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Brasil
Por Pedro Cafardo
É ex-editor-executivo do Valor e integrou a equipe que fundou o jornal. Foi editor-chefe de "O Estado de S. Paulo" e editor de Economia em
várias publicações
Vem aí o ano eleitoral, quando os brasileiros escolherão o novo presidente da República. Seria muito bom se os
eleitores, além de nomes, escolhessem programas. Então, os pré-candidatos e suas equipes precisam começar a
discutir e apresentar propostas.
Três temas básicos na área da economia exigirão definições claras dos candidatos: teto de gastos, reforma
tributária e controle de capitais. Em resumo, trata-se de uma escolha entre a continuidade da política neoliberal
atual na economia ou a aposta em novas políticas progressistas adotadas após o tropeço global do
neoliberalismo e as mudanças determinadas pela emergência ambiental.
Teto de gastos
Teto de gastos: o candidato pretende mantê-lo ou eliminá-lo? Aprovada em 2016, no governo Michel Temer, essa
regra fiscal foi aclamada como a salvação da pátria. Nunca mais os governos abusariam da gastança, dizia-se, a
menos que descumprissem a norma constitucional que, na prática, congelou as despesas do governo em
termos reais durante 20 anos.
Críticas eram escassas na época, porque o discurso fiscalista dominava o cenário. Mas alguns se lembraram da
adoção da correção monetária, durante a ditadura militar, vendida então como a solução mágica brasileira para
acabar com a inflação. Argumentava-se que, se tudo fosse corrigido com base na inflação passada, não haveria
mais razão para o aumento de preços. “Deu ruim”, diriam hoje os jovens. A hiperinflação quebrou o país.
O teto de gastos é exclusividade brasileira, uma “jabuticaba”. Um dos raros críticos enfáticos da medida é o
professor da UNB José Luis Oreiro. Ele considera que a defesa do teto, feita pelos economistas do mercado
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financeiro e do governo, é tão estúpida quanto a que se fazia do padrão-ouro nos anos 1930. “É terraplanismo
econômico.”
Oreiro e (alguns) outros economistas são diretos: o teto de gastos precisa ser eliminado. Por trás da sugestão, há
um raciocínio: se o bolo dos gastos está congelado e algum componente desse bolo é uma despesa obrigatória
e continua subindo mais que a inflação, vai necessariamente esmagar o resto do bolo. E isso está ocorrendo
com os gastos da Previdência, por exemplo. Apesar da reforma recente, as despesas previdenciárias continuam
crescendo mais que a inflação. Além disso, gastos imprevistos, como os exigidos pela pandemia e pelos
precatórios, não cabem no teto e tendem a virar exceções que desmoralizam a regra.
Não se trata de propor irresponsabilidade fiscal. A principal crítica ao teto é que ele impede a adoção de políticas
anticíclicas. É algo antigo, proposto nos anos 1940 por Abba Lerner (1903-1982), que foi, curiosamente, aluno de
Hayek, na London School of Economics, e de Keynes, em Cambridge. A política anticíclica sugere que o governo
deve retirar poder de compra da economia e aumentar impostos quando ela está muito aquecida. E, em
momentos recessivos, deve estimular a economia com mais gastos e menos impostos. Com a restrição do teto,
isso é impossível. Hoje, num momento crucial em que o mundo investe para fazer a revolução tecnológico-
industrial baseada na economia de baixo carbono, o governo brasileiro está praticamente impedido de investir.
Terão os candidatos coragem de tomar posição sobre o teto de gastos?
Reforma tributária
Reforma tributária: a pilha de projetos conflitantes vagando no Congresso indica que não haverá reforma
relevante no atual governo, mas ela é necessária.
A primeira mudança seria nos impostos indiretos que atingem diferentemente os vários setores. A reforma
estabeleceria equidade nas cargas tributárias. Hoje, a indústria, que precisa se modernizar tecnologicamente,
paga 4 a 5 vezes mais que a agricultura e os serviços em relação ao valor adicionado. O sistema tributário anti-
indústria teria que ser corrigido.
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Outro ponto da reforma seriam as taxações diretas, como o Imposto de Renda. Em vez de criar Imposto sobre
Fortunas, Oreiro sugere maior taxação da propriedade com IPTU e ITR. Porque as fortunas podem ser facilmente
transferidas para paraísos fiscais, e as propriedades, não.
Além disso, há consenso sobre tributação de lucros e dividendos e aumento da alíquota para altas rendas. Outro
ponto é a pejotização, estimulada pela reforma trabalhista do governo Temer e que prejudica muito a
arrecadação do IR e da Previdência. Profissionais liberais que ganham mais de R$ 1 milhão por ano, por
exemplo, pagam apenas 6% de imposto, e celetistas, 27,5%. O que pensam os candidatos sobre isso?
Controle de capitais
Controle de capitais: economistas, entre eles Oreiro, consideram que o Brasil tem uma das economias
financeiramente mais abertas do mundo. Estaríamos fazendo, há décadas, o contrário do que fizeram os países
do Leste Asiático, que adotaram rígida política de controle de entrada e saída de capitais e generosa abertura
comercial, com estímulo às exportações de manufaturados. Aqui, abrimos a conta de capitais e fechamos a de
comércio.
A liberalização financeira permite a entrada e saída de uma enxurrada de capitais especulativos de curto prazo,
que tem levado à valorização do câmbio, inflação, alta dos juros e destruição da indústria, que hoje responde por
apenas 10% do PIB, menos que em 1947. E o país virou “um fazendão”, diz Oreiro. Commodities respondem por
70% das exportações, como mostrou a repórter Marta Watanabe, no Valor.
Caminhos
Outros temas exigem tomada de posição dos candidatos, naturalmente. Mas esses três são importantes porque
definem o caminho que vão trilhar para buscar crescimento econômico, criação de empregos e redução de
desigualdades, estes sim objetivos indiscutíveis e que estarão no papel em qualquer programa de governo.
Em que lado estarão os candidatos no embate global entre a presença do Estado e o neoliberalismo?
Paradoxalmente, como observou Anne Krueger em artigo no Valor (27/9/21), a China cresce em grande medida
porque abandonou políticas econômicas anteriores e adotou um sistema mais orientado pelo mercado.
Enquanto isso, os EUA, sob Trump e agora sob Biden, atenuam o liberalismo e a crença no mercado em favor de
intervenções estatais, ao estilo chinês.
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E-mail: pedro.cafardo@valor.com.br
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Comentários
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Excelente reflexão. Eleição deveria ser isto: momento de debate programático, independente das "ideologias". Ou, justamente, por
causa delas...
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