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TEMA ARGUMENTATIVO 01 COMENTADO

EPIDEMIAS DO SÉCULO 21: UM DESAFIO A SER ENFREN-


TADO
ANTES DE MAIS NADA:

O gênero dissertativo-argumentativo exige a produção de um texto


com um ponto de vista (tese) sobre um tema. Esse ponto de vista
deve ser defendido com argumentos.

1 - SOBRE O TEMA / SOBRE A FRASE TEMÁTICA

A primeira observação importante é que a frase temática não


solicita uma argumentação específica sobre o coronavírus, mas uma
produção acerca das epidemias do século 21 (o primeiro texto moti-
vador contribui para esclarecer essa ideia). Assim, os conhecimentos
acerca da pandemia do coronavírus podem e devem ser utilizados, mas
devem estar acompanhados de uma redação sobre epidemias de ma-
neira mais geral.

Além disso, é de grande ajuda ter domínio sobre a diferença en-


tre surto, epidemia e pandemia, sobretudo porque a temática global
do coronavírus já há muito tempo faz parte do dia a dia. A Revista
Galileu explica de maneira didática:

- Surto: aumento inesperado do número de infectados por determi-


nada doença em uma região específica. Um exemplo são os casos
de dengue: quando muitos casos ocorrem no mesmo bairro de uma
cidade, por exemplo, as autoridades tratam esse crescimento como um
surto;

- Epidemia: quando o número de surtos cresce, abrangendo várias


regiões. Um exemplo é o ebola, que passou a ser considerado uma
epidemia em 2014, após atingir diversos países na África;

- Pandemia: acontece quando uma epidemia alcança níveis mundi-


ais, afetando várias regiões ao redor do globo terrestre. Para a OMS
declarar a existência de uma pandemia, países de todos os conti-
nentes precisam ter casos confirmados da doença. Antes da covid-19,

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a última vez que algo do tipo aconteceu foi em 2009, quando a gripe
A (ou gripe suína) foi declarada uma pandemia1.

É possível perceber, então, que as pandemias começam por sur-


tos e pandemias. Outro ponto relevante diz respeito à localização no
tempo: o século 21 iniciou-se no ano 2000 e irá até o ano 2100.
Isso significa que já vivemos duas décadas desse século e somos ca-
pazes de entender as particularidades que ele possui, sobretudo em
relação aos avanços tecnológicos e industriais.

Por fim, destaca-se que a frase temática traz o trecho “um desa-
fio a ser enfrentado”, o que sugere uma abordagem em torno do
enfrentamento à questão com base nos desafios por ela trazidos.
Assim, espera-se que uma tese (um ponto de vista) seja defendida
com argumentos em torno desse aspecto.

2 – DUAS TESES E ARGUMENTOS POSSÍVEIS

ATENÇÃO! ⚠

Os exemplos aqui apresentados têm caráter principalmente ilustra-


tivo. Uma tese é um ponto de vista, razão pela qual o leitor não pre-
cisa concordar com os exemplos aqui expostos. Ressalta-se também
que os argumentos em defesa das teses apresentadas não se esgo-
tam aqui, assim como um mesmo argumento pode servir para a
defesa de mais de uma tese

2.1 – EXEMPLO DE TESE I:


Os desafios referem-se à relação do homem com a natureza.

A) Primeiro argumento em defesa da tese: o desequilíbrio ambi-


ental favorece a propagação de patógenos.

Em entrevista ao Portal MultiRio, Christovam Barcellos, vice-di-


retor de Ensino e Pesquisa do Instituto de Comunicação e Informação
Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz, fez uma relação entre a
pandemia de covid-19 e a interferência humana na natureza:

1
[Adaptado de:] https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/noticia/2020/03/entenda-diferenca-
entre-epidemia-pandemia-endemia-e-surto.html

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A atual pandemia de covid-19 está relacionada com diversas mu-
danças que ocorreram no mundo nas últimas décadas. A primeira
delas é a climática, que interfere na distribuição de todas as es-
pécies de plantas e animais. Há áreas invadidas por animais; ou-
tros estão em extinção; há deslocamentos de vetores, como
mosquitos etc. A segunda mudança é a perda da biodiversi-
dade, que faz com que pragas se proliferem. Em um ambiente
equilibrado, os predadores naturais, por exemplo, mantêm a popu-
lação de pragas estável. Quando temos maior biodiversidade, a
explosão de uma espécie determinada é mais controlada 2.

Pode-se relacionar essa questão a todas as doenças desenca-


deadas por organismos patogênicos, tais como vírus e bacté-
rias3, visto que o desequilíbrio ambiental causa um desbalanceamento
na proliferação de tais organismos, como explicado por Christovam
Barcellos. Dentre as epidemias do século 21 causadas por vírus, pode-
se citar o ebola, a gripe aviária, a gripe A e a covid-19.

Link para se inteirar mais: http://www.multirio.rj.gov.br/in-


dex.php/leia/reportagens-artigos/reportagens/15990-dese-
quil%C3%ADbrio-ambiental-e-doen%C3%A7as-transmiss%C3%AD-
veis

B) Segundo argumento em defesa da tese: o lucro de grandes cor-


porações está acima da preservação do meio ambiente e da vida.

Como publicado pelo portal Correio Braziliense, por exemplo, a


organização ambientalista Amazon Watch e a Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil (APIB) demonstraram em relatório que as empre-
sas BlackRock, Citigroup, JPMorgan Chase, Vanguard, Bank of America
e Dimensional Fund Advisors investiram mais de 18 bilhões de dó-
lares entre 2017 e 2020 em empresas minerárias, agroindustriais
e energéticas envolvidas em uma "série de abusos" na Amazônia4.

Outro exemplo diz respeito especificamente à mineração. Se-


gundo o Observatório da Mineração, dados obtidos via Lei de Acesso à
Informação mostram que a Vale, segunda maior mineradora do

2
[Adaptado de:] http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/leia/reportagens-artigos/reportagens/15990-
desequil%C3%ADbrio-ambiental-e-doen%C3%A7as-transmiss%C3%ADveis (grifos nossos).
3
https://www.biologianet.com/doencas
4
https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2020/10/4884989-empresas-dos-eua-sao-cumplices-
de-desmatamento-e-abusos-na-amazonia-diz-amazon-watch.html

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mundo, tem 236 pedidos registrados na Agência Nacional de Mineração
para explorar sobretudo ouro na Amazônia Legal5. Grande parte são
requerimentos de pesquisa, o primeiro passo para a autorização da
exploração6.

Também é possível apontar a questão da indústria farmacêutica.


Segundo o El País, por exemplo, há uma hipótese de que a próxima
pandemia seja causada por superbactérias, pois a eficácia de antibió-
ticos é reduzida pelo uso indevido, e criar novos medicamentos para
substituí-los não é rentável para as empresas farmacêuticas7.

Link para se inteirar mais: https://brasil.elpais.com/ciencia/2020-


08-30/superbacterias-a-proxima-pandemia.html

2.2 – EXEMPLO DE TESE II:


Os desafios referem-se ao desconhecimento científico.

A) Primeiro argumento em defesa da tese: a desinformação no


século 21 é comum.

Conforme publicou o Jornal do Comércio, as notícias falsas se


espalham 70% mais rápido que as verdadeiras e alcançam muito
mais gente. A conclusão é do maior estudo já realizado sobre a disse-
minação de notícias falsas na internet, realizado por cientistas do
Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), dos
Estados Unidos. O novo estudo foi publicado em junho de 20218.

No âmbito dessa discussão, de acordo com Pedro Canário, do


portal Consultor Jurídico, a desinformação é um mercado de pelo
menos US$ 235 milhões em publicidade online. É o que estima
estudo do Índice Global de Desinformação (GDI, na sigla em inglês),
entidade que acompanha o alcance e os efeitos da desinformação no
mundo. De acordo com o estudo, divulgado em 2019, essa é a receita

5
https://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/28783-o-que-e-a-amazonia-legal/
6
https://observatoriodamineracao.com.br/vale-tem-centenas-de-requerimentos-para-explorar-terras-
indigenas-na-amazonia/
7
https://brasil.elpais.com/ciencia/2020-08-30/superbacterias-a-proxima-pandemia.html
8
https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/2018/03/geral/615457-fake-news-se-espalham-70-
mais-rapido-que-as-noticias-verdadeiras-diz-mit.html

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estimada dos 20 mil sites classificados como "desinformadores" pelo
GDI9.

É possível, também, apontar a má qualidade da educação como


facilitadora da desinformação, visto que o domínio precário das áreas
do conhecimento pode favorecer crenças equivocadas. Especifica-
mente sobre a educação brasileira, segundo a CNN Brasil, em
2021, nos critérios avaliados pelo IMD World Competitiveness Center,
o Brasil, além de perder em qualidade, também peca na universali-
zação da educação. Na taxa de matrículas no ensino médio, o resul-
tado foi 23,8% abaixo do índice mundial. Da mesma forma, a propor-
ção de acesso ao ensino superior de pessoas entre 25 e 34 anos é
22,2% menor quando comparada com o índice mundial10.

Link para se inteirar mais: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/re-


dacao/2020/06/09/anuncio-em-sites-de-fake-news-veja-como-funci-
ona-publicidade-programatica.htm

B) Segundo argumento em defesa da tese: as consequências


dessa desinformação são nefastas.

De acordo com Luciana Rathsam, da Universidade Estadual de


Campinas (UNICAMP):

Durante a pandemia do Covid-19, o negacionismo no Brasil tomou


proporções alarmantes, manifestando-se na negação ou minimiza-
ção da gravidade da doença, no boicote às medidas preventivas,
na subnotificação dos dados epidemiológicos, na omissão de
traçar estratégias nacionais de saúde, no incentivo a trata-
mentos terapêuticos sem validação científica e na tentativa
de descredibilizar a vacina, entre outros exemplos. O negacio-
nismo acentua incertezas, influencia na adesão da população
aos protocolos de prevenção, compromete a resposta do país
à pandemia e ameaça a democracia11.

Além disso, de acordo com o Portal Biotec, em razão dos movi-


mentos antivacina, frutos da desinformação, países europeus

9
https://www.conjur.com.br/2019-out-06/desinformacao-fatura-us-235-milhoes-publicidade-pesquisa
10
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/06/17/educacao-brasileira-esta-em-ultimo-lugar-em-
ranking-de-competitividade
11
https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2021/04/14/negacionismo-na-pandemia-virulencia-da-
ignorancia

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como Grécia, Reino Unido e República Checa tiveram novos casos de
sarampo em 2018, saindo da lista de países livres do sarampo. A
OMS registrou mais de 89 mil casos da doença na Europa nos pri-
meiros meses de 2019, valor que dobrou comparado ao mesmo perí-
odo em 2018. Os Estados Unidos também foram afetados: o país re-
gistrou mais de mil casos em 2019, considerado o pior surto de sa-
rampo no país desde 199212.

3 – EXEMPLO DE REDAÇÃO

ATENÇÃO! ⚠

O exemplo de redação tem caráter principalmente ilustrativo. Todos


são livres para manifestar um ponto de vista (tese) e elaborar argu-
mentos próprios em sua defesa.

Declara-se epidemia quando uma doença adquire proporções re-


gionais. Quando esse cenário avança globalmente, é declarada a situ-
ação de pandemia, tal como ocorreu com a covid-19. Assim, tendo em
vista os agravantes epidêmicos, faz-se necessário superar desafios re-
ferentes à relação do homem com a natureza, visto que as doenças
possuem estreita relação com o desiquilíbrio ambiental, fruto da pro-
dução industrial contemporânea.

Por um lado, a interferência no equilíbrio ambiental favorece a


propagação de doenças. Na natureza, para cada organismo existente,
é comum que exista outro que o combata, de modo que a existência
de um ser nunca seja desproporcional no meio ambiente. Quando, po-
rém, há interferência nessa ordem, um organismo, como um vírus,
pode acabar se tornando exageradamente abundante, de modo que se
prolifera sem que seja detido. Assim, com o desequilíbrio, patógenos
se proliferam, a exemplo de vírus causadores de ebola e de gripe A.

Por outro lado, o próprio modo de produção industrial, global-


mente difundido no século 21, favorece tal desequilíbrio. Já que os re-
sultados das grandes indústrias são, antes de tudo, medidos pelos nú-
meros nas bolsas de valores a fim de atrair investidores, a produção é
desenfreada e os efeitos negativos à natureza são pouco considerados.

12
https://profissaobiotec.com.br/volta-doencas-que-ja-se-foram/

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Dessa maneira, ao produzir ininterruptamente e em quantidades com-
petitivas no mercado, as grandes corporações interferem no equilíbrio
ambiental, favorecendo a propagação de patógenos como o coronaví-
rus, que muito provavelmente foi fruto de uma zoonose.

Assim, enfrentar os desafios das epidemias do século 21 passa


por rever as relações do homem com a natureza. Embora o modo de
produção industrial tenha trazido facilidades e confortos ao longo das
décadas, ficou nítido que precisa ser repensado, sob risco de os avan-
ços acabarem se tornando retrocessos. Portanto, respeitar o equilíbrio
ambiental é o principal meio de combate às epidemias.

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