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INTRODUÇÃO À LITERATURA RUSSA I

ANÁLISE DO AUTOR ALEXANDR PÚCHKIN E SEU CONTO “O


FAZEDOR DE CAIXÕES”

Isabella de Andrade Rodrigues – Nº USP: 10270943

Antes de iniciar uma breve análise do conto, é necessário elucidar


momentaneamente sobre a essência do autor. Púchkin é considerado, até os
dias de hoje, formador de uma língua literária russa que ainda não existia. Apesar
de escrever poesia por muitos anos, sua experiência com prosa se limita para
os últimos dez anos de sua vida. Com sua obra vasta, Púchkin buscava
representar uma cultura e sociedade russa que estava a se formar na época,
quando começou a existir uma necessidade de representação e construção de
uma identidade russa.

Púchkin, apesar de amplamente ovacionado e respeitado pelo seu país, além de


amplamente propagado ao redor do oriente, não vingou de fato no oriente, como
diz NÁZARIO (1981, p. IX):

Enquanto nos estudos literários russos o tema puchkiniano


continua sendo um dos mais discutidos e cada geração
apresenta ricos elementos para a definição do seu Púchkin, a
divulgação do poeta no Ocidente ficou marcada desde o início
por uma série de incompreensões e perplexidades.

Indiferentemente disso, o autor é considerado um dos grandes nomes russos no


país. De acordo com MARIZ (1987, p. 41), Dobrolyubov, considerado um dos
mestres da crítica russa, afirma que Púchkin “reagia a tudo que a vida russa
representava, abrangendo todos os seus aspectos e acompanhando-os em
todas as fases”.
Para FRATE (2017, p.41), Púchkin se molda com base na equiparação de
diversos pontos, o que o define como um grande autor e poeta:

Púchkin é talvez o poeta que tenha alcançado o equilíbrio


máximo entre tradição e originalidade, coloquialidade e
erudição, progressividade e conservadorismo, expandindo as
características de Derjávin, alcançando uma parcela muito maior
de leitores e moldando a língua russa em uma forma quase
definitiva.

Ao considerar esses pontos, é possível compreender uma parte da extensão do


que o conto “O Fazedor de Caixões” representa. Púchkin traz, com este conto,
uma tentativa simples e plenamente efetiva de representação da essência russa,
de sua cultura e seu cotidiano. Com um tom singelamente humorístico, o autor
traz uma mistura do realismo e do fantástico, como diz Backès (1966, p.94,
tradução nossa):

É através da comédia que Puchkin aborda do gênero fantasia,


ao qual mais tarde ele dará outro tom. Ele zomba gentilmente de
pessoas simples, artesãos de Moscou, sem que o escárnio se
transforme em sátira, sem que a brincadeira se transforme em
burlesco. Ele capta um detalhe divertido, mas tem o cuidado de
não comentar.

Como diz Backès, Púchkin traz em seu conto, com linguagem coloquial,
personagens consideradas simples, pessoas comuns que representam a
identidade russa. Ele é deveras claro em questão de estilística, trazendo
praticamente uma “fotografia” da realidade russa ao descrever cores e também
vestes dos personagens, muito provavelmente inspirados pelo cotidiano russo.

Trazendo também o elemento gótico à tona, Púchkin menciona suas referências


inglesas e escocesas no conto:
O leitor culto sabe que tanto Shakespeare como Walter Scott
representaram os seus coveiros como homens alegres e
brincalhões, a fim de impressionar mais fortemente com o
contraste a nossa imaginação. Em respeito à verdade, não
podemos seguir o seu exemplo e somos obrigados a confessar
que o gênio do nosso fazedor de caixões condizia de modo
absoluto com o seu lúgubre ofício. Adrian Prokhorov era
habitualmente sombrio e calado. (PÚCHKIN, 1999, p. 214)

Além disso, apesar do autor no mesmo trecho mencionar como a personagem


principal é sombria e calada, o texto em si nada se tem de sombrio e calado,
sendo realmente temperado com um humor apreciável.

Em outras partes do conto, Púchkin traz diversas personagens alemãs, o que


talvez seja apenas uma coincidência, mas, sua principal referência era de fato o
romance alemão. Estes simbolismos, que permanecem subjetivos, são fatores
representativos do estilo do autor, que combina a linguagem e a técnica
narrativa, criando uma polissemia.

Percebe-se, enfim, que muito possivelmente o objetivo de Púchkin ao escrever


o conto é o de trazer o equilíbrio entre o gênero romanesco e o gênero fantástico,
com um leve toque gótico para trazer a essência de uma cultura russa e
representar o início da linguagem literária do país, com humor e simplicidade.

Seus textos geram, de certa forma, diversas interpretações, pois possui um


grande número de simbolismos ocultos, assim como afirma ZAGUIDÚLLINA
(2001, p. 30, tradução nossa):

“[A criação de Púchkin] está tão longe de qualquer “preocupação


social” e das pretensões morais de outros grandes escritores do
século 19 que nela encontramos um potencial crescente de
sentidos e de interpretações. Dos textos puchkinianos tiramos
toda sorte de sentidos, que gera um sem-número de
interpretações; o legado de Púchkin não pode ser “explicado” ou
formulado conforme uma ideologia determinada, é inatingível e
fluido.

Logo, Púchkin se concretizou um dos pioneiros dessa literatura, assim como diz
MIKAELYAN (p. 121 [S.D]): “Os poemas e os textos em prosa de Púchkin foram
tão inovadores que, em certa medida, definiram as obras de praticamente todos
os maiores escritores russos do século XIX”. Seu legado é vasto e essencial para
a afirmação da identidade russa e também para a consolidação de uma literatura
russa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BACKÈS, Jean-Louis. Pouchkine par lui-même, Editions du Seuil : Paris 1966,


p.94.
FRATE, Rafael. Ensaio Sobre a Vida Póstuma. Rev. Estud. Class., v.17n.1, p.35-
67, Campinas-SP, jan./jun. 2017.

MARIZ, Tatiana G. Eugênio Oniêguin - Obra Central De Alexandre Puchkin. Rev.


De Letras, Fortaleza, 12 (1/2) – Jan/dez, 1987.

MIKAELYAN, Yulia. “O nosso tudo”: o mito de Púchkin pelo prisma dos


escritores dissidentes soviéticos. [S.D]. Acesso em:
http://oaji.net/articles/2017/6504-1531849479.pdf

NAZÁRIO, Helena. In: PÚCHKIN, Alexander. “A filha do Capitão” e o Jogo das


Epígrafes. São Paulo: Perspectiva, 1981, p. IX.

PARATTE, Henri-Dominique. The Many Ways to Read “The Coffin Maker”.


Canada, 2014.

PÚCHKIN, Aleksandr. A dama de espadas: prosa e poemas / Aleksandr Púchkin:


tradução de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher – São Paulo: Ed. 34, 1999.
ZAGUIDÚLLINA, M. Púchkinski mif v kontsé XX vieka (O mito puchkiniano no
final do século XX). Tcheliábinsk: Izdátelstvo Tcheliábinskovo
Gossudárstvennovo Universiteta, 2001.

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