Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Texto 1 - O Manejo Da Interpretação de Sonhos Na Psicanálise
Texto 1 - O Manejo Da Interpretação de Sonhos Na Psicanálise
O artigo foi publicado pela primeira vez em dezembro de 1911. Seu tópico, como o título
indica, é restrito: relaciona-se aos sonhos apenas como aparecem numa análise
terapêutica. Outras constituições ao mesmo assunto serão encontradas nas Seções I a
VIII de ‘Considerações sobre a Teoria da Interpretação de Sonhos’ (1923c).
O MANEJO DA INTERPRETAÇÃO DE SONHOS NA PSICANÁLISE
A Zentralblatt für Psychoanalyse não foi planejada apenas para manter os leitores
informados dos progressos efetuados no conhecimento psicanalítico, e para publicar
contribuições ao assunto relativamente breves; visa também a realizar as tarefas
adicionais de apresentar ao estudioso um esboço claro do que já é conhecido e de
economizar tempo e esforços dos principiantes na prática analítica, oferecendo-lhes
instruções apropriadas. Doravante, portanto, artigos de natureza didática e sobre
assuntos técnicos, não necessariamente contendo matéria nova, aparecerão também
neste periódico.
A questão de que pretendo agora tratar não é a da técnica de interpretação de sonhos:
nem os métodos pelos quais os sonhos devem ser interpretados nem o emprego de tais
interpretações, quando efetuadas, serão considerados, mas apenas a maneira pela qual
o analista deve utilizar a arte da interpretação de sonhos no tratamento psicanalítico
dos pacientes. Existem indubitavelmente maneiras diferentes de trabalhar no assunto,
mas por outro lado a resposta a questões de técnica em análise nunca é coisa rotineira.
Embora haja talvez mais de um bom caminho a seguir, existem ainda muitíssimos
maus, e uma comparação entre os diversos métodos não deixa de ser esclarecedora,
mesmo que não conduza a uma decisão em favor de algum especificamente.
Qual, então, se tivermos em mente esta regra, deve ser a nossa atitude ao interpretar
sonhos na análise? Mais ou menos a seguinte. A interpretação que possa ser realizada
em uma sessão deve ser aceita como suficiente e não se deve considerar prejuízo que o
conteúdo do sonho não seja inteiramente descoberto. No dia seguinte, a interpretação
do sonho não deve ser retomada novamente, como coisa natural, até que se tenha
tornado evidente que nada mais, nesse meio tempo, abriu caminho para o primeiro
plano dos pensamentos do paciente. Desse modo, nenhuma exceção, em favor de uma
interpretação de sonhos interrompida, deve ser feita à regra de que a primeira coisa
que vem à cabeça do paciente é a primeira coisa a ser tratada. Se novos sonhos ocorrem
antes que os anteriores tenham sido examinados, as produções mais recentes devem
ser atendidas e nenhum constrangimento se precisa sentir por negligenciar as mais
antigas. Se os sonhos se tornam por demais difusos e volumosos, toda a esperança de
decifrá-los deve ser tacitamente abandonada desde o início. Devemos em geral evitar
demonstrar interesse muito especial na interpretação de sonhos, ou despertar no
paciente a idéia de que o trabalho se interromperia se ele não apresentasse sonhos; de
outra maneira, há o perigo de a resistência ser dirigida para a produção de sonhos, com
a conseqüente cessação destes. Pelo contrário, o paciente deve ser levado a crer que a
análise invariavelmente encontra material para sua continuação, independentemente
de ele apresentar ou não sonhos, ou da atenção que lhes é dedicada.
Assim, não se abandona nada que se pode obter, se se desiste da idéia de uma
interpretação de sonhos completa; tampouco nada se perde, via de regra, se
interrompemos a interpretação de um sonho relativamente antigo e voltamo-nos para
uma mais recente. Descobrimos, em ótimos exemplos de sonhos inteiramente
analisados, que diversas cenas sucessivas de um só sonho podem ter o mesmo
conteúdo, o qual pode nelas ser expresso com crescente clareza, e aprendemos também
que diversos sonhos que ocorrem em uma mesma noite não passam de tentativas,
manifestadas sob várias formas, de representar um só significado. Em geral, podemos
ficar certos de que todo impulso de desejo que cria hoje um sonho reaparecerá noutros
sonhos, enquanto não tiver sido compreendido e retirado do domínio do inconsciente.
Por isso acontece freqüentemente que a melhor maneira de completar a interpretação
de um sonho seja abandoná-lo e dedicar a atenção a um sonho novo, que pode conter
o mesmo material sob forma possivelmente mais acessível. Sei que é pedir muito, não
apenas do paciente mas também do médico, esperar que abandonem seus propósitos
conscientes durante o tratamento e entreguem-se a uma orientação que, apesar de
tudo, ainda nos parece ‘acidental’. Mas posso responder que se é recompensado toda
vez que se resolve ter fé nos próprios princípios teóricos e se persuade a não discutir a
orientação do inconsciente ao estabelecer elos de ligação.
Nas obras ‘científicas’ sobre sonhos, que, apesar de seu repúdio da interpretação de
sonhos, receberam da psicanálise novo estímulo, descobrimos com freqüência que um
cuidado escrupuloso é desnecessariamente concedido à preservação acurada do texto
do sonho. Supõe-se que este precise de proteção contra deformações e atritos, nas
horas que seguem imediatamente o despertar. Alguns psicanalistas até, ao darem ao
paciente instruções para anotar cada sonho logo após acordar, não parecem confiar
consistentemente em seu conhecimento das condições de formação onírica. No
trabalho terapêutico, essa regra é supérflua, e os pacientes alegram-se em fazer uso
dela para perturbar o próprio sono e demonstrar grande zelo quando este é inútil. Pois,
mesmo que o texto de um sonho seja dessa maneira arduamente salvo do
esquecimento, é bastante fácil convencer-nos de que nada foi conseguido para o
paciente. Não surgirão associações no texto e o resultado será igual ao que haveria se o
sonho não houvesse sido preservado. Indubitavelmente, o médico adquiriu um
conhecimento que de outro modo não teria conseguido, mas não é a mesma coisa se o
analista sabe de algo ou se o paciente o sabe; a importância desta distinção para a
técnica da psicanálise será mais amplamente considerada alhures.