidão
urbana e a greve de escravos de 1857, Dias enfoca a escravidão urbana paulista da primeira
metade do século XIX.

Dias trata principalmente de uma escravidão urbana de pequenas proprietárias,


formada por mulheres que recebiam escravos por meio de heranças, favores ou doações.
(DIAS, 1984, p.118). Essas mulheres eram donas de poucos cativos e possuíam baixa renda
anual, o que, segundo Dias, indica que essas senhoras se mantinham precariamente e
tinham muita dificuldade em sustentar seus cativos. Mesmo nos setores mais lucrativos da
escravidão urbana paulista, como o comércio ambulante, se notava, entre 1804 e 1836, o
empobrecimento dessas senhoras de escravos e a incapacidade das mesmas em se manter
como proprietárias de escravos. (DIAS,1984, p.122). Mesmo antes da década de 1850,
quando há a crise da escravidão urbana em São Paulo, já se multiplicava o número de ex-
proprietárias de escravos e a concentração de renda e da mão de obra nas mãos da
burguesia cafeeira. (DIAS, 1984, p.135)

Outro ponto importante é o de que a escravidão feminina é majoritária entre os


escravos mantidos por essas pequenas proprietárias, o que se explica pelo menor custo de
aquisição de escravas em relação a cativos homens, haja em vista a maior demanda pela
escravidão masculina por parte de fazendeiros de café e senhores de engenhos. (DIAS,
1984, p.122). Dentre as funções desempenhadas pela escravidão urbana paulista, destacam-
se atividades no setor terciário, como o comércio ambulante e o mercado de aluguel do
serviço de escravos. (DIAS,1984, p.124) Além da composição da escravidão de pequenas
proprietárias, outra questão de gênero aparece na indicação de que havia a preferência por
escravas para o ofício de vendedora ambulante e que esse era, provavelmente, o trabalho
mais bem pago entre as ganhadeiras.

No aspecto cultural, Dias apresenta o costume de pagar rendas sobre o comércio por
parte das africanas de Daomé, além da jornada de trabalho de 4 dias comum, segundo a
autora, entre as africanas comerciantes da costa ocidental da África. (DIAS, 1984, p.133 e
p.126)

A escravidão urbana em Salvador apresenta características bem distintas da Paulista.


Na questão dos ofícios, Reis aponta logo no início do texto a função de circulação de coisas
e pessoas pela cidade, aspecto não trabalhado por Dias, com grande presença de escravos
homens empregados na escravidão urbana nas ruas de Salvador (REIS, 1993, pp. 8-9). Na
questão de gênero, Reis, assim como Dias, aponta a presença majoritária da escravidão
feminina como vendedoras ambulantes e quitandeiras. (REIS, 1993, p.16).

Em Salvador, nota-se também um alto grau de organização e sociabilidade dos


escravos urbanos. Reis cita grupos islâmicos, terreiros e irmandades como espaços de
aglutinação, nos quais os escravos aperfeiçoaram estratégias de resistência ou de
rompimento com o cotidiano opressivo da escravidão. (REIS, 1993, p.11) Os cantos eram
espaços de circulação e concentração de escravos e libertos, Reis os aponta como
fundamentais na organização da greve dos escravos, haja em vista a capacidade de tomada
de decisões, mobilização de esforços e discussão de ideias dessa estrutura organizacional.
(REIS, 1993, p.28)

Ao analisar a greve de 1857, Reis aponta que o movimento era contrário a uma
postura municipal que definia a obrigatoriedade de uma concessão estatal para que os
escravos de ganho pudessem exercer seus ofícios (os ganhadeiros, especificamente, já que a
lei não tornava a licença obrigatórias às mulheres). Além disso, os escravos deveriam pagar
por essa licença e custear uma placa de identificação que deveria ser utilizada sempre que o
cativo estivesse exercendo atividades no “ganho”. (REIS, 1993, p.8).

A Identidade étnica e densidade cultural africanas favoreceram a resistência escrava


a senhores, autoridades policiais e população em geral. (REIS, 1993, p.10). Aspectos
culturais também eram visíveis em questões trabalhistas. O escravo ganhador organizava o
tempo, o ritmo e o volume do próprio trabalho o que, segundo Reis, era algo comum entre
os africanos. (REIS, p.1993, p.11)

A postura municipal de 1857 é mais uma dentre as estratégias que tentavam


controlar e disciplinar o escravo urbano da cidade de Salvador. Reis aponta para a
malograda tentativa de intervenção nos Cantos, realizada em 1835. A medida interventiva
objetivava retirar a autonomia desses espaços para, por conseguinte, ampliar o controle
sobre o escravo urbano. (REIS, 1993, pp.17-20)

A greve de 1857 também demonstra a ampla dependência que Salvador tinha em


relação aos ganhadores, especialmente no ramo do comércio, haja em vista que a
paralisação gerou contratempos e problemas na dinâmica de circulação da cidade. (REIS,
1993, p.22). Ao mesmo tempo em que se percebe o impacto econômico da greve, também é
perceptível o grau de organização da escravidão urbana soteropolitana e a consciência que
os cativos tinham de seus interesses e de sua importância no cotidiano soteropolitano.
(REIS, 1993, p.28).

Frente ao exposto, conclui-se que São Paulo e Salvador apresentam cenários bem
distintos em relação à escravidão urbana e às condições socioeconômicas de escravos e
proprietários.
Relatório 7 - MACHADO, Maria Helena, “Teremos grandes desastres, se não houver
providências enérgicas e imediatas”: a rebeldia dos escravos e a abolição da escravidão” in:
SALLES, Ricardo e GRIMBERG, Keila. Brasil Império. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2009.

MAMIGONIAM, Beatriz G. e GRINBERG, Keila. “Lei de 1831”; MENDONÇA,


Joseli M. N. “Legislação Emancipacionista, 1871-1885” in: SCHWARCZ, L. e GOMES, F.
Dicionário da Escravidão e da Liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2018, respectivamente
285-291; 277-284.

Maria Helena Machado trabalha em seu texto com questões relacionadas ao


desgaste do sistema escravista e aos projetos de emancipação no cenário político. Machado
aponta que, ao contrário do que afirmavam parlamentares e a burocracia imperial, o fato
social da abolição se realizou no contexto das militâncias populares nascentes, fora da área
da política excludente do império. A participação de escravos no desgaste do sistema
escravidão foi essencial e os cativos, por meio de protestos, fugas e revoltas, contestavam a
autoridade senhorial e policial. (MACHADO, 2009, p.369)

Na década de 1880, a rebeldia escrava passou a se intensificar especialmente nas


regiões de concentração escravista. A eclosão de movimentos contestatórios dos escravos
fez com que a manutenção da segurança e da ordem pública fosse o principal problema a
ser enfrentado nos distritos. (MACHADO, 2009, p.376). Machado opera a análise de uma
fonte que consistia em um inquérito policial acerca de uma revolta de escravos ocorrida na
fazenda São José do Rio Claro. No episódio em questão, escravos reagiram à imposição de
um castigo injusto por parte do administrador e açoitaram o feitor em reação à agressão
indevida. O evento em evidência, além de demonstrar uma forma de resistência ao sistema
escravista, também apresenta uma discordância entre o delegado de polícia e o
administrador em relação à punição que deveria ser aplicada a esses escravos, o que
delineia uma sútil disputa pelo controle social, policial e jurídico das indisciplinas escravas
(MACHADO, 2009, pp. 379-383)

A década de 1880 promoveu cisões entre os interesses de fazendeiros e da polícia. A


crescente instabilidade do sistema escravista e o desgoverno dos escravos parecem ter
sugerido para autoridades policiais que, em situações extremas, seria mais importante
defender a tranquilidade pública do que os interesses dos fazendeiros, segundo Machado.
(MACHADO, 2009, p.388) O cenário de crescente insegurança social estava muito ligado à
resistência dos escravos, cujas estratégias conseguiram desgastar o sistema escravista e
colocar em xeque as estruturas de dominação existentes. Entre os vários aspectos da
generalização da rebeldia escravista, destaca-se a mobilidade dos escravos. A fuga em
bando de escravos, além da locomoção dos mesmos por vias, estradas e cidades, causavam
temores relacionados ao acontecimento de surtos de violência aos senhores, populações
urbanas e autoridades policiais. (MACHADO, 2009, pp.391-392).

O medo e a insegurança tornaram visíveis, portanto, as formas de desgaste da ordem


escravista e a participação dessa camada social no processo abolicionista, negando, por
consequência, a visão dos parlamentares que tentaram tomar para si toda a “glória” do
processo emancipatório no Brasil.

Joseli Maria Nunes Mendonça discute a legislação emancipacionista de 1871 e


1885. A lei do ventre livre (1771) definia que os filhos de escravas seriam livres e instituía
o pagamento de indenização ao Senhor de 600$000 ou o direito, concedido ao senhor, de
utilizar a força de trabalho do filho dessa escrava até a idade de 21 anos. A lei também
proibia a separação de famílias escravas por venda de cativos e tornava obrigatória a
alforria de escravos que pudessem indenizar os seus senhores. (MENDONÇA, 2018, p.278
e pp. 280-281). A Lei dos sexagenários (1885) delimitava que escravos com mais de 60
anos de idade seriam libertos, mas prestariam 3 anos adicionais de trabalho ao senhor antes
de obter a alforria. A lei também estipulava novos critérios para a alforria pelo fundo de
emancipação, proibia a transferência entre províncias do domicílio de escravos e declarava
a fixação da residência de libertos em uma cidade por 5 anos. (MENDONÇA, 2018, p.283)

Mendonça afirma que a lei de 1771 parecia compatível com a expectativa do


gradualismo da abolição da escravidão, haja em vista que proporcionava indenização aos
senhores e estancava a escravidão pelos nascimentos, o que não promovia a liberação
ampla de escravos simultaneamente e, pelo período de serviço que o filho da escrava teria
de prestar, haveria a aculturação ao trabalho e a permanência próxima aos Senhores de
escravos. (MENDONÇA, 2018, p.281). Embora o gradualismo fosse uma expectativa forte
de grande parte da elite política e econômica, Mendonça afirma que as aspirações dos
escravos, em parceria com abolicionistas do sistema judiciário, promoveram resultados
indesejados à essa elite. (MENDONÇA, 2018, p.284)

Beatriz Mamigonian e Keila Grinberg analisam a lei de 1831 utilizando o termo


“Lei para Inglês ver”. A proibição do tráfico negreiro não se fez efetiva e houve a burlagem
da legislação e do tratado, firmado em 1827 com a Inglaterra, que proibia todo comércio de
escravizados ao Brasil. (MAMIGONIAN, GRINBERG, 2018, pp.285-286) No entanto, em
1837, Marquês de Barbacena apresentou um projeto que não previa nem a emancipação de
escravos que fossem traficados nem a criminalização dos traficantes. Além disso, o projeto
continha um artigo para revogar a lei de 1831 e, por consequência, anistiar os crimes
cometidos desde a legislação prévia. Segundo Mamigonian e Grinberg, o projeto serviu
para unir forças contrárias à repressão do tráfico e promoveu uma guinada conservadora
que ascende ao poder e faz vistas grossas ao tráfico, ignorando os termos do tratado
firmado com os ingleses. (MAMIGONIAN E GRINBERG, 2018, p.288)

Após crise desencadeada por pressões inglesas e articulações internas, o governo


brasileiro revê sua posição e aprova, em 1850, a Lei Eusébio de Queirós que estipulava
definitivamente a repressão ao tráfico negreiro atlântico.

Mamigonian e Grinberg também discutem a questão do “gradualismo” da


emancipação. Para as autoras, os sucessivos acordos para tornar ineficaz a lei de 1831
revelam a conivência do Estado Imperial com o tráfico negreiro e a escravidão ilegal, o
que, por conseguinte, desfaz a narrativa da busca gradual e consensual da abolição da
escravidão no Brasil. (MAMIGONIAN, GRINBERG, 2018, p.291)

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