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subterrâneas (Uruaçu-Goiás)*
Gercinair Silvério Gandara1
*Os resultados aqui apresentados são frutos do trabalho de pesquisa em desenvolvimento, co-
ordenado pela Profa. Dra. Gercinair Silvério Gandara na Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-
Graduação da Universidade Estadual de Goiás, com o projeto intitulado Estudos Socioambien-
tais dos Rios e Cidades-Beira do/no Norte Goiano: Uruaçu e cidades circunvizinhas. Financiado pela
PrP-UEG.
1
Doutora em História Social pela Universidade de Brasília (2008); Docente da Universidade
Estadual de Goiás (UEG), Campus Uruaçu. Coordenadora Geral do LHEMA (Laboratório de
História e Estudos Multidisciplinares em Ambientes), Líder do Grupo de Pesquisa História
Ambiental: territórios, sociedades e representações e do Grupo de Pesquisa Rios e Cidades na
História do Brasil.
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Cf. Escritura Pública do Registro de Imóveis da Comarca de Jaraguá, sob n. 1680, fls.214 do
Livro 3B, em 02.08.1926. A transação do imóvel se concretizara no dia 21 de abril de 1910,
figurando como vendedores os irmãos Mendes e Silva e como compradores os filhos do Coro-
nel Gaspar.
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Ver Gandara, Gercinair Silvério. Cadinho do Brasil. Uruaçu... cidade-beira... cidade-fronteira
nos caminhos do sertão de Goiás 91910-1960) Goiânia: Ed. Espaço Acadêmico, 2016.
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Foto de janeiro de 2015. Cedida por Jota Marcelo, Jornal Opção, Uruaçu-GO.
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em nós. Ela nos permite ver a “ biquinha” não como um objeto de estudo,
mas como resposta dos sentidos e das atividades de folguedos propositais
que foram claramente registrados enquanto outros retrocederam para a som-
bra. Aquelas águas surgem/ressurgem em meio as facetas do ambiente cons-
truído, previamente negligenciados, mas que aqui são/serão vistos com toda
claridade.
Dr. Mariano Peres, numa matéria publicada no Jornal Cidade (16 a
28/02 de 2015) intitulada “Biquinha da Rua Goiás”, tece deliciosa prosa
histórica da biquinha:
[...] antes ainda dos anos quarenta Tineco era prefeito e queria Santana como
outras cidades com boa água potável jorrando no chafariz”. [...] Fixou o
lugar onde seria o chafariz. [...] contratou um cisterneiro [...] E cavou uma
cisterna em um ponto mais elevado onde já sabia ser a água rasa quase na
flor da terra. A água jorrou bonito a um metro e pouco de fundura. E em
bicas de aroeira foi levada agua ao chafariz [...] Um muro de tijolos com três
metros de extensão por um e meio de altura, no centro uma bica saindo de
dentro do muro despejando continuamente numa pedra chata o precioso
líquido cristalino e puro. A bica passava por dentro da prefeitura e dali para
frente era coberta de tábuas e aterrada. Assim dava impressão que a água
nascia do muro. Um dia a chuva derrubou o muro, mas a bica ficou lá cum-
prindo sua missão.
Por fim lamentou que tanto “Zezé como Tineco viajou para o outro
mundo. Mas a biquinha ali continua seca e verde jorrando água sempre
cristalina faça chuva ou faça sol”. E desabafou dizendo que “a cidade cres-
ceu..., mas a biquinha resistindo ao tempo e às perversidades do progresso
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Alair Martins Spindola, conhecido por Nego Spindola, filho de Zezé Spindola, hoje com 75
anos. Entrevistamos via telefone.
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dela eu era menino, ela existia desde quando eu entendi por gente. Eu co-
nhecia essa biquinha, eu chamava de chafariz, ela enchia e derramava num
tanque, o pessoal falava lá de “vasilha”. Era uma mina mesmo.
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Entrevista realizada em 21/03/2017 com o Contador Valdeci Francisco de Morais. Escritório
de Contabilidade Padrão. Rua Goiás, – Q 23 LT 6 – Central – Uruaçu, GO – CEP 76400-000.
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Então o seu Zezé Spindola quando fez o asfalto aqui na Goiás canalizou ela.
Fez uma caixa, só porque nessa caixa que ele fez, ele colocou um tampão
para não ficar vazando, igual tá vazando agora né? Então tem mais ou me-
nos uns cinco anos creio eu mais ou menos assim, que o Nego Spindola
abriu de novo a bica e começou a esgotar ela novamente lá em baixo, deixou
ela cair. Ela nasce aqui na frente do meu lote. [...] Então assim tá aí na porta.
Na minha construção eu organizei tudinho para não pegar nela, eu preser-
vei bem ela. A Mangueira passa na frente da minha construção aqui. Na
frente do escritótio. Ela nasce aqui mais ou menos. Esse local aqui meu, ela
tá tudo arrumadinho, isso aqui não precisa mexer, não acaba nunca se não
mexer, nunca mais acaba. Só a questão dela ir para baixo porque aqui aonde
tá a mina não acaba mais, nada mexe aqui com ela mais né. [...] E ela é
potável. O pessoal fez análise dela uma vez. Ai sabe aquela época que faltou
agua na cidade, o pessoal enchia ai, o tempo todo o pessoal enchendo os
galão, balde. [...] o Kid puxou uma mangueira e deixou ela cair. Eu usava a
água dela para pôr no aquário, que é uma agua muito boa. Potável! Todo
mundo conhece isso aqui.
Ele lamentou que hoje as águas da biquinha “está indo para o Ma-
chombombo novamente, está caindo aí e depois cai lá dentro do córrego”.
De fato, ela corre para o córrego Machambombo, seguindo nas manilhas,
pois o recipiente não comporta a quantidade de água que transborda indo
para a rede pluvial.
O Vereador Alacir Freitas Carvalho (Cil), presidente da Câmara dos
Vereadores6 depôs suas lembranças de infância da/na biquinha no tempo e
no espaço com emoção e entusiasmo.
Nossa! Essa biquinha, vou ser sincero pra você é dos nossos primórdios.
Antes de mim já existia essa biquinha. Ela nasce no centro da rua Goiás,
pertinho da casa da tia Nenzinha... Ali é uma mina, dali até no meio, indo
pro lado, descendo, indo pro lado da rua Porangatu, pro lado direito tudo
era brejo! Era brejo, na casa de “seu Nuca”, na casa do “ tio João”, na casa
da “dona Ditosa” tá! Hoje, onde era a casa do juiz também, hoje onde é o
SVO, é a mesma coisa, era brejo. [...] na época de recessão de água aqui todo
mundo chegava com suas vasilhas e pegava agua ali, quando faltava agua na
cidade... Então aquela água corria, aquilo ali era a salvação nossa dentro de
Uruaçu. Então, era o pessoal da rua baiana, a Gercinair deve saber de quem
que eu to falando da rua baiana, hoje se chama Avenida Transbrasiliana.
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Entrevista realizada pela equipe LHEMA no dia 14 de março de 2017.
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com a água dela. Ele não gastou nenhuma água de fora, nadinha, tudo era
da água da biquinha, lá é dia e noite”. Enfatizou que “tem gente que vai lá,
“com galão de água para encher todos os dias. Garrafa d’água e galão”.
Enfatizou, “aquela água foi provada pela Saneago. Ela é puríssima. Purís-
sima, puríssima”. Conta que tanto ele quanto os remanescentes da Família
Fernandes utilizam-se das suas águas.
Aqui eu tô fazendo a mesma coisa, eu não compro água mais né, de galão, eu
vou lá e encho a minha lá, eu e o pessoal de perto ali os Fernandes de Carva-
lho, quase todo mundo faz isso. É a tradição nossa ali, graças a Deus ali é uma
água pura. [,,.] passa lá hoje pra você ver o tanto que a mangueirinha acho que
é de vinte que está là, Vai lá e olha o tanto de água que sai lá. Mas é muita
água, está saindo muita água. É o trem mais bonito do mundo...
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Antônio de Freitas Carvalho (Kid, Kidão) 20/03/2017 Uruaçu-GO.
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está saindo pela mangueira”. Explicou que a água “está saindo magrinha
daquele jeito porque ela está reduzida, mas quando eu tirar a redução ela
vai voltar a jorrar muito, pode ir lá ver que ela sai uma tora d’água”.
Estes depoimentos somados às nossas lembranças e convivência para
com a biquinha da mina da rua Goiás foram deveras esclarecedores e fantás-
ticos. Com os depoimentos do Nego Spindola, do contador Valdeci que pre-
servou a mina quando da edificação do seu escritório, a do Kid e do Alacyr
Freitas e outras inúmeras pessoas que falam das suas memórias para com a
biquinha ficamos convencidos da necessidade em se fazer um projeto de tom-
bamento, preservação e dinamização das águas da mina da Biquinha. Aque-
la mina d´água jorra incansavelmente por quase um século encharcando o
chão da rua Goiás. Ela reclama por sua história, por sua preservação, revita-
lização, dinamização e o aproveitamento das suas águas para outros fins.
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Fonte: Jornal Opção Fevereiro de 2015. Cedida por Jota Marcelo do Jornal Cidade Urua-
çu-GO.
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Considerações finais
A responsabilidade para nós de falarmos de um patrimônio tão im-
portante para toda sociedade uruaçuense conjugou-se ao prazer de traba-
lhar com águas e ecoar seu brado. O território das águas uruaçuenses, em-
bora, muitas vezes, incompreendido, maltratado e /ou inaproveitado con-
tam a história da cidade e de seu território. Trata-se de águas calmas, trans-
parentes e límpidas. Águas admiradas que perfilam a memória dos filhos
genuínos da cidade em toda sua exuberância e na dimensão da memória
daqueles que cresceram e/ou envelheceram. Elas têm, para todos nós, mui-
tos significados e muitas representações. Primamos pela preservação, dina-
mização e aproveitamento daquelas águas que jorram incessantemente desde
a formação do núcleo de Santana. Isso feito, será, para nós, num arrancar
da memória, o espaço vivido no tempo. A materialização deste espaço-
memória consignará lembranças e registrará testemunhos que se enraiza-
rão no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. Será refúgio da
memória dentro da paisagem urbana e na história da cidade. Será, para
nós, o reencontrar da coerência dos sistemas de representação e apreciação.
Em termos sociais, sabe-se que a crise social tende, se aprofundar quando
os indivíduos perdem suas referências. Isso significa dizer que pensamos na
celeridade necessária para um novo uso das águas subterrâneas que jorram
da Biquinha, pois suas águas são referências de diversas gerações. Não se
trata de tomar medidas no futuro, mas, sim, para o futuro. Afinal, a crise da
água e a preservação da Biquinha diz respeito a todos uruaçuenses indistin-
tamente.
Referências
BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico no Época de Filipe II.
São Paulo: Martins Fontes, 1983. 2 v.
BRANDIMARTE, Ana Lúcia. Água: modismo, futurologia ou uma questão atu-
al? Ciência Hoje, Rio de Janeiro, v. 26, n. 154, out. 1999.
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Jornais
Jornal Opção Fevereiro de 2015. Cedido por Jota Marcelo do Jornal Cidade Uruaçu.
Jornal Cidade (16 a 28/02 de 2015)
Exposição Fotográfica Uruaçu 60 anos, 60 Ângulos,1991, Centro Cultural Cazuza,
presidido por Jota Marcelo – Jornal Cidade.
Sites
http://www.jotacidade.com/colunas/exibir.php?noticia_id=1670¬icia_link=
17¬icia_data=29-01-2015%2021:01:30
http://www.jotacidade.com/ktml2/files/uploads/pdf/cidade205.pdf
http://www.mottafilho.com.br/especiais/exibir.php?noticia_id=989¬icia_link=
30¬icia_data=19-11-2012%2010:11
http://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/em-uruacu-mina-dagua-potavel-
jorra-desde-1940-27751/
Depoimentos
Valdeci Francisco de Morais. Escritório de Contabilidade Padrão. 21.03.2017.
Uruaçu – GO.
Alacir Freitas Carvalho (Cil). Presidente da Câmara dos Vereadores. 14 e 20/03/
2017. Uruaçu – GO.
Alair Martins Spindola (Nego Spindola). 75 anos. Via Celular.
Antônio de Freitas Carvalho (Kid, Kidão). 20/03/2017. Uruaçu – GO.
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