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joaquim.igreja@gmail.com
RISCO 1. As notícias não enganam. Vivemos em “securitização” total com toda a gente a
querer “(as)segurar” tudo, com a margem de risco reduzida ao mínimo, com seguros para tudo
e para nada. Lamentamos os agricultores que não seguraram as colheitas, em cada contrato há
um seguro de crédito, de risco ou de outra coisa. Quando se trata de vida humana, ainda é
mais flagrante o espírito de risco zero numa época que nunca conheceu dias tão seguros:
mesmo uma realidade como a guerra, na sua dura crueza, é vista como não podendo infligir
riscos excessivos sobre as populações ou sobre as guerrilhas inimigas, como se pudesse haver
guerras limpas ou éticas abrangidas pelo seguro. Nas guerras “dignas” a sensação de fraqueza
do vencedor fá-lo-á pagar mais tarde ou mais cedo, ficando a ideia de que dificilmente na
sociedade ocidental se correm riscos que façam correr sangue, mesmo o dos outros. E, depois
de tudo segurado e evitado, catástrofes, mortes, imprevistos, maldades, o mal estará à
espreita: ele não se esgota, está por aí. Basta um kamikaze querer.
RISCO 3. A infância é o lugar da idealização que todos nos habituámos a construir desde
o lugar de adultos. Mas ela não é bem esse mundo que pode ser desenhado por um álbum de
fotografias que os nossos amigos e familiares folheiam e nós gostamos de pôr no Facebook. Ela
pode ser o lugar da experiência da intensidade, da fé sem limites, dos segredos
incomensuravelmente sagrados que passámos ou guardámos. Ou das deceções, violências e
choques sofridos e mal digeridos. Ou do momento iniciático que quebrou essa mesma infância
e a fez morrer. A infância pode ser esse espaço do excesso, da incoerência e da vivência que
não é possível contar porque as palavras não chegam ou é “a única experiência metafísica que
temos, sabendo que de um momento para o outro a nossa vida se vira” e onde vimos o
“reverso do mundo”, segundo A. D. Às vezes enterramos a infância que nos deixou marcas.
Mas ela lá está para voltar quando menos a queremos ou para nos maravilharmos quando a
desejarmos reler. Vale a pena arriscarmos voltar a ela.
(Vale a pena ler os textos densos e profundos de Anne Dufourmantelle a partir das suas
consultas de psicoterapeuta em L’ÉLOGE DU RISQUE (O elogio do risco), Ed. Payot & Rivages,
2011)