Você está na página 1de 7

A leucemia mieloide crônica (LMC) é uma doença mieloproliferativa crônica decorrente de

mutação adquirida da célula progenitora hematopoética. Caracterizada pela presença do


cromossomo Filadélfia. produto da translocação t(9;22)(q34;p11) e que resulta na fusão dos
genes ABL e BCR, gerando um novo gene híbrido e anormal: o gene BCR-ABL.

Epidemiologia:

A LMC é uma doença rara, com incidência estimada de 1 a 2 casos para cada 100 mil pessoas
por ano. Existe discreto predomínio do sexo masculino (relação M:F de 1,4/1,3), e as mulheres
parecem apresentar vantagem na sobrevida. Representa 15% das leucemias do adulto,
ocorrendo em frequência semelhante no mundo todo. Pode acometer indivíduos de qualquer
idade, com mediana ao diagnóstico de 55 anos. A incidência aumenta progressivamente com a
idade, sendo que menos de 10% dos casos ocorrem antes dos 20 anos. Radiação ionizante é o
único fator de risco conhecido a se relacionar com o desenvolvimento da LMC.

Genética/ Etiopatogenia:

Posteriormente, foi então descrito que o cromossomo Ph era gerado da translocação recíproca
entre o gene localizado na posição 34 do braço longo do cromossomo 9 (oncogene da tirosina-
quinase Abelson – ABL) e aquele localizado na posição 11.2 do braço longo do cromossomo 22
(oncogene breakpoint cluster region - BCR)4.

O evento genético central na LMC consiste na translocação cromossômica recíproca t(9;22)


(q34;q11) na célula progenitora hematopoética, resultando no que hoje é reconhecida como
célula-tronco da LMC. A translocação entre os referidos cromossomos resulta na criação de
dois novos genes, o BCR-ABL no cromossomo 22q-, denominado cromossomo Filadélfia, e o
recíproco ABL-BCR no cromossomo 9q+.

O ponto de quebra do gene BCR ocorre principalmente em três localizações. O gene híbrido
predominante na LMC é derivado da cisão do BCR na localização denominada maior;

A transcrição desse gene gera moléculas de mRNA quimérico. O produto final desse rearranjo
genético é uma proteína conhecida como p210, a qual é responsável pela expressão clínica da
LMC. A natureza leucemogênica da p210 resulta de sua capacidade autônoma de ser ativada e
pela interferência na transdução de sinais nos processos celulares básicos, como proliferação,
aderência e apoptose.

A proteína híbrida exerce sua atividade acomodando uma molécula de ATP em uma bolsa, de
onde um fosfato do ATP é transferido para uma tirosina do substrato, que é assim fosforilada e
ativada. O Mesilato de Imatinibe, desenvolvido com base nesse conhecimento, acomoda-se na
bolsa da p210 e ocupa o lugar do ATP, impedindo que a proteína exerça sua ação de
fosforilação, provocando, dessa forma, remissão clínica e laboratorial da doença.

Receptores Tipo III (Receptores ligados à quinase e correlatos). Esse é um grande e


heterogêneo grupo de receptores de membrana.

Atualmente, foram descritos 58 Receptores tirosina-quinase (RTK) humanos, divididos em 20


subfamílias, dos quais cada um é caracterizado por três segmentos: um domínio extracelular
que funciona como um local obrigatório para um ligante específico, um domínio
transmembranar e um domínio tirosina-quinase citoplasmático, além de sequências
enzimáticas adicionais que promovem a transdução do sinal intracelular.
Quando ocorre o contato entre o ligante (FC) e seu receptor na forma monomérica, ocorre um
processo de dimerização, resultando na fosforilação do domínio intracelular, através da reação
entre ATP e resíduos de tirosina. Em seguida, ocorre a fosforilação de proteínas-alvo que
possuem o domínio SH2, o qual representa um sítio de reconhecimento para as fosfotirosinas.
A fosforilação intracelular inicia uma cascata de reações citoplasmáticas que culmina em
diversas respostas celulares3.

O ponto de quebra do BCR, no segmento denominado menor. de localização e1 e fusão com o


ABL no nível do exon a2, gera uma proteína com 190 kDa. Essa proteína está habitualmente
associada à leucemia linfoide aguda (LLA Ph positiva), porém em raros casos de LMC pode ser
predominante ou ser coexpressa em baixos níveis com a p210.

A fusão originada da quebra no segmento micro do BCR (µ-bcr), correspondente ao exon 19,
com o segmento a2 do ABL, resulta na síntese de uma proteína com um peso molecular de 230
kDa. Esse ponto de quebra tem sido descrito em casos de leucemia neutrofílica crônica com
cromossomo Filadélfia.

Manifestações Clínicas e Achados Laboratoriais:

As manifestações clínicas da LMC dependem da fase e do volume da doença. A história natural


compreende inicialmente uma fase crônica com poucos sintomas e mais prolongada (três a
cinco anos), seguida de uma fase acelerada, mais sintomática e com duração de alguns meses
e, por fim, a crise blástica, frequentemente fatal.

 Fase crônica:

Na fase crônica, com duração mediana entre três e cinco anos, as manifestações clínicas
incluem sintomas constitucionais como fadiga, perda de peso, sudorese e febrícula e os
achados ao exame clínico de palidez e esplenomegalia.

A esplenomegalia está presente em mais de 80% dos casos e, dependendo de seu volume,
causa desconforto abdominal e efeitos compressivos nas vísceras ocas, ocasionando plenitude
pós-prandial e outros distúrbios digestivos. Também pode ocorrer infarto esplênico, que se
tem localização subcapsular desperta dor devido à periesplenite. Hepatomegalia discreta a
moderada pode ser encontrada.

Manifestações de hiperviscosidade, como priapismo, zumbido e alterações visuais, são


observadas raramente e ocorrem nos pacientes com acentuada leucocitose.

Laboratório: No sangue periférico é característica a leucocitose, comumente acima de


25.000/µL, raras vezes atingindo níveis superiores a 400.000/µL. Na contagem diferencial
encontram-se granulócitos em todas as fases de maturação, predominando os mielócitos e as
formas maduras, enquanto os mieloblastos e promielócitos representam menos de 10%.
Basofilia é um achado comum e eosinofilia pode estar presente. Anemia normocrômica e
normocítica discreta é comum. A contagem de plaquetas é normal ou aumentada. A medula
óssea mostra intensa hiperplasia granulocítica, com morfologia geralmente normal. O número
de blastos é inferior a 10% e pode ser encontrada monocitose absoluta. É comum ocorrer a
hiperplasia megacariocítica. A biópsia de medula óssea é útil para ratificar a hiperplasia e
detectar presença de fibrose,

 Fase acelerada:

A fase acelerada tem duração de alguns meses e caracteriza-se por resistência à terapêutica
citorredutora, aumento da esplenomegalia, da basofilia e do número de células blásticas,
trombocitose ou trombocitopenia, mielofibrose e evolução clonal citogenética.

Nessa fase, os pacientes podem estar assintomáticos ou mais frequentemente apresentar


febre, sudorese noturna, perda de peso e dores ósseas. Vários grupos publicaram critérios de
fase acelerada de LMC. Qualquer desdes achados, mesmo ocorrendo isoladamente, é
suficiente para definir a fase acelerada dessa doença.

 Fase Blástica:

Considera-se que a LMC está em crise blástica quando o número de células blásticas é superior
a 20% (critério da Organização Mundial de Saúde) na medula óssea ou no sangue periférico.
Essas células imaturas são mieloblastos em 50% dos casos, linfoblastos em 25% e no restante
são células indiferenciadas ou bifenotípicas.

Diagnóstico:

Devido ao número crescente de hemogramas incluídos em avaliações clínicas de rotina,


tornou-se frequente que o diagnóstico da LMC seja feito em uma fase assintomática. Nessa
fase é comum a presença de febre, sudorese noturna, anorexia, perda de peso e dores ósseas.
A esplenomegalia aumenta e a infiltração extramedular pode estar presente, particularmente
nos linfonodos, pele, ossos e sistema nervoso central.
A crise blástica como manifestação inicial da LMC é incomum e deve-se procurar diferenciá-la
das leucemias mieloides e linfoides agudas, pois as estratégias terapêuticas são diferentes.
Alguns pacientes, quando tratados, podem voltar para a fase crônica da doença, porém essa é
de curta duração. A expectativa de sobrevida sem tratamento é de três a seis meses após o
início da crise blástica.

Diagnóstico:

O diagnóstico de LMC é geralmente simples e objetivo. Na maioria dos casos, o diagnóstico é


suspeitado por alterações características do hemograma como o achado da leucocitose
neutrofílica, com presença de células mieloides em várias fases de maturação associada à
basofilia. No diferencial dessas condições, devem sempre ser consideradas outras doenças
mieloproliferativas como a mielofibrose em fase celular. A confirmação do diagnóstico deve
ser realizada pela identificação do cromossomo Ph ou do gene BCR-ABL, podendo ser realizada
tanto em material de sangue periférico como de medula óssea. Em 5% dos casos de LMC, o
cromossomo Ph não é visualizado pela citogenética, mas a pesquisa do gene BCR-ABL por PCR
é positiva.

Em alguns pacientes exclusivamente com alterações características de outras doenças


mieloproliferativas como trombocitose (trombocitemia essencial) ou eritrocitose (policitemia
vera), é obrigatória a pesquisa do transcrito BCR-ABL, uma vez que a LMC pode apresentar-se
inicialmente de modo incaracterístico, como outras doenças mieloproliferativas. E em alguns
pacientes com alterações típicas de LMC, nem o Ph nem o transcrito BCR-ABL são
identificados. Os pacientes são, então, classificados como LMC atípica, representando
possivelmente outra entidade patológica.

Tratamento:

O tratamento da LMC é recomendado para todos os pacientes com o diagnóstico confirmado


dessa enfermidade. Os recursos terapêuticos disponíveis são agentes citostáticos, a-Interferon
(IFN), inibidores da tirosinocinase e o Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas (TCTH),
sendo que apenas os últimos três são capazes de interferir favoravelmente na evolução natural
da doença.

A remissão molecular completa significa que não há nenhuma evidência de células leucêmicas
na medula óssea, mesmo quando são realizados exames de laboratórios sensíveis.

 Agentes Citostáticos

Os agentes citostáticos utilizados no tratamento paliativo da LMC são Hidroxiureia e


Bussulfano. A Hidroxiureia é utilizada na dose de 30 a 40 mg/kg, por via oral, diariamente,
ajustada de acordo com a redução da leucocitose. O Bussulfano deve ser ministrado em doses
de 4 a 6 mg diários, por via oral, suspendendo-se a droga quando o número de leucócitos
atingir níveis próximos do normal. A resposta hematológica com os agentes citostáticos pode
ser completa, porém a resposta citogenética é excepcional e o benefício na sobrevida é
mínimo ou inexistente.
 A-Interferon

O a-Interferon, por um mecanismo de ação ainda desconhecido, é capaz de induzir remissão


hematológica completa em 90% e resposta citogenética maior em aproximadamente 30% dos
pacientes com LMC em fase crônica. Estes últimos podem manter-se em remissão por período
superior a dez anos. A dose diária recomendada é de 5milhões de unidades/m2 por via
subcutânea. Os efeitos colaterais são frequentes e incluem sintomas similares a um quadro
gripal, febre, cefaleia, perda de peso, artralgia, mialgia, impotência e manifestações
neuropsiquiátricas (perda de memória e depressão). Fenômenos autoimunes, como
trombocitopenia, anemia hemolítica, lúpus eritematoso e hipotireoidismo também podem ser
observados.

Esses efeitos adversos tornaram rara a utilização do Interferon após o advento dos inibidores
de tirosinocinase.

 Inibidores de tirosinocinase

o Mesilato de Imatinibe (MI)

Tratamento inicial de escolha nos pacientes com LMC recém-diagnosticada.

O Mesilato de Imatinibe é um inibidor específico da fosforilação da tirosinocinase produzida


pelo gene híbrido BCR-ABL, que induz resposta hematológica rápida e completa.

Houve clara superioridade das taxas de respostas hematológica, citogenética e molecular em


relação ao a-Interferon.

Os efeitos colaterais dessa droga são considerados menores e incluem náusea, diarreia,
erupção cutânea, câimbras e alterações de transaminases.

Na fase crônica da LMC, o tratamento com MI consiste na administração oral diária de 400 mg
durante a maior refeição. A monitoração do tratamento deve ser avaliada periodicamente,
quando são utilizados recursos laboratoriais, como hemograma, citogenética e quantificação
molecular do gene BCR-ABL por Reação de Cadeia de Polimerase em Tempo Real (RT-PCR).

Resposta Hematológica Completa (RHC) ao Mesilato de Imatinibe deve ser alcançada após o
tempo máximo de três meses de tratamento. O hemograma deve ser realizado ao diagnóstico,
a cada 15 dias até a RHC e depois a cada três a seis meses. A análise citogenética deve ser
realizada ao diagnóstico e a cada seis meses até que o paciente atinja a Resposta Citogenética
Completa (RCC), quando a partir de então pode ser acompanhado por análise molecular
trimestral. Se houver resposta molecular maior confirmada, a análise molecular quantitativa
pode ser feita semestralmente.

Na fase acelerada, recomenda-se a dose inicial de 600 mg diários, e os resultados são


inferiores aos obtidos na fase crônica, porém resposta citogenética maior e mesmo molecular
poderão ser alcançadas em cerca de 25% dos casos, e nesses a sobrevida é prolongada.
Na fase blástica, os resultados consistem numa remissão hematológica parcial ou completa de
pequena duração. Nas crises blásticas linfoides, praticamente todos os pacientes sofrem
recaída dentro de três meses, independete da qualidade da remissão previamente obtida,
enquanto na transformação mieloide, 15% podem se manter em remissão prolongada. Desta
forma, para a maioria dos pacientes em crise blástica, o inibidor de tirosinocinase deve ser
utilizado como forma de obter remissão antes de submeter o paciente ao transplante de
células-tronco hematopoéticas.

o Inibidores de Segunda Geração

1. Dasatinibe: É 300 vezes mais potente in vitro que o Imatinibe e está disponível na
forma oral. A dose diária recomendada para fase crônica é de 100 mg e para a fase
avançada é de 140 mg. O Dasatinibe, portanto, permitiu respostas mais rápidas e mais
profundas em comparação ao Imatinibe.
2. Nilotinibe: O estudo que comparou o uso de Nilotinibe 300 ou 400 mg duas vezes ao
dia e Imatinibe 400 mg ao dia em pacientes com LMC recém-diagnosticada
demonstrou taxas de resposta molecular maior aos 24 meses, significativamente
superiores nos braços que utilizaram Nilotinibe. Houve ainda menor número de
progressão para as fases acelerada e blástica e menor número de mortes relacionadas
à LMC no grupo que tomou Nilotinibe quando comparados ao grupo que utilizou
Imatinibe.

Má aderência:

A falta de aderência é atualmente um grande desafio no tratamento de pacientes com LMC.


Uma vez que esses pacientes necessitam tomar os inibidores possivelmente por toda a vida, e
alguns efeitos colaterais leves ou moderados podem ser bastante incômodos se ocorrem por
tempo prolongado, não é incomum verificar que um caso aparente de perda de resposta deve-
se na realidade à interrupção do tratamento pelo paciente. Um estudo de 267 pacientes
publicado por investigadores do MDACC identificou um índice de má aderência ao tratamento
em 31% deles, e foi significativamente mais importante em mulheres, pacientes com doença
avançada, em uso de mais medicamentos concomitantes e em uso de uma dose maior de
Mesilato de Imatinibe. Deste modo, iniciativas preventivas são extremamente importantes e
incluem esforços educativos, controle sobre a dispensação da droga e correta monitoração da
resposta ao tratamento.

 Transplante de Células tronco hematopoéticas

O TCTH é o método mais eficiente para induzir a remissão citogenética e molecular completa,
determinando longa sobrevida e provavelmente cura em 70% dos pacientes.

Os resultados são superiores na presença de fatores favoráveis, como: idade inferior a 35 anos,
fase crônica da doença, doador aparentado compatível e do sexo masculino, CMV negativo,
sem tratamento prévio com Bussulfano e quando o intervalo entre o diagnóstico e o TCTH é
inferior a dois anos. Entretanto, mesmo nas condições ideais, há um risco de 15 a 20% de
mortalidade, que se relaciona à toxicidade do regime de condicionamento e à Doença do
Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH). Essas características fizeram com que o TCTH fosse
reservado para os pacientes que apresentam falha de tratamento com inibidores de
tirosinocinase.

Nas fases avançadas, os resultados com o TCTH são inferiores àqueles observados na fase
crônica, porém a longa sobrevida e a cura ainda são possíveis num menor percentual de
pacientes.

Em relação às fontes de células progenitoras hematopoéticas, a medula óssea é utilizada para


pacientes em fase crônica, enquanto o uso de sangue periférico é atualmente reservado para
as fases avançadas da LMC, uma vez que apesar de tornar mais rápida a pega e menor a taxa
de recaída, há maior frequência e gravidade da DECH crônica com esta fonte de células. O
sangue de cordão umbilical, aparentado ou não, tem sido utilizado, com sucesso, em crianças
com LMC.

OBS: A LMC passou, na última década, de uma doença de evolução uniformemente fatal em
médio prazo, para uma enfermidade de fácil controle e até potencialmente curável, desde que
tratada na fase crônica inicial.

Nas fases acelerada e blástica, as abordagens terapêuticas disponíveis não permitem ainda
obter remissões prolongadas ou cura, e por isso nessas fases o TCTH se impõe. Não obstante,
um curso de inibidores de tirosinocinase oferecido previamente ao TCTH pode reduzir a massa
de doença, possibilitando melhores resultados. Por outro lado, na fase crônica o tratamento
inicial atualmente recomendado é o Mesilato de Imatinibe. Estudos clínicos utilizando
inibidores de segunda geração em primeira linha recentes de tratamento demonstraram
respostas citogenéticas e moleculares mais precoces e menor taxa de progressão para fases
avançadas. Estes dados, entretanto, deverão ser confirmados com um acompanhamento mais
prolongado desses pacientes. Cerca de metade dos pacientes resistentes ao Imatinibe podem
ser resgatados com o uso de inibidores de tirosinocinase de segunda geração.

Você também pode gostar