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1 Conceito de Autoalienação parental e seus desdobramentos

Assim como Alienação Parental, a Autoalienação parental ou Alienação Parental


autoinfligida, ocasiona danos que podem ser irreversíveis à criança ou adolescente. Em
ambos os casos o exercício da autoridade parental é realizada de forma abusiva, de uma
maneira que venha a prejudicar o desenvolvimento físico e psíquico da criança.

Segundo Leal (2017, p.8 ) O termo Autoalienação Parental surgiu através de


discussões doutrinárias. “O advogado e professor Rolf Madaleno foi o pioneiro no
reconhecimento dessa prática como uma forma de violação aos direitos dos infantes.”

No que tange a definição do conceito de Alienação autoinfligida, leciona Ramos


(2018, s/n) que:

Alienação autoinfligida ou autoalienação parental se dá quando o próprio


progenitor alienado provoca o afastamento do filho, tratando-o de maneira
impolida, com crueldade, de forma desumana, projetando para criança ou
adolescente o sentimento de culpa que carrega por não participar do
desenvolvimento e do processo de criação dos filhos.

Pelo exposto, entende-se como Alienação autoinfligida, o distanciamento de


vínculos da prole com o genitor. O ato se dá pelo próprio genitor alienado. Nessa
situação, não há de se atribuir culpa a terceiro, seja ele cônjuge ou outro par parental
como acontece na Alienação Parental. Na autoalienação a própria conduta do genitor
possui o condão de afastar a prole de si. Nesse sentido, Leal (2017, p.56) leciona que:
“(...) Há, em última análise, a desconsideração da criança como efetivo sujeito de
direitos”.

Assevera Marques e Salzano (2018) que os efeitos causados pela alienação


parental quanto pela autoalienação são graves, podendo os efeitos gerados pela
autoalienação serem mais graves que na própria alienação parental. Os autores chamam
atenção para a diferença de efeitos entre as alienações, explanam que na alienação
parental subsiste o desejo de retomada de vínculo pelo genitor alienado, enquanto na
própria autoalienação isso não ocorre. O autoalienante não consegue enxergar que
foram as consequências dos seus próprios atos que causaram distanciamento da prole,
colocando a culpa no outro genitor.
Defendem Madaleno e Madaleno (2017), que há possibilidade da autoalienação
parental ocorrer em casos em que o genitor não detenha a guarda dos filhos. Os autores
esclarecem que com a dissolução do casamento, um dos progenitores não aceita de
maneira pacífica o fim da relação conjugal, nutrindo sentimentos de vingança contra o
outro. Nesse caso ocorre uma obcessão tão grande no ex-companheiro (a) da relação
que o genitor alienado não consegue perceber que os seus atos atingem o seu filho de
maneira negativa, ocasionando o seu afastamento.

Nesse sentido, aduz Ramos (2018, s/n) que o autoalienador se afasta dos filhos
projetando a culpa desse afastamento no outro genitor, se fazendo de vítima. “Acredita
que sua imagem e de seus familiares estão sendo maculadas pelo outro genitor”. Nota-
se que o causador da própria alienação não tem noção de que a culpa é exclusivamente
dele. Aduz Regis (2019, s/n) que “invés de reconhecer a sua contribuição para a
situação, este pai deduz que este afastamento seria fruto de alienação materna e não do

seu próprio comportamento desagradável” .

Sob mesma perspectiva, quando há o rompimento de uma relação conjugal e


surge uma nova figura no seio familiar, como, por exemplo, uma madrasta, há grande
possibilidade de que nesse momento a prole não tenha um amadurecimento adequado
diante a situação a fim de que se compreenda a nova relação do pai com outrem. Nesse
contexto, Madaleno e Madaleno (2017, p.180) explana que:

Nessa situação em que os filhos se recusam a conviver com a madrasta que


foi pivô da separação de seus pais, o varão tende a acusar sua ex-mulher pela
prática de alienação parental, pois ela estaria afastando os filhos de sua
convivência. Ao acusar sua ex-mulher da realização de alienação parental,
não se apercebe de considerar, em primeiro lugar, a possível e sincera
vontade dos filhos e assim passa ao largo dos superiores interesses dos
menores, obcecado por enxergar uma alienação materna por ele
equivocadamente identificada na falta de disposição da sua prole conviver
com a nova família por ele velozmente constituída. Reconhecer a diferença
entre uma alienação maliciosa e uma decisão real e motivada de os filhos
buscarem certa distância do novo affair do pai apresenta-se como uma séria
deficiência do genitor dos menores, aos quais acusa de terem sido dele
alienados, quando nesse exemplo de autoalienação é o próprio pai quem
erroneamente toma atitudes em relação aos seus rebentos, expressando
agravos contra a mãe deles e dando aos próprios filhos motivos para eles se
afastarem do progenitor e rejeitarem qualquer interação com a atual
companheira do pai.
No excerto acima, o autor visa esclarecer como pode ocorrer uma situação de
autoalienação pelo próprio pai. No exemplo dado, a autoalienação é percebida quando o
genitor se afasta da própria família e dos filhos, inicia um novo relacionamento em
curto período e não observa a capacidade da criança para compreender a nova situação
na qual está sendo forçada a se inserir. Diante da recusa, o genitor passa a crer que a
criança está se afastando dele não pela conduta irresponsável que assumiu perante o
filho, mas pelo induzimento da mãe da criança.

Corroborando este entendimento, temos em Madaleno e Madaleno (2017) que o


elemento diagnóstico da autoalienação é a própria rejeição dos filhos em conviverem
com uma nova família constituída pelo pai com outra mulher e seus filhos. Porém, deve
ser levada em consideração à própria vontade da criança em não desejar essa
convivência, de maneira consciente e livre de interferências, o que descaracteriza a
alienação parental. A própria incapacidade do genitor em se organizar perante a
mudança familiar que provocou é que invoca a autoalienação.

Nesse sentido, Regis (2019, s/n):

Infelizmente, como os homens são socializados na cultura da culpabilização


e responsabilização materna por qualquer comportamento infantil que
escape ao que se considera ideal ou frustre suas expectativas, o recurso
mais fácil - e que os mantém na posição de não assumirem suas falhas - é
acusar a ex-companheira de alienação parental, posando de injustiçado.

O homem quase sempre é doutrinado de uma maneira irresponsável, de modo a


se eximir de sua culpa, remetendo-a a outrem. Na alienação parental e na autoalienação
procede da mesma maneira. Por acreditar não ter culpa no afastamento dos filhos,
remete a culpa à sua ex-companheira, intentando por uma vitmização sua, enquanto
coloca a genitora como alienante dos filhos.

Conforme Leal (2017, p.56) também está presente na autoalienação “uma


postura invasiva e autoritária do genitor” para com os filhos. Conforme a autora, o
genitor espelha determinado tipo de comportamento na prole colocando todas as suas
expectativas para que aconteça exatamente como desejado. O alienante “não aceita que
ela adote comportamento diverso do esperado”. A criança nessa situação é tida como
um objeto pertencente dos pais, tendo o exercício de seus direitos violados.

Preceitua a Lei 8069/1990 do Estatuto da Criança e do Adolescente que crianças


e adolescentes são sujeitos de direitos. Dessa forma, o Estado buscou tutelar os direitos
da criança e adolescente não só na Lei 8069/1990, como também na Constituição
Federal que dispõe em seu artigo 227, que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,


ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda
Constitucional nº 65, de 2010) (BRASIL 1988)

Sendo dever de todos assegurar à criança, ao adolescente o direito à vida,


dignidade, respeito, à liberdade e à convivência familiar, fica claro que atos de
Autoalienação Parental viola esses direitos preceituados na Constituição Federal, pois, a
criança é utilizada como mero objeto dos pais que se utiliza de opressão e violência para
moldar a criança conforme suas vontades.

Segundo Ramos (2018, s/n) há algumas características da autoalienação que


estão presentes no alienador, como por exemplo, violência, agressividade e o desprezo.
“Na ânsia de atingir o genitor que detém a guarda dos filhos, o autoalienador parental
não consegue avaliar o sofrimento e o prejuízo psíquico que está causando aos filhos”.

Assim, conforme ensina Leal (2017), o estranhamento gerado nos filhos, que os
leva ao afastamento, advém da própria mudança comportamental do pai, que muitas
vezes revela-se agressivo e indiferente em relação aos próprios filhos, acreditando que
estão sob abuso psíquico da ex-companheira.

Prosseguindo em seus ensinamentos, aduz Leal (2017. p. 56) que:

O psicanalista Sérgio Nick aponta algumas situações de autoalienação


parental, que podem ocorrer em circunstâncias diversas, como no caso do
genitor agressivo, que trata os filhos de forma inadequada ou violenta, do
genitor deprimido, triste e apático, que não possui condições de cuidar de
ninguém e projeta no outro as dificuldades de lidar com a prole, do genitor
ciumento, que sente ciúmes da nova relação do ex-cônjuge, e do genitor
perverso, com personalidade psicopática, que tenta se valer das preocupações
e dos sentimentos dos outros em benefício próprio.

Em sua obra o autor pondera sobre algumas espécies de abusadores, quais sejam
classificados segundo suas características, observados quando de sua interação danosa e
abusiva com seus próprios filhos e com seus ex-companheiros.
Um dos efeitos mais comuns de serem observados na relação parental é a
rejeição que os filhos sentem quando defrontam com uma separação do casal. Rohner
(2012 apud Leal 2017, p.58) tece considerações importantes a esse respeito. Assim,
extrai-se o trecho abaixo:

O professor Ronald Rohner tem analisado os efeitos da rejeição materna e


paterna para o filho, apontando que, quando as crianças se sentem rejeitadas
ou mal-amadas pelo pai ou pela mãe, ficam mais sujeitas a se tornarem
pessoas hostis, agressivas e emocionalmente instáveis, com baixa autoestima,
sensação de inadequação e pessimismo. Problemas de comportamento,
depressão e abuso também estão relacionados à rejeição familiar. Em estudo
feito com Abdul Khaleque, Rohner destaca como os seres humanos possuem
a necessidade de um retorno positivo das pessoas que lhes são importantes, e
como essa necessidade se reflete, durante a infância, no amor, cuidado, afeto
e suporte parental. Na ausência desses elementos, o indivíduo pode
desenvolver a sensação de que ele não merece ser amado ou que ele não é
bom em satisfazer as expectativas alheias, o que gera o aumento da
incidência de sentimentos negativos

Dos estudos apresentados, é importante se analisar os impactos psicológicos que


a rejeição possa causar em uma criança envolvida na relação parental conflituosa. Seus
pensamentos, ações e sentimentos são condicionados ao seu modo de criação e
convivência. Se esta se pauta por descaso, rejeição e abandono, as propriedades
psicológicas da criança se desenvolverão fora de um padrão normal do que se espera.
Dessa forma, a criança rejeitada se tornará um adulto com a psique deturpada.

Complementando o entendimento sobre danos causados à criança, extrai-se dos


estudos de Schreiber e Torres (2014, p.130 apud Madaleno e Madaleno 2017, p. 106)

Elisabeth Schreiber e Renata Torres da Costa Mangueira descrevem como


maus-tratos o abuso psicológico de expor uma criança ou adolescente a
situações de humilhação e de constrangimento por meio de agressões verbais,
ameaças, cobranças e punições exageradas, além de impedi-la de estabelecer
com outros adultos uma relação de confiança. A alienação parental pode estar
perfeitamente enquadrada nessa série de abusos psicológicos causados
consciente ou inconscientemente por um pai. A prática demonstra que os
indicadores mais graves de dano psíquico aos filhos menores advêm do
manejo inadequado da separação dos pais, os quais deveriam formar uma
barreira de proteção para seus filhos diante de seus conflitos pessoais e de
suas sequelas conjugais.

O que os pesquisadores desejaram foi solidificar o entendimento de que os maus


tratos à criança constituem um aspecto amplo, dos quais fazem parte as diversas formas
de abuso psicológico. Dentro desta última pode se enquadrar a alienação parental
praticada contra os filhos, mesmo que de maneira inconsciente.

Em síntese, leciona Leal (2017, p.59) que “é importante ressaltar que, embora a
alienação parental e a autoalienação parental sejam analisadas sob a ótica da separação
ou divórcio dos pais, esse tipo de prática pode se dar, também, na família nuclear.”

Conforme exposto, saliente-se que ambas as formas de alienação, parental e


autoalienação, constituem em grave prejuízo à criança. Porém é necessário que se
observe também que sua ocorrência pode se dar tanto na constância do casamento dos
pais, quanto do divórcio, embora esta seja a mais comum. Dentro desta ótica, aduz Leal
(2017) que também é necessário estender mais a situação para quadros excepcionais,
como no caso das famílias extensas e ampliadas.

Conforme Leal (2017, p.59) “em muitos casos, os tios e os avós, por exemplo,
exercem uma influência tão grande sobre a criança, atuando como cuidadores primários,
que podem desencadear um quadro de alienação ou de autoalienação.”

As situações narradas neste tópico devem ser observadas sob o ponto de vista do
interesse da criança envolvida. Deve-se sempre tutelar seu melhor interesse para que se
garanta um desenvolvimento pleno e sadio. Do contrário, incorre-se no risco de que
sequelas gravíssimas sejam conferidas aos que deveriam estar sendo amparados.

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