SCRUTON
RO G E R S C RU TO N
DESEJO SEXUAL
Uma investigação filosófica
FICHA CATALOGRÁFICA
Scruton, Roger
Desejo sexual: uma investigação filosófica / Roger Scruton; tradução de Marcelo Gonzaga de
Oliveira – Campinas, SP: VIDE Editorial, 2016.
ISBN: 978-85-67394-93-0
1. Filosofia moderna: ensaios 2. Ensaios e estudos filosóficos 3. Ética no sexo e reprodução
I. Autor II. Título
CDD – 190.2 / 501.01 / 176
ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO
1. Filosofia moderna: ensaios – 190.2
2. Ensaios e estudos filosóficos – 501.01
3. Ética no sexo e reprodução – 176
Conselho editorial
Adelice Godoy
César Kyn d’Ávila
Diogo Chiuso
Silvio Grimaldo de Camargo
VIDE Editorial – www.videeditorial.com.br
Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta edição
por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer
meio.
SUMÁRIO
PREFÁCIO....................................................................................................................... 9
CONSELHO AO LEITOR........................................................................................... 13
Capítulo 1
O PROBLEMA............................................................................................................... 15
Capítulo 2
EXCITAÇÃO................................................................................................................. 37
Capítulo 3
PESSOAS........................................................................................................................ 61
Capítulo 4
DESEJO........................................................................................................................... 93
A perspectiva de primeira-pessoa e a excitação........................................................ 95
Revelação involuntária.................................................................................................. 98
Encarnação...................................................................................................................104
Pessoas desencarnadas................................................................................................108
A natureza pessoal do objeto de desejo....................................................................112
A fenomenologia dos nomes próprios......................................................................115
Pensamento individualizante.....................................................................................117
A perspectiva da primeira-pessoa no desejo...........................................................123
Ética kantiana – uma digressão.................................................................................124
O curso do desejo........................................................................................................127
O objetivo do desejo...................................................................................................130
Capítulo 5
O OBJETIVO INDIVIDUAL.....................................................................................139
Distinções entre atitudes............................................................................................142
O universal e o particular............................................................................................142
O fundado em razões, o livre de razões e o que envolve razões...............................143
A atenção e a desatenção.............................................................................................147
O propositado e o despropositado...............................................................................149
O transferível e o intransferível...................................................................................151
Mediato e imediato......................................................................................................157
As características formais do desejo.........................................................................159
O objeto individual.....................................................................................................162
A “essência subjetiva”..................................................................................................170
Pensamentos individualizantes..................................................................................172
O paradoxo de Sartre..................................................................................................174
O objetivo do desejo...................................................................................................180
Pecado original............................................................................................................187
Animal e pessoa...........................................................................................................193
Capítulo 6
FENÔMENOS SEXUAIS...........................................................................................197
Obscenidade.................................................................................................................197
Modéstia e vergonha...................................................................................................200
O significado dos órgãos sexuais...............................................................................211
Prostituição..................................................................................................................220
Enamoramento............................................................................................................226
Ciúme............................................................................................................................228
Dom-juanismo.............................................................................................................234
Tristanismo...................................................................................................................237
Sadomasoquismo........................................................................................................242
Capítulo 7
A CIÊNCIA DO SEXO...............................................................................................251
A biologia do sexo.......................................................................................................251
Sociobiologia................................................................................................................255
Uma nota sobre Schopenhauer..................................................................................266
O inconsciente.............................................................................................................270
Psicologia freudiana: o problema geral....................................................................272
Freud: a teoria específica............................................................................................276
Crítica: a libido............................................................................................................281
Crítica: a zona erógena...............................................................................................284
A voz freudiana............................................................................................................288
Capítulo 8
AMOR...........................................................................................................................295
A questão de Platão.....................................................................................................298
Níveis de amizade........................................................................................................302
Amizade e estima........................................................................................................306
A intencionalidade da amizade.................................................................................314
Amor e amizade...........................................................................................................315
O amor erótico.............................................................................................................318
Tensões no amor..........................................................................................................323
Amor e indolência.......................................................................................................329
O curso do amor..........................................................................................................331
A expressão do amor no desejo.................................................................................336
Beleza............................................................................................................................343
Novos problemas.........................................................................................................346
Capítulo 9
SEXO E GÊNERO.......................................................................................................347
Sexo e gênero...............................................................................................................348
Construção de gênero.................................................................................................352
Feminismo kantiano...................................................................................................353
O papel do gênero.......................................................................................................355
Homem e mulher........................................................................................................356
Encarnação...................................................................................................................361
Encarnação e construção de gênero..........................................................................365
Tipos pessoais..............................................................................................................372
A questão de Platão e a raiz do desejo......................................................................377
Beleza e gênero............................................................................................................379
Homossexualidade e gênero......................................................................................382
Capítulo 10
PERVERSÃO...............................................................................................................387
Bestialidade..................................................................................................................396
Necrofilia......................................................................................................................399
Pedofilia........................................................................................................................402
Sadomasoquismo........................................................................................................405
Homossexualidade......................................................................................................414
Incesto...........................................................................................................................422
Fetichismo....................................................................................................................427
Masturbação.................................................................................................................430
Castidade......................................................................................................................433
Capítulo 11
MORALIDADE SEXUAL..........................................................................................435
Capítulo 12
A POLÍTICA DO SEXO.............................................................................................471
EPÍLOGO.....................................................................................................................491
Apêndices
I. A PRIMEIRA PESSOA...........................................................................................493
II. INTENCIONALIDADE........................................................................................515
ÍNDICE ONOMÁSTICO..........................................................................................541
ÍNDICE REMISSIVO.................................................................................................551
PREFÁCIO
Essa linguagem – que mostra certo ódio do ato sexual e de
tudo que diz respeito a ele – não pode abarcar o que é distintivo
na experiência sexual. Sua adoção universal por “sexólogos” le-
vou, no entanto, a uma “ciência” notável, que pretende explicar
o que sequer tem linguagem para descrever. O Relatório Kin-
sey, assim como a literatura pseudocientífica seguinte, apenas
continua, de forma mais vulgar e vigorosa, o empreendimento
moralizante de Krafft-Ebing: o trabalho de confrontar nossos
sentimentos morais com uma descrição supostamente “científi-
ca” dos fatos que os ameaçam. O resultado foi a criação do “re-
latório do sexólogo” como um novo gênero literário. O estilo
é exemplificado pelo Masters and Johnson Report, com as suas
repetidas referências ao “bom funcionamento”, “adequação” e
“frequência” do “desempenho sexual”, e sua abordagem pseu-
do-experimental para questões que só podemos ver em termos
neutros se não as entendermos: “O indivíduo C vocalizou um
desejo de retornar ao programa acompanhado de sua esposa
como uma unidade familiar colaborativa.” O efeito dessa “des-
mistificação” do impulso sexual tem sido o aumento de supers-
tições novas e inéditas e o crescimento de um novo tipo de mis-
tério pseudocientífico, cuja dissipação é um dos objetivos deste
livro.
Apenas ocasionalmente um escritor dirigiu-se para a questão
crucial que esta literatura “científica” se esforçou por ignorar: a
questão do que uma pessoa experimenta quando deseja outra.
O desejo não é idêntico nem ao “instinto” que se expressa nele
nem ao amor que o preenche. É, conforme mostrarei, um fenô-
meno exclusivamente humano, e que nos impele precisamente
àquela noção restritiva de “decência” que proibiu sua discus-
10
prefácio
11
CONSELHO AO LEITOR
13
CAPÍTULO 1
O PROBLEMA
1 I. Kant, Lectures on Ethics, tr. L. Infield, new edn, Nova York, 1963, pp. 164 et seq., e
Foundations of the Metaphysic of Morals, Prussian Academy edition, p. 399 (tr. L. W.
Beck, Nova York, 1959, p. 15). Ver também Kant's Philosophical Correspondence: 1759-
99, ed. and tr. Arnulf Zweig, Chicago, 1967, p. 235, onde Kant se refere ao casamento
como um acordo entre duas pessoas para o “uso recíproco dos órgãos sexuais um do
outro”. As posições de Kant serão discutidas no Capítulo 4.
2 G. W. F. Hegel, The Philosophy of Right, tr. and ed. T. M. Knox, Oxford, 1942, addition
to. 158. J. P. Sartre, Being and Nothingness, tr. Hazel E. Barnes, Nova York, 1956, livro
III, Capítulo 3. As posições de Sartre serão discutidas no Capítulo 5.
3 Arthur Schopenhauer, The World as Will and Representation, tr. E. J. F. Payne, Indian
Hills, Colorado, 1958, vol. II, pp. 549 et seq. As posições de Schopenhauer serão
discutidas no Capítulo 7.
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capítulo 1 - o problema
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capítulo 1 - o problema
7 Ver especialmente os fragmentos do trabalho reunidos como o volume VII dos Collected
Works de Dilthey (ed. B. Groethuysen, Leipzig, 1914), cujos excertos estão disponíveis
(sob o título 'The Construction of the Historical World in the Human Studies'), tr. e ed.
H. P. Rickman, em Dilthey, Selected Writings, Cambridge, 1976, pp. 168-245. A obra a
que me refiro sobre a filosofia da ciência moderna é focado na discussão dos conceitos
naturais (ver H. Putnam, 'The Meaning of "Meaning" ', em Philosophical Papers, vol.
II: Mind, Language and Reality, Cambridge, 1975, e S. Kripke, Naming and Necessity,
Oxford, 1978.)
19
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8 Ver Putnam, 'The Meaning of "Meaning"', e Kripke, Naming and Necessity. O termo
“espécie natural” procede indiretamente de J. S. Mill, A System of Logic (Sistema de
Lógica Dedutiva e Indutiva), 10ª ed., Londres, 1879, livro I, capítulo VII. Mill se refere
a Espécies, que possuem uma existência objetiva, e, assim sendo, mantêm o “E”
maiúsculo para assinalar esse tipo de espécie. A observação de que nossas classificações
são frequentemente funcionais ou analíticas e, portanto, distorcem a natureza das coisas
a que se referem é muito mais antiga do que Mill, inspirando a distinção entre essência
“real” e “nominal” de Locke (Ensaios Sobre o Entendimento Humano, livro III, Capítulo
3, § 13), e o método de Buffon na Histoire Naturelle, em que ele explicitamente rejeita
nossos hábitos costumeiros de classificação, já que eles tentam “dividir a natureza onde
ela é indivisível.”
Sobre a distinção entre espécies naturais e funcionais, ver David Wiggins, Sameness
and Substance, Oxford, 1980, pp. 171 et seq. Talvez a idéia de uma espécie funcional
seja menos familiar do que uma espécie natural; esta idéia, entretanto, é necessária
para entender o “funcionalismo” como uma teoria de dementes. O Funcionalismo
foi detalhadamente explicado por D. C. Dennett nos artigos reunidos em seu livro
Brainstorms, Brighton, 1978.
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9 Drummer Hodge:
They throw in Drummer Hodge, to rest
Uncoffined - just as found:
His landmark is a kopje-crest
That breaks the veldt around;
And foreign constellations west
Each night above his mound.
Young Hodge the Drummer never knew -
Fresh from his Wessex home -
The meaning of the broad Karoo,
The Bush, the dusty loam,
And why uprose to nightly view
Strange stars amid the gloam.
Yet portion of that unknown plain
Will Hodge forever be;
His homely Northern breast and brain
Grow to some Southern tree,
And strange-eyed constellations reign
His stars eternally – NT.
22
capítulo 1 - o problema
10 Este ponto de vista – em que descrição e explicação são partes contínuas de um único
processo – tem sido sustentado por muitos escritores, incluindo W. V. Quine, Word
and Object, Cambridge, Mass., 1960, e Wilfred Sellars, Science, Perception and Reality,
Londres, 1963.
23
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11 A distinção entre qualidades primárias e secundárias é pelo menos tão antiga quanto
Pierre Gassendi; no entanto, nunca deixou de ser problemática: para ter um vislumbre
das discussões modernas, veja o Apêndice 2.
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13 Cf. a idéia de Heidegger de que, para mim, as "coisas" existem essencialmente “para
serem usadas”: Being and Time, tr. J. Macquarrie e E. S. Robinson, Nova York, 1962, pp.
96 et seq.
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mas têm a sua própria verdade que, por não competir com o
propósito da explicação definitiva, não é abalada pelas expli-
cações que parecem, à primeira vista, entrar em conflito com
ela. A Filosofia, arte da revisão e reflexão, está encarregada de
uma grande tarefa de restituição. A ciência tem-nos afastado do
mundo, fazendo com desconfiemos dos conceitos por meio dos
quais lidamos com ele. Tentarei restaurar o conceito do desejo
sexual ao seu legítimo lugar na descrição do Lebenswelt e mos-
trar em detalhes por que uma ciência do sexo não pode nem
suplantar esse conceito nem iluminar o fenômeno humano que
ele descreve.
O conceito crucial para qualquer tentativa filosófica de
fornecer a base para o entendimento humano é o conceito de
pessoa. É uma tese bem conhecida da filosofia – expressa em
inúmeros idiomas e em inúmeros tons de voz – que os seres
humanos podem ser descritos sob duas óticas contrastantes (e,
para alguns, conflitantes): como organismos obedientes às leis
da natureza, e como pessoas, às vezes, obedientes, às vezes deso-
bedientes, à lei moral. As pessoas são agentes morais; suas ações
não têm apenas causas, mas também razões. Elas tomam deci-
sões para o futuro, e por isso têm, além de desejos, intenções.
Elas não se permitem ser sempre arrastadas por seus impulsos,
mas ocasionalmente resistem e os subjugam. Em tudo, o agente
moral é tanto ativo como passivo, e aparece como uma espécie
de legislador entre suas próprias emoções. Ele também é um ob-
jeto não só de carinho e amor (que podemos estender a toda a
natureza), mas também de louvor e de culpa, raiva e estima. Em
todas essas distinções intuitivas – entre razão e causa, intenção e
desejo, ação e paixão, estima e afeto – encontramos aspectos da
distinção vital subjacente a eles e ao esclarecimento daquilo a
que Kant dedicou alguns de seus maiores capítulos: a distinção
entre pessoa e coisa. Apenas uma pessoa tem direitos, deveres e
obrigações; apenas uma pessoa age por razões além das causas;
apenas uma pessoa merece nosso louvor, censura ou raiva. E é
como pessoas que percebemos e atuamos um sobre o outro, me-
diando todas as nossas respostas mútuas com o conceito obscu-
ro, mas indispensável, do agente moral livre.
Eu não acredito que possamos aceitar a majestosa teoria de
Kant, que atribui às pessoas um núcleo metafísico, o “eu trans-
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capítulo 1 - o problema
15 Dilthey, Collected Works, vol. VII; Max Weber, 'The Nature of Social Action', em W.
G. Runciman (ed.), Weber, Selections in Translation, Cambridge, 1978. Ver Capítulo 7,
nota 10.
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16 Eu voltarei a este ponto no Capítulo 12, onde explico mais sobre o que quero dizer
com “sentido” e sua conexão com o ponto de vista humano, que está sempre, no fim
das contas, em guerra com a "impessoalidade" da ciência. Para algumas interessantes
especulações checas sobre este tema, ver V. Belohradsky, Krize Eschatologie Neosobnosti,
Munique, 1981, e o penetrante e doutoral discurso de Vaclav Havel enviado para a
Universidade de Toulouse, "Politics and Conscience", Salisbury Review, 3 (2), 1985.
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CAPÍTULO 2
EXCITAÇÃO
21 Essa teoria é discutida adiante, no Capítulo 7, em que são dadas as fontes freudianas e
pré-freudianas.
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capítulo 2 - excitação
22 O termo usado é “part hog”, inspirado na expressão “going the whole hog”, presente na
mencionada peça de Harold Pinter – NT.
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23 Sobre a classificação dos estados mentais, nos termos dessas distinções formais, ver
meu livro Art and Imagination, Londres, 1974, Parte II.
24 A possibilidade de distinguir objetivo, gratificação, satisfação e resolução para um
único estado mental é um ponto que discuto mais detalhadamente no Capítulo 4.
25 Procópio, História Secreta, Livro IX, 20.
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de modo que ela pareça, aos seus próprios olhos, ser responsá-
vel por aquilo que ele sente.
A estrutura intencional que acabamos de descrever, enquan-
to claramente distinta da estrutura de sentido (linguística), tem
muito em comum com ela. Mas deturparíamos a intencionali-
dade da excitação se a víssemos simplesmente nestes termos,
sem considerar o elemento crucial do “despertar corporal”, que
cada participante tanto sente em si mesmo quanto busca no
outro. Esta experiência é um aspecto crucial da nossa experiên-
cia de encarnação – e da nossa natureza como seres corpóreos.
Ela pode ser ilustrada por um exemplo, que também ajudará
a enfatizar o tipo peculiar de representação que é intrínseca à
excitação. Considere o caso de uma mulher, que se abre para
explorações de seu amante:
Um bosque serei eu, e um cervo serás tu:
Alimenta-te onde quer, na montanha ou no vale nu;
Pasta em meus lábios, e se água te faltar,
Ruma ao sul, onde prazerosas fontes a devem dar.31
[Vênus e Adonis]
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35 No Brasil, a expressão mais comum para expressar essa mesma sensação é “eca” – NT.
36 O Ser e o Nada, livro IV, cap. 2, III, especialmente p. 605-12.
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CAPÍTULO 3
PESSOAS
38 Há duas expressões latinas que significam “no meio das coisas”: “in medias res” e “in
mediis rebus”. A primeira é um recurso literário em que a narrativa começa no meio da
história, e não no início. A segunda, usada no presente caso, indica o ponto a partir do
qual a investigação será conduzida – NT.
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39 Termo usado por Locke em seu Ensaio Acerca do Entendimento Humano (livro III,
cap. III, 15) – NT.
40 W. V. Quine, Word and Object, Cambridge, Mass., 1960, cap. 1; Ontological Relativity
and Other Essays, Nova York, 1969.
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41 Essa distinção, muito sutil em português, é apresentada nas perguntas “How much” e
“How many”, respectivamente – NT.
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42 Este pode ser um dos motivos por trás afirmação de Aristóteles de que a palavra “carne”
apenas é usada homonimamente de carne morta – de carne cuja psyche se foi: De
Generatione et Corruptione, 3903; De Generatione Animalium, 734b; e em outros lugares.
43 Nome genérico para cachorros comumente usado pelos ingleses (mais ou menos
equivalente ao nosso “Totó”) – NE.
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44 Quero dizer, a idéia de substância que parece estar por trás do uso desse termo por
Descartes, Espinoza e Leibniz, segundo a qual uma substância é tanto a portadora de
atributos e quanto uma entidade capaz de existência independente. Ver W. Kneale,
“The Notion of a Substance”, Proceedings of the Aristotelian Society, vol. XL (1939-40).
45 Ética, livro III, prop. 7.
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46 Sir Ernest Barker, Principles of Social and Political Theory, Oxford, 1951, livro IV.
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47 Ver, por exemplo, os ensaios sobre as razões para ações e intenções no trabalho de
Donald Davidson, Essays on Actions and Events, Oxford, 1980, seção I, e no trabalho de
Davidson, “Rational Animals”, Dialectica, 36 (1982).
48 Mestre Gil de Ham é uma narrativa de J.R.R. Tolkien publicada em 1949; uma edição
brasileira foi publicada pela Martins Fontes em 2012. Conta a história de Mestre Gil, um
fazendeiro desprovido de heroísmo, mas que, graças à boa sorte e à ajuda do cachorro
Garm, da égua cinzenta e da espada mágica Caudimordax (ou Morde-cauda), amansa
o dragão Chrysophylax e ganha enorme fortuna – NT.
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53 Poder-se-ia dizer que esta tese foi uma das principais conclusões de Kant em “Os
Paralogismos da Razão Pura”, na Crítica da Razão Pura, (1781, 1787), tr. Norman Kemp
Smith, Londres, 1929, em que Kant critica a inferência a partir da unidade puramente
“formal” pressuposta na autoconsciência (a “unidade transcendental da apercepção”) à
“unidade substancial” necessária para a teoria racionalista da alma.
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54 Estes dois absurdos são discutidos e explicados por Kant na primeira parte extrema-
mente insatisfatória da Crítica da Razão Pura, a “Estética Transcendental”.
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61 Houve uma tentativa, feita de duas formas contrastantes, por D. C. Dennett, Content and
Consciousness, Londres, 1969, e por H. P. Grice, “Method in Philosophical Psychology”,
Presidential Address to the American Philosophical Association, 1974-5.
62 Ver Investigações Filosóficas, parte I, seções 172 et seq.
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Meu argumento, de que os conceitos legais e morais podem ser entendidos em função
da idéia mais básica de responsabilidade que invoco nesta seção, é provavelmente tão
antigo quanto o Ética a Nicômaco de Aristóteles.
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73 Ver as considerações feitas por Derek Parfit em Reasons and Persons, Oxford, 1984,
parte III.
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CAPÍTULO 4
DESEJO
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capítulo 4 - desejo
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Revelação involuntária
Nossa existência como seres responsáveis está intimamente
ligada com nossa capacidade de formar intenções – com o que os
filósofos por vezes chamam de “vontade”. E pode-se pensar que
esse fato basta para explicar todo o caráter “comprometedor” e
envolvente do desejo sexual. O desejo se expressa por padrões
de atividade deliberada, pelos quais podemos ser premiados ou
criticados. No entanto, apesar de ser, naturalmente, uma parte
da verdade, seria errado pensar que a atividade voluntária tem
aqui o tipo de importância suprema que tem em outras esferas
da comunicação interpessoal, ou que o que não é voluntária é,
em certo sentido, apenas uma expressão secundária e derivada
do eu. Pelo contrário, só podemos entender o desejo sexual se re-
conhecermos a importância central do aspecto involuntário do
comportamento humano, tanto como uma expressão de nossos
estados mentais como um momento crucial no que chamo de
“encarnação” do sujeito.75 É uma conseqüência infeliz da tenta-
tiva filosófica para conectar o “eu” com a “vontade” – ou com
sua liberdade – que muitas vezes não se viu a conexão entre o eu
e o que não é voluntário, uma conexão que é, de fato, igualmen-
te constitutiva de nossa natureza. Assim, um filósofo – no que
talvez seja o restabelecimento recente mais profundo da tese da
centralidade da vontade – defendeu que a “ação corporal é por
excelência um fenômeno do ego”, pois é através da ação que
“um homem pode sentir que ele próprio, como uma entidade
distinta está... fazendo com que sua presença seja sentida no
mundo”. Dessa forma, um homem pode “legitimamente sentir
que está representado neste evento – diferente de seus suores e
rubores, e até mesmo de seu riso”. Pelo contrário, no entanto,
nunca um homem é tão representado à perspectiva de outro
como quando fica envergonhado ou ri. A expressão em um ros-
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capítulo 4 - desejo
76 For smiles from Reason flow / To brute denied, and are of love the food – NT.
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77 Tu hai vedute cose, che possente / se’ fatto a sostener lo riso mio – NT.
78 Charles Darwin, The Expression of the Emotions in Man and Animals, Londres, 1872, p.
310.
79 Christopher Ricks, Keats and Embarrassment, Oxford, 1976, p. 50.
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capítulo 4 - desejo
80 How she would start, and blush, thus to be caught / Playing in all her innocence of thought
[Keats, “I Stood Tip-toe”] – NT.
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81 Ibid., p. 54.
82 Ver Havelock Ellis, Studies in the Psychology of Sex, vol. I: On Modesty, 3ª ed., Filadélfia,
1923, p. 23.
83 Santo Agostinho, Cidade de Deus, livro XIV, cap. 23.
84 A operação e suas consequências emocionais são discutidas por Thomas Szasz, Sex:
Facts, Frauds and Follies, Londres, 1981, p. 84.
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85 Ver A. Danto, “Ações Básicas”, em A. R. White (ed.), The Philosophy of Action, Oxford,
1968.
86 Fa del mio corpo tutto un occhio solo / Ne fia poi parte in me che non ti goda – NT.
103
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
Encarnação
Parece, então, que certas mudanças involuntárias no corpo
de outra pessoa são elementos importantes na geração e dire-
cionamento do desejo. Descrevi uma característica crucial da
intencionalidade interpessoal: a disposição de encontrar as
marcas da perspectiva do outro exibidas na superfície de seu
corpo. Um fenomenologista pode se referir a isso como o pen-
samento da “encarnação” (Sartre) ou “incorporação” do outro;
um hegeliano poderia descrevê-la como a percepção do “corpo
como espírito” – o corpo transparente, por assim dizer, à inter-
pretação mental. Tais descrições não acrescentam uma teoria
genuína para o que eu indiquei. Na verdade, se as observações
do Capítulo 1 estão certas, não pode haver nenhuma teoria des-
ses dados que não corra o risco de aboli-las – o risco de subs-
104
capítulo 4 - desejo
88 Essa tese, uma sutil variação do que Aristóteles expôs em uma de suas mais grandiosas
passagens (De Anima, 403 a-b), foi defendida de inúmeras maneiras por filósofos
recentes. Ver especialmente Bernard Williams, “Are Persons Bodies?”, em Problems of
the Self, Cambridge, 1973.
105
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
89 Helmuth Plessner, Lachen und Weinen, 3ª ed., Bern, 1961; tr. James Spencer Churchill
e Marjorie Grene, Laughing and Crying: A Study of the Limits of Human Behaviour,
Evanston, 1970.
106
capítulo 4 - desejo
90 A. Schopenhauer, The World as Will and Representation, tr. E. J. F. Payne, Indian Hills,
Colorado, 1958, vol. II, p. 543.
107
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
Pessoas desencarnadas
Nem todas as nossas atitudes interpessoais exigem ou focam
na encarnação de seu objeto – um fato que precisa ser reconhe-
108
capítulo 4 - desejo
91 Ver Salmond on Jurisprudence, 12 ed., ed. P. J. Fitzgerald, Londres, 1966, cap. 10, seção
esp. 73.
109
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110
capítulo 4 - desejo
todas essas coisas possam ser amadas, nenhuma pode ser dese-
jada, pela simples razão de que nenhuma delas têm um corpo
humano que seja exclusivamente seu.
Na opinião de muitos, há também pessoas desencarnadas
que são indivíduos verdadeiros. Deus é o exemplo mais impor-
tante. Os cristãos acreditam que somente um Deus encarnado
pode inspirar o amor sincero e natural que seja a fonte da paz
terrena. No entanto, o amor dos muçulmanos por seu Deus de-
sencarnado é de um fervor incomparável. Dizem que o fervor
dirigido a Deus é, neste caso, menor do que o fervor contra seus
inimigos, e que é apenas no sufismo – que se dirige a Deus com
tanta ternura que parece um reconhecimento secreto de Sua en-
carnação – que o calor do verdadeiro amor humano entra na te-
ologia do Islã. Mas são especulações; na superfície, pelo menos,
Deus pode ser amado não apesar de, mas também por causa de,
sua desencarnação, e não apenas com um amor intellectualis. E,
se nós estendermos nossa imaginação para o reino dos diabos,
espíritos, anjos e gênios, reconheceremos de imediato que cada
atitude pessoal, com uma ou duas exceções, foram e continuam
a ser dirigidas a pessoas desencarnadas. Uma exceção impor-
tante, no entanto, é o desejo.
As pessoas nos interessam principalmente como agentes, e
é à sua ação que normalmente respondemos. Mas vemos que
esta ação emana não só de corpos humanos, mas também de
empresas, de instituições, e (estamos aptos a acreditar) de di-
vindades e poderes ocultos. Se não houvesse a encarnação hu-
mana, não haveria nenhum problema especial da identidade
pessoal. Trataríamos as pessoas como fazemos com outras fon-
tes duradouras de mudança, e determinaríamos sua identidade
de acordo com a sua continuidade. (Esta é a conclusão a que
chegou Derek Parfit, que poderia ser reprovado precisamente
por ignorar a realidade intencional de encarnação.92) No de-
sejo, no entanto, eu quero encontrar uma unidade entre seu
corpo e sua identidade pessoal, e manter em seu corpo a alma
que fala e olha a partir dele.
Embora as pessoas sejam essencialmente encarnadas para nós,
e embora nós sempre respondamos a elas enquanto encarnadas,
111
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
93 The Kinsey Report (Alfred C. Kinsey, W. B. Pomery, C. E. Martin et al., Sexual Behaviour
in the Human Male, Londres e Filadélfia, 1949; Sexual Behaviour in the Human Female,
Londres e Filadélfia, 1953); mas essa visão é no mínima tão antiga quanto Freud: veja a
citação de Freud no prefácio.
112
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96 The Kama Sutra of Vatsyayana, tr. Sir R. Burton e F. F. Arbuthnot, Londres, 1963, p.
168-9.
97 As várias concepções sobre nomes, em que todas implicam que a referência
individualizante é alcançada de outra forma que não pela virtude do conteúdo do nosso
pensamento, são discutidas no Apêndice 2. A visão de Kripke sobre os nomes como
“designadores rígidos” está exposta em Naming and Necessity, Oxford, 1978. De uma
forma contrastante, Michael Dummett chega a conclusões parcialmente similares em
Frege: Philosophy of Language, Londres, 1973, apêndice ao cap. 5.
115
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
116
capítulo 4 - desejo
Pensamento individualizante
A intencionalidade individualizante do desejo talvez não
nos surpreenda, já que o desejo sexual é tanto uma resposta
interpessoal quanto a excitação sexual, e é parte de nossa per-
117
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
cepção do outro como uma pessoa que não vemos, por assim
dizer, apenas como um exemplo de sua espécie, substituível por
qualquer outro. Em todas as nossas relações com as pessoas,
a atitude de “respeito pelas pessoas” – a injunção, em termos
kantianos, de tratar os outros como fins em si mesmos, e nun-
ca como meio simplesmente – nos leva a atribuir um valor in-
substituível àqueles com quem nos relacionamos. Um contraste
óbvio pode ser feito aqui entre o desejo sexual e o apetite por
comida.101 Meu apetite por um prato de cenouras é acalmado
pela posse de qualquer prato de cenouras (organizado adequa-
damente). Alguém que proteste dizendo “Não, eu quero Elspeth
(nome de um prato especial de cenouras)”, protesta demais, e
incoerentemente.
No entanto, uma exceção importante ocorre aqui. Como o
Bispo Butler argumentou em seu ataque sobre o hedonismo,102
o que eu quero enquanto está diante de mim é este prato de
cenouras. Eu poderia realmente aceitar um substituto – mas en-
tão eu passaria a querer o substituto. Então, por que esse caso
é diferente do desejo sexual? Será que não é meramente uma
convenção que nos leva a dizer que quando transfiro o meu
apetite deste prato de cenouras para aquele há apenas um ape-
tite com dois objetos sucessivos, enquanto que quando transfiro
minhas atenções de Elizabete para Jane, há dois desejos, dife-
renciados precisamente por seus objetos sucessivos? Em ambos
os casos, com certeza, eu poderia dizer tanto que há um desejo,
e que existem dois – tudo vai depender do propósito da minha
contagem.
A resposta a essa objeção é longa e complexa, e vai nos ocu-
par ainda mais no próximo capítulo. Mas duas coisas devem
ser ditas o quanto antes para dissipar sua força imediata. Em
primeiro lugar, o desejo sexual é diferente do meu apetite por
estas cenouras, pois está fundado sobre um pensamento indi-
vidualizante. É parte do próprio direcionamento do desejo que
uma pessoa em particular seja concebida como seu objeto. As-
sim, surge a possibilidade – já discutida em relação à excitação
118
capítulo 4 - desejo
103 Para uma crítica interessante, mas parcial, da tese dos etologistas, ver Konrad Lorenz,
On Agression (1963), tr. M. Latzke, Londres, 1966, cap. IX. A tese criticada pode ser
encontrada em Beast and Man, de Mary Midgley.
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já que você mostrou que tem projetos vulneráveis a suas inten-
ções. Seu desejo não desculpa, mas culpa. “Eu queria tanto!”
pode ser uma desculpa para tocar num bolo; mas nunca é uma
desculpa para tocar numa dama. Pelo contrário, é a condenação
final. “Então era isso! Ele me queria. Que nojento!” Um toque
acidental teria sido irrepreensível, mesmo que a “sensação fosse
a mesma”. Assim como um toque celebrado no curso normal da
comunicação. É a expressão do desejo na ponta dos dedos que
compromete. Da mesma forma, quando uma mulher está re-
voltada com olhar desejoso de um homem, em seu pensamento
há algo do tipo “Como ele se atreve!” – ela tem raiva daquele
homem, que aparece para ela como responsável pelo desejo que
se revela em seus olhos. (É inegável, porém, que existem diferen-
ças significativas entre a experiência masculina e feminina. No
Capítulo 6 voltarei a essas diferenças, de modo a mostrar que a
minha ênfase nas experiências femininas não é arbitrária.)
Este senso da responsabilidade do outro pode parecer estra-
nho e injusto. Mas não se limita ao destinatário de atenções
sexuais. Ele está lá no primeiro impulso do desejo. O amante
frustrado sente que foi desprezado. Sua recusa não é apenas
um fato, como o bolo que se encontra fora de alcance. Ela é
sentida como uma reação ao desejo, que por sua vez carrega as
marcas do seu compromisso. É “injusto” que o objeto de desejo
deva ser responsabilizado por sua recusa. No entanto, todos
nós devemos aprender as delicadas negociações pelas quais a
nos desembaraçamos das atenções não solicitadas dos outros
sem ofender sua autoestima, e uma das características mais im-
portantes da educação moral consiste na aquisição do controlo
implícito nesta transação.
124
capítulo 4 - desejo
106 I. Kant, Lectures on Ethics, tr. L. Infield, Nova York, 1963, p. 164.
107 Ibidem, p. 166.
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108 Ver, por exemplo, o caso de Fairclough v. Whipp (1951) 35 Cr. App. R. 138.
109 Sobre a “lei de ferro da oligarquia”, ver o trabalho de Roberto Michels, Political Parties,
Basle, 1915, tr. Eden e Cedar Paul, Londres, 1921.
126
capítulo 4 - desejo
O curso do desejo
Vamos retornar à discussão da intencionalidade do desejo.
O que é buscado pela pessoa que deseja a outra? Já comentei
sobre a dificuldade em afirmar o objetivo de desejo de forma
proposicional. Embora o desejo envolva uma forte ânsia pelo
outro, não há nenhuma maneira fácil de separar esse anseio da
pessoa individual que é desejada – nenhuma maneira fácil de
descrever, em termos abstratos, apenas o que o outro suposta-
mente deve fazer para me satisfazer. O outro é o meu desejo –
esse é o pensamento imediato, apreendido no poema de Rückert
“Du bist die Ruh”:
Essa ânsia por você
É o que a faz cessar.111
110 Robert Michels, Sexual Ethics, a Study of Borderland Questions, Nova York, 1914, p. 34.
111 Die Sehnsucht du / Und was sie stillt – NT.
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O objetivo do desejo
Qual, então, é o objetivo do desejo? A fim de responder a
esta pergunta, devemos distinguir os vários componentes da es-
trutura intencional de desejo. Os desejos dos animais têm uma
intencionalidade relativamente simples, apreendida na atitude
proposicional que denota o objetivo ou direção do desejo. Os
desejos que são indicativos de nossa natureza racional são mui-
to diferentes, e não seguem a regra da simples intencionalidade
dirigida a objetivos do desejo animal, mesmo quando há um ob-
jetivo reconhecível. Considere uma atividade humana dirigida a
objetivos – o futebol. Aqui o objetivo do jogador muda de um
momento para outro, mas geralmente pode ser resumido como
o objetivo de marcar gols. Ao mesmo tempo, existe um projeto
superior – o de ganhar – que pode não ser alcançado sem tornar
o jogo um fracasso. Os jogadores jogam não apenas para marcar
gols ou ganhar, mas pelo prazer de jogar – um prazer de trabalho
de equipe, exercício e participação envolvente em um empre-
endimento comum. Finalmente, há uma “satisfação” global que
pode ou não existir: o “bom jogo”, no qual gozo, realização e
exercício benéfico se reúnem, proporcionando uma experiência
que está cheia de significado para quem a vivencia. Se alguém
perguntasse, “Qual é o objetivo do futebol?”, a resposta poderia
ser dada em qualquer uma dessas quatro formas: há o objetivo
imediato (pontuar), o projeto mais longínquo (vencer), o motivo
(diversão) e a satisfação (uma experiência “significativa”).
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CAPÍTULO 5
O OBJETIVO INDIVIDUAL
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114 Schopenhauer: “A paixão individual e muito especial de dois amantes é tão inexplicável
quanto a individualidade, também bastante especial, de qualquer pessoa, que lhe é
exclusivamente peculiar: de fato, são uma única e mesma coisa; a última tem explícito o
que na primeira está implícito” (The World as Will and Representation, tr. E. J. F. Payne,
Indian Hills, Colorado, 1958, vol. II, p. 536).
115 Ver o paradoxo de Hegel sobre o mestre e o escravo, que será discutido adiante, no
Capítulo 10.
116 S. Kierkegaard, Either/Or, tr. W. Lowrie Nova York, 1959, vol. II: The Aesthetic Validity
of Marriage, p. 111-14.
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117 Sobre a distinção entre amor e estima, ver I. Kant, Foundations of the Metaphysics of
Morals, Prussian Academy edition, p. 395 et seq. Para a distinção entre o racional e
o patológico, ver ibid., 399. Kant também defende, entretanto, que “o amor (...) é um
suplemento indispensável à imperfeição da natureza humana como uma livre assunção
da vontade de outrem sob as próprias máximas”: Das Ende aller Dinge, Prussian
Academy edition, vol. VIII, p. 337.
118 Já defendi em outros lugares a visão de que no julgamento moral, precisamente porque
o componente crucial não é uma crença, mas uma atitude, a crença em razões é
inexaurível: “Attitudes, Beliefs and Reasons”, em John Casey (ed.), Morality and Moral
Reasoning, Londres, 1971.
143
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122 Blaise Pascal, Pensées (n. 306 das traduções Penguin por J. M. Cohen, Harmondsworth,
1961).
123 E. B. de Condillac, Traité des sensations et des animaux, em Ouevres completes, Paris,
1821, vol. 3, p. 90.
145
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124 Essa visão aparece de muitas formas: especialmente nas versões decorrentes de Kant
(Critique of Judgement, 1790, tr. J. H. Bernard, Nova York, 1951), e nas decorrentes
de Croce (Aesthetic, 2ª ed., tr. D. Ainslee, Londres, 1923). Para uma discussão dessas
visões, e uma defesa em particular de uma delas, ver meu livre Art and Imagination,
Londres, 1974, cap. 9.
125 Defendo esse ponto em Art and Imagination e em The Aesthetics of Architecture,
Londres, 1979, cap. 5.
146
capítulo 5 - o objetivo individual
A atenção e a desatenção
Algumas atitudes se concentram em características específi-
cas de seu objeto, e ignoram outras. O medo, por exemplo, con-
centra-se sobre o perigo atual e tudo o que o causa, ignorando
as características do objeto ameaçador que poderiam ter sido
consideradas prazerosas ou admiráveis. Tal atitude é “desaten-
ta”, no sentido de que deve necessariamente ignorar alguma
parte do que é apresentado. Em contrapartida, as atitudes aten-
tas não ignoram nada: nenhuma característica de seu objeto
é descontada, e nenhuma característica pode ganhar destaque
com a exclusão total das outras sem mudar de atitude. O exem-
plo mais conhecido de uma atitude atenta é o interesse estético;
cada característica do dito objeto é relevante para a atenção que
o abraça. Mas também se deve reconhecer que certos tipos de
amor – o amor erótico entre eles – são semelhantes. O amante
para quem cada fio de cabelo de sua amada possui um significa-
do individual é como o esteta que pondera cada nota da parti-
tura. Este tipo de luxúria para o detalhe é uma continuação dra-
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desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
127 Ver Art and Imagination, cap. 1, e também “Photography and Representation” em The
Aesthetic Understanding, Londres, 1983.
128 Essa falácia é fundamental à teoria da arte de Croce, como mostrado em seu Aesthetic, e
também à visão decorrente apresentada por R. G. Collingwood em seu Principles of Art,
Oxford, 1937. Os filósofos analíticos não estão imunes a esse erro. Ver especialmente
o trabalho de P. F. Strawson, “Aesthetic Appraisal and Works of Art”, em Freedom and
Resentment and Other Essays, Londres, 1974, em que Strawson defende que as obras
de arte são distinguidas por um critério particular de identidade – que torna todas as
características esteticamente relevantes em propriedades essenciais.
148
capítulo 5 - o objetivo individual
O propositado e o despropositado
A última distinção é algumas vezes confundida com outra; no
entanto, não são idênticas. Algumas atitudes se aproximam (ou
recuam) de seu objeto com um “fim em vista;” outras não. Ao
primeiro tipo pertencem todas as nossas emoções mais práticas,
tais como a agressão (que tem o objetivo de ferir) e o medo (que
visa evitar). Outras atitudes – o interesse estético novamente
fornece um paradigma – não têm nenhum “fim em vista”. Elas
são, na utilíssima expressão de Kant, “desinteressada” (ohne In-
teresse), divorciadas de interesses práticos imediatos. Quando
me aproximo de um objeto com um determinado fim em vista,
o meu propósito determina um critério de relevância – algumas
características do objeto têm uma influência sobre ele, outros
não. Portanto, há uma tendência na filosofia da arte de explicar
a atenção do interesse estético nos termos de seu caráter despro-
positado, que nos priva da capacidade de distinguir o relevante
do redundante.129
É, no entanto, muito simples reduzir as duas distinções em
uma, pois poderia haver atitudes que são atentas e também pro-
positais. O amor é uma delas, mas um exemplo mais vívido é
dado pelo desejo sexual. Não podemos negar que o desejo tem
um objetivo; no entanto, parece ter – ou, pelo menos, tender a –
129 Ver, por exemplo, S. Hampshire, “Logic and Appreciation”, em W. Elton (ed.) Aesthetic
and Language, Oxford, 1954.
149
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capítulo 5 - o objetivo individual
O transferível e o intransferível
A distinção acima nos leva, por etapas naturais, a uma quin-
ta, e é uma que já teve destaque nos argumentos dos capítulos
anteriores: a distinção entre o transferível e o intransferível. Fa-
130 Ver F. A. Hayek, Studies in Philosophy, Politics and Economics, Londres, 1967, e Michael
Polanyi, Personal Knowledge, Londres, 1958, cap. 7.
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Mediato e imediato
Há outra distinção que serve para alinhar o sexual e o estéti-
co e separá-los da moral. É a distinção entre as atitudes que são
fundadas na percepção de seu objeto (atitudes que chamarei de
“imediatas”) e atitudes que dependem apenas do pensamento.
Considere a admiração moral. Isso é algo que eu posso sentir
em relação a uma pessoa que nunca conheci, simplesmente com
base no que eu acredito ser verdade sobre ela. Eu posso admirar
Cicero ou Marco Aurélio, sem a menor experiência, seja lite-
ral ou imaginativa, dos próprios homens. É uma idéia recebida
da estética (desde que Baumgarten inventou a palavra)132 que a
apreciação estética se baseia na percepção de seu objeto, e não
pode ser baseada apenas no pensamento. Esse ponto foi apre-
sentado de várias maneiras. Alguns falam da natureza “sensual”
do interesse estético; outros se referem a seu caráter “concreto”
ou “imediato;” outros dizem que o julgamento estético é dis-
tinguido pelo fato de que você deve “ver o objeto por si mes-
mo”.133 Todas essas expressões sugerem diferentes formas de
teorizar uma única observação.
É evidente que algumas atitudes, como o interesse estético,
estão enraizadas na experiência real de seu objeto e não podem
existir sem essa experiência, enquanto outras (especialmente
aquelas que são “universais”) podem ser separado da experi-
ência, já que sua intencionalidade é construída a partir do pen-
samento exclusivamente. O desejo sexual pertence à primeira
categoria. Ele é despertado por uma experiência de encarnação
– pela visão, som ou cheiro de seu objeto. E é tão difícil imagi-
nar um desejo sexual que começa de uma mera descrição, quan-
157
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
158
capítulo 5 - o objetivo individual
134 A confusão já foi bastante esclarecida e criticada por P. F. Strawson em The Bound of
Sense, Londres, 1966, e também por R. Walker, Kant, Londres, 1978, cap. IV.
159
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capítulo 5 - o objetivo individual
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O objeto individual
Como o desejo pode possuir a estrutura intencional que des-
crevemos? Como, em particular, ele pode ser intransferível? A
resposta óbvia – que o desejo é dirigido ao indivíduo, e não ao
tipo – não é mais clara do que a conceito de “pessoa singular”
que é invocado nela. É nos termos desse conceito que devemos
procurar entender, primeiro, os paradoxos do desejo, e, em se-
guida, a satisfação do desejo.
Individuum est ineffabile, dizem os escolásticos. Muitas coi-
sas são sugeridas por esse enunciado. Aqui vai uma delas: obri-
gados pela necessidade metafísica, nós fazemos uma distinção
entre o indivíduo e as propriedades atribuídas a ele. Mas como
podemos fazer essa distinção? Como separamos, em pensamen-
to, o indivíduo de suas propriedades? (Eu uso o termo “pro-
priedade” vagamente, de modo a incluir relações: a proprieda-
de é determinada por cada predicado significativo.) Parece que
precisamos de alguma característica definitória que constitua
o indivíduo como o que ele é. Mas essa característica é uma
propriedade, e como pode uma propriedade ser idêntica ao in-
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capítulo 5 - o objetivo individual
137 Sobre o caráter “pernicioso” dessa idéia, ver D. Wiggins, Sameness and Substance,
Oxford, 1980, p. 120.
138 Não devemos ficar surpresos, portanto, com o fato de que a maior das tentativas
de dar sentido à idéia de uma essência individual – a tentativa de Espinoza – tende
naturalmente à conclusão de que só há uma coisa, e essa coisa é Deus.
163
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capítulo 5 - o objetivo individual
141 Ver especialmente Bernard Williams, Descartes, The Project of Pure Enquiry, Londres,
1978, sobre o conceito cartesiano “absolute” do mundo. Críticas pertinentes a essa
concepção, em uma versão atribuída a Leibniz, podem ser encontradas em Strawson,
Individuals, cap. 4.
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142 “Dialética Transcendental”, Crítica da Razão Pura (1781, 1787), tr. Norman Kemp
Smith, Londres, 1929.
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capítulo 5 - o objetivo individual
143 J. G. Fichte, The Science of Knowledge, tr. e ed. P. Heath e J. Lachs, Cambridge, 1982, 2ª
Introdução.
144 T. Nagel, “Subjective and Objective”, em Mortal Questions, Cambridge, 1979.
167
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capítulo 5 - o objetivo individual
145 I. Kant, Lectures on Philosophical Theology, tr. Allen J. Wood, R. Gertrude, M. Clark,
Ithaca e Londres, 1978, p. 150. A noção de uma “intuição intellectual” foi considerada
de grande importância nessa conexão por vários seguidores de Kant, e notadamente
por Fichte em The Science of Knowledge.
146 Ver Z. Vendler, “A Note on the Paralogisms”, em G. Ryle (ed.), Contemporary Aspects of
Philosophy, Stocksfield, 1976.
169
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
A “essência subjetiva”
Como sugeri no Capítulo 3, tais argumentos, independente-
mente da sua força, não podem explicar inteiramente o fenô-
meno do privilégio da primeira-pessoa. No entanto, além dessa
sugestão, eles devem inevitavelmente nos levar a rejeitar a no-
ção de uma “essência subjetiva”. Ao mesmo tempo, há algo em
nossas atitudes interpessoais que nos leva a pensar desta forma
sobre os outros, de modo que ainda pode ser o caso da “es-
sência subjetiva” aparecer como o objeto intencional de certos
estados mentais. Nós tendemos a pensar nas pessoas como indi-
víduos quintessenciais, constituídos por suas perspectivas sub-
jetivas invioláveis, que estão enclausuradas dentro deles como
uma noz sob a carne. O pensamento parece ser confirmado em
cada uso do “eu”; em cada declaração de sentimento, intenção
e compromisso. E já que eu reajo a você como pessoa em gran-
de parte com base em seus pensamentos do “eu”, eu não posso
170
capítulo 5 - o objetivo individual
149 “Os Paralogismos da Razão Pura”, e também “A Anfibologia dos Conceitos da Razão
Pura” em A Crítica da Razão Pura.
171
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
Pensamentos individualizantes
O que, então, poderíamos dizer sobre a “intencionalidade in-
dividualizante” do desejo? Este tipo de intencionalidade não é
de nenhuma maneira a coisa simples que à primeira vista parece
ser. Como vimos, ela pode ser “desagregada” em componentes
logicamente independentes, dos quais o mais importante para os
nossos propósitos é a “intransferibilidade”, que o desejo com-
partilha com o amor e o interesse estético. A intransferibilidade
não requer que seja atribuída ao objeto nem uma individuali-
dade não-arbitrária, nem uma perspectiva da primeira-pessoa.
Isto se dá pelo caso do interesse estético em um amontoado
de coisas. É claro que, tratando-se de indivíduos, amontoados
são bastante arbitrários: eles podem ser divididos, destruídos e
172
capítulo 5 - o objetivo individual
173
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
O paradoxo de Sartre
Vamos começar com uma observação sobre a teoria de Sar-
tre.152 Sartre reconhece que o principal problema para qualquer
teoria do desejo é explicar a sua intencionalidade individualizan-
te;153 ele também reconhece que nenhuma teoria do desejo que
o representa como um instinto, com o prazer sexual (prazer nos
órgãos de procriação) como seu objetivo, poderia possivelmente
explicar a realidade fenomenológica, pois não explicaria como
outro ser pode ser um componente essencial no projeto do desejo.
151 Assim temos Kant, que defende (na Crítica do Juízo) que no julgamento da beleza nós
entendemos a harmonia entre nossas próprias faculdades e o mundo dos objetos, e em
consequência vemos nas obras da natureza uma idéia de finalidade que é entendida a
partir de nossa atividade e natureza.
152 Being and Nothingness, tr. Hazel E. Barnes, Nova York, 1956, livro III, cap. 3.
153 Ibid., p. 384-5.
174
capítulo 5 - o objetivo individual
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desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
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capítulo 5 - o objetivo individual
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158 G. W. F. Hegel, The Philosophy of Right, tr. e ed. T. M. Knox, Oxford, 1942, complemento
ao parágrafo 158.
178
capítulo 5 - o objetivo individual
179
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
O objetivo do desejo
É claro que é impossível para mim “estar unido” com sua
perspectiva em primeira-pessoa – o que simplesmente me tor-
naria você, abolindo a separação subjacente ao desejo. Se fosse
esse o objetivo do desejo sexual, poderíamos explicar a inten-
cionalidade individualizante do desejo em termos que também
mostram o seu objetivo repleto de paradoxos. Mas por mais
convincente que a descrição possa ser, certamente não é mais
do que metafórica, exatamente da maneira que a descrição de
180
capítulo 5 - o objetivo individual
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capítulo 5 - o objetivo individual
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capítulo 5 - o objetivo individual
161 Quando leggero il disiato riso / esser baciato da cotanto amante, / questi, che esteira da me
non fia diviso, / la bocca mi baciò tutto tremante.
162 Aurel Kolnai, Sexualethik, Sinn und Grundlagen der Geschlechtsmoral, Paderborn, 1930,
p. 66.
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capítulo 5 - o objetivo individual
Pecado original
Eu listei quatro características do desejo que, juntas, entram
no paradoxo de Sartre. Mas essas características – pode-se dizer
– também estão presentes em outros sentimentos, tais como a
ternura em relação a uma criança. Por que esses outros senti-
mentos não são paradoxais também? A proximidade do desejo
com o amor de uma criança – e sua ênfase comum na encar-
nação – é um tema bem conhecido da literatura. E a teoria da
transcendência neoplatônica foi aplicada a ambos. No poema
do inglês medieval Pearl, ao poeta é concedida, através da visão
sagrada de sua falecida filha, a mesma revelação concedida a
Dante através da visão de Beatriz: e os termos de referência são
quase os mesmos. Então o que é que na visão de Dante traz a
marca do desejo?
Devemos aqui voltar para a idéia de encarnação. É verdade
que a minha preocupação terna por uma criança se concentra
em sua forma encarnação, e é totalmente dependente do sentido
de seu corpo frágil como o veículo de uma consciência nascente,
a roupa translúcida de um espírito que, porque ainda se desen-
187
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163 Ver Santo Agostinho, De Nuptiis et Concupiscentia, e a encíclica do Papa Inocêncio III,
De Miseria Humanae Conditionis. As visões do atual pontífice, apesar de seguirem a
tradição agostiniana, mostram uma notável influência kantiana, que as aproxima das
teorias tratadas nesta obra: “A troca do dom da pessoa constitui a verdadeira fonte
188
capítulo 5 - o objetivo individual
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165 Bella Millett (ed.), Hali Meidhad, Oxford (Early English Text Society), 1982, p. 4. Minha
tradução não apreende a vigorosa aliteração do original. [Segue a tradução feita por
Roger Scruton: “That vice that begot thee of thy mother, that same / Improper burning
of the flesh, that fiery itch of / That carnal excitement before that digusting work, /
That animal intercourse, that shameless togetherness, / That filthy, stinking and wanton
deed” – NT].
166 Santo Agostinho, A Cidade de Deus, livro XIV, cap. 19.
167 Ibid.
190
capítulo 5 - o objetivo individual
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capítulo 5 - o objetivo individual
Animal e pessoa
Ao longo da discussão posterior, encontraremos novamente
a experiência do pecado original como uma falha moral dentro
da estrutura do desejo. O significado desta experiência é preci-
samente o mistério da nossa encarnação: é “original” já que não
podemos escapar disso mais do que podemos fugir da nossa
carne. E ainda assim o mistério sempre escapa ao nosso alcance,
e nos leva a distinguir nossa natureza racional de nossa natu-
reza animal de maneiras que oferecem alguma redenção final
de uma escravidão que só podemos fingir aceitar, mas que nun-
ca aceitamos de verdade. Em O Parlamento das Aves, Chaucer
apresenta um vívido contraste entre o acasalamento de animais
e o de pessoas. Os vários pássaros são reunidos para o seu rito
diurno de acasalamento, e a deusa Natureza preside o agrupa-
mento conforme eles, um a um, se apresentam para declarar
sua vontade irresistível. No caráter das águias, Chaucer (inspi-
rado no Songe Saincte Valentin de Grandson) representa o que
é distintamente humano na atração sexual, enquanto que os
outros pássaros dão voz ao instinto animal.171 As aves inferiores
se unem apenas como espécie, e acasalam apenas como espécie,
com aquela paixão transferível que mostra a estrutura de uma
necessidade biológica. As águias, porém, se reúnem e acasalam
como indivíduos. Os três que desejam a fêmea a desejam, e es-
tão em competindo. Aqui há mais do que um instinto de união;
171 Para uma interpretação desse poema, ver J. A. Bennett, The Parliament of Fowls, an
Interpretation, Oxford, 1957. Eu estou particularmente endividado à obra de Victoria
Rothschild, “The Parliament of Fowls, Chaucer’s Mirror up to Nature?”, The Review of
English Studies, vol. XXXV, (1984), pp. 164-84.
193
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
172 Um tipo de festa encenada por jovens da esquerda em Paris durante a década de 60, em
que cada pessoa tinha que levar um parceiro para ter o direito de ter relações sexuais
com qualquer um presente.
195
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196
CAPÍTULO 6
FENÔMENOS SEXUAIS
Obscenidade
Há uma teoria do obsceno no que eu já escrevi. A obscenida-
de não diz respeito às coisas em si, mas a um modo de vê-las ou
representá-las. Se dissermos que certas partes do corpo humano
são obscenas, queremos dizer somente que, por algum motivo,
somos levados a vê-las assim: sua natureza ou função nos faz
focar em sua realidade carnal, eclipsando a encarnação da pes-
soa individual. (Daí a idéia de “partes íntimas”, que devem ser
escondidas simplesmente porque eles provocam uma percepção
obscena.) A obscenidade envolve uma percepção “despersona-
lizada” da sexualidade humana, em que o corpo e sua função
sexual aparecem em primeiro lugar em nossos pensamentos,
197
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
198
capítulo 6 - fenômenos sexuais
173 Esse tipo de riso – apesar de que não todos os tipos – foi razoavelmente caracterizado
por Henri Bergson, Le Rire, 23 ed. Paris, 1924; Laughter, Filadélfia, 1970.
174 “What I want is a particular body, / The further particulars being obscene / By
definition” – NT.
199
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Modéstia e vergonha
Certas emoções interpessoais altamente complexas – cons-
trangimento, vergonha e nojo – têm um lugar obviamente im-
portante na conduta sexual das pessoas, e franqueza absoluta
geralmente não é recomendada ou valorizada nas questões se-
xuais. Além disso, o recente declínio na prática da modéstia e a
disposição de falar abertamente sobre o ato sexual não foram
acompanhados da intensificação da paixão sexual, mas, pelo
contrário, por um relaxamento – um “declínio”, como Henry
James certa vez disse, “no sentimento do sexo”.175 No entanto,
é evidente que o embaraço não é nenhuma consequência aci-
dental do desejo. Pois o sujeito do desejo está, em seu próprio
impulso, buscando uma resposta recíproca; ele está, portanto,
possuído pelo pensamento de si mesmo como um possível ob-
jeto de desejo, e envergonhado pela inevitável conclusão de que
talvez ele não o seja. Além disso, ele está tentando obter do
outro uma resposta profundamente comprometedora. Apenas
em circunstâncias especiais é embaraçoso demonstrar amizade
por alguém, ou recebê-la de outrem. O inverso é verdadeiro no
desejo: apenas em circunstâncias especiais esta emoção não é
embaraçosa para ambas as partes. (E cf. a comparação de Santo
Agostinho entre excitação e raiva.)
175 Henry James, Notebooks, ed. T. Matthieson, p. 124, e o prefácio ao The Bostonians.
200
capítulo 6 - fenômenos sexuais
176 Havelock Ellis tem um estudo interessante a respeito da cobertura do rosto na vergonha.
Ver Studies in the Psychology of Sex, vol. I: On Modesty, 3ª ed., Filadélfia, 1923, p. 58-
9. O hábito muçulmano do véu é um índice de vergonha e modéstia. Conforme as
mulheres islâmicas, quanto mais você esconde, mais vulnerável se torna o resquício
de superfície ainda descoberta. Os olhos, mãos e tornozelos das mulheres cobertas
se tornam particularmente excitantes, e também particularmente vulneráveis a
qualquer olhar concupiscente. Frequentemente parece que as mãos da mulher reagem
espontaneamente ao olhar focado nelas, mesmo que o homem não tenha sido visto.
201
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202
capítulo 6 - fenômenos sexuais
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206
capítulo 6 - fenômenos sexuais
184 A história está em L. Lombroso e G. Ferrero, La Femme prostituée, Paris, 1893, p. 590.
185 “La pudeur c'est la honte de l'animalite qui est en nous.” Camille Mélinaud, “La
Psychologie de la pudeur”, La Revue, nº 10, p. 397.
207
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208
capítulo 6 - fenômenos sexuais
186 Max Scheler, Über Scham und Schamgefühl, em Schriften aus dem Nachlass, 2ª edição,
ed. Maria Scheler, Bern, 1957, p. 80.
209
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211
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192 J. P. Sartre, Being and Nothingness, tr. Hazel E. Barnes, Nova York, 1956, p. 397.
212
capítulo 6 - fenômenos sexuais
193 “Love has pitched his mansion / In the house of excrement” – NT.
213
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194 Leopardi, “A sè stesso.” Eu discuto o sentido desse poema em The Aesthetic Understanding,
Londres, 1983, p. 237-40.
195 “May’st thou not piss, who did’st refuse to spend, / When all my joys did on false thee
depend” – NT.
214
capítulo 6 - fenômenos sexuais
196 Mais quoi! Tout n’est rien, putains, aux pris de vos / Cuts et cons dont la vue et le gout
et l’odeur / Et le toucher font des elus de vos devots, / Tabernacles et Saint des Saints de
l’impudeur.
216
capítulo 6 - fenômenos sexuais
217
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218
capítulo 6 - fenômenos sexuais
199 “Belle vertu! qu’on attaché sur soi avec des épingles!” – NT.
200 Havelock Ellis, Studies in the Psychology of Sex, vol. I, p. 82.
219
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Prostituição
Esse “medo do obsceno” anima a visão comum de que a
prostituição é inerentemente vergonhosa. Consideremos pri-
meiro a prostituição de mercado (para distingui-la da “prosti-
tuição sagrada” e da “prostituição de comando” – ver abaixo).
220
capítulo 6 - fenômenos sexuais
202 Georg Simmel, The Philosophy of Money, tr. T. Bottomore, D. Frisby e K. Maengelberg,
Londres, 1978, p. 376-7.
222
capítulo 6 - fenômenos sexuais
203 Bernardo de Quiros y Llanas Aguilaniedo, La Mala Vida en Madrid, Madri, 1901,
p. 204.
204 Nesse exame do ethos do consumismo, Jean Baudrillard tem pouco a dizer sobre a
prostituição, mas muito sobre o significado sexual das bonecas e a “fetichização” do
corpo, tornando-o “embonecado” e, portanto, sujeito ao processo de “simulação e
restituição”: La Société de consommation, Paris, 1970, p. 235 et seq.
223
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
205 A frase “economia moral” é usada por E. P. Thompson em “The Peculiarities of the
English” (em The Poverty of the Theory, Londres, 1978) para descrever os acordos que,
em seu entender, foram varridos pela Revolução Industrial e pela evacuação do campo.
206 Eu me refiro aqui aos tipos ideais de “comunismo primitivo”, “escravidão”, “feudalismo”,
“capitalismo”, “socialismo”, e “comunismo (total)” conforme descritos no Capital e em
outros lugares. Uso a expressão “tipo ideal” no sentido dado por Weber: ver a entrada
ideal type no meu Dictionary of Political Thought, Londres, 1982.
207 Pauline Réage, Histoire d’O, Sceaux, 1954.
224
capítulo 6 - fenômenos sexuais
225
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
Enamoramento
Vou explorar mais elaboradamente o fenômeno do amor eró-
tico no Capítulo 8. Mas é novamente necessário antecipar obser-
vações posteriores se quisermos ter uma visão clara dos proble-
mas que se apresentam a nós. A característica mais intrigante do
amor erótico é que você pode se apaixonar e, além disso, com um
contato mínimo com o objeto, não mais do que Tamino teve ao
contemplar o retrato de Pamina. A imagem recorrente da “poção
do amor” expressa a convicção de que esse tipo de amor é uma
compulsão, que não é de forma alguma como a estima, e não
requer nenhum conhecimento do caráter do outro.
Para entender o “enamoramento” é preciso perceber que sua
intencionalidade é um caso especial de intencionalidade do dese-
jo. A pessoa que ama vê a personalidade de seu amado em todos
os seus atos e gestos, e fica, por assim dizer, encantada por eles.
A pessoa que se apaixona faz a assimilação inversa: ela vê gestos
e características que despertam seu desejo e, a fim de que o dese-
jo justifique o esforço a que instantaneamente se comprometeu,
imagina uma personalidade que se encaixe no que ela vê. Esta é a
“idealização” do objeto do desejo. Depois disso, tudo é descober-
ta e decepção, ou, se sua imaginação triunfar, a confirmação do
desejo inicial. Inicialmente, não há distinção entre amor e “pai-
xão”: a diferença é revelada quando o amante é submetido a um
“teste” – e é por isso que o amor verdadeiro exige um período
de namoro, e o amor de Tamino por Pamina deve ser submetido
à provação. A pessoa que se apaixona quer que o sorriso, as pa-
lavras, os atos do outro sejam “para ele”, que sejam feitos sem-
pre, em alguma medida, por causa dela. Ela sente, ao perceber
o outro, uma premonição do “lar”: do que é “meu por direito”.
Garibaldi descreve assim seu primeiro encontro com Anita:
Ficamos em silêncio e extasiados, olhando um para o outro, como
duas pessoas que não se vêem pela primeira vez, e que buscam nas
características do outro algo que ative a memória.
Enfim, eu a cumprimentei, e disse: “Você precisa ser minha”.
Eu falava pouco português, e pronunciei as ousadas palavras em
italiano. No entanto, fui magnético na minha insolência. Eu tinha
feito um nó que só a morte poderia desatar.209
226
capítulo 6 - fenômenos sexuais
227
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
Ciúme
A dependência ontológica que se encontra no laço erótico é
agudamente exibida pelo mais misterioso dos fenômenos sexu-
ais: a condição do ciúme. A experiência do ciúme é uma expe-
riência de rejeição: não apenas a rejeição por outra pessoa, mas
a rejeição pelo mundo a que se tinha entrado ao juntar-se com
o outro. A vítima do ciúme encontrou uma divisão ontológica.
Ela deixou de pertencer ao mundo que a continha, e entrou em
uma espécie de pesadelo, presa de pensamentos horríveis e fan-
tasias de que não consegue se livrar. Dryden descreve o ciúme
como o “tirano da mente”, mas sua tirania não tem paralelo
real no mundo da política: é antes a tirania exercida pelo tenta-
dor sobre a mente de Santo Antônio. (Seu equivalente político
mais próximo, portanto, não é tirania, mas a inveja ardente do
inferior: que nada mais é do que uma tirania negativa.)
O ciúme começa na descoberta – a descoberta de um rival.
Logo após, a vítima cai, como o herói trágico, em um abismo
de sofrimento solitário. Ele só conhece uma consolação, que é a
descoberta inversa. Ele precisa descobrir que isso não é verdade.
Existem graus de ciúme. Em sua forma extrema (como o ciúme
de Otelo), pode tornar sua vítima irreconhecível para si mesmo
e para os outros. Na sua forma mais branda, permanece oculto,
como uma falha geológica que, não obstante, cede sob a menor
211 Georg Simmel, “Die Koketterie”, em Philosophiche Kultur, Gesammelte Essais, ed. J.
Habermas, Berlim, 1983 (original, Potsdam, 1923).
228
capítulo 6 - fenômenos sexuais
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desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
lar o passado, como Levin fez com Kitty quando lhe mostrou
seu diário (Anna Karenina, Parte IV, cap. 16), é presumir uma
tolerância rara no parceiro, e uma capacidade de suportar uma
dor terrível. (Deve-se dizer, no entanto, que existem diferenças
cruciais entre o ciúme sentido por homens e por mulheres. Vou
mostrar algumas dessas diferenças no Capítulo 9.)
Esta ascensão do desejo sexual nos pensamentos de ciúme
tem consequências importantes. Inclusive, através do ciúme, um
amante pode ficar repentinamente muito sensível à base física
de seu desejo. Milan Kundera, em A Valsa dos Adeuses, descre-
ve uma experiência familiar:
Ele tinha que olhar para o rosto de seu algoz, ele tinha que olhar
para o seu corpo, porque sua união com o corpo de Ruzena parecia
inimaginável e inacreditável. Ele tinha que olhar, como se seus olhos
pudessem dizer-lhe se os corpos deles eram de fato capazes de união.
231
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
232
capítulo 6 - fenômenos sexuais
214 “Je n’aurais pas voulu savoir seulement avec quelle femme elle avait passé cette nuit-là, mais
quel plaisir particulier cela lui representait, ce qui se passait à ce moment-là en elle” – NT.
215 La Fugitive, Pléiade ed., p. 545-6.
233
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
Dom-juanismo
Vou terminar este capítulo com um breve exame de três va-
riantes importantes na intencionalidade do desejo, todas fa-
miliares: dom-juanismo, tristanismo (como vou chamá-la) e
sadomasoquismo. É necessário fazer um levantamento desses
234
capítulo 6 - fenômenos sexuais
217 Stendhal, De l’amour, livro II, cap. 59; Denis de Rougemont, Passion and Society, tr. M.
Belgion, ed. rev., Londres, 1956.
218 Søren Kierkegaard, “The Immediate Stages of the Erotic”, em Either/Or, tr. W. Lowrie,
Nova York, 1959, vol. I.
235
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
236
capítulo 6 - fenômenos sexuais
Tristanismo
O tristanismo é um dos mais intrigantes fenômenos sexu-
ais, e uma bela ilustração da catástrofe a que um ser racional
pode ser conduzido por sua racionalidade, e pelo conseqüente
compromisso a uma forma pessoal de união sexual. O amor de
Tristão por Isolda é implausível e obsessivo. Ele está preso pelas
garras de um feitiço que o liga a esta mulher e de que não pode
237
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
222 A expressão “objetivo correlativo” foi tirada de um ensaio de T. S. Elliot sobre Hamlet
(“Hamlet and his Problems”.), em The Sacred Wood, Londres, 1920.
238
capítulo 6 - fenômenos sexuais
239
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240
capítulo 6 - fenômenos sexuais
224 Cf. a caracterização freudiana desse episódio feita por Pierre-Jean Jouve, Le Don Juan
de Mozart, Paris, 1952.
241
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
Sadomasoquismo
Volto-me agora ao sadomasoquismo. A principal tarefa de
qualquer teoria do desejo deve ser explicar a presença no de-
sejo comum (ou seja, não pervertido) desses componentes que
foram descritos como “sadomasoquistas”. Devemos examinar
o sadomasoquismo como examinamos o dom-juanismo e o tris-
tanismo, com vista que mostre que partilha da intencionalidade
do desejo normal. Claro que, levados ao extremo, sadismo e
masoquismo podem destruir seu próprio conteúdo intencional,
e se tornarem pervertidos, à maneira da bestialidade. Mas o
comportamento que é pervertido somente quando levado ao
extremo não é, em si, pervertido. Quanto à forma pervertida de
sadomasoquismo, vou discutir isso com mais detalhes no Capí-
tulo 10.
Desde Krafft-Ebing, em sua célebre Psychopathia Sexualis, é
sugerido que o sadismo e o masoquismo estão intimamente re-
lacionados, tornando-se um lugar-comum adotar o termo “sa-
domasoquismo” para se referir a ambos os fenômenos. Houve
também uma tendência de procurar por algum instinto biológi-
co que os explicasse. Assim, Havelock Ellis, com sua erudição
característica, acumulou evidências dos rituais de “acasalamen-
to” de animais e do comportamento de corte dos povos primi-
tivos para sugerir que a origem do sadomasoquismo reside na
própria estrutura do impulso sexual.225 Para Ellis, o exemplo
paradigmático é a prática do “casamento por captura” – em
que uma mulher é perseguida por seus pretendentes e forçada a
ceder ao mais forte. Ele defende, com efeito, que tais “casamen-
tos” são parcialmente organizados pela “vítima” (como quando
a donzela quirguiz, armada com um chicote, foge a cavalo antes
de seus perseguidores). A garota, portanto, se submete apenas a
essa força que ela também deseja. A agressão do macho, e a sub-
missão da fêmea, aqui se combinam para cumprir um arquétipo
do encontro sexual: e a forma do arquétipo é o sadomasoquis-
242
capítulo 6 - fenômenos sexuais
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capítulo 6 - fenômenos sexuais
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250
CAPÍTULO 7
A CIÊNCIA DO SEXO
A biologia do sexo
Os homens são animais, e nenhuma de suas funções está
mais profundamente enraizada em sua natureza animal do que
a da reprodução sexual. É precisamente na experiência diária de
conduta sexual que a idéia de nossa “animalidade” aparece com
proeminência em nossos pensamentos. Nós podemos condenar
este ou aquele ato como “bestiais”, mas ao fazê-lo, geralmente
251
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
236 Montaigne, “Upon Some Verses of Virgil”, em Essays, tr. J. Florio, vol. 3, p. 192.
252
capítulo 7 - a ciência do sexo
237 G. W. Peckham, apud Havelock Ellis, Studies in the Psychology of Sex, 3ª ed., Filadélfia,
1923, vol. III, p. 35.
253
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
254
capítulo 7 - a ciência do sexo
Sociobiologia
A mais radical de todas as tentativas de ciência da conduta
sexual é a Sociobiologia, que, embora reconheça a existência de
fenômenos distintamente sociais, procura explicá-los em termos
evolutivos, mostrando sua relação funcional com a sobrevivên-
cia da espécie. Considere o ritual de acasalamento das aranhas,
239 Este é simplesmente um aspecto do que é por vezes conhecido como a teoria de “Quine-
Duhen”, que diz que observação e teoria são interdependentes; o que você observa só
é genuinamente observado quando a teoria garante essa observação. (Ver P. M. M.
Duhem, The Aim and Structure of Physical Theory, tr. P. P. Wiener, Princeton, 1954, e W.
V. Quine, Word and Object, Cambridge, Mass., 1975, p. 320.
255
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
240 Edward O. Wilson, Sociobiology, the New Synthesis, Cambridge, Mass., 1975, p. 320.
Um sumário legível das teorias sociobiológicas do sexo e da reprodução pode ser
encontrado em D. P. Barash, Sociobiology and Behaviour, 2ª ed., Londres, 1982, caps. 10
e 11.
256
capítulo 7 - a ciência do sexo
257
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
258
capítulo 7 - a ciência do sexo
259
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
tudo o que podemos concluir é que o que quer que exista, existe
porque não é disfuncional: porém, o que faz com que isso seja
verdade, que este tipo de comportamento exista, aqui e agora?
A teoria não tem resposta.
Além disso, a teoria não consegue tocar no que é mais intri-
gante no comportamento humano. No mundo da natureza não
-humana, eventos e processos raramente apresentam problemas
para a nossa compreensão que não sejam resolvidos pela ex-
plicação científica – uma explicação em termos de causas. Mas
o mundo humano é rico em fenômenos que não podem ser in-
teiramente compreendidos apenas ao explicá-los, porque eles
próprios são formas de entendimento. Considere a matemática
– uma prática social que sem dúvida tem sua explicação genéti-
ca. O entendimento matemático não poderia ser gerado através
da Sociobiologia da matemática. Certas práticas matemáticas
(por exemplo, a de derivar cinco da soma de dois e dois) são
de fato geneticamente disfuncionais, e devem, portanto, desa-
parecer na prensa da competição evolutiva. Mas esse fato não
lança nenhuma luz sobre a natureza da verdade matemática.
Ele não mostra o que entendemos quando entendemos que dois
mais dois é igual a quatro. A explicação evolutiva de nossos
hábitos matemáticos depende do nosso entendimento prévio de
que dois mais dois é igual a quatro, e, portanto, não os elu-
cidam. Podemos explicar por que devemos ter adquirido esse
entendimento matemático; mas a explicação não nos diz o que
adquirimos. Para entender isso, devemos nos voltar para a ló-
gica e os fundamentos da matemática, que estão preocupados
com razões, e não causas, e que tentam estabelecer um padrão
de validade independente das leis empíricas.
Claro, a conduta sexual não é o mesmo tipo de coisa que o
raciocínio matemático. Mas é como a matemática ao envolver
um tipo de entendimento que não pode ser reduzido à explica-
ção causal, e que não é, por conseguinte, necessariamente ele-
vado pela explicação causal de sua própria existência. Nossa
compreensão interpessoal pode ser afetada pelo nosso conheci-
mento da Sociobiologia. Mas isso é um fato peculiar, que não
decorre simplesmente da Sociobiologia explicar o que somos.
Mais amplamente, não devemos aceitar que o termo “so-
cial”, usado por vezes para descrever o comportamento coo-
260
capítulo 7 - a ciência do sexo
244 O sentido da diferença entre os dois padrões de atividade – o imposto por um programa
genético e o derivado dos atos criativos de cooperação racional – é responsável
pela distinção de Henri Bergson entre instinto e intelecto: Creative Evolution, tr. A.
Mitchell, Londres, 1911. Uma descrição impressionante dos complexos hábitos sociais
de abelhas foi apresentada por Karl von Frisch, The Dancing Bees, an Account of the
Life and Senses of the Honey Bee, tr. D. Ilse, Londres, 1954. O relato de Von Frisch
é discutido proveitosamente por Jonathan Bennett em Rationality, Londres, 1964.
Bennett mostra que a complexidade do comportamento das abelhas, apesar de notável,
não pode justificar sua descrição como uma linguagem; e sem linguagem não há nem
racionalidade, nem “cooperação” genuína, do tipo familiar no mundo humano.
É importante ressaltar que o comportamento dos animais superiores é diferente
dos insetos por exibir aprendizagem, e é, portanto, infinitamente adaptável para o
recebimento de novas informações. Os bergsonianos, que usam o termo “instinto” para
abranger tanto o comportamento dos insetos quanto certos tipos de comportamento
em animais superiores, ignoram esta distinção vital.
261
desejo sexual - uma investigação filosófica roger scruton
245 Esse termo, introduzido às ciências sociais por Dilthey, e adotado por Weber, tem
o propósito de apreender um ato intelectual familiar, mas elusivo, por meio do
que compreendemos o comportamento e pensamentos dos outros através de uma
identificação parcial com seu ponto de vista. Ver o verbete Verstehen em meu Dictionary
of Political Thought, Londres, 1982.
262
capítulo 7 - a ciência do sexo
246 Estou me referindo a Desmond Morris, The Naked Ape, A Zoologist’s Study of the
Human Animal, Londres, 1967, e também a Alex Comfort, Sex in Society, 1950, ed.
Revisada em 1963, Londres, em que uma descrição completamente revista do ato
sexual é apresentada para mostrar seus prazeres em termos apetitivos.
247 On Human Nature, p. 109.
263
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264
capítulo 7 - a ciência do sexo
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250 A. Schopenhauer, The World as Will and Representation, tr. E. J. F. Payne, Indian Hills,
Colorado, 1958, vol. II, cap. 44, “The Metaphysics of Sexual Love.”
251 Ibid., p. 549.
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O inconsciente
A Sociobiologia oferece uma explicação para a “escuridão”
do desejo – para o fato de que eu estou preso por esta paixão
e conduzido por uma força que é mais forte do que eu, maior
do que eu, e de alguma forma misteriosa alheia a mim. Não é a
única explicação que foi dada para o fato de que o desejo sem-
pre parece exagerar o seu objetivo. Em O Banquete, Aristófanes
descreve a situação da seguinte forma:
Os parceiros não podem sequer dizer o que esperam um do
outro. Ninguém poderia imaginar que isto seja apenas uma relação
sexual, ou que só isso seria a razão pela qual cada um se alegra tão
avidamente na companhia do outro: obviamente, a alma de cada um
deseja algo mais que não pode expressar, e só revela o que deseja por
adivinhações ou obscuras insinuações.256
255 Neologismo cunhado por R. Wagner no seu Tristão e Isolda (Ato III). O prefixo “ur”
significa “antigo”, “original;” “vergessen” é um verbo que se traduz por “esquecer.”
“Esquecimento primitivo”, “desconhecimento primordial” e “desaparecimento” não são
traduções exatas, mas se aproximam da idéia que encerra o vocábulo – NT.
256 Platão, Banquete, 192c.
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257 Eduard von Hartmann, Phylosophy of the Unconscious, tr. W. C. Coupland, Londres,
1884, p. 223.
258 Ibid., p. 232.
259 Ibid., p. 238.
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260 Melanie Klein, Envy and Gratitude, a Study of Unconscious Sources, Londres, 1957;
Wilhelm Reich, The Function of the Orgasm, 1968, tr. V. R. Carfagno, Nova York, 1973,
Londres, 1983.
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261 O tipo exato de teoria por que esperava é matéria de disputa. Um candidato possível é
dado por Richard Wollheim, Sigmund Freud, Modern Masters, Londres e Nova York,
1971.
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262 Essa idéia funcionalista de mito é familiar aos escritos de Georges Sorel (especialmente
Réflexions sur la violence, Paris, 1908); sua aplicação à psicanálise parece estar implícita
na discussão de Wittgenstein em Lectures and Conversations on Aesthetics, Freud, and
Religious Belief, ed. C. Barret, Oxford, 1966.
263 “Three Essays on Sexuality” (1905), republicado pela Penguin Freud Library, vol. 7: On
Sexuality, ed. J. Strachey e A. Richards, Harmondsworth, 1977, p. 60.
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271 Sir Karl Popper, Conjectures and Refutations, Londres, 1963, cap. 1, p. 34-5; Ernest Nagel,
“Methodological Issues in Psychoanalytic Theory”, em S. Hook (ed.): Psychoanalysis,
Scientific Method, and Philosophy, Nova York, 1959, p. 38-56.
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Crítica: a libido
Parece-me que ambas as idéias centrais de Freud são incoe-
rentes. Devemos compreender a libido como instinto, que busca
a liberação da “tensão sexual” acumulada através de estímulos
sensoriais de alguma “zona erógena”, e ao mesmo tempo como
uma paixão, dirigida para um objeto, cujos objetivo e gratifica-
ção são inseparáveis da concepção do sujeito de si mesmo, do
outro e da relação que os une. (Pois de que outra forma a proi-
bição do incesto seria vista como uma proibição da “liberação
sexual” com a mãe?) Freud menciona a analogia com a fome –
mas ou ele nunca passou fome, ou então (como ele certa vez ad-
mitiu parcialmente), nunca esteve familiarizado com o desejo.
Eu posso querer me sentar para jantar apenas com aqueles cuja
companhia eu aprecio, e isso certamente dará uma característi-
ca moral importante para os meus hábitos alimentares, e uma
razão para me abster até o momento certo. Mas minha atitude
em relação ao meu amigo, e em relação ao meu bife, são duas
coisas completamente distintas. Eu não busco a companhia do
meu amigo por fome, ou o bife por amizade; nem o meu prazer
pela companhia de meu amigo contém, como componente, o
meu prazer pelo bife. Estas duas atitudes díspares nunca pode-
riam se combinar em uma só, uma vez que suas estruturas in-
tencionais não são congruentes. A amizade é fundada nos pen-
samentos e crenças sobre meu amigo, e se manifesta no desejo
pela sua companhia. É uma atitude interpessoal que visa funda-
mentalmente a reciprocidade, e em que os pensamentos do eu
e do outro são integrantes ao objetivo. Por outro lado, o desejo
pelo bife não precisa envolver nenhuma concepção especial do
eu ou do bife (de que outra forma os animais sentiriam fome?).
Não é interpessoal; nem está fundado em qualquer pensamen-
to além do “aqui, diante de mim, está a comida”. O apetite
acalmado pelo bife poderia ter sido igualmente satisfeito por
qualquer outro objeto relevantemente semelhante, e o prazer de
comê-lo está em sensações localizadas que podem ser experi-
mentadas sem pensar. É inconcebível que esta estrutura inten-
cional possa realmente ser incorporada dentro daquela outra
estrutura que descrevi como amizade – nem mesmo no caso
imaginário, descrito no Capítulo 4, quando nada pode ser co-
mido além dos amigos.
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