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Substâncias tóxicas - 1

Química e Ambiente

Substâncias Tóxicas – parte 1

A Dose faz o Veneno

A
dose de uma substância tóxica é a quantidade dessa substância que
entra no corpo do organismo exposto. A dose pode ser letal, provocando
a morte, ou sub-letal, fazendo mal mas não provocando a morte. No
entanto, para que uma dose seja letal, depende de um número de fatores, onde se
incluem as espécies, idade, sexo e estado geral de saúde do organismo atingido, bem
como a forma como a dose foi administrada (rapidamente ou ao longo de um período
de tempo).
As doses letais das substâncias tóxicas são normalmente expressas em
miligramas (mg) de substância por kilograma (kg) de massa corporal do sujeito
(mg/kg).
Assim, por exemplo, o ião cianeto (CN—) é normalmente fatal para os humanos
numa dose de 1 mg de CN — por kg de massa corporal. Uma dose de cerca de 0.1 g é
letal numa pessoa com cerca de 90 kg. Evidentemente que indivíduos menores,
particularmente crianças, dada a sua massa ser menor, podem ser afectados com
doses muito menores. Na tabela 1 apresentam-se alguns valores de dose letal para
diversas substâncias em humanos:

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Tabela 1 – Algumas substâncias letais e valores letais em humanos.

Substância Dose letal (mg/kg)


Morfina 1 – 50 mg
Aspirina 50 – 500 mg
Metanol 500 – 5000 mg
Etanol 5000-15000

A determinação quantitativa da toxicidade é obtida em testes administrando


várias doses em animais de laboratório, em condições controladas. Considera-se dose
letal quando afecta 50% de uma amostra significativa destes animais de teste e usa-
se a sigla DL50.1
Quando se afirma que a dose letal de um veneno é de 1 mg/kg estaríamos à
espera que fosse sempre este o valor. Contudo, o valor pode variar com as espécies,
uma vez que as diferenças entre estas podem ser grandes. Na tabela 2 pode ver-se
como varia o valor de DL50 de uma dioxina em diferentes espécies.

Tabela 2 – Valores de DL50 para a dioxina (2,3,7,8-TCDD)

Espécie DL50 (mg/kg)


Porco da guiné 0.0006
Ratazana 0.04
Macaco 0.07
Coelho 0.115
Cão 0.150
Rato 0.200
Hamster 3.5
Sapo > 1.0

Em virtude destas diferenças, baseadas em dados de testes em animais, é difícil


definir o risco para os humanos. É sempre mais seguro assumir que, apesar de um

1 LD50 – Lethal dose – 50%

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composto químico apresentar um valor de DL 50 baixo para diversas espécies, ele


deverá ser perigoso para os seres humanos. A Tabela 3 apresenta valores de diversos
produtos químicos nos seres humanos.
Os compostos tóxicos podem entrar nos organismos através de três forma:
inalação, ingestão e contacto com a pele. Como sabemos algumas substâncias são
gasosas à temperatura ambiente pelo que se misturam muito facilmente com o ar,
sendo então a inalação a forma mais comum. A ingestão é também uma forma
comum de entrada nos organismos de muitos sólidos bem como aqueles que são
solúveis em água. Por fim o contacto com a pele com substâncias tóxicas pode
também ser uma via potencialmente perigosa em certos locais de trabalho, como em
algumas indústrias.

Tabela 3 – Valores DL50 para vários compostos químicos.

Composto químico DL50 (mg/kg administrado


oralmente a ratos)
Aspirina 1750
Etanol 1000
Morfina 500
Cafeína 200
Heroína 150
Chumbo 20
Cocaína 17.5
Cianeto de sódio 10
Nicotina 2
Estricnina 0.8

As substâncias tóxicas podem ser classificadas de acordo com a forma como


actuam sobre a estrutura química do corpo podendo ser: corrosivos, neurotóxicos,
mutagénicos, teratogénicos e carcinogénicos.
Algumas das substâncias referidas a seguir como tóxicas foram já referidas nas
unidades anteriores mas, como se acabou de afirmar, estão presentes no nosso meio

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ambiente onde vivemos e trabalhamos, constituindo um risco para o equilíbrio


ambiental e também para a saúde pública. Outras foram produzidas para outras
finalidades sendo aqui referidas não só pelos seus efeitos mas também por terem sido
lançadas para o meio ambiente em diversas ocasiões em quantidades elevadas
(acidentes industriais ou mesmo guerras).

Venenos Corrosivos

As substâncias tóxicas capazes de destruir efectivamente os tecidos vivos são


venenos corrosivos: ácidos fortes e bases fortes e muitos agentes oxidantes como
lixívias usadas em produtos de limpeza para lavandaria. O ácido sulfúrico (H 2SO4 –
usado nas baterias), o ácido clorídrico (HCl – também conhecido como ácido
muriático), o hidróxido de sódio (NaOH – usado para limpeza de canos...), são
exemplos de venenos corrosivos.

Os ácidos minerais concentrados tais como o ácido sulfúrico desidratam as


estruturas celulares. A célula morre porque a sua água é retirada e as proteínas
destruídas pela hidrólise das ligações peptídicas, catalisada pelo ácido.

ligação peptídica na proteína


O

O H
R H
N
+ H2O R + N
OH
H R
ácido carboxílico amina
R
Figura 1 – Esquema da destruição da proteína na sua ligação peptídica.

Evidentemente, quanto maior for a quantidade de ligações quebrada, maior a

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probabilidade de desintegração total dos tecidos. Quando ocorre uma destruição


externa de tecidos, a área deve ser tratada como a de uma queimadura.
Algumas substâncias corrosivas provocam sensações de aviso uma vez que
quando expostos a eles, mesmo em concentrações tão pequenas como 0.01%, no caso
da amónia, provocam tosse, dificuldade respiratória e irritação nos olhos. Estas são
propriedades de aviso importantes uma vez que ninguém permanecerá
voluntariamente naquelas condições. A maioria dos ácidos também provoca dor que
as terminações nervosas se encarregam de transmitir rapidamente ao cérebro para
avisar de algo errado. No entanto o ácido fluorídrico (HF), capaz de destruir tecidos
proteicos e ossos, não provoca a sensação imediata de dor quando estamos expostos
a ele. A pele torna-se vermelha e só quando já existe destruição considerável dos
tecidos é que a dor se torna notada. A soda cáustica (hidróxido de sódio) é uma base
muito forte sendo destrutiva da mesma forma que os ácidos uma vez que o ião
hidróxido (OH-) também catalisa a hidrólise das ligações peptídicas.
Algumas substâncias são convertidas em venenos corrosivos devido a reacções
químicas dentro dos organismos. O fosgénio, um gas muito usado na 1ª Grande Guerra
e usado hoje em dia na indústria química na produção de plásticos e drogas, tem este
efeito uma vez que ao ser inalado é hidrolisado nos pulmões formando ácido
clorídrico que retira água dos tecidos, “afogando” a vítima uma vez que o oxigénio
não pode ser absorvido. O seu odor é muito ligeiro e a reacção de hidrólise é lenta
pelo que só ao fim de algumas horas é que a vítima sente os efeitos e nessa altura a
destruição dos pulmões pode ser já demasiado importante.

O
+ HO 2 HCl + CO
2 2
Cl Cl
Figura 2 – Reação dos fosgénio nos pulmões.

Alguns venenos corrosivos actuam sobre os tecidos provocando a sua oxidação.


São as substâncias como o peróxido de hidrogénio (água oxigenada – H 2O2), ozono,
dióxido de azoto e halogénios (flúor, cloro, bromo e iodo). Estas substâncias

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provocam a oxidação das ligações peptídicas ou nas ligações de enxofre entre as


cadeias laterais. A maioria dos agentes oxidantes provocam dor suficiente para servir
de aviso à exposição.
Evidentemente que em caso de exposição acidental a qualquer um destes tipos
de compostos deve-se lavar abundantemente com água, em particular olhos e pele,
durante 15 a 30 minutos e chamar os serviços de emergência. No caso da substância
ter sido engolida não se deve provocar o vómito uma vez que faria passar novamente
a substância corrosiva pelos tecidos. No caso de ir trabalhar com qualquer uma destas
substâncias devem tomar-se todos os cuidados de prevenção necessários.

Venenos Metabólicos - Monóxido de Carbono e Cianeto

As substâncias que atuam como venenos metabólicos actuam de forma muito


mais discreta do que os corrosivos que destroem os tecidos atuando sem dar indícios
da sua presença até que seja demasiado tarde.
Um veneno metabólico pode provocar doenças ou morte ao interferir num
mecanismo bioquímico vital em extensão suficiente para impedir o funcionamento
eficiente do organismo.

Monóxido de carbono

O monóxido de carbono é um gás sem cor e sem odor à temperatura ambiente o


que significa que não tem características de aviso. Sendo gás, mistura-se com o ar e
ao ser inalado entra em contacto com o sangue a partir dos pulmões. Este gás
interfere com o transporte do oxigénio no sangue sendo este um dos processos de
envenenamento melhor compreendidos.
O CO, tal como o O2, combina-se com a hemoglobina nos glóbulos vermelhos:
O2(g) + hemoglobina(aq)  oxi-hemoglobina(aq)
CO(g) + hemoglobina(aq)  carboxi-hemoglobina(aq)

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Estas duas reações são reversíveis, no entanto, testes de laboratório mostraram


que a carboxi-hemoglobina é cerca de 140 vezes mais estável que a oxi-hemoglobina.
Tanto o O2 como o CO ligam-se ao átomo de ferro e a maior estabilidade da carboxi-
hemoglobina é devida à maior estabilidade da ligação CO-Fe do que a da ligação O 2-
Fe. Assim a hemoglobina deixa de poder exercer o seu processo vital que é o
transporte do oxigénio às células. Respirar ar que contém cerca de 0,1% de CO (1000
ppm) durante quatro horas converte cerca de 60% da hemoglobina em carboxi-
hemoglobina sendo a morte uma probabilidade elevada a não ser que as moléculas de
hemoglobina se libertem do CO.
A exposição ao monóxido de carbono é muito comum e é mesmo quase
impossível evitar as pequenas exposições. Qualquer combustão incompleta de
material orgânico libertará monóxido de carbono, tais como o que acontece nos
motores de automóveis, acender cigarros e fornos de carvão.
Dado que ambas as reações são reversíveis, as concentrações dos gases, para
além da força das ligações ao átomo de ferro, afectam a quantidade de hemoglobina
ligada a cada uma das moléculas destes gases.
carboxi-hemoglobina(aq) + O2(g)  oxi-hemoglobina(aq) + CO(aq)
De acordo com o princípio de Le Chatelier, se a concentração de um dos
reagentes for maior o equilíbrio deslocar-se-á no sentido de diminuir essa
concentração. No ar que contenha menos de 0,1% de CO o relação de moléculas de
oxigénio para monóxido de carbono deverá ser de 200:1. Esta elevada concentração
de oxigénio ajuda a contrabalançar a maior força da ligação CO-Fe pelo que o
equilíbrio favorece a formação de oxi-hemoglobina.

Cianeto

O ião cianeto (CN-) é o agente tóxico em certos sais como o cianeto de sódio
(NaCN), usado industrialmente em eletrodeposição. O ião cianeto é uma base
relativamente forte reagindo com muitos ácidos formando o gás cianeto de

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hidrogénio (HCN).
H2SO4(aq) + NaCN(aq)  HCN(g) + NaHCN(aq)
Este gás serve para fumegar recipientes e contentores uma vez que é muito
tóxico para a maioria da formas de vida, podendo penetrar em pequenos poros,
mesmo em ovos de insetos. Este gas tem um ligeiro odor a amêndoas sendo portanto
uma boa propriedade de aviso.
O cianeto existe naturalmente nas sementes de alguns frutos como cerejas,
pêssegos, ameixas, maçãs e alperces, onde se forma o composto amigdalina que
contém o grupo cianeto. As plantas produzem este composto como forma de proteção
da semente até que possa germinar.

O O
R
H H
N
+ 2HO HCN + C H O +
2 6 12 6

Figura 3 – Hidrólise da amigdalina.

Enquanto o grupo cianeto estiver ligado na amigdalina não existe o risco de


toxicidade.
O ião cianeto pode ser rapidamente dissolvido no sangue podendo ser letal em
questão de segundos ou poucos minutos. Este ião provoca a asfixia das células que
necessitam de oxigénio embora o mecanismo seja diferente do que ocorre com o
monóxido de carbono. O ião cianeto interfere com as enzimas oxidativas (citocromo
oxidase), que existem em todas as células que usam oxigénio. Esta enzima contém
um átomo de ferro que é oxidada de Fe 2+ a Fe3+ para fornecer eletrões necessários à
oxidação do O2. O ião ferro volta a recuperar o eletrão noutra fase do processo
global. Quando o ião cianeto colide com esta enzima no local do ião ferro forma-se
uma ligação forte entre o CN- e o ião ferro bloqueando a enzima. O oxigénio continua
a entrar nas células mas o mecanismo em que este é usado para o suporte de vida

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está parado. Assim as células morrem e se isto ocorrer suficientemente rápido nos
centros vitais provoca a morte da vítima.
O organismo tem um mecanismo para se libertar dos iões cianeto mas a reacção
é relativamente lenta. A reação entre a enzima e o ião cianeto é reversível e, ao fim
de algum tempo, os iões cianeto libertam-se ficando em solução. É então que uma
outra enzima (rodanase – existe em quase todas as células) converte os iões cianeto
em iões tiocianeto que são praticamente inofensivos:
CN-(aq) +S2O32-(aq)  SCN-(aq) + SO32-(aq)
Contudo este mecanismo é pouco eficiente para proteger a vítima de
envenenamento por cianeto dado que existe apenas uma pequena quantidade de iões
tiosulfato disponível. Se administradas em tempo útil podem ser dadas grandes
quantidades de tiosulfato funcionando como antídoto.

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Referências:

● World of Chemistry, Joesten & Wood, Saunders College Publishing, 2nd


ed., 1996.

● Environmental Chemistry, Colin Baird, Michael Cann, W.H. Freeman and


Company, 2005.

● Environmental Chemistry, Stanley E. Manahan, Lewis Pub. (CRC Press),


2000.

● The extraordinary chemistry of ordinary things, Carl H. Snyder, John


Wiley & Sons, Inc, 1995.

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