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BLOG OPINIÕES – HAMILTON GARCIA

POR QUE SOMOS ASSIM?


(A EVOLUÇÃO DA ESQUERDA – II)

A submissão do PCB ao radicalismo militar-popular prestista-stalinista – vide artigo anterior – arrastou não
só os comunistas, mas o conjunto do movimento democrático (ANL) e sindical a uma profunda depressão depois da
derrota do levante de 1935 e da onda repressiva que se seguiu, abortando a maré montante da nova sociedade civil
após o fim da hegemonia oligárquica sobre o Estado, em meio à crise econômica internacional (Grande Depressão) e à
frustração popular com os rumos da Revolução de 1930 – já sob a égide da Constituição de 1934, a primeira
constituição democraticamente produzida no país, não obstante o veto à participação eleitoral do PCB.

O retrocesso, produzido pela ação inconsequente da própria esquerda, aplainou o terreno para a formação
de um poderoso bloco conservador que desembocaria no golpe militar-varguista de 1937, permitindo que o processo
de modernização passasse à direção da direita, concentrando o poder de Estado nas mãos de Vargas e seus aliados em
benefício de uma acumulação nacional-capitalista acelerada sem a participação independente da sociedade civil
trabalhadora – incluído seus extratos médios –, aprisionada em formas paraestatais de associativismo sindical e
cultural.

O Estado Novo permitiu à Vargas, a um só tempo, desimpedir o caminho para o capitalismo de Estado
neutralizando tanto a oposição sindical, quanto o empecilho integralista (AIB) a um pacto amplo de alianças em torno
do desenvolvimento nacional. Ao franquear livre acesso ao poder – via Ministério do Trabalho e Justiça do Trabalho –
aos grupos sindicais moderados, dispostos à barganha com políticos e patrões em troca de privilégios e concessões
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trabalhistas – que desaguaria no PTB –, Vargas dificultou também o acesso da esquerda ao movimento operário. Aos
comunistas, desarticulados e isolados, sobrariam poucas alternativas, tendo prevalecido aquela de tentar recuperar
espaços ocupando a margem esquerda das concessões do varguismo ao movimento trabalhista (populismo), o que os
conduziu a abandonar a extremada oposição ao caudiilho e aderir ao queremismo – campanha pela continuidade do
Governo Vargas em meio às pressões pela redemocratização e pela constituinte, em 1945.

A manobra tisnaria a imagem de Prestes, cuja mulher, Olga Benário – agente da IC no levante de 1935 –,
havia sido deportada por Vargas para a Alemanha grávida de uma filha sua – sendo morta em seguida pelos nazistas
em um campo de extermínio –, sem produzir os resultados esperados e ainda reforçando a desconfiança sobre as
intenções democráticas do PCB.

Mesmo assim, frustrada a manobra queremista pelo golpe civil-militar de 1945, os comunistas lograram
obter a ansiada legalidade, não obstante a manutenção do impedimento à liberdade (inter)sindical, e alcançar uma
consagradora votação que os colocaria na quarta posição eleitoral em âmbito nacional, sustentando a mensagem da
união nacional – que mais refletia a conveniência internacional de um período de paz para a reconstrução da URSS,
do que uma nova estratégia democrática para o socialismo. Logo, o recrudescimento das tensões internacionais
(Guerra Fria) e as pressões reacionárias pela contenção dos movimentos sociais – inclusive pelo PTB, interessado no
espólio eleitoral do PCB1 e em eliminar sua concorrência sindical – colocariam por terra a moderação comunista.

A cassação do PCB que se seguiu, secundada pela perda dos mandatos parlamentares, traria de volta o
fantasma insurrecional, com os comunistas não só abandonando a política de união nacional, como negando a própria
ordem democrática (limitada) que haviam ajudado a erigir, voltando-se à pregação revolucionária, agora sob a
inspiração da Revolução Chinesa de 1949, sem, mais uma vez, obter adesão popular.

A recidiva pseudorradical seria menos gravosa – dada a relativa ausência de repressão policial – não fosse o
extremo sectarismo que marcou a conduta comunista entre 1948-51, inclusive com tentativas de se formar grupos de
autodefesa armada para enfrentar o arbítrio coronelístico no campo, na esteira da experiência com as Ligas
Camponesas – criadas pelos comunistas, a partir de 1945, para driblar o veto católico-latifundiário à sindicalização
camponesa.

O fracasso dessa estratégia, cuja expressão urbana foi a malfadada criação de sindicatos vermelhos na
tentativa de superar o controle burocrático sobre os trabalhadores, acabaria gerando reação no setor sindical do PCB,
que, ignorando as diretrizes do Comitê Central partidário, resolvem voltar aos sindicatos legais, o que levaria à
recuperação dos espaços perdidos e ao protagonismo decisivo na greve geral paulista de 1953.

O reatamento dos laços com os sindicatos oficiais, todavia, só reaproximaria os comunistas dos
nacionalistas depois do suicídio do líder populista (1954), numa chave semelhante à união nacional, buscando
conciliar a via democrático-sindical de acesso à classe trabalhadora, com a perspectiva reformista da acumulação de
forças para a revolução; um caminho, sem sombra de dúvida, mais realista para a afirmação dos ideais socialistas do
aquele seguido nas fases insurrecionais.

1 O salto da bancada do PTB na Câmara Federal – de 22 deputados, em 1945, para 51, em 1950 – mostra o impacto positivo da cassação do PCB no
fortalecimento das hostes varguistas; in. <https://pt.wikipedia.org/wiki/Eleições_gerais_no_Brasil_em_1945> e
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Eleições_gerais_no_Brasil_em_1950>, em 11/06/18.
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As greves e mobilizações do período 1953-64, fortemente influenciadas pelos comunistas, todavia,


acabariam por enfraquecer a estratégia reformista ao se deparar com um parlamento petrificado pela ausência de livre
organização política no campo – onde residia metade da população – e sem a presença legal do PCB, acabando por
alimentar novas correntes rupturistas; agora fora do controle prestista.

Por paradoxal que fosse, o revolucionarismo ganharia tônus com Leonel Brizola (brizolismo), líder radical
do PTB gaúcho – partido de amplas bases populares e trajetória ascendente desde a cassação do PCB – que se
insinuaria, após a vitoriosa Revolução Cubana (1959), como alternativa nacionalista-popular ao comunismo,
avançando, a partir da renúncia de Jânio Quadros (1961), sobre as bases militares pecebistas – organizadas, desde
1935, em torno do nacionalismo –, bem como sindicais, estudantis e rurais – por meio da recriação das Ligas
Camponesas (Francisco Julião) –, através de um programa de mudanças econômico-sociais radicais (reformas de
base) a ser implementado por cima do parlamento (“na lei ou na marra”) com o apoio de grupamentos sociais armados
(Grupo dos Onze) e a retaguarda dos militares nacionalistas (“dispositivo militar legalista”).

A pressão radical do brizolismo, em chave com a radicalização social e a rebeldia instalada nos quartéis,
levaria de roldão não apenas o prestismo – historicamente oscilante entre o putchismo de 1935 e a conciliação de
1945-47, o Manifesto de Agosto de 1950 e a Declaração de Março de 1958 –, mas também boa parte do PTB e o
próprio Presidente da República (João Goulart), arrastando a todos para o mesmo precipício de onde, no final de
março de 1964, não seria mais possível recuar.

O terrível desenlace, que modernizaria o Estado, a economia e a sociedade brasileira, ao mesmo tempo que
a mergulharia numa nefasta ditadura de alto custo humano e social, lançou a esquerda em nova refundação,
estilhaçando o PCB e precipitando sua juventude na luta armada à moda cubana (foquismo), numa reiteração trágica
do fascínio nacional pela imitação dos modelos estrangeiros, absorvidos aqui sem a necessária consideração acerca da
realidade nacional.

A nova tournant culminaria com a superação da hegemonia marxista-leninista sobre a esquerda brasileira e
sua substituição gradual, a partir dos anos 1970, pela sindical-pastoral, que daria ensejo ao PT em 1980. Mas, isso é
assunto para o próximo artigo.

Hamilton Garcia de Lima (Cientista Político, UENF2)

São João da Barra, 11/06/18.

2 Universidade Estadual do Norte-Fluminense (Darcy Ribeiro).

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