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6 l O GLOBO l Segundo Caderno l Terça-feira 22.8.

2017

segundocaderno@oglobo.com.br

P
ela segunda vez, os Ne- ceituoso. Aqueles terninhos do Neves, com
ves de S. João Del Rey
estilhaçam a minha ge-
ração.
Em 1984, mal entrado
MIGUEL DE ALMEIDA seus sapatinhos bico-fino e sua fama de fes-
teiro à la Berlusconi, com aqueles amigos,
bem, aquilo sempre me soou escuso.
O diálogo, e a mala com dinheiro apanha-
nos 20 anos, pensei ver a da pelo primo, jamais existiriam num roteiro
luz do túnel no tropel das de Scorsese ou de Elia Kazan. Se feito, o bo-
Diretas-Já. As praças
cheias, a mobilização da classe média, o fas-
tio de todos com a falta de liberdade, as pala-
vras de ordem e aquela figura linda de Ulys-
A SEGUNDA TRAIÇÃO nequinho do GLOBO sairia da sala aos ber-
ros. É inverossímil. Como o líder da oposição
engana o público e se torna pior do que os
bandidos da trama? De Lula eu nunca espe-
ses Guimarães, de peito aberto peitando as
baionetas da facínora ditadura militar — na
minha ingenuidade militante, tudo aquilo
soava que nos levaria a um novo estágio da
DOS NEVES rei nada diferente do que ele fez. Nunca. Mas
o Berlusconi das alterosas, o Aecim...
É uma família de péssimos roteiristas.
______
civilização brasileira. O ministro do STF Luis Roberto Barroso já
Minhas análises pessimistas (mas, como Ki- mostrou ser um homem contemporâneo,
erkegaard, otimista na ação) procuravam si- honesto e corajoso. Até agora, eu compraria
nais de onde se daria o acordão. Eu me sentia me militar, um certo alguém que não desejas- Arena, partido de apoio à ditadura militar. Em um carro dele. Já se posicionou (em voto) so-
um bipolar político: de um lado, acreditava ser se fazer uma caça às bruxas. 1984, Sarney já era Sarney. Tancredo poderia ter bre grandes questões, como gênero e consu-
possível o rompimento da eterna acomodação Ulysses Guimarães não era esse nome. Sabia lançado mão de Marco Maciel, ex-governador mo de drogas, e há pouco desmontou o golpe
brasileira (o filho do rei faz a independência e ser odiado por dez entre onze generais cinco de Pernambuco, também da Arena, mas com contra a Lava-Jato. E produziu agora o maior
se torna governante no país independente; o estrelas. uma biografia liberal (Maciel cumpriria depois diagnóstico sobre o Brasil presente, para de-
governo imperial é cúmplice do tráfico de es- É quando surge o primeiro Neves a trair a dois mandatos de vice eleito, sob FHC). sespero moral de Lula, Aecim, Gilmar Men-
cravos depois de ter aprovado lei extinguindo a minha geração — Tancredo, então governador Tancredo adoece e morre. Sarney se torna des e Temer. Ele pintou o sete: “Há os que
escravidão: só pra inglês ver...); de outro, ouvia de Minas. Era o nome confiável a ser apresen- presidente. Todos aqueles comícios, palavras de não querem ser punidos e há um lote ainda
receios de que uma eleição direta levaria à vi- tado ao Colégio Eleitoral como candidato da ordem, todas aquelas canções, aquele enfrenta- pior, os que não querem ficar honestos (...).
tória de Brizola... não, os militares não irão to- oposição (oposição com o rabo entre as per- mento, tudo se frustra na assunção de Sarney. Estas pessoas têm aliados importantes em
lerar esse tipo de coisa... lembra a você alguma nas, permitida). O general-presidente Figuei- Quem estuda o Brasil não chamaria a isso de toda parte, nos altos escalões da República,
coisa de agora (não podemos ter eleição direta redo, espécie de Dilma Rousseff verde-oliva traição, mas de tradição, O.k. na imprensa e nos lugares onde a gente me-
agora... o Lula vai ganhar... então temos que fi- (incapaz de fazer gol até de mão), com seu Quis o destino (e as velhas forças do arcaico nos imagina”.
car com o Temer...). temperamento de botequim, havia sido batido brasileiro) colocar outro Neves a estilhaçar a Pois eu imagino, sim. Ao não exigir uma
Havia dois movimentos em 1984. A pres- no palitinho por Maluf, e daria sua sela de ca- história. Em 2017, o gaiato de um açougueiro autocrítica do PT, certa intelectualidade bra-
são popular poderia derrubar a ditadura valo a ver Maluf eleito. (suspeito sob qualquer ângulo, no papel de pró- sileira, boa parte dela vivendo como funcio-
através da aprovação das Diretas Já. Mas O acordão se concretizara: Diretas Já derrota- xima vítima, salvo por um Janot — ou seria Ja- nários públicos, ajuda o Brasil a permanecer
90% da oposição tinham medo desse cená- da na Câmara, Maluf no Colégio Eleitoral, Ulys- nus?) trava com o líder da oposição um acerto no atraso. As reações do grupo do Neves à
rio... vai dar Brizola. Os outros 10% espera- ses fora do jogo, Tancredo no papel de concilia- de botequim risca-faca. O diálogo dos dois esta- autoimolação do PSDB, em rede nacional,
vam que a movimentação desse força a dor nacional. O velho Brasil de arranjos se faz ria em “Os bons companheiros”, de Scorsese, mostra como o Brasil pintado por Barroso
uma vitória no Colégio Eleitoral. Bastava outra vez presente quando o Neves oferece a vi- com minhas desculpas pelo mau português dos não precisa ser imaginado. Ele é assustado-
que se colocasse alguém confiável ao regi- ce-presidência a José Sarney, ex-presidente da personagens. Confesso ser um sujeito precon- ramente real. Lutemos. l

Música
DIVULGAÇÃO/LEO AVERSA

aOutros Lançamentos

Metamorfose “To the bone” Steven Wilson


Cotação: Bom

Músico por trás


do Porcupine Tree

ambulante
e de outros
projetos do novo
rock progressivo,
Steven Wilson
causa uma bela
impressão com
este álbum solo: ao lado da vontade de
ser pop, conciso e atual, está o cuidado
Estruturado pelos temas que com a canção, o bom gosto e a velha
categoria instrumental. Ele vai da pura
marcam o repertório de Ney alegria no falsete de “Permanating” à
pegada policeana de “People who eat
Matogrosso, o espetáculo ‘Puro darkness”. (Silvio Essinger)
Ney’ estreia com direção de Luís “Samba combo” Mussa
Filipe de Lima e formato híbrido Cotação: Bom

entre o show e o teatro Mussa representa


(e renova) uma
linhagem que
passa por
Originais do
LUIZ FELIPE REIS jetividade de Ney deveria ser transmitida por can- canções como “Viajante”, “Mal necessário”, “Ho- Samba, Luiz Ayrão,
luiz.reis@oglobo.com.br ções que guardassem o sumo da sua sensibilidade. mem com h”, “Amor objeto” e “Pro dia nascer feliz”. Bebeto e Noriel
— O título “Puro Ney” aposta em múltiplos senti- — Cantar um repertório como esse é mexer furi- Vilella — unindo

A
o apostar num formato híbrido entre o dos — diz Lima. — A pureza diz respeito ao nosso osamente com a memória afetiva de várias gera- leveza e bom humor, apelo popular e
show e o teatro musicado para homena- desejo de criar um espetáculo com canções que re- ções. É muito forte e poderoso — diz Soraya. intimidade com a tradição do samba. O
gear Ney Matogrosso, o espetáculo “Puro fletissem a essência da música do Ney, que foram — Mas o que torna o espetáculo singular é que sotaque samba-rock que sustenta o
Ney” busca — em vez de narrar a vida do home- escritas para ele cantar ou tomadas por ele e se tor- cada canção é apresentada dentro de um qua- álbum inclui temperos eletrônicos e
nageado ou tratar suas canções em forma de naram definitivas em sua voz. Ao mesmo tempo, dro cênico, ou seja, uma situação que estabelece flertes com o funk, o reggae e o soul, em
musical — encontrar um formato que expresse pureza tem a ver com a transparência, a verdade um jogo de movimento específico, de acordo belo trabalho de produção de João
a teatralidade que pulsa das canções que foram com que o Ney se doa ao que faz. Ele é absoluta- com a canção — diz Lima. Callado. (Leonardo Lichote)
carimbadas pela voz de Ney e que refletem al- mente íntegro, puro, na sua relação com a música. Mais conhecido como músico, arranjador e dire-
guns de seus maiores interesses. Assim, cabe a tor musical de shows e musicais, como “Sassarican- “Dear desolation” Thy art is murder
um conjunto de 24 canções construir, a partir de DIVISÃO EM CINCO BLOCOS do” e “Samba noir”, agora Lima assume um controle Cotação: Bom
cinco bloco temáticos, um enredo capaz de re- Sem diálogos e guiado pelos atores-cantores Mar- maior sobre o fazer teatral, ofício que aprendeu des-
velar “sobretudo a inteireza e a intensidade com cos Sacramento e Soraya Ravenle, “Puro Ney” se de cedo com o pai, o diretor Luís de Lima. Após dez anos de
que o Ney se lança às suas escolhas artísticas”, inicia com um bloco de canções que articula os — Já fui contrarregra, ator e assistente de direção carreira, a banda
diz o músico e diretor Luís Filipe de Lima. elementos transgressores de sua trajetória. das peças do meu pai, depois enveredei pela músi- de metal extremo
Ao lado de Luis Erlanger e da produtora Cinthya — Abrimos a peça com a “Balada do louco” e se- ca e dirigi muita coisa. O que é curioso nesse ciclo, é australiana mostra
Graber, Lima assina a concepção da montagem, guimos com canções que expressam a transgres- que quando meu pai me deu o meu primeiro vio- seu crescimento e
que estreia hoje no Teatro dos Quatro, assim como são do Ney — diz Lima. — Ele é um cara que sem- lão, a primeira música que aprendi foi uma do Ney. uma opção por um
também é responsável pela direção geral e musi- pre esteve fora da norma, e até hoje consegue sur- É meio inacreditável. Ney marcou o meu começo death metal mais
cal, arranjos e pelo roteiro da encenação que ho- preender, abrir caminhos. É um desbravador. na música, e agora marca esse projeto, em que reú- tradicional em seu
menageia o cantor. Para encontrar a pureza, ou a No segundo bloco se organizam canções que re- no tudo o que aprendi ao longo desses anos. l quarto disco. Os urro do cantor Chris
essência de Ney, Lima conta que a equipe criativa fletem o apreço de Ney pela latinidade, enquanto McMahon ecoam por trás da parede
do trabalho teve uma série de encontros com o ar- o momento seguinte propõe um convite à refle- “PURO NEY” instrumental, em que se destaca a bateria
tista. A cada conversa e depoimento filmado, a xões existenciais e à crítica social; o quarto faz uma ONDE: Teatro dos Quatro — Rua Marquês de São Vicente 52, Gávea precisa de Lee Stanton. A qualidade da
ideia de usar essas imagens em cena, através de homenagem a Carmen Miranda, até que o espetá- (2239-1095). QUANDO: Estreia hoje, às 20h30m. Ter. a qui., às gravação, no entanto, poderia ser um
projeções, foi dando espaço à crença de que a sub- culo se encerra articulando amor e sexo através de 20h30m. QUANTO: R$ 70. CLASSIFICAÇÃO: 12 anos. pouco melhor. (Bernardo Araujo)

Agenda da semana
HOJE l Victor Biglione e Bárbara Sala Baden Powell (2255-1067), 20h. Também na quinta. Trio na Sala Cecília Meireles, (2533-0354), às 23h. Circo Voador, às 23h. pelo evento Integra, no
l Paulo Miklos lança “A gente Mendes se juntam no às 20h. Jorge Mautner e José a partir das 19h30m. No l Rogério Caetano convida, às l Lindsey Stirling canta no Km Centro Metropolitano
mora no agora” no Teatro Inverso Gávea (3687-9448), Milton participam. QUINTA, DIA 24 Semente, às 22h, quem toca 20h, Hamilton de Holanda ao de Vantagens Hall, às 21h30m. (3592-5029), às 16h30m.
Net Rio (2147-8060), às 21h. às 20h30m. l Bruna Mendez lança “O l Hanson faz show no Km de é Zé Paulo Becker. Eco Som Studios (2527-6200). l Baden Powell é homenageado l Jay Vaquer faz show no
l Marcelo Vig e Marcos mesmo mar que nega a terra Vantagens Hall (ticketsforfun. l Almir Sater canta no l Stéphane San Juan toca na sala que leva seu nome, às Teatro Rival, às 20h.
Suzano apresentam o show AMANHÃ cede à sua calma” na Casa com.br), às 21h30m. Teatro Bradesco (4003-1212), na Audio Rebel, às 20h30m. 21h. No show, Marcel Powell
“Computambor” no Teatro l O Festival Savassi leva o de Cultura Laura Alvim, às l Julia Bosco, Emerson Leal e às 21h. l Laura Zennet canta no convida Elymar Santos e DOMINGO, DIA 27
Ipanema (2267-3750), pela duo Gilson Peranzetta e Cliff 20h, pelo festival Levada. Gustavo Macacko se juntam l O coletivo Mulheres de Centro da Música Carioca Ithamara Koorax, entre outros. l Ana Gabriela lança “Do
série A.Nota, às 20h30m. Korman e o grupo Corda à Também na quinta. na banda Três Quartos, no Buço faz show no Espaço (3238-3831), às 19h30m. l Alvaro Lancellotti e Samba quarto pro mundo” no Teatro
l O grupo Alabê KetuJazz Sala Cecília Meireles l Mú Carvalho e Cecelo Teatro Rival (2240-4469), às Sérgio Porto (2535-3846), às de Dois cantam na 57 Casa Odisseia, às 20h.
toca na Audio Rebel (2332-9223), às 19h30m. No Frony comandam a noite 20h. Mart’nália e Simone 20h30m. SÁBADO, DIA 26 Aberta (99207-2214), às l Dorina canta Aldir Blanc na
(3435-2692), às 21h. Semente (2507-5188), às rock no Baretto Londra Mazzer participam. l Baia, BNegão, Chico Chico, 18h30m. Sala Baden Powell
l O duo Braam-Rabello toca 22h, a atração é o duo Bebê (3202-4000), às 22h. l O novo jazz de Israel toma SEXTA, DIA 25 Karina Buhr, Marcelo Nova e l Charles Theone, Sambar e (2226-9691), às 19h.
Radamés Gnattali na Casa do Kramer e Gabriel Grossi. l O saxofonista suíço Hans o Festival Savassi, com Oded l Johnny Hooker lança Rick Ferreira cantam no show Amor e Pra Ser são as l Hurtmold toca na Audio
Choro (2242-9947), às 19h. l Lúcia Menezes faz show na Koch toca na Audio Rebel, às Tzur Quarteto e Shai Maestro “Coração” no Circo Voador “O baú do Raul — 25 anos”, no atrações do Sofar Sounds, Rebel, às 19h e às 20h30m.

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