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Renata Monte
Doutoranda, Escola Politécnica, Universidade de São Paulo - Brasil
renata.monte@poli.usp.br
1. INTRODUÇÃO
Em muitos países europeus, a projeção de argamassas de revestimento de fachada tem sido
feita utilizando-se a projeção mecânica contínua, empregando-se um sistema denominado
wet sprayed [1, 2, 3], ou projeção por via úmida. No Brasil, há tentativas de implantação
desse método desde meados da década de setenta [4]. No entanto, mesmo havendo um
potencial para sua difusão, impulsionado pela necessidade premente de industrialização nos
canteiros de obras, poucas construtoras o utilizam [5].
Para que se tenha menor pressão de bombeamento, correta vazão de projeção e maior
potencial de adesão inicial ao substrato, são necessárias argamassas com propriedades
reológicas particulares [6] que, por sua vez, permitem algumas alterações na técnica
tradicional de execução. É o caso, por exemplo, da substituição da tradicional etapa de
“aperto”, feito com o dorso da colher de pedreiro, quando a argamassa é aplicada
manualmente, pelo “alisamento ou espalhamento”, realizado com régua H, com a qual se
comprime a camada de argamassa recém-projetada contra o substrato [4, 6].
Carasek [9] e Prudêncio et al. [10] explicam que o efeito dessa variável pode ser mais ou
menos influente na resistência de aderência, dependendo das características da argamassa e
dos substratos. Essa variável é, pois, importante de ser investigada uma vez que as obras de
edifícios de múltiplos pavimentos têm, sobretudo, sua fachada exposta a condições
climáticas diversas, incluindo períodos intensos de chuvas. Além disso, no Brasil, pela sua
extensão territorial, a umidade relativa do ar é muito distinta de um local para outro.
Por último, sobretudo pela elevada altura dos edifícios no Brasil (tem sido comum a
construção de 25 a 35 pavimentos) e pelas características da alvenaria de vedação, a
imprecisão do substrato, por consequência, exige a execução de revestimentos com
espessuras elevadas com necessidade de aplicação da argamassa em duas ou mais demãos.
Segundo a ABNT NBR 7200 [7], quando o revestimento for executado em mais de uma
demão, deve-se respeitar o prazo de 24 horas entre elas; porém, nos canteiros de obras,
identificou-se a aplicação da segunda demão de argamassa sobre a primeira ainda úmida,
após esta perder somente parte da água para o substrato, na técnica conhecida como “úmido
sobre úmido”. O comportamento dos revestimentos produzidos por projeção contínua da
argamassa ao se executar duas ou mais demãos, ainda precisa ser investigado.
Resultados de estudos [12, 13] apontam que, com a utilização de equipamentos para
aplicação mecânica das argamassas, é possível obter valores de resistência de aderência em
torno de 50 % superiores aos obtidos com a aplicação manual. Os fatores responsáveis pelo
aumento da aderência seriam a energia de impacto proporcionada pela pressão gerada
durante a projeção, os menores tamanhos das partículas projetadas e as características
reológicas das argamassas que permitem melhor espalhamento, potencializam a adesão
inicial e potencializam a eliminação dos vazios, elementos fundamentais para o
desenvolvimento da aderência do revestimento ao seu substrato [13, 14, 15, 16].
2. MATERIAIS E MÉTODOS
Por meio de visitas a canteiros de obras, caracterizou-se a execução de revestimento com
projeção mecânica contínua, identificando-se suas principais etapas e variáveis (Tabela 1).
Tabela 1 – Principais etapas e variáveis identificadas na produção do revestimento com
projeção mecânica contínua.
Principais características Variáveis identificadas
Preparo da base Com chapisco Sem chapisco
Condição de umidade do substrato Seco Umedecido
Teor de umidade da argamassa Não controlado; definido pela experiência do pedreiro
Número de demãos Uma demão Duas ou mais demãos
Intervalo entre demãos Úmido sobre úmido Úmido sobre seco
Técnica de acabamento da camada Espalhamento e raspagem Sarrafeamento
A partir desse levantamento, foram definidas as variáveis a serem avaliadas neste estudo.
Optou-se pela execução dos revestimentos sem aplicação de chapisco, por representar a
condição mais favorável para o desenvolvimento da resistência de aderência em alvenarias
de blocos de concreto [18]. Optou-se, ainda, pela execução do revestimento em duas
demãos, tal como previsto na NBR 7200 [7], condição mais identificada nos canteiros de
obra visitados. Assim, essas variáveis foram fixadas durante a pesquisa, definindo-se, para
o programa experimental as variáveis apresentadas na Tabela 2.
Tabela 2 – Variáveis objeto do programa experimental.
Principais características Variáveis definidas
Condição de umidade do substrato Seco Umedecido 24 horas antes
Teor de umidade da argamassa 22 % 25 % 28 %
Intervalo de tempo entre demãos Úmido sobre úmido Úmido sobre seco
Forma de aplicação da argamassa Lançamento manual Desempenadeira Projeção mecânica
Técnica de acabamento da camada Espalhamento e raspagem Sarrafeamento tradicional
Para execução dos painéis, foi selecionada uma argamassa industrializada específica para
projeção, caracterizada segundo os ensaios apresentados na Tabela 3. O teor de umidade da
argamassa partiu do valor de referência indicado pelo fabricante da argamassa (22%);
entretanto foram estabelecidos outros dois valores, buscando-se uma trabalhabilidade mais
adequada para a realização dos serviços, identificada pela mão de obra (Tabela 2). As
demais variáveis foram adotadas em função da coleta de informações feita em canteiros de
obras.
Tabela 3 - Caracterização da argamassa: métodos de ensaio e resultados.
Característica avaliada Método de ensaio Idade Resultados
Retenção de água NBR 13277 [19] Argamassa fresca 76 %
Teor de ar incorporado NBR 13278 [20] Argamassa fresca 10 %
Módulo de deformação NBR8522 [21] NBR 13276 [22] 28 dias 1,36 GPa
Resistência à tração NBR 13279 [23] 28 dias 1,3 MPa
Resistência à compressão NBR 13279 [23] 28 dias 5,2 MPa
Foram executados quatro vedos de alvenaria com blocos estruturais de concreto de 4,5 MPa
de resistência, sobre os quais foram executados treze painéis com 3 m² de área e espessura
de 2 cm, garantida por meio de taliscas. O equipamento de projeção utilizado foi o
MAI®4JOB BUSINESS, com bomba helicoidal Mai Rotor D7-2,5 e Mai Stator D7-2,5.
Nos painéis 1 a 10, a projeção da argamassa foi feita com o bico da pistola distante do
substrato aproximadamente 15 cm, perpendicular ao mesmo, formando cordões projetados
horizontalmente, de baixo para cima (Figura 1), espalhando-se a argamassa em seguida
(Figura 2) e, após a perda de água para a base, raspado-a com a régua H (Figura 3) antes de
receber o desempeno (Figura 4) (ténica observada nos canteiros de obra visitados).
Além desses dez painéis, foram executados três painéis de revestimento (painéis 11 a 13),
com técnicas tradicionais de execução (substrato seco; aplicação da argamassa em duas
demãos, com 24h de intervalo entre elas; perda de água para a base; sarrafeamento e
desempeno). Nestes, variou-se apenas a forma de aplicação da argamassa. O teor de água
da argamassa variou em função da trabalhabilidade necessária para as variáveis (Tabela 5).
Tabela 5 - Variáveis atribuídas aos painéis de11 a 13.
Painel (1) Lançamento (2) Com (3) Projeção Teor de água da argamassa
manual desempenadeira mecânica
11 X 22%
12 X 28%
13 X 28%
No gráfico da Figura 5, para cada painel ensaiado foram obtidas: a média geral (calculada
com base em todos os valores obtidos no ensaio), a média, descartando-se 33% dos
menores valores e a média dos valores somente com ruptura na interface entre revestimento
de argamassa e substrato. No gráfico da Figura 6, estão apresentados os dados relativos à
porcentagem de incidência das três formas de ruptura dos corpos de prova para cada painel:
ruptura na interface entre argamassa e substrato, ruptura superficial e ruptura na camada de
revestimento (corpo da argamassa).
Figura 5: Médias da resistência de Figura 6: Porcentual das principais formas
aderência à tração de ruptura
Para análise dos resultados de cada combinação de variáveis, foram gerados gráficos box
plot (apresentados na Figura 7, a, b e c), que permitem identificar as medianas dos
resultados (linhas horizontais), bem como a sua variabilidade (linhas verticais) e os quartis
inferiores e superiores (faixa onde se concentram 50 % dos resultados, 25 % acima e 25 %
abaixo da mediana). Os números dos gráficos (a) e (b) da Figura 7 correspondem às
variáveis enumeradas nas Tabelas 4 e 5, respectivamente. Os números do gráfico (c) da
Figura 7 significam: 1 – espalhamento e raspagem e 2 – sarrafeamento tradicional.
A análise dos gráficos apresentados nas figuras 5 a 7 (a, b e c), possibilita identificar a
influência da combinação das variáveis de ensaio, nos resultados obtidos para a mediana
(Mn), média (Md), ruptura superficial (RS) e variabilidade geral (V). Para facilitar a
análise, são propostas as Tabelas 6, 7 e 8, em que na última coluna de cada tabela
identifica-se - por meio de setas descendentes (diminuição) ou ascendentes (aumento) ou
ainda, pelo sinal de igualdade (sem alteração) - a influência da variável analisada nos
resultados obtidos.
Tabela 6 – Influência das variáveis: teor de umidade da argamassa, condição de umidade do
substrato e intervalo de tempo entre demãos nos resultados obtidos.
Condição de Intervalo de
Teor de umidade
umidade tempo entre Painéis Resultado de cada grupo
argamassa
substrato demãos
Seca 0,5 h P6 → P5 ↓ Md = RS ↓ Mn ↑ V
Seca 24 h P8 → P7 ↑ Md ↓ RS ↑ Mn ↑ V
22 % → 25 %
Úmida 0,5 h P2 → P1 ↑ Md = RS ↑ Mn ↑ V
Úmida 24 h P4 → P3 ↑ Md ↑ RS ↑ Mn ↓ V
22 % 0,5 h P6 → P2 ↓ Md ↓ RS ↓ Mn ↓ V
22 % 24 h P8 → P4 ↑ Md ↓ RS ↑ Mn ↑ V
Seca → Úmida
25 % 0,5 h P5 → P1 = Md ↓ RS ↑ Mn ↓ V
25 % 24 h P7 → P3 ↓ Md ↓ RS = Mn ↓ V
22 % Seca P6 → P8 ↓ Md ↑ RS ↓ Mn ↓ V
22 % Úmida P2 → P4 ↑ Md ↓ RS ↑ Mn ↓ V
05 h → 24 h
25 % Seca P5 → P7 ↑ Md = RS ↑ Mn ↓ V
25 % Úmida P1 → P3 ↑ Md ↑ RS ↑ Mn ↓ V
A ANOVA foi aplicada, para identificar influência de cada uma das variáveis, utilizando-se
o software MINITab, com adoção do nível de significância de 5%. O modelo adota a
hipótese de que as médias dos resultados obtidos são iguais (H0: µ1=µ2 =µ3=µ). Para testar a
hipótese, calcula-se o valor P que, se for maior do que o nível de significância escolhido,
indica que a hipótese H0 é aceita, ou seja, a variável analisada não tem efeito sobre a média
dos valores obtidos. Se resultar menor do que o nível de significância escolhido, indica que
a hipótese H0 é rejeitada, ou seja, a variável estudada produz um efeito estatisticamente
significativo sobre a média dos resultados obtidos (HA: µ1≠µ2≠µ3≠µ).
Este método permite dividir a variabilidade dos dados em variabilidade entre grupos e
variabilidade dentro de grupos. As variabilidades são comparadas e, quanto maior for a
primeira comparada à segunda, maior é a evidência de que existe variabilidade entre
grupos, ou seja, médias diferentes. Se a variabilidade dentro do grupo for muito grande, por
exemplo, devido à variabilidade inerente ao método de ensaio, o teste pode apontar efeito
não significativo. Isso indica que o teste de hipótese deve ser utilizado com cautela, para
confirmar se diferenças aparentemente pequenas são estatisticamente significativas ou não.
O modelo de análise foi aplicado para as variáveis apresentadas nas Tabelas 4 e 5 e suas
combinações (indicadas na Tabela 9), a partir das quais foi obtido o valor P apresentado,
concluindo-se pela aceitação ou rejeição da hitótese H0.
Tabela 9 – Resultados da ANOVA
Painéis Variáveis e combinações objeto de análise Resultado (Valor P)
1 a 8 Teor de umidade da argamassa (P=0,011<0,05) Rejeita H0
Condição de umidade do substrato (P=0,223>0,05) Aceita H0
Intervalo de tempo entre demãos (P=0,068>0,05) Aceita H0
Teor de umidade da argamassa x umidade do substrato (P=0,012>0,05) Rejeita H0
Teor de umidade da argamassa x tempo entre demãos (P=0,074>0,05) Aceita H0
Condição de umidade do substrato x tempo entre demãos (P=0,035<0,05) Rejeita H0
Teor de umidade da argamassa x condição de umidade do
(P=0,020<0,05) Rejeita H0
substrato x intervalo de tempo entre demãos
11 a 13 Forma de aplicação da argamassa: lançamento manual x
(P=0,063>0,05) Aceita H0
com desempenadeira x projeção mecânica
11 e 13 Forma de aplicação da argamassa: lançamento manual x
(P=0,028<0,05) Rejeita H0
projeção mecânica
10 e 13 Técnica de acabamento da camada: espalhamento e
(P=0,005<0,05) Rejeita H0
raspagem x sarrafeamento tradicional
Intervalo de tempo dentre demãos: pelos gráficos da Figura 7 (a), é possível verificar que
em três das quatro situações o aumento do tempo entre demãos resultou num aumento da
resistência de aderência e na diminuição da variabilidade dos resultados. Apesar disso, pela
Tabela 6 identifica-se que a influência do aumento do intervalo de tempo entre demãos na
resistência de aderência foi mais evidente na condição de menor teor de umidade da
argamassa (22%), com um aumento de 35 % (P2→P4), no caso do substrato umedecido e
uma diminuição de 36% (P6 →P8) no caso do substrato seco. Já para o teor de umidade da
argamassa mais alto (25%) o aumento do intervalo de tempo dentre demãos resultou num
pequeno aumento dos valores de resistência de aderência obtidos, em ambas as situações
(painéis P5→P7: 9 %; P1→P3: 2 %), indicando que o intervalo de tempo entre demãos
interage fortemente com a condição de umidade do substrato e com o teor de umidade da
argamassa.
O efeito da interação de distintas variáveis foi constatado, por exemplo, por Costa et al.
[11] ao avaliarem a influência do teor de água da argamassa e da energia de impacto sobre a
resistência de aderência do revestimento. Esses pesquisadores identificaram que, enquanto
as variáveis analisadas isoladamente produziam aumentos de 29 % e 41 %,
respectivamente, a interação entre ambas chegou a produzir ganhos na resistência de
aderência acima de 200 %, de forma que ambas as variáveis devem ser levadas em
consideração ao se definir uma técnica de execução [13].
Pela ANOVA (Tabela 9), é possível verificar que somente a análise entre a aplicação
manual e mecânica se mostrou estatisticamente significativa, mas o mesmo não pode ser
afirmado ao analisar as três formas de aplicação simultaneamente, o que pode ser atribuído
à alta variabilidade dos resultados apresentados em um ou mais grupos, levando à aceitação
da hipótese H0. A alta variabilidade com o sistema de projeção também foi identificada por
Fernandes et al. [13] ao estudarem o sistema por spray a ar comprimido (canequinha). Os
autores atribuíram esse comportamento às diferentes velocidades adquiridas pelas partículas
do spray ao serem projetadas com o ar comprimido. A projeção mecânica contínua, porém,
não apresenta essa mesma característica por ter um fluxo mais constante e uniforme de
material. A pesquisa deve ser aprofundada para essa variável para que se possa identificar
melhor o efeito dessa variável.
5. CONCLUSÕES
De forma geral, o aumento do teor de água da argamassa (dentro dos limites estudados e
especificados pelos fabricantes das argamassas) e o aumento do intervalo de tempo entre
demãos (de 0,5 h para 24 horas) podem levar ao aumento dos valores de resistência de
aderência. Já o aumento da condição de umidade do substrato pode influenciar
negativamente a resistência de aderência, dependendo das características do substrato e da
argamassa empregada.
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