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A COLÔNIA PORTUGUESA

Duzentos anos atrás, o Brasil não existia. Pelo menos, não como é hoje: um país
integrado, de fronteiras bem definidas e habitantes que se identificam como
brasileiros. Às vésperas da chegada da família real portuguesa, em 1808, o Brasil era
um amontoado de regiões autônomas, sem comércio ou qualquer forma de
relacionamento, que tinham em comum apenas o idioma português, a religião católica
e a Coroa portuguesa, sediada em Lisboa, do outro lado do Oceano Atlântico.

“Cada capitania tinha o seu governante, sua pequena milícia e seu pequeno
tesouro; a comunicação entre elas era precária, sendo que geralmente uma ignorava a
existência da outra”, assinalou o naturalista francês Auguste Saint-Hilaire, que
percorreu o país de norte a sul entre 1816 e 1822. “Não havia um Brasil com um
centro comum. Era um círculo imenso, no qual os raios convergiam para bem longe da
circunferência central”.

O mapa do Brasil de 1808 já era muito semelhante ao atual, com exceção do estado
do Acre, que seria comparado à Bolívia em 1903. O Tratado de Madri, de 1750, tinha
revogado o antigo Tratado de Tordesilhas e redesenhado as fronteiras das colônias
portuguesa e espanholas com base no conceito de ocupação efetiva do território. Os
principais responsáveis por essa extraordinária expansão territorial foram os
bandeirantes. Eles eram aventureiros paulistanos, que exploravam as matas em busca
de ouro e pedras preciosas. Mas também caçavam índios para vendê-los como
escravos, o que resultou em um tremendo genocídio.

Antigamente vistos como heróis, hoje os bandeirantes representam o genocídio!


Esse imenso território era habitado por apenas três milhões de habitantes. De cada
três brasileiros, um era escravo. Era uma sociedade escravista, em que predominava o
trabalho compulsório, ou seja, obrigatório. A maioria dessas pessoas morava no litoral,
próximo aos portos (Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Santos etc) nos quais era
realizado o comércio com a metrópole portuguesa.

Era uma população analfabeta, pobre e carente de tudo. Na cidade de São Paulo de
1818, apenas 2,5% das pessoas era alfabetizada!!! Não existiam universidades,
bibliotecas, jornais, bancos etc. “Mesmo nos centros mais importantes do litoral, era
impossível encontrar um médico que tivesse feito um curso regular”, conta o
historiador Oliveira Lima, baseando-se nos relatos do comerciante britânico John
Luccock, que a partir de 1808 viveu dez anos no Rio de Janeiro.

“As operações mais fáceis costumavam ser praticadas pelos barbeiros sangradores e
para as mais difíceis recorria-se a indivíduos mais espertos, porém no geral igualmente
ignorantes em anatomia e patologia”, testemunhou Luccock. A autorização para fazer
cirurgia e clinicar era dada mediante um exame perante um juiz, ele próprio um
ignorante da ciência da medicina. Os candidatos eram admitidos nessa prova se
comprovassem um mínimo de quatro anos de prática numa farmácia ou hospital. Ou
seja, primeiro se praticava a medicina e depois se obtinha a autorização...

A ignorância e o isolamento eram resultados de uma política deliberada do governo


português, que tinha como objetivo manter o Brasil, uma joia extrativista e sem
vontade própria, longe dos olhos e da cobiça dos estrangeiros. Uma lei de 1733 proibia
a abertura de estradas como forma de combater o contrabando de ouro e diamantes,
facilitando a fiscalização por parte dos funcionários portugueses encarregados de
recolher o quinto real sobre toda a produção da colônia. As poucas estradas existentes
tinham sido abertas sobre trilhas criadas pelos índios antes ainda do descobrimento e
reaproveitadas pelos primeiros colonizadores.

São Paulo, hoje a maior metrópole da América do Sul, era um pequeno vilarejo com
cerca de 20 mil habitantes. O tupi foi a língua mais falada até o começo do século XVIII,
quando o português se tornou o idioma dominante. A rede de dormir, também
herdada dos índios, era usada pela maioria da população até o início do século XIX. As
casas eram adaptações da oca indígena. Durante os dois primeiros séculos da colônia,
“comia-se comida de índio, usavam-se armas de índio e até se falava a língua geral dos
índios”, explica o jornalista Pompeu de Toledo.

Assim era o Brasil colonial: um país cheio de riquezas naturais, mas muito pobre e
atrasado, consequência da brutal exploração portuguesa. Isso foi confirmado pelo
britânico William Burchell, que percorreu o país entre 1825 e 1830. “Aqui, a natureza
tem feito muita coisa, já o homem, nada. Neste paraíso tropical, os homens continuam
a vegetar na escuridão da ignorância e na extrema pobreza.”
O coração econômico da colônia pulsava no triângulo formado por São Paulo, Rio de
Janeiro e Minas Gerais. Era para essa região que o eixo do desenvolvimento tinha se
deslocado no começo do século XVIII, depois do fim do ciclo do açúcar no Nordeste e
da descoberta do ouro e do diamante em Minas. Foi por essa razão que a capital
colonial foi deslocada para o Rio de Janeiro, em 1763.

Graças ao ouro e diamante extraído das minas e garimpos, a população das cidades
mineiras explodiu no século XVIII. Ao contrário da sociedade açucareira, que era
predominantemente rural, em Minas Gerais a maioria das pessoas habitava a zona
urbana. Outra diferença era que a mobilidade social era comum entre os mineiros.
Muitos escravos, por exemplo, conseguiam esconder pepitas, que depois eram usadas
para comprar suas cartas de alforria, o que lhes assegurava a liberdade.

Von Eschwege, geólogo e viajante alemão, contabilizou que no começo do século


XIX ainda havia na colônia 555 minas de ouro e diamantes, que empregavam
diretamente 6.662 trabalhadores, dos quais só 169 eram livres. Os demais 6.493 eram
escravos! Eram regiões de terra devastada pelo garimpo e pela atividade mineradora.
“Por todos os lados, tínhamos sob os olhos os vestígios aflitivos das lavagens, vastas
extensões de terra revolvida e montes de cascalho”, descreveu o francês Auguste de
Saint-Hilaire ao percorrer o interior de Minas Gerais.
O controle da mineração era rigoroso. Pelas leis do governo português, o ouro
extraído devia ser entregue às casas autorizadas de fundição, que cobravam 18% pelo
serviço e mais 20% para a Coroa portuguesa, o famigerado “quinto real”. Além dessa
fiscalização, havia postos de vigilância nas estradas, especialmente entre as minas e o
litoral, feita pelos soldados portugueses. A punição para os contrabandistas era
drástica: prisão, confisco de todos os bens e deportação para a África.

Carlos Julião. Garimpo de diamantes. 1770

O contrabando dominava boa parte do comércio da colônia, apesar de todas as


tentativas de combatê-lo. Metais e pedras preciosas escoavam pelo rio da Prata, em
direção a Buenos Aires. De lá, seguiam para a Europa, sem pagar impostos à Coroa
portuguesa. O historiador Francisco de Varnhagen calculou que 40 % o total do ouro
desviado de forma ilegal. O britânico John Mawe descreve a prisão de um
contrabandista na aldeia de Conceição, interior de Minas Gerais.

“Uma semana antes da minha chegada, a aldeia fora teatro de extraordinária


aventura. Um tropeiro, que ia ao Rio de Janeiro com vários burros carregados, foi
alcançado por dois soldados da cavalaria, mandados em sua perseguição. Pediram- lhe
a espingarda e furaram a coronha com prego. Vendo que ela estava oca, tiraram a
guarnição de ferro que lhe recobria a base e descobriram uma cavidade que continha
300 quilates de diamantes.”

O tropeiro foi levado para a prisão de Tijuco e os diamantes, confiscados. “A sorte


desse homem”, julgou Mawe, “apresenta um exemplo terrível ao rigor das leis: ele
perderá todos os seus bens e será encerrado, provavelmente pelo resto dos seus dias,
em uma prisão imunda no meio de criminosos e assassinos.”

O suplício judiciário, como era conhecido esse tipo de punição, tinha o objetivo de
servir de exemplo e de reafirmação do poder do rei sobre seus vassalos. Transplantado
para a colônia brasileira, a punição real incluía açoite, marcação com ferro em brasa,
mutilação física, forca e esquartejamento!!! Foi usado não apenas em Tiradentes, mas
também em todos aqueles que ousavam desafiar as leis portuguesas.

No final do século XVIII, porém a mineração entrou em declínio, com o gradual


esgotamento das minas e garimpos. A região entrou em decadência, o que gerou as
cidades históricas mineiras (Diamantina, Ouro Preto, São João Del Rei etc).
Atualmente, as igrejas do barroco mineiro testemunham uma época de riqueza, mas
que nada mudou a miséria e o atraso generalizado do Brasil Colonial...

Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, com estátuas do Aleijadinho. Atualmente é


considerado patrimônio mundial pela UNESCO.

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