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Aqueles foram dias tumultuosos, foi assim que o escritor Pierre Van Paassen,

jornalista e ministro da igreja unitarista narrou em sua autobiografia no livro


“Estes dias tumultuosos”, onde registrou a comovente história e Ugolin contada
por Divaldo Franco em uma de suas conferências, nos propondo reflexões em
torno do comportamento humano e de seus embates no processo evolutivo.
Era final da década de 30 e Pierre Van Passen fazia sua trajetória de retorno ao
lar, carregando os pacotes contendo roupas que recebia para fazer doações aos
necessitados que encontrava, ele levava as roupas para casa para lavar e fazer
os remendos necessários e posteriormente saia ao encontro daqueles que
sofrem a penúria e miséria no silencio da noite.
E naquela noite em especial, após descer no terminal quando o trem chegou ao
seu destino, caminhou em direção ao coche que o aguardava como de costume
para leva-lo para casa, porem no caminho percebeu que estava sendo seguindo,
era uma figura estranha que esgueirava na sobra da noite acompanhado os seus
passos.
Ele parou e olhou para aquele homem, que fisicamente apresentava-se
deformado, era corcunda, mancava de uma perna e tinha o rosto levemente
contorcido, porém os olhos expressavam uma ternura incomparável. Aquele
homem, se aproximou e disse:
- Senhor, posso carregar os seus embrulhos, tenho o hábito de fazer pequenos
favores para receber algumas moedas, não sou mendigo, nem vagabundo, faço o
que posso para garantir a minha sobrevivência.
Embora receoso Pierre Van Passen aquiesceu ao pedido e entregando o
embrulho aquela estranha criatura, foram caminhando em direção a carruagem e
embeleceram um diálogo amistoso.
Ao chegar no local onde a carruagem o esperava, sem saber o porque, lhe
pergunta Pierre se ele aceita uma carona, naquela noite nevava muito e estava
frio.
No diálogo se sucedeu naquele encontro singular, Ugolin diz que tem apenas 15
anos, que era órfão, informa o endereço onde morava e das condições em que
vivia, fala também sobre o seu sonho de ganhar um par de sapatos, marron e
branco, curioso Pierre olha para os pés daquele jovem e vê que está calçado com
dois tamancos velhos e estragados. Ugolin pede para Pierre escrever uma carta
para Nossa Senhora da Consolação a mãe de Jesus, pois acreditava que na
noite de natal a senhora saía pelas ruas para presentear as crianças pobres.
Ouvindo a sinceridade naquelas palavras Pierre Van Passen diz que faria a carta
e que certamente a Nossa Senhora da Consolação o atenderia, ele pergunta o
número dos sapatos e ouve a resposta interessante, Senhor, eu tenho um pé
menor que o outro, calço 40 e 41.
Chegando ao destino, envolvido pelo ternura daqueles olhos Pierre convida
Ugolin para entrar e a partir daquele dia nasce uma grande amizade. Onde
ambos tiveram oportunidade de se conhecerem melhor.
aluns encontros vieram depois, se aproximava o Natal e Pierre já amava aquele
jovem, lhe faz proposta, Ugolin já que você é órfão e eu sou pessoa solitária,
gostaria de adotá-lo como meu filho.
Foi aí que Ugolin contou a sua história, disse que não poderia aceitar a proposta
pois tinha uma irmã, dois anos mais velha que ele, uma jovem de 17 anos.
- Doutor, a minha Irmã Marre é tudo que tenho, vivíamos felizes em nosso lar, até
que nossa mãe morreu, deixando-nos sozinhos eu tinha 09 , pois nosso pai, não
aguentou a viuvez, começou a beber e colocou-nos nas ruas para mendigar, e
espancava-nos quando não trazíamos dinheiro para casa, foi em um destes
momentos de loucura quando ele me espancava, após retornar para casa sem
conseguir o dinheiro que ele desejava, me atirou contra a parede alguma coisa
estalou em minhas costas, fui colado em uma casa de misericórdia, onde a
misericórdia não existia, fiquei alí abandonado até que minha irmã e eu
resolvemos fugir e viemos para Paris, ela conseguiu um emprego em uma
relojoaria, e pagava o hospital onde me deixou internado para que eu pudesse
me recuperar, toda semana ela vinha me ver e pagava as despesas com o salário
que ganhava, eu estava me recuperando, passada algumas semanas, ela entrou
desesperada a correr adentrando o meu quarto, chorando e afirmando que não
havia feito nada de errado, imediatamente entraram dois guardas que a
acusaram de ter roubado a joalheira onde trabalhava. Mas ela foi presa e
condenada a 02 nos de detenção. Mais tarde fiquei sabendo que tudo não
passou de uma armação do dono da loja que tentou obriga-la a ceder a suas
investidas, e ao ser recusado lhe acusou de um crime que ela não havia
cometido. Depois que me recuperei, fiquei pelas ruas e aprendi e me virar, minha
irmã não aceitava que eu a visitasse na prisão, no dia em que ela saiu, eu estava
lá, corri para abraça-la, e ela disse, com uma expressão amarga nos olhos,
Ugolin, Marre morreu, eu não sou mais a sua irmã. E logo foi aliciada, passou a
se prostituir como quem desejasse se vingar daquela sociedade que a condenou
injustamente.
Ugolin- disse Pierre – Se Marre quiser eu também vou adotá-la, posso pagar
terapeutas para ajuda-la, juntos poderemos formar uma família.
Não doutor, a Marrie não vai aceitar.
Naquela noite Ugolin foi para casa, triste, e prometeu voltar no domingo, pois
seria Natal e eu o convidei para almoçar comigo e ver se Nossa Senhora da
Consolação havia deixado o par de sapatos marrom e branco que ele tanto
desejava.
Diz Pierre Van Passen que já viveu muitas coisas mas o que estava por vir ele
jamais pensou que viveria em sua vida.
Era domingo, ele aguardava a chegada e Ugolin mas antes foi até um ponto
comercial da esquina próximo a sua casa para comprar tabaco e ao chegar o
dono do estabelecimento estava fechando ao ser questionado responde a Pierre
- O senhor não está sabendo da desgraça doutor, Ugolin aquele jovem seu
protegido morreu, o abade de La Roudaire, o sacerdote local, ordernou que
fechássemos os estabelecimentos.
Mas como morreu?
- Dizem que ele suicidou, mas só o abade de La Roudaire sabe o que aconteceu,
o corpo está lá exposto.
Pierre Van Passen, tremulo, a custo conseguiu correr até a igreja, e lá chegando,
diante do abade, que caminhava de um lado para o outro na sacristia, se
apresentou e disse que era amigo Ugolin e gostaria de saber o que havia
acontecido.
Abade de La Roudaire começou a narrativa, que ao retornar para a igreja na noite
anterior viu um grupo de jovens que se divertiam cantando e pareciam
embriagados, o cumprimentaram-no, mas porém ele ouvi gemidos estranhos em
meio a cantoria e quando se aproximou viu que havia um homem seminu
amarrado ao poste, e os jovens, aqueles vândalos, fazendo ciranda e agredindo-
o , imediatamente espantei aquelas feras e vi que era Ugolin, desamarrei-o, o
cobri, coloquei-o em meus ombros e o carreguei.
- Ele me disse, Abade... Jesus nasceu?
- Eu disse sim filho, Hoje é natal, Jesus nasceu...
- Abade... para que que ele nasceu?
- Para nos ensinar o amor...
- Mas ensinou?
- Meu filho não blafeme...
- Abade, porque fazem isso comigo... abade... só porque sou deformado... eu não
tenho culpa... eu não sei porque Jesus permite que isso aconteça...
- Eu lhe disse - não sei meu filho.
- Abade... Deus não é justo, ele não ama os seus filhos com igualdade...
Chegamos a igreja, ajeitei o lugar para ele dormir, e disse, amanhã você estará
melhor, durma meu filho.
E pela manhã vi que a cama estava intocável, a coberta não fora usada.
E logo que comecei a missa duas crianças entraram gritando...
Abade, abade... venha ver, o Ugolin está morto nas águas do rio...
Sai correndo e quando cheguei ao local era ele, Ugolin se matara, ele suportara
tudo, mas aquele desprezo, as humilhações, as aquelas agressões gratuitas. Ele
sucumbira, deixou-se levar pelo desespero.
Peguei o cadáver, comuniquei as autoridades e o trouxe para a igreja, mesmo
sabendo que não era permitido orar pelos suicidas. Porém logo que irmã foi
avisada pelo policial que foi a sua casa informa-la do acontecido, quando o
policial fechou a porta e desceu as escadas escutou o estalido de um tiro, ao
voltar viu a jovem caída em possa de sangue. Ugolin era o que ainda lhe restava
de bom nesta vida.
Eu então mandei que trouxessem o corpo de dela para cá também, e vou rezar
uma missa hoje as 15 horas. O senhor esteja presente também.
Pierre van Passen não conseguiu mover-se dali, permaneceu até o momento da
missa.
A igreja estava lotada, quando o abade de La Roudaire começou dizendo...
Cristãos... e aquela palavra soou como uma chicotada.
E em tom enfático prosseguiu quando eu morrer tiver que me apresentar ao
Senhor da vida e Ele me perguntar: Abade de La Roudaire que fizeste das
ovelhas que te confiei?
Eu abaixarei a cabeça envergonhada e não direi nada.
Se ele me perguntar pela segunda vez: fizeste das ovelhas que te confiei?
Eu permanecerei de cabeça baixa e em silencio.
Mas se ele me perguntar pela terceira vez: Abade de La Roudaire que fizeste das
ovelhas que te confiei?
Eu responderei: Não eram ovelhas senhor, eram lobos.
Esses dois jovens aqui estão não suicidaram, foram assassinados pela
intolerância, a impiedade e a maldade humana.
Mesmo depois de tantos anos, ainda vivemos nos dias hoje tempos tumultuosos,
onde a intolerância, o egoísmo e a crueldade humana continua fazendo suas
vítimas.
A falta de resposta de Pierre Van Paassen e do abade de La Roudaire ante tais
acontecimentos encontra hoje a resposta na doutrina Espírita que nos ajuda a
compreender a misericórdia divina nas leis que regem a nossa vida. O Espiritismo
que tem a missão de reviver o cristianismo, nos ensina a compreender Jesus em
sua expressão de amor.

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