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Livro de Gênesis - Introdução

Por Felipe Moura

1) Introdução

O Livro de Gênesis faz parte da categoria de livros denominada Pentateuco ou,


no hebraico, Torá (‫)תּוֹרה‬,
ָ composta pelos cinco primeiros livros da Bíblia Hebraica
(Tanakh).

O nome hebraico pelo qual a obra é conhecida é Bereshit (‫)בּ ְֵראשִׁית‬, ou “No
Princípio [de…]”, em alusão à primeira palavra do texto.

O nome Gênesis vem do grego Génesis (γένεσις), que significa “começo”, em


referência a narrar o princípio da história do povo de Israel, o que inclui o princípio
da história da humanidade.

2) Autoria

“A autoria de Gênesis é semelhantemente uma questão controversa… O livro


em si não nomeia ninguém como seu autor, e não faz nenhuma alegação de ser
divinamente revelado ou inspirado (apesar de conter muitos relatos de discurso
divino).

Quando outros livros se referem à Torá de Moisés, eles citam textos jurídicos, e
não há motivo para pensar que Gênesis formava parte do corpo assim designado.

De fato, há diversos indícios de que a narrativa de Gênesis assume um narrador


pós-Mosaico sem qualquer embaraço…

No Segundo Templo e no Judaísmo rabínico, contudo, Gênesis é tratado como


parte da Torá de Moisés. Apesar de uma quantidade de dificuldades levantadas sobre
algumas passagens particulares por rabinos proeminentes na Idade Média, essa se
tornou a tradição de consenso.” (Jewish Study Bible - Genesis)

É possível que Moisés tenha, de fato, iniciado a compilação da obra. Porém,


ela certamente não foi por ele concluída. É bem provável que Josué tem dado
continuidade ao texto. Ao que tudo indica, sua forma final ocorreu nos tempos da
monarquia em Israel, conforme será visto mais adiante.

Que a composição possui elementos pós-mosaicos é fato, devido a algumas


passagens. Por exemplo:

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“Abrão atravessou a terra até o lugar do Carvalho de Moré, em Siquém. Naquela
época os cananeus habitavam essa terra.” (Gênesis 1216)

O trecho acima é um comentário certamente feito após a conquista da terra,


quando os cananeus já não habitavam mais o local.

“Quando Abrão ouviu que seu parente fora levado prisioneiro, mandou convocar os
trezentos e dezoito homens treinados, nascidos em sua casa, e saiu em perseguição
aos inimigos até Dã.” (Gênesis 14:14)

O trecho acima só pode ter sido escrito numa época em que Dã já habitava
parte do território da terra de Canaã,

“Estes foram os reis que reinaram no território de Edom antes de haver rei entre os
israelitas.” (Gênesis 36:31)

O trecho acima só pode ter sido escrito numa época em que já havia monarquia
em Israel, algo que não fazia parte do plano original na época dos juízes.

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3) Estilo Literário

Para compreender melhor a questão do estilo literário do Gênesis, é importante


compará-lo a obras semelhantes da literatura do antigo Oriente Médio, que narravam
mitos criacionistas e a origem de importantes cidades, povos e nações.

“Em seus relatos das épocas passadas não distinguiam entre mito, lenda e o que
hoje chamamos de ‘fatos históricos’.

Não era seu propósito primordial estabelecer a verdade [histórica] exata dos
eventos que eles descreviam, mas sim criar nos seus leitores uma consciência de sua
própria identidade e um sentimento de que eles eram cidadãos de uma grande e nobre
cidade ou raça.

Esses historiadores faziam pleno uso das tradições existentes acerca do


passado, mas também eram criadores de tradição: onde as tradições existentes eram
faltantes ou escassas, eles não hesitavam em preenchê-las com detalhes, até mesmo
histórias inteiras, supridas por sua própria imaginação.

Esse tipo de escrita imaginativa tem suas analogias com a dos historiadores
israelitas; mas os propósitos dos últimos era um pouco diferente.

Eles estavam certamente preocupados em criar - ou, talvez, restaurar - um


sentimento de identidade nacional em seus leitores; mas sua intenção era bem mais
triunfalista: os principais personagens humanos não eram heróis em seu sentido
pleno.

Para eles, sempre foi o Eterno quem teve o papel principal; os personagens
humanos são apresentados como criaturas tolas e frequentemente pecadoras que, a
todo tempo, frustram as boas intenções do Eterno para com eles.” (The Oxford Bible
Commentary - Genesis - Literary Genre)


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4) A Mensagem do Gênesis

“No mundo do antigo Oriente Médio no qual Israel emergiu , os princípios


eram considerados cruciais , pois entendia-se que as origens das coisas revelavam sua
natureza e propósito.

No Gênesis, as origens de Israel… estão numa promessa misteriosa do Eterno a


um mesopotâmio cujo nome é Abrão (alterado para “Abraão” no cap.17). A essêncioa
da promessa é a de que Ele o tornará uma grande nação, o abençoará
abundantemente, e o concederá a terra de Canaã.

Tida como ostensivamente absurda quando primeiro vem, a promessa encara


um obstáculo após o outro ao longo do curso de Gênesis - principalmente, a
esterilidade da esposa primordial de Abraão (e das outras matriarcas nas duas
gerações seguintes) e a rivalidade fraterna homicida entre seus descendentes.

E ainda, ao final de Gênesis, apesar de todos os obstáculos, um israelita


efetivamente governa uma superpotência (Egito), e a promessa da terra, apesar de
distante do cumprimento (que vem somente no livro de Josué), não foi
esquecida.” (Jewish Study Bible - Genesis)

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5) Buscando a Unidade: Teologia

É nítida a intenção do compêndio de unificar a percepção do Eterno. Da mesma


forma que se pode observar que as divindades nas nações assumiam características
peculiares em determinadas regiões - fenômeno que se observa até hoje - é muito
provável que a percepção dos israelitas quanto ao Eterno enquanto YHWH, Elohim,
`Elyon, Shaday, etc. também divergisse, o que representaria um risco tanto para o
Monoteísmo quanto para a centralização do culto.

Em sendo um compêndio de diferentes tradições, o Gênesis traz um aspecto


nitidamente harmonizador e unificador em sua teologia:

“ Existe apenas um Deus, que criou os céus e a terra (isto é, o mundo), e que
chamou todos os objetos e seres vivos à existência pela Sua palavra. O ponto mais
importante da teologia de Gênesis, depois desse fato fundamental, é a variação
intencional do nome de Deus.

É o ponto mais impressionante do livro que o mesmo deus é ora chamado de


“Elohim” e ora “YHWH”. Nessa variação se encontra a chave de todo o livro… Não
é acidental; nem são os nomes usados de forma indiferente pelo autor, apesar do
princípio que ele segue não poder ser reduzido a uma fórmula simples, nem a
intenção especial de cada caso ser tornada evidente” (Benno Jacob, Emil G. Hirsch -
The Book of Genesis - Jewish Encyclopedia)

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6) Buscando a Unidade: Tradições

Como fazer quando se tem um povo com diferentes tradições orais e histórias
acerca de sua origem? A harmonização, novamente, se fez necessária para assegurar a
identidade nacional.

“Um aspecto da narrativa do Gênesis que requer atenção especial é sua


alta tolerância para diferentes versões do mesmo evento, uma característica bem
conhecida da literatura do antigo Oriente Médio, desde os tempos mais antigos até o
midrash rabínico.

O livro apresenta, por exemplo, duas narrativas de Abrão/Abraão tentando


fazer sua esposa se passar por sua irmã (12:10-20; 20:1-18; cf. 26:1-11), duas
narrativas do Eterno fazendo uma aliança com ele (caps. 15 e 17), e duas narrativas
de como o nome de Jacó foi mudado para Israel (32:23-33; 35:9-15).

Nessas instâncias, a maioria dos acadêmicos bíblicos modernos vêem


diferentes documentos antecedentes que editores (conhecidos como redatores)
combinaram para nos dar o texto agora em nossas mãos.

Isso não poderia ter acontecido, contudo, se a existência da variação fosse vista
como um grave defeito ou se uma consistência rígida fosse considerada essencial
para narrativas eficazes.

Contudo, os redatores escolheram uma abordagem diferente, se recusando a


descartar as muitas variações como ilegítimas ou imprecisas, ao invés disso tratando
diferentes versões como eventos sequenciais na mesma história mais ampla.

O resultado é uma certa medida de repetição, certamente, mas a repetição está


a serviço de uma apresentação sofisticada dos temas com variações num livro rico em
analogia narrativa, revelando eco e contraste sugestivo.

Para os rabinos dos tempos talmúdicos e seus sucessores através dos séculos, a
exploração desses recursos literários sutis proveu um insight indispensável não
apenas ao primeiro livro da Torá (a parte mais sagrada do Tanakh) mas também à
própria mente do Eterno.” (Jewish Study Bible - Genesis)


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7) Estrutura

O livro é estruturado em quatro seções principais:

1) A História Primitiva: 1:1-11:26

2) A História de Abraão: 11:27-25:18

3) A História de Jacó: 25:19-36:43

4) A História de José: 37:1-50:26

Outros personagens, como Isaque e os demais filhos de Israel, têm participação


secundária dentro do ciclo desses principais.


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8) Introdução à Primeira Seção: História Primitiva

“A primeira seção, a história primitiva, nos leva desde a criação do


mundo até o nascimento do pai de Abrão dezenove gerações depois. Suas histórias
são curtas, costuradas liberalmente, e conectadas somente pelas genealogias que
identificam a geração na qual a ação ocorre.

Há, contudo, um tema mais amplo: o alastramento da maldade humana, a


recusa da humanidade de aceitar seu status de criatura, a medida em que buscam
apagar o importante limite entre o humano e o divino e, como resultado, trazem
catástrofe sobre eles próprios.

O centro da atenção [do tecto] é o Eterno, que é retratado de forma bastante


antropomórfica e fala diretamente e frequentemente aos seres humanos, condenando
ou poupando, anunciando Seus juízos ou Sua paciência misericordiosa.

Amplamente por causa de seu foco na criação, a história primordial exibe uma
grande quantidade de contatos com a mitologia Mesopotâmia.

O relato da criação com o qual o Gênesis abre (1:1-2:3), por exemplo, tem
afinidades com o Enuma Elish, um épico babilônio, que nos fala como um deus,
Marduk, obteve supremacia sobre os outros e criou o mundo dividindo seu inimigo
aquático no meio.

A história do pecado de Adão e Eva no jardim do Éden (2:25-3:24) exibe


semelhanças com Gilgamesh, um poema épico que fala de um herói que perdeu a
oportunidade da imortalidade e aceitou sua humanidade.

A história de Noé (6:5-9:17) tem conexões próximas com Atrahasis, uma


história Mesopotâmia na qual os deuses enviam um dilúvio para dizimar a
humanidade, com exceção de um homem através de quem a humanidade se recomeça
novamente (a história foi por fim também incorporada em Gilgamesh).

Em cada caso, o narrador bíblico adaptou um precursor mesopotâmio à


teologia israelita. A história primordial assim evidencial tanto as profundas
continuidades quanto os impressionantes pontos de descontinuidade entre o Israel
bíblico e seus antecessores mesopotâmios e contemporâenos.” (Jewish Study Bible -
Genesis)


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