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RESUMO
ABSTRACT
1 - Introdução
É consenso que o conjunto das disciplinas Técnicas de Representação Gráfica1, constituiu um
poderoso recurso para a difusão do conhecimento e para o desenvolvimento científico e
tecnológico da moderna sociedade industrial do ocidente. Entretanto, o vertiginoso progresso
tecnológico e industrial observado ao longo do século XX, no qual novos materiais e processos
de fabricação interagem aceleradamente com a evolução formal dos produtos industriais,
revelou as limitações das técnicas tradicionais para atender às formas do Design sofisticado
dos objetos contemporâneos. É no âmbito desta demanda e, aproveitando o desenvolvimento
em paralelo das ciências da computação, que se introduz a linguagem computacional no
universo da expressão gráfica.
No entanto, o aumento da oferta e do incremento de qualidade dos software gráficos ao
longo da década de 1980, deu-se mais em função de demandas do mercado produtivo do que
por necessidades acadêmicas. Assim, software de Computação Gráfica (C.G.) invadiram o
cotidiano de profissionais, docentes e discentes sem que questionamentos acadêmicos,
pedagógicos ou científicos fossem levantados, em especial quanto ao impacto que produziriam
no ensino nas áreas gráficas. Praticamente não foram percebidas as profundas implicações
que estas mudanças nos modos de representação do espaço e de expressão visual continham
em si ou - mais especificamente falando -, o significado da recém-concedida permissão de
acesso a um espaço cibernético onde poderíamos praticar a modelagem virtual nas suas três
dimensões, desobrigando-nos de seguir o processo tradicional de representar os objetos por
seus desenhos bidimensionais.
Antes do advento da C.G., o único meio de construir um objeto tridimensional era
executando-o concretamente segundo a sua geometria espacial e lei de formação. A partir da
viabilização de acesso ao espaço cibernético, pudemos então construir objetos virtuais dos
quais extraímos imagens bidimensionais com os recursos de câmera existente nos software de
C.G.. Estas imagens podem ser geradas automaticamente sobre os tradicionais planos
ortogonais da Geometria Descritiva e do Desenho Técnico ou sobre qualquer outro plano.
Estas possibilidades contêm um grande significado conceitual, capaz de provocar a
substituição de paradigmas estabelecidos pelo desenho de representação e assim impactar
fortemente o ensino das tradicionais Técnicas de Representação Gráfica. Lembremo-nos que
os arcabouços teóricos da Perspectiva, da Geometria Descritiva e do Desenho Técnico,
desenvolvidos a partir do Renascimento e consolidados por Desárgues e Monge, objetivavam
permitir “representar sobre um plano as figuras do espaço, de modo a poder resolver, com o
auxílio da geometria plana, os problemas em que se consideram as três dimensões”
(ULBRICHT, 1998, p.19). Todas estas técnicas baseiam-se na geometria de projeção que,
através da triangulação de raios visuais e suas interseções com planos de projeção, geram
imagens dos objetos. Entretanto, a ênfase concentrada na construção, complexa e trabalhosa,
do seu traçado, sutilmente nos desvia a atenção da geometria verdadeira do objeto para a
geometria da forma projetada. Assim, se a C. G. nos permite concentrar esforços na geometria
verdadeira do objeto e não na geometria plana das suas imagens em projeção, isto significa a
1
- Desenho Geométrico, Perspectiva, Geometria Descritiva e Desenho Técnico.
eliminação tanto das trabalhosas seqüências de traçado para desenhar imagens do objeto,
quanto da complexa elaboração mental necessária para rebater sobre uma superfície as suas
características geométricas.
A figura 1 a seguir mostra como exemplo um pentágono regular de plano reverso modelado
no espaço virtual, gerando as demais projeções sobre os planos ortográficos convencionais.
Para a realização de tal exercício através da C. G. torna-se mais importante compreender o
significado amplo dos “planos de projeção” e dominar uma percepção espacial que permita
analisar e entender o que se vê, do que possuir conhecimentos profundos de geometria de
projeção ou das complexas seqüências de traçados para o rebatimento de pontos através da
rotação de planos. Aqui se usa uma “geometria concreta”, ou seja a geometria verdadeira,
tridimensional, para a construção da forma pentagonal e o seu posicionamento espacial,
deixando-se a cargo da “lente matemática” do software resolver a geometria das projeções. As
vistas frontal, esquerda e superior são obtidas por projeção cilíndrica e a vista em perspectiva
usa uma projeção cônica para obter uma imagem distorcida do objeto.
A segunda fase, caracterizada pela modelagem virtual em três dimensões, tem sido mais
explorada nos últimos tempos. Entretanto, esta aplicação, sob o ponto de vista pedagógico,
ainda carece de reflexão adequada, pois é exatamente na transição da primeira para a
segunda fase que ocorre a quebra de paradigmas do desenho projetivo. Embora a ênfase
desta segunda fase se volte para a melhoria na transmissão visual de informações e para o
desenvolvimento da percepção espacial, o fato é que suas implicações aprofundam-se na
medida em que o foco se desloca da noção de representar um objeto através dos seus
desenhos, para a própria construção virtual em 3D do objeto. Esta mudança encerra uma
alteração radical nos paradigmas da expressão gráfica, pois, para falar só dos últimos
seiscentos anos nos quais aperfeiçoamos o desenho de base científica, temos expressado
nossas idéias e visões-de-mundo através das suas representações imagéticas. Entretanto,
agora que podemos usar o espaço virtual, não mais precisamos necessariamente representar
os objetos por meio de suas imagens desenhadas, construídas traço a traço.
A principal implicação pedagógica desta segunda etapa está no deslocamento do foco
centrado na teoria – até então indispensável -, das projeções, para uma ênfase na geometria
espacial, a geometria real dos objetos e não a das suas imagens (figura 3). É esta geometria
verdadeira que nos permite construir uma forma tridimensional no universo virtual, a partir da
qual imagens ou desenhos que a representam podem ser extraídos como conseqüência da
posição sob a qual a observamos. Tal possibilidade é confirmada no trabalho de BRASIL et al.
(2001, p.1131) com a afirmação “A simulação [construtiva] [...] permite que se possa abrir mão
da representação gráfica em duas dimensões como meio projetual, caminhando diretamente
para o projeto elaborado a partir da definição do objeto tridimensional”.
É neste ponto que o paradigma do desenho de projeção, magistralmente estabelecido por
Desargues e Monge para representar a tridimensionalidade, entra em colapso.
2
- É inevitável associar esta metáfora ao mito da caverna de Platão lembrado por Goswami et
al. (2002).
3
- Ciência que estuda os princípios gerais que regem o funcionamento dos sistemas de sinais
ou códigos. (Prieto, apud ULBRICHT, 1998, p.30)
1975; HILLIS, 1996), demanda, entretanto, alguma cautela quando a utilizamos como
ferramenta para a produção do conhecimento. Apesar de 70% das informações nos chegarem
através da visão (VENTURELLI, 2004), é preciso atentar que “Toda a ciência conhecida é feita
em cima do que observamos ou sentimos. E se os nossos sentidos estiverem enganados, se
nossa visão for equivocada? Ainda assim estaremos construindo uma ciência correta?”.
(POINCARÉ, 1995, p.34).
No mesmo sentido é preciso compreender as palavras do gravador Escher, para quem “O
nosso espaço tridimensional é a única realidade que conhecemos. O bidimensional é tão
fictício quanto o quadridimensional, pois nada é plano, nem mesmo o espelho mais
cuidadosamente polido. Entretanto, apegamo-nos à convenção de que uma parede ou um
pedaço de papel é plano e, curiosamente, assim prosseguimos desde os tempos imemoriais,
produzindo ilusões de espaço em superfícies planas como essa. Com certeza, é um pouco
absurdo desenhar algumas poucas linhas e afirmar ‘isto é uma casa’”. (Escher, apud
HOFFSTADTER, 2001, p.518)
Assim, a citada mudança de paradigmas consiste em substituir a ênfase anteriormente
dedicada à geometria de projeção com a qual desenhamos imagens planas que representam
um objeto, em prol de uma nova ênfase na geometria concreta e tridimensional para a
modelagem virtual do objeto, deixando a cargo dos processos computacionais a geração das
suas imagens planas. Objetivamente, o significado desta mudança, cuja importância ainda é
pouco reconhecida, pode ser exemplificado no experimento relatado a seguir:
Propôs-se aos estudantes de Desenho Técnico do curso de Desenho Industrial da Escola
de Belas Artes da UFRJ, o desafio de traçar as projeções ortográficas da curva gerada pela
interseção de um trecho de superfície esférica com a superfície externa de um prisma vertical
de base elíptica, sendo que parte da turma resolveria o problema desenhando no computador a
solução pelos métodos tradicionais de projeção, rotação de planos e rebatimento de pontos,
enquanto que outro grupo tentaria resolve-lo, também no computador, usando métodos da
modelagem virtual em 3D. As figuras 4 e 5 a seguir exemplificam o caso proposto:
O tempo médio gasto pelos que resolveram o problema através do desenho de projeções
foi de 120 minutos, devido à complexidade do traçado observado na figura 6 e, o tempo gasto
pelos que resolveram o exercício através da modelagem virtual em 3D foi de 20 minutos.
Entretanto, as principais vantagens da solução obtida com a modelagem 3D (figura 7), não
estão na rapidez. É importante perceber que a solução de traçado desenhado (figura 6) só é
valida para este caso específico de projeção paralela (ou cilíndrica) da curva sobre os planos
ortogonais pedidos. Se quiséssemos visualizar aquela mesma curva em perspectiva (projeção
cônica) ou projetadas sobre um plano qualquer no espaço, teríamos que começar um novo
trabalho. Já na solução modelada, bastaria escolher um novo ponto de vista e as distorções e
projeções das curvas surgem como conseqüência da nova posição de observação. A solução
modelada também é mais convincente e facilmente compreendida, pois o modelo agrega
texturas, luzes, sombras e cores, conferindo-lhe um alto grau de realismo.
Mas, transcendendo a questão do realismo visual e da flexibilidade de análise dos modelos
virtuais, a principal diferença que caracteriza uma mudança de paradigmas, reside no fato de
que, para a construção de um modelo virtual em 3D, conhecimentos como os de rebatimento e
rotação de planos da geometria descritiva não se mostraram absolutamente indispensáveis, ao
contrário dos conhecimentos da geometria tridimensional de cada um daqueles objetos.
4 - Conclusões
Existe uma inequívoca indissociabilidade entre a Computação Gráfica e o ensino das teorias
fundamentais do desenho e/ou da geometria tridimensional, pois o computador é a única porta
de acesso ao espaço cibernético onde podemos praticar a modelagem virtual em três
dimensões. Esta indissociabilidade nos leva a uma profunda revisão nos conteúdos
programáticos do ensino de desenho e expressão gráfica, que busque preservar parte dos
conhecimentos teóricos realmente imprescindíveis (como por exemplo, o desenvolvimento da
percepção visual, o domínio da geometria plana e espacial, etc.) e, substituir tópicos que,
diante das possibilidades computacionais, tornaram-se menos relevantes (seqüências de
traçado geométrico, traçados de rebatimentos, etc.). Entretanto, é preciso muita cautela para
não incorrer no equívoco de simplesmente substituir as aulas de desenho por aulas de
treinamento na operação de software comerciais de C. G.. Estes novos conhecimentos devem
ser ministrados de forma genérica e inseridos dentro das disciplinas tradicionais, agora sob
uma nova formulação que não mais considere o domínio da C. G. um assunto independente.
Desta forma estaremos inclusive minimizando a questão da exclusão digital que afeta tantos
estudantes carentes, pois os conhecimentos de Computação Gráfica não podem tornar-se um
privilégio dos grupos de alunos com maior poder aquisitivo.
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