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adornos

Significado de Adornos
Adornos é o plural de adorno. O mesmo que: adereços, enfeites, atavios,
ornamentos, ornatos.
Significado de adorno
Aquilo que pode embelezar ou ser utilizado para enfeitar ou tornar alguém ou
alguma coisa mais atraente; enfeite, ornato, atavio.[Tauromaquia] Manobras
feitas pelos toureiros durante suas apresentações.Etimologia (origem da
palavra adorno). Forma regressiva de adornar, do latim "adornare", colocar adornos,
enfeites.

Sinônimos de Adornos
Adornos é sinônimo de: adereços, enfeites, atavios, ornamentos, ornatos

Definição de Adornos
Singular: adorno

Exemplos com a palavra adornos


Um grupo de desconhecidos entrou na madrugada de domingo na mesquita de
Tuba Zangaria e ateou fogo a tapetes, livros, adornos e paredes
interiores.Folha de S.Paulo, 04/10/2011
Cidades como Roma -que não foi feita num dia, mas é um museu a céu aberto-
não precisam de adornos, sejam quais forem.Folha de S.Paulo, 23/09/2012
Na maioria das espécies, apenas os machos exibem esses adornos tão coloridos
para atrair a atenção das fêmeas que escolhem seus parceiros.Folha de S.Paulo,
07/01/2011

OUTRAS INFORMAÇÕES SOBRE A PALAVRA


Possui 7 letras
Possui as vogais: a o
Possui as consoantes: d n r s
A palavra escrita ao contrário: sonroda

O que é adorno?
COTIDIANO
Sabemos que a joia possui inúmeros significados e finalidades. Algumas joias ao longo
da história demonstraram status social, diferenciação de classes, de religião, algumas
joias até foram desenvolvidas para fins místicos e de proteção, como o talismã que se
acreditava que usando um poderia atrair a sorte, o amuleto que se acreditava servir
como proteção contra o mau-olhado.

Algumas pessoas até acreditavam que poderiam levar suas joias e amuletos para a outra
vida, como pensavam os egípcios, que eram enterrados com cópias de seus pertences a
fim de dar-lhes proteção, além de uma estadia longa e tranquila no pós-vida.
Atualmente a joia além de marcar e registrar algumas datas como nascimento,
comemoração dos quinze anos, formatura, noivado e casamento, ela também possui um
fim estético, que é o adorno, uma das características mais importantes das joias, se não o
seu papel principal. Para algo servir como adorno, ela precisa embelezar algo ou
alguém, dessa forma trazendo um significado estético ou simbólico para a época em que
foi criada.

Independente da classe social, crença e etnia, a joia sempre serviu de adorno tanto para
o homem primitivo quanto para o homem atual. Servindo para demonstrar desejos,
vontades, moldando a identidade de quem a usa.

A necessidade que o homem tem de desenvolver elementos artísticos a fim de transmitir


uma linguagem seja ela cultural ou artística vem desde o princípio da humanidade. Hoje
com o advento da tecnologia, a quantidade e a diversidade de materiais, e as inúmeras
cópias de uma mesma peça, o universo da joia foi perdendo aquele encantamento que
existia antigamente, do sonho feminino de possuir uma joia genuína e com valor
simbólico único.

Em 1900, em Paris uma exposição chamou a atenção dos franceses e causou furor no
mundo inteiro por expor verdadeiras obras de arte no mundo da joalheria. “Suas peças
tinham vivacidade, delicadeza e descrição, ressaltavam e homenageavam a instabilidade
e fragilidade femininas.’’ (GOLA, 2008, p. 100), disse Eliana Gola ao falar das peças de
René Lalique um dos desenhadores de joias Art Nouveau mais importantes e influentes
da França (1860-1945) que desenvolveu peças inspiradas na natureza.

Lalique influenciou muitos joalheiros e designers de joia com seu trabalho que não só
tinha o intuito de adornar, mas também possuía um caráter diferenciado de criação que
era desenvolver uma peça por meio de uma ideia/conceito e desta forma ser tratada
como obra de arte e ser exibida em museus.

Em meados dos anos 90, muitos designers se inspiraram em Lalique a fim de traduzir
para as peças todo o lado criativo e o desenvolvimento de projetos exclusivos, pois até
então, toda peça fabricada no Brasil eram cópias das joias estrangeiras. A partir daí
cresce a busca por novos materiais, novos conceitos e ideias tudo para desenvolver uma
peça única e original, transformando a joia em pequenas esculturas e que pela
criatividade do joalheiro poderia adquirir novas formas.

Um dos grandes exemplos são as joias que participaram do concurso brasileiro de


design da IBGM que tem o intuito de unir o design à indústria, e de também
desenvolver uma nova identidade para o design brasileiro, provando que a joia aos
poucos se transforma em um objeto de arte aos olhos de quem a vê.

Angola é um país multi e transcultural. Em seu território convivem diversas


culturas e povos, com línguas, costumes e origens diferentes, que, não
raramente, extrapolam as fronteiras estabelecidas pelos europeus ainda no
século XIX. Por isso, são muitos os hábitos e costumes de Angola.

O país teve um governo socialista desde a sua independência até o início dos
anos 90. Passou por várias décadas de guerras para conquistar a
independência e as guerras civil. E hoje vive um período de paz e de
prosperidade trazido, sobretudo, pela exploração do petróleo.

Quer entender melhor quais são os hábitos e costumes de Angola? Continue a


leitura deste artigo!
Os povos angolanos

A diversidade dos povos angolanos contribui para a riqueza dos hábitos e costumes de Angola.

Angola é um país de muitas etnias e culturas, composto, basicamente, por 3


grandes grupos étnicos: Ovimbundos (dos quais a maioria da população
angolana faz parte), Kimbundos e Bakongos.

Além desses, existem, em menor número, outros povos como: Lunda Cokwés,
Nhaneca-Humbe, Gangelas, Ovambos, Boxímanes (estes fazem parte da tribo
dos Khoisan) e os Hereros.

Os primeiros a residirem no território angolano foram os Bosquímanos (ou


Boxímanes), sendo que este é o único povo “não bantu”, enquanto todos os
demais pertencem a triboo Bantu.

Cada um desses povos tem uma língua diferente, além do idioma oficial do
país, que é o português. Por isso, Angola conta com cerca de 20 a 60
línguas nacionais/tradicionais e seus dialectos.

De todas as línguas nacionais, a mais falada, depois do português, é


o kimbundu. Essa é uma língua com grande relevância por ser a língua
tradicional da capital e do antigo reino N’gola.
Ovimbundu

Esse é o grupo de mais de um terço da população angolana. Ele incluí as


províncias de Benguela, Huambo e Bié.

Até o final do século XIX, eles estavam organizados politicamente em 12


reinos, sendo os mais poderosos: Bailundo, Bié, Chyaka, Galangue e Andulo.
O idioma é o Umbundu.

O rei era o sacerdote supremo do povo e cada rei exercia sua autoridade sobre
uma série de sub-reinos, chamados de atumbu. Os Ovimbundu eram temidos
devido as suas incursões escravocratas. Eles também foram muito usados
para colaborar com os portugueses.

Kimbundo

É o grupo de cerca de 26% da população de Angola e se situa entre os rios


Cuanza e Dande, abrangendo Luanda, na costa, até a Bacia do Cassange, na
parte oriental do distrito de Malange. Dentro do grupo Kimbundo estavam
incluídos 20 povos.

Esse é o grupo étnico do centro do país que mais assimilou os costumes


coloniais portugueses. Foram eles, também, que produziram as primeiras
obras das literaturas escritas angolanas.

Bakongo

Representa cerca de 13% da população angolana. Era composto por 8 povos


que ocupavam Cabinda e o distrito do Zaire e Uíge.

Quando os portugueses chegaram, esse era o grupo mais forte e estruturado


dessa região da África Central. Contudo, ao fim de quase 2 séculos de
colaboração intensa com os portugueses, inclusive no comércio de escravos,
acabou se enfraquecendo politicamente.

Ovambos

É o grupo que representa 3% da população angolana e que possuía a maioria


dos gados do país, sendo os principais fornecedores do planalto central,
contando com uma economia agro-pastoril. Os Ovambos ocupavam a fronteira
entre Angola e Namíbia.
Ao contrário dos Umbundu, esses povos não viviam em aldeias. A população
rural dividia-se em distritos, sendo que cada comunidade tinha um número de
100 a 300 famílias que ocupavam uma área de limites mal definidos, chamada
chilongo.

Os Ovambos também não tinham uma monarquia centralizada – todos os


povos tinham seu próprio rei.

Nhyanecas-Humbi ou Nhanekas-Humbe

Se situavam entre os Umbundo e os Ovambos e representavam 5% da


população angolana. Dispersaram-se pelos distritos Huíla e Cunene e era
composto por 10 povos.

Entre todos os povos, os Nhanekas-Humbe eram os mais conservadores e


foram os menos influenciados pela cultura europeia.

Hábitos e costumes de Angola

Os hábitos e costumes de Angola são bem diversificados e variam dependendo da região.


Com tantos povos, é claro que os hábitos e costumes de Angola são bem
variados e distintos, dependendo da região. Vamos ver alguns mais marcantes
no país:

Carnaval

O carnaval é festejado em Angola há mais de um século. Ele foi introduzido no


país pelos portugueses, mas desde os anos 1900, os povos Umbundos já se
manifestavam com danças e máscaras – algo correspondente ao carnaval dos
povos antigos.

Luanda sempre foi o local em que o carnaval mais se desenvolveu,


principalmente graças aos Cabindas e Solongos que transportaram para os
axiluandas a dança Muanda de acção rítmica do Semba.

As outras províncias onde o carnaval também é comemorado com ênfase são


as do litoral: Cabinda, Zaire, Bengo, Kwanza-sul, Benguela, Namibe, Malanje e
Cwanza-Norte.

Apesar disso, o carnaval é bastante disseminado pelo país. Actualmente, ele é


comemorado com ritmos folclóricos, com a finalidade de disseminar a cultura
angolana.

Outras festas típicas


Além do carnaval, existem algumas festas típicas em Angola, como:

 as danças do mar, realizadas em Namibe e que simbolizam as antigas


celebrações culturais;

 festas de Nossa Senhora da Muxima, uma espécie de peregrinação


realizada na província do Bengo;

 festas de Nossa Senhora do Monte, na província de Huíla, também é uma


forma de peregrinação realizada uma vez por ano na cidade do Lubango e
outras.

Literatura
A literatura tem um papel importantíssimo em Angola, ajudando a superar o
estatuto de colônia e tocando em temas sensíveis como preconceito, dor,
sofrimento, exclusão social, entre outros.

A literatura angolana nasceu ao final da primeira metade do século XX, quando


um grupo de intelectuais resolveu rejeitar a influência europeia e ir em busca
de elementos culturais africanos que servissem de base para essa nova
literatura.

Sendo uma literatura de contestação, ela foi feita na clandestinidade e na


guerrilha. As obras expressavam o desejo de liberdade, denunciavam os maus-
tratos sofridos e a discriminação, incentivando os africanos a lutarem contra o
regime colonial.

Alguns dos principais representantes da literatura angolana são: Agostinho


Neto, Aires Almeida dos Santos, Amélia Dalomba, Pepetela, José Luandino
Vieira e Henrique Abranches.
Dança

A dança está entre um dos hábitos e costumes de Angola mais forte.


Entre os hábitos e costumes de Angola, a dança é uma das mais fortes. Ela
não distingue géneros, significados, formas e contextos, já que combina a
vertente recreativa com o estatuto de veículo de comunicação religiosa,
curativa, ritual e de intervenção social.

São muitas as danças tradicionais em Angola, ensinadas pelos povos antigos e


que se apresentavam em diferentes contextos e tradições.

A dança tinha um papel tão importante para esses povos, que a profissão de
bailarino era, frequentemente, herdada, com um ensino rigoroso baseado em
códigos e organizações cenográficas específicas.

Um exemplo bem conhecido é os Akixe ou bailarinos mascarados,


preparados pela Mukanda, uma escola tradicional de iniciação masculina entre
o povo Cokwé.

São muitas as danças em Angola, com danças infantis, danças para jovens,
danças apenas para o sexo masculino ou feminino e danças específicas para
marcar períodos da vida, como a dança fundura, interpretada pelas jovens
kwanhamas na festa da puberdade designada por Efiko.
Impossível dissociar a dança da música, afinal, as danças são acompanhadas
de instrumentos específicos e requerem diferentes peças de vestuário, adornos
e até inscrições corporais, de acordo com o significado de cada dança.

Além das danças tradicionais, em Angola as danças urbanas também fazem


muito sucesso, principalmente com os jovens, como é o caso do Kuduro, o
Gato Preto, o Kwasa-Kwasa, o N`Domboló (dos nossos irmãos oeste africanos,
os Congoleses), o Kizomba, a Rebita, entre outras.

Música

A música tradicional de Angola é muito executada em cerimônias especiais.


A música também é uma manifestação artística e cultural bastante divulgada e
diversificada entre os diferentes grupos étnicos de Angola.

A música tradicional reflete e revela o espírito e a vivência comunitária, com


momentos de alegria, de tristeza, de nobreza e até de representações
ideológicas.

Em geral, a música tradicional angolana é ritualista. Ou seja, executada em


cerimónias especiais, como nascimento, puberdade, casamento, funeral e em
cânticos religiosos ou para a chuva. A interpretação é realizada com
instrumentos artesanais, normalmente de percussão.

Os instrumentos mais usados são produzidos em madeira e couro e se dividem


em diferentes categorias de acordo com o tipo de som que produzem, como
idiofones, membranofones, aerofones, cordofones e instrumentos de lâmina.

Os vários mercados ao ar livre de Luanda sempre concentram algum pequeno


grupo de músicos cantando, com seus dialetos próprios, as canções de
histórias, terras e povos esquecidos.

Luanda é muito importante no cenário musical de angola, sendo o berço para


diversos estilos como Merengue angolano, Kilapanda, Kazukuta e Semba. Foi
na Ilha que nasceu a Rebita e é a partir do Semba que nasce o samba
brasileiro e também a Kizomba e o Kuduro.

Atualmente, a música em Angola é bastante rica e influenciada por


tradições de outros países, mescladas com as nacionais.

Alguns artistas em expansão e projecção em Angola e em outros países são:


Titica, considerada a rainha do Kuduro, Pérola, um dos principais expoentes do
semba e da kizomba, Anna Joyce, Yola Araújo, Neide Sofia, Matias Damásio,
C4 Pedro e outros.

Artesanato

O artesanato é um dos hábitos e costumes de Angola que reflete as diferentes


etnias que formaram o país com toda sua riqueza cultural.

Além do valor estético, a arte angolana sempre tem um valor funcional, pois
todas as peças têm um significado, um ritual ou um uso. Entre os artistas
angolanos, vemos sempre uma grande preocupação em aliar beleza visual e
estética com significado simbólico.

As máscaras são as expressões mais conhecidas do artesanato angolano e


estão ligadas a ritos e explicações religiosas. Elas são consideradas objetos
sagrados que estavam ligadas a momentos importantes na vida comunitária.
Por isso, existe uma grande variedade, como máscaras totémicas, guerreiras,
iniciáticas etc.

Cada máscara possui sua própria história e representa um papel


fundamental na realização de cerimónias e rituais, como de iniciação
masculina e feminina, fúnebres (representando a vida e a morte), transição da
infância para a vida adulta, celebração de uma nova colheita, início da estação
da caça, entre outros.
Assim como as demais expressões culturais, cada grupo étnico possui suas
próprias máscaras, tradições e traços artísticos originais. Em comum, está o
facto de elas deterem um poder sobrenatural, servindo como mediadoras entre
o mundo dos vivos e os espíritos de antepassados.

Gastronomia

Assim como os demais hábitos e costumes de Angola, a gastronomia também


é vasta, com uma mistura entre os povos. Alguns dos pratos típicos do país
são:

 funge;

 pirão;

 cachupa;

 caldeirada;

 mufete;

 moamba de galinha;

 kisaca de feijão;

 kisaca de peixe com peixe seco assado;

 sopa de feijão e repolho;

 tortúlio;

 ússe;

 maxanana;

 lombi;

 catato;

 macaiabo com xikuanga;

 frutos do mar;

 a kissangua fresquinha;

 sumo de múcua.
Artes em geral

Actualmente, o cinema Angolano está passando por uma fase de renovação.


Outras artes também fazem parte dos hábitos e costumes de
Angola. O cinema teve uma grande importância histórica na formação do
país e também contribuiu para a independência e a formação do povo
angolano.

Actualmente, o cinema angolano passa por uma fase de renovação, com forte
influência do cinema americano e nigeriano, além de uma produção mais
voltada para as vivências e dilemas dos jovens angolanos.

O folclore também integra os hábitos e costumes em Angola, com várias lendas


e contos passados de geração para geração, como a lenda de Kianda, o conto
do Jacaré Bangão, entre outras.

Conclusão

Como você viu neste conteúdo, são muitos os hábitos e costumes de Angola,
afinal o país conta com uma série de povos antigos, com culturas e tradições
diferenciadas.
Essa miscigenação se reflete na linguagem (com outras línguas nacionais além
do português), na dança, na música, no artesanato e em diversas outras
expressões culturais dos angolanos.

Tradição e identidade de género em Angola: ser mulher no


mundo rural
Tradition and gender identity in Angola: being a woman in the rural world

Eugénio Alves da Silva

p. 21-34

https://doi.org/10.4000/ras.508

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RESUMOS

PORTUGUÊSENGLISH

No meio rural angolano predomina uma cultura tradicional com as suas práticas
socializadoras tendentes à preservação da identidade. A socialização das crianças, em
particular a das meninas, faz-se no contexto da tradição, apoiada em ritos iniciáticos e
fundada na discriminação da mulher cujo destino fica traçado: ser dona de casa, esposa e
mãe, cuja vida se sujeita às lógicas de dominação masculina. Com este texto, pretende-se
problematizar a influência da tradição cultural na socialização comunitária no meio rural
angolano onde prevalece o preconceito da superioridade masculina o qual condiciona a
construção social do género, compreendida a partir das noções de “habitus” de Bourdieu,
“hegemonia cultural” de Gramsci e “prisão psíquica” de Morgan. Neste contexto, a função
social da mulher angolana rural restringe-se ao universo doméstico, sendo-lhe, portanto,
negada a assunção da cidadania comunitária em condições de igualdade de direitos.
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ENTRADAS NO ÍNDICE

Keywords: 
gender equality, sexual differentiation, tradition, initiation rituals, cultural hegemony, psychic
prison, identity socialization, female submissiveness

Palavras chaves: 
identidade de género, diferenciação sexual, tradição, rituais iniciáticos, hegemonia cultural, prisão
psíquica, socialização identitária, submissão feminina

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MAPA

Introdução

1. A tradição cultural no meio rural em Angola

a) Características socioculturais do meio rural

b) Cultura tradicional bantu

c) O lugar da mulher na cultura bantu

2. Tradição e preservação cultural identitária

3. Tradição e construção social do género em Angola

4. Desigualdade de género no meio rural: explicação sociológica


Considerações finais

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NOTAS DA REDACÇÃO

Recebido a: 1/Julho/2011
Enviado para avaliação: 18/Agosto/2011
Recepção da apreciação: 26/Nov, 20/Dezembro/2011
Recepção do artigo corrigido: 28/Dezembro/2011
Aceite para publicação: 28/Dezembro/2011

TEXTO INTEGRAL
PDF 155kAssinalar este documento

Introdução
1Nas comunidades rurais, a mulher constitui o pilar da vida familiar e doméstica, cabendo-
lhe pesadas responsabilidades nos domínios da educação dos filhos, dos proventos do
agregado familiar e da gestão da vida doméstica. Apesar disso, a sua existência pauta-se por
uma grande invisibilidade no plano social na medida em que não é chamada a intervir nos
processos decisivos da vida comunitária.

2No meio rural angolano regista-se forte predominância da tradição cultural, razão pela qual
hábitos e costumes locais têm sido preservados, entre os quais os ritos de iniciação que
contribuem não apenas para a diferenciação de papéis sexuais mas também para a
inferiorização social das mulheres. Tais preceitos são reforçados por lógicas de dominação
masculina que tendem a naturalizar a submissão das mulheres.

3A educação tradicional comunitária não tem sido abordada na perspectiva da construção da


identidade nacional e da cidadania democrática atribuindo-se-lhe, geralmente, uma função
de enraizamento cultural. Esta educação radica na Educação Tradicional Africana (ETA), cujo
princípio basilar é a diferenciação de género. Sendo criticável à luz do princípio da igualdade
de direitos, não se pode ignorar o potencial educativo da ETA quanto ao resgate da
identidade dos angolanos enquanto bantu.

4Nesta base, situarei a ETA no quadro da evolução democrática da sociedade angolana e das
políticas educativas e culturais considerando a diversidade cultural do país. Trata-se de saber
como se pode influenciar os valores da educação tradicional no meio rural fundados em
perspectivas culturais nem sempre compagináveis com a dignidade humana. Assim, é de se
questionar como se pode, no contexto dos direitos de cidadania, garantir a igualdade de
género no meio rural angolano tendo em conta o princípio da igualdade de direitos e a
obrigação ética de dignificação da mulher.

1. A tradição cultural no meio rural em Angola


5Para a compreensão da situação sociocultural angolana e das questões da igualdade de
género no meio rural importa considerar algumas características da realidade angolana.
Segundo as estatísticas, existem em Angola cerca de 19 milhões de habitantes [UNICEF
2011: 108, PNUD 2010: 194], dos quais 42% residem no meio rural. Outros indicadores
sociodemográficos referem-se à esperança média de vida que é de 48 anos [UNICEF 2011:
88], a mortalidade materna que regista 1400 casos por 100 mil nados vivos [PNUD 2010:
166], a mortalidade infantil na ordem dos 42 por 1000 nascimentos [UNICEF 2011: 88] e
uma taxa de fertilidade de 5,6 filhos por mulher [UNICEF 2011: 126].

6O índice de pobreza cifra-se nos 77%, dos quais 26% de pobreza extrema [PNUD 2010:
170], sendo as mulheres e as crianças as principais vítimas. A mulher rural é a mais
sacrificada pois, no seu labor diário, tem de realizar trabalhos pesados e gerir o lar. Dadas as
dificuldades financeiras das famílias e as distâncias até à escola mais próxima, as raparigas
não são incentivadas a ir à escola, pois são necessárias em casa para ajudar nas tarefas
domésticas. Aí confinadas, sujeitam-se às influências da tradição, de pendor discriminatório,
sendo preparadas para o ofício de esposa e mãe. Esta socialização deve ser compreendida
sob consideração dos aspectos que indico a seguir.

a) Características socioculturais do meio rural


 1 www.codesria.org/IMG/pdf/melo_conceicao.pdf

7O meio rural em Angola pode ser caracterizado por indicadores que denotam um modo de
vida precário, revelado por: estilo de vida simples, à margem das tecnologias e do mundo
letrado; recurso a ferramentas tradicionais e obsoletas; actividade produtiva ligada à
agricultura de subsistência e pastorícia; povoações dispersas, isoladas, com limitadas
condições básicas de vida sendo que apenas 22,8% da população tem acesso a água potável
e 31,1% a saneamento básico [INE 2009]; escassez de equipamentos sociais; taxas de
analfabetismo na ordem de 46% para os homens e 66% para as mulheres [UNICEF 2011:
96]; prática de ritos de passagem à idade adulta; vida comunitária regida pelas lógicas da
gerontocracia; isolamento e algum fechamento à influência cultural externa [Altuna 1974:
215]. Este é um quadro desfavorável que não só torna difícil a vida a estas pessoas como
também as remete para condições pouco dignas de existência. Em contrapartida, elas
agarram-se àquilo que lhes é mais valioso e significativo: a tradição cultural mediante a qual
resgatam o sentido de identidade e dignidade, reportados aos valores e interesses da
comunidade na qual encontram compreensão e solidariedade. Sobre esta questão, Melo
[s.d.: 2] refere mesmo que “a manutenção dos seus usos e costumes bem como das suas
crenças tradicionais é para muitos a base da sua sobrevivência” 1.

8Neste meio, a função social da mulher liga-se ao casamento, à maternidade, ao lar e à


educação dos filhos pelo que a sua dignidade depende do modo como ela honra a família.
Valoriza-se a sua função de educadora expressa no provérbio que afirma que “para educar
um homem, eduque-se a criança, para educar uma aldeia, eduque-se a mulher”. Apesar
disso, a sua visibilidade social é reduzida e a sua intervenção na vida comunitária não
extravasa o contexto doméstico, pelo que Altuna [1993: 165 e 256] considera que “a mulher
é a agricultora-mãe-esposa-dona de casa-doadora de sangue-linhagem”. A socialização
desta opera-se no âmbito das lógicas sexistas e de dominação masculina [Bourdieu, 1999],
subjugada pela tradição e reforçada por ritos iniciáticos. Desde cedo, o destino da mulher
fica traçado e ela não tem como lhe escapar.

b) Cultura tradicional bantu
9A cultura bantu representa a marca específica das populações da África Negra e tem grande
influência na vida comunitária em Angola, em particular no meio rural, ainda relativamente
preservado da influência cultural decorrente da colonização, da modernização e da
globalização. No geral, essa cultura caracteriza-se por: regime de patriarcado e
gerontocracia, que pressupõe a prevalência do poder dos anciãos, sendo estes considerados
fonte normativa da comunidade; papel secundário da mulher, tendo influência apenas no
contexto doméstico, como esposa, mãe e educadora [Altuna 1993: 259]; os jovens de
ambos os sexos são sujeitos a rituais de passagem à vida adulta, adquirindo o estatuto de
membros de pleno direito; casamento precoce das raparigas uma vez que a sua realização
como pessoas depende disso, sendo que “a auréola de dignidade e prestígio brota da sua
fecundidade” [Altuna 1993: 260]. Tal facto impede a conclusão da escolaridade obrigatória,
não valorizada socialmente porque, para ser doméstica, essa escolaridade não faz falta;
endoculturação forte mediante mecanismos de coerção, visando preservar as tradições
culturais, os papéis sexuais e a estabilidade da comunidade; subordinação da mulher, que
deve honrar a família, aceitando o casamento, dignificando o nome do esposo e
preocupando-se com a gestão do lar; prevalência da poligamia em muitas comunidades, o
que dilui ainda mais o valor social da mulher.

10As representações sobre a mulher estão predominantemente associadas à maternidade e


aos papéis de mãe e esposa. Reforça-se o seu estatuto inferior, por força da socialização em
contexto comunitário, onde a iniciação feminina funciona no sentido de “instruir e preparar
as raparigas para todas as funções femininas” [Altuna 1993: 296], pois “para isso é educada
e lho exige a vida comunitária” [Altuna 1993: 348].

c) O lugar da mulher na cultura bantu


11Na sociedade tradicional bantu, a mulher tem sido encarada como elemento complementar
ao homem. A este cabem as actividades que exigem força, destreza e resistência e longos
períodos fora de casa sendo a mulher remetida para “um campo mais restrito de actividades
por causa das frequentes gestações e do cuidado dos filhos” [Altuna 1993: 164-165].
Estabelece-se assim uma divisão do trabalho por sexos reforçada pela ideia de que a mulher,
sendo impura por causa da menstruação, não pode executar qualquer actividade, o que
alimentou tabus relacionados com limitações à sua participação em certos trabalhos “para
não manchá-los com a sua impureza” [Altuna 1993: 165]. Além disso, as responsabilidades
e tarefas inerentes ao cuidado do lar, do marido e dos filhos retiram-lhe tempo para se
ocupar dos assuntos considerados “próprios dos homens”. Um estudo de Greenberg et al.
[1997: 37] refere que “para a maioria das mulheres, o seu dia inicia com uma ou duas horas
buscando água, seguido de duas ou três horas pisando os cereais. A mulher rural típica gasta
todo o dia de trabalho cuidando o campo que ela cultiva com as suas crianças e o seu marido
caso tenha um”. Esta faceta da vida da mulher rural ligada à execução de actividades
produtivas tem importância económica para a subsistência familiar e até da comunidade
[Henderson 1972].

12A socialização comunitária é realizada sob consideração da diferenciação de papéis,


atribuindo-se a rapazes e raparigas tarefas distintas. Assim, as tarefas desempenhadas pelas
raparigas relacionam-se com actividades domésticas femininas. Elas distraem-se com jogos
e brincadeiras relacionados com os “ofícios femininos” e restringem-se a ambientes que têm
como referência o lar e os futuros papéis de esposa e mãe. Elas estão em estreita interacção
com as mães pois é imperioso que assimilem os comportamentos próprios de quem está
destinada a ser esposa e mãe. Circunscritas a este ambiente sob o olhar atento das
mulheres, as meninas estão permanentemente sujeitas às influências da tradição, de pendor
discriminatório, sendo preparadas para o ofício de esposa e mãe. Este é o destino que lhes é
irrevogavelmente traçado.

13A socialização das raparigas obedece, portanto, a estas concepções nas quais se
mentalizam do seu futuro papel como mulheres, esposas e mães, processo que é reforçado
pelos rituais de iniciação que as induzem a interiorizar que o seu lugar específico na
comunidade depende da sua vocação para a maternidade, decorrendo daqui a sua grande
centralidade reconhecida por Altuna [1993: 259], quando afirma que “o seu papel de dona
de casa é decisivo. Responsabiliza-se pela hospitalidade e sossego doméstico. Lava, cozinha,
limpa e cultiva. Mas no lar é, sobretudo, a educadora dos filhos… e a guardiã e continuadora
das essências mais puras da tradição”. Enquanto “guardiã da tradição”, a mulher rural limita-
se às suas funções e, por força da tradição, vê vedada qualquer possibilidade de participação
em determinadas circunstâncias, actividades e decisões importantes para a comunidade.

14Mas para a mulher se assumir como tal, é vital que se submeta aos rituais de iniciação,
enquanto corolário da socialização comunitária que a prepara desde cedo para os papéis
femininos. Os rituais de iniciação representam na cultura bantu o renascimento da rapariga
para a condição de mulher adulta e para a sua missão fundamental de ser mãe. Depois disso
ela está imediatamente disponível para o casamento pelo que estes rituais também se
podem chamar de “rituais de nubilidade”.

15Os ritos femininos realizam-se após o aparecimento da primeira menstruação e são


assegurados pelas mulheres mais experientes da aldeia que transmitem às neófitas os
mistérios da sexualidade, do nascimento e da fertilidade pois estes ritos visam sobretudo a
preparação para o casamento. “A rapariga fica apta para o casamento, para a sua missão
fundamental: ser mãe. Os ritos de puberdade definem oficial e publicamente a sua
capacidade, valor e estima como procriadora-vivificadora”, como afirma Altuna [1993: 298].

16O valor simbólico destes rituais reside do facto de incutir na mente das raparigas o seu
valor e estima como procriadoras, considerando que a mulher “é antes de mais um ‘campo
vaginal’ destinado a ser fecundado pelo homem” [Altuna 1993: 299]. A iniciação da mulher
representa a assunção da sua aptidão para o casamento, que ocorre quase de seguida e
mediante o qual alcança a condição de mulher adulta e plena.

17A dignidade da mulher conquista-se pelo casamento que, na cultura  bantu, tem como fim
primário a continuidade ininterrupta da comunidade. Segundo Altuna [1993: 316], “para a
rapariga, o casamento pode ser mais importante que a pessoa do marido. Anseia encontrar
um esposo fiel que a faça fecunda. (…) O seu lugar habitual é o lar e as culturas” [Altuna
1993: 260]. Tendo um carácter comunitário, os indivíduos não têm autonomia para decidir,
pelo que é negociado pelas famílias, restando à mulher a resignação à aceitação do marido.
Por via do casamento, a mulher fica disponível para a procriação com a qual atinge a
plenitude social, prova a sua maturidade pessoal e obtém a benevolência dos espíritos dos
antepassados. Esta é outra dimensão que ajuda a consolidar crenças e a conformar
comportamentos nos indivíduos, pois qualquer atitude à margem dos preceitos culturais
pode, segundo a tradição, despoletar a ira dos antepassados, o que seria indesejável pelas
consequências funestas.

18Assim, o casamento justifica-se e consolida-se pela fecundidade da mulher que, em geral,


tem muitos filhos, o que faz aumentar o seu prestígio social. Não compete, portanto, à
mulher, decidir sobre esta matéria, pois segundo Moura [s.d.], “as mulheres que desafiam
conscientemente ou por imprudência as proibições ou os tabus expõem-se à reprovação da
família e a críticas por vezes violentas da comunidade”. Apesar disso, a sua importância
restringe-se ao contexto familiar, levando uma vida doméstica penosa e nem sempre
reconhecida. Embora possuindo uma “auréola de dignidade”, a presença da mulher é
“invisível” no plano comunitário e social, reservado aos homens.

2. Tradição e preservação cultural identitária


19No meio rural, a educação escolar pouca influência tem exercido na vida da comunidade,
restringindo a sua acção à transmissão de um currículo ao qual nem sempre se reconhece
utilidade. Ou seja, a construção da cidadania no meio rural pouco tem beneficiado da
escolarização e da educação estatal, cuja missão tem a ver com a inculcação dos valores da
igualdade e da dignidade, sendo interferida pelos cânones da tradição baseados na
diferenciação sexual, na desigualdade entre os géneros e, como consequência, na
inferiorização da mulher.

20Para entender esta relação contraditória é preciso regressar ao passado. Em Angola, o


conhecimento era tradicionalmente transmitido às novas gerações através dos ritos de
iniciação e de outras formas de educação tradicional asseguradas pelos “mais-velhos”. Esta
transmissão foi alterada pela colonização que, com as políticas de assimilação, tratou de
impor o modo de vida europeu aos africanos.

21Na actualidade, a educação escolar tem sido encarada como estranha à cultura da
comunidade onde a escola está implantada. Exemplo disso é a utilização da língua
portuguesa no ensino de crianças cuja língua materna é de origem bantu, o que cria
dificuldades de aprendizagem [Zau 2002]. Por esta razão, a escola oficial enfrenta algumas
resistências no meio rural, traduzidas essencialmente no absentismo escolar, mais acentuado
entre as meninas.

22A colonização conduziu à descaracterização da cultura tradicional, razão pela qual muitas
práticas tradicionais foram quase erradicadas. Após a independência, em virtude da ideologia
marxista, as práticas tradicionais foram desvalorizadas por terem sido tomadas como
obscurantistas ou contrárias aos interesses nacionais. Actualmente, reconhecendo a
importância do património cultural representado pela sabedoria popular, o governo angolano
vem adoptando políticas culturais para resgatar o capital cultural acumulado nas aldeias para
que não ocorra a perda do património tradicional pois é sabido que, “nas sociedades
tradicionais, quando morre um ancião perde-se uma biblioteca” [Ba 1972].

23A preservação cultural fica a dever-se à ETA que, segundo Masandi [2004], revela as
seguintes características: a) Os modelos educativos são elaborados pela própria comunidade
segundo princípios e regras; b) Articulada à instrução, tem carácter global, sem
compartimentação de disciplinas; c) Processa-se em todos os lugares e momentos, desde a
intimidade familiar aos contextos públicos; d) Confunde-se com a vida comunitária, sem
horários ou dias específicos, integrando rituais para se aceder a novos estatutos sociais; e) É
da responsabilidade de toda a comunidade e está ligada às situações da vida e aos papéis
sexuais e sociais futuros; f) É funcional porque estabelece uma estreita relação entre as
necessidades da comunidade e as do indivíduo; g) Realiza-se por via da experiência e da
impregnação, através da participação nas actividades sociais em que as acções dos adultos
servem de referência aos mais novos; h) Promove uma dupla integração, fazendo com que o
indivíduo se reconheça no grupo e na cultura; i) É um processo contínuo que se exerce
desde a infância à velhice.

24As estratégias educativas incluem o recurso à literatura oral, (contos, lendas, mitos,
récitas, fábulas, provérbios, adivinhas), às cenas da vida quotidiana, às canções, às danças,
aos ritos de iniciação, à simbologia (metáforas, amuletos, talismãs, invocações, bênçãos) e
às artes, onde os neófitos aprendem com os adultos e os mestres. Desta forma, as tradições
são inculcadas nos jovens, a quem recai a obrigação de as preservar.

3. Tradição e construção social do género em


Angola
25A urbanização das sociedades africanas tem contribuído para a construção de uma nova
visão da mulher associada à sua capacidade de participar socialmente e de gerar
rendimentos. Contudo, no meio rural, fruto da influência cultural ancestral, não se observa
uma verdadeira igualdade democrática entre géneros, encarando-se a mulher como
“elemento supletivo”, cabendo-lhe um papel secundário na comunidade onde “não desfruta
de um status social igual ao do homem” [Altuna 1993: 257]. As mulheres africanas rurais
não conseguem emancipar-se socialmente devido às imposições tradicionais e às
representações sociais vigentes atribuindo-se-lhes “trabalhos que exigem delicadeza,
cooperação, fecundidade e cuidado da vida” [Altuna 1993: 167].

26A cultura tradicional africana foi sendo alterada por introdução de elementos decorrentes
da colonização e, agora, da globalização cultural. Essas alterações repercutiram-se nos
vários domínios da vida social, mas a persistência dos rituais de iniciação ajudou a reafirmar
os valores culturais tradicionais, o que contribuiu para a preservação dos traços essenciais
da identidade local, ainda que sacrificando a integração cultural e a coesão social.

27A insistência nas tradições tornou os rituais num fenómeno cultural sólido no meio rural e
contribuiu para a preservação das tradições, entre as quais os rituais iniciáticos a que os
jovens de ambos os sexos se submetem. A vivência desses rituais pressupõe a incorporação
de novos comportamentos, pelo que se constituem como verdadeiras “escolas da vida”, ou
seja, mecanismos de inculcação com os quais a comunidade vai moldando o comportamento
dos mais novos. Enquanto instâncias de propagação de valores, alguns desses rituais
integram práticas que, à luz dos princípios da dignidade humana e da igualdade, podem ser
consideradas indignas, merecendo, por isso, crítica e repúdio como é o caso da excisão
feminina. Assim, há que preservar certos valores mas combater os que atentam contra a
dignidade humana pois nada justifica que, numa sociedade de direito, este seja atropelado
em nome da tradição.

28Na comunidade rural angolana vigoram representações sociais sobre a mulher que
exprimem uma discriminação sexual que a desqualifica socialmente e que decorre dos
seguintes factos: a sua autonomia e importância social são limitadas; a sua sujeição aos
ritos de passagem constitui uma forma de legitimar o seu papel social secundário,
condicionado pelas lógicas de dominação masculinas; a diferenciação de papéis sexuais
reserva-lhe destaque apenas no contexto doméstico, como dona de casa [Altuna 1993: 259].
A mulher é, acima de tudo, garantia de reprodução da linhagem, pelo que será estimada
pelo marido consoante o número de filhos que gerar.

29Assim, as representações sociais sobre a mulher rural têm-na como submissa, ao serviço
do homem e talhada para funções de mãe e doméstica, daqui resultando o seu estatuto e
credibilidade, razão pela qual o seu lugar é em casa, não precisando, portanto, da
escolaridade. O seu valor social está associado ao casamento, à fecundidade e ao vínculo à
família e ao marido. Um provérbio do Ghana diz que “uma mulher é uma flor num jardim e o
seu marido é a cerca em torno dela”, o que traduz bem as restrições à participação na vida
social que lhe são impostas.

30No contexto rural assiste-se à subalternização da mulher e à redução do seu espaço de


afirmação. A condição de mulher adulta é conquistada mediante os ritos iniciáticos por meio
dos quais ela se prepara para os papéis de esposa e mãe, de gestora do lar e da vida
familiar. Altuna diz-nos que “a mulher é estimada sobretudo por ser fecunda” [1993: 308] e,
“se não tiver filhos, não consegue a plenitude feminina” [1993: 310].

31Deste modo, as meninas são educadas no preceito de que, enquanto mulheres, são
“depositárias do passado e garantia da continuidade comunitária” [Altuna 1993: 256],
enquanto mães são “manancial de força vital e a guarda da casa” [Altuna 1993: 257] e
enquanto gestoras do lar são a “garantia de hospitalidade e sossego doméstico” [Altuna
1993: 259] e a educadora dos filhos.

32Portanto, a construção social do género feminino reporta-se a valores culturais que


diminuem a mulher enquanto actor social, pois limitam a sua participação social ao contexto
doméstico. A sua submissão a rituais de passagem e a preceitos culturais tradicionais que
não se coadunam com os princípios democráticos da igualdade de direitos e da dignidade
contribui para que ela não aceda plenamente à cidadania social, restringindo-se as suas
oportunidades de intervenção como membro da comunidade. Nesta base, não se estimula a
escolarização das raparigas já que o seu futuro é traçado em função dos interesses
masculinos e tendo como horizonte o lar familiar e a maternidade. Esse destino tem a marca
da tradição que impede as próprias mulheres de o contrariar pois isso seria indigno e
prejudicial para elas e para a comunidade. Qualquer transgressão significa, na cultura bantu,
a possibilidade de atrair desgraças para a comunidade, sendo, portanto, severamente punida
[Melo 2008]. Além disso, é o cumprimento da tradição que gera os laços de solidariedade e
pertença, pelo que os não iniciados ou os transgressores são culpabilizados, ostracizados e
banidos da comunidade.

33Se a cidadania pressupõe o gozo de direitos cívicos e a assunção da pessoa como ser
socialmente comprometido com o projecto colectivo, então não se aplica à mulher angolana
rural que vê cerceadas as oportunidades de participação e afirmação sociais. Assim, qualquer
corrente que defenda concepções de cidadania reportadas a valores e práticas culturais
particulares, que condicione os direitos cívicos, que discrimine em função do género, em
nome da tradição, não pode ter acolhimento porque a cidadania, enquanto património de
todos, transcende os interesses de grupos ou comunidades.

4. Desigualdade de género no meio rural:


explicação sociológica
34A educação tradicional no meio rural angolano rege-se por lógicas discriminatórias que
redundam em prejuízo da mulher. Pode-se compreender a dimensão conservadora da cultura
no meio rural angolano na base da qual assenta a discriminação de género convocando os
conceitos de “habitus” [Bourdieu 1983], de “hegemonia cultural” [Gramsci 1996] e de
“prisão psíquica” [Morgan 1996].

35O comportamento social no interior de uma comunidade é regulado pelos elementos da


cultura em relação aos quais os sujeitos constroem o seu sentido de identidade. Cada
comunidade desenvolve formas específicas de cultura no interior das quais o comportamento
social ganha significado e é legitimado. As culturas tendem a preservar-se, gerando-se no
seu seio mecanismos de coerção pelo que a preservação cultural no meio rural angolano
decorre desses mecanismos e do seu fechamento em relação à cultura urbana, considerada
nociva.

36O relativo isolamento das comunidades rurais em Angola e a resistência à cultura do


colonizador conduziram a que essas comunidades se fechassem sobre si próprias e
desenvolvessem mecanismos de endoculturação para preservação da sua identidade cultural.
A vida comunitária rege-se por padrões próprios, confinando os sujeitos a práticas
significantes mediante as quais geram o sentido de pertença e atribuem significado à
sua praxis. A pressão social, a coerção e os rituais comunitários reforçam esta identidade,
obrigando os indivíduos ao cumprimento dos padrões comportamentais vigentes visando a
manutenção de modos de conduta uniformes e perenes, constituindo-se, por via desta
socialização, o que Bourdieu [1983] designou por “habitus”.

37A compreensão da força da tradição cultural no meio rural em Angola, num contexto de
diversidade cultural e de promoção da identidade cultural decorre da consideração do lugar e
do papel da cultura local enquanto elemento configurador da identidade dos grupos étnicos
que constituem o mosaico cultural angolano. A elucidação desse papel pode ser feita na base
da noção de “cultura hegemónica” de Gramsci [1996], segundo a qual os valores culturais
tradicionais se impõem sem discussão, na convicção de que preservam a identidade e evitam
a descaracterização cultural.

38O isolamento do meio rural, reforçado pelo seu fechamento às influências de fora,
favorece o conservadorismo. Esta condição conduz a que o comportamento individual e
social tenha de se reger pela cultura considerando que isso é o melhor para o indivíduo e
para a comunidade. Qualquer comportamento à margem dos cânones da cultura é
socialmente censurado pelo “conselho dos anciãos”. Por isso, a socialização das crianças e
jovens no meio rural obedece aos padrões impostos, processando-se segundo práticas que
visam prepará-las para a vida adulta, numa diferenciação de papéis sexuais, exigindo-se que
actuem em conformidade.

39A estrutura social no meio rural está concebida para induzir nos indivíduos atitudes e
sentimentos congruentes com os padrões culturais, accionando práticas socializadoras como
os ritos de iniciação. Estes visam “fixar os neófitos na tradição, mentalizá-los para a guardar
e defender contra qualquer investida inovadora” [Altuna 1993: 295]. A socialização
comunitária cumpre assim a função de integração nos padrões de vida, gerando uma
conformidade do comportamento com a tradição cultural, o que contribui para a preservação
da identidade cultural.

40A comunidade rural enquanto sistema cultural impõe uma cultura, estabelecendo papéis e
gerando hábitos e modos de pensamento e acção. Este sistema assume uma dimensão
simbólica com que se atribui sentido à vida social na base dos mitos unificadores que
perduram na memória colectiva, daí surgindo a necessidade dos ritos de passagem e dos
mecanismos de controlo social, a cargo dos “mais-velhos”. É no âmbito da cultura bantu que
muitas práticas sociais são justificadas, particularmente as representações sobre o género e
o lugar e função social de homens e mulheres.

41Qualquer espaço cultural torna-se, nesta perspectiva, um espaço de partilha simbólica da


cultura cujos códigos permitem conferir significado aos eventos da vida e construir o sentido
de pertença. Deste modo, a cultura exerce uma função hegemónica sobre a vida social,
porque se impõe como quadro referencial da acção e porque recusa valores ou práticas não
previstas. De acordo com Gramsci [1996], a cultura é um meio persuasivo utilizado pelas
elites (neste caso, os aristocratas e os “mais velhos”) para promover o consentimento. Assim
se garante a conformidade do comportamento e a respectiva atribuição de sentido, no
âmbito do qual os actores sociais são aceites como membros do grupo. A socialização
comunitária funciona como mecanismo de “conformação”, colocando-se ao serviço da
preservação dos valores tradicionais e condicionando o comportamento social dos membros
da comunidade.

42A socialização das crianças neste meio processa-se segundo regras e códigos estritos,
esperando-se que elas respeitem as tradições e actuem como agentes da sua preservação.
Assim se estabelece o habitus [Bourdieu 1983: 65] enquanto conjunto de disposições, gostos
e preferências dos indivíduos, produtos de um processo de socialização nas mesmas
condições contextuais, permitindo estabelecer a coerência entre acção individual e colectiva,
ou seja, uma certa homogeneidade e continuidade na acção social de um grupo, em função
das quais os membros se reconhecem.

43A hegemonia cultural estabelece um complexo sistema de relações e mediações, visando o


desenvolvimento e a concretização de um modo de conduta, ou seja, a institucionalização da
tradição. Para Gramsci [1996], a hegemonia é concebida como influência e domínio,
actuando sobre o modo de pensar, de conhecer e de agir e sobre a conduta social, no âmbito
da qual o comportamento dos membros é aceite ou censurado, constituindo a capacidade de
unificar padrões e de conservar unido um sistema social.
44A hegemonia cultural inclui uma distribuição específica de poder, de hierarquia e de
influência pressupondo coerção sobre os opositores na base de um processo de violência
simbólica [Bourdieu 1989] uma vez que está sujeita à luta, à resistência e à confrontação.
Por isso, quem a exerce, tem de adoptar mecanismos de imposição e coerção como também
neutralizar ou cooptar a oposição. Ela tem a função de impedir qualquer resistência interna,
o que gera condições para bloquear qualquer mudança na comunidade, residindo aqui a raiz
da preservação da tradição. No contexto rural angolano, relativamente apartado do contacto
e da influência da cultura urbana, a hegemonia cultural, enquanto mecanismo através do
qual os anciãos impõem a tradição, ajuda a reforçar a cultura dominante. Isso conduz a que
as crianças interiorizem e respeitem a tradição por ser essa a expectativa social.

45É nesta lógica que se assiste no meio rural angolano à continuidade de processos de
preservação da tradição, visando educar os membros da comunidade e em particular as
novas gerações nos cânones culturais do grupo, isto é, socializá-los no contexto dos valores
culturais tradicionais nos quais se inscreve a construção social do género e respectivos
papéis sociais. É no interior desta lógica que se compreendem os processos tradicionais de
educação que conduzem à subalternização da mulher e à aceitação dessa condição o que
gera a naturalização dos comportamentos, justificados pelo código cultural subjacente em
função do qual se estabelece o sentido de comunidade.

46Nas comunidades rurais angolanas as pessoas continuam a ser socializadas


predominantemente nos padrões culturais vigentes através dos ritos de passagem que os
convertem em membros de pleno direito da comunidade. É o respeito a esses preceitos e a
exigência de uma atitude de recusa a tudo o que é estranho que lhes granjeia a aceitação e
solidariedade social. Aqui, a socialização opera-se no contexto da tradição recorrendo-se a
mecanismos de controlo e coerção. O processo social funciona segundo regras e mecanismos
que se impõem, sendo aceites de modo incontornável já que os “mais velhos” aparecem
como guardiães do património cultural. Cabe-lhes manter a tradição e assegurar a
transmissão da herança cultural segundo a qual os actores sociais passam a membros da
comunidade, portadores de identidade. Estes têm de agir de acordo com a tradição, sob
pena de serem excluídos desta “cidadania comunitária”.

47As representações simbólicas sobre os papéis sexuais, construídas no âmbito da


socialização e enquanto expressão social do género, exercem enorme impacto e regulam os
comportamentos sociais. Por causa da socialização, os actores tendem a gerar mitos
racionalizadores para justificar os factos da vida e os comportamentos, passando a agir de
acordo com regras estritas como se obedecessem a um guião. Para Bhabha [1998], o
processo de significação, de produção dos símbolos, de construção dos mitos por meio dos
quais a cultura é vivenciada e a vida social orientada, contém no seu interior uma espécie de
limite auto-alienante. O comportamento social passa a ser enquadrado e adquire sentido no
contexto dessa partilha simbólica, tornando-se admissível se estiver inscrito no código
cultural que o grupo reconhece como a sua marca identitária. Esta ideia é congruente com
aquilo a que Morgan [1996] designou “prisões psíquicas”.

48As “prisões psíquicas” são armadilhas que os actores criam e em que se tornam
prisioneiros. Representam processos que permeiam o modo de pensar e fazer das pessoas,
determinando o seu comportamento. A metáfora da “prisão psíquica” retrata a forma como
os sistemas sociais se tornam prisioneiros da sua própria lógica de raciocínio. Para Morgan,
os processos intrapsíquicos como emoções, sentimentos e interesses afectam a vida
organizacional cujo ambiente é impregnado por representações que acompanham as
identidades individuais e sociais. O inconsciente dos membros é mediado por categorias que
perpassam a ordem social e afectam a subjectividade humana enquanto resposta às
determinações emanadas da ordem social.

49Os sujeitos ficam aprisionados por formas de raciocínio interiorizadas em função dos quais
pensam e realizam as suas acções. Fazem-no sem se aperceberem da imposição do “código
simbólico”, ou seja, de como a sua acção possui a “marca cultural” inerente ao grupo a que
pertencem. Cada membro da organização racionaliza os fenómenos, de forma que
justifiquem o seu modo de viver. Assim, todos os fenómenos passam a ser explicados
racionalmente a partir dos valores expressos e da realidade partilhada que é imposta.
Qualquer elemento estranho que ponha em causa esta racionalidade é considerado perigoso.
50O meio rural em Angola ainda é pouco permeável a influências culturais de fora, tornando-
se tradicionalista. Deste modo, gera formas de operar que condicionam o pensamento e a
acção das pessoas. Para isso contribuem os ritos de passagem em função dos quais a
comunidade garante a construção e reprodução das representações acerca dos papéis
sexuais, muito em particular o das mulheres que são as mais afectadas na sua vida social e
como cidadãs, uma vez que, desde a infância, são socializadas para as funções de esposa,
mãe e doméstica. Os ritos femininos estão concebidos para que “a rapariga fique apta para o
casamento e para a sua missão fundamental: ser mãe” [Altuna 1993: 298]. Este é, portanto,
o seu destino, ao qual se deve entregar.

51A influência da tradição cultural neste meio é muito poderosa, impedindo que as raparigas,
aprisionadas nesta lógica cultural, escapem a este destino, acabando mesmo por reforçar as
lógicas de inferiorização da sua condição social. A tradição cultural tem força de lei e os
infractores ficam sujeitos a severas sanções. Além disso, nessas comunidades, acredita-se
que o desrespeito pelas tradições pode desencadear a ira dos “espíritos dos antepassados”
atraindo maldições pois, de acordo com Melo [2008: 182], crê-se que “os  onosande
yovakulu também se zangam diante do descumprimento e do desleixo no desempenho dos
costumes tradicionais. Nesses casos, expressam o seu desagrado de diferentes formas,
enviando uma onda de peste (nas plantações), provocando mortes (no seio familiar),
introduzindo patologias ou induzindo situações adversas na família, (intrigas e divórcios)”.

52Os infractores são geralmente votados ao ostracismo da comunidade, quando não são
expulsos, pendendo sobre eles a responsabilidade e a culpa dos males que “atraíram”. Além
disso, são remetidos a uma condição de “pária” à qual muitos não resistem, conduzindo à
marginalização social ou ao suicídio. Neste meio, para ser membro da comunidade, há que
cumprir e perpetuar a tradição.

Considerações finais
53A conjugação de factores socioeconómicos desfavoráveis e a predominância dos valores
tradicionais da educação comunitária forçam as raparigas do meio rural, na sequência do
cumprimento dos ritos de iniciação, a abandonar precocemente a escola para se prepararem
para o casamento e a maternidade. Assim sendo, a mulher rural, cuja função social se
restringe ao contexto doméstico, tem reduzidas oportunidades de participação e intervenção
social, deixando-se aos homens a prerrogativa de decidir os destinos da comunidade. Ao
reservar-se-lhe apenas o espaço doméstico, invisível e penoso, onde é “rainha”, está-se a
cercear a sua condição de cidadã.

54A prevalência da tradição no meio rural difundida por práticas socializadoras que
diferenciam os papéis sociais em função do género contribui para diminuir o estatuto social
da mulher cuja dignidade depende da sua condição de “casada” e da sua relação ao esposo e
ao lar. A força da tradição no meio rural em relação à qual a mulher se encontra aprisionada,
reforçada pelas crenças místico-religiosas sobre as consequências nefastas do seu
incumprimento faz com que a sua identidade de género se construa por referência a uma
situação de submissão às lógicas de dominação masculina.

55A submissão da mulher rural, culturalmente promovida e naturalizada por via da tradição,
deve ser entendida como mecanismo inerente à hegemonia cultural à qual a comunidade se
verga. Por isso, a mulher no meio rural goza de uma “cidadania mitigada”, sendo-lhe
limitadas as oportunidades de participação na esfera pública comunitária. Isto representa
uma violação dos seus direitos de cidadania, pelo que a emancipação da mulher passa pela
erradicação dos preconceitos sociais, do “sexismo” cultural e pela educação comunitária cuja
preocupação consista em desenvolver uma consciência social a respeito dos valores
democráticos e humanistas e, ao mesmo tempo, um combate às práticas culturais não
congruentes com a dignidade humana.

56Em contexto rural, as desigualdades sociais acentuam-se em função do género, por acção
de factores culturais enraizados, reforçados por um défice de intervenção educativa. A
manutenção dos ritos de passagem, embora constitua um factor de preservação cultural,
representa também um factor de agravamento da desigualdade no acesso das raparigas à
escola e na participação das mulheres na vida social acabando por reforçar a sua condição de
subalternidade. A sua socialização em contexto de “prisão psíquica” conduz a que as próprias
mulheres reforcem e reproduzam as lógicas, os discursos e as práticas que defendem a sua
submissão.

57A mulher rural angolana, enredada na tradição, tem levado uma existência penosa na
medida em que: carrega os filhos no ventre; depois, carrega-os às costas; carrega os
alimentos à cabeça; carrega a responsabilidade de gerir o lar; carrega o ónus de educar as
crianças; carrega a obrigação de agradar ao marido; carrega a marca da submissão; carrega
o peso da ignorância; carrega o estigma da vergonha; carrega o fardo de ser mulher, pois
num mundo configurado pelas lógicas masculinas, vigora o provérbio que diz que ‘homem é
homem, mulher é sapo’” [Melo 2005].

58Perante este quadro, compete ao Estado, em nome da igualdade de direitos e da cidadania


democrática, desenvolver acções de promoção social da mulher rural para que ela não viva
carregando o peso da inferioridade. Pela dignificação da mulher, justifica-se uma estratégia
educativa que articule os diferentes agentes educativos e concilie os valores e processos
educativos inerentes à educação oficial e à educação tradicional para a tomada de
consciência do que significa ser cidadão numa sociedade africana democrática. Por isso,
resgatar a educação tradicional em Angola, despindo-a dos seus elementos retrógrados,
torna-se um imperativo ético e cívico visando a construção de uma cidadania plena, da qual
ninguém seja excluído.

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NOTAS

1 www.codesria.org/IMG/pdf/melo_conceicao.pdf
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PARA CITAR ESTE ARTIGO

Referência do documento impresso


Eugénio Alves da Silva, «Tradição e identidade de género em Angola: ser mulher no mundo
rural», Revista Angolana de Sociologia, 8 | 2011, 21-34.

Referência eletrónica
Eugénio Alves da Silva, «Tradição e identidade de género em Angola: ser mulher no mundo
rural», Revista Angolana de Sociologia [Online], 8 | 2011, posto online no dia 13 dezembro 2013,
consultado no dia 24 abril 2021. URL: http://journals.openedition.org/ras/508; DOI:
https://doi.org/10.4000/ras.508
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ESTE ARTIGO É CITADO POR

 Nadya, Evanice. Fernandes, Emilia. (2017) Managing Organizational Diversity.


DOI: 10.1007/978-3-319-54925-5_6

 Malengue, Abílio Santos. (2021) Sensibilização sobre a Covid-19 nas comunidades


rurais da província do Huambo-Angola. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do
Conhecimento. DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/comunidades-
rurais

 Liberato, Ermelinda. (2016) 40 anos de independência. Uma reflexão em torno da


condição da mulher angolana. Revista Estudos Feministas, 24. DOI: 10.1590/1806-
9584-2016v24n3p997

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AUTOR
Eugénio Alves da Silva
Pedagogo, licenciado em Ciências da Educação no ISCED da Universidade Agostinho Neto
(Angola), onde foi docente. Doutor em Educação na especialidade de Organização e Administração
Escolar, pela Universidade do Minho (Portugal). Professor Auxiliar no Instituto de Educação da
Universidade do Minho. Tem investigado a educação e a gestão do ensino superior em Angola. As
suas áreas de interesse investigativo são a formação e gestão de recursos humanos e a gestão
democrática da educação.
É autor do livro O Burocrático e o Político na Administração Universitária. Continuidades e
Rupturas na Gestão dos Recursos Humanos Docentes na Universidade Agostinho Neto
(Angola) (Braga 2004). Na Revista Angolana de Sociologia publicou no nº 3 (de 2009) o artigo
intitulado “Autonomia e Liberdade Académicas na UAN: Realidade ou Utopia?”.
esilva@ie.uminho.pt

Artigos do mesmo autor

 As metodologias qualitativas de investigação nas Ciências Sociais  [Texto integral]

Qualitative research methodologies in Social Sciences

Publicado em Revista Angolana de Sociologia, 12 | 2013

 Sempre abrir.
Angola, como a grande maioria dos países independentes da África é
um estado multi e transcultural. Isto quer dizer que abriga em seu
território diversas culturas, com línguas, costumes e origens
diferentes, que muitas vezes extrapolam as fronteiras políticas
estabelecidas pelos europeus no século XIX. País socialista desde sua
independência até o início dos anos 90, e assolado por décadas de
guerra de independência e civil, Angola hoje vive um período de
prosperidade trazido pela exploração do petróleo.

O perfeito exemplo disso são os extremos norte e sul. A norte, temos


Cabinda, hoje um enclave de Angola entre o Congo-Kinshasa e o
Congo-Brazzaville, e antigamente conhecida como Congo Português.
Sua população é da etnia Kongo, que utiliza uma língua do mesmo
nome. Os Kongo estão presentes ainda na região litoral dos dois
Congos e nas províncias angolanas de Uíge e Zaire. Cabinda, por ter
uma história em parte diferente da de Angola (foi ocupada pelos
portugueses só em 1885, enquanto que o litoral de Angola já era
colonizado desde o século XVII), convive com um movimento
separatista, o FLEC (Frente de Libertação do Enclave de Cabinda),
que luta desde os anos 60 pela independência.

No sul de Angola, em diversos bolsões estão os povos khoisan (ou


coissã), que formam um grupo à parte dos povos bantu e do restante
dos povos africanos. Seu nome é a junção do nome de dois grupos,
os Khoi e os San, conhecidos também como bosquímanos ou
hotentotes. Acredita-se que os khoisan sejam descendentes dos
povos nômades que habitavam a África há milhares de anos atrás, e
foram deslocados com a ocupação bantu. As línguas khoisan são
únicas, conhecidas como "línguas do clique", caracterizada por
diversos sons inexistentes em outros idiomas, e que tem o som
característico de um clique. O filme "Os Deuses devem estar loucos"
tem como protagonistas integrantes desse grupo étnico.

Além do português, língua oficial do estado, Angola possui outros 42


idiomas regionais. O país é uma exceção dentro do continente
africano, pois a língua europeia vem conquistando cada vez mais
espaço no meio cotidiano em detrimento das línguas nacionais, o
oposto do que ocorre no restante do continente.

Na literatura, o nome de Agostinho Neto é tradicionalmente citado


como exemplo, mas Angola produziu outros importantes escritores,
entre eles Pepetela, Luandino Vieira e Viriato da Cruz. A União dos
Escritores Angolanos foi um importante grupo entre os anos 70 e 80,
ajudando vários autores novos a editarem seus livros.

A música angolana foi importante na composição de vários ritmos em


Cuba e no sudeste do Brasil. Dentro do continente africano, porém,
demorou a ser editada em discos, destacando-se os artistas dos anos
60 e 70, que desenvolveram o semba, a rumba congolesa e o
merengue angolano, utilizando guitarras elétricas e uma percussão
intensa.

Na religião, a santeria cubana e a macumba brasileira são em boa


parte baseados nas crenças tradicionais religiosas de povos
angolanos.

Bibliografia:
A particularidade cultural. Disponível em:
< http://www.angola.or.jp/index.php/about_angola/culture >. Acesso
em: 03 nov. 2012.
Culturaangolana'sblog. Disponível em:
< http://culturaangolana.wordpress.com/ >. Acesso em: 03 nov.
2012.
Angola (em inglês) Disponível em:
< http://www.state.gov/outofdate/bgn/angola/188526.htm >. Acesso
em: 03 nov. 2012.

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