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A SANTIFICAÇÃO DO DOMINGO

Si licet sabbato curare?


Ouvimos no Evangelho como os fariseus tentaram debater com Nosso Senhor com desonestidade
e sem sucesso. Jesus foi convidado para a receição na casa dum príncipe dos fariseus. Nosso Senhor
aceita o convite ciente da armadilha, pois queria desarmar os fariseus com Sua conduta cheia de
mansidão e esclarecê-los com suas instruções salutares. São Cirilo de Alexandria dizia que “Jesus
consentia em ser conviva dos Fariseus para, pelas suas palavras e milagres, ser útil aos que
estavam presentes”.
A circunstância, de que aqui se trata, é solene e querida pela sabedoria infinita de Nosso Senhor,
primeiro, era em casa de uma das principais personagens da seita dos Fariseus, o que faz supor, que
o número de convidados devia ser considerável. Depois era dia de sábado, dia de repouso, que os
Judeus costumavam festejar com mesa farta, para a qual convidavam parentes, amigos e até
estrangeiros.
I – A cura do hidrópico
“Et ipsi observabant eum”, diz o Evangelho. Embora Jesus aceite o convite por caridade e
benevolência, estes homens, cheios de orgulho e roídos de inveja, só pensam em armar-lhe ciladas e
surpreendê-lo em falta. Observam-no, espiam com malvadez as suas menores ações e as suas mais
pequenas palavras, na esperança de achar uma ocasião oportuna de criticá-lo e de acusá-lo. Os
milagres que ele operava, algumas vezes, mesmo no dia de sábado, eram, como se sabe, uma das
suas principais acusações. A ocasião era portanto excelente.
Observemos também nós, meus irmãos, observemos Nosso Senhor, mas com sentimentos
diferentes, observemo-lo, mas para admirar as suas instruções divinas e imitar a sua santidade e as
suas virtudes.
“Et ecce homo quidam hidropicus erat ante illum”. Como é que se encontrava ali este pobre
homem? Provavelmente foi colocado ali de propósito pelos próprios Fariseus, com o fim de armar
uma cilada ao Salvador e verem se o curaria em dia de sábado, e assim o acusarem como dum
crime. O fato é que está ali, de pé, não se atrevendo a dizer nada, não pedindo nada, com medo dos
Fariseus, mas orando com o coração cheio de fé e confiança na bondade e no poder de Jesus.
Nosso Senhor, Sabedoria infinita, se adianta fazendo-lhes uma pergunta muito simples: Si licet
sabbato curare? Vós, Doutores da Lei e Fariseus, vejamos, que vos parece? é permitido curar em
dia de sábado?
Uma criança teria respondido sem hesitar a tal pergunta, mas estes orgulhosos sectários ficam
seriamente embaraçados, porque, dum lado, se confessam que é permitido, tendo já tantas vezes
censurado o Senhor de curar ao sábado, vão contradizer-se e fornecer-lhe uma ótima ocasião de
fazer um novo milagre. Por outro lado, se respondem que é proibido, tornam-se ridículos e serão
acusados de crueldade pelo povo. Não sabendo que responder, calam-se!
Para lhes fazer ver que a caridade está acima de tudo e que ele é o Senhor do sábado, toca o
hidrópico com as suas divinas mãos, cura-o e envia-o para casa, com grande admiração das
testemunhas deste milagre. Nisto ensina-nos Nosso Senhor a colocarmo-nos acima do respeito
humano, a não darmos importância ao escândalo farisaico, e a desprezarmos as censuras
mesquinhas e injustas, assim como as murmurações dos maus, todas as vezes que se trata de
procurar a maior glória de Deus, ou de cumprir um dever, ou de fazer o verdadeiro bem.
A hidropisia, da qual acaba de curar este infeliz, é figura duma doença espiritual muitíssimo mais
grave, o orgulho, que incha o coração e mata a alma. Todos estes Fariseus e Escribas estão atingidos
por este orgulho. Estes fariseus são figuras dos maus cristãos, daqueles que a tudo espreitam,
observam não para aprender, mas para criticar e fazer-se de juízes dos outros.
Já disse aqui outras vezes que os fariseus e doutores da Lei “amavam” mais a Lei do que o
próprio Autor da Lei, ou seja, se apegavam mais à prática externa da Lei do que ao espírito e
intenção da Lei querido por Deus. Os Fariseus levavam o respeito pelo sábado até um rigorismo
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exagerado e ridículo. Hoje, por desleixo incompreensível, muitos cristãos não têm a mínima
consideração pela Lei, pelo Domingo, pelo dia do Senhor, especialmente agora no contexto da
pandemia, quantos já poderiam voltar a santificar o domingo com o Santo Sacrifício da Missa, mas,
por medo infundado e comodismo anticristão, preferem ficar em casa, tentado enganar a própria
consciência. Há pouco tempo muitas pessoas pediam o retorno das Missas, mas eu pergunto: estão
todas essas pessoas agora indo à Missa?
Portanto, meus irmãos, percebemos como existe um extremo aqui: os Fariseus julgavam que tudo
era proibido, os maus cristãos de hoje julgam que tudo é permitido...
Aproveitemos, portanto, a ocasião desse tema para lembrarmos a doutrina sobre o Domingo.
II – Obrigação de santificar o Domingo
Nós devemos a Deus, não somente culto interno, mas também o culto externo e público... Todos
os dias pertencem a Deus e todos os dias nele devemos pensar e adorá-lo. Contudo, porque os
cuidados da vida temporal nos distraem e absorvem, Deus, o soberano Senhor, quis reservar para Si
um dia especial, que lhe seja exclusivamente consagrado e no qual nos impõe a obrigação de lhe
rendermos as homenagens que lhe são devidas.
Na antiga Lei, designara o sábado, seja por causa do seu misterioso repouso após os seis dias da
criação, seja em memória dos prodígios operados neste dia para a libertação do seu povo. Este dia o
Senhor o abençoou e santificou.
Na Lei da graça, os Apóstolos, por autoridade de Deus, substituíram o sábado pelo Domingo em
recordação das incomparáveis maravilhas da Ressurreição de Nosso Senhor e da descida do Espírito
Santo.
Entre os Judeus, além do sábado, havia ainda algumas festas de obrigação. De igual modo a
Igreja estabeleceu algumas festas, que devem ser santificadas como o Domingo.
No ano de 304, durante a perseguição de Diocleciano, um grupo de 49 cristãos no norte da
África, trata-se aqui de São Saturnino e seus Companheiros, foram todos surpreendidos durante a
celebração da Missa e, por isso, aprisionados. No interrogatório, perguntados porque fizeram isso
sabendo que era proibido, eles responderam: “Sine dominico non possumus – Não podemos viver
sem celebrar o dia do Senhor”. Ou seja, se não temos a Missa dominical, não podemos viver, sem a
Missa não há vida cristã.
Embora, por enquanto, o preceito dominical ainda esteja suspenso, é bom lembrar: a Missa não
está e nunca foi proibida. Temos a obrigação de santificar o domingo e a melhor forma de fazer isso
é com a Missa dominical.
O repouso e a santificação do Domingo, são uma obrigação grave, porque o mandamento de
Deus, é formal e absoluto. E são necessários ao homem: a) para o bem do corpo que tem
necessidade de moderar a sua atividade, para não sucumbir a um trabalho incessante e ininterrupto;
b) para bem da alma a fim de que possamos nos ocupar dum modo especial da sua salvação e dos
seus interesses eternos.
Portanto, profanar o Domingo é uma falta: a) para com Deus que se despreza e insulta; b) para
com o próximo, que se escandaliza; c) para conosco mesmo, porque nos esgotamos, atraímos a
maldição divina e nos expomos à condenação eterna...
III – O que é proibido ao Domingo?
É expressamente proibido fazer obras servis, isto é, obras em que o corpo é o principal
instrumento, por exemplo: todos os trabalhos manuais, cavar, coser, tecer, as obras de pedreiro,
carpinteiro, ferreiro, alfaiate, pintor, e caiador, etc. Na antiga Lei, esta proibição era tão rigorosa,
que a menor infração era punida com a morte.
Violar o repouso dominical é um pecado. É falta grave trabalhar duas ou três horas, quer
consecutivas quer com intervalos. Os patrões, que obrigam os empregados a trabalhar, são culpados,
como se fossem eles mesmos a fazer o serviço.

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No domingo, são ainda proibidos os atos judiciais e as várias espécies de comércio. Mas é
permitido escrever, estudar, ensinar, viajar, vender, comprar e preparar os alimentos necessários
para o dia, contanto que não se falte à Missa.
Há contudo algumas circunstâncias em que as obras servis são permitidas:
a) Razões de piedade para com Deus: varrer a Igreja, preparar e adornar os altares.
b) O exercício da caridade para com o próximo, como ajudar e cuidar dos doentes, sepultar os
mortos.
c) Uma necessidade, por exemplo: fazer as colheitas, quando há perigo de grave prejuízo, fazer
um trabalho ordenado pelo patrão, que não pode deixar-se sem grave prejuízo, fazer certos serviços
públicos, impedir prejuízos iminentes, incêndios, naufrágios.
Em geral, trabalhar ao domingo sob pretexto de pobreza, é uma falta de fé na Providência e é
atrair a maldição de Deus... Nunca o trabalho do domingo enriqueceu alguém. Quærite primum
regnum Dei,... et hæc omnia adiicientur vobis...
Conta-se na vida de São João, o Esmoler, que havia em Alexandria dois trabalhadores, dos quais
um, com uma grande família, mas piedoso, via prosperarem os seus negócios; o outro trabalhava de
domingo a domingo e empobrecia. Este foi pedir a receita ao primeiro, e ouviu de sua boca: Faz
como eu, observa bem o dia do Senhor e Deus te abençoará...
Se com uma obra servil, em si mesma boa e útil, se profana a santidade do Domingo, porque ela
afasta o nosso espírito do serviço divino, quanto mais gravemente ofendem a Deus aqueles que
aproveitam o domingo para se entregarem a divertimentos profanos, aos prazeres grosseiros, ao
vinho, à impureza, aos jogos, às festas mundanas? “É menos pecado, diz Santo Agostinho,
trabalhar a terra ao Domingo do que embebedar-se ou divertir-se em lugares de má fama”.
IV – O que é o ordenado ao Domingo?
Para santificar o Domingo não basta abster-se dos trabalhos proibidos. É preciso realizar obras de
piedade e de religião: é este o fim essencial do preceito. Abster-se de obras servis, é apenas um
meio negativo do preceito.
A obra principal e essencial, a única positiva, expressa e absolutamente ordenada, sob pena de
pecado grave, a não ser que haja dispensa (como agora) e desculpa legítima, é a assistência à Santa
Missa. Em toda a religião, não há obra mais divina e mais agradável a Deus e mais salutar para a
alma... Deus, pela voz da Igreja, impôs-nos essa assistência como preceito formal.
As causas que dispensam são: a) incapacidade física: doença, falta de liberdade; b) incapacidade
moral: temor de grave inconveniente ou de grave prejuízo, grande dificuldade, distância muito
considerável da Igreja; c) caridade: cuidar de um doente ou de criancinhas.
Para observar o preceito é preciso: a) estar moralmente presente à Missa, ver ou ouvir o
celebrante; b) ter intenção de ouvir a Missa, ainda que se não pense no preceito; c) estar com
atenção e respeito convenientes, adorando e rezando; d) ouvir a Missa inteira; faltar a uma parte
notável é falta grave.
Convêm assistir à Missa paroquial, quer para dar bom exemplo, seja para ouvir as práticas, avisos
e anúncios, seja para rezar em comum com toda a paróquia e atrair assim mais graças e bênçãos de
Deus. Embora não sejamos uma paróquia, a assistência dominical aqui supre essa necessidade.
Embora ouvir Missa e abster-se de trabalhos baste para cumprir o preceito, é conveniente e
recomendável: a recepção dos Sacramentos; rezar o Terço; frequentar algum Catecismo: visitar o
Santíssimo Sacramento, fazer alguma leitura piedosa; fazer alguma obras de misericórdia.
Meus irmãos, voltemos à prática fiel do preceito dominical com piedade, devoção e exatidão.
Meditemos bem estas verdades, procuremos passar santamente o dia do Senhor: Se vós observardes
bem o dia do Senhor, diz Isaías (LVIII, 13), o Senhor vos cumulará de prazer e de bênçãos.
Quando a moleza, a comodidade, o medo infundado e desproporcional, quando as pessoas, o
demônio e a preguiça nos quiser ocupar e levar a não santificar o domingo e faltar à Santa Missa,
respondamos apressada e confiadamente: “Sine dominico non possumus”.
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