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AULA 3

MINICURSO ONLINE E GRATUITO

FILOSOFIA 360°
PROF. DR. MATEUS SALVADORI
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1. SCHOPENHAUER, KIERKEGAARD E existência humana em seu todo; a


NIETZSCHE angús�a é a ver�gem da liberdade; três
esferas (ou planos) de existência: a)
- A filosofia desenvolvida no idealismo estádio estético: imedia�dade e busca
alemão provocou várias reações, como do prazer; b) estádio ético: lei moral e
as desenvolvidas pelo materialismo, dever; c) estádio religioso: finalidade
pelo posi�vismo e pelo voluntarismo. O maior (Abraão aceita sacrificar seu
voluntarismo atribui à vontade um filho) e salto na fé.
papel central sobre a razão: a vontade é - Nietzsche: os dois ins�ntos da vida são
o fator básico, tanto no universo quanto o apolíneo e o dionisíaco; a decadência
na conduta humana. Ex.: Nietzsche da civilização ocidental culmina com a
(vontade de poder), Mainländer (vonta- morte de Deus, com a eliminação de
de de morrer), Freud (vontade de todos os valores que foram fundamento
prazer) etc. da humanidade; consequência necessá-
- Schopenhauer: o mundo como vonta- rio disso é o niilismo: resta apenas o
de (a essência – númeno – do mundo é nada, o eterno retorno. Zaratustra é o
vontade) e como representação (tudo o profeta do amor fati e da transvalora-
que o mundo inclui é dependente do ção dos valores e anuncia o além-ho-
sujeito, não exis�ndo senão para o mem.
sujeito). A essência do ser humano e do
mundo (de tudo) é vontade insaciável. 2. DO HEGELIANISMO À TEORIA CRÍTI-
Toda a universalidade dos fenômenos CA DA ESCOLA DE FRANKFURT
tem uma só e idên�ca essência: a von-
tade (única, cega, livre, sem obje�vo e - Hegelianismo: crí�cos de Hegel: Her-
irracional). A vida humana oscila, como bart e Trendelenburg; direita e esquer-
pêndulo, entre a dor e o tédio. A reden- da hegeliana (dis�nção criada por
ção humana está em “deixar de Strauss): Direita (Göschel, Conradi,
querer”. Como? “Libertação” por meio Gabler, Erdmann, Fischer e Ro-
da arte e “redenção” por meio da senkranz) diz que o hegelianismo é
ascese: jus�ça (reconhecimento dos compa�vel com os dogmas do cris�a-
outros como iguais a nós), bondade nismo + o Estado prussiano deve ser
(compaixão – fundamento da é�ca); visto como o ponto de chegada da
ascese (erradicar a vontade de viver, dialé�ca; Esquerda (Strauss, Bauer,
que é raiz do mal). S�rner, Ruge, Feuerbach, Marx e
- Kierkegaard: subje�vidade: a verdade Engels) subs�tuiu os dogmas religiosos
é subje�vidade; pai do existencialismo pela filosofia + pela dialé�ca não é pos-
“cristão”: o existencialismo analisa a sível deter-se em configuração polí�ca.
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- Socialismo utópico (Saint-Simon, Fou- mas pelo mundo da vida; Honneth: as


rier Blanc e Owen), anarquismo (Prou- três formas de reconhecimento são o
dhon), socialismo cien�fico (Marx e amor, o direito e a solidariedade; a luta
Engels) e marxismo depois de Marx visa a auto-realização, o auto-respeito e
(Bernstein, Kautsky, Rosa de Luxembur- a auto-es�ma.
go, Adler, Plekhanov, Lênin, Lukács,
Korsch, Bloch, Garaudy, Althusser, 3. RESTAURAÇÃO, POSITIVISMO, NEO-
Labriola e Gramsci). CRITICISMO, HISTORICISMO E NEOIDE-
- Teoria crí�ca da Escola de Frankfurt: a ALISMO
teoria crí�ca afasta-se da teoria tradi-
cional (norma�va e descri�va) e possui - Restauração: França e na Itália na era
quatro dimensões: a) teleológica: da Restauração (1814-1848): Victor de
emancipação social (máxima liberdade Cousin etc.
e igualdade); b) perspectiva: nega o - Posi�vismo: fato, dado e empírico;
essencialismo e defende que os objetos Comte, Durkheim, Lombroso, Malthus,
sociais são relacionais e conflituosos; o Smith, Ricardo, Bentham e James Mill
ideal é uma força histórica que atua no etc.
interior do real; c) objetal: sociedade - U�litarismo: maior felicidade ao
como um todo; d) temporal: que maior número; Bentham, J. S. Mill, P.
tempos são estes em que vivemos? Singer etc.
Adorno e Horkheimer (a racionalidade - Neocri�cismo: principalmente na Ale-
é instrumental: emancipa a humanida- manha, de meados do XIX até os anos
de da natureza, mas instaura a domina- 1920; retorno a Kant, opondo-se a
ção dos seres humanos sobre eles Hegel e ao posi�vismo; duas escolas: a)
mesmos; visão pessimista e trágica; Escola de Marburgo: Cohen, Natorp e
indústria cultural); Marcuse: o homem Cassirer; 2) Escola de Baden: Windel-
de uma dimensão vive numa sociedade band e Rickert.
de uma dimensão, coberta pela filosofia - Historicismo: final do século XIX até a
de uma dimensão; Fromm: o caráter déc. de 1930; retorno à tradição das
social prescreve ao indivíduo certas ciências do espírito fundamentado em
estruturas de pensamento e de com- uma hermenêu�ca radical, que proble-
portamento; Benjamin: destruição da ma�za as concepções de ciência históri-
“aura”; anjo da história; narra�va da ca; Windelband, Rickert, Dilthey,
violência; Habermas: as patologias se Simmel, Spengler, Troeltsch e Meine-
devem à primazia indevida da racionali- cke.
dade instrumental sobre a comunica�- - Neoidealismo: neo-hegelianismo;
va, permi�ndo a colonização dos siste- 1870 a 1920 na Grã-Bretanha, EUA e
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Itália (Croce, Gen�le etc.); na Itália, no humana de encontrar significado num


segundo pós-guerra, é subs�tuído pelo universo sem propósito).
existencialismo, neoposi�vismo, feno- - Hermenêu�ca: estuda a teoria da
menologia e marxismo. interpretação; Schleiermacher; Dil-
they; Gadamer (enfrentamos um texto
4. FENOMENOLOGIA, EXISTENCIALIS- com nossa pré-compreensão e damos
MO E HERMENÊUTICA uma primeira interpretação ao texto,
que deve ser colocada sob o crivo do
- Fenomenologia: retoma a importân- texto e do contexto; tendo um choque,
cia dos fenômenos, os quais devem ser devemos propor outra interpretação, e
estudados em si mesmos e tudo o que assim por diante, teoricamente ao infi-
podemos saber do mundo e de nós nito; alteridade do texto; Be�; Ricoeur;
resume-se a eles; e a consciência é Pareyson; Va�mo.
sempre consciência de alguma coisa.
Husserl: a) fase nega�va: Epoché ou 5. FILOSOFIA DA CIÊNCIA E DA LINGUA-
Redução Fenomenológica: o fenômeno GEM
é isolado de tudo o que não lhe é pró-
prio a fim de poder revelar-se em sua - Há, principalmente a par�r do XIX, um
pureza e busca somente o incontestá- entrelaçamento entre as ciências e a
vel, o apodí�co; b) fase posi�va: é filosofia.
aquela na qual o olhar da inteligência se - Neoposi�vismo ou Círculo de Viena
dirige para a própria coisa, penetra-a e (verificacionismo): Carnap, Feigl, Wais-
faz com que ela se manifeste em toda a mann, Neurath, Hahn, Kaufmann e
sua realidade; Scheler, Hartmann, Schlick).
Rudolf O�o, Edith Stein e Merleau- - Filosofia da Ciência clássica no séc. XX:
-Ponty. Popper, Kuhn, Lakatos e Feyerabend.
- Existencialismo: Sartre: a existência - Russell (concepção empírica e realista
precede a essência; Beauvoir: não se da filosofia: a filosofia não pode ser
nasce mulher, torna-se. fecunda se es�ver afastada da ciência),
- “Eclé�cos”: a) Heidegger: os três exis- Wi�genstein (buscou uma estrutura
tenciais são o ser-no-mundo (fac�cida- lógica que pudesse dar conta do funcio-
de), ser-com-os-outros (mundo-da-vi- namento da linguagem e a estrutura da
da) e ser-para-a-morte (temporalida- linguagem deveria corresponder à reali-
de); b) Jaspers: a existência é entendida dade dos fatos; define o significado
como vinculada à historicidade; c) como uso) e a Filosofia Analí�ca (guina-
Marcel: socrá�co-cristão; d) Camus: da linguís�ca: da consciência à lingua-
filosofia do absurdo (inabilidade gem; muitos problemas filosóficos se
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reduziram a equívocos da linguagem); significado individual e da iden�dade;


dois ramos: a Escola de Cambridge Sandel, Bellah, Walzer, MacIntyre,
(Russell, Moore e Wi�genstein) preocu- Taylor etc.
pa-se com a linguagem das ciências e - Jusposi�vismo: Escola da Exegese, da
tem confiança na recém criada lógica Jurisprudência Analí�ca e Escola Histó-
simbólica, u�lizando-a para reformar a rica do Direito no XIX; Hart e Kelsen no
linguagem comum, purificando-a de XX; Pós-posi�vismo: Dworkin, Alexy
suas ambiguidades; a Escola de Oxford etc.
(Ryle e Aus�n) desenvolve a filosofia da
linguagem comum ou ordinária e está 7. DO ESPIRITUALISMO À FILOSOFIA
preocupada com as prá�cas sociais e os PÓS-COLONIAL
usos co�dianos da linguagem.
- Espiritualismo: escola francesa do
6. ARENDT, LIBERALISMO, COMUNITA- XVIII ao XX; o homem é interioridade e
RISMO, JUSPOSITIVISMO E PÓS-POSI- liberdade, consciência e reflexão e a
TIVISMO filosofia não pode ser absorvida pela
ciência; Ravaisson, Boutroux, Blondel
- Hannah Arendt: a condição humana etc.
via três a�vidades fundamentais (traba- - Evolucionismo espiritualista: Bergson
lho: animal laborans; obra: homo faber; e a afirmação da liberdade humana
ação: vida polí�ca) que integram a vida frente as vertentes cien�ficas e filosófi-
a�va; banalidade do mal é a capacidade cas que querem reduzir a dimensão
destru�va burocrá�ca da vida pública e espiritual à leis previsíveis.
o mal não é uma categoria ontológica, - Novas teologias: renovação do pensa-
nem demoníaca (Milgram e os choques; mento teológico no XX; Barth, Rahner
Zimbardo e a prisão). etc.
- Liberais x comunitaristas: a) liberais: - Neoescolás�ca: neotomismo; Mari-
liberalismo clássico, minarquista (segu- tain, Gilson etc.
rança pública, jus�ça e poder de polícia) - Personalismo: movimento associado
e anarcocapitalista (não admite nem ao humanismo; Mounier, Simone Weil
mesmo um Estado mínimo); Locke, Bas- etc.
�at, Hume, Tocqueville, Smith, Ricardo, - Pragma�smo: forma que o empirismo
Friedman, Rand, Hayek, Mises, Hoppe, tradicional assumiu nos EUA: a experi-
Rothbard, Nozick etc.; b) Rawls: teoria ência é abertura para o futuro, é previ-
da jus�ça como equidade; c) comunita- são, é norma de ação; Peirce, James e
rismo: enfa�zam a importância das ins- Dewey.
�tuições sociais no desenvolvimento do - Filosofia teórica americana: holismo
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epistêmico em Quine, neopragma�smo - Necropolí�ca em Mbembe: o Estado


em Rorty, cérebro numa cuba em escolhe quem deve viver e quem deve
Putnam etc. morrer.
- Estruturalismo: trata das estruturas - Filosofia brasileira: é a filosofia desen-
que sustentam todas as coisas que os volvida em pesquisas “quase sempre”
seres humanos fazem, pensam, perce- nas Universidades.
bem e sentem: os fenômenos da vida
não são inteligíveis exceto através de ANÁLISE DO TEXTO “QUE É ISTO - A
suas inter-relações; Saussure na linguís- FILOSOFIA?”, DE HEIDEGGER
�ca, Lacan na psicanálise e Levi-Strauss
na antropologia. Obje�vo:
- Pós-estruturalismo: pós-guerra e maio Conceituação da filosofia e do filosofar;
de 1968 na França; retomada de Nietzs- filosofia enquanto competência de
che; três rebeldes: Foucault e a trans- perscrutar o ente (busca do ser dos
gressão em relação às ins�tuições; De- entes); filosofar é dialogar com os filó-
leuze e a transgressão ao fazer filosófi- sofos.
co; Derrida e a transgressão à escrita;
Agamben, Baudrillard, Butler, Kristeva, Teses centrais:
Kofman, Labarthe e Nancy. a) a filosofia é vasta e, por isso, indeter-
- Pós-modernidade: final de 1970; crí�- minada; a consequência disso é que ela
cas: autonomia da razão (razão iluminis- possui muitas definições; Heidegger
ta); ideia de progresso linear; pela razão nos oferece “a um caminho”;
há a emancipação; pretensão de totali- b) quando perguntamos: “Que é isto – a
dade; Lyotard: crise das grandes narra�- filosofia?”, falamos sobre a filosofia e,
vas. perguntando desta maneira, localiza-
- Filosofia espanhola: Unamuno contra mo-nos fora dela; porém, a meta é
o intelectualismo; Ortega y Gasset e o penetrar na filosofia, submeter nosso
eu-circunstância. comportamento às suas leis, quer dizer,
- Filosofia hebraica: Buber e o diálogo; “filosofar”;
Levinas e a alteridade. c) a Filosofia não é apenas algo que per-
- Filosofia pós-colonial: anos 1960; Said, tence ao âmbito da racionalidade, mas
Bhabha, Spivak, Fanon, Gilroy e Glis- é a própria guarda da razão; todavia, ao
sant. afirmar isso nos cabe agora responder:
- Filosofia la�no-americana: Quijano, “que é isso, a razão?” Onde e por quem
Mignolo, Dussel e Lander. foi decidido “o que é a razão?”
- Ubuntu e a filosofia africana: “Eu sou d) Heidegger escolhe par�r da origem
porque nós somos”. grega, porque a philosophía é grega em
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sua essência; filosofia ocidental-euro- não é o único caminho. Deve ficar


peia” é uma tautologia; mesmo em aberto se o caminho para o
e) perguntamos: “que é isto...?” Essa é qual desejaria chamar a atenção, no
uma forma de ques�onar desenvolvida que segue, é na verdade um caminho
pelos gregos, por Sócrates, Platão e que nos permite levantar a questão e
Aristóteles (que é isto - o belo? Que é respondê-la”.
isto - o conhecimento? etc.);
f) a filosofia é uma espécie de compe- Assim Heidegger inicia seu texto sobre
tência capaz de perscrutar o ente (1. o tema: que é isso, a Filosofia? Essas são
ENTE/dasein: presença, existência; suas palavras iniciais indicam um cami-
estudo do cien�sta; nível ôn�co; 2. SER: nho de abordagem ao tema do que vem
essência, interior do ente; estudo da a ser a Filosofia. O autor prossegue
filosofia; nível ontológico – mistério: ques�onando a própria suposição se
por que há x? ex.: por que há algo no seremos capazes de encontrar um
lugar do nada?); caminho para responder à questão,
g) nós filosofamos quando entramos pois quando perguntamos: “Que é isto -
em diálogo com os filósofos. a filosofia?”, falamos sobre a filosofia e,
perguntando desta maneira, localiza-
Resenha do texto Que é isto - a filoso- mo-nos num ponto acima da filosofia, e
fia? de Heidegger: isto quer dizer, fora dela. Porém, a meta
de nossa questão é penetrar na filoso-
“Com esta questão tocamos um tema fia, submeter nosso comportamento às
muito vasto. Por ser vasto, permanece suas leis, quer dizer, “filosofar”. O cami-
indeterminado. Por ser indeterminado, nho de nossa discussão deve ter por
podemos tratá-lo sob os mais diferen- isso não apenas uma direção bem clara,
tes pontos de vista e sempre a�ngire- mas esta direção deve, ao mesmo
mos algo certo. Entretanto, pelo fato tempo, oferecer-nos também a garan�a
de, na abordagem deste tema tão de que nos movemos no âmbito da filo-
amplo, se interpenetrarem todas as opi- sofia, e não fora e em torno dela. Na
niões, corremos o risco de nosso diálo- tenta�va de delimitar seu objeto de
go perder a devida concentração. Por estudo, prossegue Heidegger defen-
isso devemos tentar determinar mais dendo que a Filosofia não é apenas algo
exatamente a questão. Desta maneira, que pertence ao âmbito da racionalida-
levaremos o diálogo para uma direção de, mas que é a própria guarda da
segura. Procedendo assim, o diálogo é razão. Observa, todavia, que afirmar
conduzido a um caminho. Digo: a um que a Filosofia é a guarda da razão não
caminho. Assim concedemos que este nos leva muito longe, porque nos cabe
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agora responder: que é isso, a razão? traz peculiaridades absolutamente rele-


Onde e por quem foi decidido o que é a vantes e reveladoras: A palavra philoso-
razão? phía diz-nos que a filosofia é algo que,
pela primeira vez, e antes de tudo,
Se aquilo que se apresenta como ra�o marca a existência do mundo grego.
foi primeiramente e apenas fixado pela Não só isto: a philosophía determina
filosofia e na marcha de sua história, também a linha mestra de nossa histó-
então não é de bom tratar a priori a filo- ria ocidental-europeia. A ba�da expres-
sofia como negócio da ra�o. Todavia, são “filosofia ocidental-europeia” é, na
tão logo pomos em suspeição a caracte- verdade, uma tautologia. Por quê?
rização da filosofia como um comporta- Porque a “filosofia” é grega em sua
mento racional, torna-se, da mesma essência – e grego aqui significa: a filo-
maneira, também duvidoso se a filoso- sofia é nas origens de sua essência de
fia pertence à esfera do irracional. Se, tal natureza que ela primeiro se apode-
por um lado, é problemá�co tomarmos rou do mundo grego e só dele, usando-
a filosofia como algo racional a priori, -o para se desenvolver.
determiná-la como algo irracional é, no-
vamente, tomar o racional como A frase: a filosofia é grega em sua essên-
padrão e pressupor como óbvio o que cia, não diz outra coisa que: o Ocidente
seja a razão. Se, por outro lado, aponta- e a Europa, e somente eles, são, na
mos para a possibilidade de que aquilo marcha mais ín�ma de sua história, ori-
a que a filosofia se refere concerne a ginariamente “filosóficos”. Isto é atesta-
nós homens em nosso ser e nos toca, do pelo surto e domínio das ciências.
então pode ser que esta maneira de ser Pelo fato de elas brotarem da marcha
afetado não tenha absolutamente nada mais ín�ma da história ocidental-euro-
a ver com aquilo que comumente se peia, o que vale dizer do processo da
designa como afetos e sen�mentos, em filosofia, são elas capazes de marcar
resumo, o irracional. hoje, com seu cunho específico, a histó-
ria da humanidade. A tradição designa-
Heidegger conclui que do que foi dito da pelo nome grego philosophía, tradi-
até então, deduzimos inicialmente ção nomeada pela palavra historial phi-
apenas isto: é necessário maior cuidado losophía, mostra-nos a direção de um
se ousamos inaugurar um encontro caminho. Ela não nos entrega à prisão
com o �tulo: Que é isto - A Filosofia? Ele do passado e irrevogável. “Transmi�r” é
escolhe par�r da origem grega do um libertar para a liberdade do diálogo
termo, não por mo�vo vão, mas com o que foi e con�nua sendo. Se es�-
porque, segundo ele, essa origem nos vermos verdadeiramente atentos à
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palavra e meditarmos o que ouvimos, o prestar atenção para o fato de que nas
nome “filosofia” nos convoca para questões acima não se procura apenas
penetrarmos na história da origem uma delimitação mais exata do que é
grega da filosofia. A palavra philosophía natureza, movimento, beleza; mas é
está, de certa maneira, na cer�dão de preciso cuidar para que ao mesmo
nascimento de nossa própria história; tempo se dê uma explicação sobre o
podemos mesmo dizer: ela está na cer- que significa o “que”, em que sen�do se
�dão de nascimento da atual época da deve compreender o �. Aquilo que o
história universal que se chama era atô- “que” significa se designa o quid est, tò
mica. Por isso somente podemos levan- quid: a quidditas, a qüididade. Entretan-
tar a questão: Que é isto - a filosofia?, to, a quidditas se determina diversa-
se começamos um diálogo com o pen- mente nas diversas épocas da filosofia.
samento do mundo grego. Porém, não Assim, por exemplo, a filosofia de
apenas aquilo que está em questão, a Platão é uma interpretação caracterís�-
filosofia, é grega em sua origem, mas ca daquilo que quer dizer o �. Ele signi-
também a maneira como perguntamos, fica precisamente a ideia. O fato de nós,
mesmo a nossa maneira atual de ques- quando perguntamos pelo ti, pelo quid,
�onar ainda é grega. nos referimos à “ideia” não é absoluta-
mente evidente. Aristóteles dá uma
Perguntamos: que é isto...? Em grego outra explicação do ti que Platão. Outra
isto é: ti estin. A questão rela�va ao que ainda dá Kant e, também, Hegel explica
algo seja permanece, todavia, mul�vo- o ti de modo diferente. Sempre se deve
ca. Podemos perguntar, por exemplo: determinar novamente aquilo que é
que é aquilo lá longe? Obtemos então a ques�onado através do fio condutor
resposta: uma árvore. A resposta con- que representa o ti, o quid, o “que”. Em
siste em darmos o nome a uma coisa todo caso: quando, referindo-nos à filo-
que não conhecemos exatamente. sofia, perguntamos: “que é isto?” levan-
Podemos, entretanto, ques�onar mais: tamos uma questão originariamente
que é aquilo que designamos “árvore”? grega.
Com a questão agora posta avançamos
para a proximidade do � es�n grego. É Notemos bem: tanto o tema de nossa
aquela forma de ques�onar desenvolvi- interrogação: “a filosofia”, como o
da por Sócrates, Platão e Aristóteles. modo como perguntamos: “que é
Estes perguntam, por exemplo: Que é isto...?”, ambos permanecem gregos
isto - o belo? Que é isto - o conhecimen- em sua proveniência. Nós mesmos faze-
to? Que é isto - a natureza? Que é isto - mos parte desta origem, mesmo então
o movimento? Agora, porém, devemos quando nem chegamos a dizer a palavra
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“filosofia”. Somos propriamente cha- razões e causas”, a saber, do ente. As


mados de volta para esta origem, recla- primeiras razões e causas cons�tuem
mados para ela e por ela, tão logo pro- assim o ser do ente. Após dois milênios
nunciemos a pergunta: Que é isto - a e meio me parece que teria chegado o
filosofia? não apenas em seu sen�do tempo de considerar o que afinal tem o
literal, mas meditando seu sen�do pro- ser do ente a ver com coisas tais como
fundo. Se penetrarmos no sen�do “razão” e “causa”. Em que sen�do é
pleno e originário da questão: Que é pensado o ser para que coisas tais como
isto - a filosofia? então nosso ques�o- “razão” e “causa” sejam apropriadas
nar encontrou, em sua proveniência para caracterizarem e assumirem o sen-
historial, uma direção para nosso futuro do-ser do ente? A citada afirmação de
historial. Encontramos um caminho. A Aristóteles diz-nos para onde está a
questão mesma é um caminho. Ele caminho aquilo que se chama, desde
conduz da existência própria ao mundo Platão, “filosofia”. A afirmação nos
grego até nós, quando não para além de informa sobre isto que é: a filosofia. A
nós mesmos. Estamos a caminho, num filosofia é uma espécie de competência
caminho claramente orientado. Já capaz de perscrutar o ente, a saber, sob
desde há muito tempo costuma-se o ponto de vista do que ele é, enquanto
caracterizar a pergunta pelo que algo é, é ente.
como a questão da essência. A questão
da essência torna-se mais viva quando Mas a afirmação de Aristóteles sobre o
aquilo por cuja essência se interroga, se que é a filosofia não pode ser absoluta-
obscurece e confunde, quando ao mente a única resposta à nossa ques-
mesmo tempo a relação do homem tão. No melhor dos casos, é ela uma
para com o que é ques�onado se resposta entre muitas outras. Com o
mostra vacilante e abalada. auxílio da caracterização aristotélica de
filosofia pode-se evidentemente repre-
A questão de nosso encontro refere-se sentar e explicar tanto o pensamento
à essência da filosofia. Ela procura o antes de Aristóteles e Platão quanto a
que é o ente enquanto é. A filosofia está filosofia posterior a Aristóteles. Entre-
a caminho do ser do ente, quer dizer, a tanto, facilmente se pode apontar para
caminho do ente sob o ponto de vista o fato de que a filosofia mesma, e a ma-
do ser. E por isso que a filosofia é episté- neira como ela concebe sua essência,
me theoretiké. Mas que é isto que ela passou por várias transformações nos
perscruta? Aristóteles responde, fazen- dois milênios que seguiram o Estagirita.
do referência às pròtai arkhai kai aitíai. Quem ousaria negá-lo? Mas não pode-
Costuma-se traduzir: “as primeiras mos passar por alto o fato de a filosofia
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de Aristóteles e Nietzsche permanecer faz parte que discutamos com eles


a mesma, precisamente na base destas aquilo de que falam. Este debate em
transformações e através delas. Pois as comum sobre aquilo que sempre de
transformações são a garan�a para o novo, enquanto o mesmo, é tarefa
parentesco no mesmo. De nenhum específica dos filósofos, é o falar, o
modo afirmamos com isto que a defini- légein no sen�do do dialégesthai, o
ção aristotélica de filosofia tenha valor falar como diálogo. Se e quando o diálo-
absoluto. Pois ela é já em meio à histó- go é necessariamente uma dialé�ca,
ria do pensamento grego uma determi- isto deixamos em aberto. Supondo,
nada explicação daquele pensamento e portanto, que os filósofos são interpela-
do que lhe foi dado como tarefa. A defi- dos pelo ser do ente para que digam o
nição aristotélica de filosofia certamen- que o ente é, enquanto é, então
te é livre con�nuação da aurora do pen- também nosso diálogo com os filósofos
samento e seu encerramento. Digo livre deve ser interpelado pelo ser do ente.
con�nuação, pois de maneira alguma
pode ser demonstrado que as filosofias O ente enquanto tal dis-põe de tal ma-
tomadas isoladamente e as épocas da neira o falar que o dizer se harmoniza
filosofia brotam uma das outras no sen- (accorder) com o ser do ente. Para
�do da necessidade de um processo Platão e Aristóteles, o espanto é a dis-
dialé�co. -posição na qual e para a qual o ser do
ente se abre, o espanto é a dis-posição
Do que foi dito, que resulta para nossa em meio à qual estava garan�da para os
tenta�va de, num encontro, tratarmos a filósofos gregos a correspondência ao
questão: Que é isto - a filosofia? Primei- ser do ente. Dis-posição (Stimmung) é
ramente um ponto: não podemos ater- um originário modo de ser do ser-aí,
-nos apenas à definição de Aristóteles. vinculado ao sen�mento de situação
Disto deduzimos o outro ponto: deve- (Befindlichkeit) que acompanha a dere-
mos ocupar-nos das primeiras e poste- licção (Geworfenheift). Pela dis-posição
riores definições de filosofia. A resposta (que nada tem a ver com tonalidades
somente pode ser uma resposta filoso- psicológicas) o ser-no-mundo é radical-
fante, uma resposta que enquanto res- mente aberto. Esta abertura antecede o
posta filosofa por ela mesma. Quando é conhecer e o querer e é condição de
que a resposta à questão: Que é isto - a possibilidade de qualquer orientar-se
filosofia? é uma resposta filosofante? para próprio da intencionalidade (Ser e
Quando filosofamos nós? Manifesta- Tempo, § 29). Jogando com a riqueza
mente apenas então – quando entra- semân�ca das derivações de Stimmung:
mos em diálogo com os filósofos. Disto bestimmt, gestimmt, abstirnmen,
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Ges!imnitheit, Bestimmtheit, Heidegger dis�ncte percipere. A dis-posição afe�-


procura tornar claro como esta disposi- va da dúvida é o posi�vo acordo com a
ção é uma abertura que determina a certeza. Daí em diante a certeza se
correspondência ao ser, na medida em torna a medida determinante da verda-
que é instaurada pela voz (Stimme) do de. A dis-posição afe�va da confiança
ser. O filósofo toca aqui nas raízes do na absoluta certeza do conhecimento a
comportamento filosófico, da a�tude cada momento acessível permanece o
originalmente do filosofar. páthos e, com isso, a arkhé da filosofia
moderna.
De bem outra espécie é aquela dis-posi-
ção que levou o pensamento a colocar a Mas em que consiste o télos, a consu-
questão tradicional do que seja o ente mação da filosofia moderna, caso disso
enquanto é, de um modo novo, e a nos seja permi�do falar? É este termo
começar assim uma nova época da filo- determinado por uma outra dis-posi-
sofia. Descartes, em suas meditações, ção? Onde devemos nós procurar a
não pergunta apenas e em primeiro consumação da filosofia moderna? Em
lugar ti tò ón – que é o ente, enquanto Hegel ou apenas na filosofia dos úl�-
é? Descartes pergunta: qual é aquele mos anos de Schelling? E que acontece
ente que no sen�do do ens certum é o com Marx e Nietzsche? Já se movimen-
ente verdadeiro? Para Descartes, entre- tam eles fora da órbita da filosofia mo-
tanto, se transformou a essência da cer- derna? Se não, como determinar seu
titudo. Para Descartes, aquilo que ver- lugar? Parece até que levantamos
dadeiramente é se mede de uma outra apenas questões históricas. Mas na ver-
maneira. Para ele, a dúvida se torna dade meditamos o des�no essencial da
aquela dis-posição em que vibra o filosofia. Procuramos pôr-nos à escuta
acordo com o ens certum, o ente que é da voz do ser. Qual a dis-posição em que
com toda certeza. A certitudo torna-se ela mergulha o pensamento atual? Uma
aquela fixação do ens qua ens, que resposta unívoca a esta pergunta é pra-
resulta da indubitabilidade do cogito �camente impossível. Provavelmente
(ergo) sum para o ego do homem. impera uma dis-posição afe�va funda-
Assim, o ego se transforma no sub-iec- mental. Ela, porém, permanece oculta
tum por excelência, e, desta maneira, a para nós. Isto seria um sinal para o fato
essência do homem penetra pela pri- de que nosso pensamento atual ainda
meira vez na esfera da subje�vidade no não encontrou seu claro caminho. O
sen�do da egoidade. Do acordo com que encontramos são apenas dis-posi-
esta certitudo recebe o dizer de Descar- ções do pensamento de diversas tonali-
tes a determinação de um clare et dades. Dúvida e desespero de um lado
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e cega processão por princípios, não antecipação das razões ontológico-exis-


subme�dos a exame, de outro, se con- tenciais da mistura do conhecimento e
frontam. interesse. Não há conhecimento imune
ao processo de ideologização; dele não
Medo e angús�a misturam-se com escapa nem mesmo o conhecimento
esperança e confiança. Muitas vezes e cien�fico, por mais exato, rigoroso e
quase por toda parte reina a ideia de neutro que se proclame.
que o pensamento que se guia pelo
modelo da representação e cálculo pu- A correspondência propriamente assu-
ramente lógicos é absolutamente livre mida e em processo de desenvolvimen-
de qualquer dis-posição. Mas também a to, que corresponde ao apelo do ser do
frieza do cálculo, também a sobriedade ente, é a filosofia. Que é isto - a filoso-
prosaica da planificação são sinais de fia? somente aprendemos a conhecer e
um �po de dis-posição. Não apenas a saber quando experimentamos de
isto; mesmo a razão que se mantém que modo a filosofia é. Ela é ao modo
livre de toda influência das paixões é, da correspondência que se harmoniza e
enquanto razão, pré-dis-posta para a põe de acordo com a voz do ser do ente.
confiança na evidência lógico-matemá- Este co-responder é um falar. Está a ser-
�ca de seus princípios e regras. Já em viço da linguagem. O que isto significa é
Ser e Tempo (§ 29) se alude à dis-posi- de di�cil compreensão para nós hoje,
ção que acompanha a teoria e se afirma pois nossa representação comum da
que “o conhecimento ávido por deter- linguagem passou por um estranho pro-
minações lógicas se enraíza ontológica cesso de transformações. Como conse-
e existencialmente no sen�do de situa- quência disso a linguagem aparece
ção, caracterís�co do ser-no-mundo. como um instrumento de expressão. A
Apontando para o fato de que a própria crí�ca da instrumentalização da lingua-
razão está pre-dis-posta para confiar na gem visa a proteger o sen�do, a dimen-
evidência lógico-matemá�ca de seus são conotadora e simbólica, contra a
princípios e regras, Heidegger fere um redução da linguagem ao nível da deno-
tabu que os sucessos da técnica ainda tação, do simplesmente opera�vo. Não
mais sacralizam. Mas, desde que Haber- se trata apenas de salvar a mensagem
mas, em seu livro Conhecimento e Inte- linguís�ca da ameaça da pura semio�ci-
resse, mostrou que atrás de todo dade. O filósofo descobre na linguagem
conhecimento existe o interesse que o o poder do lógos, do dizer como proces-
dirige, que a teoria quanto mais pura se so apofân�co; entrevê na linguagem a
quer mais se ideologiza, pode-se desco- casa do ser, onde o homem mora nas
brir, nas afirmações de Heidegger, uma raízes do humano. Em Heidegger, uma
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ontologia já impossível é subs�tuída quê? Porque nós, sem uma suficiente


pela crí�ca da linguagem, numa anteci- reflexão sobre a linguagem, jamais
pação da moderna analí�ca da lingua- sabemos verdadeiramente o que é a
gem. filosofia como a co-respondência acima
assinalada, o que ela é como uma privi-
De acordo com isso, tem-se por mais legiada maneira de dizer. Agora, porém,
acertado dizer que a linguagem está a haveria boas razões para exigir que
serviço do pensamento em vez de: o nosso encontro se limitasse à questão
pensamento como correspondência que trata da filosofia. Esta restrição
está a serviço da linguagem. Mas, antes seria só então possível e até necessária,
de tudo, a representação atual da se do diálogo resultasse que a filosofia
linguagem está tão longe quanto possí- não é aquilo que aqui lhe atribuímos:
vel da experiência grega da linguagem. uma correspondência, que manifesta
Aos gregos se manifesta a essência da na linguagem o apelo do ser do ente.
linguagem como lógos. Mas o que signi- Com outras palavras: nosso encontro
fica lógos e légein? Apenas hoje come- não se propõe a tarefa de desenvolver
çamos lentamente, através de múl�plas um programa fixo. Mas ele quisera ser
interpretações do lógos, a descerrar um esforço de preparar todos os par�ci-
para nossos olhos o véu sobre sua origi- pantes para um recolhimento em que
nária essência grega. Entretanto, nós sejamos interpelados por aquilo que
não somos capazes nem de um dia designamos o ser do ente. Nomeando
regressar a esta essência da linguagem, isto, pensamos no que já Aristóteles diz:
nem de simplesmente assumi-la como Tò òn légetai pollakhõs. “O sendo-ser
herança. Pelo contrário, devemos torna-se, de múl�plos modos, fenôme-
entrar em diálogo com a experiência no”.
grega da linguagem como lógos. Por

VAMOS SEGUIR JUNTOS NESSA


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