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Andrés Guevara and the new design project of the magazine A Maçã (The Apple)
Aline Haluch
Este artigo revela a influência de Andrés Guevara como reformulador gráfico da imprensa no Rio de Janeiro nos anos
1920/1940, sobretudo na reformulação gráfica da revista A Maçã. Serão utilizados exemplos resultantes da análise
gráfica da revista citada, bem como o registro histórico resultante de pesquisa em fontes secundárias sobre Andrés
Guevara. Será explicitado como o conhecimento de atuações profissionais nas artes gráficas do início do século XX
são importantes ferramentas para a construção da história do design brasileiro reforçando a importância da pesquisa
histórica em design. Através das descobertas feitas durante a pesquisa é possível entender melhor a postura do
profissional que atuava como designer nos periódicos e jornais brasileiros, o desenvolvimento da linguagem do design
gráfico no Brasil e as influências históricas e estéticas vindas do exterior. Pode-se afirmar que haviam profissionais
trabalhando com planejamento gráfico, desenvolvendo marcas, impressos e periódicos com talento, tecnologias
disponíveis na época e com linguagem artística aplicada.
This article reveals the influence of Andrés Guevara as the graphic reformer of the press in Rio de Janeiroaround the
years 1920/ 1940, specially on the new graphic project of the A Maçã magazine. Examples used in this article were
taken from the graphic analysis of that magazine, and the historical facts were found on the research of secondary fonts
about Andrés Guevara. It is shown that the knowledge of how graphic professionals used to work on the beggining of
the XXth Century is an important tool on the building of Brazilian design history, reinforcing the importance of Historical
research in design. Through the discoveries along this research, it is possible to understand how the professionals who
worked as designers for the brazilian magazines and newspapers behaved, the development of a graphic design
language in Brazl and the historical and aesthetical influences from abroad. It is possible to say that there were
professionals acting on graphic planning, developing logotypes and creating printed media with talent, the only available
technology of that time, and also with applied artisitc language..
O argumento adotado para a análise gráfica do objeto de estudo era de que existia a atividade
profissional relacionada ao design desde meados do século XIX no Brasil. A revista A Maçã é
um exemplo escolhido para sustentar este argumento, pois é nítida a existência de um projeto
gráfico em suas páginas. Observa-se já nos primeiros números um projeto gráfico ousado e
inovador, com recursos de diagramação incomuns para a época. Com grande destaque para o
uso de ilustrações teve em suas melhores fases capas e páginas centrais impressas em até
três cores utilizadas com extremo cuidado pelos ilustradores.
Na fase que vai do seu lançamento em 1922 até o final de 1923 tem projeto gráfico e
ilustrações de Ivan, pseudônimo de Manlius Mello. Dono de um traço com forte influência art
nouveau, desenho levíssimo e com boa proporção, denota uma sistematização do desenho
com o uso de diversas texturas combinadas, elaboração de ambientes e delicadas figuras
femininas.
Figura 1: exemplos de páginas do Editorial d’A Maçã dos anos de 1922 e 1923.
A trajetória do projeto gráfico da revista mostra o caminho que vai do uso da linguagem Art
Nouveau, no editorial de 1922, impresso em apenas uma cor, do editorial ainda com o mesmo
design mas impresso em duas cores e a ruptura no design de Guevara em dezembro de 1923:
a geometrização, o traço Art Déco, o uso de acabamentos tipográficos para criar desenhos e a
aplicação definitiva das duas cores.
Além disso, um problema freqüente era manter o texto do editorial apenas na primeira
página, o texto sempre invadia a página seguinte que era destinada aos créditos. Este
problema só foi resolvido a partir do novo projeto gráfico. Conclui-se que não foi apenas um
redesign preocupado com questões visual-estéticas, mas também disposto a resolver
problemas de projeto e diagramação.
Outra grande solução de projeto foi o uso do overprint na segunda cor (mais escura) para
solucionar o problema da falta de registro, recurso utilizado até hoje em produção gráfica.
Esta grande mudança em seu projeto gráfico acontece no último número editado no ano de
1923, lançado em 29 de dezembro. A capa que até então trazia o tradicional logotipo a
ilustração licenciosa com as espirituosas legendas sofre uma drástica mudança. O novo projeto
de capa desenhado por Andrés Guevara não possui mais o cabeçalho com o logotipo
centralizado utilizado até então e a partir daí não há mais um padrão, o logotipo da revista
passou a fazer parte da ilustração e acompanhava o estilo de cada capa, desenhada por
diferentes ilustradores.
Figura 3: Capa editada em 1922: cabeçalho que mostra a serpente circulando o logotipo da revista e ao lado a ruptura
de Guevara, logotipo gráfico com forte traço Art Déco e o portrait-charge inconfundível
Os artistas, projetadores da revista, usaram os estilos Art Nouveau e Art Déco como
referência, criando uma identidade para a revista e a posicionando junto ao público e no
mercado editorial da época. Através da comparação com outras revistas da época observa-se
que havia muita preocupação com a qualidade gráfica da revista — desde o projeto até a
impressão e montagem —, com o planejamento do uso de cores e saturação de retículas, com
a qualidade do papel, com o acabamento dos clichês e principalmente com a unidade da
publicação.
A Maçã é um exemplo de projeto editorial cuidadoso, requintado, e é inegável seu valor
estético, literário, histórico e de conteúdo gráfico. Traz em seu corpo conceitos, recursos e
inovações gráficas que são surpreendentes ainda hoje, quando às vezes não são considerados
designers aqueles profissionais pioneiros que ajudaram a consolidar as bases do design
brasileiro.
Conclusão
Essa pesquisa, cujo envolvimento foi essencial para uma assimilação do espírito da revista, de
seus idealizadores, projetadores e do imaginário no qual o Rio de Janeiro estava enredado, foi
uma realização pessoal e profissional. A descoberta d’A Maçã gerou surpresa, alegria e
divertimento. Além disso, proporcionou uma confirmação de que as construções da linguagem
estética podem ser definidas e redefinidas a toda hora. Por outro lado, certificou que a história
é escrita e apresentada de maneiras diversas, privilegiando interesses muitas vezes diferentes
daqueles que sensibilizam o homem. Muitas vezes esse sentimento é atropelado pela massiva
propaganda e repetição — e se dilui.
Ao perguntar a uma pessoa de 90 anos, como era sua vida em 1928, a nostalgia que
aparece não é à toa. As pessoas pareciam estar participando desse questionamento social e
artístico e não apenas aceitando tudo como verdades absolutas. Em algum momento certas
ideologias se sobrepõem e se impõem a outras. É nesse momento que se esquece aos poucos
de que o caminhar para frente pede que se olhe um pouco para trás, para que a partir de novas
descobertas se reinvente o viver cotidiano de uma maneira mais humana e criativa.
Referências
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CORRÊA DO LAGO, Pedro (1999). Caricaturistas brasileiros. 1836-1999. Rio de Janeiro:
Sextante Artes.
DENIS, Rafael Cardoso (2000). Uma introdução à história do design. São Paulo, Editora
Edgard Blücher, 240p.
JOBLING, Paul; CROWLEY, David (1996). Graphic design: reproduction and representation
since 1800. Manchester, Manchester University Press, 296p.
LIMA, Herman (1963). História da caricatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio
Editora. 4 vol., 1797p.
LOREDANO, Cassio (1988). Guevara e Figueroa: caricatura no Brasil nos anos 20. Rio de
Janeiro: Instituto Nacional de Artes Gráficas. 131p.
PICANÇO, Macário de Lemos (1935). Humberto de Campos. Rio de Janeiro: Minerva.
SÜSSEKIND, Flora (1987). Cinematógrafo de letras: literatura, técnica e modernização no
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 170p.
Periódicos consultados
A Maçã (fevereiro a dezembro de 1922; janeiro a dezembro 1923; janeiro a julho de 1924;
janeiro a dezembro de 1925; janeiro a setembro de 1926; janeiro a dezembro de 1927; janeiro
a dezembro de 1928; janeiro a março de 1929) 240 exemplares analisados e 131 exemplares
documentados.