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Acórdão TC nº364/94

O provedor de justiça vem requerer que o Tribunal constitucional declare a


inconstitucionalidade da norma do artigo 22º/nº2 CPA "na parte em que prevê a possibilidade
de órgãos colegiais integrados na Administração Pública poderem deliberar com um quórum
menos exigente, em 2ª convocatória" e, subsidiariamente, da parte da norma que se aplica às
assembleias que funcionam como órgãos do poder local, uma vez que diz "o conteúdo da
parte final da norma" em causa é "desconforme com a norma do artigo 119º/nº 2 CRP quanto
à obrigatoriedade da presença da maioria do número legal de membros de órgãos colegiais
como quórum necessário à deliberação".
Artigo 22º/nº2 CPA desconforme com artigo 199º/nº2 CRP.
Fiscalização sucessiva abstrata.

Provedor de Justiça

Entende-se que, dirigindo-se o artigo 119º/nº2 CRP a todos os órgãos colegiais integrados em
pessoas coletivas de direito público e permitindo o artigo 22º/nº2 CPA uma conduta diversa
do preceituado constitucionalmente a órgãos dos referidos no número anterior, deve ter-se o
mesmo artigo 22º/nº2 por inconstitucional.
Para efeitos do artigo 119º/nº2 CRP deverão considerar-se abrangidas as assembleias das
autarquias locais.
As assembleias das autarquias locais estão sujeitas ao disposto no artigo 22º/nº2 CPA, logo,
este artigo é inconstitucional enquanto aplicável às assembleias das autarquias locais.

Primeiro Ministro

O artigo 119º/nº2 CRP é apenas relativo às assembleias que funcionam como órgãos de
soberania, das regiões autónomas ou do poder local.
O artigo 22º/nº2 em consequência de uma interpretação conforme à Constituição, deve
aplicar-se aos órgãos que exerçam funções administrativas, à exceção dos previstos no nº1 do
artigo 119º.
Deve esse Tribunal denegar provimento a ambos os pedidos do Provedor de Justiça de
declaração de inconstitucionalidade do artigo 22º/nº2 CPA.

Tribunal constitucional

Fundamentos

Artigo 119º CRP


1. As reuniões das assembleias que funcionem como órgãos de soberania, das regiões
autónomas ou do poder local são públicas, exceto nos casos previstos na lei
2. Salvo quando a Constituição ou a lei exijam maioria qualificada, as deliberações dos órgãos
colegiais são tomadas à pluralidade de votos, estando presente a maioria do número legal dos
seus membros - quórum deliberativo
3. Salvo nos casos previstos na Constituição, na lei e nos respetivos regimentos, as
deliberações dos órgãos colegiais são tomadas à pluralidade de votos, não contando as
abstenções para o apuramento da maioria

O nº2 e nº3 estabelece o quórum necessário para que um órgão colegial possa validamente
tomar deliberações e a maioria necessária para a validade das deliberações tomadas.
No nº1 estabeleceu-se uma distinção entre os órgãos colegiais, conforme se trate ou não de
assembleias.
Gomes Canotilho e Vital Moreira escreveram relativamente ao artigo 119º CRP que as
assembleias abrangidas pelo nº1 são:

 AR
 Assembleias regionais
 Assembleias municipais
 Assembleias de freguesia

No nº2 estabelece-se a regra da maioria relativa em relação às deliberações dos órgãos


colegiais. Exige a presença da maioria dos membros para que um órgão colegial possa tomar
deliberações.
Existindo o quórum (presença de mais de metade dos membros) basta que a deliberação seja
aprovada por maioria simples.
Trata-se de impedir que as deliberações sejam tomadas por um número pouco representativo
de membros do órgão, sem todavia dificultar excessivamente o processo deliberativo com
quórum mais exigente.
É evidente que nem a lei nem os regimentos de cada órgão podem dispensar tal quórum ou
estabelecer uma regra mais exigente.
Uma vez que a Constituição só dispõe para as "deliberações", torna-se claro que a regra de
maioria de presenças não é vinculativa para o funcionamento que não se traduza em
deliberações.
O problema que aqui se pode suscitar é o do valor das abstenções.

Os mesmo autores, depois da revisão de 1982, anotaram que a epígrafe do preceito (órgãos
colegiais) não exprime com clareza o seu sentido e alcance, pois "não se trata de individualizar
os órgãos colegiais, mas sim de consagrar alguns dos mais importantes princípios relativos à
formação da vontade dos órgãos colegiais, quer sejam os órgãos de soberania, quer os das
regiões autónomas e do poder local.

No nº3, em princípio, basta a maioria simples para a aprovação de qualquer deliberação.


É o princípio da maioria relativa.
A aprovação por maioria simples é apenas um princípio subsidiário, que cede quando a
Constituição, ela mesma, a lei ou os regimentos dos próprios órgãos exijam maiorias
qualificadas.

Jorge Miranda diz que a falta de quórum determina a invalidade, quando não inexistência
jurídica, de deliberação.
O quórum é uma garantia da instituição e, simultaneamente, do direito de participação dos
titulares do órgão.

A Constituição impõe que as deliberações dos órgãos colegiais de soberania, das regiões
autónomas e do poder local sejam tomadas com a presença da maioria do número legal dos
seus membros (artigo 119º/nº2).

Outros autores, entre eles, Freitas do Amaral, entendem que o artigo 119º/nº2 é aplicável
apenas aos órgãos colegiais que funcionem como órgãos de soberania, das regiões autónomas
ou do poder local.
Conclusão

Pode assim concluir-se, com a doutrina, que a exigência de um quórum deliberativo, feita pelo
artigo 119º/nº2 da Constituição, apenas vale para os órgãos colegiais que funcionem como
órgãos de soberania, das regiões autónomas ou das autarquias locais.

Estando em causa órgãos colegiais de assembleia, a exigência de um quórum deliberativo,


equivalente a metade e mais um do número legal dos seus membros, apenas vale para a
Assembleia da República, para as Assembleias Legislativas Regionais, para as Assembleias das
Autarquias Locais (assembleias de freguesia, municipais e regionais) e, enquanto subsistirem,
para as Assembleias Distritais.

A lei não tem, por isso, que exigir a presença da maioria do número legal dos membros dos
órgãos colegiais integrados na Administração Pública que não funcionem como órgãos de
soberania, das regiões autónomas ou das autarquias locais, como condição de validade da sua
tomada de deliberações.
Ao exigir um quórum deliberativo, este pode ser inferior a metade do número legal dos
membros do respetivo órgão.

É assim compatível com o artigo 119º/nº2 uma disposição como a do artigo 22º/nº2 CPA que,
não regendo para os órgãos colegiais que funcionem como órgãos de soberania, das regiões
autónomas ou das autarquias locais, dispõe que:

1. Em primeira convocatória, os órgãos colegiais da Administração Pública, que não funcionem


como órgãos de soberania, das regiões autónomas ou das autarquias locais, só podem
deliberar, estando presente a maioria do número legal dos seus membros com direito de voto

2. Não comparecendo o número de membros exigido, será convocada nova reunião, com
intervalo de, pelo menos, vinte e quatro horas, podendo o órgão deliberar desde que esteja
presente um terço dos membros com direito de voto, em número não inferior a três.

Em segunda convocatória, o quórum já não é a maioria dos respetivos membros, mas apenas
um terço. Com uma condição: que esse terço não seja inferior a três.

Sublinha Diogo Freitas do Amaral que o artigo 22º/nº2 não é aplicável às assembleias que
funcionem como órgãos de soberania, das regiões autónomas ou do poder local, uma vez que
quanto a estas a Constituição exige a presença da maioria do número legal dos seus membros -
artigo 119º/nº1 e nº2

Contrariamente ao que pretende o requerente, o artigo 22º/nº2 CPA não se aplica às


assembleias das autarquias locais.

Tribunal Constitucional, porém, não declarou a inconstitucionalidade, por entender que o nº2
do artigo 22º CPA era passível de uma interpretação restritiva.

Perigo da interpretação conforme com a CRP é de permitir interpretações inconstitucionais


porque em sede de fiscalização sucessiva abstrata o seu juízo de interpretação conforme à
Constituição não é vinculativo.
As únicas decisões que são vinculativas são as de inconstitucionalidade.
Em sede de fiscalização abstrata, quando o Tribunal declara a inconstitucionalidade, mais
ninguém pode aplicar aquela norma. Por isso, muitos autores dizem que mais vale que o
Tribunal declare a inconstitucionalidade.
No caso de fiscalização sucessiva concreta, o juízo de interpretação do Tribunal é vinculativo.

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