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SP, Cia Editora Nacional, 1959, capítulo 7, A Concepção Democrática da Educação (excer-
tos).
A FILOSOFIA EDUCACIONAL PLATÔNICA
Ninguém exprimiu melhor que ele [Platão] o fato de que uma sociedade se acha
organizada estavelmente, quando cada indivíduo faz aquilo para o que tem especial aptidão,
de modo a ser útil aos outros (ou a contribuir em benefício do todo a que pertence) e que a
tarefa da educação se limita a descobrir essas aptidões e a exercitá-las progressivamente para
seu uso social. Muito do que se tem dito a respeito é tomado de empréstimo das idéias que,
primeiro que todos, Platão ensinou conscientemente ao mundo. Mas as condições sociais que
ele não podia modificar levaram-no a restringir estas idéias em sua aplicação. Nunca chegou
a poder conceber a pluralidade indefinida das espécies de atividade que podem caracterizar
um indivíduo ou um grupo social - e, consequentemente, restringiu suas idéias a limitado
número de categorias de aptidões e de organizações sociais.
O ponto de partida de Platão é que a organização da sociedade depende, em última
instância do conhecimento da finalidade da existência. Se desconhecermos essa finalidade,
ficaremos a mercê do acaso e do capricho; se desconhecermos a finalidade, que é o bem, não
teremos um critério para decidir racionalmente sobre as possibilidades que devem ser enco-
rajadas, ou como deve ser organizada a sociedade; sem isso, não poderemos conceber qual a
conveniente limitação e distribuição das atividades - o que ele chamava justiça - indispensá-
vel a caracterizar a organização tanto individual como social. Mas como atingiremos o
conhecimento do bem final e permanente? Examinando esta questão chegaremos ao obstá-
culo aparentemente insuperável de que não e possível esse conhecimento a não ser em uma
justa e harmoniosa ordem social. De outro modo, o espírito se desorienta e se extravia com
falsos valores e falsas perspectivas. Uma sociedade desorganizada e cheia de facções estabele-
ce diversos modelos e ideais. Em tais condições é impossível a um indivíduo ser coerente. Só
um todo completo é perfeitamente coerente. Uma sociedade que repousa na supremacia de um
valor sobre os demais, independentemente de suas exigências racionais ou adequadas, falsea-
rá, sem dúvida alguma, o pensamento. Dignifica e eleva certas coisas e condena outras,
criando uma mentalidade cuja aparente unidade é forçada e disforme. A educação se conduz,
no final de contas, pelos modelos fornecidos pelas instituições, costumes e leis. Só em um
Estado justo poderão esses modelos dar a educação conveniente; e só aqueles que prepararam
convenientemente o espírito estão aptos para reconhecer a finalidade e o princípio ordenador
das coisas. E, assim, presos em um círculo vicioso. Todavia, Platão sugere uma saída. Alguns
poucos homens filósofos ou amantes da sabedoria - ou da verdade - poderão, por meio do
estudo, conhecer ao menos os lineamentos das normas apropriadas a uma verdadeira existên-
cia. Se um poderoso soberano organizasse um estado de acordo com essas normas, a organi-
zação poderia conservar-se. Uma educação poderia, então, ser desenvolvida no sentido de
selecionar os indivíduos, descobrindo aquilo para que cada um serve e proporcionando os
meios de determinar a cada um o trabalho para o qual a natureza o tornou apto. Fazendo cada
qual sua própria tarefa e nunca transgredindo esta regra, manter-se-iam a ordem e a unidade
do todo.
Impossível seria encontrar em qualquer sistema filosófico um reconhecimento mais
adequado da importância educativa da organização social e, por outro lado, da dependência
em que essa organização ficaria dos meios utilizados para educar seus jovens elementos.
Seria impossível encontrar um sentido mais profundo da função da educação na descoberta e
desenvolvimento das aptidões individuais e no exercitá-las e formá-las de modo tal, a articulá-
las com a atividade dos outros. No entanto, a sociedade em que se defenderam estas idéias era
tão pouco democrática que Platão não procurou praticamente a solução do problema cujos
termos tão claramente via.
Quando Platão afirmou incisivamente que o lugar do indivíduo na sociedade não
deveria ser determinado pelo nascimento ou pela riqueza, ou por qualquer norma convencio-
nal e sim por sua própria natureza descoberta no processo da educação, ele não percebia a
desigualdade das características dos indivíduos, o caráter único de cada indivíduo. Para Platão
os indivíduos se classificavam naturalmente em castas e só em pequeníssimo número destas.
Por conseguinte, a função das provas selecionadoras da educação será a de revelar unicamente
a qual das três castas platônicas um indivíduo pertence. Não se reconhecendo a verdade de
que cada indivíduo constitui sua própria casta, não se poderia reconhecer a existência da infi-
nita variedade de tendências ativas e de combinações dessas tendências que um indivíduo é
capaz de apresentar. Os indivíduos eram unicamente dotados de três tipos de faculdades ou
aptidões. Por isso a educação logo atingiria um limite estático em cada classe, pois só a diver-
sidade cria a mutação e o progresso.
Em alguns indivíduos predominam naturalmente os apetites, e por isso se distri-
buem pela classe dos trabalhadores manuais e dos que se dão a negócios, à qual compete
conhecer e satisfazer as necessidades materiais humanas. Outros revelam, por obra da educa-
ção, que, em vez de apetites materiais, sentem a predominância de um natural generoso, entu-
siasta e valente. Tornam-se estes os servidores do estado, seus defensores na guerra, e zelado-
res internos na paz. A limitação dos seus serviços é fixada pela deficiência de sua razão, que é
a capacidade de compreender o universal. Os que a possuem recebem a mais elevada espécie
de educação e se convertem oportunamente em legisladores - pois as leis são os universais que
regulam os particulares da experiência da conduta. Não é verdade, assim, que Platão preten-
desse, intencionalmente, subordinar o indivíduo ao todo social. Mas é certo que, não perce-
bendo as diferenças individuais, em toda a sua extensão, a verdadeira incomensurabilidade de
cada indivíduo e não reconhecendo, portanto, que uma sociedade pode mudar e mesmo assim
ser estável, sua teoria da limitação de aptidões e de castas chegou, de fato, à conseqüência da
subordinação da individualidade à organização social.
Não podemos ultrapassar a concepção platônica de que o indivíduo é feliz e a
sociedade bem organizada quando cada qual se dedica às atividades para as quais está prepa-
rado pelo seu natural, nem a sua idéia de que a primacial tarefa da educação é descobrir esta
aptidão em seu possuidor e exercitá-la para ser utilizada eficazmente. Mas o progresso dos
conhecimentos fez-nos ver a superficialidade da idéia platônica de acumular os indivíduos e
suas aptidões naturais em poucas classes bem determinadas; aquele progresso ensinou-nos que
as aptidões originárias são indefinidamente numerosas e variáveis. E a conseqüência deste
fato é reconhecer-se que, à proporção que a sociedade se torna democrática, a verdadeira
organização social está na utilização daquelas qualidades peculiares e variáveis do indivíduo e
não na sua estratificação em classes. Embora fosse revolucionária sua filosofia educacional,
não se mostrou por isso, menos escravizada aos ideais estáticos. Ele pensava que as mudanças
ou alterações fossem provas de indisciplina e que a verdadeira realidade era imutável. Por
isso, quando pensou em transformar pela raiz as condições sociais existentes, sua aspiração foi
edificar um estado em que posteriormente não se verificasse qualquer mudança. Fixara a
finalidade última da vida; uma vez organizado o estado tendo esta finalidade em vista, nem
mesmo as mínimas particularidades deveriam ser alteradas. Malgrado não tivessem estas
importância por si mesmas, sua modificação implantaria nos espíritos a idéia da mudança e,
portanto, seria dissolvente e anarquizante. A fraqueza desta filosofia revela-se no fato de que
não se poderiam esperar gradativas melhorias da educação que produzissem uma melhor
sociedade, a qual, por sua vez, melhoraria a educação, e assim por diante, indefinidamente.
Só poderia surgir a verdadeira educação quando existisse o estado ideal e depois a tarefa da
educação se limitaria exclusivamente à conservação do mesmo. Para a existência deste estado
dever-se-ia contar com algum acaso feliz, que fizesse a sabedoria de um filósofo coincidir, em
um Estado, com a posse do poder.