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Capítulo 13

PARTIDOS POLÍTICOS E GRUPOS DE PRESSÃO


Sumário
1 Considerações gerais
2 Classificação dos partidos políticos
3 Funções dos partidos políticos
4 Os partidos políticos na Constituição de 1988
5 Grupos de pressão
& 1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
Diz Maurice Duverger, autor da proposta do termo "estasiologia" para uma
possível ciência dos partidos políticos, que, "em 1850, nenhum país do mundo (salvo os E
stados Unidos) conhecia partidos políticos no sentido moderno do termo: encontrava
m-se tendências de opiniões; clubes populares, associações de pensamento, grupos parlame
ntares, mas nenhum partido propriamente dito. Em 1950, estes funcionavam na maio
r parte das nações civilizadas, os outros se esforçavam por imitá-las" (1).
Os partidos políticos desempenham significativo papel nos regimes democráticos, fala
ndo-se até mesmo em democracia de partidos, porquanto é através deles que se organiza
a vontade popular, em busca do poder para a realização de um programa comum. Assim,
na noção de partido político entram todas as organizações da sociedade civil, surgidas no
momento em que se reconhecia teórica ou praticamente ao povo o direito de particip
ar da gestão do Poder Público.
Os conceitos de partidos políticos são vários, destacando-se o de Jellinek,
para quem "são grupos formados sob a influência de convicções comuns voltadas
para certos fins políticos, que se esforçam para realizar", e o de P. Virga que conc
ebe os partidos políticos como "uma formação social espontânea que tem como
base uma concepção política ou interesses políticos comuns, e que se propõe à
conquista do poder" (2).
Os partidos políticos no Brasil foram institucionalizados com a Constituição de
1946, dizendo Paulo Bonavides que não andaria exagerado quem datasse dessa Constit
uição "a existência verdadeira do partido político em nosso país, existência que começa com
advento dos partidos nacionais. Os cem anos antecedentes viram apenas agremiações qu
e, à luz dos conceitos contemporâneos, relativos à organização e funcionamento dos partido
s, dificilmente poderiam receber o nome partidário." (3)
Note-se, contudo, que no Brasil não há tradição partidária, seja pelo exagerado
personalismo que domina a vida política brasileira e a dos próprio partidos, levando
ao desapreço pelos programas e diretrizes partidárias, seja pelo acentuado regional
ismo que tem servido de base e orientado a sua formação.
(1) DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos, p. 19.
(2) TRANSMONTE, Baldomero Cores. Dicionário de ciências sociais. Verbete: partido po
lítico.
(3) BONAVIDES, Paulo. Ciência política, p. 470.
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& 2 CLASSIFICAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS
Há vários critérios utilizados para a classificação dos partidos políticos.
Os partidos de quadros e os partidos de massas tomam como base a estrutura inter
na. Proposta por Duverger, considera ele partidos de quadros os que se
caracterizam por visar à qualidade de seus membros, e não à sua quantidade, cujo
grupo reduzido desenvolve a atividade partidária. Procura reunir personalidades
que devem ter um certo prestígio e que, pela fortuna, se disponham a ajudar a
cobrir as despesas partidárias.
Os partidos de massas caracterizam-se por englobarem um maior número de
adeptos e visam contribuir para a formação política da população, criar estruturas econômic
s e sociais de massas. As contribuições financeiras se baseiam em quotas pagas pelos
adeptos do partido.
Os partidos flexíveis caracterizam-se pela ausência de disciplina interna e bancadas
parlamentares; já os partidos rígidos, por serem centralizados, exigem uma "discipl
ina estreita" a seus integrantes.
Fala-se ainda em sistemas de partido único, sistemas bipartidários e sistemas
multipartidários, considerando-se sua organização externa. "O unipartidarismo
pode ser simples ou básico, na hipótese de existir, apenas, um partido, como na
União Soviética (extinta), na Alemanha nazista ou na Itália fascista, ou existirem m
ais, sujeitos, todavia, à ação de um partido predominante, como no México (Partido Repub
licano Institucional). O mesmo sucede com o bipartidarismo que, no aspecto ortod
oxo, existe no Uruguai e na Turquia (blancos e colorados, e Partido da Nação e Parti
do Democrata, respectivamente). Os regimes inglês (também o canadense) e americano são
bipartidários básicos". (4)
Apesar da existência do bipartidarismo no Brasil, depois de 1964, esse dualismo
partidário foi fraudado pela ação de um partido absorvente, ocorrendo, assim,
indissimulável monocracia partidária, é o que esclarece Fernando Whitaker da Cunha.
O pluripartidarismo caracteriza-se pela existência de vários partidos, com a
possibilidade de um predominar sobre os demais. A multiplicação, contudo, de partido
s políticos, pode levar a uma excessiva divisão do eleitorado, com a necessidade de
coligações partidárias, como pode ocorrer a formação de um bipartidarismo, pela existência
e duas agremiações de maior presença.
Mencione-se, ainda, os partidos de patronagem (buscam o poder para entregá-lo a se
us dirigentes e servir à sua clientela); os partidos ideológicos (objetivam a
aplicação política de suas idéias); os partidos de classe (representam determinadas ca
madas sociais), classificação proposta por Max Weber.
São ainda tipos partidários, os partidos de direita, de esquerda ou de centro,
segundo assumam uma orientação conservadora, socializante ou intermediária.
(4) CUNHA, Fernando Whitaker da. Representação política e poder, p. 74.
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Pode-se ainda diferenciar o "partido do poder" do que não está no poder: o
primeiro se desintegra quando está no governo em razão das transações políticas que deve r
ealizar, da inaplicabilidade de muitos dos seus princípios e das resistências que su
scitam outros; o segundo é um partido de oposição, com as facilidades que tal postura
acarreta. É mais fácil unir-se contra que a favor de algo; por isso, o partido de op
osição aproveita a crítica ao partido governante para obter a adesão de muitos simpatiza
ntes (Bidart Campos).
Finalmente, há os partidos nacionais, devendo ter filiados em grande parte do
território nacional que lhes confiram expressão nacional; os partidos regionais, lim
itado o âmbito de sua atuação a determinada região, e os partidos locais, de âmbito munici
pal.
& 3 FUNÇÕES DOS PARTIDOS POLÍTICOS
Consideram-se como principais funções dos partidos políticos as seguintes: a)
coordenação e simplificação de opiniões e interesses concretos com vistas a influir no pod
er político, consubstanciados em idéias gerais, como justiça social, igualdade, segura
nça; b) difusão do seu programa político, já que todo partido é sempre um instrumento de p
romoção ideológica; c) seleção, em seu próprio âmbito de atuação, `das pessoas que devem as
a cargos no governo, como organizador da chamada classe política , orientando e pr
omovendo a experiência da carreira política de seus membros; d) organização das eleições, c
m a apresentação e apoio aos seus candidatos, mediante a utilização de sua estrutura; e)
apoio, com propaganda e ação partidária, em determinado órgão do Poder, especialmente no
Parlamento, à obra do governo, quando se tratar de partido da situação, e crítica a seus
adversários; f) realização de atividades internas de conservação, estabelecendo os seus q
uadros e os meios necessários para suas atividades, como donativos, cotas, etc.; g
) realização, em nível
de seus líderes e de seus quadros diretivos, do equilíbrio entre consenso e conflito
, resultante de uma divisão ou confronto de interesses ou ideologias.
& 4 OS PARTIDOS POLÍTICOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Dispõe o art. 17 da Constituição de 1988 que "é livre a criação, fusão, incorporação e exti
tidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripa
rtidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana, e observados os seguintes
preceitos:
I - caráter nacional;
II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo
estrangeiros ou de subordinação a estes;
III - prestação de contas à Justiça Eleitoral;
IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei".
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Os partidos políticos têm autonomia para definir sua estrutura interna, organização e fu
ncionamento (§ 1° do art. 17). Assim, tais matérias que refletem a autonomia partidária
serão reguladas no estatuto do partido, e não em lei. O estatuto disporá ainda sobre n
ormas de fidelidade e disciplina partidárias, notando-se que a Constituição não contém nor
ma que sanciona, com a perda do mandato parlamentar, a infidelidade partidária. O
estatuto é que disporá sobre a expulsão do congressista infiel ao partido.
Inovação significativa do texto de 1988 diz respeito à natureza jurídica dos partidos po
líticos, que são agora pessoas jurídicas de direito privado, pois, após adquirirem perso
nalidade jurídica na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Supe
rior Eleitoral (art. 17, § 2°). Quer isso dizer que os partidos políticos deverão inscre
ver seus estatutos no registro das pessoas jurídicas, adquirindo personalidade juríd
ica de direito privado.
Têm os partidos políticos direito a recursos do fundo partidário para a realização de qual
quer serviço, trabalho ou empreendimento da agremiação, e acesso gratuito ao rádio e à tel
evisão, na forma da lei (art. 17, § 3°).
Veda-se aos partidos a utilização de organização paramilitar, pois a própria
Constituição declara, no art. 5°, XLIV, que "constitui crime inafiançável e
imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constituci
onal e o Estado Democrático".
& 5 GRUPOS DE PRESSÃO
Grupo de pressão é aquele que se constitui para influir nas decisões do poder
político, com um objetivo concreto e determinado, sem assumir as responsabilidade
s da decisão política.
Mas, além dos grupos de pressão, que são coletivos, há, no tocante à influência
sobre o poder político, a pressão desenvolvida por indivíduos isoladamente, motivo por
que se deve considerar os grupos de pressão como um aspecto parcial das forças de p
ressão, que podem ser individuais e plurais.
Mencione-se ainda, como distinto do grupo de pressão, o grupo de interesses
que, ao contrário daquele, não persegue necessariamente o político, mas, de índole polític
a, cultural ou religiosa, agrega pessoas que apenas sustentam um gosto comum, ou
uma atitude comum perante o mundo e a vida. (5)
Os grupos de pressão se acham inseridos na sociedade pluralista e suprem a
insuficiência dos partidos políticos que não conseguem satisfazer as necessidades
(5) MOREIRA, Adriano. Ciência política, p. 154.
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das aspirações populares, nem tutelar seus interesses. Cria-se, desse modo, um vazio
preenchido pelos grupos de pressão.
Daí por que no sistema representativo "se desenvolveu uma forma de representação de gr
upos que supera os corpos eleitorais distribuídos geograficamente e faz pesar muit
o mais fortemente a influência dos interesses especiais na balança
legislativa do que a de qualquer agregado irrelevante de eleitores ocasionais".
(6)
E a capacidade de influência dos grupos de pressão acha-se condicionada a três
características: número representativo de componentes, capacidade financeira e organ
ização.
Quanto ao número de filiados, que garante a legitimidade do grupo para agir
em nome de determinado segmento social ou empresarial, pode ser grande ou pequen
o, variando em função do interesse motivador, devendo, contudo, ser representativo.
Já a capacidade financeira e a organização residem nos grupos bem estruturados, com vi
stas a dotar a associação de mobilidade e instrumental de persuasão, capacitando-o ger
encialmente para a obtenção de recursos humanos, técnicos e financeiros, para o exercíci
o de influência no processo decisório.
Podem-se citar como motivação dos grupos, as seguintes: a) econômica; b) ideológica; c)
religiosa; d) cultural; e) política; f) profissional; g) ambiental; h) geográfica. O
bserva-se que, na maioria dos casos, as motivações não surgem isoladamente como fator
de impulsão dos grupos, mas se acham permeadas por mais de um deles. Assim, no que
se refere à atuação dos grupos no Congresso Nacional, na sua maioria está presente a mo
tivação econômica associada a fatores políticos, profissionais ou de caráter regional.
Os grupos de pressão, conhecidos como lobbys (= antecâmaras, corredores, a
cabala dos corredores do Congresso), envolve o lobbying, isto é, o método de ação por el
es empregado, bem como o lobbyisten, que são as pessoas que se entregam à prática dess
a atuação política.
A ação dos "lobistas" pode ser positiva ou negativa.
No primeiro caso, ela suplementa a ação dos partidos políticos, permitindo a
realização do próprio interesse público, em especial junto ao processo legislativo:
como falava Nehemias Gueiros, na 1a Conferência da Ordem dos Advogados do
Brasil, o lobbying é "uma atividade correta e corregedora, espécie de higiene da lei
".
Observe-se, no entanto, que muitas vezes os grupos de pressão, em vez de influenci
ar a feitura das leis, buscam criar uma aparência de apoio público.
No aspecto negativo, assinale-se os graves inconvenientes dos grupos de pressão, q
uais sejam, sua luta desenfreada pelos interesses particulares (utilizando, até
mesmo, a intimidação e a corrupção), o poder sem responsabilidade, a desunião dos
(6) RODRIGUES, Lêda Boechat. Direito e política, p. 148.
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membros da comunidade e a sua contribuição para o que se pode chamar de dispersão ou a
tomização do poder:
"É certo que uma série de fatores deve ser considerado ao analisar o grupo de pressão.
Primeiramente, cumpre verificar que tipos de interesses almejam, se permanentes
ou ocasionais; permanentes no sentido do interesse fixo perseguido, por exemplo
, econômico, material, social etc. Qual o número de seus adeptos e qual a capacidade
financeira do grupo: como está organizado, qual a capacidade que tem em influenci
ar os agentes estatais ou mesmo a opinião pública, direta ou indiretamente: que tipo
s de `métodos' são utilizados para conseguir alcançar seus objetivos. Obviamente respo
ndendo a essa série de questões, ter-se-á uma boa medida do grupo depressão analisado, e
de sua conveniência ou não ao sistema democrático". (7)
Deve-se então buscar corretivos contra a influência de determinados grupos de
pressão: tais se encontrariam no fortalecimento dos partidos políticos, eleições honesta
s, amplo sufrágio e livre exercício das liberdades públicas.
(7) FIGUEIREDO, Marcelo. Teoria geral do Estado, p. 134.
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